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Presidente da RepúblicaLUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Ministro da EducaçãoFERNANDO HADDAD

Secretário-ExecutivoJOSÉ HENRIQUE PAIM FERNANDES

Secretário de Educação BásicaFRANCISCO DAS CHAGAS FERNANDES

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ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOSORIENTAÇÕES PARA A INCLUSÃO DA CRIANÇA

DE SEIS ANOS DE IDADE

Brasília2006

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Diretora de Políticas da Educação Infantil e do Ensino FundamentalJEANETE BEAUCHAMP

Coordenadora Geral do Ensino FundamentalSANDRA DENISE PAGEL

Organização do DocumentoJeanete BeauchampSandra Denise PagelAricélia Ribeiro do Nascimento

Projeto Gráfico e DiagramaçãoEstação Gráfica

Impresso no Brasil

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APRESENTAÇÃO

Este governo, ao reafirmar a urgência da construção de uma escola inclusiva, cidadã, solidá ria e de qualidade social para todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros, assume, cada vez mais, o compromisso com a implementação de políticas indutoras de transforma-

ções significativas na estrutura da escola, na reorganização dos tempos e dos espaços escolares, nasformas de ensinar, aprender, avaliar, organizar e desenvolver o currículo, e trabalhar com o co-nhecimento, respeitando as singularidades do desenvolvimento humano.

O Ministério da Educação vem envidando efetivos esforços na ampliação do ensino fundamentalpara nove anos de duração, considerando a crescente universalização dessa etapa de ensino deoito anos de duração e, ainda, a necessidade de o Brasil aumentar o número de anos do ensinoobrigatório. Essa relevância é constatada, também, ao se analisar a legislação educacional brasilei-ra: a Lei no 4.024/1961 estabeleceu quatro anos de escolaridade obrigatória; com o Acordo dePunta Del Este e Santiago, de 1970, estendeu-se para seis anos o tempo do ensino obrigatório; aLei no 5.692/1971 determinou a extensão da obrigatoriedade para oito anos; já a Lei no 9.394/1996 sinalizou para um ensino obrigatório de nove anos de duração, a iniciar-se aos seis anos deidade, o que, por sua vez, tornou-se meta da educação nacional pela Lei no 10.172/2001, queaprovou o Plano Nacional de Educação. Finalmente, em 6 de fevereiro de 2006, a Lei no 11.274,institui o ensino fundamental de nove anos de duração com a inclusão das crianças de seis anos deidade.

Com a aprovação da Lei no 11.274/2006, mais crianças serão incluídas no sistema educacionalbrasileiro, especialmente aquelas pertencentes aos setores populares, uma vez que as crianças deseis anos de idade das classes média e alta já se encontram, majoritariamente, incorporadas aosistema de ensino – na pré-escola ou na primeira série do ensino fundamental.

A importância dessa decisão política relaciona-se, também, ao fato de recentes pesquisas mostra-rem que 81,7% das crianças de seis anos estão na escola, sendo que 38,9% freqüentam a educaçãoinfantil, 13,6% pertencem às classes de alfabetização e 29,6% estão no ensino fundamental (IBGE,Censo Demográfico 2000).

Outro fator importante para a inclusão das crianças de seis anos na instituição escolar deve-se aosresultados de estudos demonstrarem que, quando as crianças ingressam na instituição escolar an-tes dos sete anos de idade, apresentam, em sua maioria, resultados superiores em relação àquelas queingressam somente aos sete anos. A exemplo desses estudos, podemos citar o Sistema Nacional deAvaliação da Educação Básica (Saeb) 2003. Tal sistema demonstra que crianças com histórico de

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experiência na pré-escola obtiveram maiores médias de proficiência em leitura: vinte pontos amais nos resultados dos testes de leitura.

Para que o ensino fundamental de nove anos seja assumido como direito público subjetivo e,portanto, objeto de recenseamento e chamada escolar pública (LDB 9.394/1996 Art. 5º), é fun-damental, nesse momento de sua implantação, considerar a organização federativa e o regime decolaboração entre os sistemas de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal. Deve-se ob-servar, também, o que estabelece a Resolução CNE/CEB no 3/2005, de 3 de agosto de 2005, quefixa, como condição para a matrícula de crianças de seis anos de idade no ensino fundamental,que essas, obrigatoriamente, tenham seis anos completos ou a completar no início do ano letivoem curso.

Ressalte-se que o ingresso da criança de seis anos no ensino fundamental não pode constituir umamedida meramente administrativa. É preciso atenção ao processo de desenvolvimento e aprendi-zagem das crianças, o que implica conhecimento e respeito às suas características etárias, sociais,psicológicas, e cognitivas.

Nesse sentido, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB) e doDepartamento de Políticas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (DPE), buscandofortalecer um processo de debate com professores e gestores sobre a infância na educação básica,elaborou este documento, cujos focos são o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças deseis anos de idade ingressantes no ensino fundamental de nove anos, sem perder de vista aabrangência da infância de seis a dez anos de idade nessa etapa de ensino.

Finalmente, informamos que este documento compõe-se de nove capítulos: A infância e sua singu-laridade; A infância na escola e na vida: uma relação fundamental; O brincar como um modo de ser eestar no mundo; As diversas expressões e o desenvolvimento da criança na escola; As crianças de seisanos e as áreas do conhecimento; Letramento e alfabetização: pensando a prática pedagógica; A organi-zação do trabalho pedagógico: alfabetização e letramento como eixos organizadores; Avaliação e apren-dizagem na escola: a prática pedagógica como eixo da reflexão; e Modalidades organizativas do trabalhopedagógico: uma possibilidade.

Fernando HaddadMinistro da Educação

Francisco das Chagas FernandesSecretário da Educação Básica

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A infância e sua singularidadeSonia Kramer

A infância na escola e na vida: uma relação fundamentalAnelise Monteiro do Nascimento

O brincar como um modo de ser e estar no mundoAngela Meyer Borba

As diversas expressões e o desenvolvimento da criança na escolaAngela Meyer Borba e Cecília Goulart

As crianças de seis anos e as áreas do conhecimentoPatrícia Corsino

Letramento e alfabetização: pensando a prática pedagógicaTelma Ferraz Leal, Eliana Borges Correia de Albuquerque, Artur Gomesde Morais

A organização do trabalho pedagógico: alfabetização e letramentocomo eixos orientadoresCecília Goulart

Avaliação e aprendizagem na escola: a prática pedagógicacomo eixo da reflexãoTelma Ferraz Leal, Artur Gomes de Morais, Eliana Borges Correia deAlbuquerque

Modalidades organizativas do trabalho pedagógico: uma possibilidadeAlfredina Nery

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SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

Aimplantação de uma política de ampliação do ensino fundamental de oito para noveanos de duração exige tratamento político, administrativo e pedagógico, uma vez que oobjetivo de um maior número de anos no ensino obrigatório é assegurar a todas as crianças

um tempo mais longo de convívio escolar com maiores oportunidades de aprendizagem.

Ressalte-se que a aprendizagem não depende apenas do aumento do tempo de permanência naescola, mas também do emprego mais eficaz desse tempo: a associação de ambos pode contribuirsignificativamente para que os estudantes aprendam mais e de maneira mais prazerosa.

Para a legitimidade e a efetividade dessa política educacional, são necessárias ações formativas daopinião pública, condições pedagógicas, administrativas, financeiras, materiais e de recursoshumanos, bem como acompanhamento e avaliação, em todos os níveis da gestão educacional.

Nesse sentido, elaboramos este documento Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para ainclusão das crianças de seis anos de idade, uma vez que a implementação dessa política requerorientações pedagógicas que respeitem as crianças como sujeitos da aprendizagem.

Em se tratando dos aspectos administrativos, vale esclarecer que a organização federativa garanteque cada sistema de ensino é competente e livre para construir, com a respectiva comunidadeescolar, seu plano de ampliação do ensino fundamental, como também é responsável pordesenvolver estudos com vistas à democratização do debate, o qual deve envolver, portanto,todos os segmentos interessados em assegurar o padrão de qualidade do processo ensino-aprendizagem.

Faz-se necessário, ainda, que os sistemas de ensino garantam às crianças de seis anos de idade,ingressantes no ensino fundamental, nove anos de estudo nessa etapa da educação básica. Duranteo período de transição entre as duas estruturas, os sistemas devem administrar uma propostacurricular, que assegure as aprendizagens necessárias ao prosseguimento, com sucesso, nos estudostanto às crianças de seis anos quanto às de sete anos de idade que estão ingressando em 2006, bemcomo às crianças ingressantes no, até então, ensino fundamental de oito anos.

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A ampliação do ensino fundamental demanda, ainda, providências para o atendimento dasnecessidades de recursos humanos – professores, gestores e demais profissionais de educação – paralhes assegurar, dentre outras condições, uma política de formação continuada em serviço, o direitoao tempo para o planejamento da prática pedagógica, assim como melhorias em suas carreiras.Além disso, os espaços educativos, os materiais didáticos, o mobiliário e os equipamentos precisamser repensados para atender às crianças com essa nova faixa etária no ensino fundamental, bemcomo à infância que já estava nessa etapa de ensino com oito anos de duração.

Neste início do processo de ampliação do ensino fundamental, existem muitas perguntas dossistemas de ensino sobre o currículo para as classes das crianças de seis anos de idade, entre as quaisdestacamos: o que trabalhar? Qual é o currículo? O currículo para essa faixa etária será o mesmo doúltimo ano da pré-escola? O conteúdo para essa criança será uma compilação dos conteúdos dapré-escola com os da primeira série ou do primeiro ano do ensino fundamental de oito anos?

Antes de refletirmos sobre essas questões, é importante salientar que a mudança na estrutura doensino fundamental não deve se restringir a o que fazer exclusivamente nos primeiros anos: este éo momento para repensar todo o ensino fundamental – tanto os cinco anos iniciais quanto osquatro anos finais.

Quanto às perguntas anteriores, lembramos que os sistemas, neste momento, terão a oportunidadede rever currículos, conteúdos, práticas pedagógicas não somente para o primeiro ano, mas paratodo o ensino fundamental. A criança de seis anos de idade que passa a fazer parte desse nível deensino não poderá ser vista como um sujeito a quem faltam conteúdos da educação infantil ou umsujeito que será preparado, nesse primeiro ano, para os anos seguintes do ensino fundamental.Reafirmamos que essa criança está no ensino obrigatório e, portanto, precisa ser atendida emtodos os objetivos legais e pedagógicos estabelecidos para essa etapa de ensino.

Faz-se necessário destacar, ainda, que a educação infantil não tem como propósito preparar criançaspara o ensino fundamental, essa etapa da educação básica possui objetivos próprios, os quais devemser alcançados a partir do respeito, do cuidado e da educação de crianças que se encontram em umtempo singular da primeira infância. No que concerne ao ensino fundamental, as crianças de seisanos, assim como as demais de sete a dez anos de idade, precisam de uma proposta curricular queatenda a suas características, potencialidades e necessidades específicas.

Nesse sentido, não se trata de compilar conteúdos de duas etapas da educação básica, trata-se deconstruirmos uma proposta pedagógica coerente com as especificidades da segunda infância e queatenda, também, às necessidades de desenvolvimento da adolescência.

A ampliação do ensino fundamental para nove anos significa, também, uma possibilidade dequalificação do ensino e da aprendizagem da alfabetização e do letramento, pois a criança terámais tempo para se apropriar desses conteúdos. No entanto, o ensino nesse primeiro ano ou nessesdois primeiros anos não deverá se reduzir a essas aprendizagens. Por isso, neste documento deorientações pedagógicas, reafirmamos a importância de um trabalho pedagógico que assegure o

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estudo das diversas expressões e de todas as áreas do conhecimento, igualmente necessárias àformação do estudante do ensino fundamental.

Vale lembrar que todos nós – professores, gestores e demais profissionais de apoio à docência –temos, neste momento, uma complexa e urgente tarefa: a elaboração de diretrizes curricularesnacionais para o ensino fundamental de nove anos. Tendo em vista essa realidade, Ministério daEducação e Conselho Nacional de Educação (CNE) já estão trabalhando para atender a essanova exigência da educação básica.

Retomando as idéias iniciais deste texto, é preciso, ainda, que haja, de forma criteriosa, com baseem estudos, debates e entendimentos, a reorganização das propostas pedagógicas das secretarias deeducação e dos projetos pedagógicos das escolas, de modo que assegurem o pleno desenvolvimentodas crianças em seus aspectos físico, psicológico, intelectual, social e cognitivo, tendo em vistaalcançar os objetivos do ensino fundamental, sem restringir a aprendizagem das crianças de seisanos de idade à exclusividade da alfabetização no primeiro ano do ensino fundamental de noveanos, mas sim ampliando as possibilidades de aprendizagem.

Desse modo, neste documento, procuramos apresentar algumas orientações pedagógicas epossibilidades de trabalho, a partir da reflexão e do estudo de alguns aspectos indispensáveis parasubsidiar a prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental, com especial atenção paraas crianças de seis anos de idade. A seguir, passamos a abordar alguns pontos específicos de cadaum dos textos que compõem este documento.

No primeiro texto, exploramos A infância e sua singularidade, tendo como eixo de discussão asdimensões do desenvolvimento humano, a cultura e o conhecimento. Consideramos a infânciaeixo primordial para a compreensão da nova proposta pedagógica necessária aos anos/séries iniciaisdo ensino fundamental e, conseqüentemente, para a reestruturação qualitativa dessa etapa de ensino.

Logo em seguida, refletimos sobre a experiência, vivenciada por crianças, de chegar à escola pelaprimeira vez, o que, sem dúvida, é um acontecimento importante na vida do ser humano. Por isso,elegemos o tema A infância na escola e na vida: uma relação fundamental para conversarmos sobreo sentimento de milhares de crianças que adentram, cheias de expectativas, o universo chamadoescola. Precisamos cuidar para não as frustar, pois, por muitos anos, freqüentarão esse espaçoinstitucional. Optamos por enfatizar a infância da criança de seis a dez anos de idade, partindo dopressuposto de que elas trazem muitas histórias, muitos saberes, jeitos singulares de ser e estar nomundo, formas diversas de viver a infância. Estamos convencidos de que são crianças constituídasde culturas diferentes. Então, como as receber sem as assustar com o rótulo de "alunos do ensinofundamental"? De que maneira é possível acolhê-las como crianças que vivem a singular experiênciada infância? Como as encantar com outros saberes, considerando que algumas estão diante de suaprimeira experiência escolar e outras já trazem boas referências da educação infantil? Essas sãoalgumas das reflexões propostas nesse texto.

Partindo do princípio de que o brincar é da natureza de ser criança, não poderíamos deixar deassegurar um espaço privilegiado para o diálogo sobre tal temática. Hoje, os profissionais da docência

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estão diante de uma boa oportunidade de revisão da proposta pedagógica e do projeto pedagógicoda escola, pois chegaram, para compor essa trajetória de nove anos de ensino e aprendizagens,crianças de seis anos que, por sua vez, vão se encontrar com outras infâncias de sete, oito, nove edez anos de idade. Se assim entendermos, estaremos convencidos de que este é o momento derecolocarmos no currículo dessa etapa da educação básica O brincar como um modo de ser e estar nomundo; o brincar como uma das prioridades de estudo nos espaços de debates pedagógicos, nosprogramas de formação continuada, nos tempos de planejamento; o brincar como uma expressãolegítima e única da infância; o lúdico como um dos princípios para a prática pedagógica; a brincadeiranos tempos e espaços da escola e das salas de aula; a brincadeira como possibilidade para conhecermais as crianças e as infâncias que constituem os anos/séries iniciais do ensino fundamental denove anos.

Mais adiante, convidamos cada profissional de educação, responsável pelo desenvolvimento epela aprendizagem no ensino fundamental, para um debate sobre a importância das Diversasexpressões e o desenvolvimento da criança na escola por entendermos que, para favorecer aaprendizagem, precisamos dialogar com o ser humano em todas as suas dimensões. Não com umsujeito que entra livre na escola e, de maneira cruel, é limitado em suas potencialidades e reduzidoem suas possibilidades de expressão. Para tanto, a escola deve garantir tempos e espaços para omovimento, a dança, a música, a arte, o teatro... Esse ser humano que carrega a leveza da infânciaou a inquietude da adolescência precisa vivenciar, sentir, perceber a essência de cada uma dasexpressões que o torna ainda mais humano. Portanto, é necessário rever o uso dessas expressõescomo pretexto para disciplinar o corpo, como, por exemplo, a utilização da música exclusivamentepara anunciar a hora do lanche, da saída, de fazer silêncio, de aprender letras, de produzir textos,de ir ao banheiro... Sem permitir que crianças e adolescentes possam sentir a música em suasdiferentes manifestações; sem dar a esses estudantes a possibilidade de se tornarem mais sensíveisaos sons dos cantos dos pássaros, à leveza dos sons de uma flauta, felizes ou surpresos diante doacorde alegre ou melancólico de um violão...

Ao apresentamos, no quinto texto deste documento, a temática As crianças de seis anos e as áreasdo conhecimento, objetivamos discutir essas áreas e a relação delas entre si em uma perspectiva demenor fragmentação dos saberes no cotidiano escolar. Estamos diante de uma tarefa complexaque requer atitude de curiosidade científica e de reflexão, de investigação sobre o que sabemos arespeito de cada um dos conteúdos que compõem essas áreas, de inquietude diante de fazerespedagógicos cristalizados. Neste texto, procuramos explorar, mesmo que de forma mínima, cadauma dessas áreas, na perspectiva de dialogar com o(a) professor(a) sobre as inúmeras possibilidadespor elas apresentadas para o desenvolvimento curricular das crianças dos anos/séries inicias doensino fundamental.

Outro tema de extrema relevância nesse processo de ampliação do ensino obrigatório é a questãoda alfabetização nos anos/séries iniciais, por isso procuramos incentivar um debate sobre Letramentoe alfabetização: pensando a prática pedagógica. Assim, optamos por abordar alguns aspectos que devemser objeto de estudo dos professores: a importância da relação das crianças com o mundo da escrita;a incoerência pedagógica da exclusividade da alfabetização nesse primeiro ano/série do ensinofundamental em detrimento das demais áreas do conhecimento; a importância do investimento na

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formação de leitores, na criação de bibliotecas e salas de leitura; e a relevância do papel do professorcomo mediador de leitura. Este é um momento adequado, também, para revermos nossas concepçõese práticas de alfabetização. É urgente garantir que os estudantes tenham direito de aprender a ler e aescrever de maneira contextualizada, assim como é essencial buscar assegurar a formação de estudantesque lêem, escrevem, interpretam, compreendem e fazem uso social desses saberes e, por isso, têmmaiores condições de atuar como cidadãos nos tempos e espaços além da escola.

Organizar o trabalho pedagógico da escola e da sala de aula é tarefa individual e coletiva deprofessores, coordenadores, orientadores, supervisores, equipes de apoio e diretores. Para tanto, éfundamental que se sensibilizem com as especificidades, as potencialidades, os saberes, os limites,as possibilidades das crianças e adolescentes diante do desafio de uma formação voltada para acidadania, a autonomia e a liberdade responsável de aprender e transformar a realidade de maneirapositiva. A forma como a escola percebe e concebe as necessidades e potencialidades de seusestudantes reflete-se diretamente na organização do trabalho escolar. Por isso, vale ressaltar que,como cada escola está inserida em uma realidade com características específicas, não há um únicomodo de organizar as escolas e as salas de aula. Mas é necessário que tenhamos eixos norteadorescomuns. Portanto, procuramos, neste momento de ampliação do ensino fundamental para noveanos, estar atentos para a necessidade de que aspectos estruturantes da escola precisam ser analisadose reelaborados. Por exemplo: como o projeto pedagógico da escola assegura a flexibilização dostempos e dos espaços na lógica da diversidade, da pluralidade, da autonomia, da criatividade, dosagrupamentos e reagrupamentos dos estudantes com vistas a uma efetiva aprendizagem em todasas dimensões do currículo? Como a instituição escolar tem pensado a alfabetização e o letramento,ao organizar e planejar tempos e espaços que assegurem aprendizagens para a formação humana?Com o objetivo de aprofundar o estudo sobre essas e outras questões que permeiam esse tema,elegemos A organização do trabalho pedagógico: alfabetização e letramento como eixos orientadores umassunto relevante na reestruturação do ensino fundamental.

Compreendemos a ampliação do ensino fundamental, também, como uma oportunidade de reverconcepções e práticas de avaliação do ensino-aprendizagem, partindo do princípio de queprecisamos, na educação brasileira, de uma avaliação inclusiva. Para isso, tornam-se urgentes arevisão e a mudança de determinadas concepções de avaliação que se traduzem e se perpetuam empráticas discriminatórias e redutoras das possibilidades de aprender. Assim, no texto Avaliação eaprendizagem na escola: a prática pedagógica como eixo da reflexão, tratamos da avaliação dandoênfase à escola que assegura aprendizagem de qualidade a todos. Ressaltamos a importância deuma escola que, para avaliar, lança mão da observação, do registro e da reflexão constantes doprocesso de ensino-aprendizagem, porque não se limita a resultados finais traduzidos em notas ouconceitos. Enfatizamos a escola que, para avaliar, elabora outros procedimentos e instrumentosalém da prova bimestral e do exercício de verificação, porque ela entende que o ser humano – sejaele criança, adolescente, jovem ou adulto – é singular na forma, na "quantidade" do aprender eem demonstrar suas aprendizagens, por isso precisa de diferentes oportunidades, procedimentos einstrumentos para explicitar seus saberes. É nessa perspectiva de avaliação que reafirmamos ummovimento que procura romper com o caráter meramente classificatório e de verificação dossaberes, que busca constituir nos tempos e espaços da escola e da sala de aula uma prática deavaliação ética e democrática.

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Ao apresentarmos, no último texto, algumas Modalidades organizativas do trabalho pedagógico: umapossibilidade, partimos do princípio de que se faz necessário apresentar, neste momento de ampliaçãodo ensino fundamental, algumas propostas de trabalho cotidiano. Entretanto, nenhuma delasterá significado se o professor(a) não se permitir assumir o seu legítimo lugar de mediador doprocesso ensino-aprendizagem, se não as recriar. As atividades aqui apresentadas não foramelaboradas como modelos, mas como subsídio ao planejamento da prática. Foram elaboradas,apostando na infinita capacidade criativa do(a) professor(a) de reinventar o já pronto, o já posto.Tais atividades têm como propósito encorajar o(a) professor(a) na elaboração de tantas outrasmuito mais ricas e de resultados mais eficientes para a aprendizagem dos estudantes; e forampropositadamente apresentadas para que o(a) professor(a) possa superá-las no estabelecimento denovas referências pedagógicas e metodológicas com vistas a um ensino fundamental de qualidade.

Finalmente, temos convicção de que a tarefa que nós – professores, gestores e demais profissionaisda educação – temos em mãos é da mais profunda complexidade. Sabemos, também, que asreflexões e possibilidades apresentadas neste documento não bastam, não abrangem a diversidadeda nossa escola em suas necessidades curriculares, mas estamos certos de que tomamos a decisãoética de assegurar a todas as crianças brasileiras de seis anos de idade o direito a uma educaçãopública que, mais do que garantir acesso, tem o dever de assegurar a permanência e a aprendizagemcom qualidade.

Jeanete BeauchampDiretora do Departamento de Políticas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental

Sandra Denise PagelCoordenadora Geral do Ensino Fundamental

Aricélia Ribeiro do NascimentoAssessora da Coordenação Geral do Ensino Fundamental

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Este texto tem o objetivo de refletir sobre a infância e sua singularidade. Nele,a infância é entendida, por um lado,

como categoria social e como categoria da his-tória humana, englobando aspectos que afe-tam também o que temos chamado deadolescência ou juventude. Por outro lado, ainfância é entendida como período da histó-ria de cada um, que se estende, na nossa soci-edade, do nascimento até aproximadamente

dez anos de idade. Pretendemos, com este tex-to, discutir a infância, a escola e os desafioscolocados hoje para a educação infantil e oensino fundamental de nove anos.

Inicialmente, são apresentadas algumas idéiassobre infância, história, sociedade e culturacontemporânea. Em seguida, analisamos ascrianças e a chamada cultura infantil, tentan-do refletir sobre o significado de atuarmos comas crianças como sujeitos. Aqui, focalizamos

A INFÂNCIA ESUA SINGULARIDADE1

Sônia Kramer2

“Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou emcasa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinteele veio contando que caíra no pátio da escola um

pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feitoqueijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vezPaulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido

de jogar futebol durante quinze dias.Quando o menino voltou falando que todas as

borboletas da Terra passaram pela chácara de SiáElpídia e queriam formar um tapete voador para

transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo aomédico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a

cabeça:- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é

mesmo um caso de poesia.

Carlos Drummond de Andrade

1 Texto escrito a partir de: KRAMER, S., Infância, Cultura e Educação. In: PAIVA, A. , EVANGELISTA, A. PAULINO, G.,e VERSIANIN, Z. (Org.). No fim do século: a diversidade. O Jogo do Livro Infantil e Juvenil. Editora Autêntica/CEALE, 2000,p. 9-36; e KRAMER, S. Direitos da criança e projeto político-pedagógico de educação infantil. In: BAZILIO, L. e KRAMER, S.Infância, educação e direitos humanos. São Paulo, Ed.Cortez, 2003, p. 51-81.2 KRAMER Sônia. Professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, onde coordena o Curso deEspecialização em Educação Infantil.

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Numa sociedadedesigual, as criançasdesempenham, nosdiversos contextos,papéis diferentes.

de infância na sociedade moderna,sabemos que as visões sobre a in-

fância são construídas social ehistoricamente. A inserçãoconcreta das crianças e seuspapéis variam com as formasde organização da socieda-de. Assim, a idéia de infân-

cia não existiu sempre e damesma maneira. Ao contrário,

a noção de infância surgiu coma sociedade capitalista, urbano-in-

dustrial, na medida em que mudavam a inser-ção e o papel social da criança na suacomunidade. Aprendemos com esses estudos:(i) a condição e natureza histórica e social dascrianças; (ii) a necessidade de pesquisas queaprofundem o conhecimento sobre as crian-ças em diferentes contextos; e (iii) a impor-tância de atuar considerando-se essadiversidade.

As contribuições do sociólogo francês BernardCharlot, nos anos 1970, também foram fun-damentais e ajudaram a compreender o signi-ficado ideológico da criança e o valor socialatribuído à infância: a distribuição desigual depoder entre adultos e crianças tem razões soci-ais e ideológicas, com conseqüências no con-trole e na dominação de grupos. As idéias deCharlot favorecem compreender a infância demaneira histórica, ideológica e cultural: a de-pendência da criança em relação ao adulto,diz o sociólogo, é fato social e não natural. Tam-bém a antropologia favorece conhecer a di-versidade das populações infantis, as práticasculturais entre crianças e com adultos, bemcomo brincadeiras, atividades, músicas, histó-rias, valores, significados. E a busca de umapsicologia baseada na história e na sociologia- as teorias de Vygotsky e Wallon e seu debatecom Piaget - revelam esse avanço e revolucio-nam os estudos da infância.

Numa sociedade desigual, as crianças desem-penham, nos diversos contextos, papéis

também interações, tensões e contradi-ções entre crianças e adultos, um gran-de desafio enfrentado atualmente.Por fim, abordamos o impactodessas reflexões, considerando osdireitos das crianças, a educaçãoinfantil e o ensino fundamental.

Infância, História eInfância, História eInfância, História eInfância, História eInfância, História eCultura ContemporâneaCultura ContemporâneaCultura ContemporâneaCultura ContemporâneaCultura Contemporânea

Profissionais que trabalham na educa-ção e no âmbito das políticas sociais vol-tadas à infância enfrentam imensos desafios:questões relativas à situação política e econô-mica e à pobreza das nossas populações, ques-tões de natureza urbana e social, problemasespecíficos do campo educacional que, cadavez mais, assumem proporções graves e têm im-plicações sérias, exigindo respostas firmes e rá-pidas, nunca fáceis. Vivemos o paradoxo depossuir um conhecimento teórico complexosobre a infância e de ter muita dificuldade delidar com populações infantis e juvenis. Re-fletir sobre esses paradoxos e sobre a infância,hoje, é condição para se planejar o trabalhona creche e na escola e para implementar ocurrículo. Como as pessoas percebem as cri-anças? Qual é o papel social da infância nasociedade atual? Que valor é atribuído à cri-ança por pessoas de diferentes classes e grupossociais? Qual é o significado de ser criança nasdiferentes culturas? Como trabalhar com ascrianças de maneira que sejam consideradosseu contexto de origem, seu desenvolvimentoe o acesso aos conhecimentos, direito socialde todos? Como assegurar que a educação cum-pra seu papel social diante da heterogeneidadedas populações infantis e das contradições dasociedade?

Ao longo do século XX, cresceu o esforço peloconhecimento da criança, em vários camposdo conhecimento. Desde que o historiadorfrancês Philippe Ariès publicou, nos anos 1970,seu estudo sobre a história social da criança eda família, analisando o surgimento da noção

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diferentes. A idéia de infância moderna foiuniversalizada com base em um padrão de cri-anças das classes médias, a partir de critériosde idade e de dependência do adulto, caracte-rísticos de sua inserção no interior dessas clas-ses. No entanto, é preciso considerar adiversidade de aspectos sociais, culturais e po-líticos: no Brasil, as nações indígenas, suas lín-guas e seus costumes; a escravidão daspopulações negras; a opressão e a pobreza deexpressiva parte da população; o colonialismoe o imperialismo que deixaram marcas diferen-ciadas no processo de socialização de criançase adultos.

Recentemente, outras questões inquietam osque atuam na área: alguns pensadores denun-ciam o desaparecimento da infância. Pergun-tam "de que infância nós falamos?", uma vezque a violência contra as crianças e entre elasse tornou constante. Imagens de pobreza decrianças e trabalho infantil retratam uma situ-ação em que o reino encantado da infânciateria chegado ao fim. Na era pós-industrial nãohaveria mais lugar para a idéia de infância, umadas invenções mais humanitárias damodernidade; com a mídia e a Internet, o aces-so das crianças à informação adulta teria ter-minado por expulsá-las do jardim da infância(Postman, 1999). Mas é a idéia de infânciaque entra em crise ou a crise é a do homemcontemporâneo e de suas idéias?

Estará a infância desaparecendo? A idéia deinfância surgiu no contexto histórico e socialda modernidade, com a redução dos índicesde mortalidade infantil, graças ao avanço daciência e a mudanças econômicas e sociais.Essa concepção, para Ariès, nasceu nas clas-ses médias e foi marcada por um duplo modode ver as crianças, pela contradição entre mo-ralizar (treinar, conduzir, controlar a criança)e paparicar (achá-la engraçadinha, ingênua,pura, querer mantê-la como criança). A misé-ria das populações infantis naquela época e otrabalho escravo e opressor desde o início da

revolução industrial condenavam-nas a nãoser crianças: meninos trabalhavam nas fábri-cas, nas minas de carvão, nas ruas. Mas atéhoje o projeto da modernidade não é real paraa maioria das populações infantis, em paísescomo o Brasil, onde não é assegurado às cri-anças o direito de brincar, de não trabalhar.

Pode a criança deixar de ser inf-ans (o que nãofala) e adquirir voz num contexto que, por umlado, infantiliza jovens e adultos e empurrapara frente o momento da maturidade e, poroutro, os adultiza, jogando para trás a curtaetapa da primeira infância? Crianças são su-jeitos sociais e históricos, marcadas, portanto,pelas contradições das sociedades em que es-tão inseridas. A criança não se resume a seralguém que não é, mas que se tornará (adulto,no dia em que deixar de ser criança). Reco-nhecemos o que é específico da infância: seupoder de imaginação, a fantasia, a criação, abrincadeira entendida como experiência decultura. Crianças são cidadãs, pessoas deten-toras de direitos, que produzem cultura e sãonela produzidas. Esse modo de ver as criançasfavorece entendê-las e também ver o mundoa partir do seu ponto de vista. A infância, maisque estágio, é categoria da história: existe umahistória humana porque o homem tem infân-cia. As crianças brincam, isso é o que as carac-teriza. Construindo com pedaços, refazendo apartir de resíduos ou sobras (Benjamin, 1987b),na brincadeira, elas estabelecem novas rela-ções e combinações. As crianças viram as coi-sas pelo avesso e, assim, revelam a possibilidadede criar. Uma cadeira de cabeça para baixo setorna barco, foguete, navio, trem, caminhão.Aprendemos, assim, com as crianças, que é pos-sível mudar o rumo estabelecido das coisas.

As crianças e a cultura infantilAs crianças e a cultura infantilAs crianças e a cultura infantilAs crianças e a cultura infantilAs crianças e a cultura infantil

Procurando entender a infância e as criançasna sociedade contemporânea, de modo quepossamos compreender a delicada complexi-dade da infância e a dimensão criadora das

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ações infantis, encontramos na obra de WalterBenjamin interessantes contribuições3. Mui-tos de seus textos expressam uma visão peculi-ar da infância e da cultura infantil e oferecemimportantes eixos que orientam outra manei-ra de ver as crianças. Para nossa discussão, pro-pomos quatro eixos, baseados em Benjamin:

a) A criança cria cultura, brinca e nissoreside sua singularidade

As crianças "fazem história a partir dos restos dahistória", o que as aproxima dos inúteis e dosmarginalizados (Benjamin, 1984, p.14). Elasreconstroem das ruínas; refazem dos pedaços.Interessadas em brinquedos e bonecas, atraí-das por contos de fadas, mitos, lendas, que-rendo aprender e criar, as crianças estão maispróximas do artista, do colecionador e do má-gico, do que de pedagogos bem intenciona-dos. A cultura infantil é, pois, produção ecriação. As crianças produzem cultura e sãoproduzidas na cultura em que se inserem (emseu espaço) e que lhes é contemporânea (deseu tempo). A pergunta que cabe fazer é:quantos de nós, trabalhando nas políticas pú-blicas, nos projetos educacionais e nas práti-cas cotidianas, garantimos espaço para esse tipode ação e interação das crianças? Nossas cre-ches, pré-escolas e escolas têm oferecido con-dições para que as crianças produzam cultura?Nossas propostas curriculares garantem o tem-po e o espaço para criar?

Nesse "refazer" reside o potencial da brinca-deira, entendida como experiência de cultu-ra. Não é por acaso que, em diversas línguas, apalavra "brincar" – spillen, to play, jouer – pos-sui o sentido de dançar, praticar deporte, re-presentar em uma peça teatral, tocar uminstrumento musical, brincar. Ao valorizar abrincadeira, Benjamin critica a pedagogizaçãoda infância e faz cada um de nós pensarnos: é

possível trabalhar com crianças sem saber brin-car, sem ter nunca brincado?

b) A criança é colecionadora, dá sentidoao mundo, produz história

Como um colecionador, a criança caça, pro-cura. As crianças, em sua tentativa de desco-brir e conhecer o mundo, atuam sobre osobjetos e os libertam de sua obrigação de serúteis. Na ação infantil, vai se expressando, as-sim, uma experiência cultural na qual ela atri-bui significados diversos às coisas, fatos eartefatos. Como um colecionador, a criançabusca, perde e encontra, separa os objetos deseus contextos, vai juntando figurinhas, cha-pinhas, ponteiras, pedaços de lápis, borrachasantigas, pedaços de brinquedos, lembranças,presentes, fotografias.

A maioria de nós – adultos que estamos lendoeste texto – tem também caixas e gavetas emque verdadeiras coleções vão sendo formadasdia a dia, como partes de uma trajetória. Ahistória de cada um e cada uma de nós vaisendo reunida, e só pode ser contada por nós.Nós conhecemos os significados de cada umadessas coisas que evocam situações vividas,conquistas ou perdas, pessoas, lugares, temposesquecidos. Observar a coleção aciona a me-mória e desvela a narrativa da história.Quantos de nós estamos dispostos a nos desfa-zer de nossas coleções, ou seja, de nossa histó-ria? "Arrumar significaria aniquilar", dizBenjamin. Quantos de nós estamos sempredispostos a arrumar as coleções infantis? Comogarantir a ordem sem destruir a criação?

c) A criança subverte a ordem e estabele-ce uma relação crítica com a tradição

Olhar o mundo a partir do ponto de vista dacriança pode revelar contradições e uma outramaneira de ver a realidade. Nesse processo, o

3 Benjamin viveu na Europa no início do século XX e foi leitor de Marx, Freud, Proust, Kafka e Baudelaire, além de interlocutorcrítico dos pensadores da Escola de Frankfurt, de Bertolt Brecht, Chagall, Gershon Scholem.

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papel do cinema, da fotografia, da imagem, éimportante para nos ajudar a constituir esseolhar infantil, sensível e crítico. Atuar com ascrianças com esse olhar significa agir com aprópria condição humana, com a história hu-mana. Desvelando o real, subvertendo a apa-rente ordem natural das coisas, as criançasfalam não só do seu mundo e de sua ótica decrianças, mas também do mundo adulto, dasociedade contemporânea. Imbuir-se desseolhar infantil crítico, que vira as coisas peloavesso, que desmonta brinquedos, desmanchaconstruções, dá volta à costura do mundo, éaprender com as crianças e não se deixarinfantilizar. ser Conhecer a infância e as cri-anças favorece que o humano continue sen-do sujeito crítico da história que ele produz (eque o produz). Sendo humano, esse processoé marcado por contradições: podemos apren-der com as crianças a crítica, a brincadeira, avirar as coisas do mundo pelo avesso. Ao mes-mo tempo, precisamos considerar o contexto,as condições concretas em que as crianças es-tão inseridas e onde se dão suas práticas einterações. Precisamos considerar os valores eprincípios éticos que queremos transmitir naação educativa.

d) A criança pertence a uma classe social

As crianças não formam uma comunidade iso-lada; elas são parte do grupo e suas brincadei-ras expressam esse pertencimento. As criançasnão são filhotes, mas sujeitos sociais; nascemno interior de uma classe, de uma etnia, deum grupo social. Os costumes, valores, hábi-tos, as práticas sociais, as experiências interfe-rem em suas ações e nos significados queatribuem às pessoas, às coisas e às relações. Noentanto, apesar do seu direito de brincar, paramuitas o trabalho é imposto como meio desobrevivência. Considerar, simultaneamente,a singularidade da criança e as determinaçõessociais e econômicas que interferem na sua con-dição, exige reconhecer a diversidade cultural

e combater a desigualdade de condições e asituação de pobreza da maioria de nossas po-pulações com políticas e práticas capazes deassegurar igualdade e justiça social. Isso impli-ca garantir o direito a condições dignas de vida,à brincadeira, ao conhecimento, ao afeto e ainterações saudáveis.

No contexto dessa reflexão, um paradoxo ficaevidenciado: as relações entre crianças e adul-tos atualmente e sua delicada complexidade.Discutiremos esse ponto a seguir.

Crianças e adultos:Crianças e adultos:Crianças e adultos:Crianças e adultos:Crianças e adultos:identidade, diversidade eidentidade, diversidade eidentidade, diversidade eidentidade, diversidade eidentidade, diversidade e

autoridade em risco?autoridade em risco?autoridade em risco?autoridade em risco?autoridade em risco?

A história humana tem sido marcada pela des-truição e pela barbárie. Mas, além dos proble-mas econômicos, políticos e sociais que temosenfrentado, os quais não são de solução rápi-da, os acontecimentos recentes e a guerra nosinquietam. Ao discutir infância, creche e es-cola, é importante tratar de temas como: di-reitos humanos; a violência praticada contra/por crianças e jovens e seu impacto nas atitu-des dos adultos, em particular professores; asrelações entre adultos e crianças e a perda daautoridade como um dos problemas sociaismais graves do cenário contemporâneo. Asrelações estabelecidas com a infância expres-sam a crítica de uma cultura em que não nosreconhecemos. Reencontrar o sentido de so-lidariedade e restabelecer com as crianças e osjovens laços de caráter afetivo, ético, social epolítico exigem a revisão do papel que tem sidodesempenhado nas instituições educativas. Namodernidade, a narrativa entra em extinçãoporque a experiência vai definhando, sendoreduzida a vivências, em reação aos choquesda vida cotidiana. Experiência e narrativa aju-dam a compreender processos culturais (tam-bém educacionais) e seus impasses. Mais doque isso, esses conceitos contribuem para prá-ticas com crianças e para estratégias de forma-ção que abram o espaço da narrativa, para que

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crianças, jovens e adultos possam falar do quevivem, viveram, assistiram, enfrentaram.

Muitas iniciativas têm tentado resgatar histó-rias de grupos, povos, pessoas, classes sociais;refazendo as trajetórias, velhos sentidos sãorecuperados e as histórias ganham outras con-figurações. Os conceitos de infância, narrati-va e experiência fornecem elementos básicospara pensar na delicada questão da autorida-de. Para Benjamin (1987a), o que dá autori-dade é a experiência: a proximidade da mortedava ao moribundo maior autoridade, deriva-da de sua maior experiência e de uma maisclara possibilidade de narrar o vivido, tornan-do-o infinito. A vivência, que é finita, se tor-na infinita (e ultrapassa a morte) graças àlinguagem: é no outro que a narrativa se enraí-za, o que significa que a narrativa é fundamen-tal para a constituição do sentido decoletividade, em que cada qual aprende a exer-cer o seu papel. A arte de narrar diminui por-que a experiência entra em extinção. Emconseqüência, reduz a autoridade constituídae legitimada pela experiência.

No que se refere aos desafios das relações con-temporâneas entre adultos e crianças,Sarmento alerta para os efeitos da "convergên-cia de três mudanças centrais: a globalização so-cial, a crise educacional e as mutações no mundodo trabalho" (2001, p. 16). Trata-se de um pa-radoxo duplo: os adultos permanecem cada vezmais tempo em casa graças à mudança nas for-mas de organização do trabalho e ao desem-prego crescente, enquanto as crianças saemmais de casa, sobretudo por conta da sua cres-cente permanência nas instituições. "Há, des-te modo, como que uma troca de posições entregerações. Este é um dos mais significativos efeitosgerados pelas mutações no mundo do trabalho"(Sarmento, 2001, p. 21). Além disso, a sociabi-lidade se transforma e as relações entre adultos ecrianças tomam rumos descon-certantes. O dis-curso da criança como sujeito de direito e da in-fância como construção social é deturpado: nas

classes médias, esse discurso reforça a idéia deque a vontade da criança deve ser atendida aqualquer custo, especialmente para consumir;nas classes populares, crianças assumem res-ponsabilidades muito além do que podem. Emambas, as crianças são expostas à mídia, à vio-lência e à exploração.

Por outro lado, o reconhecimento do papelsocial da criança tem levado muitos adultos aabdicarem de assumir seu papel. Parecem usara concepção de "infância como sujeito" comodesculpa para não estabelecer regras, não ex-pressar seu ponto de vista, não se posicionar.O lugar do adulto fica desocupado, como separa a criança ocupar um lugar, o adulto preci-sasse desocupar o seu, o que revela uma distorçãoprofunda do sentido da autoridade. E comovalorizar e reconhecer a criança semabandoná-la à própria sorte ou azar e sem ape-nas normatizar? Pergunto: como atuar, consi-derando as condições, sem expor e sem largaras crianças? Como reconhecer os seus direitose preservá-los? Na escola, parece que as crian-ças pedem para o professor intervir e ele não ofaz, impondo em vez de dividir com a criançaem situações em que poderia fazê-lo, e exigin-do demais quando deveria poupá-la. A ques-tão da sociabilidade tornou-se tão frágil queos adultos – professores, pais – não vêem aspossibilidades da criança e ora controlam, re-gulam, conduzem, ora sequer intervêm, têmmedo de crianças e jovens, medo de estabele-cer regras, de fazer acordos, de lidar com ascrianças no diálogo e na autoridade. O equilí-brio e o diálogo se perdem e esses adultos, aoabrirem mão da sua autoria (de pais ou profes-sores), ao cederem seu lugar, só têm, como al-ternativa, o confronto ou o descaso.

No centro dessa questão parece se manifestaruma indisponibilidade em relação às crianças,uma das mais perversas mudanças de valoresdos adultos: perguntas ficam sem respostas;transgressões ficam sem sanção; dúvidas ficamsem esclarecimento; relatos ficam sem escuta.

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Diversos fatores interferem nas rela-ções entre crianças e adultos. Umaspecto se situa no centro daquestão: a indisponibilidade doadulto que parece impregnara vida contemporânea,marcada pelo individualismoe pela mercantilização das re-lações. Com a perda da capa-cidade do diálogo namodernidade, as pessoas só con-versam sobre o preço das coisas; semo diálogo, sem a narrativa, ficam impossibili-tadas de dar ou de ouvir um conselho que é,segundo Benjamin (1987a), sempre a suges-tão de como poderia uma história continuar.Desocupando seu lugar, os adultos ora tratama criança como companheira em situações nasquais ela não tem a menor condição de sê-lo,ora não assumem o papel de adultos em situa-ções nas quais as crianças precisam aprendercondutas, práticas e valores que só irão adqui-rir se forem iniciadas pelo adulto. As criançassão negligenciadas e vão ficando também per-didas e confusas. Muitos adultos parecem in-diferentes e não mais as iniciam. A indiferençaocupa o lugar das diferenças.

Em contextos em que não há garantia de di-reitos, acentuam-se a desigualdade e a injusti-ça social e as crianças enfrentam situações alémde seu nível de compreensão, convivem comproblemas além do que seu conhecimento eexperiência permitem entender. Os adultosnão sabem como responder ou agir diante desituações que não enfrentaram antes porque,embora adultos, não se constituíram na expe-riência e são cobrados a responder perguntaspara as quais nunca ninguém lhes deu respos-tas. Além disso, o panorama social e a con-juntura política mais ampla de banalização daviolência, valorização da guerra e do confron-to, agressão, impunidade e corrupção geramperplexidade e o risco, que ela implica, doimobilismo. Sem autoridade (Sennett, 2001)

e corroídos no seu caráter (Idem,1999), os adultos têm encontra-

do soluções para lidar comidentidade, diversidade e paradelinear padrões de autorida-de, ressignificando seu papel,na esfera social coletiva? Ouidentidade, diversidade e au-toridade estão em risco, agra-

vando a desumanização, se épossível usar essa expressão dian-

te da barbárie que o século XX lo-grou nos deixar como herança?

Direito das crianças,Direito das crianças,Direito das crianças,Direito das crianças,Direito das crianças,educação infantil e ensinoeducação infantil e ensinoeducação infantil e ensinoeducação infantil e ensinoeducação infantil e ensino

fundamental: desafiosfundamental: desafiosfundamental: desafiosfundamental: desafiosfundamental: desafios

Aprendemos com Paulo Freire que educaçãoe pedagogia dizem respeito à formação cultu-ral – o trabalho pedagógico precisa favorecera experiência com o conhecimento científicoe com a cultura, entendida tanto na sua di-mensão de produção nas relações sociais coti-dianas e como produção historicamenteacumulada, presente na literatura, na música,na dança, no teatro, no cinema, na produçãoartística, histórica e cultural que se encontranos museus. Essa visão do pedagógico ajuda apensar sobre a creche e a escola em suas di-mensões políticas, éticas e estéticas. A educa-ção, uma prática social, inclui o conhecimentocientífico, a arte e a vida cotidiana.

Educação infantil e ensino fundamental sãofreqüentemente separados. Porém, do pontode vista da criança, não há fragmentação. Osadultos e as instituições é que muitas vezesopõem educação infantil e ensino fundamen-tal, deixando de fora o que seria capaz dearticulá-los: a experiência com a cultura. Ques-tões como alfabetizar ou não na educação in-fantil e como integrar educação infantil eensino fundamental continuam atuais. Temoscrianças, sempre, na educação infantil e noensino fundamental. Entender que as pessoas

Em contextos emque não há garan-

tia de direitos,acentuam-se a desi-gualdade e a injus-

tiça social

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são sujeitos da história e da cultura, além deserem por elas produzidas, e considerar os mi-lhões de estudantes brasileiros de 0 a 10 anoscomo crianças e não só estudantes, implica vero pedagógico na sua dimensão cultural, comoconhecimento, arte e vida, e não só como algoinstrucional, que visa a ensinar coisas. Essareflexão vale para a educação infantil e o en-sino fundamental.

Educação infantil e ensino fundamental sãoindissociáveis: ambos envolvem conhecimen-tos e afetos; saberes e valores; cuidados e aten-ção; seriedade e riso. O cuidado, a atenção, oacolhimento estão presentes na educação in-fantil; a alegria e a brincadeira também. E, naspráticas realizadas, as crianças aprendem. Elasgostam de aprender. Na educação infantil eno ensino fundamental, o objetivo é atuar comliberdade para assegurar a apropriação e a cons-trução do conhecimento por todos. Na edu-cação infantil, o objetivo é garantir o acesso,de todos que assim o desejarem, a vagas emcreches e pré-escolas, assegurando o direito dacriança de brincar, criar, aprender. Nos dois,temos grandes desafios: o de pensar a creche,a pré-escola e a escola como instâncias de for-mação cultural; o de ver as crianças como su-jeitos de cultura e história, sujeitos sociais.

O ensino fundamental, no Brasil, passa agoraa ter nove anos de duração e inclui as criançasde seis anos de idade, o que já é feito em vári-os países e em alguns municípios brasileiros hámuito tempo. Mas muitos professores aindaperguntam: o melhor é que elas estejam naeducação infantil ou no ensino fundamental?Defendemos aqui o ponto de vista de que osdireitos sociais precisam ser assegurados e queo trabalho pedagógico precisa levar em contaa singularidade das ações infantis e o direito àbrincadeira, à produção cultural tanto na edu-cação infantil quanto no ensino fundamen-tal. É preciso garantir que as crianças sejamatendidas nas suas necessidades (a de aprendere a de brincar), que o trabalho seja planejado e

acompanhado por adultos na educação infantile no ensino fundamental e que saibamos, emambos, ver, entender e lidar com as criançascomo crianças e não apenas como estudan-tes. A inclusão de crianças de seis anos noensino fundamental requer diálogo entre edu-cação infantil e ensino fundamental, diálogoinstitucional e pedagógico, dentro da escolae entre as escolas, com alternativascurriculares claras.

No Brasil, temos hoje importantes documen-tos legais: a Constituinte de 1988, a primeiraque reconhece a educação infantil como di-reito das crianças de 0 a 6 anos de idade, de-ver de Estado e opção da família; o Estatutoda Criança e do Adolescente (Lei no 8.069,de 1990), que afirma os direitos das crianças eas protege; e a Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional, de 1996, que reconhecea educação infantil como primeira etapa daeducação básica. Todos esses documentos sãoconquistas dos movimentos sociais, movimen-tos de creches, movimentos dos fóruns perma-nentes de educação infantil. E qual tem sido aação desses movimentos e das políticas públi-cas nos municípios? Como tem sido a partici-pação das creches, pré-escolas e escolas? Asconquistas formais têm se tornado ações defato? Que impacto tais conquistas promovemno currículo? De que maneira a antecipaçãoda escolaridade interfere nos processos de in-serção social e nos modos de subjetivação decrianças, jovens e adultos? As escolas têm le-vado em conta essas questões na concepção ena construção dos seus currículos? Os sistemasde ensino têm se equipado para fazer frente àsmudanças?

O tempo da infância é o tempoO tempo da infância é o tempoO tempo da infância é o tempoO tempo da infância é o tempoO tempo da infância é o tempode aprender e ... de aprenderde aprender e ... de aprenderde aprender e ... de aprenderde aprender e ... de aprenderde aprender e ... de aprender

com as criançascom as criançascom as criançascom as criançascom as crianças

As reflexões desenvolvidas aqui se voltampara uma perspectiva da educação contem-porânea, na educação infantil ou no ensino

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Sem conhecer asinterações, não há comoeducar crianças e jovens

numa perspectiva dehumanização necessáriapara subsidiar políticas

públicas e práticaseducativas solidárias.

fundamental, na qual o outro é vis-to como um eu e na qual estáem pauta a solidariedade, orespeito às diferenças e ocombate à indiferença e àdesigualdade. Assumir adefesa da escola – umadas instituições mais es-táveis num momento deabsoluta instabilidade –significa assumir umaposição contra o trabalhoinfantil. As crianças têm odireito de estar numa escolaestruturada de acordo com umadas muitas possibilidades de organi-zação curricular que favoreçam a sua inser-ção crítica na cultura. Elas têm direito acondições oferecidas pelo Estado e pela socie-dade que garantam o atendimento de suasnecessidades básicas em outras esferas da vidaeconômica e social, favorecendo mais que umaescola digna, uma vida digna.

Como ensinar solidariedade e justiça social, erespeitando as diferenças, contra a discrimi-nação e a dominação? Estão nossas crianças ejovens aprendendo a rir da dor do outro, ahumilhar, a serem humilhadas, a não mais sesensibilizar? Perdemos o diálogo? Comorecuperá-lo? As práticas, feitas com as crian-ças, humanizam-nas? Nosso maior desafio éobter entendimento e uma educação baseadano reconhecimento do outro e suas diferen-ças de cultura, etnia, religião, gênero, classesocial, idade e combater a desigualdade; viveruma ética e implementar uma formação cul-tural que assegure sua dimensão de experiên-cia crítica. É preciso compreender os processosrelativos aos modos de interação entre crian-ças e adultos em diferentes contextos sociais,culturais e institucionais. O diálogo com várioscampos do conhecimento contribui para agircom as crianças. Conhecer as ações e produções

infantis, as relações entre adultos ecrianças, é essencial para a in-

tervenção e a mudança.

Sem conhecer asinterações, não há comoeducar crianças e jo-vens numa perspectivade humanização ne-cessária para subsidiarpolíticas públicas e prá-

ticas educativas solidári-as entre crianças, jovens

e adultos, com ações cole-tivas e elos capazes de gerar o

sentido de pertencer a. Que pa-pel têm desempenhado a creche, a pré-

escola e a escola? Que princípios de identidade,valores éticos e padrões de autoridade ensinamàs crianças? As práticas contribuem parahumanizar as relações? Como? As práticas deeducação infantil e ensino fundamental têmlevado em conta diferenças étnicas, religiosas,regionais, experiências culturais, tradições ecostumes adquiridos pelas crianças e jovens noseu meio de origem e no seu cotidiano de rela-ções? Têm favorecido às crianças experiênci-as de cultura, com brinquedos, museus, cinema,teatro, com a literatura? E para os professores?Qual é a sua formação cultural? E sua inserçãocultural? Quais são suas experiências de cultu-ra? Que relações têm com a leitura e a escrita?

Esses e muitos outros desafios são atualmenteenfrentados por nós. Ao considerarmos os pa-radoxos dos tempos em que vivemos e os va-lores de solidariedade e generosidade quequeremos transmitir, num contexto de inten-so e visível individualismo, cinismo,pragmatismo e conformismo, são necessáriascondições concretas de trabalho com quali-dade e ação coletiva que viabilizem formas deenfrentar os desafios e mudar o futuro.

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A INFÂNCIA NAESCOLA E NA VIDA: UMARELAÇÃO FUNDAMENTAL

Anelise Monteiro do Nascimento1

Este texto tem como objetivo contribuirpara o debate sobre o ensino fundamental de nove anos, tendo como foco a

busca de possibilidades adequadas para rece-bermos as crianças de seis anos de idade nessaetapa de ensino. Para tanto, faz-se necessáriodiscutir sobre quem são essas crianças, quaissão as suas características e como essa fase davida tem sido compreendida dentro e fora doambiente escolar.

Para superarmos o desafio da implantação de umensino fundamental de nove anos, acreditamos

que são necessárias a participação de todos e aampliação do debate no interior de cada esco-la. Nesse processo, a primeira pergunta que nosinquieta e abre a possibilidade de discussão é:quem são as crianças hoje? Tal pergunta é fun-damental, pois encaminha o debate para pen-sarmos tanto sobre as concepções de infânciaque orientam as práticas escolares vigentes,quanto sobre as possibilidades de mudança queeste momento anuncia.

Como vimos no primeiro texto deste caderno,os estudos de Phillipe Ariès (1978) indicam que

InfânciaMeu pai montava a cavalo, ia para o campo,

Minha mãe ficava sentada cosendo.Meu irmão pequeno dormia.

Eu sozinho menino entre mangueirasLia a história de Robinson Crusoé

Comprida história que não acaba mais.......................................

Eu não sabia que minha históriaEra mais bonita que a de Robinson Crusoé.2

Carlos Drummond de Andrade

1 NASCIMENTO, Anelise Monteiro do. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,professora de educação infantil.2 Robinson Crusoé é o personagem central do livro As aventuras de Robinson Crusoé, escrito por Daniel Defoe. O livro contaa história do naufrágio de um navio que levou seu único sobrevivente, Robinson, para uma ilha desconhecida onde ele, solitário,reconstruiu a vida longe da civilização. Com suas próprias mãos, fez uma casa, teceu roupas, preparou seus alimentos e enfrentoumuitos desafios para sobreviver.

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28 A família do artista - Renoir (1896)

As meninas - Velásquez (1656)

o conceito de infância muda historicamenteem função de determinantes sociais, culturais,políticos e econômicos.

A literatura, as artes, a poesia e o cinema têmsido grandes aliados na percepção do modo

como a sociedade vê a infância. Na páginaseguinte, encontram-se duas reproduções depinturas para refletirmos sobre como esse con-ceito é socialmente construído.

Pensemos sobre a maneira como as criançassão retratadas pelos dois artistas. A criança doquadro à esquerda é o próprio Renoir que apa-rece como um bebê recebendo os cuidados desua mãe. Sua vestimenta é diferente da dosadultos. Na imagem, que retrata um episó-dio cotidiano do fim do século XIX, há umadistinção entre criança e adulto. Já obser-vando o quadro de Velásquez, pintado emmeados do século XVII, podemos dizer queessa distinção não é tão explícita. O quemarca a diferença entre os adultos e as cri-anças nesse segundo quadro? O que pode-mos pensar sobre as concepções de infânciasubjacentes às obras?

Agora, vamos ler o poema O Pirata, deRoseana Muray:

O pirata Roseana Muray

O menino brinca de pirata:sua espada é de ouroe sua roupa de prata.Atravessa os sete maresem busca do grande tesouro.Seu navio tem setecentas velas de panoe é o terror do oceano.Mas o tempo passa e ele se cansade ser pirata.E vira outra vez menino.

Quem é o menino do poema? Sem dúvida, ocontexto histórico-social em que foram produ-zidos os quadros e a poesia é influenciado tan-to pelo conceito de infância vigente, quantopelo olhar do próprio artista. A poesia desta-ca o papel que a imaginação desempenha navida da criança, as diversas possibilidades derepresentação do real e os modos própriosde estar no mundo e de interagir com ele.Nos quadros de Velásquez e Renoir, embora

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evidenciem diferentes maneiras de concebera infância, esse olhar matreiro e curioso dacriança está ausente.

Refletindo sobre a pluralidadeRefletindo sobre a pluralidadeRefletindo sobre a pluralidadeRefletindo sobre a pluralidadeRefletindo sobre a pluralidadeda infânciada infânciada infânciada infânciada infância

Ao contribuir para desmistificar um conceitoúnico de infância, chamando atenção para ofato de que existem infâncias e não infância,pelos aspectos sociais, culturais, políticos e eco-nômicos que envolvem essa fase da vida, osestudos de Ariès apontam para a necessidadede se desconstruir padrões relativos à concep-ção burguesa de infância. Esse olhar para ainfância possibilita ver as crianças pelo que sãono presente, sem se valer de estereótipos, idéi-as pré-concebidas ou de práticas educativasque visam a moldá-las em função de visõesideológicas e rígidas de desenvolvimento eaprendizagem.

No Brasil, as grandes desigualdades na dis-tribuição de renda e de poder foram respon-sáveis por infâncias distintas para classessociais também distintas. As condições devida das crianças fizeram com que o signifi-cado social dado à infância não fosse homo-gêneo. Del Priori (2000) afirma que ahistória da criança brasileira não foi diferenteda dos adultos, tendo sido feita à sua sombra.Sombra de uma sociedade que viveu quasequatro séculos de escravidão, tendo a divisãoentre senhores e escravos como determinanteda sua estrutura social.

As crianças das classes mais abastadas, segundoa autora, eram educadas por preceptores parti-culares, não tendo freqüentado escolas até oinício do século XX, e os filhos dos pobres, des-de muito cedo, eram considerados força produ-tiva, não tendo a educação como prioridade.

Vale lembrar que, no Brasil, ainda é muito re-cente a busca pela democratização daescolarização obrigatória e presenciamos agoraa sua ampliação. Se já caminhamos para a

universalização desse atendimento, ainda te-mos muito a construir em direção a uma estru-tura social em que a escolaridade sejaconsiderada prioridade na vida das crianças ejovens e estes, por sua vez, sejam olhados pelaescola nas suas especificidades para que a de-mocratização efetivamente aconteça.

Nesse sentido, podemos ver o ensino funda-mental de nove anos como mais uma estraté-gia de democratização e acesso à escola. A Leino 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, assegu-ra o direito das crianças de seis anos à educa-ção formal, obrigando as famílias a matriculá-lase o estado a oferecer o atendimento. Mas comoassegurar a verdadeira efetivação desse direi-to? Como fazer para que essas criançasingressantes nesse nível de ensino não engros-sem futuras estatísticas negativas? Acreditamosque o diálogo proposto pelo Ministério daEducação com a publicação deste caderno eos debates que devem ser promovidos em cadaescola podem auxiliar nesse sentido. Pense-mos: o que temos privilegiado no cotidianoescolar? As vozes das crianças são ouvidas ousilenciadas? Que temas estão presentes emnossas salas de aula e quais são evitados?Estamos abertos a todos os interesses das cri-anças? No poema Certas Palavras, Drummondbusca o encontro com alguns sentimentos pró-prios da infância:

Certas PalavrasCarlos Drummond de Andrade

Certas palavras não podem ser ditasEm qualquer lugar e hora qualquer.Estritamente reservadasPara companheiros de confiança,Devem ser sacralmente pronunciadaEm tom muito especialLá onde a polícia dos adultosNão adivinha nem alcança.Entretanto são palavras simplesDefinemPartes do corpo, movimentos, atosDo viver que só os grandes se permitem

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E a nós é defendido por sentençaDos séculos.

E tudo é proibido. Então, falamos.

Que espaços e tempos estamos criando paraque as crianças possam trazer para dentro daescola as muitas questões e inquietudes queenvolvem esse período da vida? As peralticesinfantis têm tido lugar na escola ou somos so-mente a “polícia dos adultos”?

A estética dos espaços e as relações que se es-tabelecem revelam o que pensamos sobre cri-ança e educação. Essas concepções estãopresentes em todas as práticas existentes nointerior da escola, deixando mais ou menosexplícitos os valores e conceitos dessa institui-ção. Tomemos como exemplo os murais. Oque compõem os murais? Por quem são orga-nizados? Costumam trazer as produções das cri-anças? São um espaço de exposição em quepodemos acompanhar o desenvolvimento dascrianças? Os murais têm ocupado um espaçode comunicação dos saberes das crianças?

Refletir sobre a infância em sua pluralidadedentro da escola é, também, pensar nos espa-ços que têm sido destinados para que a crian-ça possa viver esse tempo de vida com todosos direitos e deveres assegurados. Neste texto,embora tenhamos como objetivo o debate so-bre a entrada das crianças de seis anos no en-sino fundamental, queremos pensar que ainfância não se resume a essa faixa etária e pro-por uma reflexão sobre que aspectos têm ori-entado a nossa prática. Quem sabe a entradadas crianças de seis anos não nos ajude a verde forma diferente as crianças que já estavamem nossas salas de aula? Está posto aí um novodesafio: utilizar essa ocasião para revisitar ve-lhos conceitos e colocar em cheque algumasconvicções. Esse é um exercício que requertanto uma tomada de consciência pessoal,quanto o fortalecimento da organização cole-tiva de estudo acerca desse tema, envolvendoprofessores, gestores, coordenadores e demais

profissionais que atuam na escola. Propomosesse exercício porque, ainda hoje, é comumobservar atitudes de adultos, dentro e fora daescola, que desconsideram a criança como atorsocial e, assim, queremos chamar atenção paraa necessidade de a escola trabalhar o sentidoda infância em toda a sua dimensão.

Diante disso, qual é o papel da escola? Quaisas dimensões do conhecimento precisamosconsiderar? Se acreditamos que o principalpapel da escola é o desenvolvimento integralda criança, devemos considerá-la: na dimen-são afetiva, ou seja, nas relações com o meio,com as outras crianças e adultos com quemconvive; na dimensão cognitiva, construindoconhecimentos por meio de trocas com par-ceiros mais e menos experientes e do contatocom o conhecimento historicamenteconstruído pela humanidade; na dimensão so-cial, freqüentando não só a escola como tam-bém outros espaços de interação como praças,clubes, festas populares, espaços religiosos, ci-nemas e outras instituições culturais; na dimen-são psicológica, atendendo suas necessidadesbásicas, como, por exemplo, espaço para falae escuta, carinho, atenção, respeito aos seusdireitos (MEC, 2005).

Cabe destacar que assumir o desenvolvimen-to integral da criança e se comprometer comele não é uma tarefa só dos professores, mas detoda a comunidade escolar.

Infância nos espaços e osInfância nos espaços e osInfância nos espaços e osInfância nos espaços e osInfância nos espaços e osespaços da infânciaespaços da infânciaespaços da infânciaespaços da infânciaespaços da infância

A entrada das crianças de seis anos no ensinofundamental se faz em um contexto favorá-vel, pois nunca se falou tanto da infância comose fala hoje. Os reflexos desse olhar podem serpercebidos em vários contextos da sociedade.No que diz respeito à escola, estamos em ummomento de questionamos nossas concep-ções e nossas práticas escolares. Esse ques-tiona-mento é fundamental, pois, algumasvezes, durante o desenvolvimento do trabalho

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Como realizar umdiálogo entre as

vivências dacriança dentro efora da escola?

pedagógico, podemos correr o risco dedesconsiderar que a infância está presente nosanos/séries iniciais do ensino fundamental enão só na educação infantil.

Nosso intuito é provocativo no sentido da re-flexão e da investigação sobre quem são essascrianças que estão chegando às nossas salas deaula. De onde vêm? Já tiveram experiênciasescolares anteriores? Que grupos sociais fre-qüentam?

Para considerar a infância em toda a sua di-mensão, é preciso olhar não só para o cotidia-no das instituições de ensino como tambémpara os outros espaços sociais em que as crian-ças estão inseridas. Em que atividades estãoenvolvidas quando não estão na escola? Exis-tem locais de encontros com outras crianças?

Ampliando o olhar, percebemos que não só aescola e a legislação têm voltado sua atençãopara a criança. A mídia também encontrouna infância um grande público consumi-dor. Hoje as crianças estão expostas acomerciais que buscam criar desejose incentivar o consumo. Nos gran-des centros urbanos, vemos o ofe-recimento de um novo “serviço”que são os “cantinhos da crian-ça”. São espaços reservados, porexemplo, em supermercados, quese propõem a oferecer um maiorconforto para as famílias e um atendi-mento lúdico para a criança.

Além das diferentes apropriações dos espaçossociais, outro ponto que nos inquieta diz res-peito às condições de vida das crianças e àsdesigualdades que separam alguns grupos so-ciais, numa sociedade marcadamenteestratificada. Crianças que vivem em situação depobreza, que precisam, muitas vezes, trabalharpara se sustentar, que sofrem a violência do-méstica e do entorno social, que são ame-drontadas e amedrontam. Criançasdestituídas de direitos, cujas vidas são pouco

valorizadas. Crianças vistas como ameaças narua enquanto, na escola, pouco se sabe sobreelas. Como são tratadas, vistas e olhadas essascrianças que estão nas ruas, nas escolas, noslares e que sofrem toda sorte de opressão?

Por outro lado, as crianças que vivem nas pe-quenas cidades também trazem desafios paraeste momento. Quem são essas crianças? Deque e onde brincam? Quais são os seus inte-resses? Como realizar um diálogo entre asvivências da criança dentro e fora da escola?

Será que a busca por essas respostas pode fa-zer com que tornemos a sala de aula um espa-ço mais dinâmico? Ou ainda, será que umapesquisa sobre a realidade sócio-cultural dascrianças nesses diferentes contextos poderiaabrir espaço para um projeto que buscasse essediálogo?

Ao nos propormos a receber a criança de seisanos no ensino fundamental, tenha ela fre-

qüentado, ou não, a educação infan-til, devemos ter em mente que

esse é o primeiro contato como seu percurso no ensino fun-damental. Como fazer pararecebê-la? O momento daentrada na escola é um mo-mento delicado que merecetoda a atenção. Graciliano

Ramos, na obra Infância, nar-ra suas memórias de menino e

conta como recebeu a notícia de queentraria para a escola:

A notícia veio de sopetão: iam meter-me na escola. Já me haviam falado nisso,em horas de zanga, mas nunca meconvencera de que realizassem aameaça. A escola, segundo informaçõesdignas de crédito, era um lugar para ondese enviavam as crianças rebeldes. Eu mecomportava direito: encolhido e morno,deslizava como sombra. As minhasbrincadeiras eram silenciosas. E nem

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me afoitava a incomodar as pessoasgrandes com perguntas.

O que podemos pensar a partir da leitura des-se trecho do livro? Que escola está presenteno imaginário do menino? O que estamos fa-zendo para receber a criança que estava emuma instituição de educação infantil e agoravem para o ensino fundamental? Como estánossa organizaçõ para recebermo aquelas quenunca tiveram experiência escolar? Na pers-pectiva de refletirmos sobre essas questões, ve-jamos o relato a seguir:

É o primeiro dia do ano, a escola estápreparada para receber as crianças paramais um ano letivo. Para algumascrianças, essa já é uma rotina conhecida,mas para Luiza, que está indo para aescola pela primeira vez, não. Em seusolhos é possível notar um misto de medoe desejo. Ela chega acompanhada por suamãe. (...)

A sineta toca e todos se dirigem para assalas. Mariza acompanha Luiza até oencontro com a professora. A escolaparece enorme aos olhos de Luiza. Aoencontrar com a professora, essa lhedirige a palavra, abaixa, ficando da suaaltura e diz:

–– Oi Luiza, eu estava te esperando.Sabe, podemos fazer muitas coisasdiferentes aqui na escola. Eu vou ser suaprofessora e nós vamos brincar muitojuntas (Brasil/Ministério da Educação,2005).

A professora se coloca como mediadora entreas expectativas da menina e o novo mundo aser descoberto. O nome, a proximidade, oolhar, o toque, a proposta do brincar: elos queabrem possibilidades de continuidade, elemen-tos essenciais para a inserção e o acolhimento.Se as ações de acolhimento e inserção são fun-damentais, há, também, um outro ponto que

merece ser destacado: como são organizadosos tempos e espaços escolares?

Pensar sobre a infância na escola e na sala deaula é um grande desafio para o ensino fun-damental que, ao longo de sua história, nãotem considerado o corpo, o universo lúdico,os jogos e as brincadeiras como prioridade.Infelizmente, quando as crianças chegam aessa etapa de ensino, é comum ouvir a frase“Agora a brincadeira acabou!”. Nosso con-vite, e desafio, é aprender sobre e com as cri-anças por meio de suas diferentes linguagens.Nesse sentido, a brincadeira se torna essen-cial, pois nela estão presentes as múltiplasformas de ver e interpretar o mundo. A brin-cadeira é responsável por muitas aprendiza-gens, como se vê no texto O brincar comoum modo de ser e estar no mundo.

Faz-se necessário definir caminhos pedagógi-cos nos tempos e espaços da escola e da salade aula que favoreçam o encontro da culturainfantil, valorizando as trocas entre todos osque ali estão, em que crianças possam recriaras relações da sociedade na qual estãoinseridas, possam expressar suas emoções e for-mas de ver e de significar o mundo, espaços etempos que favoreçam a construção da auto-nomia. Esse é um momento propício para tra-tar dos aspectos que envolvem a escola e doconhecimento que nela será produzido, tantopelas crianças, a partir do seu olhar curiososobre a realidade que a cerca, quanto pelamediação do adulto.

Infância na escola e na vida:Infância na escola e na vida:Infância na escola e na vida:Infância na escola e na vida:Infância na escola e na vida:alguns desafiosalguns desafiosalguns desafiosalguns desafiosalguns desafios

Como vimos, são muitas as questões relativasà entrada das crianças de seis anos no ensinofundamental. Não podemos fazer frente a essemomento somente considerando os aspectoslegais que o envolvem. O direito efetivo à edu-cação das crianças de seis anos não acontece-rá somente com a promulgação da Lei nº11.274, dependerá, principalmente, das práticas

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pedagógicas e de uma política da escola para averdadeira acolhida dessa faixa-etária na ins-tituição. Que trabalho pedagógico será reali-zado com essas crianças? Os estudos sobreaprendizagem e desenvolvimento realizadospor Piaget e Vygotsky podem contribuir nessesentido, assim como as pesquisas nas áreas dasociologia da infância e da história. Esses,como outros campos do saber, podem servirde suporte para a elaboração de um plano detrabalho com as crianças de seis anos. O de-senvolvimento dessas crianças só ocorrerá emtodas as dimensões se sua inserção na escolafizer parte de algo que vá além da criação demais uma sala de aula e da disponibilidade devagas. É nesse sentido que somos convidadosà reflexão sobre como a infância acontece den-tro e fora das escolas. Quem são as crianças eque educação pretendemos lhes oferecer?

Os desafios que envolvem esse momento sãomuitos. Para algumas crianças, essa será a

primeira experiência escolar, então, precisa-mos estar preparados para criar espaços de tro-cas e aprendizagens significativas, onde ascrianças possam, nesse primeiro ano, viver aexperiência de um ensino rico em afetividadee descobertas.

Algumas crianças trazem na sua história a ex-periência de uma pré-escola e agora terão aoportunidade de viver novas aprendizagens,que não devem se resumir a uma repetição dapré-escola, nem na transferência dos conteú-dos e do trabalho pedagógico desenvolvido naprimeira série do fundamental de oito anos.

As crianças possuem modos próprios de compre-ender e interagir com o mundo. A nós, professo-res, cabe favorecer a criação de um ambienteescolar onde a infância possa ser vivida em todaa sua plenitude, um espaço e um tempo de en-contro entre os seus próprios espaços e tem-pos de ser criança dentro e fora da escola.

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VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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O BRINCAR COMO UM MODO DESER E ESTAR NO MUNDO

Ângela Mayer Borba1

Pipa, esconde-esconde, pique, passaraio,bolinha de gude, bate-mãos, amarelinha, queimada, cinco-marias, corda,

pique-bandeira, polícia e ladrão, elástico, casi-nha, castelos de areia, mãe e filha, princesas,super-heróis...2 Brincadeiras que nos remetemà nossa própria infância e também nos levama refletir sobre a criança contemporânea: deque as crianças brincam hoje? Como e comquem brincam? De que forma o mundo con-temporâneo, marcado pela falta de espaço nasgrandes cidades, pela pressa, pela influênciada mídia, pelo consumismo e pela violência,se reflete nas brincadeiras? As brincadeiras de

outros tempos estão presentes nas vidas das cri-anças hoje? Diferentes espaços geográficos eculturais implicam diferentes formas de brin-car? Qual é o significado do brincar na vida ena constituição das subjetividades e identida-des das crianças? Por que à medida que avan-çam os segmentos escolares se reduzem osespaços e tempos do brincar e as crianças vãodeixando de ser crianças para serem alunos?

A experiência do brincar cruza diferentes tem-pos e lugares, passados, presentes e futuros,sendo marcada ao mesmo tempo pela conti-nuidade e pela mudança. A criança, pelo fatode se situar em um contexto histórico e social,

1 BORBA, Angela Meyer. Doutora em Educação – Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).2 Em diferentes regiões, cidades e bairros, podemos encontrar diferentes denominações para as mesmas brincadeiras. Porexemplo, amarelinha também pode ser macaca, academia, escada, sapata.

[...] as crianças são inclinadas de modo especial aprocurar todo e qualquer lugar de trabalho onde

visivelmente transcorre a atividade sobre as coisas.Sentem-se irresistivelmente atraídas pelo resíduo

que surge na construção, no trabalho dejardinagem ou doméstico, na costura ou na

marcenaria. Em produtos residuais reconhecem orosto que o mundo das coisas volta exatamente

para elas, e para elas unicamente. Neles, elasmenos imitam as obras dos adultos do que põem

materiais de espécie muito diferente, atravésdaquilo que com eles aprontam no brinquedo, em

uma nova, brusca relação entre si.

Walter Benjamim

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Que relações temo brincar com o

desenvolvimento,a aprendizagem,

a cultura e osconhecimentos?

ou seja, em um ambiente estruturado a partirde valores, significados, atividades e artefatosconstruídos e partilhados pelos sujeitos que alivivem, incorpora a experiência social e cultu-ral do brincar por meio das relações que esta-belece com os outros – adultos e crianças. Masessa experiência não é simplesmentereproduzida, e sim recriada a partir do que acriança traz de novo, com o seu poder de ima-ginar, criar, reinventar e produzir cultura.

A criança encarna, dessa forma, uma possibi-lidade de mudança e de renovação da experi-ência humana, que nós, adultos, muitasvezes não somos capazes de perceber,pois, ao olharmos para ela, quere-mos ver a nossa própria infânciaespelhada ou o futuro adulto quese tornará. Reduzimos a crian-ça a nós mesmos ou àquilo quepensamos, esperamos ou dese-jamos, dela e para ela, vendo-acomo um ser incompleto e ima-turo e, ao mesmo tempo, eliminan-do-a da posição de o outro do adulto.

Mas como podemos compreender a criançanas suas formas próprias de ser, pensar e agir?Como vê-la como alguém que inquieta o nos-so olhar, desloca nossos saberes e nos ajuda aenxergar o mundo e a nós mesmos? Comopodemos ajudar a criança a se constituir comosujeito no mundo? De que forma a compreen-são sobre o significado do brincar na vida e naconstituição dos sujeitos situa o papel dos adul-tos e da escola na relação com as crianças e osadolescentes?

Nesse contexto, convidamos os professores arefletirem conosco sobre essas questões tendocomo eixo alguns pontos: a singularidade dacriança nas suas formas próprias de ser e de serelacionar com o mundo; a função humaniza-dora do brincar e o papel do diálogo entreadultos e crianças; e a compreensão de que aescola não se constitui apenas de alunos e pro-fessores, mas de sujeitos plenos, crianças e

adultos, autores de seus processos de consti-tuição de conhecimentos, culturas e subjeti-vidades. Tendo em vista esses eixos,perguntamos: quais são as principais dimen-sões constitutivas do brincar? Que relações temo brincar com o desenvolvimento, a aprendi-zagem, a cultura e os conhecimentos? Comopodemos incorporar a brincadeira no traba-lho educativo, considerando-se todas as di-mensões que a constituem?

Infância, brincadeira, desenvol-Infância, brincadeira, desenvol-Infância, brincadeira, desenvol-Infância, brincadeira, desenvol-Infância, brincadeira, desenvol-vimento e aprendizagemvimento e aprendizagemvimento e aprendizagemvimento e aprendizagemvimento e aprendizagem

A brincadeira é uma palavra estrei-tamente associada à infância e às

crianças. Porém, ao menos nassociedades ocidentais, ainda éconsiderada irrelevante ou depouco valor do ponto de vis-ta da educação formal, assu-mindo freqüentemente a

significação de oposição ao tra-balho, tanto no contexto da es-

cola quanto no cotidiano familiar.

Nesse aspecto, a significativa produção te-órica já acumulada afirmando a importânciada brincadeira na constituição dos processosde desenvolvimento e de aprendizagem nãofoi capaz de modificar as idéias e práticas quereduzem o brincar a uma atividade à parte, pa-ralela, de menor importância no contexto daformação escolar da criança. Por outro lado,podemos identificar hoje um discurso genera-lizado em torno da “importância do brincar”,presente não apenas na mídia e na publicida-de produzidas para a infância, como tambémnos programas, propostas e práticas educativasinstitucionais. Nesse contexto, é importanteindagarmos: nossas práticas têm conseguidoincorporar o brincar como dimensão culturaldo processo de constituição do conhecimen-to e da formação humana? Ou têm privilegia-do o ensino das habilidades e dos conteúdosbásicos das ciências, desprezando a formação

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cultural e a função humanizadora da escola?Na realidade, tanto a dimensão científicaquanto a dimensão cultural e artística deveri-am estar contempladas nas nossas práticas jun-to às crianças, mas para isso é preciso que asrotinas, as grades de horários, a organizaçãodos conteúdos e das atividades abram espaçopara que possamos, junto com as crianças, brin-car e produzir cultura. Muitas vezes nos senti-mos aprisionados pelos horários e conteúdosrigidamente estabelecidos e não encontramosespaço para a fruição, para o fazer estético oua brincadeira. Cabe então a pergunta: é possí-vel organizar nosso trabalho e a escola de ou-tra forma, de modo que esse espaço sejagarantido? Que critérios estão em jogo quan-do significamos nosso tempo como ganho ouperdido? Vale a pena refletir sobre essas ques-tões para vislumbrarmos formas de transfor-mar nossa vida nas escolas, organizando-ascomo espaços nos quais aprendemos e vive-mos a experiência de sermos sujeitos cultu-rais e históricos!

A brincadeira está entre as atividadesfreqüentemente avaliadas por nós como tem-po perdido. Por que isso ocorre? Ora, essa vi-são é fruto da idéia de que a brincadeira é umaatividade oposta ao trabalho, sendo por issomenos importante, uma vez que não se vincu-la ao mundo produtivo, não gera resultados. Eé essa concepção que provoca a diminuiçãodos espaços e tempos do brincar à medida queavançam as séries/anos do ensino fundamen-tal. Seu lugar e seu tempo vão se restringindoà “hora do recreio”, assumindo contornos cadavez mais definidos e restritos em termos dehorários, espaços e disciplina: não pode correr,pular, jogar bola etc. Sua função fica reduzidaa proporcionar o relaxamento e a reposiçãode energias para o trabalho, este sim sério eimportante. Mas a brincadeira também é sé-ria! E no trabalho muitas vezes brincamos e nabrincadeira também trabalhamos! Diante des-sas considerações, será que podemos pensar o

brincar de forma mais positiva, não como opo-sição ao trabalho, mas como uma atividade quese articula aos processos de aprender, se de-senvolver e conhecer? Vejamos alguns cami-nhos nessa direção.

Os estudos da psicologia baseados em uma vi-são histórica e social dos processos de desen-volvimento infantil apontam que o brincar éum importante processo psicológico, fonte dedesenvolvimento e aprendizagem. De acordocom Vygotsky (1987), um dos principais re-presentantes dessa visão, o brincar é uma ati-vidade humana criadora, na qual imaginação,fantasia e realidade interagem na produção denovas possibilidades de interpretação, de ex-pressão e de ação pelas crianças, assim comode novas formas de construir relações sociaiscom outros sujeitos, crianças e adultos. Talconcepção se afasta da visão predominante dabrincadeira como atividade restrita à assimila-ção de códigos e papéis sociais e culturais, cujafunção principal seria facilitar o processo desocialização da criança e a sua integração àsociedade. Ultrapassando essa idéia, o autorcompreende que, se por um lado a criança defato reproduz e representa o mundo por meiodas situações criadas nas atividades de brinca-deiras, por outro lado tal reprodução não sefaz passivamente, mas mediante um processoativo de reinterpretação do mundo, que abrelugar para a invenção e a produção de novossignificados, saberes e práticas.

Ao observarmos as crianças e os adolescentesde nossas escolas brincando, podemosconhecê-los melhor, ultrapassando os murosda escola, pois uma parte de seus mundos eexperiências revela-se nas ações e significadosque constroem nas suas brincadeiras. Isso por-que o processo do brincar referencia-se naqui-lo que os sujeitos conhecem e vivenciam. Combase em suas experiências, os sujeitosreelaboram e reinterpretam situações de sua vidacotidiana e as referências de seus contextossocioculturais, combinando e criando outras

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A brincadeira não éalgo já dado na vidado ser humano, ouseja, aprende-se a

brincar, desde cedo,nas relações que os

sujeitos estabelecemcom os outros e com

a cultura

realidades. Quando as crianças pequenas brin-cam de ser “outros” (pai, mãe, médico, mons-tro, fada, bruxa, ladrão, bêbado, polícia, etc.),refletem sobre suas relações com esses outros etomam consciência de si e do mundo, estabele-cendo outras lógicas e fronteiras de significaçãoda vida. O brincar envolve, portanto, comple-xos processos de articulação entre o já dado e onovo, entre a experiência, a memória e a imagi-nação, entre a realidade e a fantasia.

A imaginação, constitutiva do brincar e doprocesso de humanização dos homens, é umimportante processo psicológico, iniciado nainfância, que permite aos sujeitos se des-prenderem das restrições impostaspelo contexto imediato etransformá-lo. Combinadacom uma ação performativaconstruída por gestos,movimentos, vozes, for-mas de dizer, roupas, ce-nários etc., a imaginaçãoestabelece o plano dobrincar, do fazer de con-ta, da criação de uma re-alidade “fingida”.Vygotsky (1987) defendeque nesse novo plano de pen-samento, ação, expressão e comu-nicação, novos significados sãoelaborados, novos papéis sociais e ações sobreo mundo são desenhados, e novas regras e re-lações entre os objetos e os sujeitos, e dessesentre si, são instituídas.

É assim que cabos de vassoura tornam-se ca-valos e com eles as crianças cavalgam paraoutros tempos e lugares; pedaços de pano trans-formam-se em capas e vestimentas de prínci-pes e princesas; pedrinhas em comidinhas;cadeiras em trens; crianças em pais, professo-res, motoristas, monstros, super-heróis etc. A“criança quer puxar uma coisa torna-se cava-lo, quer brincar com areia e torna-se padeiro,quer esconder-se e torna-se ladrão ou guarda”

(Benjamim, 1984). Vozes, gestos, narrativas ecenários criados e articulados pelas criançasconfiguram a dimensão imaginária, revelan-do o complexo processo criador envolvido nobrincar.

É importante ressaltar que a brincadeira não éalgo já dado na vida do ser humano, ou seja,aprende-se a brincar, desde cedo, nas relaçõesque os sujeitos estabelecem com os outros ecom a cultura. O brincar envolve múltiplasaprendizagens. Vamos tentar explicitar algu-mas delas.

Um primeiro aspecto que podemos apontar éque o brincar não apenas requer mui-

tas aprendizagens, mas constituium espaço de aprendizagem.

Vygotsky (1987) afirmaque na brincadeira “a cri-ança se comporta alémdo comportamento ha-bitual de sua idade,além de seu comporta-mento diário; no brin-quedo, é como se ela

fosse maior do que ela éna realidade” (p.117).

Isso porque a brincadeira,na sua visão, cria uma zona de

desenvolvimento proximal, per-mitindo que as ações da criança ultra-

passem o desenvolvimento já alcançado(desenvolvimento real), impulsionando-a aconquistar novas possibilidades de compreen-são e de ação sobre o mundo.

O brincar supõe também o aprendizado de umaforma particular de relação com o mundomarcada pelo distanciamento da realidade davida comum, ainda que nela referenciada. Asbrincadeiras de imaginação/fantasia, por exem-plo, exigem que seus participantes compreen-dam que o que está se fazendo não é o queaparenta ser. Quando o adulto imita uma bru-xa para uma criança, esta sabe que ele não é

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uma bruxa, por isso pode experimentar, comsegurança, a tensão e o medo, e solucioná-losfugindo ou prendendo a bruxa. Quando ascrianças brincam de luta, é preciso que elassaibam que aqueles gestos e movimentos cor-porais “fingem” uma luta, não causando ma-chucados uns nos outros. A brincadeira é umespaço de “mentirinha”, no qual os sujeitos têmo controle da situação. Justamente essa atitu-de não-literal permite que a brincadeira sejadesprovida das conseqüências que as mesmasações teriam na realidade imediata, abrindojanelas para a incoerência, para a ultrapassa-gem de limites, para as transgressões, para no-vas experiências.

Vejamos uma situação3 observada em uma es-cola pública. Um grupo de meninos e meni-nas de cinco e seis anos brinca de polícia eladrão no parque da escola. Usam pás, gravetose ancinhos como se fossem armas, empunhan-do-os, emitindo sons e fingindo atirar: Pou,pou! Os papéis assumidos pelas crianças se di-videm entre policiais e ladrões e à medida quevão entrando e participando da brincadeira,as crianças escolhem: Eu sou ladrão, eu sou po-lícia! Muitas vezes é necessário negociar: Não,alguém tem de ser polícia! Eu não vou ser! Eusou, eu sou polícia! A brincadeira consiste naperseguição dos policiais aos ladrões. Esses úl-timos precisam correr muito para fugir. “Poli-ciais” e “ladrões” sobem e descem escorregas,trepa-trepa, entram e saem da casinha, per-correndo toda a extensão do parque. As ex-pressões, gestos, movimentos e falas revelamgrande envolvimento e excitação das crian-ças. Em alguns momentos, os policiais pren-dem um dos ladrões, segurando-o, fingindo daruma “gravata”, derrubando-o. Algum compa-nheiro aparece para salvá-lo. A um dado mo-mento, João diz que prendeu Mariana na partede cima do escorrega.

Mariana, sentada em cima doescorrega, olha para Isabela que estáembaixo:Eu tô presa!Isabela: Dá a carteira de identidade praele! Abaixa-se e pega uma folha.Mariana pega um objeto pequeno deborracha que está em cima doescorrega e mostra para João.Mariana: Eu tenho, eu tenho!João, olhando o objeto: Pode sair!Isabela dá a folha para João.João: É papel, é papel! E a deixa sair.

Se analisarmos esse fragmento, que corres-ponde a um tipo de brincadeira altamenteapreciado por grande parte das crianças dessafaixa etária, veremos quantos aspectos presen-tes envolvem aprendizagens variadas – cadacriança se comporta de acordo com seu papele com as idéias gerais que definem o universosimbólico da brincadeira: os policiais perse-guem e prendem enquanto os ladrões fogem esalvam os companheiros; ambos usam armas,transformando o significado de objetos que en-contram no parque; os gestos e as ações aju-dam a significar os objetos e a construir anarrativa da brincadeira. Estão em jogo tam-bém habilidades de correr, pular, subir, expres-sar-se e comunicar-se, garantindo que todoscompreendam que o que se faz ali é brincadei-ra e não a realidade da vida comum. Elemen-tos novos, como a carteira de identidade, sãointroduzidos na brincadeira e facilmente in-corporados pelas crianças, o que podemos ob-servar pela coordenação de suas ações. Paratanto, tais elementos se conectam com as re-ferências socioculturais das crianças – o valorda carteira de identidade como documentoprincipal de identificação do cidadão –, possi-bilitando a construção de um significado co-mum partilhado no espaço do brincar.

3 Situação retirada de: BORBA, A. M. Culturas da infância nos espaços-tempos do brincar: um estudo com crianças de 4-6 anosem instituição pública de educação infantil. Tese de doutorado. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2005.

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Se observarmos com cuidado diferentes evariadas situações de brincadeiras coletivasorganizadas por crianças e adolescentes –como queimado, pique-bandeira, corda, elás-tico, jogos de imaginação (cenas domésticas,personagens e enredos de novelas, contos defadas, séries televisivas etc.), entre outras possi-bilidades –, poderemos aprender muito sobreas crianças e os processos de desenvolvimentoe aprendizagem envolvidos em suas ações. Ob-servemos com atenção suas falas, expressões egestos enquanto brincam. Ficaremos impres-sionados com seu investimento no planeja-mento e na organização das brincadeiras coma intenção de definir e de negociar papéis, tur-nos de participação, cenários, regras, ações,significados e conflitos. É também surpreen-dente, principalmente nos jogos de imagina-ção (faz-de-conta), a maneira como as criançasagem, diferente da habitual, modificando asvozes, a entonação de suas falas, o vocabulá-rio, os gestos, os modos de andar etc.! Para sermonstro, Pedro não pode se comportar comoPedro, e terá de andar, expressar-se, falar e agircomo monstro. No entanto, Pedro não deixade ser Pedro, apenas finge para convencer osparceiros de que é um monstro “de men-tirinha”. Parece que estamos diante de atoresde teatro, compromissados com a verdade da-quelas ações representadas! Quantos conhe-cimentos estão envolvidos nessas ações!

Essas observações levam-nos a perceber que abrincadeira requer o aprendizado de uma for-ma específica de comunicação que estabelecee controla esse universo simbólico e o espaçointerativo em que novos significados estão sen-do partilhados. Dito de outra forma, a apro-priação dessa forma de comunicação écondição para a construção das situações ima-ginadas (falas/diálogos dos personagens, nar-rativas das ações e acontecimentos), bemcomo para a organização e o controle da brin-cadeira pelas crianças. Mas de que maneira seconstrói e se organiza esse modo de comunicar?

Sua apropriação se dá no próprio processo debrincar. É brincando que aprendemos a brincar.É interagindo com os outros, observando-os eparticipando das brincadeiras que vamos nosapropriando tanto dos processos básicosconstitutivos do brincar, como dos modos par-ticulares de brincadeira, ou seja, das rotinas,regras e universos simbólicos que caracterizame especificam os grupos sociais em que nos in-serimos.

Um outro aspecto a ressaltar é que os modosde comunicar característicos da brincadeiraconstituem-se por novas regras e limites, dife-rentes da comunicação habitual. Esses limitessão definidos pelo compromisso com o reco-nhecimento do brincar como uma outra reali-dade, uma nova ordem, seja no contexto dosjogos de faz-de-conta, em que as situações eregras são estabelecidas pelos significados ima-ginados e criados nas interações entre as cri-anças, seja no plano dos jogos/brincadeiras comregras pré-existentes (bola de gude, amareli-nha, queimada etc.). É importante enfatizarque o modo de comunicar próprio do brincarnão se refere a um pensamento ilógico, mas aum discurso organizado com lógica e caracte-rísticas próprias, o qual permite que as crian-ças transponham espaços e tempos e transitementre os planos da imaginação e da fantasia,explorando suas contradições e possibilidades.

Assim, o plano informal das brincadeiras pos-sibilita a construção e a ampliação de compe-tências e conhecimentos nos planos dacognição e das interações sociais, o que certa-mente tem conseqüências na aquisição de co-nhecimentos no plano da aprendizagemformal. A partir das considerações feitas atéaqui, vale a pena refletir sobre as relações en-tre aquilo que o brincar possibilita – tais comoaprender a olhar as coisas de outras maneirasatribuindo-lhes novos significados, a estabe-lecer novas relações entre os objetos físicos esociais, a coordenar as ações individuais comas dos parceiros, a argumentar e a negociar, a

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Os processos dedesenvolvimento

e de aprendizagemenvolvidos no brincar sãotambém constitutivos doprocesso de apropriação

de conhecimentos!

organizar novas realidades a partir de planosimaginados, a regular as ações indivi-duais e coletivas a partir de idéias eregras de universos simbólicos –e o processo de constituição deconhecimentos pelas crian-ças e pelos adolescentes. Osprocessos de desenvolvi-mento e de aprendizagemenvolvidos no brincar sãotambém constitutivos doprocesso de apropriação deconhecimentos! A possibili-dade de imaginar, de ultrapas-sar o já dado, de estabelecer novasrelações, de inverter a ordem, de ar-ticular passado, presente e futuro potencializanossas possibilidades de aprender sobre o mun-do em que vivemos!

Podemos afirmar, a partir dessas reflexões, queo brincar é um espaço de apropriação e cons-tituição pelas crianças de conhecimentos e ha-bilidades no âmbito da linguagem, dacognição, dos valores e da sociabilidade. E queesses conhecimentos se tecem nas narrativasdo dia-a-dia, constituindo os sujeitos e a basepara muitas aprendizagens e situações em quesão necessários o distanciamento da realidadecotidiana, o pensar sobre o mundo e ointerpretá-lo de novas formas, bem como o de-senvolvimento conjunto de ações coordena-das em torno de um fio condutor comum.

Brincadeira, cultura eBrincadeira, cultura eBrincadeira, cultura eBrincadeira, cultura eBrincadeira, cultura econhecimento: a função huma-conhecimento: a função huma-conhecimento: a função huma-conhecimento: a função huma-conhecimento: a função huma-

nizadora da escolanizadora da escolanizadora da escolanizadora da escolanizadora da escola

Vamos refletir agora sobre as relações entre obrincar, a cultura e o conhecimento na exis-tência humana e, mais particularmente, naexperiência da infância.

Por um lado, podemos dizer que a brincadeira éum fenômeno da cultura, uma vez que se con-figura como um conjunto de práticas, conheci-mentos e artefatos construídos e acumulados

pelos sujeitos nos contextos históricos e soci-ais em que se inserem. Representa, dessa

forma, um acervo comum sobre oqual os sujeitos desenvolvem

atividades conjuntas. Poroutro lado, o brincar é umdos pilares da constituiçãode culturas da infância,compreendidas como sig-nificações e formas deação social específicas queestruturam as relações das

crianças entre si, bem comoos modos pelos quais interpre-

tam, representam e agem sobreo mundo. Essas duas perspectivas

configuram o brincar ao mesmo tempo comoproduto e prática cultural, ou seja, comopatrimônio cultural, fruto das ações humanastransmitidas de modo inter e intrageracional,e como forma de ação que cria e transformasignificados sobre o mundo.

Constituindo um saber e um conjunto de prá-ticas partilhadas pelas crianças, o brincar estáestreitamente associado à sua formação comosujeitos culturais e à constituição de culturasem espaços e tempos nos quais convivem co-tidianamente. Esse saber, base comum sobre aqual as crianças desenvolvem coletivamentesuas brincadeiras, é composto de elementos ex-teriores e interi ores às comunidades infantis.Externamente, pode ter como fontes a cultu-ra televisiva, o mercado de brinquedos, a edu-cação dos adultos e as suas representaçõessobre a brincadeira e a infância, além das prá-ticas culturais transmitidas por outras criançase adultos. Internamente, compõe-se de atitu-des coletivas e elementos culturais particula-res (regras, modos de falar e de fazer, valores,técnicas, artefatos etc.) gerados nas práticas ereinterpretações dos elementos externos. Exis-te assim uma dinâmica entre universalidade ediversidade que se traduz em permanências etransformações, configurando o brincar como

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uma complexa experiência cultural que simul-taneamente une e especifica os grupos sociais.

Pintores, poetas, escritores, cineastas,teatrólogos costumam utilizar o tema da infân-cia e dos brinquedos e brincadeiras em suasobras, ofecerendo-nos, por meio do olhar ar-tístico, interpretações sensíveis.

- O bom da pipa não é mostrar aosoutros, é sentir individualmente a pipa,dando ao céu o recado da gente.- Que recado? Explique isso direito!João olhou-me com delicado desprezo.- Pensei que não precisasse. Você soltao bichinho e solta-se a si mesmo. Ela ésua liberdade, o seu eu, girando por aí,dispensado de todas as limitações.(Carlos Drummond de Andrade apudCarvalho, Ana M.A. e Pontes,Fernando A.R.)

Drummond expressa o sentimento de liberda-de e desprendimento promovido pela brinca-deira. Brincar seria “soltar-se a si mesmo”,desprender-se da realidade imediata e de seuslimites, voar, lançar-se ao céu, mas ao mesmotempo diríamos que é possuir o controle dovôo nas mãos, segurando e movimentando alinha da pipa e regendo o “eu” por meio doscontornos dessa nova dimensão da realidade.

Agora eu era o heróiE o meu cavalo só falava inglêsA noiva do caubói era você além dasoutras trêsEu enfrentava os batalhões, os alemãese seus canhõesGuardava o meu bodoque e ensaiava orock para as matinês(João e Maria – Chico Buarque)

A liberdade no brincar se configura no inver-ter a ordem, virar o mundo de ponta-cabeça,fazer o que parece impossível, transitar em di-ferentes tempos – passado, presente e futuro –Agora eu era o herói... Rodar até cair, ficar tontode tanto correr, ser rei, caubói, ladrão, polícia,

desafiar os limites da realidade cotidiana. Aidéia de liberdade está associada, entretanto,não à ausência de regras, mas à criação de for-mas de expressão e de ação e à definição denovos planos de significação que implicamnovas formas de compreender o mundo e a simesmo.

Pipas colorindo os céus. Crianças e adultos,em todas as regiões do Brasil e em várias par-tes do mundo “empinam” esse brinquedo, commodos variados de confeccioná-lo, praticá-lo,significá-lo e com ele estabelecer relações so-ciais. Universalidade e pluralidade são suasmarcas, e de muitos outros brinquedos e brin-cadeiras, como a amarelinha. Domínio da ex-periência humana e ao mesmo tempoespecificidade de grupos sociais.

Pega-pega, pira, picula. Pique-cola, pique-bai-xo, pique-alto, pique-estátua, pique-fruta. Dife-rentes denominações e variações para umabrincadeira cuja estrutura básica é a persegui-ção e a fuga, ou seja, há um pegador que correatrás dos demais tentando alcançá-los. A brin-cadeira percorre três etapas básicas: a partir daformação do grupo, a escolha do “pegador”; odesenvolvimento do jogo por meio de tenta-tivas de pegar e do revezamento de pegadores;e a finalização.

Um repertório de brincadeiras, cujos esquemasbásicos ou rotinas são partilhados pelas crian-ças, compõe a cultura lúdica infantil, ou seja,o conjunto de experiências que permite às cri-anças brincar juntas (Brougère, 2002, 2004).Esses esquemas, contudo, não são estáticos,mas transpostos e transformados de um con-texto para o outro. Nesse sentido, são influen-ciados tanto pelo contexto físico do ambiente,a partir dos recursos naturais e materiais dis-poníveis, como também pelo contexto simbó-lico, ou seja, pelos significados pré-existentese partilhados pelo grupo de crianças. Dessemodo, ambientes escolares organizados para a

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A brincadeira éum lugar de

construção deculturas fundado

nas interaçõessociais entre as

crianças

brincadeira, compostos de mobiliário e obje-tos vinculados à vida doméstica, suscitambrincadeiras de papéis familiares; rios,mares, lama e areia geram brinca-deiras de nadar, pular, fazer cas-telos; personagens de novelaconhecidos pelas crianças cri-am brincadeiras de papéis ecenas domésticas; super-heróistematizam piques e brincadei-ras de perseguição.

Todos esses elementos externosao jogo, localizados na escola, na fa-mília, no bairro ou na mídia televisiva,entre outros espaços propiciadores de experi-ências sociais e culturais, são reinterpretadospelas crianças e articulados às suas experiênci-as lúdicas. A partir daí, geram-se novos modosde brincar. A televisão, por exemplo, é um ele-mento externo de grande influência hoje, masé preciso salientar que suas imagens e repre-sentações não são simplesmente imitadas pe-las crianças, mas recriadas a partir de suaspráticas lúdicas. Assim, podemos ver os bo-necos Power Rangers - personagens de umasérie televisiva - lutando e usando seus pode-res nas mãos das crianças, mas também co-mendo, dormindo, brincando com bonecasBarbie, etc. Para que se abram e se ampliemas possibilidades de criação no brincar é im-prescindível, contudo, que as crianças te-nham acesso a espaços coletivos debrincadeira e a experiências de cultura.

A brincadeira é um lugar de construção deculturas fundado nas interações sociais entreas crianças. É também suporte da sociabili-dade. O desejo de brincar com o outro, deestar e fazer coisas com o outro, é a principalrazão que leva as crianças a se engajarem emgrupos de pares. Para brincar juntas, necessi-tam construir e manter um espaço interativode ações coordenadas, o que envolve a parti-lha de objetos, espaços, valores, conhecimen-tos e significados e a negociação de conflitos

e disputas. Nesse contexto, as crianças esta-belecem laços de sociabilidade e constro-

em sentimentos e atitudes desolidariedade e de amizade.

É importante demarcar que nobrincar as crianças vão se cons-tituindo como agentes de suaexperiência social, organizan-do com autonomia suas açõese interações, elaborando pla-

nos e formas de ações conjun-tas, criando regras de

convivência social e de participaçãonas brincadeiras. Nesse processo, insti-

tuem coletivamente uma ordem social que regeas relações entre pares e se afirmam como au-toras de suas práticas sociais e culturais.

Brincar com o outro, portanto, é uma experi-ência de cultura e um complexo processointerativo e reflexivo que envolve a constru-ção de habilidades, conhecimentos e valoressobre o mundo. O brincar contém o mundo eao mesmo tempo contribui para expressá-lo,pensá-lo e recriá-lo. Dessa forma, amplia os co-nhecimentos da criança sobre si mesma e so-bre a realidade ao seu redor.

As reflexões que desenvolvemos até aqui noslevam a perguntar: como temos significado ecompartilhado com as crianças e os adolescen-tes suas experiências de brincadeiras? O espa-ço do brincar nas nossas escolas é apenaspassatempo e liberação-reposição de energiaspara alimentar o trabalho? Ou é uma forma deinterpretar, agir e nos relacionar com o mun-do e com os outros, vivenciada como experi-ência que nos humaniza, levando-nos àapropriação de conhecimentos, valores e sig-nificados, com imaginação, humor,criatividade, paixão e prazer?

Mas sabemos verdadeiramente o que é brin-car e de que e como nossas crianças e adoles-centes brincam? Pensar sobre a funçãohumanizadora da brincadeira nos provoca

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inquietações quanto à organização da escola edo trabalho pedagógico. Como podemostransformá-los de forma que deixem a brinca-deira fruir? Nos provoca também a redescobrirem nós mesmos o gosto e o prazer do fazerlúdico e das brincadeiras, levando-nos a bus-car em nossas experiências de infância, em lei-turas e por meio de um olhar atento àsdiferentes práticas culturais de brincadeira queidentificam os grupos sociais, fontes para aampliação do nosso repertório e das nossasformas de ação lúdica sobre o mundo. Afi-nal, brincar é uma experiência de cultura im-portante não apenas nos primeiros anos dainfância, mas durante todo o percurso de vidade qualquer ser humano, portanto, tambémdeve ser garantida em todos os anos do ensi-no fundamental e etapas subseqüentes danossa formação!

Uma excelente fonte de conhecimentos so-bre o brincar e sobre as crianças e os adoles-centes é observá-los brincando. Penetrar nosseus jogos e brincadeiras contribui, por umlado, para colhermos informações importan-tes para a organização dos espaços-tempos es-colares e das práticas pedagógicas de forma quepossam garantir e incentivar o brincar. Poroutro lado, ajuda na criação de possibilidadesde interações e diálogos com as crianças, umavez que propicia a compreensão de suas lógi-cas e formas próprias de pensar, sentir e fazer ede seus processos de constituição de suas iden-tidades individuais e culturas de pares. Medi-ante nossas observações, podemoscompreender melhor a dinâmica do brincar,perguntando-nos: de que as crianças e os ado-lescentes brincam? Que temas e objetos/brin-quedos estão envolvidos? Que brincadeiras serepetem cotidianamente? Que regras organi-zam as brincadeiras? Em que espaços e duran-te quanto tempo brincam? Como se escolheme se distribuem os participantes? Que papéissão assumidos por eles? Aprenderemos muitotambém sobre as suas vidas e suas relações

entre pares se observarmos: que assuntos es-tão em jogo quando brincam? Como se orga-nizam em grupos? Que critérios e valoresperpassam a escolha/seleção dos parceiros(amizade, alianças, hierarquias, preconceitos,relações de poder, etc.)? Que conhecimen-tos as crianças e os adolescentes revelam?Quais são as regras que regem as relações en-tre pares?

Essas observações e o que podemos aprendercom elas contribuem para a nossa aproxima-ção cultural com as crianças e para compreen-dermos melhor a importância do brincar nassuas vidas. Certamente ficará mais claro paranós que o brincar é uma atividade humanasignificativa, por meio da qual os sujeitos secompreendem como sujeitos culturais e huma-nos, membros de um grupo social e que, comotal, constitui um direito a ser assegurado navida do homem. E o que dirá na vida das cri-anças, em que esse tipo de atividade ocupa umlugar central, sendo uma de suas principaisformas de ação sobre o mundo! Perceberemostambém, com mais profundidade, que a esco-la, como espaço de encontro das crianças edos adolescentes com seus pares e adultos ecom o mundo que os cerca, assume o papelfundamental de garantir em seus espaços o di-reito de brincar. Além disso, ao situarmos nos-sas observações no contexto dacontemporaneidade, veremos que esse papelcresce em importância na medida em que ainfância vem sendo marcada pela diminuiçãodos espaços públicos de brincadeira, pela faltade tempo para o lazer, pelo isolamento, sendoa escola muitas vezes o principal universo deconstrução de sociabilidade.

Vamos refletir agora sobre as práticas que nosaproximam e, ao mesmo tempo, sobre aquelasque nos afastam das concepções sobre a brin-cadeira que discutimos até aqui. O brincar ésugerido em muitas propostas e práticas peda-gógicas com crianças e adolescentes como umpretexto ou instrumento para o ensino de

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Ao planejarmosatividades lúdicas,

é importanteperguntar: a que

fins e a quem estãoservindo?

conteúdos. Como exemplo, temosmúsicas para memorizar informa-ções, jogos de operações matemá-ticas, jogos de correspondênciaentre imagens e palavras escri-tas, entre outros. Mas quandocompreendidos apenas comorecursos, perdem o sentido debrincadeira e, muitas vezes, atémesmo o seu caráter lúdico, assu-mindo muito mais a função de trei-nar e sistematizar conhecimentos, umavez que são usados com o objetivo principalde atingir resultados preestabelecidos. É pre-ciso compreender que o jogo como recursodidático não contém os requisitos básicos queconfiguram uma atividade como brincadei-ra: ser livre, espontâneo, não ter horamarcada, nem resultados prévios e determi-nados. Isso não significa que não possamosutilizar a ludicidade na aprendizagem, medi-ante jogos e situações lúdicas que propiciema reflexão sobre conceitos matemáticos,lingüísticos ou científicos. Podemos e deve-mos, mas é preciso colocá-la no real espaçoque ocupa no mundo infantil, e que não é oda experiência da brincadeira como cultura.Constituem apenas diferentes modos de en-sinar e aprender que, ao incorporarem aludicidade, podem propiciar novas e interes-santes relações e interações entre as criançase destas com os conhecimentos.

Existem inúmeras possibilidades de incorpo-rar a ludicidade na aprendizagem, mas para queuma atividade pedagógica seja lúdica é impor-tante que permita a fruição, a decisão, a esco-lha, as descobertas, as perguntas e as soluçõespor parte das crianças e dos adolescentes, docontrário, será compreendida apenas comomais um exercício. No processo de alfabetiza-ção, por exemplo, os trava-línguas, jogos derima, lotos com palavras, jogos da memória,palavras cruzadas, língua do pê e outras lín-guas que podem ser inventadas, entre outras

atividades, constituem formas interes-santes de aprender brincando ou

de brincar aprendendo. Quantosde nós lembramos das muitasdescobertas que fizemos pormeio de jogos e atividadeslúdicas? Se incorporarmos deforma mais efetiva a

ludicidade nas nossas práticas,estaremos potencializando as

possibilidades de aprender e o in-vestimento e o prazer das crianças e dos

adolescentes no processo de conhecer. E comcerteza descobriremos também novas formasde ensinar e de aprender com as crianças e osadolescentes!

Mas como planejar essas atividades? Um bomcomeço é nos perguntarmos: Conhecemosbem nossas crianças ou adolescentes? Sabemosdo que gostam ou não de fazer, de seus inte-resses, de suas práticas? Sabemos ouvi-los? Cri-amos espaços para que eles também nosconheçam? A abertura de portas para o en-contro e a proximidade cultural com as crian-ças e os adolescentes é fundamental paraorganizarmos atividades que estejam em mai-or sintonia com seus interesses e necessidades.Ao planejarmos atividades lúdicas, é impor-tante perguntar: a que fins e a quem estão ser-vindo? Como estão sendo apresentadas?Permitem a escuta das vozes das crianças?Como posso me posicionar junto a elas demodo que promova uma experiência lúdica?O que se quer é apenas uma animação ou aintenção é possibilitar uma experiência em quese estabeleçam novas e diversas relações comos conhecimentos?

É importante demarcar que o eixo principalem torno do qual o brincar deve ser incorpo-rado em nossas práticas é o seu significadocomo experiência de cultura. Isso exige a ga-rantia de tempos e espaços para que as própri-as crianças e os adolescentes criem edesenvolvam suas brincadeiras, não apenas em

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O eixo principalem torno do qual o

brincar deve serincorporado em

nossas práticas é oseu significado

como experiênciade cultura.

locais e horários destinados pela escola a essasatividades (como os pátios e parques para arecreação), mas também nos espaços das salasde aula, por meio da invenção de diferentesformas de brincar com os conhecimentos. Masde que maneira podemos assegurar nas nossaspráticas escolares que o brincar seja vividocomo experiência de cultura? Vamos pensarjuntos alguns caminhos.

Organizando rotinas que propiciema iniciativa, a autonomia e asinterações entre crianças. Cri-ando espaços em que a vidapulse, onde se construamações conjuntas, amizadessejam feitas e criem-se cul-turas. Colocando à dispo-sição das crianças materiaise objetos para descobertas,ressignificações, transgres-sões. Compartilhando brinca-deiras com as crianças, sendocúmplice, parceiro, apoiando-as, res-peitando-as e contribuindo para ampliar seurepertório. Observando-as para melhorconhecê-las, compreendendo seus universose referências culturais, seus modos própriosde sentir, pensar e agir, suas formas de se

relacionar com os outros. Percebendo as ali-anças, amizades, hierarquias e relações de po-der entre pares. Estabelecendo pontes, combase nessas observações, entre o que se apren-de no brincar e em outras atividades, fornecen-do para as crianças a possibilidade deenriquecerem-nas mutuamente. Centrando aação pedagógica no diálogo com as crianças eos adolescentes, trocando saberes e experiênci-

as, trazendo a dimensão da imaginaçãoe da criação para a prática cotidia-

na de ensinar e aprender.

Enfim, é preciso deixar queas crianças e os adolescen-tes brinquem, é precisoaprender com eles a rir, ainverter a ordem, a repre-sentar, a imitar, a sonhar ea imaginar. E no encontro

com eles, incorporando a di-mensão humana do brincar, da

poesia e da arte, construir o per-curso da ampliação e da afirmação de

conhecimentos sobre o mundo. Dessa forma,abriremos o caminho para que nós, adultos ecrianças, possamos nos reconhecer como su-jeitos e atores sociais plenos, fazedores da nos-sa história e do mundo que nos cerca.

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AS DIVERSAS EXPRESSÕESE O DESENVOLVIMENTO DA

CRIANÇA NA ESCOLAÂngela Mayer Borba1

Cecília Goulart2

A dança, o teatro, a música, a literatura,as artes visuais e as artes plásticas representam formas de expressão criadas

pelo homem como possibilidades diferencia-das de dialogar com o mundo. Esses diferentesdomínios de significados constituem espaçosde criação, transgressão, formação de sentidose significados que fornecem aos sujeitos, auto-res ou contempladores, novas formas deinteligibilidade, comunicação e relação com a

vida, reproduzindo-a e tornando-a objeto dereflexão. Sendo assim, convidamos os profes-sores para refletirem conosco sobre esses espa-ços nas escolas. Que sentidos assumem naformação das crianças e dos adolescentes?Como incorporá-los nas práticas pedagógicascotidianas e no currículo escolar?

O debate atual em torno da necessidade deincluir a dimensão artístico-cultural na forma-ção de crianças e de adolescentes caminha na

Pescadores de vidaDiego não conhecia o mar. O pai, Santiago

Kovadloff, levou-o para descobrir o mar.Viajaram para o Sul.

Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas,esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaramaquelas alturas de areia, depois de muito

caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. Efoi tanta a imensidão do mar e tanto o seu fulgor,

que o menino ficou mudo de beleza.E quando finalmente conseguiu falar, tremendo,

gaguejando, pediu ao pai:- Me ajuda a olhar!

Eduardo Galeano

1 BORBA, Angela Meyer. Doutora em Educação – Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).2 GOULART, Cecília. Doutora em Letras – Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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direção não apenas das questões relativas aoacesso e à apropriação da produção existente,como também da organização da escola comoespaço de criação estética. Nesse contexto, aarte não está a “serviço da educação” (Ostettoe Leite, 2004), mas constitui-se como expe-riência estética e humana, como área de co-nhecimento que tem seus conteúdos próprios.É importante não reduzir a arte a mero recur-so ou pretexto para o ensino de conteúdos pri-vilegiados na escola, pois qualquer tentativade normatizá-la como recurso didático leva àsua destruição. Como nos diz Kramer (1998)“Para ser educativa a arte precisa ser arte e nãoarte educativa”. O que significa então traba-lhar com arte nas escolas?

Para encaminhar essa discussão, vamos refle-tir sobre as relações entre arte, cultura e co-nhecimento no espaço escolar, focalizando aimportância da apreciação e da criação artísti-co-cultural na formação das crianças. Refleti-remos, também, sobre possibilidades detrabalho com as variadas formas de expressõesartísticas.

Arte, cultura, conhecimento eArte, cultura, conhecimento eArte, cultura, conhecimento eArte, cultura, conhecimento eArte, cultura, conhecimento eeducação: apreciação e criaçãoeducação: apreciação e criaçãoeducação: apreciação e criaçãoeducação: apreciação e criaçãoeducação: apreciação e criação

estéticaestéticaestéticaestéticaestética

A arte, a linguagem e o conhecimento, demodo geral, são frutos da ação humana sobreo mundo, sobre a realidade. Ao mesmo tempoem que os criamos, agem sobre nós, identifi-cando-nos de muitas maneiras, dependentesdo tempo histórico e dos grupos sociais em quenascemos. A arte, a linguagem e o conheci-mento fazem parte do acervo cultural do ho-mem, como resultado de suas necessidadesfilosóficas, biológicas, psicológicas e sociais,entre outras. Estabelecemos novas realidades,novas formas de inserção no mundo e de vi-são deste mesmo mundo, quando, como auto-res e atores, dançamos, pintamos, tocamosinstrumentos, entre muitas outras possibilidades,

elaborando e reconhecendo de modo sensí-vel nosso pertencimento ao mundo.

A chamada natureza humana não existe demodo independente da cultura; o homem, di-ferentemente dos animais, não é capaz de or-ganizar sua experiência sem a orientação desistemas simbólicos. Os símbolos não são sim-ples expressões e instrumentos da naturezahumana – são historicamente constituidoresda natureza das pessoas, de diferentes manei-ras. Há situações culturais, formas de vida,objetos e saberes que são peculiares a determi-nados grupos e sociedades e não podem serdesprezados, sob o risco de seremdescaracterizados cultural e politicamente,despersonalizados, pelo valor humano essen-cial que possuem para aquelas pessoas que têmsuas vidas por eles marcadas.

Na educação, considerando os objetivos dealargar e aprofundar o conhecimento do serhumano, possibilitando-lhe maior compreen-são da realidade e maior participação social,não podemos prescindir de trabalhar com aarte. Daí a necessidade de levar crianças e ado-lescentes a participar de exposições de váriostipos, assistir a filmes, danças, ouvir músicasde diferentes compositores, entre muitas ou-tras atividades. Hoje, por meio de novastecnologias como CDs, DVDs, e mesmo a te-levisão, esse trabalho está facilitado.

É importante também que as crianças tenhamacesso a livros de arte (há coleções inclusiveem jornaleiros), de literatura e também acessoa livros biográficos de autores de produçõesartísticas, não só contemporâneos. Nossa sen-sibilidade e nossos modos de ler o mundo seampliam pelo conhecimento das obras e dasvidas das pessoas que as elaboraram –redimensionamos a nossa condição humana eas nossas possibilidades de viver e agir no mun-do, engrandecendo-as. Propiciar às criançase aos adolescentes o prazer do exercício de ex-plorar as potencialidades de todo mundo e de

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A produção artísticaoral, escrita e plásticaque historicamente osgrupos populares vêm

produzindo faz parte doacervo cultural dahumanidade e nos

representa de modolegítimo

cada um, conhecendo outras formas de ordeme de des-ordem, neles mesmos e nos outros. Aeducação tem sentido justamente porque nospossibilita estabelecer novos entendimentos,novas ordens.

A produção artística oral, escrita e plásticaque historicamente os grupos populares vêmproduzindo faz parte do acervo cultural dahumanidade e nos representa de modo legí-timo também.

Educar e ensinar no contexto da cultura é umgrande desafio. Aprendemos muito tambémnós, professores. As obras de arte são modosinstigantes de ver e ler o mundo, estãoimpregnadas de conteúdos sociaisque, portanto, podem ser ana-lisados e debatidos, pelas vá-rias interpretações quepodem suscitar. O olharcrítico que as criançasdesenvolvem com essetipo de conhecimento,muitas vezes, surpreen-de-nos. É preciso apos-tar muito nas crianças enos adolescentes, em suascapacidades de aprender econhecer.

As professoras Renata dos SantosMelro, Maria Inês Barreto Neto, AdrianaSantos da Mata e Lílian Cristina de AzevedoTeixeira de Aguiar, de Niterói/RJ, desenvol-veram o projeto “Arte Naïf”,3 com crianças de3 a 5 anos da educação infantil. Inicialmente,as professoras estudaram o tema, buscandocompreender o que é Arte Naïf, analisandoobras de pintores e realizando leituras sobreaspectos conceituais relacionados à arte e àcultura em geral, e à arte popular e Arte Naïfem particular. Selecionaram os artistas cujasobras seriam trabalhadas, organizando e reu-nindo um rico material sobre suas vidas e obras:

pastas-catálogo, DVDs e livros de arte. Parti-ram para o trabalho com as crianças, convi-dando-as a se transportarem para o mundo decada artista, ouvindo as histórias de cada um econhecendo algumas de suas obras. Várias ati-vidades foram desenvolvidas – observação,descrição e interpretação das obras – e bus-cou-se identificar o que os artistas estavam re-presentando e expressando, a maneira comoo fizeram, que cores e materiais usaram; com-paração entre as obras de cada artista e desco-berta de suas características particulares;comparação das obras dos diferentes artistasselecionados; releituras das obras pelas crianças

por meio da confecção de obras próprias;elaboração de textos coletivos so-

bre as aprendizagens e informa-ções coletadas; visita ao

museu de Arte Naïf, na ci-dade do Rio de Janeiro;e realização de uma Ofi-cina de Cultura Popu-lar, em que as pesquisase produções das crian-ças foram expostas e os

pais e pessoas do bairroforam convidados a rea-

lizar também suas produções.Por meio desse trabalho, crian-

ças e professores não apenas am-pliaram os seus conhecimentos sobre

arte e cultura, mas também enriqueceram suaspossibilidades de criar, experimentando novascores, significados, combinações, traços e formas.

Conforme o relato dessa experiência, desdemuito cedo as crianças podem ter acesso a pro-duções artísticas, fruindo-as, conversando ediscutindo sobre as suas impressões e caracte-rísticas. Que tal vivenciar com as crianças ex-periências como essa?

A professora Kátia Raquel Testoni Longen, deAtalanta/SC, organizou o projeto Pequenos

3 Trabalho a ser publicado pelo MEC em Prêmio Qualidade na Educação Infantil 2005- Projetos Premiados

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A contempla-ção é um atode criação, de

co-autoria.

Poetas, com sua turma de crianças de nove aonze anos, cujo objetivo foi ampliar a leitura etrabalhar a apreciação e a criação de poesias,de forma que ultrapassassem a concepção re-duzida de poesia como aquilo que “rima etem sílabas contadas” e alcançassem a com-preensão de que a poesia é, acima de tudo,“jogo de palavras, é emoção que desperta, éuma maneira especial de ler e ver o mundo”.A professora iniciou o projeto, lendo poesiaspara as crianças, no início e no fim de cadadia letivo, durante uma semana, envolvendogêneros diferentes, poetas variados (Elias José,Ruth Rocha, Ferreira Gullar, Olavo Bilac,Arnaldo Antunes, Cecília Meireles, Manu-el Bandeira), poesias com e sem rimas,engraçadas e tristes. Em seguida, a par-tir do conto “O catador de pensa-mento”, de Mônica Feth, as criançasforam convidadas a ser “catadores depoesias”, o que consistia em sair pelaescola, pelo bairro, pela cidade e con-versar com as pessoas sobre poesia, con-vidando algumas delas para irem à escoladeclamar uma poesia de sua escolha. A partirda análise de poesias de diversos autores e dabusca de compreensão de recursos poéticos,tais como rimas, intertextualidade, aliterações,parlendas, as crianças produziram suas própri-as poesias. Organizaram um livro ao términodo projeto, com uma seleção de temas e pro-duções contemplando todas as crianças. Se-gundo a professora Kátia, o projeto ensinou atodos “que produzir uma boa poesia não é sóuma questão de inspiração, mas sim de busca,de reflexão; enfim, que o poeta tem trabalho...”(Brasil/MEC – Prêmio Incentivo à EducaçãoFundamental 2004, p.157-164).

Tais relatos ajudam-nos a compreender que oacesso à arte significa possibilitar às crianças,de qualquer idade, e aos professores (as), ocontato e a intimidade com a arte no espaçoescolar e, dessa forma, abrir caminhos para aexperiência estética, provocando novas formas

de sentir, pensar, compreender, dizer e fazer.Significa promover o encontro dos sujeitoscom diferentes formas de expressão e de com-preensão da vida.

Mas como se dá esse encontro? Bakhtin nosdiz que o sujeito, ao entrar em contato comuma obra de arte e contemplá-la, vivencia umarelação estética movida pela busca de compre-ensão de seu significado. A pessoa que apreciauma obra, seja ela criança ou adulto, entra emdiálogo com ela, com seu autor e com o con-texto em que ambos estão referenciados. Rela-ciona-se com os signos que a compõem, elaborauma compreensão dos seus sentidos, procuran-do reconstruir e apreender sua totalidade.

Nessa relação, coloca em articulação aexperiência nova provocada pela re-lação com a obra – de estranhamentoda situação habitual, de surpresa, deassombro, de inquietação – com aexperiência pessoal acumulada – en-

contros com outras obras, conheci-mentos apropriados nas práticas sociais

e culturais vivenciadas nos espaços familia-res, escolares, comunitários etc. – trazendo oseu ponto de vista para completar a obra. Acontemplação é um ato de criação, de co-auto-ria. Aquele que aprecia a obra continua a pro-dução do autor ao tomar para si o processo dereflexão e de compreensão.

Na experiência estética, a apreciação ofereceo “excedente de visão” (Bakhtin, 2000), aqui-lo que o outro não vê e que eu vejo, uma vezque me situo fora do objeto estético. Dele medistanciando, admirando-o e inquietando-mecom as emoções que em mim provoca, buscosua compreensão penetrando no seu interior,voltando então a mim mesmo para lhe dar for-ma, completando-o e atribuindo-lhe significa-dos. Essa relação envolve o entrelaçamentoentre eu-outro, ir e vir, velho e novo, distânciae aproximação, atos externos e internos, me-mória e imaginação, passado-presente-futuro.

A apreciação como ato de criação estética, enão como atitude passiva ou olhar conformado

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Ninguém cria novazio e sim a partir

das experiênciasvividas, dos conhe-

cimentos e dosvalores apropriados.

que apenas reproduz, está ligada ao grau deintimidade com as diferentes linguagens e pro-duções artísticas. Intimidade que permite aapropriação de sua história, características etécnicas próprias e produz o reconhecimentodo prazer e do significado dessa relação. Inti-midade que constrói o olhar que ultrapassa ocotidiano, colocando-o em outro plano,transgredindo-o, construindo múlti-plos sentidos, leituras e formas decompreensão da vida. O olharaguçado pela sensibilidade,pela emoção, pela afeti-vidade, pela imaginação,pela reflexão, pela crítica.Olhar que indaga, rompe,quebra a linearidade, ousa,inverte a ordem, desafia a ló-gica, brinca, encontra incoerên-cias e divergências, estranha,admira e se surpreende, para então es-tabelecer novas formas de ver o mundo.

O prazer e o domínio do olhar, da escuta e domovimento sensíveis construídos no encon-tro com a arte potencializam as possibilidadesde apropriação e de produção de diferentes lin-guagens pelos sujeitos como formas de expres-são e representação da vida: por meio dapoesia, do conto, da caricatura, do desenho,da dança, da música, da pintura, da escultura,da fotografia etc.

O menino era ligado em despropósitosQuis montar os alicerces de uma casasobre orvalhos[...] Viu que podia fazer peraltagens comas palavras.[...) Foi capaz de modificar a tardebotando uma chuva nela.O menino fazia prodígios.Até fez uma pedra virar flor!(Manoel de Barros)

O escritor nos fala de imaginação, fantasia,quebra da ordem, transgressão, peraltagens navida e no processo de criar com as palavras.Criação que “representa uma intensificação do

viver, um vivenciar-se no fazer; e em vez desubstituir a realidade, é a realidade; é uma rea-lidade nova que adquire dimensões novas”(Ostrower, 1986, p.28) com base na imagina-ção e no olhar sensível. É uma realidade emque o tempo, o espaço e as lógicas da realidadecotidiana se transformam e assumem uma ou-

tra dinâmica, ajudando-nos a ver o mundosob outra ótica, outros meios de conhe-

cimento.

A criação geralmente éidentificada com a novidadee a liberdade absolutas. Seráassim? O potencial de inova-ção e de liberdade de fatoexiste, porém é preciso com-preender que o novo não se

desconecta do velho e do jáconhecido, nem tampouco a li-

berdade se traduz na ausência dedelimitações e definições. Ninguém cria

no vazio e sim a partir das experiências vivi-das, dos conhecimentos e dos valores apropri-ados. A novidade está em ver o que antes nãose via, em perceber o novo no velho e vice-versa, em fazer conexões e associações que pro-duzem múltiplas e novas leituras, emressignificar a realidade.

O processo criador, segundo Vygotsky, ao in-terpor realidade, imaginação, emoção ecognição, envolve reconstrução, reelaboração,redescoberta. Nesse sentido, é sempre um pro-cesso singular no qual o sujeito deixa suasmarcas revelando seus encaminhamentos,ordenamentos e formas próprias de se relacio-nar com os materiais, com o espaço, com aslinguagens e com a vida. A criação se faz combase em decisões, definições e configuraçõesdadas pelas condições e pelas referências e es-colhas do sujeito. É nesse quadro que se defi-ne a liberdade. O criar livremente não significafazer qualquer coisa, de qualquer forma, emqualquer momento, mas sim o contínuo des-dobramento e redefinição de delimitações

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O criar livre-mente não

significa fazerqualquer coisa, dequalquer forma,

em qualquermomento.

dentro das quais o sujeito pode ousar, diver-gir, inovar e estabelecer novas relações(Leite, 1998).

A importância da criação estéticana formação humana configuraa função da escola de garantiro acesso às diferentes formas delinguagens e de promover, pormeio do fazer estético, a apro-priação pelas crianças de múlti-plas formas de comunicação e decompreensão do mundo e de simesmas. Mas como trabalhar no con-texto escolar com o fazer estético que pro-move o encontro do homem com ahumanidade? O que fazer? Como fazer? O quenão fazer? Como podemos aprender com a artee a cultura a ressignificar nosso trabalho coti-diano e o processo de ensinar e aprender?

Práticas pedagógicas comPráticas pedagógicas comPráticas pedagógicas comPráticas pedagógicas comPráticas pedagógicas comdiferentes formas dediferentes formas dediferentes formas dediferentes formas dediferentes formas deexpressão nas escolasexpressão nas escolasexpressão nas escolasexpressão nas escolasexpressão nas escolas

Diferentes formas de expressão como desenho,pintura, dança, canto, teatro, modelagem, li-teratura (prosa e poesia), entre outras, encon-tram-se presentes nos espaços de educaçãoinfantil (ainda que muitas vezes de forma re-duzida e pouco significativa), nas casas e nosdemais espaços freqüentados pelas crianças. Epor que estão presentes? Porque são formas deexpressão da vida, da realidade variada em quevivemos. Muitas vezes, à medida que a crian-ça avança nos anos escolares ou séries do en-sino fundamental, vê reduzidas suaspossibilidades de expressão, leitura e produçãocom diferentes linguagens. Privilegia-se nas es-colas um tipo de linguagem, aquela vinculadaaos usos escolares, ou seja, a que serve à repro-dução dos conteúdos dos livros didáticos me-diante sua transmissão, repetição e avaliação.Se antes a criança tinha possibilidades de uti-lizar outras linguagens para ler e dizer coisas so-bre si e sobre o mundo, vê-se de repente cercada

não apenas pelas amarras de uma única for-ma de se expressar, mas também pela

unicidade e previsibilidade dos sen-tidos possíveis. Que implicações

isso tem para as crianças e paraa sua formação? Nesse contex-to, qual é o impacto do ingres-so no ensino fundamentalpara as crianças que vêm daeducação infantil? Como seráque elas se sentem? E para

aquelas que estão se inserindopela primeira vez em um espaço

formal de educação?

Se compreendemos que as diversas linguagensartístico-culturais constituem modos de conhe-cer e de explicar a realidade tão válidos quan-to os saberes organizados pelos diversos ramosda ciência, precisamos rever nossas práticaseducativas. A apropriação pelas crianças dosconhecimentos produzidos pela arte contribuipara alargar o seu entendimento da realidadee para abrir caminhos para a sua participaçãono mundo. Participação que se faz pela açãoque reinterpreta, cria e transforma.

Tomemos o exemplo do conhecimento pro-duzido por meio da arte feita com a palavra.Compreender e expressar a realidade por meioda literatura – ficção, contos tradicionais, po-esia, etc. – mobiliza nossa sensibilidade, ima-ginação e criação; ajuda-nos a perceber queexistem diferentes sistemas de referência domundo que se abrem para muitos sentidos pos-síveis ao se conectarem com os sujeitos, suashistórias e experiências singulares. Nesse sen-tido, devemos propiciar às crianças práticas deleitura e escrita que provoquem a imaginação,a fantasia, a reflexão e a crítica. Tais práticasdevem mobilizar o diálogo das crianças com apluralidade de produções, com diferentes au-tores e modos de expressão, e encorajá-las abrincar com as palavras, a buscar novos senti-dos, novas combinações, novas emoções e,assim, se constituírem como autoras de suaspalavras e modos de pensar, narrar o mundo.

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A ampliação daexperiência estética,fazendo circular dife-rentes manifestaçõesartístico-culturais, é

base fundamentalpara o processo de

criação.

As professoras Juju Andrade Rodrigues eNoêmia Fabíola Costa do Nascimento, da Cre-che Municipal Maria Alice Gonçalves Guer-ra, em Camaragibe/PE, desenvolveram umprojeto sobre as obras de Portinari com crian-ças de 2 e 3 anos de idade. O projeto visava a“despertar nas crianças o gosto pela arte e pelacultura, possibilitando uma identificação comPortinari menino e, paralelamente, res-gatar as brincadeiras popularescontex-tualizando-as com situa-ções vivenciadas na creche,visando ao desenvolvimen-to do senso de observaçãoe à recriação, por meio dosdesenhos da criança, dotema estrutural da obra”. Asprofessoras fizeram uma se-leção de revistas, livros, sitesda Internet, entre outros ma-teriais. Selecionaram as telas queretratavam a infância do pintor. Fi-zeram exposição, leram textos sobre avida de Portinari e desenvolveram muitas ou-tras atividades com as crianças, valorizando osseus conhecimentos e encorajando-as a no-vas descobertas por meio da fala, das interaçõese da interpretação de aspectos simbólicos dasobras observadas (Brasil. Ministério da Edu-cação – Prêmio Qualidade na Educação In-fantil, 2004, p. 70-73).

Assim, as professoras apostaram na capacida-de intelectual e na sensibilidade das criançasde dois e três anos, contando histórias de ummenino que se tornou um grande pintor. Daípara a realização de muitas outras atividadessó precisou da inventividade das professorasque, junto com as crianças, viajaram pelo mun-do da criação. Isso nos leva a concluir: se épossível realizar atividades dessa natureza comcrianças tão pequenas, é possível realizá-lastambém com crianças maiores! Gerlane Murielde Lima Oliveira, professora de Maceió/AL,trabalhando com crianças de cinco e seis anos,

desenvolveu um projeto cujo objetivo foi in-formar às crianças sobre a vida e a obra deGraciliano Ramos, autor que dá nome à esco-la. A idéia surgiu a partir da pergunta de umacriança sobre a origem do nome da escola. Ascrianças tinham várias hipóteses: nome dodono da escola, nome de jogador de futebol,nome de político ou de escritor. Essa foi a

primeira etapa do projeto. Todos traba-lharam na seleção de materiais

para o projeto; a professora leuum livro do autor, em capí-

tulos, para a turma, e discu-tiram a importância dotrabalho de mestre Gra-ça. Montaram uma li-nha do tempo cominformações sobre a vida

e a obra do autor. Elabo-raram textos coletivos, lis-

tas de obras, etiquetaramfotos, uma infinidade de ativi-

dades aconteceu dentro e fora daescola! (Brasil/MEC, Prêmio Qualidadena Educação Infantil, 2004, p. 13-17).

Não há como nos constituirmos autores, crí-ticos e criativos, se não tivermos acesso àpluralidade de linguagens e com elas sermoslivres para opinar, criar relações, construir sen-tidos e conhecimentos. A ampliação da ex-periência estética, fazendo circular diferentesmanifestações artístico-culturais, é base funda-mental para o processo de criação, pois alargao acervo de referências relativas às caracterís-ticas e ao funcionamento de cada tipo de ex-pressão, bem como amplia a rede designificados e modos diferenciados decomunicabilidade e compreensão.

É importante salientar que as práticas com artede que estamos falando não se confundem comos exercícios de técnicas, treinamentospsicomotores ou cópias de modelos. O desenho,por exemplo, como forma de linguagem, nãose revela nas atividades de cobrir pontilhados,

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O desenho é umaforma de expressãode como a criança

e/ou o jovem vêem omundo e suas parti-

cularidades

Inquietos com a subordinação das atividadesde desenho às demais disciplinas e, em especi-al ao processo de alfabetização, os professoresorganizaram um projeto para o ano letivo cujo

objetivo foi ressignificar os conceitose valores estéticos das crianças, a

partir de ações e movimentoscom linhas. O estudo partiu daapreciação e representaçãodas fachadas das casas da pai-sagem local, comparando-ascom as de diferentes moradi-as. “A intenção era despertar

o olhar reflexivo das crianças eremetê-las a reconhecer a linha

arquitetônica das moradias enquan-to configuradora de formas culturais e his-

tóricas e, assim, instigá-las a reelaboraremgraficamente o tema ‘casa’ em suas produções”.As crianças realizaram várias atividades: dese-nharam suas casas e os tipos de casa que co-nhecem; observaram as casas das calçadas dasruas do bairro e desenharam casas; fizeram ro-das de apreciações utilizando painéis com de-senhos de casas de várias turmas. As criançasse surpreenderam com o fato de seus desenhosde casas serem tão semelhantes e estereotipa-dos, à medida que os contrastaram com suasobservações da realidade, uma vez que essasressaltavam a existência de uma grande diver-sidade de formas. Algumas crianças interpre-taram que isso ocorria porque “não sabiam”fazer direito, outras porque “a gente não olhadireito”. A partir dessas reflexões, as criançasrealizaram novas atividades: de observação, “re-trato falado” da casa e releituras de obras deKandinsky. Foram desenvolvidas também ati-vidades com jogos, articulando a linguagemimagética, a ação motora e a ludicidade com ouso de barbante e cordão de rede. A idéia eraencorajá-las a expressar com o corpo e a linhaas suas construções imagéticas (a partir de umpoema, de uma pintura, de uma fotografia,etc.). Durante todo o trabalho, acreditou-senas capacidades das crianças e dos adolescentes,

colorir desenhos mimeografados, montar bo-necos com formas geométricas segundo mo-delos, desenhar figuras preestabelecidas, entreoutras práticas tão comuns nos primeirosanos de escolaridade.

O desenho é uma forma de expres-são de como a criança e/ou o jo-vem vêem o mundo e suasparticularidades. Quando umacriança desenha, por exem-plo, uma casa fechada, deixan-do transparecer os móveis nointerior, está desenhando o quesabe existir dentro daquela casa,como mesas e cadeiras. As criançassurpreendem-nos com seus conheci-mentos de vários modos, narrando aspectos darealidade vivida e criada. A história relatada aseguir faz parte do repertório das conhecidashistórias de Pedro Bloch, publicadas na revis-ta Pais e Filhos, que mostra uma menina quepor meio de seu desenho desafia a certeza daprofessora de modo muito seguro.

Uma professora de creche observava ascrianças de sua turma desenhando.

Ocasionalmente passeava pela sala paraver os trabalhos de cada criança.

Quando chegou perto de uma meninaque trabalhava intensamente, perguntouo que desenhava. A menina respondeu:

- "Estou desenhando Deus".

A professora parou e disse:

- "Mas ninguém sabe como é Deus".

Sem piscar e sem levantar os olhos deseu desenho, a menina respondeu:

- "Saberão dentro de um minuto".

Um projeto interessante envolvendo desenho,pintura e arquitetura é relatado pela professo-ra Evanir de Oliveira, de Natal/RN. Tal pro-jeto envolveu várias turmas da escola,abrangendo a faixa etária de seis a doze anos.

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Aprender aler imagens, sons,

objetos amplianossas possibilida-

des de sentir erefletir sobre no-

vas ações

buscando romper a idéia, que muitos deles vãoincorporando, de que não sabem desenhar;incentivaram-se a interpretação, o olharcrítico, a invenção e a descobertade soluções. Certamente todosganharam novos conhecimen-tos e instrumentos para enri-quecerem suas possibilidadesde expressão por meio do de-senho. Ao término do ano le-tivo, foi realizada uma grandeexposição coletiva das produ-ções das crianças e adolescentes,resultado de um longo e rico pro-cesso em que novos conceitos e sabe-res foram produzidos. (Brasil, Ministério daEducação – Prêmio Incentivo à EducaçãoFundamental 2004, p. 93-102).

Tal relato mostra-nos que o desenho possuiconteúdos próprios, os quais fornecem novaspossibilidades de expressão e de compreensãodo mundo e de si mesmo. Sendo assim, porque é tão comum ser relegado a uma atividadecomplementar aos conteúdos das disciplinas?Por que à medida que as crianças avançam emidade e séries escolares vão compreendendo-ocomo uma linguagem restrita àqueles que “têmjeito, dom”? Como uma das diversas formasde conhecimento e inteligibilidade do mun-do, todos nós deveríamos apropriarmo-nos dodesenho como forma de expressão.

Deixemos a imaginação, a fruição, a sensibili-dade, a cognição, a memória transitarem li-vremente pelas ações das crianças com o lápis,a tinta e o papel, com as palavras escritas eorais, com argila e materiais residuais, com ossons e ritmos musicais, os gestos e movimen-tos do corpo, com as imagens de filmes, foto-grafias, pinturas, esculturas...! Permitamos que

o olhar, a escuta, o toque, o gosto, o cheiro,o movimento constituam formas sensíveis de

se apropriar de conhecimentos sobre omundo e sobre nós mesmos nos es-

paços escolares! Tornemos a es-cola mais colorida, encantada,viva, espaço de arte, cultura econhecimento!

Aprender a ler imagens, sons,objetos amplia nossas possibili-dades de sentir e refletir sobre

novas ações que criem outrasformas de vida no sentido de uma

sociedade justa e feliz, assim como in-cita as crianças a também se tornarem au-

toras de suas produções e de suas vidas ao mesmotempo em que se responsabilizam pela nossa he-rança cultural, por descobrirem seu valor.

Conforme ensina Calvino (1991), cada umde nós é uma enciclopédia, uma biblioteca,um inventário de objetos, uma amostragem deobjetos, de estilos, em que tudo pode ser con-tinuamente remexido e reordenado de todasas maneiras possíveis. Cada um de nós é umacombinatória de experiências, de informações,de leituras, de imaginações.

O conhecimento, qualquer que seja, não temvida autônoma, visto que se trata de um pro-duto cultural. Como afirma Bagno (2003,p.18) em relação à língua:” ‘a língua' como uma'essência' não existe: o que existe são seres huma-nos que falam línguas. (...) ela é tão concretaquanto os seres humanos de carne e osso que seservem dela e dos quais ela é parte integrante”. Omesmo pode ser dito em relação à arte, à cul-tura e ao conhecimento, pois são sujeitos decarne e osso, que interpretam a realidade, dan-do vida às palavras, às ações, aos fazeres, cri-ando diferentes formas de expressar o mundo.

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AS CRIANÇAS DE SEIS ANOSE AS ÁREAS DO CONHECIMENTO

Patrícia Corsino1

A inclusão das crianças de seis anos noensino fundamental provoca uma série de indagações sobre o que e como

se deve ou não ensiná-las nas diferentes áreasdo currículo. Antes de discutir essas questões,trazemos texto de Walter Benjamin, filósofo ecrítico da modernidade, como um convite parainiciar as reflexões. No fragmento, o autor com-para a apropriação do conhecimento com umtapete tecido artesa-nalmente que, por serúnico, carrega nos desvios e imperfeições dotecido a autenticidade que o distingue de qual-quer outro. É na singularidade e não na pa-dronização de comportamentos e ações quecada sujeito, nas suas interações com o mun-do sócio-cultural e natural, vai tecendo os seusconhecimentos. Esse pressuposto traz um gran-de desafio para nós, professores – tanto na edu-cação infantil quanto no ensino fundamental–, o de observar o que e como cada criança

está significando nesse processo de interação.O olhar sensível para as produções infantispermitirá conhecer os interesses das crianças,os conhecimentos que estão sendo apropriadospor elas, assim como os elementos culturais dogrupo social em que estão imersas. A partir daí,será possível desenvolver um trabalho pedagó-gico em que a criança esteja em foco.

Em que consistiria esse desafio? A criança jánão seria o foco das propostas educacionais?Não há dúvida de que muitos de nós,professores(as), consideramos as crianças su-jeitos do processo educativo e buscamos nocotidiano da sala de aula formas de conhecê-las, de aproximá-las de conhecimentos e devalorizar suas produções. Mas também pode-mos observar outras posições como, por exem-plo, situações em que, embora os objetivos aser alcançados digam respeito às crianças, o

Todo conhecimento [...] deve conterum mínimo de contra-senso, como os

antigos padrões de tapete ou de frisosornamentais, onde sempre se pode

descobrir, nalgum ponto, um desvioinsignificante de seu curso normal. Em

outras palavras: o decisivo não é oprosseguimento de conhecimento emconhecimento, mas o salto que se dá

em cada um deles.

Walter Benjamin

1 CORSINO, Patrícia. Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro; ProfessoraAdjunta do Departamento de Didática, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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foco está no conteúdo a ser ensinado, no livrodidático, no tempo e no espaço impostos pelarotina escolar, na organização dos adultos eaté mesmo nas suposições, nasidealizações e nos preconceitos so-bre quem são as crianças e comodeveriam aprender e se desen-volver. Numa outra posição, ofoco na criança é compreen-dido como subordinação dotrabalho às vontades da cri-ança ou restrição das experi-ências educacionais ao seuuniverso sócio-cultural, como sefosse possível tecer o tapete semter os fios e sem aprender os pontos.Na primeira posição, cabe à criança seadaptar ou se encaixar ao que o adulto pro-põe porque é ele quem sabe e determina oque é bom para ela. Já na segunda, ocorre oinverso, tornam-se secundários a atuação doadulto e o compromisso da escola com a apro-priação de conhecimentos e com a aprendi-zagem da criança.

Essas duas tendências contraditórias são mui-to mais freqüentes do que supomos. Para Pin-to (1997), se analisarmos as concepções decriança que subjazem quer ao discurso comum,quer à produção científica centrada no mun-do infantil, perceberemos uma grandedisparidade de posições. Uns valorizam aquiloque a criança é e faz, outros enfatizam o quelhe falta ou o que ela poderá ou deverá vir aser. E nós, professores(as), muitas vezes oscila-mos entre as duas posições. Seria, então, pos-sível entender essa oscilação, trazendo ascontradições e paradoxos de forma dialéticapara se buscar a superação dessa dicotomia?Como pensar num trabalho focado na crian-ça sem perder o compromisso com a sua inser-ção sócio-cultural?

Na busca desse foco, pensamos que um pontode partida seria conhecer as crianças, saberquais são os seus interesses e preferências, suasformas de aprender, suas facilidades e dificul-dades, como é seu grupo familiar e social, sua

vida dentro e fora da escola. Conhecer, porsua vez, implica sensibilidade, conhecimentose disponibilidade para observar, indagar, de-

volver respostas para articular o que as cri-anças sabem com os objetivos das

diferentes áreas do currículo. Im-plica, também, uma organiza-ção pedagógica flexível, abertaao novo e ao imprevisível;pois não há como ouvir ascrianças e considerar as suasfalas, interesses e produçõessem alterar a ordem inicial do

trabalho, sem torná-lo uma viade mão dupla onde as trocas mú-

tuas sejam capazes de promover am-pliações, provocar os saltos dos

conhecimentos, como Benjamin sugere.

Esse enfoque coloca-nos num lugar estratégi-co porque cabe a nós, professores(as), plane-jar, propor e coordenar atividades significativase desafiadoras capazes de impulsionar o desen-volvimento das crianças e de amplificar as suasexperiências e práticas sócio-culturais. Somosnós que mediamos as relações das crianças comos elementos da natureza e da cultura, aodisponibilizarmos materiais, ao promovermossituações que: abram caminhos, provoquemtrocas e descobertas, incluam cuidados e afe-tos, favoreçam a expressão por meio de dife-rentes linguagens, articulem as diferentes áreasdo conhecimento e se fundamentem nos prin-cípios éticos, políticos e estéticos, conforme es-tabelecem as Diretrizes Curriculares para oEnsino Fundamental (Brasil. Ministério daEducação/Conselho Nacional de Educação –Resolução CEB no 02/1998).

Mediar essas relações, entretanto, é uma tare-fa desafiadora pelas escolhas que precisamoscontinuamente fazer em relação à eleição deconteúdos e temas e às propostas metodoló-gicas para aproximá-los das crianças. Quantoao conteúdo, há várias indagações: o que se-lecionar em face do acúmulo de produções einformações a que estamos sujeitos e suas cons-tantes transformações? Que conhecimentos

Como pensarnum trabalho

focado na criançasem perder o com-

promisso com a suainserção sócio-

cultural?

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Que conheci-mentos são

fundamentais eindispensáveis à

formação dascrianças?

são fundamentais e indispensáveis à formaçãodas crianças? E como essas escolhas são políti-cas, alargam-se as perguntas: que elemen-tos e de que cultura(s) estão sendoselecionados e adaptados para se-rem introduzidos às crianças?Quais os que estão sendo silen-ciados? De que ponto de vistaestão sendo abordados e paraque grupos sociais? Quais são ascondições concretas de produ-ção do trabalho escolar?

Quanto à metodologia, indagamos:que intervenções do professor contribuempara os processos de desenvolvimento integraldas crianças? Como ampliar o universo cultu-ral das crianças e suas possibilidades deinteração? Que construções estão sendo reali-zadas pelas crianças ante os elementos cultu-rais e naturais que as circundam? Que situaçõespermitem e favorecem a manifestação das dife-rentes linguagens?

As indagações são muitas e as respostas seabrem a vários caminhos e novas questões. En-tendemos que o conhecimento é uma cons-trução coletiva e é na troca dos sentidosconstruídos, no diálogo e na valorização dasdiferentes vozes que circulam nos espaços deinteração que a aprendizagem vai se dando.Sendo assim, é nosso objetivo neste texto dis-cutir algumas das questões apresentadas, tra-zer suas tensões e favorecer possíveis respostaspara pensarmos juntos as diferentes áreas docurrículo e a inclusão das crianças de seis anosde idade no ensino fundamental de nove anos.A seguir, abordaremos o tema, trazendo algunspontos para reflexão neste momento de aco-lhida dessas crianças.

A criança de seis anos e o currí-A criança de seis anos e o currí-A criança de seis anos e o currí-A criança de seis anos e o currí-A criança de seis anos e o currí-culo do ensino fundamentalculo do ensino fundamentalculo do ensino fundamentalculo do ensino fundamentalculo do ensino fundamental

Como o próprio nome indica, as DiretrizesCurriculares Nacionais para o Ensino Funda-mental (Brasil. Ministério da Educação/

Conselho Nacional de Educação, ResoluçãoCEB no 2, 1998) constituem o documento le-

gal que traça uma direção para que as esco-las reflitam sobre suas propostas

pedagógicas. Como eixos das pro-postas pedagógicas das escolas, asDiretrizes definem os seguintesprincípios: “a) Princípios Éticosda Autonomia, da Responsabi-lidade, da Solidariedade e doRespeito ao Bem Comum; b)

Princípios Políticos dos Direitos eDeveres da Cidadania, do Exercício

da Criticidade e do Respeito à OrdemDemocrática; c) Princípios Estéticos da Sen-sibilidade, Criatividade e Diversidade de Ma-nifestações Artísticas e Culturais”.

A partir desses eixos, é importante que o tra-balho pedagógico com as crianças de seis anosde idade, nos anos/séries iniciais do ensino fun-damental, garanta o estudo articulado das Ci-ências Sociais, das Ciências Naturais, dasNoções Lógico-Matemáticas e das Linguagens.

Trabalhar com os conhecimentos das Ciênci-as Sociais nessa etapa de ensino reside, especi-almente, no desenvolvimento da reflexãocrítica sobre os grupos humanos, suas relações,suas histórias, suas formas de se organizar, deresolver problemas e de viver em diferentesépocas e locais. Assim, a família , a escola, areligião, o entorno social (bairro, comunida-de, povoado), o campo, a cidade, o país e omundo são esferas da vida humana que com-portam inúmeras relações, configurações e or-ganizações. Propor atividades em que ascrianças possam ampliar a compreensão da suaprópria história, da sua forma de viver e de serelacionar. Identificar diferenças e semelhan-ças entre as histórias vividas pelos colegas epor outras pessoas e grupos sociais próximosou distantes, que conhecem pessoalmente ouque conheceram pelas histórias ouvidas, lidas,vistas na televisão, em filmes, em livros, etc.Histórias individuais e coletivas que partici-pam da construção da história da sociedade.

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É importanteorganizar os tempos

e os espaços daescola para favorecer

o contato dascrianças com a

natureza e com astecnologias

O trabalho com a área das Ciências Sociaistambém objetiva ajudar a criança a pensar e adesenvolver atitudes de observação, de estu-do e de comparação das paisagens, do lugaronde habita, das relações entre o homem,o espaço e a natureza. É importanteconhecer as transformações ocor-ridas sob a ação humana naconstrução, no povoamentoe na urbanização das diferen-tes regiões do planeta. Per-ceber que a maneira comoo homem lida com a natu-reza interfere na paisagem e,conseqüentemente, na formae na qualidade de vida das pes-soas. Propor atividades por meiodas quais as crianças possam investi-gar e intervir sobre a realidade, reconhecendo-se como parte integrante da natureza e dacultura.

Na área das Ciências Naturais, o objetivo éampliar a curiosidade das crianças, incentivá-las a levantar hipóteses e a construir conheci-mentos sobre os fenômenos físicos e químicos,sobre os seres vivos e sobre a relação entre ohomem e a natureza e entre o homem e astecnologias. É importante organizar os tempose os espaços da escola para favorecer o conta-to das crianças com a natureza e com astecnologias, possibilitando, assim, a observa-ção, a experimentação, o debate e a amplia-ção de conhecimentos científicos.

As atividades didáticas dessa área têm comofinalidade desafiar as crianças, levá-las a pre-ver resultados, a simular situações, a elaborarhipóteses, a refletir sobre as situações do coti-diano, a se posicionar como parte da naturezae membro de uma espécie – entre tantas ou-tras espécies do planeta –, estabelecendo asmais diversas relações e percebendo o signifi-cado dos saberes dessa área com suas ações docotidiano.

O objetivo do trabalho com as Noções Lógico-Matemáticas nas séries/anos iniciais é dar opor-tunidade para que as crianças coloquem todosos tipos de objetos, eventos e ações em todas

as espécies de relações (Kamii,1986). En-corajar as crianças a identificar se-

melhanças e diferenças entrediferentes elementos, classifi-

cando, ordenando e seriando;a fazer correspondências eagrupamentos; a compararconjuntos; a pensar sobrenúmeros e quantidades deobjetos quando esses forem

significativos para elas, ope-rando com quantidades e re-

gistrando as situações-problema(inicialmente de forma espontânea

e, posteriormente, usando a linguagemmatemática). É importante que as atividadespropostas sejam acompanhadas de jogos e desituações-problema e promovam a troca deidéias entre as crianças. Especialmente nessaárea, é fundamental o professor fazer pergun-tas às crianças para poder intervir e questio-nar a partir da lógica delas.

O trabalho com a área das Linguagens partedo princípio de que a criança, desde bem pe-quena, tem infinitas possibilidades para o de-senvolvimento de sua sensibilidade e de suaexpressão. Um dos grandes objetivos do currí-culo nessa área é a educação estética , isto é,sensibilizar a criança para apreciar uma pintu-ra, uma escultura, assistir a um filme, ouvir umamúsica. Nesse período, é importante a criançavivenciar atividades em que possa ver, reconhe-cer, sentir, experienciar, imaginar e atuar sobreas diversas manifestações da arte. É fundamen-tal que ela conheça as produções artísticas dediferentes épocas e grupos sociais, tanto as con-sideradas da cultura popular, quanto as consi-deradas da cultura erudita. O trabalho com aslinguagens nas séries/anos iniciais tem como fi-nalidade dar oportunidade para que as crianças

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As crianças devemser encorajadas a

pensar, a discutir, aconversar e, espe-cialmente, a racio-

cinar sobre aescrita alfabética.

apreciem diferentes produções artísticas e tam-bém elaborem suas experiências pelo fazer ar-tístico, ampliando a sua sensibilidade e a suavivência estética.

O trabalho pedagógico com ênfase na área dasLinguagens também inclui possibilitar a socia-lização e a memória das práticas esportivas e deoutras práticas corporais. Entendemos que, emtodas as áreas, é essencial o respeito às culturas,à ludicidade, à espontaneidade, à autonomia eà organização das crianças, tendo como objeti-vo o pleno desenvolvimento humano. O/aprofessor(a), ao planejar atividades dessa áreapara as crianças, precisa escolher aquelas quepromovam a consciência corporal, a troca en-tre elas, a aceitação das diferenças, o respeito, atolerância e a inclusão do outro. Reconhecemo-nos e diferenciamo-nos a partir do outro, porisso, as atividades devem permitir que todas ascrianças possam participar, se divertir e apren-der, sejam elas gordas ou magras, altas ou bai-xas, fortes ou franzinas, rápidas oumenos ágeis. Vale lembrar que odesenvolvimento dessa área naescola não tem como finalida-de classificar ou selecionaratletas. Seu objetivo princi-pal, antes de qualquer inten-ção de desenvolverhabilidades motoras, é pro-mover a inclusão de todos.Sendo assim, é importante queos conhecimentos e as atividadesdessa área sejam instrumentos de for-mação integral das crianças e de prática deinclusão social, e proporcionem experiênciasque valorizem a convivência social inclusiva,que incentivem e promovam a criatividade, asolidariedade, a cidadania e o desenvolvimentode atitudes de coletividade.

Finalmente, ainda na área das Linguagens, épreciso assegurar um ensino pautado por umaprática pedagógica que permita a realização de

atividades variadas, as quais, por sua vez, possi-bilitem práticas discursivas de diferentes gêne-ros textuais, orais e escritos, de usos, finalidadese intenções diversos. Textos que circulam nasdiferentes esferas sociais e são produzidos porinterlocutores em processos interativos(Bakhtin, 1992a, 1992b). Textos significativospara as crianças, produzidos nas mais variadassituações de uso da linguagem oral e escrita, emque elas participem como locutores e como ou-vintes. É importante que o cotidiano das crian-ças das séries/anos iniciais seja pleno deatividades de produção e de recepção de textosorais e escritos, tais como: escuta diária da lei-tura de textos diversos, especialmente de histó-rias e textos literários; produção de textos escritosmediada pela participação e registro de parcei-ros mais experientes; leitura e escrita espontâ-nea de texto diversos, mesmo sem o domíniodas convenções da escrita; participação em jo-gos e brincadeiras com a linguagem; entre mui-

tas outras possíveis. Ao lado disso, ascrianças devem ser encorajadas a

pensar, a discutir, a conversar e,especialmente, a raciocinar

sobre a escrita alfabética,pois um dos principais obje-tivos do trabalho com a lín-gua nos primeiros anos/séries do ensino fundamen-tal é lhes assegurar o conhe-

cimento sobre a natureza e ofuncionamento do sistema de

escrita, compreendendo e seapropriando dos usos e convenções

da linguagem escrita nas suas mais diversasfunções.

Diante dessa breve abordagem sobre a impor-tância de um planejamento cuidadoso, queassegure o desenvolvimento de todas as áreasdo conhecimento, a ampliação do ensino fun-damental para nove anos, que significa bemmais que a garantia de mais um ano de esco-laridade obrigatória, é uma oportunidade

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histórica de a criança de seis anos pertencen-te às classes populares ser introduzida a conhe-cimentos que foram fruto de um processosócio-histórico de construção coletiva. Esseano ou essa série inicial deve compor um con-junto com os outros anos ou outras séries doensino fundamental; portanto, deve se articu-lar a ele(a)s no plano pedagógico de cada umadas escolas.

Infância , linguagem, conheci-Infância , linguagem, conheci-Infância , linguagem, conheci-Infância , linguagem, conheci-Infância , linguagem, conheci-mento e aprendizagemmento e aprendizagemmento e aprendizagemmento e aprendizagemmento e aprendizagem

É importante que o professor(a) pense nas cri-anças como sujeitos ativos que participam eintervêm no que acontece ao seu redor por-que suas ações são também forma de reelaboraçãoe de recriação do mundo. Nos seus processosinterativos, a criança não apenas recebe, mastambém cria e transforma – é constituída na cul-tura e também é produtora de cultura. As açõesda criança são simultaneamente individuais eúnicas porque são suas formas de ser e de estarno mundo, constituindo sua subjetividade, ecoletivas na medida em que são contextua-lizadas e situadas histórica e socialmente. Agi-mos movidos por intenções, desejos, emoçõesprovocados por outras ações realizadas por nósmesmos ou por outros num continuum desimbolizações. Sendo assim, a ação da criançano mundo não pode ser entendida apenascomo desempenho ou comportamento, mascomo simbolização do sujeito. Nessa perspec-tiva, conhecer a criança implica observar suasações-simbolizações, o que abre espaço para avalorização de falas, produções, conquistas einteresses infantis e faz da sala de aula um es-paço de socialização de saberes e confronto dediferentes pontos de vista – das crianças, doprofessor, dos livros e de outras fontes – fazen-do o trabalho se abrir ao novo, inédito,imprevisível e surpreendente.

A linguagem é constituinte do sujeito e, por-tanto, central no cotidiano escolar. De acor-do com Vygotsky (1993,2000), a linguagem é

um dos instrumentos básicos inventados pelohomem cujas funções fundamentais são: o in-tercâmbio social – é para se comunicar que ohomem cria e utiliza sistemas de linguagem –e o pensamento generalizante – é pela possi-bilidade de a linguagem ordenar o real, agru-pando uma mesma classe de objetos, eventose situações, sob uma mesma categoria, que seconstroem os conceitos e os significados daspalavras. A linguagem, então, atua não só nonível interpsíquico (entre pessoas), mas tam-bém no intrapsíquico (interior do sujeito).Decorre disso que operar com sistemas simbó-licos possibilita a realização de formas de pen-samento que não seriam possíveis sem essesprocessos de representação.

Ainda para Vygotsky (2000), o elo central doprocesso de aprendizagem é a formação deconceitos. Esse autor compara e inter-relacio-na duas categorias de conceitos: os conceitosespontâneos – construídos cotidianamentepela ação direta das crianças sobre a realidadeexperimentada e observada por elas – e os con-ceitos científicos – construídos em situaçõesformais de ensino-aprendizagem. Para o autor,os conceitos espontâneos percorrem muitoscaminhos até a criança ser capaz de defini-losverbalmente. Por exemplo, quanto ao concei-to de irmão, o próprio Vygotsky relata a difi-culdade inicial da criança em definir oconceito, mesmo tendo a experiência de pos-suir um irmão. Já os conceitos científicos, quepartem de uma definição, precisam aliar a for-mulação científica à experiência das crianças.Um bom exemplo disso é a definição decondensação da água. Ter observado uma rou-pa secando é importante para entender a mu-dança de estado da água para vapor. Asapropriações dos conceitos espontâneos e dosconceitos científicos seguem, assim, direçõesdiferentes, mas são processos intimamente in-terligados que exercem influências mútuas.Será que, ao planejarmos atividades pedagógi-cas para as diferentes áreas do conhecimento,

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O desenvolvi-mento dos con-

ceitos científicosnão é fruto de

memorização oude imitação

estamos atentos à inter-relação entre as duascategorias de conceitos?

O autor enfatiza que a apreensão dossistemas de conhecimento cien-tíficos pressupõe um tecidoconceitual já amplamente ela-borado e desenvolvido pormeio da atividade espontâ-nea do pensamento infantil.E destaca, ainda, que o desen-volvimento dos conceitos ci-entíficos não é fruto dememorização ou de imitação, poisesses surgem e se constituem por meiode uma tensão de toda a atividade do própriopensamento infantil: “na medida em que a cri-ança toma conhecimento pela primeira vez dosignificado de uma nova palavra, o processo dedesenvolvimento dos conceitos não termina,mas está apenas começando” (Vygotsky, 2000,p. 252). Será que no cotidiano escolar estamosatentos à importância de as crianças mexerem,experimentarem, descobrirem, investigarem,deduzirem? Temos promovido e facilitado ocontato direto das crianças com os elementosda natureza e da cultura? Temos planejadoaulas-passeio, visitas, entrevistas, observações,experimentações, filmes, etc.? Quando traba-lhamos um conceito científico, quais têm sidoas atividades que o antecedem e as que vãosucedê-lo?

Estudando as complexas relações entre as duascategorias de conceitos, Vygotsky (2000) ob-servou que, embora as crianças consigam ope-rar espontaneamente com uma série depalavras, elas não têm consciência da sua de-finição, ou seja, não conseguem tomar cons-ciência do seu próprio pensamento. Isto é:quanto mais usam automaticamente algumarelação tanto menos têm consciência dela. Porisso entende que “tomar consciência de algumaoperação significa transferi-la do plano da açãopara o plano da linguagem, isto é, recriá-la naimaginação para que seja possível exprimi-la em

palavras” (p. 275). Para o autor, o desenvol-vimento consiste nessa progressiva tomada de

consciência dos conceitos e operações dopróprio pensamento.

Essas colocações são bastanteprovocativas para a escola, es-pecialmente para o trabalhocom as crianças nos anos/séri-es iniciais do ensino funda-mental, quando se inicia o

processo de sistematização deconceitos e formalização dos

conteúdos. Como pensar, então,nessa introdução das crianças aos con-

ceitos científicos? Como proceder para queas crianças progressivamente desloquem osconceitos do plano da ação para o plano dopensamento?

Em qualquer área, esses deslocamentos podemser pensados pelo(a) professor(a). Vejamos aseguir algumas possibilidades:

1) plano da ação:

propor atividades que favoreçam as ações dacriança sobre o mundo social e natural. Sempossibilidades de agir, a criança não tem ele-mentos para construir os conceitos espontâ-neos e, conseqüentemente, chegar à tomadade consciência e aos conceitos científicos. Porisso, os planejamentos das atividades, sejam elasde Matemática, Ciências, História, Geografiaou Língua Portuguesa, precisam contemplarinicialmente a ação, ou seja, a própria movi-mentação da criança e manipulação de obje-tos e materiais, aulas-passeio, estudos do meio,visitas, entrevistas, etc. Como ação esimbolização estão juntas, cabem também aleitura de histórias e poemas, a recepção desons e imagens (músicas, filmes, documen-tários, etc.), etc. Nesse processo, a criança vaitendo a oportunidade de experimentar, anali-sar, inferir, levantar hipóteses, etc. A partir daação, o professor pode pensar em planos derepresentação e conseqüente tomada de

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consciência dessa ação, ou seja, propor queas crianças representem o que viram, senti-ram, fizeram e depois falem sobre as suas re-presentações, expliquem como chegaram auma determinada solução, etc.

2) planos de representação:

Expressão corporal – são as brincadeiras,imitações e dramatizações por meio das quaisas crianças reapresentam o que viveram esentiram com o próprio corpo ou manipu-lando objetos como fantoches, bonecos,brinquedos, etc.;

Expressão gráfica e plástica – são os dese-nhos, pinturas, colagens, modelagens que ascrianças fazem para representar o que foi vi-vido e experimentado. Gradativamente, es-sas representações vão sendo planejadas pelascrianças e vão ganhando formas mais defini-das e elaboradas;

Expressão oral – fala/verbalização – são assituações em que as crianças são chamadas aconversar sobre o que fizeram, viram, senti-ram, como chegaram a determinados resul-tados, que caminhos seguiram, ou seja, sãoincentivadas a falar sobre suas experiências,seus sentimentos e também sobre o seu pró-prio pensamento (procedimentos demetacognição), além de terem a oportunida-de de fazer uso de diferentes gênerosdiscursivos;

Expressão/registros escritos – a língua es-crita, assim como a oral, exerce várias fun-ções e possui inúmeros usos sociais e formasde se articular. Cada esfera da atividade hu-mana produz seus gêneros discursivos. É im-portante que, na escola, as crianças sejamdesafiadas a fazer uso de diferentes gêneros ede diferentes formas de registrar as ações queviveram, num processo de apropriaçãogradativa dos usos e convenções dos sistemasnotacionais que incluem a linguagem escrita– com seus diversos gêneros e tipos de textos– e outras notações como a linguagem

matemática, gráficos, mapas, tabelas, etc. Asnotações e escritas espontâneas das crianças,pelas sucessivas tomadas de consciência, apartir da mediação do professor e/ou de pes-soas mais experientes, gradativamente vãodando lugar às convencionais.

Vygotsky considera que a tomada de consci-ência eleva o pensamento a um nível maisabstrato e generalizado. Sendo assim, plane-jar o trabalho pedagógico tendo em vista ofluxo que vai da ação à representação e dessaúltima à tomada de consciência – com aexplicitação verbal do que foi feito – podeser um caminho para favorecer a apropria-ção gradativa de conceitos científicos, alémde tornar o trabalho mais dinâmico. Ações,representações e momentos de verbalizaçãodo que foi elaborado podem ser pensados demaneira que alternem espaços da sala ou daescola (em pé, sentado na rodinha), mesa (in-dividual, grupo), pátio, sala de leitura, etc., eatividades mais ou menos movimentadas, in-dividuais ou em duplas, em pequenos gruposou com toda a turma.

Para Vygotsky (1991), o aprendizado adequa-damente organizado resulta em desenvolvi-mento e põe em movimento vários processosque, de outra forma, não seriam possíveis deacontecer. Para o autor, o desenvolvimentodo indivíduo está diretamente ligado à suarelação com o ambiente sócio-cultural e o pa-pel social do outro é de fundamental impor-tância, uma vez que o indivíduo aprende e sedesenvolve a partir do convívio com os ou-tros de sua espécie. Vygotsky vê o desenvol-vimento retrospectivamente, no nível dedesenvolvimento real, que se costuma deter-minar pela solução independente de proble-mas e, prospectivamente, no nível dedesenvolvimento potencial, determinadopela solução de problemas sob a orientaçãode um adulto ou em colaboração com com-panheiros mais experintes. É dessa divisão dodesenvolvimento em níveis que Vygotsky

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Conhecer ascrianças.

Desafiá-las einstigá-las a iralém do que jáconstruíram.

formula o conceito de zona de desenvolvi-mento proximal2 como a distância entre onível de desenvolvimento real e o potencial.Conceito que permite a compreensão do cur-so interno do desenvolvimento do indivíduoe, ainda, o acesso aos processos que estão ama-durecendo e se encontram embrionariamentepresentes.

As investigações de Vygosky (2000) mostra-ram que todo objeto de aprendizagem esco-lar se constrói num terreno ainda nãoamadurecido e que a questão sobre as fun-ções amadurecidas devem continuar sendoobservadas porque

cabe definir sempre o limiar inferior daaprendizagem. Mas (...), devemos tertambém a capacidade para definir olimiar superior da aprendizagem. Só nafronteira entre estes dois limiares aaprendizagem pode ser fecunda. Sóentre eles se situa o período deexcelência do ensino de umadeterminada matéria (p. 333).

Compreender esses limites é o grande desafiodo trabalho pedagógico que se quer excelen-te. E eles nos remetem às questões inicias dotexto: conhecer as crianças. Desafiá-lase instigá-las a ir além do que já cons-truíram. Como é possível conhe-cer esses limites seguindo o livrodidático tal e qual, sem procedera ampliações e alterações? Comoplanejar e organizar o trabalhopedagógico de forma que haja defato aprendizado das crianças econseqüente desenvolvimento?Como trabalhar de forma que garantaa atuação pedagógica no limiar superior, ouseja, atuando na zona de desenvolvimento ime-diato?

Nesse sentido, um caminho encontrado por vá-rios professores para desenvolver as diferentes

áreas do currículo de forma criativa einterdisciplinar, que vá ao encontro dos inte-resses das crianças e ao mesmo tempo possibi-lite a ampliação de suas experiências e a suainserção cultural, tem sido o trabalho com pro-jetos, o qual será abordado a seguir.

Projetos pedagógicos: possibili-Projetos pedagógicos: possibili-Projetos pedagógicos: possibili-Projetos pedagógicos: possibili-Projetos pedagógicos: possibili-dade de diálogo entre as áreasdade de diálogo entre as áreasdade de diálogo entre as áreasdade de diálogo entre as áreasdade de diálogo entre as áreas

do conhecimentodo conhecimentodo conhecimentodo conhecimentodo conhecimento

A opção de alguns professores em trabalharcom projetos tem revelado quanto os proces-sos de ação-representação-tomada de consci-ência podem ser ampliados e quanto se podeatuar pedagogicamente no limiar superior daaprendizagem, visto que os projetos cami-nham conforme os interesses das crianças ea disponibilidade de recursos que escola e acomunidade oferecem. Mas o que são os pro-jetos de trabalho e como trabalhar com eles?

Trabalhar com projetos é uma forma de vin-cular o aprendizado escolar aos interesses e pre-ocupações das crianças, aos problemasemergentes na sociedade em que vivemos, à

realidade fora da escola e às questões cultu-rais do grupo. Os projetos vão além dos

limites do currículo, pois os temaseleitos podem ser explorados deforma ampla e interdisciplinar, oque implica pesquisas, busca deinformações, experiências de pri-meira mão tais como visitas e en-

trevistas, além de possibilitarem arealização de inúmeras atividades de

organização e de registro, feitas indi-vidualmente, em pequenos grupos ou com

a participação de toda a turma.

Os projetos valorizam o trabalho e a funçãodo professor que, em vez de ser alguém que re-produz ou adapta o que está nos livros didáticos

2 Bezerra (2000), tradutor do livro de Vygotsky, A Construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000,diretamente do russo, indica, no prefácio, que o termo mais próximo do que fora empregado por Vygosky seria zona dedesenvolvimento imediato e não proximal como foi inicialmente traduzido do inglês.

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Os projetos exi-gem cooperação,

interesse, curiosi-dade, pesquisa

coletiva em dife-rentes fontes

e nos seus manuais, passa a ser umpesquisador do seu próprio traba-lho. O professor torna-se alguémque também busca informaçõessobre o tema eleito, incentivaa curiosidade e a criatividadedo grupo e, sobretudo, enten-de as crianças como sujeitosque têm uma história e que par-ticipam ativamente do mundoconstruindo e reconstruindo a cul-tura na qual estão imersos. Ao se tornarmais atento ao que surge do grupo, o professoramplia o diálogo com as crianças e se tornaimportante na busca, na organização e na me-diação dos conhecimentos. A procura de to-dos por respostas às questões que surgem nogrupo mobiliza e torna a aprendizagem umdesafio coletivo. E a escola pode ser um espa-ço de busca, de reflexão, que se vale de fon-tes e áreas de conhecimento diversas paraentender um fenômeno natural, cultural esocial. Lugar onde as diferentes linguagensassumem grande importância, pois são as fer-ramentas necessárias para ler, entender, in-terpretar e dizer o mundo.

Uma escola comporta vários tipos de projetos.A começar pelo projeto político-pedagógicodefinidor da sua proposta. O projeto político-pedagógico da escola se efetiva em ações orga-nizadas em diferentes projetos institucionais quepodem ser de caráter permanente – como a or-ganização e a utilização da biblioteca escolar oudo centro de estudos de professores – , podemsurgir de questões amplas da comunidade esco-lar, como Direitos Humanos, sendo trabalhadoao longo de um ano letivo – ou podem tam-bém ser mais pontuais, como Feira de Ciênci-as, Feira de Livro, Copa do Mundo, eleições.Além dos projetos institucionais, há projetos porsegmento, por série/ano e por turma.

Os projetos de trabalho de uma turma tam-bém podem ter caráter permanente, como a or-ganização de uma horta, ou uma duração menor,

como a elaboração de um caderno dereceitas. Alguns projetos são vin-

culados a um tema específico,outros podem ser desdobramen-tos de projetos institucionais. Omais importante é que os pro-jetos de trabalho partam dequestões do grupo, estejam di-

retamente ligados aos interessesdas crianças, possibilitem um con-

tato com práticas sociais reais e per-mitam o estabelecimento de múltiplas

relações, ampliando o conhecimento de pro-fessores, alunos, pais e comunidade escolarsobre um assunto específico. As etapas do tra-balho devem ser planejadas pelo professor enegociadas com as crianças para que essas pos-sam acompanhar e participar ativamente detodo o processo, dando sugestões, questionan-do, buscando soluções, fontes de informaçãoe até mesmo avaliando. Os projetos exigemcooperação, interesse, curiosidade, pesquisacoletiva em diferentes fontes, registros do queestá sendo pesquisado como: fotografias, de-senhos, pinturas, colagens, maquetes, insta-lações, teatro, dramatizações, etc. e os maisvariados tipos de textos escritos. Ao profes-sor cabe a mediação de cada momento do pro-cesso por meio de planejamento eorganização de propostas (de ação, represen-tação e tomada de consciência), pesquisa defontes para subsidiar o trabalho, conhecimen-to dos conteúdos, observação e reflexão so-bre os objetivos que devem sernecessariamente trabalhados, registro dasconquistas das crianças, etc. Como já referi-do, a duração de um projeto é variável emrazão da sua grande dose de imprevisibilidade.

O trabalho com projetos, por abordar um de-terminado assunto de forma contextualizada,amplia consideravelmente a gama de conhe-cimentos que podem ser ancorados ao temaeleito, permitindo a interdisciplinaridade e atransversalidade, além da inserção da educa-ção de forma ampla na cultura. Um projeto

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pode desencadear outros e as diferentes for-mas de buscar as informações e de socializá-las – jornal, livro, exposições, feiras, etc. –permitem que os conhecimentos construídoscoletivamente circulem, estendam-se à comu-nidade e vice-versa. Quando compreendidosde forma dinâmica, os projetos podem se tor-nar apostas coletivas de amplificação cultural.

Vale lembrar que o trabalho com projetos tor-na-se eficaz quando articulado com a propos-ta pedagógica da escola e quando, a partir deuma reflexão coletiva dos professores, sãoestabelecidas as finalidades do trabalho e apon-tada a construção de conceitos.

Mais algumas reflexões...Mais algumas reflexões...Mais algumas reflexões...Mais algumas reflexões...Mais algumas reflexões...

Uma proposta pedagógica que envolva as di-ferentes áreas do currículo de forma integradase efetiva em espaços e tempos, por meio deatividades realizadas por crianças e adultos eminteração. As condições do espaço, organiza-ção, recursos, diversidade de ambientes inter-nos e ao ar livre, limpeza, segurança, etc. sãofundamentais, mas são as interações que qua-lificam o espaço. Um trabalho de qualidadepara as crianças nas diferentes áreas do currí-culo exige ambientes aconchegantes, seguros,encorajadores, desafiadores, criativos, alegrese divertidos; nos quais as atividades elevem suaauto-estima, valorizem e ampliem as suas lei-turas de mundo e seu universo cultural, agu-cem a curiosidade, a capacidade de pensar, dedecidir, de atuar, de criar, de imaginar, de ex-pressar; nos quais jogos, brincadeiras, elemen-tos da natureza, artes, expressão corporal,histórias contadas, imaginadas, dramatizadas,lidas, etc. estejam presentes. Os espaços dis-poníveis para as atividades precisam ser com-preendidos como espaços sociais onde nós,

professores, temos papel decisivo, não só na or-ganização e disposição dos recursos, mas tambémna distribuição do tempo, na forma de mediar asrelações, de se relacionar com as crianças e deinstigá-las na busca de conhecimento.

Cabe à educação das séries/anos iniciais valo-rizar as diferentes manifestações culturais, par-tir dos interesses e conhecimentos das crianças,ampliá-los e expandi-los em projetos de traba-lho interdisciplinares. Cabe ainda pensar naeducação como espaço de humanização e deluta contra a barbárie. Para Paulo Freire (1997,p.26) “quando vivemos a autenticidade exigidapela prática de ensinar-aprender participamosde uma experiência total, diretiva, política, ide-ológica, gnosiológica, pedagógica, estética e éti-ca, em que a boniteza deve achar-se de mãosdadas com a decência e com a seriedade”. Aeducação é simultaneamente um ato político,estético e ético. A política como ação do sujei-to na coletividade se efetiva com uma forma eum conteúdo que, por sua vez, sãoindissociáveis. Separar ética, política e estéticaé desconhecer como se dá a própria açãoeducativa. Na prática pedagógica, a estética dosespaços, dos materiais, dos gestos e das vozes dávisibilidade ao que e como se propõe à criançae, ainda, ao que o adulto pensa sobre ela e so-bre a educação dirigida a ela. O político permeiatudo isso pelas vozes que podem ser ouvidasou caladas, pela possibilidade de os sujeitosexpressarem-se, relacionarem-se, respeitarem-se, sensibilizarem-se e comprometerem-se como outro e com o seu grupo social, aproprian-do-se de conhecimentos e inserindo-se nas di-ferentes esferas culturais. O ensino fundamentalpara as crianças de seis anos, como um dos pri-meiros espaços públicos de convivência, é ondetudo isso começa.

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______. A Construção do pensamento e da linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo:Martins Fontes, 2000.

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LETRAMENTO EALFABETIZAÇÃO: PENSANDO A

PRÁTICA PEDAGÓGICATelma Ferraz Leal1

Eliana Borges Correia de Albuquerque2

Artur Gomes de Morais3

A criança e a linguagem:A criança e a linguagem:A criança e a linguagem:A criança e a linguagem:A criança e a linguagem:interação e inclusão socialinteração e inclusão socialinteração e inclusão socialinteração e inclusão socialinteração e inclusão social

As crianças, desde muito cedo, convivem com a língua oral em diferentessituações: os adultos que as cercam

falam perto delas e com elas. A linguagem ocu-pa, assim, um papel central nas relações sociais

vivenciadas por crianças e adultos. Por meioda oralidade, as crianças participam de dife-rentes situações de interação social e apren-dem sobre elas próprias, sobre a natureza e sobrea sociedade. Vivenciando tais situações, ascrianças aprendem a falar muito cedo e, quan-do chegam ao ensino fundamental, salvo al-gumas exceções, já conseguem interagir com

Quem foi que disse que eu escrevo para as elites?Quem foi que disse que eu escrevo para o bas-fond?

Eu escrevo para a Maria de Todo Dia.Eu escrevo para o João Cara de Pão.

Para você, que está com este jornal na mão...E de súbito descobre que a única novidade é a poesia.O resto não passa de crônica policial-social-política.

E os jornais sempre proclamam que “a situação é crítica”!Mas eu escrevo é para o João e a Maria

Que quase sempre estão em situação crítica!E por isso as minhas palavras são quotidianas como o pão

nosso de cada diaE a minha poesia é natural e simples como a água bebida

na concha da mão.

Mário Quintana

1 LEAL,Telma Ferraz. Doutora em Psicologia Cognitiva pela UFPE; Professora Adjunta do Centro de Educação da Universida-de Federal de Pernambuco.2 ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de. Doutora em Educação pela UFMG; Professora Adjunta do Centro de Educaçãoda Universidade Federal de Pernambuco.3 MORAIS, Artur Gomes de. Doutor em Psicologia pela Universidad de Barcelona; Professor Adjunto do Centro de Educaçãoda Universidade Federal de Pernambuco.

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Por meio daoralidade, as crian-ças participam de

diferentes situaçõesde interação social eaprendem sobre elas

próprias, sobre anatureza e sobre a

sociedade.

autonomia. Na escola, no entanto, aprendema produzir textos orais mais formais e se depa-ram com outros que não são comuns no dia-a-dia de seus grupos familiares ou de suacomunidade. Na instituição escolar,portanto, elas ampliam suas ca-pacidades de compreensão eprodução de textos orais, oque favorece a convivênciadelas com uma variedademaior de contextos deinteração e a sua reflexãosobre as diferenças entreessas situações e sobre ostextos nelas produzidos.

O mesmo ocorre em relaçãoà escrita. As crianças e os ado-lescentes observam palavras escri-tas em diferentes suportes, comoplacas, outdoors, rótulos de embalagens; es-cutam histórias lidas por outras pessoas, etc.Nessas experiências culturais com práticas deleitura e escrita, muitas vezes mediadas pelaoralidade, meninos e meninas vão se consti-tuindo como sujeitos letrados

Sabemos hoje (cf. Morais e Albuquerque,2004) que as crianças que vivem em ambien-tes ricos em experiências de leitura e escrita,não só se motivam para ler e escrever, mascomeçam, desde cedo, a refletir sobre as ca-racterísticas dos diferentes textos que circulamao seu redor, sobre seus estilos, usos e finalida-des. Disso deriva uma decisão pedagógica fun-damental: para reduzir as diferenças sociais, aescola precisa assegurar a todos os estudantes -diariamente - a vivência de práticas reais deleitura e produção de textos diversificados.

Cabe, então, à instituição escolar, responsá-vel pelo ensino da leitura e da escrita, ampli-ar as experiências das crianças e dosadolescentes de modo que eles possam ler eproduzir diferentes textos com autonomia.Para isso, é importante que, desde a educa-ção infantil, a escola também se preocupe com

o desenvolvimento dos conhecimentos rela-tivos à aprendizagem da escrita alfabética, as-sim como daqueles ligados ao uso e à produção

da linguagem escrita.

Nessa perspectiva, convidamosprofessores e professoras a re-

fletir sobre o papel do con-tato dos estudantes comdiferentes textos, em ati-vidades de leitura e es-crita realizadas dentro efora da escola. No en-tanto, é preciso recordarque esse contato por si só,

sem mediação, não garan-te que nossas crianças e nos-

sos jovens se alfabetizem, ouseja, que se apropriem do Sistema

de Escrita Alfabética. Desse modo, con-sideramos relevante a distinção feita pela pro-fessora Magda Soares (1998) entre alfabetizaçãoe letramento.

O primeiro termo, alfabetização, corresponderiaao processo pelo qual se adquire uma tecnologia– a escrita alfabética e as habilidades de utilizá-la para ler e para escrever. Dominar taltecnologia envolve conhecimentos e destrezasvariados, como compreender o funcionamen-to do alfabeto, memorizar as convenções letra-som e dominar seu traçado, usando instrumentoscomo lápis, papel ou outros que os substituam.

Já o segundo termo, letramento, relaciona-seao exercício efetivo e competente daquelatecnologia da escrita, nas situações em queprecisamos ler e produzir textos reais. Aindasegundo a professora Magda Soares (1998, p.47), “alfabetizar e letrar são duas ações distin-tas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ide-al seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar aler e a escrever no contexto das práticas soci-ais da leitura e da escrita”.

Os professores(as), há algum tempo, vêm par-ticipando desse debate, no centro do qual se

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questionam as práticas de ensino restritas aosvelhos métodos de alfabetização e se buscagarantir que os meninos e as meninas possam,desde cedo, alfabetizar-se e letrar-se, simulta-neamente. Resumindo o que foi descobertonos últimos 25 anos, Morais e Albuquerque(2004) afirmam que para “alfabetizar letrando”é necessário: (i) democratizar a vivência depráticas de uso da leitura e da escrita; e (ii)ajudar o estudante a, ativamente, reconstruiressa invenção social que é a escrita alfabética.

Assim, a nossa proposta agora é refletir de for-ma mais aprofundada sobre aqueles aspectosconstitutivos de uma prática de alfabetizaçãona perspectiva do letramento.

A leitura e a produção deA leitura e a produção deA leitura e a produção deA leitura e a produção deA leitura e a produção detextos no ensino fundamentaltextos no ensino fundamentaltextos no ensino fundamentaltextos no ensino fundamentaltextos no ensino fundamental

No início deste texto, foi mencionado que alinguagem ocupa papel de destaque nas rela-ções sociais. Na nossa sociedade, a participa-ção social é intensamente mediada pelo textoescrito e os que dela participam se apropriamnão apenas de suas convenções lingüísticas,mas, sobretudo, das práticas sociais em que osdiversos gêneros textuais circulam. Dessemodo, Bakhtin (2000, p. 279) chama a aten-ção de que “cada esfera de utilização da línguaelabora seus tipos relativamente estáveis de enun-ciados”. Ou seja, em cada tipo de situação deinteração, deparamo-nos com gêneros textu-ais diferentes e distintos modos de usá-los.

Ao refletirmos sobre os usos que fazemos daescrita no dia-a-dia, sabemos que tanto na salade aula quanto fora dela isso fica evidente.Qualquer cidadão lê e escreve cumprindo fi-nalidades diversas e reais. Precisamos garantiresse mesmo princípio, ao iniciarmos os estu-dantes no mundo da escrita. Desse modo, pro-pomos, assim como defendido em Leal eAlbuquerque (2005), que sejam contempla-das na escola:

1. situações de interação mediadas pelaescrita em que se busca causar algumefeito sobre interlocutores em diferentesesferas de participação social (circulaçãode informações cotidianas, como, porexemplo, por meio de escrita e leiturade textos jornalísticos; comunicaçãodireta entre pessoas e/ou empresas,mediante textos epistolares (cartas,convites, avisos), circulação de saberesgerados em diferentes áreas deconhecimento, por meio dos textoscientíficos; orientações e prescriçõessobre como realizar atividades diversasou como agir em determinados eventos,mediante textos instrucionais; compar-tilhamento de desejos, emoções,valoração da realidade vivida, expressãoda subjetividade, por meio dos textosliterários; divulgação de eventos,produtos e serviços, mediante textospublicitários; entre outros;

2. situações voltadas para a construção e asistematização do conhecimento,caracterizadas, sobretudo, pela leitura eprodução de gêneros textuais que usamoscomo auxílio para organização ememorização, quando necessário, deinformações, tais como anotações,resumos, esquemas e outros gêneros queutilizamos para estudar temas diversos;

3. situações voltadas para auto-avaliação eexpressão “para si próprio” desentimentos, desejos, angústias, comoforma de auxílio ao crescimento pessoale ao resgate de identidade, assim comoao próprio ato de investigar-se e resolverseus próprios dilemas, com utilização dediários pessoais, poemas, cartas íntimas(sem destinatários);

4. situações em que a escrita é utilizada paraautomonitoração de suas próprias ações,

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A leitura do textoliterário é fonte de

prazer e precisa,portanto, ser consi-derada como meio

para garantir odireito de lazer das

crianças e dosadolescentes

para organização do dia-a-dia, para apoiomnemônico, tais como agendas, calen-dários, cronogramas, entre outros.

Reconhecendo essa diversidade e a necessi-dade de investirmos na formação dos estudan-tes para lidar de forma autônoma e crítica comessas situações, Dolz e Schneuwly (2004) pro-põem que façamos uma classificação dos tex-tos, com fins didáticos, com o propósito detrabalharmos com uma gama variada de gê-neros textuais na escola, promovendo, assim,situações de leitura, produção de tex-tos e reflexões sobre os aspectossócio-discursivos dessa varieda-de textual.

Em sua prática, o professor(a) deve ter algum critériopara selecionar os textos queserão produzidos com os es-tudantes. Existe variedade?Os meninos e meninas po-dem conviver com um uni-verso rico de gêneros textuaisque apresentam características dis-tintas e cumprem finalidadesdiversificadas?

Dolz e Schneuwly ajudam-nos a refletir sobreesse tema. Tais autores defendem que devería-mos propiciar em todos os anos o contato com:

(1)textos da ordem do narrar, que seriamaqueles destinados à recriação darealidade, tais como contos, fábulas,lendas;

(2)textos da ordem do relatar, que seriamaqueles destinados à documentação e àmemorização das ações humanas, taiscomo notícias, diários, relatos históricos;

(3)textos da ordem do descrever ações, queseriam os que se destinam a instruir comorealizar atividades e a prescrever e regularmodos de comportamento, tais comoreceitas, regras de jogo, regulamentos;

(4)textos da ordem do expor, destinados àconstrução e à divulgação do saber, taiscomo notas de enciclopédia, artigosvoltados para temas científicos,seminários, conferências; e

(5)os textos da ordem do argumentar, que sedestinam à defesa de pontos de vista, taiscomo textos de opinião, diálogosargumentativos, cartas ao leitor, cartasde reclamação, cartas de solicitação.

Nessa perspectiva, é importante que a es-cola, desde a educação infantil, pro-

mova atividades que envolvamessa diversidade textual e le-

vem os estudantes a cons-truir conhecimentos sobreos gêneros textuais e seususos na sociedade. As-sim, mesmo as criançasou os adolescentes quenão conseguem ainda ler

e escrever convencional-mente de forma autônoma,

podem fazê-lo por meio deuma outra pessoa.

Em relação ao primeiro agrupamento citadopelos autores – textos da ordem do narrar –,por exemplo, podemos citar várias razões quejustificam a necessidade de garantir que os es-tudantes tenham acesso a esses textos: a lite-ratura é um bem cultural da humanidade edeve estar disponível para qualquer cidadão;a leitura do texto literário é fonte de prazer eprecisa, portanto, ser considerada como meiopara garantir o direito de lazer das crianças edos adolescentes; a leitura do texto literáriopromove no ser humano a fantasia, conduzin-do-o ao mundo do sonho; possibilita, ainda,que os valores e os papéis sociais sejamressignificados, influenciando a construção desua identidade; por fim, sem termos a preten-são de esgotar tais razões, promove a motiva-ção para que crianças e adolescentes aprendam

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a ler e possibilita inseri-los em comunidadesde leitores.

No entanto, sabemos que, em nosso país, nemtodas as crianças e adolescentes têm a oportu-nidade de conviver com livros de literatura in-fantil e juvenil antes e fora da escola e, comisso, destacamos a importância de o professorgarantir em sua rotina pedagógica a prática deler livros de literatura. As atividades de leituradescritas, por exemplo, no último capítulo des-se documento, têm sido atividadesconstitutivas da prática de muitos docentes daeducação infantil e dos anos/séries iniciais doensino fundamental. Essas atividades, realiza-das muitas vezes diariamente, envolvem, so-bretudo, a leitura de textos literários e de outrosmateriais que interessam aos estudantes e quefazem parte do universo infantil e juvenil.

Momentos diários de leituras compartilhadas,onde o professor lê para seu grupo, possibili-tando que os estudantes possam, inclusive, ob-servar o escrito e as ilustrações, são de grandeimportância nesse processo. Pesquisas realiza-das em diversos países demonstram que meni-nos e meninas que desde cedo escutam históriaslidas e/ou contadas por adultos, ou que brin-cam de ler e escrever (quando ainda não do-minaram o sistema de escrita alfabética),adquirem um conhecimento sobre a lingua-gem escrita e sobre os usos dos diferentes gê-neros textuais, antes mesmo de estaremalfabetizadas (cf. Teberosky, 1995). É por meiode atividades como essas que meninos e me-ninas vão gradativamente construindo idéiascada vez mais elaboradas sobre o que é ler eescrever. Tais momentos possibilitam, inclu-sive, que eles se apropriem de estratégias deleitura típicas de um leitor experiente (cf. Solé,2000). Assim, por exemplo, ao se defronta-rem com um texto num livro de histórias, ela-boram antecipações sobre o que está ali

escrito, formulam hipóteses sobre como a his-tória terminará, comparam o conteúdo e oestilo daquele texto com o de outros que jáconheceram previamente, etc.

Como você tem observado essas condutas emsua sala de aula? Além das histórias infantis ejuvenis, que outros textos você julga que po-dem ser lidos e produzidos com nossas crian-ças e adolescentes? Para melhor refletirmossobre as possibilidades de trabalho com dife-rentes textos, apresentamos três relatos de ex-periências de professoras dos anos/séries iniciaisdo ensino fundamental.

Exemplo 1: A trajetória do MeninoMaluquinho

A professora Udenilza Pereira da Silva, da 3ªsérie, relatou uma experiência4 vivenciada emsua escola, que envolveu textos da ordem donarrar (contos), do relatar (biografia) e do ar-gumentar (resenha crítica), além de gênerosde outras esferas de circulação. Essa experiên-cia contou com a participação de todas as tur-mas da escola.

Como uma das ações da escola para oano de 2002, resolvemos (professoras,coordenadoras, diretora) fazer uma feiraliterária, com o objetivo de desenvolver nosalunos o gosto pela leitura e o prazer daescrita. Cada professora ficou responsávelpor escolher um autor de textos literários,que não poderia ser repetido.

Cada turma, tendo escolhido um autor queagradasse ao grupo, planejaria uma homena-gem a ser feita na feira literária da escola. Fi-cou combinado também que cada turmaescreveria um livro para ser doado à bibliote-ca, para que outras crianças pudessem conhe-cer um pouco mais sobre o autor e ler os textosproduzidos por eles próprios. Udenilza contaque sua turma escolheu as obras de Ziraldo.

4 Relato publicado em Guimarães, G.L. e Leal, T.F.(2002).

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Para a realização de tal atividade, forampegos alguns livros desse autor. Umagrande dificuldade existente para arealização do trabalho foi a não-existência,na escola, de livros de Ziraldo. Por isso,foram pegos livros emprestados de outrasescolas (2 escolas). Após essa fase, li cadalivro conseguido, selecionando 5 deles paraserem trabalhados com a turma, que foram:"Pelegrino e Petrônio", "Os dez amigos","O Menino Maluquinho", "O bebê emforma de gente" e "Dodó".

A professora contou que, em cada dia, ela liauma obra para a turma, que se deleitava comas histórias de Ziraldo, e depois as crianças in-ventavam histórias baseadas no conto lido,aproveitando os personagens, ou construindoversões diferentes da contada pelo autor. Aempolgação era grande, tanto dos estudantesquanto da professora.

Eu não conhecia a história do MeninoMaluquinho, uma das mais conhecidasobras de Ziraldo, por isso, confesso queme “apaixonei” pelas aventuras dopersonagem, sendo elas, literalmente,malucas. Além de eu ter gostado bastanteda história, consegui perceber que osalunos se sentiram também envolvidospela trajetória do personagem maisfamoso do autor.

O livro produzido pelos estudantes foi organi-zado em três partes. Na primeira, eles escreve-ram a biografia de Ziraldo; na segunda,produziram resenhas de três livros lidos, como objetivo de que outras crianças quisessemlê-los também; e, na terceira parte, foram co-locados os textos dos estudantes (um texto decada um, escolhido por eles entre os que fo-ram elaborados no decorrer do projeto).

Para a produção da biografia, Udenilza contaque, antes de passar para a escrita do texto, “osalunos tiveram acesso a um livro onde havia abiografia de Cecília Meireles e, em seguida, cada

aluno fez sua autobiografia oralmente, resgatan-do, assim, seus conhecimentos prévios”.

As informações sobre a vida do autor forampesquisadas na Internet pela educadora deapoio (coordenadora pedagógica da escola) elevadas para a sala pela professora. Verifica-mos que, nessa etapa do projeto, os meninos eas meninas leram textos com diferentes finali-dades: divertir-se e apreciar as obras do autorpor meio da leitura dos contos; selecionar in-formações para escrever a biografia medianteleitura dos textos da Internet; aprender comose organizam as biografias por meio da leiturada biografia de outra autora, Cecília Meireles.A produção oral das autobiografias, por sua vez,foi uma atividade importante para desenvol-ver capacidades de organização do texto orale ativar nos estudantes conhecimentos de ou-tros gêneros já conhecidos por eles (relato pes-soal) , os quais podiam ser usados nessa novatarefa. Levar os estudantes a perceber que ascapacidades e os conhecimentos dos quais elesdispõem, relativos aos textos orais, podem sertransferidos para a produção de textos escritosé outro objetivo especialmente importante nosanos/séries iniciais do ensino fundamental. Porfim, ao escreverem a biografia, os estudantesestavam desenvolvendo diferentes capacida-des textuais, referentes à organização das in-formações no papel e às características daescrita, diferenciando-as do momento em queproduziram oralmente suas autobiografias.

Para a produção das resenhas, também foi rea-lizado um trabalho prévio, como conta a pro-fessora: “para a produção de resenhas, foicitada como exemplo a resenha esportiva e aresenha de novela, para que os alunos tives-sem uma noção maior sobre o gênero. Apósisso, eles produziram resenhas coletivas, coma minha ajuda”.

No caso das resenhas que as crianças estavamproduzindo, havia diferenças marcantes emrelação às resenhas apresentadas. No entan-to, elas estavam aprendendo que poderiam

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transpor conhecimentos de alguns gênerosescritos para outros. Por um lado, o fato de aprofessora ter produzido as resenhas coletiva-mente foi uma boa alternativa, pois nesse tipode situação podemos fazer os estudantes per-ceberem as estratégias usadas para escrever otexto, relendo partes dele para dar continui-dade, pensando sobre as palavras que devemser usadas, decidindo sobre a organização dassentenças, enfim, sobre como expressar por es-crito o que queremos dizer. Por outro lado,como eles estavam escrevendo uma resenhacrítica com fins de persuadir, precisavam pen-sar em como estruturar o texto de modo queesse evidenciasse a qualidade dos contos lidose como valeria a pena lê-los. Assim, a profes-sora tinha condições de enfocar a dimensãoargumentativa da situação.

Para finalizar o trabalho, a professora organizoucom eles os textos, elaboraram a capa, fizeramilustrações e ensaiaram uma dramatização doMenino Maluquinho a ser apresentada na feiraliterária. Assim, eles se envolveram nas ativi-dades de forma intensa e aprenderam muitosobre o autor, sobre as obras e desenvolveramcapacidades relativas à produção e à compre-ensão de textos. A leitura dos diversos livros ea produção certamente aumentaram o reper-tório de conhecimentos dos meninos e meni-nas sobre textos literários e contribuíram paraque eles se engajassem em práticas de uso dalinguagem com interesse e prazer. A partici-pação dessas crianças na feira literária, ouvin-do o que os outros colegas tinham para mostrarsobre outros autores e outras obras também foium momento riquíssimo para lidar com essestextos e com a cultura literária. Para concluir,a professora diz que:

O trabalho realizado foi de extremaimportância para mim, pois conseguiprovocar nos estudantes um grande interessepela leitura e produção de diferentes gênerostextuais, apesar de muitas dificuldades de setrabalhar com uma turma com 38 crianças

de diferentes níveis. Um outro pontosatisfatório foi a participação das criançasque ainda não dominam a leiturafluentemente, pois, por meio das imagens,elas sentiram prazer de ler e compreenderpara, com isso, passar o que trabalharampara o público visitante da feira literária.

Como disse a professora, um dado importan-te dessa experiência foi a sua realização commeninos e meninas de diferentes idades damesma escola. Na educação infantil, porexemplo, os estudantes também estavam len-do e elaborando os mesmos gêneros textuaisproduzidos pelos estudantes de Udenilza.Obviamente, aquelas crianças estavam desen-volvendo outras capacidades e se aproprian-do de outros conhecimentos. Ou estavam seapropriando de alguns conhecimentos e de-senvolvendo capacidades similares aos dosestudantes de Udenilza, mas com um nívelde apropriação diferente.

Exemplo 2: Dicionário – prazer emconhecer

No exemplo 1, vimos situações em que os alu-nos e a professora leram e produziram textos daordem do narrar, do relatar e do argumentar. Eos da ordem do expor? Bem, sabemos que essestextos são muito freqüentes no contexto esco-lar. Pesquisamos temas de ciências, geografia,entre outras áreas do conhecimento e, para isso,nos deparamos com notas de enciclopédia, ar-tigos científicos de revistas, textos didáticos, etc.Na escola, precisamos ajudar as crianças e osadolescentes a usar esses textos que servem paraaprendermos conceitos, para construirmos co-nhecimentos sobre o homem, sobre a natureza,sobre a sociedade.

Um gênero textual também importante é overbete, pois aprender a consultar dicionário ecompreender as informações nele disponibili-zadas depende de contatos com tal suporte tex-tual. A professora Verônica Barros, da 4ª série,

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contou como introduziu o trabalho com dici-onários na sua turma.5

No dia em que os dicionários chegaram, aprofessora aproveitou para conversar com seusalunos: quem já tinha dicionário em casa? Játinham usado ou visto alguém usando? O quesabiam sobre o dicionário? Para que servia? Suaturma recebeu o dicionário escolar e ela entãoapresentou para os alunos esse novo material.Eis o que ela relatou:

Convidei os estudantes de minha 4a sériepara irmos folheando o dicionário econversando. Eles se deram conta de que,tanto antes quanto depois das seçõesdedicadas aos verbetes de cada letra, haviavárias outras coisas. Vimos que o dicionáriotinha uma seção de abreviaturas, umresumo de noções de gramática, quadrosde conjugação de verbos, lista de gruposindígenas do Brasil distribuídos pelosestados, lista de países com suas moedas eadjetivos pátrios, onomatopéias, coletivos,unidades de medida, além de outras seções(sobre obras literárias, presidentes doBrasil, maiores rios de nosso país, etc.).Eu mesma não tinha parado, antes, paraver todos esses detalhes. Os alunos tambémviram que, na seção de verbetes de cadaletra, apareciam as formas que a letra teveao longo da história, em diferentes línguasou com diferentes formatos e que a primeira“palavra” era a própria letra e sua definição.Às vezes, a mesma grafia, por exemplo,A, correspondia não só ao nome da letra,mas tinha outros significados também. Épreciso dizer que eles já dominavam aordem alfabética e tinham feito consultasno único dicionário que tínhamos na salade aula, até aquele dia. Mas, na exploraçãodo novo dicionário, paramos para ver queem cada página apareciam destacadas, emvermelho, duas palavras. Chamei aatenção para a primeira e a última palavra

de duas páginas seguidas e eles entãodescobriram a função daquelas palavrinhasvermelhas (os “cabeços”). Em vez de ficarlendo as palavras uma depois da outra, napágina, descobriram que dava para saberse uma palavra que queríamos encontrarestava naquela folha, olhando apenas paraas tais palavras destacadas no alto.

Verônica, por meio dessa atividade, desper-tou nas crianças a curiosidade para exploraro dicionário recebido e perceber suas utilida-des. Mas ela não parou aí; aproveitou o inte-resse e, em outro dia, realizou um jogo com odicionário:

Num outro dia, na mesma semana, fizuma atividade de busca de palavras, paraorientá-los a usar os tais ‘cabeços’. Numjogo em grupos, eu dizia a cada vez umapalavra para eles procurarem. Ganhavaponto a equipe que me dissesse primeiroqual era a página onde estava a palavra.Depois de acharem e dizerem os cabeços,liam o verbete completo e víamos ossignificados. Eles então prestaram atençãoa outras novidades. Notaram que osdiferentes significados eram separados pornúmeros, que tinha umas letrinhas(abreviaturas) que eles não conheciam, queas palavras (os verbetes) apareciam comas sílabas separadas.

Chamamos para a reflexão o dado de que,como bem relatam professores e demais estu-diosos, tais atividades não bastam para quecrianças e adolescentes se familiarizem com essesuporte textual. No entanto, é um bom come-ço. É importante propiciar ainda situações emque eles usem o dicionário para descobrir ossignificados de palavras utilizadas nos textoscom os quais se deparam, para decidir sobre aortografia das palavras, para escolher, entre di-ferentes significados de uma palavra, qual é omais apropriado para um determinado

5 Esse relato foi publicado em Leal e Brandão (2005).

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contexto. A idéia, porém, de brincar com odicionário, constitui uma boa alternativa paraaproximar os estudantes desse tipo de suportetextual de modo lúdico.

Exemplo 3: Brincando também se aprende

Outra professora também preocupada em pro-mover a aprendizagem de modo prazeroso éSilene Alves Santana. Ela relatou uma seqüên-cia de atividades em que objetivou trabalharcom instruções de confecção de brinquedoscom material de sucata.3 Sua turma tinha vintecrianças em torno de quatro anos de idade. Aidéia era produzir brinquedos de sucata e ensi-nar a outras crianças como fazer seus própriosbrinquedos. O primeiro brinquedo produzido foio chocalho. A professora já estava com o mate-rial e, juntamente com as crianças, foi montan-do o brinquedo. Em seguida, ela desafiou osalunos para que ensinassem a outras criançascomo produzir seus próprios chocalhos. Coleti-vamente, os meninos e as meninas elaboraramo texto, com muita ajuda da professora, quepercebeu que, embora eles soubessem explicaroralmente como fazer os brinquedos, apresen-tavam dificuldades de organizar o texto escrito.

– Gente, agora precisamos escrever sobrecomo produzimos este “chocalho”.Precisa ficar muito claro como fizemos,para que crianças da outra turma possamler e fazer os seus.– Vamos lá! Primeiro vamos escrever,listar quais os materiais utilizamos. Essemomento do registro da lista de materialfoi muito fácil e prazeroso. Logo, todosfalaram em coro. Porém, quandoperguntei “E agora? Precisamosdescrever como fizemos. Vamos! Comofoi?”, as crianças sentiram muitasdificuldades. Umas perguntavam:– Como foi que a gente fez?!– Vocês precisam falar para que euescreva e outras crianças que não estãopresentes possam fazer o brinquedo.

Então, alguns arriscaram:- Pega os copos e faz assim...Então, eu falei:- Assim como? Como fizemos? É sódizer como fizemos... E aí?… Vamos!Grande foi o meu espanto, porque as cri-anças não sabiam descrever o que elas pró-prias fizeram e acompanharam passo apasso. Então, refleti: “E agora?” A minhaintenção era servir de escriba para elas, umavez que não escreviam de forma convenci-onal. Daí, pensei: além de ser um escriba,preciso ser também um ajudador na cons-trução do texto. Percebi que, no trabalhoda oralidade, o texto instrucional flui me-lhor (...). Então, refleti que, para que elescompreendessem como redigir esse texto,precisaríamos de outros conhecimentos pré-vios, algo que desconsideramos totalmentenesse momento. Com minha interferência,conseguimos concluir o texto. Porém, aofazermos os outros brinquedos escolhidos (apeteca, o cavalo de pau, os pés de lata, obilboquê e os pratos falantes), conseguimosdescrever melhor a produção dos brinque-dos, pois antes tivemos a preocupação demostrar modelos de outros textos construídospor outras crianças.

Ao perceber que os conhecimentosconstruídos nas situações de uso da oralidadenão eram suficientes, a professora levou tex-tos instrucionais de outra escola onde esse pro-jeto havia sido realizado e passou a lê-los paraa turma. Assim, a etapa de montagem dos brin-quedos foi mediada pelo texto escrito. A pro-fessora lia as orientações escritas por outrosestudantes da escola enquanto os de sua tur-ma iam montando os brinquedos. A finalida-de de leitura era similar ao que acontece forada escola, pois é exatamente dessa forma quenós lemos receitas culinárias, instruções de jo-gos e outros textos dessa espécie (textos daordem do descrever ações). A tarefa de ditar o

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texto para a professora, então, ficou mais fácilpara as crianças.

Um destaque que podemos fazer nesse exem-plo é a realização da experiência por criançasde quatro anos de idade. Nesse caso, elas dita-vam para a professora os textos e eram ouvin-tes da leitura que a professora fazia. Nessesmomentos, estavam aprendendo muito sobrea linguagem usada para escrever e sobre as prá-ticas diversificadas de uso da escrita. No en-tanto, não era objetivo da professora, nessaseqüência de atividades, vivenciar situaçõespara que as crianças pensassem também sobrecomo registrar esses textos. Ou seja, ela nãoestava abordando, nesse projeto, a apropria-ção do sistema alfabético de escrita.

Trazemos à tona tal discussão porque consi-deramos que se quisermos que nossos estudan-tes se insiram nas práticas sociais em que o textoescrito está presente de modo autônomo, pre-cisamos promover, além do acesso aos textosmediado pelos adultos, momentos em que cri-anças e adolescentes possam pensar sobrecomo notar (registrar) os textos no papel. Ouseja, consideramos fundamental, como já dis-semos, ajudá-los a construir os conhecimen-tos sobre nosso sistema de escrita.

A apropriação do sistema alfa-A apropriação do sistema alfa-A apropriação do sistema alfa-A apropriação do sistema alfa-A apropriação do sistema alfa-bético de escrita de maneirabético de escrita de maneirabético de escrita de maneirabético de escrita de maneirabético de escrita de maneira

lúdica e reflexivalúdica e reflexivalúdica e reflexivalúdica e reflexivalúdica e reflexiva

É importante que nos recordemos de como foi anossa experiência de estudante numa classe dealfabetização. Será que pudemos vivenciar o pra-zer de escutar, ler e produzir histórias e outrostextos variados naquela etapa inicial, quandoainda não dominavámos o registro da escrita al-fabética? Recebemos ajuda para entender comoas letras registram os sons da fala? Ou precisa-mos descobrir isso por conta própria, à medidaque copiavámos e recopiavámos listas de síla-bas ou palavras que não compreendíamos?

Sabemos que durante muito tempo o ensinodo nosso sistema de escrita foi feito de uma

maneira mecânica, repetitiva, na qual os estu-dantes eram levados a memorizar segmentosdas palavras (letras ou sílabas) ou mesmo pa-lavras inteiras, sem entender a lógica que rela-cionava as partes pronunciadas (pauta sonora)e a seqüência de letras correspondente.

Hoje, entendendo que há um conjunto deconhecimentos a ser construídos, temos con-dições de promover desafios que levem as cri-anças e os adolescentes a compreender que aescrita possui relação com a pauta sonora. Essaé uma descoberta que nem sempre é realizadaespontaneamente, razão pela qual se tornaimprescindível ajudarmos os estudantes a des-cobrir os princípios que regem aquela relaçãoenigmática: a relação entre as partes faladas eas partes escritas das palavras.

Ferreiro (1985) diz que para chegar à compre-ensão da correspondência entre as letras –unidades gráficas mínimas – e os fonemas –unidades sonoras mínimas, é preciso realizar umaoperação cognitiva complexa. Nas escritas al-fabéticas, essa empreitada envolve entender:

o que a escrita representa das palavras fa-ladas (isto é, que as letras representam ossons e não os significados ou outras carac-terísticas físicas das coisas às quais aquelaspalavras orais se referem);

como a escrita cria essas representações (istoé, descobrir que a escrita funciona “tradu-zindo”, por meio das letras, segmentos so-noros pequenos, os fonemas, que estão nointerior das sílabas).

Para realizar essa tarefa, o estudante necessitaelaborar em sua mente um princípio de esta-bilização e igualação das unidades orais e es-critas. Isto é, as crianças e os adolescentesprecisam observar, por exemplo, que uma le-tra (digamos, A) é algo estável, que sempreaparece em determinada posição no interiorde uma determinada palavra, e não é apenas

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“a letra do nome de uma pessoa ou de umacoisa”. Precisam compreender que aquela le-tra aparece sempre quando a palavra em ques-tão contém um som /a/ naquele ponto, quandopronunciamos a palavra lentamente, etc. Istorequer “olhar para o interior das palavras es-critas”, analisando suas unidades gráficas e re-fletindo sobre elas. Como explicam Teberoskye Ribera (2004), para desenvolver essas capa-cidades, é preciso focar os signos gráficos dosistema alfabético. O fato de as letras seremestáveis, de aparecerem sempre na mesma po-sição no interior de uma palavra escrita, ajudaa criança ou o adolescente a desenvolver ascapacidades de analisar a palavra oral (aquelaa que a notação escrita se refere) em seus seg-mentos menores. Torna-se, portanto, funda-mental para os estudantes conhecer as letras erefletir sobre suas relações com os sons.

A partir dos estudos hoje disponíveis, pode-mos promover atividades que ajudem as cri-anças e os adolescentes a se familiarizar comas letras, por um lado, e a perceber que a cadaletra (ou conjunto de letras, no caso dosdígrafos) corresponde uma unidade sonora(com poucas exceções, como a que aconteceem táxi, em que uma letra – x – representadois fonemas).

Se consultarmos Morais (2005), verificaremosque, para dominar a notação alfabética, o es-tudante precisa entender as relações entre otodo escrito e o todo falado, ou seja, entre aspalavras faladas e as palavras escritas, e entreas partes do escrito (sílabas e letras) e as dofalado (sílabas e fonemas, que correspondemàs menores unidades das palavras). Para en-tender essas relações, no entanto, a criançaou o adolescente precisa vir a tratar as letrascomo classes de objetos substitutos, isto é, pre-cisa entender que as letras substituem algo, ossegmentos sonoros mínimos, que chamamosde fonemas. Para compreender o funciona-mento da escrita alfabética, ele ou ela precisa

considerar relações de ordem, de permanência erelações termo a termo.

Ilustrando as relações de ordem, poderíamosdizer, de maneira simplificada, por exemplo,que aos poucos a criança entende que CAnão pode ser o mesmo que AC, “que a ordemmuda as coisas, quando escrevemos”. Ela ne-cessita perceber que a ordem em que registra-mos no papel as letras corresponde à ordemem que pronunciamos os segmentos sonoros.

Ao remetermo-nos às relações de permanên-cia, estamos evidenciando que o estudantecompreenderá que C é um símbolo que subs-titui algo (os sons /k/ ou /s/), independente-mente de C aparecer manuscrito ou com outroformato autorizado para ser C. Isso significaque ele entenderá que há uma constância noregistro gráfico dos segmentos sonoros. A issodenominamos correspondência grafofônica.

A essa lista de descobertas, é preciso acrescen-tar algo: ao desenvolver suas habilidades dereflexão fonológica, o estudante descobre queo CA de casa é igual ao CA de cavalo, porqueas palavras orais /kaza/ e /kavalu/ “começamparecido, quando falamos, embora se refirama coisas bem diferentes no mundo real”. As-sim, fica evidenciado para ele que há uma re-lação termo a termo, ou seja, a palavra ésegmentada em unidades silábicas e a cada sí-laba pronunciada registramos uma seqüênciade letras a ela correspondente.

Em várias atividades de reflexão sobre o siste-ma de escrita, a tomada de consciência acercadesses princípios ocorre quando os estudantestambém percebem que a sílaba, que pode sersegmentada oralmente, possui regularidadesque facilitam a sua representação (ou notação)gráfica. Perceber que em toda sílaba de nossalíngua há uma vogal é uma aprendizagemimportante e parece favorecer a tarefa de ten-tar encontrar as outras unidades no interiordesse segmento. Precisamos, portanto, aju-dar nossos estudantes a observar “o interior

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das palavras”, analisando a variedade e aquantidade de letras que as compõem, suaordem, os casos de letras que se repetem, etc.

Nessa perspectiva, outra atividade importan-te para ajudar o estudante a tomar consci-ência desses princípios é a de fazê-lo perceberque uma mesma unidade gráfica (a letra),em diferentes contextos, mantém relaçõescom um mesmo valor sonoro ou um valorsonoro aproximado. Nesse sentido, Gallart(2004, p.46) atenta

partindo da aprendizagem de palavras pró-ximas, como os próprios nomes, os meni-nos e as meninas são capazes de incrementarseu universo de palavras e sons a partir deletras e sons conhecidos. Ao mesmo tempoem que se vão desenvolvendo nesse proces-so, são capazes de gerar outras palavras,jogando com as letras, as sílabas e os sons,e dotando-os de sentido com os demais acada nova palavra gerada.

É por tal motivo que sugerimos muitas, cons-tantes e variadas atividades com palavras sig-nificativas para as crianças e adolescentes e comas quais eles se deparem com freqüência. Taispalavras estáveis (ou fixas) ajudam o estudan-te a ir percebendo as regularidades do nossosistema de escrita e a utilizar conhecimentos(adquiridos quando as leram e escreveram), aose defrontarem com novas palavras que te-nham semelhanças com aquelas que, em suamente, estão mais estáveis e sobre as quais re-fletiram mais.

Outras estratégias didáticas que podem auxili-ar as crianças e os adolescentes a se apropriardo sistema alfabético de escrita assumem a for-ma de brincadeiras com a língua. Leal,Albuquerque e Rios (2004) lembram que brin-car com a língua faz parte das atividades querealizamos fora da escola desde muito cedo. Asautoras lembram que, quando cantamos músicas

e cantigas de roda, recitamos parlendas, poe-mas, quadrinhas, desafiamos os colegas comdiferentes adivinhações, estamos nos envol-vendo com a linguagem de uma forma lúdicae prazerosa. Elas citam, ainda, diferentes tiposde jogos que fazem parte da nossa cultura eenvolvem a linguagem: “Quem nunca brin-cou, fora da escola, do jogo da forca, ou deadedonha,6 ou de palavras cruzadas; dentreoutras brincadeiras? Todos esses jogos envol-vem a formação de palavras e, com isso, po-dem ajudar no processo de alfabetização”.

Outros jogos, criados com o propósito de alfa-betizar crianças e adolescentes, também po-dem ser poderosos aliados dos professores.Podemos citar, para fins de exemplificação, trêstipos de jogos: (i) os que contemplam ativida-des de análise fonológica sem fazer correspon-dência com a escrita; (ii) os que possibilitam areflexão sobre os princípios do sistema alfabé-tico, ajudando os estudantes a pensar sobre ascorrespondências grafofônicas (isto é, as rela-ções letra-som); (iii) os que ajudam a sistema-tizar essas correspondências grafofônicas.

Os jogos fonológicos são aqueles em que osestudantes são levados a refletir sobre as se-melhanças e diferenças sonoras entre as pala-vras. Nesse tipo de atividade, eles começam aperceber que nem sempre o foco de atençãodeve ser dirigido aos significados. No caso daapropriação do sistema alfabético, é fundamen-tal entender que é preciso atentar para a pau-ta sonora para encontrar a lógica da escrita.

Os jogos favorecem a reflexão sobre os princí-pios do sistema alfabético são aqueles em queas crianças são convidadas a manipular uni-dades sonoras/gráficas (palavras, sílabas, pala-vras), a comparar palavras ou partes delas, ausar pistas para ler e escrever palavras.

Por fim, os jogos que auxiliam a sistematiza-ção das correspondências grafofônicas são

6 Também chamado de “animal, fruta, pessoa” ou de “stop”.

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“Alfabetizarletrando”

é um desafiopermanente.

aqueles que ajudam os meninos e as meninasa consolidar e automatizar as correspondên-cias entre as letras e os sons, pois, muitas ve-zes, temos estudantes que entendem alógica da escrita, mas ainda não do-minam todas as correspondências,trocam letras, omitem ou esquecemo valor sonoro relacionado a algu-mas delas.

FFFFFazendo um balanço...azendo um balanço...azendo um balanço...azendo um balanço...azendo um balanço...

“Alfabetizar letrando” é um desafio per-manente. Implica refletir sobre as práticas eas concepções por nós adotadas ao iniciar-mos nossas crianças e nossos adolescentes nomundo da escrita, analisarmos e recriarmosnossas metodologias de ensino, a fim de ga-rantir, o mais cedo e da forma mais eficaz pos-sível, esse duplo direito: de não apenas ler eregistrar autonomamente palavras numa escri-ta alfabética, mas de poder ler-compreender e

produzir os textos que compartilhamos soci-almente como cidadãos.

Buscamos, neste texto, enfatizar que o en-tendimento sobre como funciona a nossa

escrita pressupõe ter familiaridade e seapropriar das diferentes práticas so-ciais em que os textos circulam, porum lado; desenvolver conhecimen-tos e capacidades cognitivas e es-tratégias diversificadas para lidar

com os textos nessas diferentes situ-ações, por outro lado e, aliado a tudo

isso, desenvolver conhecimentos sobrecomo registrar (notar) no papel o que se pre-tende comunicar e sobre como transformar oregistro gráfico em pauta sonora, ou seja, apro-priar-se do sistema alfabético de escrita.

Como educadores, precisamos aprofundar areflexão aqui apresentada, dando continui-dade e ampliando esse debate tão rico e ne-cessário. Como você pensa em fazê-lo,juntamente com seus colegas?

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Muitas perguntas aparecem para nós,professoras, no momento de organizar e planejar o trabalho, a ação

pedagógica: para que serve a escola? Qual é oseu papel social? O que fazer para que as crian-ças aprendam mais e melhor?

E as crianças? Será que também surgem per-guntas para elas? Como é a escola? O queacontece lá dentro? Como acontece? O que

podemos fazer lá e o que não podemos? O quevamos aprender?

Nosso diálogo neste texto trata da organiza-ção do trabalho pedagógico nos anos/sériesiniciais do ensino fundamental de nove anos,considerando que a cada ano recomeçamosnossa ação educativa com novas crianças eadolescentes num mundo em constante mu-dança. Daí a necessidade de estudo contínuo,

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHOPEDAGÓGICO: ALFABETIZAÇÃO E

LETRAMENTO COMO EIXOSORIENTADORES

Cecília Goulart1

Foi aí que nasci: Nasci na sala do 3º ano, sendoprofessora D. Emerenciana Barbosa, que Deus tenha.

Até então, era analfabeto e despretensioso. Lembro-me: nesse dia de julho, o sol que descia da serra era

bravo e parado. A aula era de Geografia, e aprofessora traçava no quadro-negro nomes de países

distantes. As cidades vinham surgindo na ponte dosnomes, e Paris era uma torre ao lado de uma ponte e

de um rio, a Inglaterra não se enxergava bem nonevoeiro, um esquimó, um condor surgiam

misteriosamente, trazendo países inteiros. Então,nasci. De repente nasci, isto é, senti vontade de

escrever. Nunca pensara no que podia sair do papel edo lápis, a não ser bonecos sem pescoço, com cinco

riscos representando as mãos. Nesse momento, porém,minha mão avançou para a carteira à procura de umobjeto, achou-o, apertou-o irresistivelmente, escreveu

alguma coisa parecida com a narração de uma viagemde Turmalinas ao Pólo Norte.

Carlos Drumonnd de Andrade

1GOULART, Cecília. Doutora em Letras – Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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demandando, assim, atualização e revisão denossas práticas.

O modo como organizamos o trabalho peda-gógico está ligado ao sentido que atribuímos àescola e à sua função social; aos modos comoentendemos a criança; aos sentidos que da-mos à infância e à adolescência e aos proces-sos de ensino-aprendizagem. Está ligado domesmo modo a outras instâncias, relaciona-das aos bairros em que as escolas estão locali-zadas; ao espaço físico da própria escola e àsatividades que aí ocorrem; às características in-dividuais do(a)s professore(a)s e às peculiari-dades de suas formações profissionais ehistórias de vida - muitos fatores entãocondicionam a organização do trabalho pe-dagógico. Em síntese, está ligado à nossa con-cepção de educação: educar para quê? Como?Liga-se em conseqüência à construção de su-jeitos cidadãos que cada vez mais adentramos espaços sociais, participando e atuando nosentido da sua transformação.

E nós, professores e professoras, nos pergun-tamos: como se constrói a educação como prá-tica de liberdade, no sentido de Paulo Freire?Educar para que as crianças e os adolescentespossam cada vez mais compreender o mundoem que vivem por meio do trabalho pedagó-gico com os conhecimentos que têm e comaqueles conhecimentos de que vão, aos pou-cos, se apropriando pelo sentido vivo que pos-suem e pelos interesses e desejos que geram.Nessa perspectiva, nossas crianças e jovens vãose sentindo cada vez mais livres para transitarsocialmente porque entendem melhor a com-plexidade do mundo. Ao mesmo tempo, vãose sentindo cada vez mais integrados e fortale-cidos pela dimensão de cidadania que a práticade trabalho organizado e colaborativo abre paratodos. As experiências pedagógicas coletivas deque participam sinalizam a partilha e a cons-trução cooperativa de ações comuns – e o va-lor de todos e de cada um se revela.

Dúvidas, apreensões e desejos mobilizam to-dos os que se envolvem em novas experiênci-as. E nós, professores/professoras, a cada anovivemos novas experiências e novos modos deviver a prática pedagógica porque trabalhamoscom pessoas, com crianças - trabalhamos en-tão com sujeitos vivos e pulsantes, e com co-nhecimentos em constante ampliação, revisãoe transformação. Que diferença de uma fábri-ca, onde o que se almeja é a homogeneidade,o padrão! Na fábrica, um produto de uma mes-ma série deve ser rigorosamente igual ao outropara que passe pelo controle de qualidade!

Na escola e na vida, encontramos a multipli-cidade de sujeitos e de modos de viver, pensare ser. Mas encontramos também característi-cas e marcas que nos identificam: como sereshumanos, como pertencentes a um período his-tórico, a uma região geográfica, e a tantos ou-tros agrupamentos que se entrelaçam. E porque isso acontece? Porque somos sujeitos cul-turais, não somos sujeitos errantes: criamosvínculos, sentimentos, mundos, literatura, te-orias, moda, receitas culinárias, filosofia, brin-cadeiras, jogos, arte, máquinas – tudo nosenreda e nos diz que, mesmo sem caminhostraçados, como de modo geral acontece comos animais, construímos história e histórias,cultura e culturas que nos enraízam, nos en-volvem e nos identificam.

E a escola faz parte dessas criações humanas. Éa instituição, o lugar de nos fortalecermos, denos entranharmos nessa história com cada umade nossas histórias, de nos fazermos fortes por-que nos integramos socialmente, compreen-dendo a força e a capacidade criadora do serhumano. Compreendendo também a vida e aluta dos homens através dos tempos, os conhe-cimentos produzidos e os modos de produção,as desigualdades criadas e as diferenças.

E nós sabemos bem disso porque convivemosdiariamente com crianças e adolescentes quetrazem experiências e histórias que não são en-cantadas, são vividas concretamente, muitas

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Às vezes,preocupadas emdemasia com os

conteúdos de en-sino, não paramos

para conhecernossos alunos.

vezes dramaticamente. Às vezes, pre-ocupadas em demasia com os con-teúdos de ensino, não paramospara conhecer nossos alunos,para ouvir os conteúdos tãosignificativos de suas vidas. Eaprendizagem envolve sensi-bilidade e mudança! Comodiz Barbosa (1990), aprendi-zagem envolve risco, e não nosdispomos a correr ricos com qual-quer pessoa - se não conseguimos de-senvolver relações de confiança e afeto comos alunos, dificilmente construímos uma rela-ção de ensino-aprendizagem.

A escola é, então, lugar de encontro de mui-tas pessoas; lugar de partilha de conhecimen-tos, idéias, crenças, sentimentos, lugar deconflitos, portanto, uma vez que acolhe pes-soas diferentes, com valores e saberes diferen-tes. É na tensão viva e dinâmica dessemovimento que organizamos a principal fun-ção social da escola: ensinar e aprender - pro-fessoras, crianças, funcionários, famílias e todasas demais pessoas que fazem parte da comuni-dade escolar.

Nosso objetivo é convidar o professor(a), paraconversar sobre princípios e questões relevan-tes para a organização do trabalho pedagógicono ensino fundamental de nove anos, consi-derando as primeiras séries ou anos iniciais des-se nível de ensino, com ênfase no trabalho comas crianças de seis anos. Sua experiência pro-fissional é fundamental para esta conversa.

A ênfase na criança de seis anosA ênfase na criança de seis anosA ênfase na criança de seis anosA ênfase na criança de seis anosA ênfase na criança de seis anos

Parafraseando Vinícius de Moraes, a criançade seis anos está naquela “idade inquieta” emque já não é uma pequena criança, e não éainda uma criança grande. Do ponto de vistaescolar, espera-se que a criança de seis anospossa ser iniciada no processo formal de alfa-betização, visto que possui condições de

compreender e sistematizar determina-dos conhecimentos. Espera-se, tam-

bém, que tenha condições, porexemplo, de permanecer maistempo concentrada em umaatividade, além de ter certaautonomia em relação à satis-fação de necessidades básicase à convivência social. É im-

portante observar que essas res-postas variam de criança para

criança e a escola deve lidar de modoatento com essas e muitas outras diferenças.

Nossa experiência na escola mostra-nos que acriança de seis anos encontra-se no espaço deinterseção da educação infantil com o ensinofundamental. Sendo assim, o planejamento deensino deve prever aquelas diferenças e tam-bém atividades que alternem movimentos,tempos e espaços.

É importante que não haja rupturas na passa-gem da educação infantil para o ensino fun-damental, mas que haja continuidade dosprocessos de aprendizagem. Em relação às cri-anças que não freqüentaram espaçoseducativos de educação infantil, habituadas,portanto, às atividades do cotidiano de suascasas e espaços próximos, também aprenden-do e dando sentidos à realidade viva do mun-do que as cerca, o mesmo cuidado deve sertomado. É essencial que elas possam sentir aescola como um espaço diferente de seus la-res, visto que aquele se organiza como um es-paço público e não privado como a casa, masse sintam acolhidas e também possam conti-nuar aprendendo criativamente.

A escola potencializa, desse modo, a vivênciada infância pelas crianças, etapa essa tão im-portante da vida, em que se aprende tanto.Assim, considerando a participação ativa dascrianças de seis a dez anos de idade na escola,em espaços e tempos adequados à singularidadedessa fase da vida, a experiência de aprender

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ganha significado social na perspectiva daconstituição da autonomia e da cidadania,como mencionamos anteriormente. Nainteração com seus pares e com os professores,por meio de variadas e dinâmicas atividades,as crianças vivenciam os processos de apren-der, e também de ensinar, com empenho, res-ponsabilidade e alegria.

Assim, a escola pode ser (sempre) um lugar deafirmação do que as crianças e os adolescentesjá são e sabem, ao mesmo tempo em que osleva a mudanças significativas, a novos conhe-cimentos, por meio da aprendizagem, em rela-ção à compreensão do grupo a que pertencemna escola e à compreensão de novas possibili-dades de vida, de modo geral.

A escola como espaço socialA escola como espaço socialA escola como espaço socialA escola como espaço socialA escola como espaço socialpedagogicamente organizadopedagogicamente organizadopedagogicamente organizadopedagogicamente organizadopedagogicamente organizado

A organização do trabalho pedagógico carac-teriza-se como uma dimensão muito importan-te para o desenvolvimento do projetopolítico-pedagógico da escola como umtodo. O projeto político-pedagógi-co, como sabemos, é um instru-mento que nos dá direções,nos aponta caminhos, pre-vendo, de forma flexível,modos de caminhar. Oprojeto é um eixoorganizador da ação detodos que fazem parte dacomunidade escolar.Apresenta quem somos enossos papéis, nossos valo-res e modos de pensar os pro-cessos de ensino-aprendizagem,além do que desejamos com o traba-lho pedagógico. Um projeto político-pedagó-gico é como uma radiografia do movimentoque a escola realiza e pretende realizar para al-cançar seu objetivo mais importante: educar,promovendo a produção de conhecimentos e

a formação de pessoas íntegras e integradas àsociedade por meio da participação cidadã, deforma autônoma e crítica.

A escola como instituição está marcada pelaorganização político-pedagógica que envolveos conhecimentos que ali são trabalhados paraque as crianças aprendam. Isso acontece detal modo que tem um valor estruturante naformação social das pessoas, dando-lhes identi-dade também pela aprendizagem de modos deação e interação que são socialmente valoriza-dos. Ou seja, o processo de escolarização mar-ca-nos no sentido de ampliar a compreensãoda dinâmica social, das variadas forças e conhe-cimentos que disputam poder na sociedade, dasdiferentes interpretações de conteúdos, fatos,objetos, fenômenos e comportamentos sociais.Nossa responsabilidade política de educadoresleva-nos a investir cada vez mais na qualidadede nossa atuação profissional.

Os critérios de organização das crianças emclasses/turmas/grupos e de arrumação das car-

teiras, dos grupos e dos materiais nas salasde aula; o planejamento do tempo

para brincadeiras livres e dahora da refeição; a progra-

mação de atividades e osmodos como elas são pro-postas e desenvolvidas –tudo isso influencia naforma como o projetopedagógico se desenro-la. Trabalhos coletivosconstroem-se coletiva-

mente; espaços demo-cráticos reorganizam-se

com a participação de todos,inclusive decidindo normas, li-

mites, horários, distribuição de tare-fas... Se as crianças participarem, desde oinício dessa organização, terão a oportunida-de de desenvolver o sentimento depertencimento ao grupo e de responsabilida-de pelas decisões tomadas.

A organização dotrabalho pedagógicocaracteriza-se como

uma dimensão muitoimportante para o

desenvolvimento doprojeto político-

pedagógico da escola

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Ensinar-aprender

envolve certaintimidade

Todos aqueles que integram a comunidadeescolar precisam participar da organização dotrabalho pedagógico. Todos podem agir paraque o trabalho pedagógico de ensinar eaprender aconteça; todos se benefi-ciam dele e se comprometem comele. Dessa forma, a partir da defini-ção de objetivos a ser alcançadosna série, ou no ano, ou no ciclo es-colar, estabelecem-se rotinas de ati-vidades a ser realizadas; definem-se osmateriais necessários; e atitudes a ser desen-volvidas para o bom andamento dos proces-sos de ensino-aprendizagem. A integraçãofamília-escola desempenha papel de destaquenesse processo. É certo que nem todas as famí-lias participam, ou podem participar, da mes-ma maneira, mas vale a pena inclui-las noplanejamento escolar, por meio de solicitaçõessobre seus modos de funcionamento, seus gos-tos, suas histórias, profissões, tudo isso está li-gado às histórias de vida das crianças.

Na mesma direção anteriormente delineada,os professores, também coletivamente, orga-nizam-se para estudar e planejar, além de ava-liar os caminhos traçados e os resultadosalcançados – avaliar a organização do traba-lho como um todo. O movimento do conjun-to de professores e dos demais participantes davida escolar indica a disposição de, continua-mente, rever posições, metodologias, modosde enfrentar surpresas e dificuldades.

Ensinar-aprender envolve certa intimidade.Os/as professore(a)s também devem se exporcomo pessoas que são, narrando fatos de suashistórias. Aprendemos com os outros: históri-as puxam histórias e envolvem-nos, gerando,assim, relações de confiança e cumplicidade,básicas para consistentes relações de ensino-aprendizagem.

Descobrir e refletir sobre o que as crianças e osadolescentes já sabem, sobre suas histórias eseus processos, e também sobre o que deseja-mos que aprendam, fazem parte de processos

organizativos. Organizar por quê? Para quê?Como? O que é necessário?

A organização do trabalho pedagógico, então,deve ser pensada em função do que as

crianças sabem, dos seus universos deconhecimentos, em relação aos co-nhecimentos e conteúdos que consi-deramos importantes que elasaprendam. No caso das séries/anos ini-

ciais do ensino fundamental, a apren-dizagem da língua escrita; o

desenvolvimento do raciocínio matemático ea sua expressão em linguagem matemática; aampliação de experiências com temáticas li-gadas a muitas áreas do conhecimento; a com-preensão de aspectos da realidade com autilização de diversas formas de expressão eregistro – tudo deve ser trabalhado de formaque as crianças possam, ludicamente, ir cons-truindo outros modos de entender a realida-de, estabelecendo novas condições de vida ede ação.

Os planejamentos de ensino, os planos deaula e os projetos de trabalho são, portanto,frutos de reflexões coletivas e individuais cujoobjetivo é a aprendizagem das crianças. Porisso, devem ser pensados a longo, médio ecurto prazos, abrindo espaço para alterações,substituições e para novas e inesperadas situ-ações que acontecem nas salas de aula e noentorno delas, que podem trazer significati-vas contribuições para a reflexão das crian-ças, gerando novos temas de interesse, novosconhecimentos e novas formas de interpre-tar a realidade.

A organização discursiva daA organização discursiva daA organização discursiva daA organização discursiva daA organização discursiva daescola e suas implicações: aescola e suas implicações: aescola e suas implicações: aescola e suas implicações: aescola e suas implicações: a

importância do reconhecimentoimportância do reconhecimentoimportância do reconhecimentoimportância do reconhecimentoimportância do reconhecimentode diferentes modos de falarde diferentes modos de falarde diferentes modos de falarde diferentes modos de falarde diferentes modos de falar

Somos profissionais formados para educar cri-anças e adolescentes e temos competência paraisso. Ao provocarmos situações pedagógicasque levem os alunos a construir conhecimentos,

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Pessoas dediferentes classes

sociais, regiões geográ-ficas, idades, e até

mesmo de diferentesgêneros, utilizam alíngua de maneiras

diferentes.

por meio do trabalho com diversos conteúdos,utilizamos principalmente a linguagem verbal,oral e escrita.

Entre as muitas marcas que caracterizam osmodos de lidar com os conteúdos, conhe-cimentos, tempos e espaços que or-ganizam a escola, está o quechamamos de organizaçãodiscursiva (cf. Goulart,2003, p. 267). Tal organi-zação se expressa: (i) nomovimento discursivodas aulas – falando, ou-vindo, escrevendo, len-do, das mais variadasmaneiras –, e também(ii) nos padrões de tex-tos que caracterizam a es-cola e são produzidos por ela:conversas, rodinhas, diários declasse, cronogramas, projetos detrabalho, exercícios e seus enunciados, re-latórios, planos de curso e de aula, programas,livros didáticos, entre outros. Essa organizaçãodiscursiva faz parte da cultura escolar e exerceum papel relevante nos processos de ensinar eaprender.

A atividade discursiva permeia todas as açõeshumanas (Bakhtin, 1992), penetrando nosmais ínfimos espaços sociais. Assim, a lingua-gem tem um papel marcante na constituiçãode nossas vidas. A linguagem oral em que ascrianças e os adolescentes se expressam estáimpregnada de marcas de seus grupos sociaisde origem, valores e conhecimentos. Logo,seus modos de falar são legítimos e fazem partede seu repertório cultural, de vida – são mo-dos de ler a realidade. É a partir desses modosde falar/modos de ser que o trabalho pedagó-gico deve ser organizado, de forma que tenhasentido para os estudantes.

A língua oral não é falada de forma homogê-nea pela população brasileira. Pessoas de dife-rentes classes sociais, regiões geográficas,

idades, e até mesmo de diferentes gêneros, uti-lizam a língua de maneiras diferentes. A istoos lingüistas chamam de fenômeno da varia-ção lingüística. As diferentes maneiras de fa-lar uma mesma língua são chamadas de

variedades lingüísticas. A variaçãoacontece em todos os níveis da

língua: sintático (p.ex. deter-minadas construções e mo-

dos de organizar o discursosão mais usados, ou me-nos usados, em determi-nadas variedades dalíngua); semântico(p.ex. usam-se palavrase expressões diferentes

para designar a mesmacoisa; ou certas palavras e

expressões têm valores dife-rentes em diferentes varieda-

des); morfológico (p.ex. palavrasderivadas ou compostas são formadas

em determinada variedade, mas não existemem outras); e fonológico (p.ex. diferentes ma-neiras de pronunciar as palavras, diferentes so-taques e entonações, nas diferentesvariedades). Do ponto de vista da lingüística,todas essas variedades são legítimas e corretas.Cada uma é usada de acordo com aspectosdiscursivos que lhe são próprios.

A questão, entretanto, é complicada porque,do ponto de vista social, as variedades não têmo mesmo valor: uma variedade da língua é con-siderada “a certa, a melhor”, e, com base nela,avaliam-se outras que, ligadas a grupos sociaispopulares, são consideradas negativamente. Doponto de vista lingüístico, essa avaliação é equi-vocada. O que acontece é que se avaliam asvariedades tendo como parâmetro os aspectosdiscursivos da variedade eleita como padrão.Analisando-se essa “eleição” do ponto de vistahistórico e político, muita coisa se esclarece.

Numa sociedade tão desigual como a brasilei-ra, a língua também é um grande marcador

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Não se podeesperar que

todas as criançasaprendam tudo oque lhes é fala-do, ao mesmo

tempo

social. A variedade de prestígio – a chamadalíngua padrão ou norma culta – se superpõe àsoutras variedades. É preciso deixar claro, noentanto, que nem mesmo os falantes de umamesma variedade da língua a falam de formahomogênea – podemos dizer que há variaçãodentro da variação. Esse é um ponto que me-rece muita atenção na escola para que não seneguem as marcas de identidade cultural dascrianças e dos adolescentes.

É no processo de interlocução que as crianças eos adolescentes se constituem como produtoresde textos orais. Acertando e errando, oumelhor, acertando e tentando acer-tar, as crianças vão buscando re-gularidades na língua, aodepreenderem suas normas.Assim, uma criança é capaz defalar “fazi”, em vez de “fiz”, ou“di”, em vez de “deu”, e tam-bém usar “desvestir”, para ex-pressar “tirar a roupa”, porqueconhece “tampar/destampar”,“abotoar/desabotoar”, entre outras.

A criança e o jovem recriam a linguagemverbal oral falada à sua volta como forma departicipação na sociedade. A linguagem é re-criada por meio dessa mesma participação –os outros, isto é, os seus interlo-cutores, têmum papel muito importante no processo dacriança e do jovem, mas quem refaz a lingua-gem é a criança, é o jovem. É o seu trabalho,agindo com a linguagem e sobre a linguagem,que os torna seres falantes e participantes nouniverso social.

Cagliari (1985, p. 52) afirma que:

Aprender a falar é, sem dúvida, a tarefamais complexa que o homem realiza nasua vida. É a manifestação mais elevadada racionalidade humana. As crianças detodos os lugares do mundo, de todas as

culturas, de todas as classes sociais rea-lizam isso de um e meio a três anos deidade. Isso é uma prova de inteligência.Toda criança aprende uma língua, enão fala um amontoado de sons. (grifosdo autor)

O letramento como horizonteO letramento como horizonteO letramento como horizonteO letramento como horizonteO letramento como horizontepara a organização do trabalhopara a organização do trabalhopara a organização do trabalhopara a organização do trabalhopara a organização do trabalho

pedagógico, a relação línguapedagógico, a relação línguapedagógico, a relação línguapedagógico, a relação línguapedagógico, a relação línguaoral-língua escrita e a aprendi-oral-língua escrita e a aprendi-oral-língua escrita e a aprendi-oral-língua escrita e a aprendi-oral-língua escrita e a aprendi-

zagem da escritazagem da escritazagem da escritazagem da escritazagem da escrita

A tendência da língua oral é ir-se afas-tando da linguagem escrita, uma vez

que essa última é alterada de for-ma muito lenta, enquanto a pri-meira está em permanentemudança. Embora seja natu-ral que as crianças, no come-ço da aprendizagem, busquemestabelecer referências entre a

fala (que conhecem) e a escrita(que querem conhecer), é impor-

tante ir mostrando às crianças que hávários modos de falar, mas só há um modo de

escrever, do ponto de vista ortográfico. Assim,por exemplo, as seguintes palavras podem serfaladas como está escrito (ainda que de modogrosseiro), ao lado da palavra convencional-mente escrita:

MALDADE > maudadi, maudadji, mardadi,madadi, maldadji, mardade

MESMO > mesmu, mermu, meijmo, mezmo,memu, mezmu

Aprender a escrever sem medo de “errar” éimportante. Os tropeços fazem parte de qual-quer processo de aprendizagem. Isto não querdizer que a professora não deva mostrar às cri-anças os problemas e os equívocos observa-dos, levando-as a compreender as motivaçõesdos problemas e equívocos encontrados. Pelocontrário, o professor deve apresentar as

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Todo professor,de qualquer nívelde ensino, é umprofessor de lin-

guagem.

dificuldades da escrita e conversar sobre elas.Como afirma Abaurre (1985), ninguém podeerrar o que não sabe. Não se pode esperar quetodas as crianças aprendam tudo o que lhes éfalado, ao mesmo tempo. Não. As crianças têmritmos diferentes e modos diferentes de apre-ender o conhecimento. Por isso, é importanteabordar as mesmas questões muitas vezes, e demaneiras diferentes, em momentos diferentes,com recursos diferentes.

É esperado que as crianças passem um longotempo cometendo “erros” ortográficos (mes-mo escribas proficientes têm dúvidas...), antesde estabilizarem o conhecimento das conven-ções da língua escrita. Mais do que isso: é pre-ciso que esse tempo seja permitido, para queelas possam descobrir as possibilidades,as convenções e as artimanhas dosistema alfabético-ortográfico. Asescritas de textos espontâneospelas crianças são uma grandefonte de informação sobre o queelas sabem e sobre os conteú-dos que precisam ser trabalha-dos para que aprofundem cada vezmais a análise e o conhecimento dalíngua.

Na escola se aprendem novos modos de falar,de ler a realidade quando: conhecemos outrasformas de viver, falar e se comportar; apren-demos conteúdos das diferentes disciplinas,como história, ciências, geografia, matemáti-ca, filosofia, entre outras; entramos em conta-to com a literatura; conhecemos outrasexpressões da arte, artes cênicas e plásticas,artes ligadas ao movimento e ao ritmo, comoa dança e a música. São diferentes modos deler, mostrar e falar da realidade – precisamospenetrar neles para apreendê-los, contemplan-do-os, observando-os, conversando, ouvindoleituras sobre seus autores, as épocas em queforam produzidos e como foram produzidos.Consideramos, então, que todo professor, de

qualquer nível de ensino, é um professor delinguagem.

Desta forma, o professor que trabalha comos conteúdos de história, de biologia, dematemática, ou de outra área qualquer, preci-sa pensar-se como professor(a) de linguagem– é principalmente com a linguagem verbalque as relações de ensino-aprendizagem acon-tecem, por meio de diálogos, exposições orais,atividades de leitura e de escrita, análise deimagens, de quadros, gráficos e problemas,entre outras atividades. Todos somos respon-sáveis pelo trabalho com a linguagem, seja naprimeira série/ano escolar ou nas últimas séri-es/anos do ensino fundamental.

Pensar na organização da escola em fun-ção de crianças das séries/anos inici-

ais do ensino fundamental, comênfase nas crianças de seis anos,envolve concebê-las no senti-do da inserção no mundo le-trado. Esse mundo é construídocom base nos valores da escritanas práticas e relações sociais,

embora nem sempre esteja pre-sente materialmente.

As crianças e os adolescentes de zonas ur-banas de modo geral têm grande contato comesse mundo, tendo em vista que as cidades sãomarcadas pela escrita de vários modos, desdeplacas de muitos tipos e tamanhos até grafittisnos muros e paredes, passando por nomes deestabelecimentos comerciais, trajetos de ôni-bus, invólucros e embalagens várias, e mesmoroupas que ganham inscrições e mensagenstambém variadas. As crianças de áreas rurais,por sua vez, podem ter afastamento maior dalinguagem escrita, pelas peculiaridades dessasáreas.

O atravessamento da linguagem escrita na vidadas pessoas se mostra muitas vezes de modo su-til: pela convivência com pessoas letradas, pelavalorização que a escrita possui em determinados

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É importanteconversar com as

crianças sobre o quese vai escrever, ler

textos que contribuampara que elas possam

expandir seusconhecimentos

grupos, fazendo parte do seu cotidiano demodo trivial.

E quando a criança entra na escola? De queconhecimentos ela precisa para escrever, paraproduzir textos com valor social?

Pode parecer banal, mas o primeiro conheci-mento necessário para que se escreva é saberque se utilizam letras para escrever. Nem to-das as crianças sabem disso quando chegam àescola. Depois, saber que essas letras se organi-zam com base em convenções, de acordo comum sistema de escrita de base alfabética. Apren-dem que se escreve da esquerda para a direita ede cima para baixo. Aos poucos, as crian-ças vão observando os diferentes pa-drões de sílaba e outras marcasdiferentes de letras que apare-cem nos textos (sinais de pon-tuação, acentuação). Tudoisso precisa ser trabalhado devárias maneiras pela profes-sora com as crianças paraque cada vez mais seus co-nhecimentos sobre a línguaescrita vão crescendo.

Para escrever, é preciso, também,ter um conhecimento textual: o modocomo cada tipo de texto se organiza no papel,as diferentes características discursivas dosdiversos tipos de texto (partes que os compõem,tempos verbais característicos, etc.), informa-ções relevantes, modos de iniciá-los, de terminá-los, entre tantas outras. Com certeza, taiscaracterísticas não são rígidas, mas há determi-nados padrões que se vão constituindo cultu-ralmente, uma vez que a escrita tem uma longahistória social (Tolchinsky-Landsman, 1990).

Um outro conhecimento fundamental para aprodução de textos é o conhecimento de mun-do: ninguém dá o que não tem. É preciso co-nhecer o tema, fato ou assunto sobre o qual sevai falar ou escrever, para que se alcance coe-são temática, para que se construam textos

relevantes. É importante conversar com as cri-anças sobre o que se vai escrever, ler textosque contribuam para que elas possam expan-dir seus conhecimentos sobre os temas,provocá-las a refletir sobre os textos que vãoelaborar. Isso pode ser feito desde muito cedo,com crianças muito pequenas. Drummond, naepígrafe deste texto, mostra como uma profes-sora entusiasmada, desenhando e falando so-bre diferentes cidades e lugares do mundo,levou o menino analfabeto do interior de Mi-nas Gerais, de um lugarejo onde havia umapraça, a escola, a igreja e a cadeia, a ter desejode escrever, desejo de viajar escrevendo, ou

de escrever viajando... Assim o meninose sentiu nascendo para o mundo:

Foi aí que nasci: nasci na sala do3o ano.

É importante observar o quenos diz Abaurre (1987, p.49), ao defender que as cri-anças aprendam a escrevercom a própria escrita, explo-

rando todas as suas possibili-dades, vivenciando o conflito

entre o idiossincrático e o con-vencional: “A leitura e a escrita po-

dem surgir de forma espontânea esignificativa já na pré-escola, prescindindo dacondução e treinamento rígidos pressupostospelo uso das cartilhas.”

Tentando ler os vários sinais da realidade, in-cluindo caracteres da escrita, as crianças vãose aproximando de modos de ler. Aprende-sea ler com a leitura. Quando a criança entra naescola, a sua leitura de mundo (Freire, 1982)já está bastante desenvolvida. Como apren-der a ler as letras e entre as letras, como diz opoeta (Queirós, 2001, p. 71)?

O espaço da sala de aula deve ser um espaçode formação de leitores. Um espaço, portan-to, com muitas leituras. Leituras das crian-ças, leituras dos professores. Leituras de livros,

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É preciso terespaço para arriscar,em conseqüência, épreciso ter espaço,

não só para acertar,mas para expor hipó-

teses, dúvidas

jornais, panfletos, músicas, poesias e do quemais se tornar significativo. Leituras de váriosautores e com várias intenções. É com a leitu-ra abundante da escrita do mundo que apren-demos a ler (Barbosa, 1990).

Mas como ler sem saber ler? É no contato commateriais escritos e com a mediação de um lei-tor mais experiente, a criança vai buscandocompreender o sentido do que está escrito:

explorando as possibilidades de signifi-cação;

relacionando características dos textos;

familiarizando-se com as letras, as palavras,as frases e as outras marcas que compõemos textos escritos;

elaborando hipóteses sobre o que estáescrito a partir do que já conhece;

refletindo sobre as muitas questões quea professora destaca como significativaspara o aprendizado da leitura de seusalunos.

Foucambert (1994, p. 31) afirma ser uma gran-de contribuição para a compreensão do ensi-no da leitura que:

Na fase de aprendizado, o meio deveproporcionar à criança toda a ajuda parautilizar textos ‘verdadeiros’ e nãosimplificar os textos para adaptá-los àspossibilidades atuais do aprendiz.Não se aprende primeiro a lerpalavras, depois frases,mais adiante textos, e,finalmente, textos dosquais se precisa.

Aos poucos, com interven-ções significativas do(a)professor(a) e de outras cri-anças e adultos, a leitura dacriança vai se ampliando(Kleiman, 1989): antecipando sig-nificados, identificando elementos já

mais familiares e suas relações, perguntandoaos colegas e aos professores, enfim, criandoestratégias de leitura que lhe vão permitindoarriscar mais e melhor. É preciso ter espaço paraarriscar, em conseqüência, é preciso ter espa-ço, não só para acertar, mas para expor hipó-teses, dúvidas – espaço para discutirpossibilidades de leitura que levem a criança apensar, interagir, discordar e concordar.

Aprende-se a ler com a leitura, como foi dito,mas os caminhos não parecem ser os mesmospara todas as crianças. Enquanto alguns alu-nos atentam mais para os elementos menores(como as letras, os sons, os tipos de sílabas) eas suas relações com o texto, outros já prestammais atenção ao texto como um todo e às suasmarcas maiores (como o modo de organizaçãono papel, por exemplo).

Diante do exposto, o trabalho do(a)professor(a) é o de proporcionar atividades equestionamentos que considerem asmicroanálises, isto é, análises que tenhamcomo ponto de partida os elementos meno-res do texto (letra, fonema, sílaba), e tam-bém as macroanálises, ou seja, aquelas quetêm como ponto de partida as característicasmais globais do texto, tais como: o modocomo o texto se organiza no papel; o tipo e atemática do texto a partir do título; os porta-dores de texto e o tipo de texto a eles relaci-

onados; e, quando houver, asilustrações, as imagens. O mais

importante é não perder de vis-ta o sentido dos textos.

É preciso que as crianças te-nham acesso e contato in-tenso com diferentes textospara que possam explorá-los,perguntando sobre eles, ten-

tando adivinhar seus conteú-dos, observando sua organização

e suas marcas, para que possam ela-bora saberes sobre as suas características

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e ampliando seus conhecimentos de mundo.É preciso ler muito para as crianças (não sópara aquelas das séries/anos iniciais), para queelas aprendam sobre a língua escrita e pos-sam estabelecer diferenças entre as modali-dades oral e escrita. Quando a criançaaprende a escrever, forçosamente, analisa alinguagem verbal, o que a leva a ampliar, tam-bém, os conhecimentos da linguagem oral.Do mesmo modo, é preciso conversar muitocom as crianças: sobre as intenções de quemescreve, para que e para quem se escreve, so-bre os conhecimentos construídos e em cons-trução. É preciso, enfim, reafirmarincessantemente a condição de produtoras desentido e, logo, de autoras e leitoras das cri-anças.

Do ponto de vista do método de trabalho, sequeremos trabalhar no sentido de uma socie-dade democrática, é relevante a criação deespaços pedagógicos em que tanto o/aprofessor(a) quanto os estudantes possam ela-borar propostas de atividades, de projetos e

de planejamentos. É imprescindível que to-dos se sintam à vontade e tenham espaçospara manifestar seus gostos e desgostos, suasalegrias e contrariedades, suas possibilidadese limites, seus sim e seus não. Se as cartilhase os livros didáticos forem convidados para asala de aula, que seja como material auxiliarda turma – a direção da organização do tra-balho pedagógico é dos professores, em con-junto com os alunos e a comunidade escolar.

Para finalizar, considerando os encaminha-mentos e as questões apresentadas, em fun-ção da organização do trabalho pedagógicono ensino fundamental, destacamos que asações desenvolvidas na educação infantil,pela ênfase na oralidade e em outras formasde expressão, por meio da participação ativadas crianças em atividades interativas elúdicas, podem ser um bom caminho paraorientar os processos de ensino-aprendizagemao longo do ensino fundamental – a escolaprecisa ser séria, mas não precisa ser sisuda,como dizia Paulo Freire.

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TOLCHINSKY-LANDSMAN, L. Lo práctico, lo científico y lo literario: tres componentes en lanoción de ‘alfabetismo’, 1990. (mimeo)

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AVALIAÇÃO E APRENDIZAGEM NAESCOLA: A PRÁTICA PEDAGÓGICA

COMO EIXO DA REFLEXÃO

A escola e a avaliaçãoA escola e a avaliaçãoA escola e a avaliaçãoA escola e a avaliaçãoA escola e a avaliação

Aprender com prazer, aprender brincando, brincar aprendendo, aprendera aprender, aprender a crescer: a es-

cola é, sim, espaço de aprendizagem. Mas o queas crianças e os jovens aprendem na escola?

Sem dúvida, aprendem conceitos, aprendemsobre a natureza e a sociedade. A escola difi-cilmente conseguirá propiciar situações para

que eles aprendam tudo o que é importante,mas pode possibilitar que eles se apropriem dediferentes conhecimentos gerados pela socie-dade. De fato, não é simples selecionar o queensinar no ensino fundamental, mas precisa-mos refletir sobre quais saberes poderão ser maisrelevantes para o convívio diário dos meni-nos e meninas que freqüentam nossas escolase para a sua inserção cada vez mais plena nes-sa sociedade letrada, pois eles têm o direito de

Telma Ferraz Leal1

Eliana Borges Correia de Albuquerque2

Artur Gomes de Morais3

O medo de amar é o medo de serDe a todo momento escolher

Com acerto e precisãoA melhor direção

..................................O medo de amar é não arriscar

Esperando que façam por nósO que é nosso dever

Recusar o poder

Beto Guedes e Fernando Brant. O medo de amar é omedo de ser livre.

Beto Guedes

1LEAL,Telma Ferraz. Doutora em Psicologia Cognitiva pela UFPE; Professora Adjunta do Centro de Educação da UniversidadeFederal de Pernambuco.2ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de. Doutora em Educação pela UFMG; Professora Adjunta do Centro de Educaçãoda Universidade Federal de Pernambuco.3MORAIS, Artur Gomes de. Doutor em Psicologia pela Universidad de Barcelona; Professor Adjunto do Centro de Educaçãoda Universidade Federal de Pernambuco.

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aprender os conteúdos das diferentes áreas deconhecimento que lhes assegurem cidadaniano convívio dentro e fora da escola.

Assim, é fundamental que cada professor sesinta desafiado a repensar o tempo pedagógi-co, analisando se ensina o que é de direito paraos estudantes e se a seleção de conteúdos, ca-pacidades e habilidades é de fato importantenaquele momento, considerando que essesestudantes são crianças ou adolescentes queapresentam características singulares dessasetapas de desenvolvimento.

Reconhecemos a necessidade da circulação deinformações e conhecimentos, mas não que-remos que as crianças e os jovens que freqüen-tam nossas escolas aprendam conceitos outeorias científicas desarticuladas das funçõessociais. Queremos que eles pensem sobre a so-ciedade, interajam para transformá-la e cons-truam identidades pessoais e sociais, vivendoa infância e a adolescência de modo pleno.

O professor, portanto, como defendem San-tos e Paraíso (1996, p. 37), precisa atentar parao fato de que “o currículo constrói identida-des e subjetividades: junto com os conteúdosdas disciplinas escolares; e também adquirem-se na escola percepções, disposições e valoresque orientam os comportamentos e estruturampersonalidades”. Ou seja, quando ocupamosesse espaço social – escola –, lidamos com se-res em desenvolvimento que estão em proces-so de construção de identidades, queaprendem sobre a sociedade, sobre os outros esobre si próprios.

E como essa tomada de consciência pode-ria modificar a prática pedagógica de cadaprofessor?

Pensando sobre essa questão, Solé (2004,p. 53) ressalta a dimensão integradora da edu-cação. Ela nos lembra que:

no processo de desenvolvimento ocorremmudanças que afetam essa globalidade e

que também podem ser identificadas em di-ferentes áreas ou capacidades: capacidadescognitivas e lingüísticas, motoras, de equi-líbrio pessoal, de inserção social e de rela-ção interpessoal.

Esse pressuposto vem sendo explicitado mui-to freqüentemente no meio educacional. Maspodemos perguntar: Em que medida, de fato,isso vem sendo considerado no cotidiano dasala de aula?

Muitas vezes, o professor investe suficientemen-te na dimensão cognitiva do desenvolvimen-to e não dedica atenção à dimensão afetiva.Outras vezes, faz o inverso: cuida da criançacom carinho e atenção, mas sem planejar ade-quadamente como vai ajudá-la a progredir naaprendizagem para alcançar as metas que de-vem ser atingidas do ponto de vista cognitivo.

Por isso, Solé (2004, p. 53) reitera que

não se trata de compartimentos estanques;à medida que meninos e meninas se mos-tram mais competentes na área cognitiva,suas possibilidades de inserir-se socialmenteaumentam, bem como as relaçõesinterpessoais que podem estabelecer etudo isso muda a maneira como vêem asi mesmos.

Por outro lado, se eles adquirem mais seguran-ça nas relações, perdem o medo de errar, selançam mais e, conseqüentemente, aprendemmais.

Assim, propomos que cada professor, ao pla-nejar as situações didáticas, reflita sobre os es-tudantes, considerando o desenvolvimentointegral deles, contemplando as característi-cas culturais dos grupos a que pertencem e ascaracterísticas individuais, tanto no que se re-fere aos modos como interagem na escola,quanto às bagagens de saberes de que dis-põem. Caso determinada criança esteja comdificuldade de inserir-se no grupo-classe, épapel do professor planejar estratégias para

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Tradicionalmente,as práticas de avalia-ção desenvolvidas naescola têm se consti-tuído em práticas de

exclusão

que ela supere tal dificuldade; caso algum es-tudante esteja com auto-estima baixa, e, por-tanto, demonstre medo de expor seussentimentos e conhecimentos, é preciso tam-bém pensar em como favorecer o desenvolvi-mento dele.

Em síntese, como nos diz Solé (2004, p. 53),“o desenvolvimento afeta todas as capacida-des humanas e todas devem ser levadas em con-ta durante a elaboração de um projetoeducativo”, principalmente se nesse projetoeducativo o professor busca intervir na forma-ção cidadã dos estudantes.

E o que significa, para o professor, intervir naformação cidadã das crianças e adolescentes?Concebemos que significa pensar em comoajudá-los a interagir na sociedade de modoconfiante e crítico; implica fazer com que elestomem consciência das contradições so-ciais e desenvolvam valores para aconstrução de uma sociedade jus-ta, igualitária e democrática; im-plica fazer com que elesadquiram autoconfi-ançaquanto a si próprios, reconhe-cendo que suas histórias estãoinseridas na história dos gru-pos sociais dos quais participam;significa instrumentalizá-los paraque tenham acesso a uma amplagama de situações sociais e entendamos processos históricos que os excluem deoutras situações e possam intervir nessa reali-dade; implica ajudá-los a dominar os instru-mentos de participação nessas diferentessituações, como, por exemplo, ler e escrevercom autonomia; significa ajudá-los a se apro-priar dos conhecimentos construídos pela hu-manidade; implica possibilitar que elesexerçam o direito de vivenciar as experiên-cias próprias da faixa etária a que pertencem,como, por exemplo, brincar e interagir demodo lúdico.

Enfim, na escola, é preciso ter objetivos dediferentes dimensões que ajudem os estudan-tes a participar de modo autônomo, crítico eousado na sociedade. Para tal, a seleção doque ensinar precisa contemplar e priorizarobjetos que os ajudem a desenvolver capaci-dades nessa direção.

Santos e Paraíso (1996, p. 38-39), a esse res-peito, alertam que “o currículo deve dar voz àsculturas que foram sistematicamente excluídaspela escola, como a cultura indígena, a cultu-ra negra, a cultura infanto-juvenil, a culturarural, a cultura da classe trabalhadora e todasas manifestações das chamadas culturas nega-das”. Desse modo, o professor pode ajudar ascrianças e os jovens a entender os processosde exclusão e a valorizar sua própria história,o que pode ter impactos no aumento da auto-estima e da confiança em si próprios.

É nessa mesma linha de pensamen-to que Silva (2003, p.10) apon-

ta que “o espaço educativo setransforma em ambiente desuperação de desafios peda-gógicos que dinamiza e sig-nifica a aprendizagem, quepassa a ser compreendidacomo construção de conhe-

cimentos e desenvolvimentode competências em vista da for-

mação cidadã”.

E como pode o professor superar os desafiospedagógicos? Para superar dificuldades, é ne-cessário avaliar sistematicamente o ensino e aaprendizagem. Tradicionalmente, no entan-to, as práticas de avaliação desenvolvidas naescola têm se constituído em práticas de ex-clusão: avalia-se para medir a aprendizagemdos estudantes e classificá-los em aptos ou nãoaptos a prosseguir os estudos. Para que não te-nhamos essa prática excludente, é preciso queos professores reconheçam a necessidade deavaliar com diferentes finalidades:

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conhecer as crianças e os adolescentes,considerando as características da infân-cia e da adolescência e o contexto ex-tra-escolar;

conhecê-los em atuação nos tempos eespaços da escola, identificando as es-tratégias que usam para atender às de-mandas escolares e, assim, alterar,quando necessário, as condições nasquais é realizado o trabalho pedagógico;

conhecer e potencializar a sua identi-dade;

conhecer e acompanhar o seu desenvol-vimento;

identificar os conhecimentos prévios dosestudantes, nas diferentes áreas do co-nhecimento e trabalhar a partir deles;

identificar os avanços e encorajá-los acontinuar construindo conhecimentosnas diferentes áreas do conhecimento edesenvolvendo capacidades;

conhecer as hipóteses e concepções de-les sobre os objetos de ensino nas dife-rentes áreas do conhecimento e levá-losa refletir sobre elas;

conhecer as dificuldades e planejar ati-vidades que os ajudem a superá-las;

verificar se eles aprenderam o que foi en-sinado e decidir se é preciso retomar osconteúdos;

saber se as estratégias de ensino estãosendo eficientes e modificá-las quandonecessário.

Diferentemente do que muitos professoresvivenciaram como estudantes ou em seu pro-cesso de formação docente, é preciso que, emsuas práticas de ensino, elaborem diferentes es-tratégias e oportunidades de aprendizagem eavaliem se estão sendo adequadas. Assim, nãoapenas o estudante é avaliado, mas o trabalhodo professor e a escola. É necessário avaliar:

se o estudante está se engajando no pro-cesso educativo e, em caso negativo,quais são os motivos para o não-engajamento;

se o estudante está realizando as tarefaspropostas e, em caso negativo, quais sãoos motivos para a não-realização;

se o professor está adotando boas estra-tégias didáticas e, em caso negativo,quais são os motivos para a não adoção;

se o professor utiliza recursos didáticosadequados e, em caso negativo, quais sãoos motivos para a não-utilização;

se ele mantém boa relação ou não comos meninos e meninas e os motivos paraa manutenção dessas relações de apren-dizagem;

se a escola dispõe de espaço adequado,se administra apropriadamente os con-flitos e, em caso negativo, quais são osmotivos para a sua não-administração;

se a família garante a freqüência escolarda criança ou jovens, se os incentiva aparticipar das atividades escolares e, emcaso negativo, quais são os motivos parao não-incentivo;

se a escola garante aos estudantes e suasfamílias o direito de se informar e discu-tir sobre as metas de cada etapa de estu-dos, sobre os avanços e dificuldadesreveladas no dia-a-dia.

Nessa perspectiva, os resultados do não-aten-dimento das metas escolares esperadas em de-terminado período do tempo são vistos comodecorrentes de diferentes fatores sobre os quaisé necessário refletir. A responsabilidade, en-tão, de tomar as decisões para a melhoria doensino, passa a ser de toda a comunidade. Ouseja, o baixo rendimento do estudante deveser analisado e as estratégias para que ele apren-da devem ser pensadas pelo professor, junta-mente com a direção da escola, a coordenação

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É preciso nãoperder tempo, não

deixar para os anosseguintes o que

devemos assegurardesde a entrada das

crianças, aos seisanos, na escola.

pedagógica e a família. Pode-se, então, mudaras estratégias didáticas; possibilitar atendimen-to individualizado; garantir a presença do es-tudante em sala de aula, no caso dos faltosos,entre outras estratégias, tais como a de pro-porcionar maior tempo para que a aprendiza-gem ocorra, tema que abordaremos a seguir.

A ampliação do ensino funda-A ampliação do ensino funda-A ampliação do ensino funda-A ampliação do ensino funda-A ampliação do ensino funda-mental para nove anos e amental para nove anos e amental para nove anos e amental para nove anos e amental para nove anos e aquestão do tempo escolar:questão do tempo escolar:questão do tempo escolar:questão do tempo escolar:questão do tempo escolar:

alguns cuidados a ter em contaalguns cuidados a ter em contaalguns cuidados a ter em contaalguns cuidados a ter em contaalguns cuidados a ter em conta

A ampliação do ensino fundamental para noveanos representa um avanço importantíssimona busca de inclusão e êxito das crianças dascamadas populares em nossos sistemas escola-res. Ao iniciarem o ensino fundamental umano antes, aqueles estudantes passam a ter maisoportunidades para cedo começar a se apro-priar de uma série de conhecimentos, entre osquais tem um lugar especial o domínio da es-crita alfabética e das práticas letradas de ler-compreender e produzir textos. Noentanto, é preciso planejar e avaliar bemaquilo que estamos ensinando e oque as crianças e os adolescen-tes estão aprendendo desde oinício da escolarização. Épreciso não perder tempo,não deixar para os anos se-guintes o que devemos as-segurar desde a entradadas crianças, aos seis anos,na escola.

E o que fazer com os que nãoatingirem as metas estabelecidas?Muitos professores, preocupadoscom a progressão das crianças e jovens,defendem que é melhor que eles repitam o anodo que progridam sem conseguir acompanharos colegas de sala.

A partir de uma concepção de que devemosassegurar a todos a possibilidade de aprendiza-gem e de que a escola não deve se ater apenas

aos aspectos cognitivos do desenvolvimento,veremos que a reprovação tem impactos ne-gativos, pois provoca, muitas vezes, a evasãoescolar e a baixa auto-estima, o que dificulta opróprio processo de aprendizagem posterior.

Com esse princípio de respeito, no entanto,não estamos defendendo que devamos espe-rar que o estudante aprenda sozinho, “quan-do vier a consegui-lo”, mas sim criar condiçõespropícias de aprendizagem e reconhecer quan-do ele está em vias de consolidar os conheci-mentos esperados ou quando não estáconseguindo caminhar nessa direção, dentrodo período previsto. Estabelecer metas clarasa ser alcançadas é, portanto, um requisito bá-sico para ensinar e para avaliar, conforme dis-cutiremos a seguir.

AAAAAvaliando: a definição de me-valiando: a definição de me-valiando: a definição de me-valiando: a definição de me-valiando: a definição de me-tas, a observação e o registrotas, a observação e o registrotas, a observação e o registrotas, a observação e o registrotas, a observação e o registro

no processo de ensinono processo de ensinono processo de ensinono processo de ensinono processo de ensinoe aprendizageme aprendizageme aprendizageme aprendizageme aprendizagem

Concordando com o princípio do atendimen-to à diversidade, Silva (2003, p.11) cha-

ma a atenção para que a avaliação,numa perspectiva formativa re-

guladora, deve reconhecer asdiferentes trajetórias de vidados estudantes e, para isso,é preciso flexibilizar os ob-jetivos, os conteúdos, asformas de ensinar e de ava-liar; em outras palavras,

contextualizar e recriar o cur-rículo. É necessário dominar o

que se ensina e saber qual é a rele-vância social e cognitiva do ensinado

para definir o que vai se tornar material a seravaliado.

A mudança das práticas de avaliação é entãoacompanhada por uma transformação do en-sino, da gestão da aula, do cuidado com as cri-anças e os adolescentes em dificuldade. Para

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que isto ocorra, existe um ponto de partidafundamental. Como menciona Leal (2003,p. 20), a seleção consciente do que devemosensinar

é o primeiro passo a ser dado para a cons-trução de uma aprendizagem significativana escola. Em decorrência dessa tomadade posição em relação ao que é realmenteimportante, é que podemos organizar nos-so tempo na sala de aula e definir o queiremos avaliar e as formas que adotaremospara avaliar.

Na busca de sermos justos e eficientes comoeducadores, precisamos garantir a coerênciaentre as metas que planejamos, o que ensina-mos e o que avaliamos. A clareza sobre o quevamos ensinar permitirá, em cada etapa ounível de ensino, delimitar as expectativas deaprendizagem, das quais dependem tanto nos-sos critérios de avaliação quanto o nível deexigência.

Portanto, faz-se necessário definir um perfil desaída de cada etapa de ensino e assegurar es-forços para compreender os processos de cons-trução de conhecimentos das crianças eadolescentes. Essa complexa tarefa pressupõeuma atitude permanente de observação e re-gistro. Sim, independentemente dos instru-mentos utilizados, a avaliação (quando não selimita a produzir notas ou conceitos para fins deaprovação-reprovação ou certificação de estudos)constitui sempre processo contínuo de observa-ção dos avanços, das descobertas, das hipótesesem construção e das dificuldades demonstradaspelos meninos e meninas na escola.

Nesse processo, realizamos um diagnóstico doque os estudantes já sabem, ao iniciarmos umaetapa de ensino, e dos conhecimentos que vãoconstruindo ao longo do período. Morais(2005) afirma que o mapeamento dos saberesjá construídos dá ao docente “um retrato” dasituação de cada estudante, permitindo-lheajustar o ensino e planejar tanto metas coletivas

quanto aquelas programadas para indivíduos ougrupos de estudantes que ainda não as alcança-ram (ou que estão muito avançados) e mere-cem, portanto, um atendimento diferenciadoem relação ao conjunto da turma.

A fim de que as informações observadas nãose dispersem ou sejam esquecidas e para quetenhamos melhores condições de refletir so-bre o ensino e a aprendizagem, necessitamosproceder ao registro periódico da situação decada estudante em relação aos objetivos tra-çados nos diferentes eixos de ensino.

Empregando instrumentos variados, as práti-cas avaliativas mais defendidas atualmentecompartilham esse ponto comum: o registroescrito de informações mais qualitativas sobreo que as crianças e os adolescentes estão apren-dendo. As formas de registro qualitativo escri-to permitem que:

os professores comparem os saberes alcan-çados em diferentes momentos da trajetó-ria vivenciada;

os professores acompanhem coletivamen-te, de forma compartilhada, os progressosdos estudantes com quem trabalham a cadaano;

os estudantes realizem auto-avaliação, re-fletindo, dessa forma, sobre os próprios co-nhecimentos e sobre suas estratégias deaprendizagem, de modo que possamredefinir os modos de estudar e de se apro-priar dos saberes;

as famílias acompanhem sistematicamen-te os estudantes, podendo, assim, dar su-gestões à escola sobre como ajudar ascrianças e os adolescentes e discutir suaspróprias estratégias para auxiliá-los;

os coordenadores pedagógicos (assistentespedagógicos, equipe técnica) conheçam oque vem sendo ensinado/aprendido pelosestudantes e possam planejar os processosformativos dos professores.

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A diversificaçãodos instrumentos

avaliativos, por suavez, viabiliza um maiornúmero e variedade de

informações sobre otrabalho docente esobre os percursosde aprendizagem

A diversificação dos instrumentos avaliativos,por sua vez, viabiliza um maior número evariedade de informações sobre otrabalho docente e sobre ospercursos de aprendizagem,assim como uma possibili-dade de reflexão acercade como os conheci-mentos estão sendoconcebidos pelas cri-anças e adolescentes.Entender a lógica uti-lizada pelos estudantes éum primeiro passo parasaber como intervir eajudá-los a se aproximar dosconceitos que devem ser apro-priados por eles.

O uso de portfolios, por exemplo, pode ser útilpara que os estudantes, sob orientação dos pro-fessores, possam analisar suas próprias produ-ções, refletindo sobre os conteúdos aprendidose sobre o que falta aprender, ou seja, possamvisualizar seus próprios percursos e explicitarpara os professores suas estratégias de aprendi-zagem e suas concepções sobre os objetos deensino.

Tal prática é especialmente relevante por pro-piciar a idéia de que não cabe apenas ao pro-fessor avaliar o processo de aprendizagem e deensino. Tal concepção é contrária às orienta-ções dadas em uma perspectiva tradicional,com seus fins excludentes de classificar e sele-cionar estudantes aptos e não-aptos, que sem-pre foi promotora de heteronomia: como só oprofessor julgava os produtos do estudante, esseúltimo introjetava a idéia de que era incapazde avaliar o que fazia, pois só o adulto-profes-sor sabia o certo. Se queremos que crianças eadolescentes sejam cada vez mais autônomos,precisamos promover, no cotidiano, situaçõesem que o estudante reflete, ele próprio, sobreseus saberes e atitudes, vivenciando uma ava-liação contínua e formativa da trajetória desua aprendizagem.

Para ajudar as crianças e os adolescentes nessatomada de consciência de suas conquistas,

dificuldades e possibilidades, além dopróprio diálogo (com o profes-

sor e os colegas), precisamosvalermo-nos de recursos que

documentem, que materi-alizem a sua trajetória.Como dito, os portfolios,que vêm, nos últimosanos, sendo utilizadospor um número cada vezmaior de professores, têm

sido um dos meios de con-cretizar tais práticas (cf.

Hernández, 1988). Mas o queé um portfolio?

Hernández (2000, p. 166) define portfoliocomo sendo:

Um continente de diferentes tipos de docu-mentos (anotações pessoais, experiências deaula, trabalhos pontuais, controles deaprendizagem, conexões com outros temasfora da escola, representações visuais, etc.)que proporciona evidências dos conheci-mentos que foram sendo construídos, as es-tratégias utilizadas para aprender e adisposição de quem o elabora para conti-nuar aprendendo.

Ferraz (1998, p. 50) também se refere aoportfolio como esse conjunto de documentosque auxiliam tanto os estudantes quanto osprofessores e familiares a acompanhar o pro-cesso de aprendizagem: Para ela, o portfolio:

Compreende todo o processo de arquiva-mento e organização de registros elabora-dos pelos alunos, construídos ao longo doano letivo: textos, desenhos, relatórios ououtros materiais produzidos por eles e quepermitam acompanhar suas dificuldades eavanços na matéria. Periodicamente, ele[o professor] discute com cada estudantesobre os registros feitos. O portfolio, que

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pode ser apresentado numa pasta, tem ain-da uma vantagem: a de servir como umelo significativo entre o professor, o alunoe seus pais.

Vemos, assim, que a materialidade dos portfoliospermite não só ao professor, mas, sobretudo,ao estudante (e sua família), comparar o quese sabia de início com o que foi se construindoao longo de determinada etapa escolar. Comose pode inferir, para se prestar à finalidade deauto-avaliação pelo estudante, a confecçãodesse tipo de recurso precisa contar com a par-ticipação dele na periódica seleção, registro decomentários e reflexão sobre o que conseguiuaprender.

Ao procederem à seleção das produções cons-tarão no portfolio, tanto os estudantes quantoos professores precisam revisitar as situações emque os trabalhos foram produzidos e retomaros conceitos trabalhados. O portfolio é, por-tanto, um facilitador da reconstrução ereelaboração, por parte de cada estudante, deseu processo de aprendizagem ao longo de umperíodo de ensino. Assim, a relevância nãoestá no portfolio em si, mas no que o estudanteaprendeu ao construí-lo, ou seja, ele constituium meio para se atingir um fim. Dessa forma,é importante pensar que não basta selecionar,ordenar evidências de aprendizagens e colocá-las num formato para serem apresentadas, masrefletir sobre o que foi aprendido e sobre asestratégias usadas para aprender.

Os diários de classe ampliados, por outro lado,também são muito valiosos para o acompanha-mento do processo ensino-aprendizagem. Nes-sa forma de registro qualitativa, caracterizadapela presença, nos diários de classe, de espa-ços para anotações sobre os estudantes, é fun-damental que os professores e equipepedagógica reflitam sobre o que deve serpriorizado em cada etapa de ensino e plane-jem como organizar as anotações referentesaos percursos de aprendizagem das crianças eadolescentes.

Assim, em cada página, que corresponde acada estudante, os professores encontram es-paços, com títulos referentes aos principais as-pectos a ser avaliados, para fazerem asanotações, com indicação da data da observa-ção e do instrumento utilizado para analisar oque está sendo foco da avaliação.

Por meio dessa visualização, o professor podeacompanhar cada estudante e refletir sobrequais estratégias didáticas estão sendo boas equais não estão ajudando no processo deaprendizagem. Pode pensar, também, em es-tratégias para organizar agrupamentos de es-tudantes para trabalhos diversificados e emalternativas ou tarefas para acompanhamentoindividual, quando isso for necessário.

Para delimitar o que registrar, no entanto, éfundamental, a partir de objetivos relevantes,definir as metas prioritárias e construir instru-mentos de avaliação que permitam ao estu-dante evidenciar o que pensa sobre o que estásendo aprendido. No próximo tópico, os ins-trumentos de avaliação serão foco de debate.

Instrumentos de avaliação:Instrumentos de avaliação:Instrumentos de avaliação:Instrumentos de avaliação:Instrumentos de avaliação:avaliar produtos ou refletiravaliar produtos ou refletiravaliar produtos ou refletiravaliar produtos ou refletiravaliar produtos ou refletir

sobre os processos e percursossobre os processos e percursossobre os processos e percursossobre os processos e percursossobre os processos e percursosde aprendizagem?de aprendizagem?de aprendizagem?de aprendizagem?de aprendizagem?

Como obter as informações de que necessita-mos para acompanhar os percursos dos estu-dantes? Como apreender os modos como elesrepresentam os conceitos? Como saber o quepensam sobre o que ensinamos para pensar-mos nas possibilidades pedagógicas que asse-gurariam a qualidade do ensino-aprendizagem?Como proceder para que os estudantes evi-denciem seus avanços e suas dificuldades?Como analisar as respostas que eles dão, bus-cando apreender a lógica utilizada por eles narealização das tarefas propostas?

Os instrumentos utilizados podem ser variados,mas, em nossa perspectiva, precisam diagnos-ticar sistematicamente a construção de sabe-res específicos, capacidades, habilidades, além

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Não é suficientesabermos se os

estudantes dominamou não determinadoconhecimento ou se

desenvolveram ou nãodeterminadacapacidade.

de aspectos ligados ao desenvolvimento pes-soal e social.

Em relação à apropriação dos sabe-res, não é suficiente sabermos seos estudantes dominam ou nãodeterminado conhecimentoou se desenvolveram ounão determinada capaci-dade. É preciso entendero que sabem sobre o queensinamos, como eles es-tão pensando, o que jáaprenderam e o que faltaaprender. Essa mudança depostura é o que diferencia osprofessores que olham apenas oproduto da aprendizagem (respostasfinais dadas pelos estudantes) e os que ana-lisam os processos (as estratégias usadas paraenfrentar os desafios).

Nessa perspectiva, os instrumentos usados,além de diagnosticar, servem para fazer o pro-fessor repensar sua prática, ou seja, podem teruma dimensão formativa do docente, princi-palmente se ocorrem momentos coletivos dediscussão sobre os trabalhos dos estudantes.

Para diagnosticar os avanços, assim como aslacunas na aprendizagem, podemos valermo-nos tanto das produções escritas e orais diáriasdos estudantes (os textos e escritas de pala-vras que produzem a cada dia na sala de aula;o que comentam, escrevem ou lêem ao parti-ciparem das atividades na classe) quanto deinstrumentos específicos (tarefas, fichas, etc.)que nos forneçam dados mais controlados esistemáticos sobre o domínio dos saberes econteúdos das diferentes áreas de conheci-mento a que se referem os objetivos e as me-tas de ensino.

Nas tarefas ou fichas usadas para avaliar as ca-pacidades na área de língua portuguesa, pode-mos, por exemplo, pedir que os estudantesescrevam textos (indicando, obviamente, fi-nalidades e destinatários); podemos entregar

textos para que tentem ler e depois conversarsobre o que entenderam. No caso das crianças

em fase de aprendizagem do sistema al-fabético, podemos, também, pedir

que escrevam palavras, mos-trando as relações entre as

partes escritas e as orais; en-tre muitas outras ativida-des possíveis.

A partir da análise dessesmateriais, podemos fazeros registros de acompa-

nhamento. Se pensarmosnas competências de leitu-

ra e de produção de textos quedevem ser construídas no primei-

ro ano da escolarização do ensino fun-damental, poderemos, por exemplo, registrarse cada estudante compreende textos lidospela professora, extraindo as informações prin-cipais (quem, o que, quando, onde, por que,etc); compreende textos mais longos lidos pelaprofessora, elaborando inferências e apreenden-do o sentido global do texto; lê textos curtoscom autonomia, podendo extrair informaçõesprincipais; demonstra interesse em ler, em bus-car consultar livros e outros suportes textuais;elabora textos que serão registrados pela profes-sora, organizando as informações e estabelecen-do relações entre partes do texto, ematendimento a diferentes finalidades e destina-tários; escreve textos curtos dos gêneros queforam explorados nas aulas...

Essa forma de avaliar se distancia, em muito,das que priorizam o registro de quantidade deerros que os estudantes cometem quando es-crevem textos; ou das práticas em que são feitasas contagens de quantidade de questões queconseguem responder após a leitura de um tex-to; ou mesmo das centradas nas anotações decomo os estudantes lêem em voz alta, com ênfaseapenas na decodificação e na entonação.

Se mudarmos a área de conhecimento, podemos,também, encontrar exemplos que diferenciam as

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propostas em que os professores simplesmenteassinalam o que está certo e errado daquelas emque os professores tentam entender os percur-sos de aprendizagem e, assim, refletir sobre osprocessos de aprendizagem.

Na área de matemática, por exemplo, temoscomo um dos objetivos o trabalho com classi-ficações.4 Ou seja, temos como uma das metaslevar os estudantes a aprender a classificar erefletir sobre critérios de classificação. Essa se-leção de conteúdo está fundamentada na idéiade que cotidianamente classificamos eventose fenômenos da natureza e da sociedade.Freqüentemente lemos tabelas e gráficos, emque os dados são classificados e agrupados paracomparações e tomadas de decisão importan-tes em diferentes esferas sociais, como a eco-nomia, por exemplo.

Ao avaliarmos os estudantes em relação aesse aspecto, podemos registrar que tipos declassificação são capazes de estabelecer: clas-sificação a partir de um critério único (ex.ser menino ou menina), classificação a par-tir de uma combinação de critérios (ser me-nino ou menina, da 2ª ou 3ª série),classificação com negação de uma categoria(meninos e meninas, excluindo os que nãogostam de jogar futebol), entre outras; se elesconseguem descobrir os critérios de classifi-cação usados em diferentes situações (aoanalisarem reportagens, quadros e tabelas,por exemplo); se eles são capazes de compa-rar e equalizar coleções...

Para chegarmos a esse registro, não podemosusar apenas instrumentos de múltipla escolha.É preciso planejar situações em que os estudan-tes explicitem como chegaram a determinadosresultados e possam expor as estratégias adotadaspara resolver problemas de classificação.

Falamos até aqui de instrumentos utilizadospelo professor para, ele próprio, diagnosticar

e registrar os percursos de aprendizagem dosestudantes de maneira que ele possa ajustar oensino a eles oferecido. É necessário, porém,não perdermos de vista o papel da auto-avali-ação do professor.

Para atuarmos em qualquer esfera social, pre-cisamos, como já dissemos, planejar nossasações de modo que encontremos as melhoresestratégias para atingir nossos alvos e atenderàs metas a que nos propomos. Para que me-lhoremos nossas estratégias de ação e consiga-mos cada vez mais conquistas, precisamoscontinuamente avaliar se tomamos as decisõescertas, se usamos os instrumentos mais adequa-dos, se conduzimos as situações da melhormaneira possível.

Assim também acontece com os professores,para melhorarmos nossa prática pedagógica,precisamos avaliar sempre se estamos selecio-nando adequadamente as prioridades, seestamos usando os recursos mais adequados,se estamos desenvolvendo as melhores estra-tégias, enfim, precisamos nos auto-avaliar.

A auto-avaliação, então, precisa fazer parte docotidiano escolar, não apenas do estudante,mas do professor, do coordenador pedagógicoe de todos que estão envolvidos no processode ensino-aprendizagem.

AAAAAvaliando para melhorar avaliando para melhorar avaliando para melhorar avaliando para melhorar avaliando para melhorar aaprendizagem: mais algumasaprendizagem: mais algumasaprendizagem: mais algumasaprendizagem: mais algumasaprendizagem: mais algumas

idéiasidéiasidéiasidéiasidéias

Algumas redes de ensino vêm adotando mo-dalidades de registros escritos mais qualitati-vos, tomando-os instrumentos primordiais noacompanhamento da aprendizagem e na to-mada de decisões para o avanço qualitativodas aprendizagens dos estudantes. Se, do pon-to de vista oficial, tais registros significam umgrande avanço, é preciso ter cuidado em nãotransforma-los em tarefa burocrática. Como

4 Exemplo adaptado de uma ficha de acompanhamento de estudantes da Rede Municipal de Ensino de Camaragibe/PE,elaborado por Gilda Lisboa Guimarães.

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bem expuseram Oliveira e Morais (2005), es-tudos já demonstraram a necessidade de os pro-fessores terem oportunidades de discutircontinuamente os objetivos e os instrumen-tos de avaliação que passaram a usar, a fim dese apropriarem daqueles novos recursos e se-rem, de fato, ajudados a reorganizar sua tarefade ensino ao empregá-los.

Para que não haja um descompasso entre oregistrado e o vivido/priorizado em sala deaula, insistimos na necessidade de garantiralguns cuidados aparentemente óbvios, masnem sempre cumpridos. Em primeiro lugar,recordemos, deve-se ter clareza sobre o que énecessário que os estudantes aprendam emcada etapa escolar, o que constitui um direi-to deles. É preciso “não deixar o tempo pas-sar”, mas sim monitorar, continuamente, osprogressos e as lacunas demonstrados pelosestudantes. Assim, poderemos ajustar a for-ma de ensinar, em lugar de esperar o fim doperíodo para, já sem ter muito por fazer, cons-tatar se as crianças e os adolescentes apren-deram ou não o que foi estabelecido.

Em segundo lugar, para que tenhamos clarezasobre o que ensinar e avaliar, necessitamos

“traduzir” em objetivos observáveis os conteú-dos formulados geralmente de modo muito “am-plo” nos documentos curriculares ou planosde curso. Só com esse nível de clareza econcretude podemos fazer o registro avaliativoao longo das semanas em que se dá o ensino-aprendizagem, de forma que possamos corri-gir-realimentar o processo de ensino e nãoperder as informações que detectamos sobreos meninos e as meninas no dia-a-dia.

Finalmente, e nunca é demais lembrar que,para que o estudante e sua família tenham voz,devem participar efetivamente do processo deavaliação. Necessitamos garantir que a famíliaconheça as expectativas da escola em relaçãoàs crianças e aos adolescentes em cada unida-de e série (ou ano) e acompanhe a trajetóriapercorrida, podendo se posicionar junto à pro-fessora, à turma e à escola. Se o estudante esua família sabem aonde a escola quer chegar,se estão envolvidos no dia-a-dia de que são osprincipais beneficiários, poderão participar commais investimento e autonomia na busca dosucesso nessa empreitada que é o aprender.

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Referências Bibliográficas

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Os fins da educação, os objetivos pe

dagógicos e os conhecimentos a ser trabalhados no ensino fundamental,

especialmente com a criança de seis anos, sãoamplamente discutidos nos outros capítulosdesta publicação. Neles há explicitação de de-terminados pressupostos, atitudes, práticas eformas de organizar o trabalho pedagógico. Opresente capítulo objetiva articular algumasconcepções e sugestões de práticas dos demaistextos, na tentativa de sinalizar possibilidadescotidianas de trabalho.

Este capítulo não tem a intenção de propor ati-vidades que devem ser seguidas pelo(a)s

MODALIDADES ORGANIZATIVASDO TRABALHO PEDAGÓGICO:

UMA POSSIBILIDADEAlfredina Nery1

professore(a)s. O que desenvolvemos aqui sãoprocessos de organização do trabalho pedagó-gico. Portanto, os exemplos são apenas referên-cias em que se destacam quatro modalidades deorganização dos conteúdos de trabalho com as

Tecendo a manhãUm galo sozinho não tece uma manhã;

ele precisará sempre de outros galos.De um que apanhe esse grito que elee o lance a outro: de um outro galo

que apanhe o grito que um galo antese o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros se cruzemos fios do sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,se vá tecendo, entre todos os galos.

.......................................

João Cabral de Melo Neto

1 NERY, Alfredina. Formada em Letras e Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo– Professora universitária, formadora e consultora pedagógica na área de linguagem/ língua/leitura.

(Joseph Russafa)

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Linguagem epoder têm

andado juntosna história dahumanidade

áreas do conhecimento –referenciadas na obraLer e escrever na escola: o real, o possível e onecessário, de Delia Lerner –, nem sempre comas mesmas denominações e/ou ações indicadas:atividade permanente, seqüência didática, pro-jeto e atividade de sistematização.

Este texto parte de uma concepção de lingua-gem como interação, o que possibilita articu-lar as várias áreas do conhecimento, poisconsidera o ser humano um ser de linguagem,uma vez que esta constitui o sujeito em seucontexto. A imagem a seguir é uma boa ana-logia do que consideramos linguagem.

Na comparação, o novelo pode ser entendidocomo o repertório de mundo, lingüístico etextual dos interlocutores, numa dadasituação de linguagem. O tecido sen-do tricotado pode ser amaterialização do conceito de“texto” que, na sua origem, estárelacionado à idéia de tessitura,de fios que compõem o tecido. Eos sinais semicurvos, nas extremi-dades das duas agulhas, lembram si-nais gráficos das histórias emquadrinhos, usados para indicar movimentono desenho, o que também dá a idéia de queum texto é negociação de sentidos entre ossujeitos da situação comunicativa.

Por fim, podemos entender que o ponto deintersecção entre as duas agulhas pode indi-car tanto contato dos interlocutores, comolugar de disputa, uma vez que lembram tam-bém duas espadas em luta, como que sinali-zando que há uma “arena” das palavras, nojogo social, confirmando as relações entre lin-guagem e poder.

Linguagem e poder têm andado juntos na his-tória da humanidade. Ao mesmo tempo emque a palavra aproxima as pessoas, ela podetambém afastá-las, pois estão em jogo relaçõesde domínio. Muitas vezes a relação desigual

entre as pessoas é traduzida pelo fato de queapenas uma pode usar a palavra ou apenas apalavra de uma delas é aquela que “vale”,como, por exemplo: o adulto e a criança; oprofessor e o estudante; o chefe e o subalter-no; o pai e o filho; o médico e o paciente. Evi-dentemente, essas relações desiguais sãoreflexos de questões sociais mais amplas.

Enfim, a linguagem não é apenas comunica-ção ou suporte de pensamento, é, principal-mente, interação entre sujeitos; é lugar denegociação de sentidos, de ideologia, de con-flito, e as condições de produção de um texto(para que, o que, onde, quem, com quem,quando, como) constituem seus sentidos, paraalém de sua matéria formal – palavras, linhas,

cores, formas, símbolos.

A linguagem é constitutiva do su-jeito, ou seja, faz parte do processode identidade pessoal e social decada pessoa e, por isso, a escolaprecisa considerá-la na formaçãode pessoas que sejam capazes de

compreender mais e melhor omundo, inclusive transformando-o.

O estudo das linguagens, na escola, é,ainda, fundamental tanto para as aprendiza-gens dos conteúdos escolares, quanto para aampliação da participação cidadã do estudan-te na sociedade.

É com esse pressuposto que o presente capí-tulo procura articular suas sugestões didáti-cas às discussões dos demais capítulos,considerando:

a singularidade da infância, na direção defazer a “entrada” da criança de seis anosno ensino fundamental ser um ganho paraas demais e não o contrário;

o brincar como “um modo de ser e estar nomundo”, levando em conta a função hu-manizadora da cultura e sua contribuiçãopara a formação da criança;

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O currículoescolar é constru-ção da identidade

do estudante eespaço de conflitodos interesses da

sociedade.

as linguagens verbais, artísticas e científi-cas como articuladoras de uma práticamultidisciplinar, num contexto deletramento;

o texto (nas várias linguagens), a partir doque os estudantes já conhecem, como usu-ários da língua, mesmo aqueles que aindanão têm autonomia para decifrar o escrito;

as relações entre letramento e alfabetiza-ção, para que se garanta que a criança sealfabetize numa perspectiva letrada;

a aprendizagem dos conhecimentos das áre-as das ciências sociais, das ciências natu-rais e das linguagens, relativos aos anos/séries do ensino fundamental, comopossibilitadores de a criança ampliar suasreferências de mundo;

a constituição de espaços coletivos de orga-nização do trabalho pedagógico, o que in-clui a decisão sobre normas, limites,horários, distribuições de tarefas, etc.

Com o objetivo de contextualizar suaspropostas, o capítulo inicia-se comuma breve reflexão sobre o pla-nejamento como um princípioe uma prática deflagradora detodo o trabalho na escola e nasala de aula, num movimen-to contínuo einterdependente em que seplaneja, se registra e se avalia.Em seguida, o texto arrola al-gumas possibilidades de trabalho,por meio das modalidades de organi-zação de conteúdos, procurando articulá-las também às contribuições dos demaiscapítulos. Levanta ainda algumas possibilida-des de trabalho com a formação continuadade professores.

O planejamentoO planejamentoO planejamentoO planejamentoO planejamento

Por entender que a realidade precisa ser ob-servada, analisada, comparada e reinserida no

todo, tendo em vista o processo, as contradi-ções e as aproximações sucessivas, o planeja-mento pedagógico do(a) professor(a) começa,coletivamente, a partir do que toda a escolapensa e realiza em seu projeto pedagógico.

O planejamento da escola contempla, assim,desde os critérios de organização das criançasem classes ou turmas, a definição de objetivospor série ou ano, bem como o planejamentodo tempo, espaço e materiais considerados nasdiferentes atividades e seus modos de organi-zação: hora de sala de aula, brincadeiras livres,hora da refeição, saídas didáticas, atividadespermanentes, seqüências didáticas, atividadesde sistematização, projetos etc.

Um outro aspecto, muitas vezes negligencia-do, é a participação dos pais/ comunidade noplanejamento escolar. Não se pode esquecerque são suas histórias, suas profissões, seusmodos de entender e agir no mundo que cons-tituem a identidade das crianças, nossos estu-dantes na escola.

E mais: se entendemos que o currículoescolar é construção da identida-

de do estudante e espaço deconflito dos interesses da soci-edade, o planejamento preci-sa ser compreendido comoprocesso coletivo e como fer-ramenta de diálogo em que seconsidere a participação tam-

bém dos estudantes no traba-lho a ser constituído, bem como

da comunidade escolar.

O/a professor(a) planeja seu curso, le-vando em conta o plano/projeto da escola eas crianças concretas de sua turma: seus co-nhecimentos, interesses, necessidades. Con-sidera ainda as condições reais de seu trabalho,sua trajetória profissional, bem como os obje-tivos pedagógicos para os estudantes dos anosiniciais do ensino fundamental.

Em se tratando de planejamento, sabemos que

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uma questão fundamental a ser enfrentada notrabalho cotidiano diz respeito ao tempo, queé sempre escasso, por isto, há necessidade dequalificá-lo didaticamente. Nesse sentido, otempo deve ser organizado de forma flexível,possibilitando que se retomem perspectivas easpectos dos conhecimentos tratados em dife-rentes situações didáticas. Outro aspecto é ofato de as pessoas aprenderem de formas dife-rentes, porque têm tempos também diferentesde aprendizagem. Variar, então, a forma deorganizar o trabalho e seu tempo didático podecriar oportunidades diferenciadas para cadaestudante, o que pode representar um ganhosignificativo na direção da formação de todos,sem excluir nenhum estudante.

As modalidades de organizaçãoAs modalidades de organizaçãoAs modalidades de organizaçãoAs modalidades de organizaçãoAs modalidades de organizaçãodo trabalho pedagógicodo trabalho pedagógicodo trabalho pedagógicodo trabalho pedagógicodo trabalho pedagógico

As atividades discutidas a seguir levam em contaalgumas possibilidades de integração/articulaçãoentre as áreas do conhecimento, não só comoprocesso de trabalho do(a) professor(a), na salade aula, como da própria escola, como coletivi-dade. Selecionamos quatro modalidades quenos parecem contribuir bastante com a organi-zação do tempo pedagógico: atividade perma-nente, seqüências didáticas, projetos eatividades de sistematização.

Ressalte-se, já de início que, no capítulo Ava-liação e aprendizagemna escola: a prática pedagó-gica como eixo da reflexão, há um instrumentosugerido, denominado diários de classe ampliados.Acreditamos que as quatro modalidades, a seguirdiscutidas, podem constar dos referidos diários,como forma de avaliação e acompanhamento doprocesso dos estudantes, com ênfase tanto noengajamento de cada criança da turma, quanto emsuas aprendizagens conceituais mais específicas.

AAAAAtttttividade permanenteividade permanenteividade permanenteividade permanenteividade permanente

1 - O que é

Trabalho regular, diário, semanal ou quinze-nal que objetiva uma familiaridade maior com

um gênero textual, um assunto/tema de umaárea curricular, de modo que os estudantestenham a oportunidade de conhecer diferen-tes maneiras de ler, de brincar, de produzir tex-tos, de fazer arte, etc. Tenham, ainda, aoportunidade de falar sobre o lido/vivido comoutros, numa verdadeira “comunidade”.

2 - Sugestões

“Você sabia?” – momento em que se discu-tem assuntos/temas de interesse das crianças.“Como viviam os dinossauros?” “Por que aágua do mar é salgada?” “Como as crianças in-dígenas brincam?”. Cada estudante ou grupopode se encarregar de tentar descobrir respos-tas para as perguntas. O professor também podetrazer, para esse momento, suas observaçõessobre o que mais mobiliza sua turma, em ter-mos de curiosidade científica. É hora de trazerconteúdos das outras áreas curriculares: histó-ria, geografia, ciências, matemática, educaçãofísica, como objeto de leitura e discussão.

Notícia da hora: momento reservado às notí-cias que mais chamaram a atenção das crian-ças na semana. Hora de exercitar o relato oralda criança que, por sua vez, vai aprendendo,cada vez mais, a fazê-lo, fazendo. Momento or-ganizado para também o professor selecionar no-tícias que não mobilizaram as crianças, mas quese inserem para se discutir em sala, na tentativade ampliar as referências do grupo- classe.

Nossa semana foi assim... momento em quese retoma, de forma sucinta, o trabalho desen-volvido e se auxilia as crianças no relato e nasíntese do que aprenderam; em que a memó-ria de um pode/deve ser complementada coma fala do outro; em que o professor faz umasíntese escrita na lousa ou em cópias no papelou no retroprojetor. Enfim, é hora de sistema-tizar, um pouco mais, as aprendizagens da se-mana: o que sabíamos? O que aprendemos? Oque queremos aprender mais?

“Vamos brincar?” momento em que se “brincapor brincar”, em pequenos grupos, meninascom meninos, só meninas, só meninos, em

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duplas, em trios, sozinhos. É hora de o professor/a professora garantir a brincadeira, organizan-do, com as crianças, tempos, espaços e materi-ais para esse fim. É hora de observar as criançasnesse “importante fazer”. É hora de registraressas observações para que possam ajudar o/aprofessor(a) a planejar outras atividades, a par-tir de um maior conhecimento sobre a turma,sobre cada criança.

Fazendo arte: momento reservado para as cri-anças conhecerem um artista específico (mú-sico, poeta, pintor, escultor, etc.): sua obra,sua vida. Pode ser hora ainda de “fazer à modade...”, em que as crianças realizam releiturasde artistas e obras. Pode também ser momen-to de autoria de cada criança, por meio de suaexpressão verbal, plástica, sonora.

Cantando e se encantando – momento emque se privilegiam as músicas que as criançasconhecem e gostam de cantar, sozinhas, todasjuntas. É hora também de ouvir músicas deestilos e compositores variados, como formade ampliação de repertório e gosto musical.

No mundo da arte – momento em que se or-ganizam idas dos estudantes a exposições,apresentações de filmes, peças teatrais, gruposmusicais. Para isso, planejar com as criançastoda a atividade, fazendo o roteiro da saída, oque e como observar. Na volta, avaliar a ativi-dade, ouvindo o que as crianças sentiram epensaram a respeito e organizando registros,com blocões, cadernos coletivos ou murais.

Comunidade, muito prazer! – momento emque se convidam artistas da região ou profissi-onais especializados (bombeiros, eletricistas,engenheiros, professores, repentistas, contado-res de histórias, etc.) para irem à escola e faze-rem uma apresentação/palestra/conversa. Oevento demanda ação das crianças junto como/a professor(a): elaborar o cronograma, sele-cionar as pessoas, fazer o convite, organizar aapresentação da pessoa, avaliar a atividade, etc.

A família também ensina... momento em quese convidam mãe, pai, avô, avó, tio, tia paracontar histórias, fazer uma receita culinária,

contar como se brincava em sua época, can-tar com as crianças. É a família enriquecendoseus laços com a escola e com as crianças. É afamília compartilhando seus saberes.

Descobri na Internet – para as crianças quetêm acesso em casa ou na comunidade à redemundial de computadores, é possível reservarum momento para as descobertas que realizam,a partir dessa ferramenta de informação. De-vagar, o/a professor(a) pode ajuda-las a seleci-onar informações e a ter uma visão mais críticasobre o que circula na Internet.

Leitura diária feita pelo(a) professor(a) –momento em que se lê para as crianças. É mo-mento de o leitor experiente ajudar a ampliar orepertório dos leitores iniciantes. É possível,por exemplo, ler uma história longa em capí-tulos, como se liam os folhetins, como seacompanha uma novela na TV, mas tambémse pode ler histórias curtas, como fábulas, crô-nicas, etc. Ou ler poemas, com muitaexpressividade, enfatizando aqueles cuja so-noridade das palavras, cujo jogo verbal sãoas tônicas da construção poética. É possíveller ainda o quadro de um pintor: suas formas,cores, linhas.

Roda semanal de leitura – com as possibilida-des referidas e outras ainda, como, por exem-plo, quando as crianças selecionam, de própriaescolha, em casa, na biblioteca (de classe, daescola ou da cidade) livros/textos/gibis para lerem dias e horários predeterminados. Podemdepois conversar sobre o que leram para seuscolegas. São leitores influenciando leitores.São leitores partilhando leituras.

OLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVO

É possível planejar uma atividade diária ousemanal de leitura cuja finalidade seja fa-zer o estudante conhecer melhor um deter-minado gênero de texto. Escolhido o gênerotextual, determinar por quanto tempo ecomo se vai lê-lo, em situações em que:

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o/a professor(a) leia com a turma, deforma compartilhada;

a criança, individualmente, tenhaautonomia de leitura. Nesse caso, o/a professor(a) pode também ler, nes-te momento, uma vez que ele é umimportante modelo de leitor para oestudante — é possível explicitar, in-clusive, aos meninos/meninas porquais razões todos lerão, inclusiveele/ela;

os estudantes lêem em dupla, nego-ciando sentidos.

Mas é preciso tomar cuidado! Entendemosa leitura, nessa modalidade de organiza-ção didática, como uma atividade em si,na direção de formar leitores, por isso oimportante é o convívio com os textos.Não é ler para ... dramatizar, resumir, res-ponder perguntas sobre o lido, fazer umdesenho do que se leu. É ler por ler. É lerpara ampliar o repertório textual. Ou seja,a ênfase aqui é no processo de leitura enão no produto; assim, a avaliação dessetrabalho toma outro caráter. Assim,priorizamos duas sugestões de avaliação:

1 - elaboração de uma “Ficha de leitores”,com dados sobre as leituras feitas. Em dias,previamente marcados, comentam-se coma turma as fichas, instigando comentáriosgerais sobre os assuntos lidos e, ainda, sequiser, os próprios processos de leitura dosestudantes (como tem sido a atividadepermanente? têm gostado? têm aprovei-tado? de que forma? etc.);

2 – Ao término de um tempo determina-do (mês? bimestre? semestre?), o/aprofessor(a), junto com as crianças, avaliao trabalho realizado. Assim também o fazcom seus pares professores. Então, a es-cola avalia o processo e todos decidemsobre a continuidade da atividade e even-tuais alterações/ampliações, etc.

Seqüência didáticaSeqüência didáticaSeqüência didáticaSeqüência didáticaSeqüência didática

1 - O que é

Sem que haja um produto, como nos proje-tos, as seqüências didáticas pressupõem um tra-balho pedagógico organizado em umadeterminada seqüência, durante um determi-nado período estruturado pelo(a) professor(a),criando-se, assim, uma modalidade de apren-dizagem mais orgânica. Os planos de aula, emgeral, seguem essa organização didática.

A seqüência didática permite, por exemplo,que se leiam textos relacionados a um mesmotema, de um mesmo autor, de um mesmo gê-nero; ou ainda que se escolha uma brincadei-ra e se aprenda sua origem e como se brinca;ou também que se organizem atividades de artepara conhecer mais as várias expressões artís-ticas, como o teatro, a pintura, a música, etc;ou que se estudem conteúdos das várias áreasdo conhecimento do ensino fundamental, deforma interdisciplinar.

2 - Sugestões

Lendo Fábula

Objetivo:trabalhar com as estratégias de leitu-ra, no sentido de a criança ir tomando consci-ência de que o processo de ler prevê seleção,antecipação, inferência e verificação de aspec-tos do texto que se lê.

O urso e as abelhas

Um urso topou com uma árvore caídaque servia de depósito de mel para umenxame de abelhas. Começou a farejaro tronco quando uma das abelhas doenxame voltou do campo de trevos.Adivinhando o que ele queria, deu umapicada daquelas no urso e depois desa-pareceu no buraco do tronco. O ursoficou louco de raiva e se pôs a arranharo tronco com as garras na esperança dedestruir o ninho. A única coisa que

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conseguiu foi fazer o enxame inteiro sairatrás dele. O urso fugiu a toda avelocidade e só se salvou porquemergulhou de cabeça num lago.

Moral da história: Mais vale suportar um sóferimento em silêncio que perder o controle e aca-bar todo machucado. (Fábulas de Esopo/compi-lação: Russel Ash e Berbard Higton; traduçãoHeloísa Jahn. São Paulo: Companhia dasLetrinhas, 1994)

Desenvolvimento do trabalho

Os três momentos de trabalho, a seguir, repre-sentam um modo de ler diferente, por exem-plo, do que foi proposto na atividadepermanente. Agora se trata de fazer uma espé-cie de “modelagem” das estratégias que um lei-tor proficiente faz para compreender o que lê.Um bom começo é acomodar as crianças deforma que se sintam confortáveis para a leitura.

Momento A - Antes da leitura

Atividades cujo objetivo é trazer o repertóriodo leitor (seus conhecimentos prévios) para acompreensão textual, discutindo os elemen-tos contextualizadores do texto: autor, porta-dor, título, sumário, capas, assunto/tema,ilustrações:

1 – Mostre a capa e quarta-capa do livro emque está publicada a fábula, discutindo suasilustrações (ou então use outro livro de fábu-las, em que há essa fábula, mesmo em outraversão, ou outra fábula ainda...). Mostre tam-bém as ilustrações internas. Provavelmente, ascrianças já conseguirão relacioná-las a históri-as de seu repertório. Pergunte, a partir dessasprimeiras indicações, se sabem o que se vai ler,nesse momento.

2 – Quando ler o título do livro, “Fábulas deEsopo”, é bem possível que muitas criançasexplicitem que conhecem fábulas sim. Peça,então, que algumas contem algumas históriasque conheçam. Não há problema se forem

contos de fadas ou outras histórias tradicionaise não,exatamente, fábulas. Essa é apenas umaboa oportunidade de os leitores se aproxima-rem do gênero textual “fábula” – afinal, a clas-sificação dos gêneros textuais também não étão tranqüila, mesmo entre os especialistas.

3 – Em relação ao autor, conte às criançasquem foi Esopo: um escravo que teria vividona Grécia, no século V a.C., considerado omaior divulgador de fábulas. No entanto, nãose sabe nem se ele realmente existiu. Pode serque algumas crianças se lembrem de MonteiroLobato, que também escreveu suas versões dealgumas fábulas. Incentive-as para que falema respeito.

4 – Em seguida, leia os títulos de algumas fá-bulas presentes no livro, perguntando se as cri-anças conhecem algumas delas. Seriainteressante ouvir algumas dessas histórias con-tadas pelas crianças.

Se esse momento, em que se explicitam osconhecimentos dos estudantes, for rico emdiscussão, as crianças possivelmente estarãomais motivadas, inclusive, para prosseguiremcom a leitura. Se você registrar as reflexõesfeitas, em forma de cartaz, por exemplo, pode-rão, no momento C, discutir as hipóteses le-vantadas, o que é fundamental para o processode leitura: fazer antecipações iniciais que se vãoou não confirmando ao longo da leitura.

Momento B – durante a leitura

Atividades cuja finalidade é apresentar algunsobjetivos orientadores do ato de ler, por meiode um levantamento de aspectos que auxili-em a construção dos sentidos do texto: o tema,o gênero textual em suas funções e caracterís-ticas, os recursos expressivos utilizados peloautor. Dessa forma, você estabelece com osestudantes alguns objetivos para antecipar as-pectos importantes do texto, por meio de ummapa textual que ajude os leitores na compre-ensão global do que vão ler.

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1 – Antes de realizar a leitura da fábula, emvoz alta, para as crianças, peça que prestematenção:

- em quem participa da história e comoagem;

- nos três momentos da narrativa;

- no ensinamento presente na fábula.

2 – Leia, expressivamente, a história.

Momento C – depois da leitura

Atividades cujos objetivos são ampliar as re-ferências culturais dos leitores, especialmenteos conteúdos das várias áreas do conhecimen-to implicadas no texto, refletindo sobre seusaspectos polêmicos e, ainda, discutir as pers-pectivas do narrador e do leitor. É também mo-mento de ensinar o estudante a fazer paráfrases(orais ou escritas) do que leu e produzir textosem outras linguagens (desenho, pintura,dramatização, etc.);

1 – Discuta as hipóteses das crianças levanta-das no momento A: confirmaram-se? Total-mente? Parcialmente? Não se confirmaram?Por quê? Veja que não é reduzir ao “acertouou errou”, mas valorizar os conhecimentos dosleitores.

2 – Converse com as crianças sobre as perso-nagens da história: urso e abelhas. Perguntese sabem qual é uma das comidas prediletasdos ursos, para que percebam que esse é omotivo inicial da discórdia entre o urso e aabelha que o picou primeiro. Aproveite pararetomar o título da fábula, o qual confirma otema da história. Se as crianças se lembraremde outras fábulas, vão perceber que, em geral,muitas delas têm como título o nome dos ani-mais que são personagens: “A lebre e a tarta-ruga”, “O leão e o rato”, “O burro e o cão”, “Ogalo e a raposa”, etc.

3 – Discuta como a abelha agiu para defendersua moradia e como o urso agiu sob o coman-do da raiva. Problematize a questão, falando

também sobre os comportamentos humanosem determinadas situações. As crianças conhe-cem algum filme em que essas situações tam-bém são apresentadas. Como foi isso? Essadiscussão vai deixando claro para os estudan-tes uma das características da fábula como gê-nero textual.

4 – Converse sobre os três momentos da his-tória: a ação do urso procurando mel; a picadada abelha e a reação do urso; o ataque maciçodas abelhas. Sabemos que o enredo de umanarrativa ficcional tradicional articula-se emtorno de uma situação inicial, uma complica-ção/desequilíbrio e um desfecho. Evidente-mente que essa nomenclatura não precisa serexplicitada para as crianças, mas provavelmen-te, ao conhecer mais essas narrativas, eles irãose apropriando da concepção de que esses ele-mentos fazem parte do gênero textual.

5 – Faça com as crianças, oralmente, algunsexercícios de substituição de certas palavras ouexpressões do texto, para que percebam cer-tos recursos lingüísticos usados pelo autor:

a) “O urso começou a farejar o tronco”.Que outra palavra poderia ser usada?Cheirar? Qual a diferença entre “chei-rar” e “farejar”? Parece que “farejar” émais próprio de bicho, de animal.

b) “A abelha deu uma picada daquelas nourso”. Como seria outra forma de dizerisso? A abelha deu uma enorme picadano urso? A abelha deu uma picada mui-to grande no urso? outras possibilidades?

c) “O urso ficou louco de raiva”. Como ascrianças diriam isso, com outras palavras?O urso ficou muito bravo mesmo? O ursoficou com muita raiva? Outras possibili-dades?

6 – Proponha uma questão para as crianças:se houvesse um diálogo na fábula entre o urso ea abelha, como poderia ser ele? Essa é uma boaoportunidade de discutir as formas de diálogo

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das narrativas e, se quiser, até mesmo a dife-rença entre um diálogo oral e um escrito.

7 – Faça uma lista de títulos de fábulas que ascrianças conhecem, salientando quem são ospersonagens e que comportamentos huma-nos representam. Sabemos que a fábula é umanarrativa curta, que faz uma crítica a certoscomportamentos humanos por meio de per-sonagens que são animais. Nela há sempreuma moral, que pode vir explícita no textoou não.

8 – Leia de novo a moral da fábula “O urso eas abelhas” e peça que as crianças comentam-na: concordam com ela? Por quê? Discordam?Por quê? Já viveram alguma situação pareci-da? Conhecem alguém que viveu? Como foi?Faça uma lista de provérbios que os estudan-tes conhecem, explicando que os provérbiossão frases prontas que vieram das fábulas e aca-baram por ficar independentes das histórias.

9 – Peça que as crianças façam paráfrases oraisda fábula. Lembre-se de que esse momento épara recontar com as próprias palavras, semfugir do texto. Um leitor pode ajudar o outro.

10 – Peça que as crianças imitem a cena emque o urso corre para o lago, com as abelhasatacando-o. A expressão corporal é uma im-portante linguagem humana, especialmente nainfância. Aproveitem o momento para se di-vertir com as diferentes maneiras por meio dasquais as crianças representam o urso em seudesespero para se safar do ataque das abelhas.

11 – Solicite, depois, que os estudantes dese-nhem esse mesmo momento. É enriquecedorque as crianças possam se expressar a partir devárias e diferentes linguagens. Em seguida, setiver a edição indicada, mostre a ilustração dafábula que há no livro em que há exatamenteesse episódio. Conversem a respeito, especial-mente sobre as diferentes possibilidades de ilus-trar uma mesma cena.

12 – Organize com as crianças uma maqueteda floresta onde teria acontecido a história do

urso e das abelhas. Solicite que, primeiramen-te, as crianças falem a respeito. Depois, anoteaspectos que devem ser considerados numadescrição mais minuciosa desse espaço. Nãose esquecer de que a “floresta” nas histórias tra-dicionais, que tanto encanta as crianças, temtoda uma magia que aflora nossa imaginação,nossas sensações e até mesmo nossos medos.Assim, a maquete poderia contemplar, de al-guma forma, as representações sobre esse es-paço tão especial.

Brincadeiras de ontem e deBrincadeiras de ontem e deBrincadeiras de ontem e deBrincadeiras de ontem e deBrincadeiras de ontem e dehoje: outra seqüência didáticahoje: outra seqüência didáticahoje: outra seqüência didáticahoje: outra seqüência didáticahoje: outra seqüência didática

Objetivo:compreender o brincar como açãohumana fundamental para o desenvolvimen-to da pessoa e dos grupos sociais, em diferen-tes épocas e espaços.

Desenvolvimento do trabalho:

1 – Comece perguntando quais são as brinca-deiras preferidas das crianças. Faça uma rela-ção dos nomes das brincadeiras citadas, em umcartaz, e guarde para uma discussão posterior.

2 – Reserve dias, horários e materiais (se for ocaso) para as crianças vivenciarem as brinca-deiras mais citadas.

3 – Durante as brincadeiras – das quais vocêpode participar ou não – registre como as cri-anças se organizam para brincar; quem fica defora e por quê; quais as negociações mais fre-qüentes entre elas; como vai a sociabilidadeda turma, etc. Procure analisar esse momentoa fim de que sejam incorporadas as contradi-ções e as tensões sempre presentes nas rela-ções humanas. Ou dito de outra forma: tomarcuidado para não ser moralista e “pregar ser-mão”, na direção de um “bom” comportamentodas crianças, de modo que simplifique o que écomplexo.

Veja o que diz a respeito um trecho do capí-tulo O brincar como um modo de ser e estarno mundo:

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Compartilhando brincadeiras com as cri-anças, sendo cúmplice, parceiro, apoian-do-as, respeitando-as e contribuindo paraampliar seu repertório. Observando-aspara melhor conhecê-las, compreendendoseus universos e referências culturais, seusmodos próprios de sentir, pensar e agir, suasformas de se relacionar com os outros. Per-cebendo as alianças, amizades, hierarqui-as e relações de poder entre pares.Estabelecendo pontes, com base nessas ob-servações, entre o que se aprende no brincare em outras atividades, fornecendo para ascrianças a possibilidade de enriquecerem-nasmutuamente. Centrando a ação pedagógi-ca no diálogo com as crianças e os adoles-centes, trocando saberes e experiências,trazendo a dimensão da imaginação e dacriação para a prática cotidiana de ensinare aprender.

Enfim, é preciso deixar que as crianças e osadolescentes brinquem e aprender com elesa rir, a inverter a ordem, a representar, aimitar, a sonhar e a imaginar. E no encon-tro com eles, incorporando a dimensão hu-mana do brincar, da poesia e da arte,construir o percurso da ampliação e da afir-mação de conhecimentos sobre o mundo.Dessa forma abriremos o caminho para quenós, adultos e crianças, nos reconheçamoscomo sujeitos e atores sociais plenos,fazedores da nossa história e do mundo quenos cerca.

4. a – Quando terminarem de brincar e de con-versar a respeito do que se passou, é momentode ouvir as crianças: o que fizeram, como sesentiram, o que tiveram que negociar com ooutro, etc. Lembre-se de que o comentário éum gênero textual que prevê uma certa expli-cação (sobre um fato, um texto escrito, um fil-me, etc.) e a opinião de quem comenta.Novamente, veja que há uma diferença entreo que se propõe aqui e a atividade permanen-te, anteriormente explicitada. Na atividade

permanente, é “brincar por brincar”. É “brin-car como experiência de cultura”, mesmo con-siderando que o espaço escolar é um contextoespecífico que também constrói suas relaçõescom as crianças, diferentemente da rua, dacasa, etc.

4. b – Uma outra maneira de trabalhar o “de-pois da brincadeira” é solicitar que as criançasfaçam colagens, pinturas, modelagens que re-presentem o que viveram, o que experimen-taram, o que sentiram quando estavambrincando.

5. a – Solicite que a turma pesquise – em casa,na biblioteca da escola/da cidade, na Internet,com familiares e amigos – livros que tratem debrincadeiras de crianças. Marcar dia para quetodos tragam suas contribuições e socializemuns com os outros. Conversar a respeito dasbrincadeiras pesquisadas. Comparar com a lis-ta feita no item 1 desta seqüência.

5. b – Se possível, mostre às crianças uma re-produção do famoso quadro de Bruegel “Brin-cadeiras de rapazes”, que foi pintado em 1560e está em um museu de Viena, na Áustria. Éuma aldeia medieval, pequena e antiga, emque há muitos brinquedos e brincadeiras.Veja, então, se sua turma reconhece algu-mas delas: pula-sela? Roda arco? Cambalho-ta? Quais mais?

5. c – Se possível, mostre também reprodu-ções de telas de Portinari, como “Jogos Infan-tis” (1945), “Brincadeiras infantis” (1942),“Meninos soltando pipas” (1943), “Meninocom pião” (1947), “Futebol” (1935) cujos te-mas são a infância e o brincar. Discuta for-mas, imagens, cores usadas pelo artista.

Obs.: há um livro muito interessante, chama-do “Brinquedos e Brincadeiras”, de NereideSchiaro Santa Rosa (Editora Moderna, 2001),que traz muitas reproduções de pinturas e es-culturas de artistas brasileiros e estrangeirossobre o tema. Vale a pena conhecer!

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6 – Peça que os estudantes pesquisem a res-peito das brincadeiras dos pais, avós, tios, pri-mos mais velhos, em seus tempos de criança.Solicite que gravem, escrevam ou peçam paraalguém escrever as regras de como se brincavacada uma das brincadeiras.

7 – Em dia e hora, previamente marcados, or-ganize a turma em pequenos grupos para quecontem uns para os outros a respeito das brin-cadeiras pesquisadas.

8 – Solicite que cada grupo explique para ogrande grupo uma ou duas brincadeiras, entretodas as trazidas pelas crianças, em momentoreservado especialmente para isso.

9 - Proceda, junto com as crianças, a uma se-leção das “brincadeiras de antigamente”, en-tre aquelas que foram apresentadas. Aproveitepara categorizar as brincadeiras trazidas, comalguns critérios, como: brincadeiras com o cor-po, brincadeiras com bola/sem bola, brinca-deiras de meninas/meninos/ambos (e outroscritérios estabelecidos por você e sua turma).Façam depois uma votação das brincadeiras jáconhecidas e experimentadas pelas crianças,usando, para a contagem dos votos, gráficos etabelas. Essa é uma boa oportunidade para tra-balhar a linguagem gráfica da matemática.

10 – Organize espaço, tempo e materiais paraque as crianças brinquem as “brincadeiras deantigamente”. Se possível, convide familiaresdos estudantes para esse momento. Cada fa-miliar pode ficar em um pequeno grupo paratambém brincar.

OLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOÉ possível proceder a um processo de es-colha das brincadeiras, pelas crianças, paraque se elabore uma coletânea, cujo títulopoderia ser, por exemplo, “Brincadeiras desempre: as brincadeiras preferidas da tur-ma.....”. Mas agora é outra história. O tra-balho pode ser um projeto de produção

de livro. Essa escolha passa, é lógico, portodo um procedimento de escrita quepressupõe um planejamento: para que sevai escrever, quem é o leitor previsto parao livro, o que e como escrever. Prevê ain-da versões do mesmo texto até se chegarà versão final para que as regras estejambem explicadas tendo em vista o leitor. Efinalmente, pensar no dia de lançamentodo livro, junto à comunidade escolar. Lem-brar que todo esse trabalho deve envol-ver as crianças integralmente, tanto naelaboração das regras das brincadeiras queconstarão da publicação e na confecçãodo objeto “livro” – capas, página de ros-to, dedicatória, prefácio, sumário, ilustra-ções –, quanto na organização dolançamento do livro: convites aos familia-res, às outras turmas da escola, à impren-sa local; o papel do “mestre de cerimônia”que faz a abertura do evento e explicatodos os momentos, etc.

ProjetoProjetoProjetoProjetoProjeto

1 - O que é

Essa modalidade de organização do trabalho pe-dagógico prevê um produto final cujo planeja-mento tem objetivos claros, dimensionamentodo tempo, divisão de tarefas e, por fim, a avalia-ção final em função do que se pretendia. Tudoisso feito de forma compartilhada e com cadaestudante tendo autonomia pessoal e respon-sabilidade coletiva para o bom desenvolvimen-to do projeto.

O projeto é um trabalho articulado em que ascrianças usam de forma interativa as quatroatividades lingüísticas básicas — falar/ouvir,escrever/ler— , a partir de muitos e variadosgêneros textuais, nas várias áreas do conheci-mento, tendo em vista uma situação didática quepode ser mais significativa para elas. Marcamoscom um asterisco (*) alguns gêneros textuaisque serão mais detalhadamente trabalhados namodalidade “Atividade de sistematização”.Ressalte-se que isso poderia ter sido feito tam-bém nas outras modalidades organizativas,

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uma vez que a atividade de sistematização éentendida como uma “parada” para estudarmais, para enfatizar e sistematizar conhecimen-tos das crianças relativos a temas/assuntos, gê-neros textuais, aquisição da base alfabética,convenções da escrita, etc.

2 - Sugestões

Projeto: Nossa cidade, nossa casa

Produto:uma mostra que expresse a cultura ea produção artística do bairro, da cidade oudo município em que a escola se localiza. Oacervo pode ser verbal (oral e/ou escrito),imagético (fotografias, colagens, desenhos, etc),fílmico (gravações em fitas de vídeo). Pode sertambém uma exposição de obras da culturalocal: esculturas, quadros, peças de tecido,utensílios variados etc.

Objetivo: propiciar que o estudante conheçamais o lugar em que vive, percebendo-se comoparte dele.

Desenvolvimento do trabalho

1 – Discuta com os estudantes o projeto: ob-jetivos, etapas, necessidade de envolvimentode todos, responsabilidade de cada um e pro-duto final. Discuta o projeto com os pais/co-munidade no sentido de ter a adesão deles emrelação à finalidade desse trabalho, assim comopossíveis contribuições.

2 – Organize as crianças em grupos para quecada um faça uma pesquisa. As categorias po-deriam ser, por exemplo:

- a breve história da cidade;

- o museu;

- a biblioteca;

- os grupos de dança;

- os grupos musicais;

- as comidas típicas;

- o teatro (ou grupos de teatro mesmo semsede física)

- o artesanato local;

- os artistas da região: poetas, cantadores,contadores de histórias, repentistas, pin-tores, etc.;

- as atrações turísticas (toda cidade as tem,mesmo que seus moradores, muitas ve-zes, não saibam ou não percebam essepotencial...).

3 – Auxilie os grupos com a sua pesquisa e tam-bém peça para que as crianças pesquisem comfamiliares, amigos e moradores mais antigos seusconhecimentos sobre a cultura local e até mes-mo se há disponibilidade de objetos que pos-sam ser emprestados para a mostra cultural/acervo. Um gênero textual para esse momentopode ser a entrevista oral ou escrita (*).

4 – Proporcione ainda visitas a locais da cida-de que possam contribuir para a pesquisa dascrianças, como a sede da prefeitura, o jornalda região, etc. Para essa saída da escola, é pos-sível elaborar com as crianças uma carta-re-querimento (*) para reservar/marcar a ida aesses lugares.

5 – Enfatize bastante com os estudantes aquestão das mudanças históricas havidas en-tre o “antigamente” e o “hoje”. Organize comeles, um cartaz que possa ir registrando ascontribuições das pesquisas, ao longo do de-senvolvimento do projeto, na direção decompreenderem um importante conceitoque se refere às permanências e mudançasdo contexto histórico e geográfico.

OLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOA partir do século XX, são consideradasfontes históricas vários registros comomúsicas, mapas, gráficos, pinturas, gravu-ras, fotografias, ferramentas, utensílios,festas, rituais, edificações, literatura orale escrita, etc. Nesse sentido, os estudan-tes podem enriquecer suas pesquisas com

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um farto material, entendendo, inclusive,não só que são parte da história que estásendo construída, como também podemviver o papel do historiador, quando in-vestigam e encontram documentação his-tórica, a partir dessas fontes variadas.

6 – Ajude os estudantes nos planos de traba-lho para que possam ter autonomia de traba-lho e cumprir o cronograma estabelecido.Defina com eles quais os dias da semana serãoreservados para o projeto, quanto tempo o pro-jeto vai durar, que grupo vai fazer o que, paraque, onde, como e quando.

7 – Ao longo do desenvolvimento do proje-to, marque as datas em que discutirão os an-damentos das pesquisas, os registros (orais ouescritos) do que as crianças estão aprendendocom o trabalho, o trabalho em cada grupo, bemcomo os produtos finais: painel fotográfico?Audição de músicas, declamadores, contado-res de histórias? Apresentação de dança e/oude teatro? Exposição de objetos culturais? Fei-ra de comidas típicas? Enfim, são muitas aspossibilidades...

8 – Os produtos finais podem ser apresenta-dos tanto num mesmo dia, previamente esta-belecido, quanto em dias diferentes, tambémacordados em consonância com os estudantese a comunidade.

OLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOOLHO VIVOÉ bom lembrar que um projeto pode de-mandar outros projetos para ampliaçãode alguns aspectos. Um projeto compor-ta, assim, uma grande flexibilidade no seudesenvolvimento, a depender dos nossosobjetivos, dos interesses e necessidadesdas crianças e, por fim, do envolvimentode todos.

Projeto: nossa rotina, nossas aprendizagens

Produtos:dada a especificidade desse projeto– trabalhar as rotinas escolares –, podemos

pensar em vários produtos finais possíveis. Su-gerimos que os registros escritos de determina-das ações sejam considerados produtos finais:listas (*), agenda, quadros e tabelas, regula-mento, arquivos temáticos, cartas, coleções,portfolios.

Objetivo:conhecer mais as rotinas escolarescomo organizadoras das ações cotidianas e todoseu potencial de aprendizagem, não somenteem relação à leitura, à escrita e aos conteú-dos específicos das áreas curriculares, mas tam-bém no que diz respeito às relaçõesinterpessoais, aos valores, às normas, às atitu-des e aos procedimentos.

Desenvolvimento do trabalho

1 – Discuta com os estudantes o projeto: ob-jetivos, necessidade de envolvimento de todos,responsabilidade de cada um e produtos finais.Discuta o projeto com os pais/comunidade, nosentido de ter a adesão deles em relação à fi-nalidade desse trabalho , assim como possíveiscontribuições.

2 – Solicite que as crianças fiquem atentas aoque fazem na escola e ao que pode ser tema detrabalho do projeto, como, por exemplo:

- organizar listas para saber quem são ospresentes e faltosos, os horários, o car-dápio da merenda, a divisão de tarefas/responsabilidades de cada um, os livrosdo acervo da classe, os brinquedos docantinho da brincadeira, etc.;

- agenda para comunicar os endereços dascrianças, os materiais que serão usadosem determinados dias ou atividades, osrecados para os pais, etc.;

- quadros e tabelas para organizar dados deforma visual: leituras realizadas na ativi-dade permanente, tarefas realizadas ependências, planos de trabalho, dadosde outros projetos ou das seqüências di-dáticas, etc.;

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- regulamento para registrar e divulgar nor-mas de comportamento, regras de con-vivência discutidas com a turma, etc.;

- arquivos temáticos para organizar estudos/pesquisas feitas sobre temas/assuntos re-lativos às áreas curriculares, como, porexemplo: “A vida dos sapos”, “O corpocresce”, “A Terra e o Universo”, “A ci-dade grande e a cidade pequena”, “Oscontos de fadas”, “A Amazônia”, “A te-levisão”, etc.;

- cartas para que os estudantes se comu-niquem com outras turmas, relatando oque estão aprendendo;

- coleções para coletar e organizar “obje-tos” (tampinhas, figurinhas...), “gênerostextuais” (poemas, fábulas, contos de as-sombração...). Essa última categorizaçãopode ser objeto de comunicação oral dosalunos, em dias e horários marcados,com antecedência. Dessa forma, as cri-anças aprendem a se comunicar oralmen-te, com mais propriedade, a partir de umasituação real, com interlocutores reais e apartir de uma preparação prévia;

- portfolios para registrar e avaliar as ativi-dades feitas, o que se aprendeu, o quemais se quer/ se deve aprender. Veja oque dizem, a respeito, os autores do ca-pítulo Avaliação e aprendizagem na esco-la: a prática pedagógica como eixo dareflexão:

- O uso de portfolios, por exemplo, podeser útil para fazer com que os estudantes,sob orientação dos professores, possam ana-lisar suas próprias produções, refletindosobre os conteúdos aprendidos e sobre oque falta aprender, ou seja, possamvisualizar seus próprios percursos eexplicitar para os professores suas estraté-gias de aprendizagem e suas concepçõessobre os objetos de ensino.

Tal prática é especialmente relevante porpropiciar a idéia de que não cabe apenasao professor avaliar o processo de aprendi-zagem e de ensino. Tal concepção é con-trária às orientações dadas em umaperspectiva tradicional, com seus finsexcludentes de classificar e selecionar estu-dantes aptos e não-aptos, que sempre foipromotora de heteronomia: como só o pro-fessor é quem julgava os produtos do estu-dante, este introjetava a idéia de que eraincapaz de avaliar o que fazia, que só oadulto-professor sabia o certo. Se queremosformar crianças e adolescentes que venhama ser cada vez mais autônomos, precisa-mos promover, no cotidiano, situações emque o estudante reflete, ele próprio, sobreseus saberes e atitudes, vivenciando umaavaliação contínua e formativa da trajetó-ria de sua aprendizagem.

3 – Organizar os recursos, como impressora,xerox, mimeógrafo, papel carbono para repro-dução de textos (quando for necessário), emateriais diversos para os diferentes momen-tos e produtos finais do projeto, como: papéis/folhas de tamanhos diferentes, lápis, canetascoloridas, caixas de papelão de tamanhos di-ferentes, cola, etc.

4 – Trabalhar, por exemplo, com os diferen-tes gêneros textuais e seus portadores/supor-tes, nas atividades de sistematização, comoforma de fazer uma espécie de zoom em cadaum, considerando que a produção de textosacontecerá em situações reais, parainterlocutores concretos, de forma coerentecom a concepção de linguagem comointeração.

Projeto: Água: minha vida/nossa vida

Produto:cartazes temáticos do projeto (*). Es-colha com as crianças e a direção/coordena-ção da escola um lugar específico em que serãoafixados os cartazes produzidos ao longo doprojeto. Peça que os estudantes elaborem uma

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legenda que explique que, naquele espaço,sempre haverá cartazes temáticos como formade ir registrando as descobertas realizadas aolongo do projeto.

Objetivo:refletir sobre as relações entre a hu-manidade e a água, no sentido da preservaçãoambiental e da sobrevivência humana, bemcomo produzir sínteses a respeito das investi-gações das crianças.

Desenvolvimento do trabalho

1 – Discuta com os estudantes o projeto: ob-jetivo, necessidade de envolvimento de to-dos, responsabilidade de cada um e produtofinal. Discuta o projeto com os pais/comuni-dade, no sentido de ter a adesão deles em rela-ção à finalidade desse trabalho , assim comopossíveis contribuições.

2 – Com o objetivo de os estudantes falaremespontaneamente sobre o assunto, inicie a re-flexão conversando com eles sobre os proble-mas relativos, por exemplo:

- à escassez da água no planeta e em certasregiões;

- aos efeitos da poluição sobre as fontes deágua;

- ao consumo exagerado em algumas regiões;

- ao desperdício na nossa higiene e limpeza.

2. a – Faça com as crianças cartazes sobre es-ses temas levantados e afixem no lugar já re-servado para isso.

3 – Para ampliar essa primeira reflexão, peçaque as crianças pesquisem a respeito da rela-ção do homem com a água, no que se refereao desenvolvimento da agricultura e do co-mércio, como, por exemplo:

- os rios Tigres e Eufrates, que ficam às mar-gens do Rio Nilo e foram fundamentaispara a civilização egípcia antiga;

- o Rio São Francisco, no Brasil, e seu pa-pel para as populações ribeirinhas;

- as nações indígenas e sua proximidade aoscursos de água;

- o(s) rio(s) da região em que vivem os estu-dantes e seu significado para a população.

3.a – Faça mais cartazes sobre o projeto,enfatizando, nesse momento, as relações “hu-manidade/homem” já referidas e outras queconsiderarem importantes.

4 – Faça você, professor(a), uma pesquisa so-bre poetas, pintores, músicos e outros artistasque tenham tematizado a água em suas obras(incluindo a falta dela). Traga para a turma oque for possível mostrar dessa pesquisa. Essa éuma boa oportunidade de conversar a respei-to dos simbolismos ligados à relação entre ahumanidade e a água: os artistas, com sua sen-sibilidade, captam questões primordiais queafetam a todos.

Veja, como ilustração dessa idéia, um trechode um belo poema de Manoel de Barros, nos-so poeta pantaneiro:

ÁguasDesde o começo dos tempos águas echão se amam.Eles se entram amorosamenteE se fecundam.Nascem formas rudimentares de seres ede plantasFilhos dessa fecundação.Nascem peixes para habitar os riosE nascem pássaros para habitar asárvores.Águas ainda ajudam na formação dasconchas e dos caranguejos.As águas são a epifania da Natureza.Agora penso nas águas do PantanalNos nossos rios infantisQue ainda procuram declives paracorrer.[...](poema escrito para a Empresa deSaneamento do Governo do Estado deMato Grosso do Sul – Sanesul)

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5 – A partir das três reflexões anteriores e pro-curando aproximar mais as crianças da respon-sabilidade individual em relação à preservaçãoda água no planeta, é possível discutir uma si-tuação-problema que será foco da investiga-ção das crianças como, por exemplo: de queforma o lugar em que vivo cuida da água doplaneta? Não precisa ser exatamente essa aquestão. Faça com os estudantes uma rela-ção de questões que sejam mais próximas docontexto em que eles vivem e selecionem umapara o trabalho.

6 – Escolhido o tema do projeto, iniciem ainvestigação e seus registros em cartazes. Su-pondo que a questão seja a explicitada no itemanterior, é possível organizar as crianças paradiferentes pesquisas:

- o uso da água na região ou município: querios abastecem a cidade? Há um órgãomunicipal de saneamento básico? HáOrganizações Não-Governamentais(ONGs) que trabalham com a questão?O que pensam os moradores sobre oabastecimento de água na cidade? Essaspodem ser algumas fontes de pesquisa...

- o uso da água na família dos estudantes:há água encanada na casa? Como aágua é usada na família? É possível ain-da fazer pesquisa de medição, com con-ta de água e também com vasilhas parasaber com quantos copos de água, porexemplo, se lava uma louça do almoço...

- o uso da água na escola: qual é a capaci-dade dos reservatórios/caixas de águaque há na escola? como é o uso da águapelos vários setores da escola? como osfuncionários usam a água? e os alunos?

7 – Em dias, previamente, marcados, as crian-ças trazem até onde conseguiram pesquisar,comparam suas investigações e vão constru-indo respostas para o tema do projeto. Essasrespostas vão sendo divulgadas nos cartazes.

8 – No fim do projeto, cujo tempo foi determi-nado por vocês, elaborar uma grande síntese,em forma de colagens, por exemplo, e divul-gar para a escola e a comunidade.

AAAAAtividades de sistematizaçãotividades de sistematizaçãotividades de sistematizaçãotividades de sistematizaçãotividades de sistematização

1 - O que é

São atividades destinadas à sistematização deconhecimentos das crianças ao fixarem con-teúdos que estão sendo trabalhados. Em rela-ção à alfabetização, são os conteúdos relativosà base alfabética da língua ou ainda às conven-ções da escrita ou aos conhecimentos textuais.Em outras áreas curriculares, podem ser con-teúdos que ajudem a compreender ou trabalharoutros assuntos/temas, como as misturas decores como geradoras de outras cores, a diversi-dade do mundo animal para compreender asrelações interdependentes da vida no planeta,o conhecimento de aspectos do corpo humanocomo forma de cuidar melhor da própria saúde,etc. Lembrar ainda que as atividades de siste-matização podem ser lúdicas, como os jogos.

2 - Sugestões

A - Oficina de produção de textos (para osprojetos, por exemplo)

Em que se selecionam alguns gêneros textu-ais, para que as meninas e meninos escrevam,tendo em vista um projeto e, portanto, uma de-terminada finalidade e um determinado leitor:as crianças da mesma classe, de outra classe, deoutra escola ou, ainda, os pais e a comunidade.

O que importa é reservar momentos, previa-mente acordados com o grupo, em que se de-cida, coletivamente, para que, para quem, oque e como escrever.

Para isso, é necessário também que as criançastenham modelos/referências de textos e assuntos/

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temas do que se vai escrever. E mais: que seviva a escrita como um processo: planejando aprodução, em função do projeto; fazendo vá-rias versões até a versão final; discutindo pos-sibilidades melhores ou mais eficazes deexpressão de certas palavras, enunciados, idéi-as, tendo em vista o leitor do texto.

a) Dois gêneros textuais para o projeto“Nossa cidade, nossa casa”

A entrevista (oral ou escrita)

Quanto à situação de produção do texto

crianças pesquisando, para um projeto da es-cola, a cultura local, por meio de seus mora-dores, representantes legais, governantes;produtos finais a ser divulgados para a escola ecomunidade. (Elementos da situação: quem/para quem, com que finalidade e lugar de cir-culação da produção).

Escolher as pessoas que serão entrevistadas,entrar em contato, marcando hora e local daentrevista. Prepara-la, fazendo uma lista deperguntas ou pauta para o diálogo. Tambémreservar um espaço para o entrevistado falarlivremente, sem pergunta específica. Anotarou gravar as respostas.

Roteiro para a realização da entrevista

explicação do entrevistador sobre o projeto e suasfinalidades para o entrevistado conhecer o con-texto de sua contribuição; dados do entrevista-do (nome completo, idade, tempo na cidade,profissão, etc); o que conhece sobre a culturalocal e como participa dela; quais contribuiçõespensa ser possível oferecer ao projeto.

Organização do texto

A entrevista, nesse projeto, pode ter duas fi-nalidades: ser um instrumento de coleta dedados para o projeto, tendo um caráter “in-terno” a ele; ser um texto a ser publicado, no

sentido de ser divulgado também na mostracultural.

No primeiro caso, as respostas vão ser traba-lhadas para alimentar o tema do projeto. Nosegundo, a produção deve ser trabalhada, apartir da idéia de que muitos vão ler (porexemplo,numa pequena publicação, talvez,com o título “Nossos entrevistados”) ou ouvir(se for entrevista gravada para ser ouvida namostra pelos interessados, o que requer umaqualidade de audição).

A linguagem

como se trata de uma situação formal de textoem que há assimetria entre entrevistado eentrevistador, essa é uma boa oportunidade deas crianças exercitarem uma “linguagem dedomingo”, ou seja, falar de forma mais cuida-da, procurando não usar gíria, escolhendomelhor as expressões que vai usar. Essa ques-tão também deve ser objeto de discussão comos estudantes. Sabemos que, mesmo com ospequenos, isso é possível, pois também navida, não só na linguagem, eles vivem situa-ções formais ou informais.

Carta-requerimento

Quanto à situação de produção do texto

a mesma do gênero textual anterior. E mais:escolher as instituições e pessoas para quemserão endereçadas as cartas, pesquisando no-mes e cargos, endereço completo, e, por fim,subscrevendo o envelope, com destinatário eremetente.

Organização do texto da carta

ler cartas variadas, especialmente, as cartaspessoais, para distingui-las da carta-requeri-mento que é mais formal e argumentativa,porque é para um adulto “não-familiar” e énecessário convencê-lo a aceitar a demandafeita pelos autores da carta. A diagramação dacarta é um modelo fechado, em que constam:data; expressão de polidez, como: “Prezado”,

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“Ilustríssimo”, “Caro” mais nome do desti-natário e cargo; corpo da carta; fórmula de des-pedida e assinatura/nome do(s) remetente(s).

A linguagem

como se trata de uma situação formal de tex-to, a linguagem deve ser trabalhada, tendo emvista vocabulário específico, polidez e seguran-ça na argumentação. As várias questões lin-güísticas para uma produção textual precisamser discutidas/ensinadas para as crianças:

- Podemos tratar a pessoa de você? Por quê?

- Quais palavras serão usadas para conven-cer a pessoa da necessidade de permitir aida dos estudantes aos locais de pesquisa/estudo? É conveniente dizer “nós exigi-mos”? Que diferença há quando dizemos“solicitamos”, “pedimos”?

- Como vamos explicar o projeto para odestinatário da carta? Vamos contar tudo?É possível fazê-lo numa carta? Como va-mos sintetizar a explicação, sem perder aessência do projeto?

Enfim, são muitas as possibilidades de refle-xão sobre a linguagem que se usa para escre-ver ou falar, tendo em vista a situação decomunicação...

b) Um gênero textual para o projeto“Nossa rotina, nossas aprendizagens”

Lista

Quanto à situação de produção do texto

crianças e professor(a) vivendo o cotidiano detrabalho na sala de aula, necessitando organi-zar dados.

Organização do texto

identificação da necessidade da lista cujos cri-térios e disposição gráfica (vertical? horizon-tal?) são discutidos com as crianças, bem comoo título da lista que representa a unidadetemática do texto.

A linguagem

seleção de objetos, nomes de pessoas, ingredi-entes (a depender do que trata a lista). E ain-da seus quantitativos, como por exemplo, oacervo da classe: 6 livros de fábulas, 8 gibis, 4livros com imagens, etc (em diagramação ho-rizontal) ou em diagramação vertical:

- 6 livros de fábulas;

- 8 gibis;

- 4 livros com imagens; etc.

c) Um suporte de texto para o Projeto:“Água: minha vida/nossa vida”

Cartaz

Quanto à situação de produção do texto

o cartaz, socialmente, é usado para divulgareventos: festas, exposições, espetáculos, etc. Naescola, o cartaz é usado também para registrare divulgar estudos/descobertas dos estudantes.Em ambos os casos, há a necessidade de serbem compreendido pelos leitores, e bem tra-balhadas sua finalidade. No caso do projetoacima referido, ele prevê vários “cartazestemáticos” que divulgarão as várias descober-tas das crianças.

Organização do texto

analisar cartazes variados, selecionados pelo(a)professor(a) e pelos alunos, atentando para suascondições de produção e suas características.As produções podem ser feitas em duplas, emforma de primeira versão e, depois revisadas,coletivamente, para elaboração de uma segun-da versão, levando em conta tanto o sistemade escrita e suas convenções, quanto a orga-nização do gênero textual.

A linguagem

as várias questões lingüísticas para a produçãotextual de um cartaz precisam ser discutidas/ensinadas para as crianças:

- necessidade de a informação ser sintética,para poder ser lida, rapidamente, por umleitor transeunte;

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- palavras e expressões argumentativaspara convencer o leitor a se interessarpelo tema do cartaz ;

- expressões chamativas para atrair a aten-ção do leitor;

- diagramação/tamanho e tipo de letra quesejam legíveis à distância;

- presença ou não de ilustrações.

B - Jogos para alfabetização ou outras áreas

Podemos considerar atividades de sistematiza-ção, como foi sugerido no capítulo Letramentoe alfabetização: pensando a prática pedagógica:

- atividades com palavras significativas;

- brincadeiras com a língua: músicas, can-tigas de roda, parlendas, poemas,quadrinhas, adivinhas, palavras cruza-das, adedonha, etc.;

- “três tipos de jogos: (1) os que contem-plam atividades de análise fonológicasem fazer correspondência com a escri-ta; (2) os que levam a refletir sobre osprincípios do sistema alfabético, ajudan-do os estudantes a pensar sobre as cor-respondências grafofônicas (isto é, asrelações letra-som); (3) os que ajudam asistematizar essas correspondênciasgrafofônicas.”

No capítulo “O brincar como um modo de ser eestar no mundo”, há sugestões de atividadeslúdicas como recursos pedagógicos: “bingos,enigmas, palavras cruzadas para trabalhar co-nhecimentos de leitura e escrita, jogos ma-temáticos envolvendo conceitos de número,jogos de perguntas e respostas sobre conheci-mentos científicos, jogos teatrais com ênfase nouso da linguagem verbal e gestual”, que tam-bém constituem atividades de sistematização.

Algumas considerações aindaAlgumas considerações aindaAlgumas considerações aindaAlgumas considerações aindaAlgumas considerações ainda

Como o princípio maior que regeu a elaboraçãodesse capítulo é que “todo professor é professor

de linguagem”, espera-se que as questões doler/ escrever e do falar/ouvir tenham sido com-preendidas, em relação a todas as áreas do co-nhecimento do Ensino Fundamental —ciências sociais, ciências naturais e as lingua-gens —, na perspectiva de que os conteúdosestejam articulados a partir do eixo da lingua-gem.

Esclareça-se também que as modalidades deorganização do trabalho pedagógico sugeridasnão se restringem ao trabalho com as criançasde 6 anos, por isto podem estar presentes emtodo o Ensino Fundamental (e outros segui-mentos), a partir dos mesmos princípios, naperspectiva de aprofundar e sistematizar deter-minados conteúdos ou trazer outros tantosconteúdos, considerados relevantes pelo gru-po-escola e/ou sistema de ensino ao qual amesma se vincula.

Outro aspecto do trabalho com as modalida-des organizativas é a sua extrema flexibilida-de, a depender dos objetivos e necessidadesdo(a) professor(a), turma, escola. É possívelescolher uma modalidade para uma determi-nada área do conhecimento, outra para umgênero textual ou outra ainda para um certotema/assunto, durante um tempo fixado e istose alterar, num outro momento. É possíveltrabalhar com as quatro modalidades para ummesmo tema/assunto ou área ou gênero. Evi-dentemente, não se trata de mudar de umamodalidade para outra, como forma simples-mente de variar, mas sim de o/a professor(a) irpesquisando as potencialidades dessas práticas,no que se refere à realidade de seu trabalhopedagógico e ao tempo de aprendizagem decada estudante, em particular e da turma,em geral.

As sugestões feitas são apenas possibilidadesque não substituem as intenções e ações do(a)professor(a) em seus conhecimentos e sua ati-tude investigativa, em relação aos estudantes,uma vez que é ele/ela quem conhece sua turma,

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observa-a, registra suas descobertas e debate-as com seus pares, também educadores.

Enfim, as possibilidades de trabalho foramsugeridas nesse e nos demais capítulos, semperder de vista que as decisões finais quem tomaé sempre o/a professor(a), o que, sem dúvida,será potencializado se ele/ela o fizer, junto comseus pares, num permanente processo de apren-der e de ensinar, coletivamente. Nosso pro-pósito foi contribuir com nossas reflexões,estudos e práticas, tal qual um artesão que teceseu trabalho, no diálogo com outros profissio-nais. Bem-vindos à roda!

Algumas possibilidades para aAlgumas possibilidades para aAlgumas possibilidades para aAlgumas possibilidades para aAlgumas possibilidades para aformação continuadaformação continuadaformação continuadaformação continuadaformação continuada

Tendo em vista, uma concepção de formaçãocontinuada de professor que tem na práticadocente o seu foco de reflexão e de ação, assugestões a seguir podem ser desenvolvidas,tanto em situações de formação dos professo-res na própria escola, em horário coletivo –em que os educadores discutem suas práticas –quanto em formação orientada pelo sistemade ensino local. Para isso, é necessário que seconstitua um acervo de formação, não só comesses materiais, mas também com outros quepossam contribuir para essa finalidade.

Como o material Letra Viva é videográfico,há que se pensar na especificidade dessa lin-guagem, bem como formas de abordá-la, emsituação de formação continuada de docen-tes.

O trabalho com vídeos pedagógicos pressu-põe debater seus objetivos, conteúdos,metodologia e linguagem específica, o quedemanda preparação prévia, para que se pos-sa antecipar questões, levantar temas e esta-belecer relações entre o programa e aformação.

No que se refere à linguagem, os programasem vídeo e os filmes articulam texto escrito,falado, som e imagens e esse entrecruzamento

de linguagens pode ser objeto de reflexão naformação, uma vez que a leitura de várias lin-guagens é essencial na sociedade em que vi-vemos. Saber ver uma imagem, um filme é tãonecessário quanto aprender a ler e a escrever.“...as imagens, assim como as palavras são asmatérias de que somos feitos” (Manguel, 2001).

O uso desse material pode ser uma boa opor-tunidade de trabalho coletivo. Os própriosprofessores/professoras de uma mesma escolaou ainda de escolas diferentes, numa mesmaDiretoria de Ensino ou Secretaria de Educa-ção podem elaborar pequenas resenhas e/ouroteiros de discussão, com os filmes e vídeosaqui apresentados. Esse material produzidopode fazer parte do acervo da biblioteca ouvideoteca das escolas.

Novamente, enfatizamos que apresentaremossugestões de trabalho com vídeos e filmes, en-tendendo-as como processos de ensino, sem-pre contextualizados, sempre inacabados, enão exemplos únicos e definitivos, para se-rem seguidos.

Sugestões de filmes comerciaisSugestões de filmes comerciaisSugestões de filmes comerciaisSugestões de filmes comerciaisSugestões de filmes comerciaiscom temáticas que interessam acom temáticas que interessam acom temáticas que interessam acom temáticas que interessam acom temáticas que interessam a

educadores, e programaseducadores, e programaseducadores, e programaseducadores, e programaseducadores, e programaseducativos específicos doseducativos específicos doseducativos específicos doseducativos específicos doseducativos específicos dosProgramas “Proinfantil” eProgramas “Proinfantil” eProgramas “Proinfantil” eProgramas “Proinfantil” eProgramas “Proinfantil” e

“Letra V“Letra V“Letra V“Letra V“Letra Viva”iva”iva”iva”iva”

filmes relacionados a “infância e cultura”

1 - A hora da estrela – direção: Suzana Amaral

2 - Adeus meninos – direção: Louis Malle - 1987

3 - Anna dos 6 aos 18 – direção: NikitaMikhalkov - 1979

4 - Kiriku e a feiticeira – direção: Michel Ocelot– 1998

5 - Linéia no jardim de Monet – direção:Christina Bjork e Lena Anderson – 1992

6 - Quando tudo começa – direção: BertrandTavernier – 1999

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7 - Coleção Crianças Criativas – VídeosMultirio:

Shakespeare: histórias animadasProdução: S4C / BBC / Soyufilm /Christmas FilmUm Sonho de CriançaTítulo original: A child´s dreamDireção: Danièle RoyViva a DiferençaTítulo original: Different is beautifulDireção: Anne Bramard-BlagnyO Que é Isso?Título original: What is that?Direção: Ulpu TolonenOMundo Encantado de Richard ScarryTítulo original: The Busy World ofRichard ScarryDireção: Greg Bailey e Pascal Morelli

Filmes relacionados a crianças, adultos ea gestão da educação para a infância.

1 - A classe operária vai ao paraíso – direção:Eliso Petri, Itália, 1971

2 - A invenção da infância – direção: LilianaSulzbach, Brasil, 2000

3 - O garoto – direção: Charles Chaplin, Esta-dos Unidos, 1921

4 - Tempos modernos – direção: CharlesChaplin, Estados Unidos, 1936

5 - Cinema Paradiso – direção: GiuseppeTornatore, Itália, 1989

6 - O carteiro e o poeta – Michael Radford,1994

7 - O nome da rosa – Umberto Eco, 1999

8 - Sociedade dos poetas mortos – Peter Way,1989

9 - Abril despedaçado – Walter Salles, 2001

10 - Jardim Secreto - Agnieszka Holland, 1993

11 - Dá um sorriso pra titia - Diane Paterson

12 - Haroldo vira gigante - Crokett Johnson

13 - Estatuto do futuro – CECIP – 1997

14 - O lobo que virou bolo – Realização:CINDEDI

15 - Promessas de um novo mundo – Dire-ção: B. Z. Goldberg, Justine Shapiro e CarlosBolado - 2001

16 - Um ambiente para a infância – Realiza-ção: CINDEDI

17 - Vídeos do acervo da Central de Produ-ções UFRGS/FACED/Porto Alegre:

no 401 - Do Brique ao Brincar e aprender

no 421 - Caixas temáticas

Vídeos relacionados aos “Contextos deaprendizagem e trabalho docente”

1 - Vídeos Multrio:

MatildaProdução: Czech Television / ANIMAs.r.o.Direção: Josef LamkaAs Crianças PerguntamProdução: Brown Bag FilmsDireção: Darragh O. ConnellOs MultochesProdução: France 2 / B. ProductionsDireção: Joanne Marie CianoE se eu fosse um bicho?Produção: Télé Images NatureDireção: Frédéric Lepage e EricGonzalezMaça VerdeTítulo original: Green animationsGrupo dos CincoProdução: ABC Natural History UnitDireção: Nick HilligossO Divertido Mundo dos BichosProdução: Alizé ProductionsDireção: Robi Engler

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Resenha crítica: uma possibilidadeResenha crítica: uma possibilidadeResenha crítica: uma possibilidadeResenha crítica: uma possibilidadeResenha crítica: uma possibilidade

Fazer uma resenha é sintetizar propriedades deum objeto/ acontecimento/texto/obra cultural,levantando seus aspectos relevantes. A finali-dade da resenha “dirige” sua elaboração: paraquem é? onde será publicada?

A resenha crítica traz apreciações, julgamen-tos de quem a elaborou sobre as idéias doautor, o valor da obra, além de um resumoque apresente os pontos essenciais da obraresenhada.

Veja um exemplo, que elaboramos, com o fil-me “Quando tudo começa”

QUANDO TUDO COMEÇA

Gênero: drama

Direção: Berthand Tavernier

Filme francês, 117 minutos, colorido, produ-zido em 1999, recebeu Prêmio da Crítica doFestival de Berlim,nesse mesmo ano.

O filme é considerado um semidocumentário,porque é baseado em histórias reais de profes-sores de uma escola pública de uma região daFrança, com crianças de educação infantilcujos pais vivem uma situação de miséria edesemprego.

O filme, sensível e realista, apresenta uma sé-rie de situações enfrentadas pelo diretor e suaequipe no trabalho, sempre às voltas com umsentimento de impotência diante da realida-de das crianças e da escola como um todo.

A vida pessoal do diretor entrelaça-se com seutrabalho na escola, em função das crianças esuas famílias. É comovente acompanhar a lutade Daniel, das professoras e da pediatra queinsistem e se envolvem com as questões de cadacriança.

Alguns episódios demonstram que, também naFrança, a Educação sofre com os males queafetam a sociedade contemporânea em todo

mundo: desemprego, pobreza, desajustes fami-liares, governantes ineptos, instituições comnovos papéis, etc.

Roteiro de discussão: outraRoteiro de discussão: outraRoteiro de discussão: outraRoteiro de discussão: outraRoteiro de discussão: outrapossibilidadepossibilidadepossibilidadepossibilidadepossibilidade

O(s) elaborador (es) dos roteiros pode (m) le-var em conta os três momentos já referidosnesse capítulo, em relação às estratégias de lei-tura. Vamos exemplificar também com o fil-me “Quando tudo começa”.

Momento A –Antes do filme

Levantar alguns indicadores e conhecimentosprévios dos professores/professoras que contri-buam para a compreensão do que se vai assistir:

1 – Direção/produção/data ou outros indicadoresimportantes:

- o diretor Bertrand Tavernier é francês cujascríticas cinematográficas foram publicadas nosfamosos “Cahiers du Cinema” e também foiassistente de Godard, o famoso diretor do ci-nema francês;

- o filme recebeu o Prêmio da Critica no Festi-val de Berlim, em 1999.

2 – Gênero do filme: semidocumentário, poisTavernier recria histórias reais que ouviu deprofessoras francesas, no interior da França, emsuas dificuldades, numa “nova” França, comaltos índices de desemprego.

3 – Assunto/tema:

- discutir o título do filme, para levantar hipó-teses sobre seu tema. O que esperam encon-trar numa película com esse nome?

4 – Levantamento dos objetivos de leitura/de aná-lise do que se vai assistir, relacionados a seguir,no momento B.

Momento B - Durante o filme

Em que os professores/professoras assistem àpelícula, cujo foco está nos objetivos estabele-cidos, no momento anterior:

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1 - A relação entre “escola e família”;

2 - A escola como instituição na França;

3 - As práticas pedagógicas da escola;

4 - O papel do diretor da escola.

É possível organizar o grupo que assiste ao fil-me, de forma que cada um preste mais aten-ção em um objetivo acima explicitado,anotando aspectos, para depois poder alimen-tar a discussão, no momento C. É desejávelque o assistir ao filme tenha algumas pausas,em que se retorne a fita em algum episódio ouque se repitam certos momentos, pois a finali-dade de uma atividade como essa é sempreeducativa e não recreativa apenas.

Momento C – Depois do filme

1 – Refletir sobre as expectativas que tinham,a partir do título e outros indicadores discuti-dos no momento A.

2 – Conversar sobre cada objetivo de análisedo momento B, a partir das anotações feitaspelo grupo:

A relação entre “escola e família”: deque forma os problemas financeiros dasfamílias afetam as crianças na escola/ oproblema de criança que sofre maus tra-tos/ a falta de aula prejudica as mães, poisprecisam trabalhar/ a mãe que mata osfilhos e se suicida/ a porta da escola comolugar de conversa das famílias, que in-clui seus problemas e dificuldades/ o di-retor que vai até a casa de uma dascrianças para ajudar, etc.

A escola como instituição na França: o fatode ser uma escola pública e cooperati-va/ a inspetoria/ a promoção funcionaldo diretor por meio de nota/ a relaçãoentre a escola e a saúde/ a escola e a as-sistência social/ a reunião do diretor comas professoras/ o depoimento da profes-sora mais velha sobre as diferenças en-tre a escola “ de antes” e a atual escolana França, etc.

As práticas pedagógicas da escola: o dire-tor participa das atividades pedagógicascom as crianças/ as crianças cantam egesticulam/ a língua oral é objeto deensino e aprendizagem/ o diretor con-versa com a professora que puxou o ca-belo de um menino.

O papel do diretor da escola:sua funçãopedagógica/ os vários afazeres na escola/o carinho com as crianças/ a participa-ção nas instâncias superiores/ sua rela-ção com as famílias, etc

3 – A forma como o roteiro do filme vai “cos-turando” a vida do diretor da escola e seu tra-balho: Daniel é apresentado como pessoa enão apenas como profissional/ o diretor temuma vida modesta com a mulher e o filho dela/a origem do diretor também é popular: seu paiera mineiro/ sua vida profissional é fonte deinspiração para escrever e expressar suas dúvi-das, angústias, sonhos/ sua dedicação intensacom o trabalho, etc.

4 – As semelhanças e diferenças entre a realida-de pedagógica mostrada no filme e a do Brasil:

- semelhanças: problemas de infra-estrutura daescola/ uma professora mais velha tem nostal-gia da educação de antigamente/escola depre-dada/ o pai caminhoneiro leva o caminhãopara as crianças conhecerem/reuniões burocrá-ticas que não ajudam/ reuniões pedagógicaspara tratar das questões das crianças/trabalhocom a oralidade da criança/ser ou não sindi-calizado/ festa na escola/ solidariedade das co-legas e diretor, quando a professora deixa de irà escola por alguns dias devido à morte da alu-na Laetitia/a comunidade ajuda na festa;

- diferenças: escola pública e cooperativa, comespaço físico mais adequado, o que nem sem-pre é realidade brasileira/ inspetor assiste à aulado diretor/ atividades pedagógicas do diretor/a pediatra faz trabalho conjunto com a escola/promoção do diretor, por meio de nota.

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5- Conversar sobre a atividade final do filme:crianças organizando a festa junto com o dire-tor, sua mulher e filho, professoras, comuni-dade. As crianças se divertem muitopreparando a festa, especialmente, no traba-lho com as tintas.

6- Discutir ainda a linguagem cinematográfi-ca do filme:

- a paisagem francesa, compondo uma espéciede quadros de pintura, sempre num clima frio,europeu;

- músicas leves de fundo;

- as cenas com as crianças: olhos, sorrisos, vo-zes compondo o universo infantil e encan-tando o espectador.

7- E se os professores/professoras do grupo fi-zessem um filme sobre ensino/educação: quetema escolheriam? Que roteiro inicial fariam?Contar com alguém que entende mais do as-sunto poderia ajudar bastante... Bom traba-lho!!! Bom filme!!!

PROGRAMA LETRA VIVPROGRAMA LETRA VIVPROGRAMA LETRA VIVPROGRAMA LETRA VIVPROGRAMA LETRA VIVAAAAA

Acervo do Letra Viva:programas de vídeo pro-postos, a partir de cenas que contemplam asreflexões de um grupo de professoras da Edu-cação Infantil e Ensino Fundamental, o queconstitui um importante instrumento de for-mação, por meio do qual o/a professor(a) podeampliar suas estratégias didáticas, aorepertoriar outros procedimentos, constituin-do seu aprendizado, também tendo em vistao fazer do outro.

Objetivo: refletir sobre práticas de leitura/es-crita e de diferentes linguagens

Organização do programa:são dez programas emque professoras de Educação Infantil e EnsinoFundamental, em contexto de formação con-tinuada, enfocam suas práticas pedagógicas,tendo como pano de fundo, cenas de sala deaula, com professoras e estudantes, em situa-ções de aprendizagem/ensino que são referên-cias para a discussão do grupo de formação.

Títulos dos programas:

1. Junto se aprende melhor

2. Leitura também é coisa de criança

3. Infância, cultura e educação

4. Saberes que produzem saberes

5. Para ser cidadão da cultura letrada

6. Escrita também é coisa de criança

7. O planejamento na prática pedagógica

8. Planejamento: uma atividade é só umaatividade

9. Para aprender a escrever

10. Crianças: protagonistas da produção cultural

Temas: diversidade cultural, avaliação dossaberes das crianças, planejamento, interaçãoe trabalho em colaboração, propostas de pro-dução e leitura das crianças, produções infan-tis de diferentes tipos

Resenha crítica: uma possibilidade

Programa: “Saberes que produzem saberes”

Duração: 30’ e 53’

Conteúdos: o que sabem e pensam as crian-ças; como comunicam seus saberes; as propos-tas pedagógicas para ampliar os conhecimentosdas crianças.

O programa selecionado é o segundo episódioda série “Letra Viva” cujos temas são os sabe-res das crianças sobre a escrita e quais inter-venções pedagógicas são importantes para quese possa ampliar os conhecimentos dos estu-dantes a respeito.

O programa apresenta (como nos demais) umgrupo de professoras de Educação Infantil eEnsino Fundamental, em situação de formaçãocontinuada, discutindo suas práticas pedagógi-cas. Assim, não é apenas “o que discutem” queé importante, mas “para quê” e “como” o fa-zem. A situação de formação retratada pode ser

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também objeto de nossas reflexões: a“horizontalidade” da conversa das cinco pro-fessoras, ou seja, todas têm voz, sem que hajauma hierarquia rígida de coordenação. Outroaspecto é a escolha de mostrar “cenas deaprendizagem explícita”, como objeto deestudo do grupo, com elas mesmas e suas cri-anças, em situações na escola, ou outras edu-cadoras cujas práticas também acabam porrecomendar.

As professoras refletem sobre seu trabalho deforma clara, objetiva e firme, admitindo atémesmo equívocos do passado, como, por exem-plo, etiquetar portas, janelas, armários com seusnomes, acreditando que, assim, estavam aju-dando as crianças a terem contato com a es-crita, desconsiderando, porém, os sociais damesma ou a língua fora dos muros da escola.

O foco da investigação pedagógica é tambémmuito enfatizado, para que o/a professor(a) pos-sa, cada vez mais, saber olhar, saber compreen-der o que realizam as crianças. Nesse sentido, oprograma investe na idéia de processo do edu-cador que aprende com sua turma, com suaprática e com seus pares.

Roteiro de discussão: outra possibilidade

Programa: “Saberes que produzem saberes”

Objetivo: refletir sobre os processos de traba-lho pedagógico, levando em conta um mate-rial videográfico.

Desenvolvimento do trabalho

Um bom encaminhamento para trabalhar comos programas da Série “Letra Viva” pode serorganizar os professores/professoras em gru-pos, para que cada um se responsabilize porassistir a um programa da série, preparando adiscussão para os demais, por exemplo, pormeio de um roteiro, como estamos aqui, pro-curando fazê-lo.

Um aspecto importante do trabalho comvídeos pedagógicos é a forma de abordá-lo,

uma vez que não é um filme comercial ao qualassistimos no cinema ou até mesmo em casa.A abordagem, necessariamente, será prepara-da, a partir da seleção de aspectos, temas oucenas em que se pára a fita, para que o grupoem formação possa discutir, de forma maisaprofundada, no momento, ou até mesmo,demandando mais pesquisas e estudos, em oca-siões futuras.

Quanto ao programa “Saberes que produzemsaberes”:

1 – Começar discutindo o título do programa,levantando, entre outras, questões, como: quesaberes podem ser esses? como um saber podeproduzir outro? Professor(a) ensina estudantee o inverso também é verdadeiro?

2 – Analisar a relação entre a música de SandraPerez e Luiz Tati “Já sabe” que abre o progra-ma e o tema do programa. Analisar também osaspectos não verbais dessa abertura: criançasbrincando, cantando, conversando, lendo,desenhando.

3 – Refletir sobre os três grandes temas do pro-grama:

a) o que as crianças sabem e pensamsobre a escrita. Algumas cenas queexplicitam esses saberes:

- criança lê as regras da brincadeira do “Pulaelástico”;

- professora escrevendo na lousa a reproduçãodas crianças, a partir de um conto lido e co-nhecido delas;

- um livro produzido em um projeto com a tur-ma de uma das professoras do grupo de forma-ção, em que há a integração de váriaslinguagens, a partir da das propostas de um“Projeto”;

- professora faz leitura compartilhada com ascrianças;

- as escritas de crianças da turma de uma dasprofessoras do grupo de formação, mostradasem vídeo e analisadas por elas.

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b) como as crianças comunicam seussaberes sobre a escrita. Algumascenas:

- criança lê a própria produção;

- quando a criança fala também demonstra oque sabe sobre a escrita/leitura;

- criança escreve diferentes textos: lista, repro-dução de história, piada etc

c) o papel de investigação do(a)professor(a) sobre o que as criançassabem, para que as propostas pedagó-gicas sejam mais produtivas. Algumascenas:

- a fala de uma das professoras do grupo emque enfatiza que para investigar o que sabemas crianças, o/a professor(a) precisa saber an-tes quais são os seus próprios saberes (daí o tí-tulo do programa);

- como e para que se usa a escrita fora da escola,ou seja, seus usos sociais e não apenas escolares;

- investigação em situações formais ou no co-tidiano. A necessidade de o registro exercervárias funções: síntese, inferência, desenvol-vimento da prática docente (objeto de outroprograma da série);

- o apresentador do programa fala que o con-texto cultural, os pais e as brincadeiras das cri-anças sinalizam seus saberes diferentes;

- uma das professoras do grupo explicita que énecessário saber o que sabem as crianças parase poder agir sobre isso;

- professoras do grupo mostram seus registrossobre o que sabem as crianças, por exemplo,um registro em forma de uma ficha que trazdados sócio-econômicos das crianças e suasaprendizagens;

- o comentário de uma professora da Univer-sidade Federal de Rondônia sobre a necessi-dade de investigação do(a) professor(a);

- apresentador finaliza, defendendo que a in-vestigação é fundamental e isso pode ser feito,por meio de uma observação cuidadosa, aná-lises e registros sistemáticos.

4 – Analisar mais detalhadamente a cena emque uma das professoras do grupo mostra, emvídeo, as produções escrita de sua turma e aevolução de algumas crianças. Seu trabalhoexplicita a necessidade de articular a apren-dizagem do sistema de escrita e a aprendiza-gem da linguagem que se escreve (textos egêneros), especialmente por meio de textosmemorizados:

a parlenda “Hoje é domingo”; listas de títulosde Contos de Fadas, de animais, de doces dahistória “João e Maria”; piadas.

a) Qual é a atitude da professora diantedessas escritas?

b) Como ela as interpreta?c) Como ela explicita alguns avanços de

algumas crianças?

5 - Para concluir esse momento de trabalho,relacionar esse programa aos demais comoforma de compreender a série como um todo.

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Referências Bibliográficas

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JOLIBERT, Josette (Coord.). Formando crianças produtoras de texto. Porto Alegre: Artes Médicas,1994.

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FERREIRA, Jorge Luiz e SOARES, Mariza de C. A história vai ao cinema. Rio de Janeiro: Record,2001.

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TURNER, Graeme. Cinema como prática social. São Paulo: Summus, 1997.

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Coordenação do grupo de trabalho responsável pela elaboração do documento

Jeanete Beauchamp

Sandra Denise Pagel

Aricélia Ribeiro do Nascimento

Grupo de trabalho responsável pela elaboração do documento

Aricélia Ribeiro do Nascimento

Cecília Correia Lima Sobreira de Sampaio

Cleyde de Alencar Tormena

Jeanete Beauchamp

Karina Risek Lopes

Luciana Soares Sargio

Maria Eneida Costa dos Santos

Roberta de Oliveira

Roseana Pereira Mendes

Sandra Denise Pagel

Stela Maris Lagos Oliveira

Telma Maria Moreira

Vania Elichirigoity Barbosa

Vitória Líbia Barreto de Faria

Revisão de texto

Alfredina Nery

Luciana Soares Sargio

Apoio administrativo

Miriam Sampaio de Oliveira

Paulo Alves da Silva

Ficha Técnica

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