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1 1. Indicação bibliográfica Vanoye, Francis e Goliot-Lété, Anne – Ensaio sobre a análise fílmica. S.Paulo, ed. Papirus, 7ª ed., 2011. 2. Resumo Tendo em vista que a análise fílmica não é um fim em si – é uma prática que procede de um pedido, o qual está situado em um contexto (institucional). Porém, esse contexto é variável, e disso resultam demandas igualmente variáveis. A definição do contexto é fundamental para o enquadramento da análise. Dessa forma, a obra pretende transmitir alguns princípios, instrumentos, condutas válidas em todos os contextos, a partir do momento em que se parte de um objeto-filme para analisá-lo, ou seja, para desmontá-lo e reconstruí-lo de acordo com uma ou várias opções a serem precisadas. Está explícito o esforço por compreender exatamente os elementos expostos para o desenvolvimento da análise fílmica. Primeiramente, propõe alguns pontos de reflexão geral relativos à história das formas cinematográficas, as ferramentas da narratologia e os problemas da interpretação. Em seguida, propõe análises do plano isolado ao filme inteiro. Na segunda parte são apresentadas análises práticas – que não são exemplos, visto que se apresentam parciais, incompletas, e poderiam ser reduzidas, prolongadas ou reenquadradas. Apenas servem para completar as reflexões da primeira parte, operando o encontro entre princípios gerais e o material fílmico real. Filmes de Grifith, Hitchcock, Truffaut, Angelopoulos e Jarmush, entre outros, compõem o elenco das obras apresentado pelos autores para estimular o desenvolvimento da capacidade analítica (e crítica) em cinema. Os obstáculos à análise – Obstáculos de ordem material Foi possível ver algumas análises perseguindo em vão o mito de uma descrição exaustiva do filme. Empreendimento evidentemente fadado ao fracasso. (p.10). Analisar um filme implica que se veja e reveja o filme. Muitos críticos e teóricos cometeram erros baseando-se numa visão única de um filme. (p.11). O analista deverá estabelecer um dispositivo de observação do filme se não quiser se expor a erros ou averiguações incessantes. (...) Deve aprender a anotar, se proporcionar. (...) A partir do início do processo de análise, não se é mais um espectador “comum” (...). (p.11). Obstáculos de ordem psicológica A descrição e a análise vêm de um processo de compreensão, de (re)constituição de um outro objeto, o filme acabado passado pelo crivo da análise, da interpretação. (p.12). Analisar um filme não é mais vê-lo, é revê-lo e, mais ainda, examiná-lo tecnicamente. (...) desmontar um filme é estender seu registro perceptivo e, com isso, se o filme for realmente rico, usufruí-lo melhor. (p.12). O trabalho de análise tem dois motivos: a análise trabalha o filme, no sentido em que ela o faz “mover-se”, ou faz se mexerem suas significações, seu impacto. Além disso, a análise trabalha o analista, recolocando em questão suas primeiras percepções e impressões, conduzindo-o a reconsiderar suas hipóteses ou suas opções para consolidá-las ou invalidá-las. (p.12). Estamos cercados por um dilúvio de imagens. Seu número é tão grande, estão presentes tão “naturalmente”, são tão fáceis de consumir que nos esquecemos de que são o produto de múltiplas manipulações, complexas, ás vezes muito elaboradas. O desafio da análise talvez seja reforçar o deslumbramento do espectador, tornando, porém, esse deslumbramento participante. (p.13). Impressões, emoções e intuições nascem da relação do espectador com o filme. A origem de algumas delas pode dizer mais do espectador que do filme (porque o espectador tende a projetar no filme suas próprias preocupações). O filme, no entanto, permanece a base na qual suas projeções se apoiam. (p.13). O que é analisar um filme? A análise fílmica significa duas coisas: a atividade de analisar e o resultado dessa atividade. A reflexão que se segue questiona, sobretudo, a atividade. (p.14).

Ensaio sobre a análise fílmica

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Fichamento do livro Ensaio sobre a análise fílmica, ed. Papirus, SP, 7ª edição, 2011.

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1. Indicação bibliográfica

Vanoye, Francis e Goliot-Lété, Anne – Ensaio sobre a análise fílmica. S.Paulo, ed. Papirus, 7ª ed., 2011.

2. Resumo

Tendo em vista que a análise fílmica não é um fim em si – é uma prática que procede de um pedido, o qual está situado em um contexto (institucional). Porém, esse contexto é variável, e disso resultam demandas igualmente variáveis. A definição do contexto é fundamental para o enquadramento da análise.

Dessa forma, a obra pretende transmitir alguns princípios, instrumentos, condutas válidas em todos os contextos, a partir do momento em que se parte de um objeto-filme para analisá-lo, ou seja, para desmontá-lo e reconstruí-lo de acordo com uma ou várias opções a serem precisadas.

Está explícito o esforço por compreender exatamente os elementos expostos para o desenvolvimento da análise fílmica. Primeiramente, propõe alguns pontos de reflexão geral relativos à história das formas cinematográficas, as ferramentas da narratologia e os problemas da interpretação. Em seguida, propõe análises do plano isolado ao filme inteiro.

Na segunda parte são apresentadas análises práticas – que não são exemplos, visto que se apresentam parciais, incompletas, e poderiam ser reduzidas, prolongadas ou reenquadradas. Apenas servem para completar as reflexões da primeira parte, operando o encontro entre princípios gerais e o material fílmico real. Filmes de Grifith, Hitchcock, Truffaut, Angelopoulos e Jarmush, entre outros, compõem o elenco das obras apresentado pelos autores para estimular o desenvolvimento da capacidade analítica (e crítica) em cinema. Os obstáculos à análise – Obstáculos de ordem material

� Foi possível ver algumas análises perseguindo em vão o mito de uma descrição exaustiva do filme. Empreendimento evidentemente fadado ao fracasso. (p.10).

� Analisar um filme implica que se veja e reveja o filme. Muitos críticos e teóricos cometeram erros baseando-se numa visão única de um filme. (p.11).

� O analista deverá estabelecer um dispositivo de observação do filme se não quiser se expor a erros ou averiguações incessantes. (...) Deve aprender a anotar, se proporcionar. (...) A partir do início do processo de análise, não se é mais um espectador “comum” (...). (p.11).

Obstáculos de ordem psicológica

� A descrição e a análise vêm de um processo de compreensão, de (re)constituição de um outro objeto, o filme acabado passado pelo crivo da análise, da interpretação. (p.12).

� Analisar um filme não é mais vê-lo, é revê-lo e, mais ainda, examiná-lo tecnicamente. (...) desmontar um filme é estender seu registro perceptivo e, com isso, se o filme for realmente rico, usufruí-lo melhor. (p.12).

� O trabalho de análise tem dois motivos: a análise trabalha o filme, no sentido em que ela o faz “mover-se”, ou faz se mexerem suas significações, seu impacto. Além disso, a análise trabalha o analista, recolocando em questão suas primeiras percepções e impressões, conduzindo-o a reconsiderar suas hipóteses ou suas opções para consolidá-las ou invalidá-las. (p.12).

� Estamos cercados por um dilúvio de imagens. Seu número é tão grande, estão presentes tão “naturalmente”, são tão fáceis de consumir que nos esquecemos de que são o produto de múltiplas manipulações, complexas, ás vezes muito elaboradas. O desafio da análise talvez seja reforçar o deslumbramento do espectador, tornando, porém, esse deslumbramento participante. (p.13).

� Impressões, emoções e intuições nascem da relação do espectador com o filme. A origem de algumas delas pode dizer mais do espectador que do filme (porque o espectador tende a projetar no filme suas próprias preocupações). O filme, no entanto, permanece a base na qual suas projeções se apoiam. (p.13).

O que é analisar um filme?

� A análise fílmica significa duas coisas: a atividade de analisar e o resultado dessa atividade. A reflexão que se segue questiona, sobretudo, a atividade. (p.14).

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A atividade analítica, em que consiste?

� Analisar um filme é como decompô-lo em seus elementos constitutivos. Parte-se do texto fílmico para ”desconstruí-lo” e obter um conjunto de elementos distintos do próprio filme. Assim, o analista adquire certo distanciamento do filme. A desconstrução pode ser mais ou menos aprofundada ou seletiva, segundo os critérios de análise. (p.15).

� Numa segunda fase, são estabelecidos elos entre esses elementos isolados e se compreende como eles se associam e se tornam cúmplices para fazer surgir um todo significante: reconstruir o filme ou fragmento. (p.15).

� O analista deve respeitar um princípio fundamental de legitimação: partindo dos elementos da descrição lançados para fora do filme, deve-se voltar ao filme quando da reconstrução, a fim de evitar reconstruir outro filme. Ou seja, não sucumbir à tentação de superar o filme. (p.15).

� A desconstrução equivale à descrição. A reconstrução corresponde ao que se chama de “interpretação”. (p.15). � As fraquezas encontradas em algumas análises de estudantes (ou de outros) podem ser: 1) a pessoa acredita estar

interpretando, reconstruindo, quando apenas descreve; 2) a pessoa tenta interpretar antes de ter descrito: faz uma paráfrase. (p.16).

� Outra fraqueza: sair definitivamente do filme para se entregar a uma fabulação pessoal. (...) ou o analista se compromete com uma hipótese falsa e tenta defendê-la até o fim. (p.16).

� Em casos mais comuns, o analista acredita nada ter a dizer sobre o filme, ou fica aterrorizado diante da ideia de emitir uma hipótese pessoal (...), refugiando-se na citação e na síntese de todos os escritos sobre o filme. (p.16).

� Na busca documentária, recolhem-se dois tipos de textos: de informação “geral” (relativos à filmagem, informações sobre o diretor e sua carreira, história do cinema...) e análises (o roteiro deve ser considerado à parte, pois também pode constituir um objeto de análise). (p.17).

� A análise da sequência de um filme exige tempo, perseverança; implica passar por uma série de tarefas obrigatórias e resistir em parte à sedução operada pelo filme. (p.19).

� A proposta é de que o analista se instale diante do filme ou fragmento sem tentar um esforço intelectual particular. Sugere um afrouxamento intelectual que permita uma percepção mais sutil, refinada do filme – de um certo modo mais “terna” e que pode se revelar muito produtiva. Ser um espectador “normal” por alguns momentos, deixar o filme falar, procurar sem buscar (...). (pág.20).

1ª Parte – Reflexões preliminares

� Analisar um filme é também situá-lo num contexto, numa história. Se considerarmos o cinema como arte, é situar o filme em uma história das formas fílmicas. (p.21)

� Um filme nunca é isolado. Participa de um movimento ou se vincula mais ou menos a uma tradição. (p.22). � Normalmente é atribuída a D.W. Griffith a elaboração da forma narrativa cinematográfica que serviria de

modelo aos clássicos hollywoodiano e europeu a partir de 1915. (...) O papel de Griffith não deve ser separado de todo um contexto, especialmente da instalação de um modo de produção racionalizada dos filmes nos grandes estúdios de Hollywood. (p.23).

� A continuidade narrativa é elaborada aos poucos com base nos princípios de homogeneização do significante visual (cenários, iluminação) e do significado narrativo (relações legendas/imagens, desempenho dos atores, unidade do roteiro), e do significante audiovisual (sincronismo imagem/som). O princípio de linearização é o modo como se vincula um plano ao plano seguinte: vínculo no movimento, no olhar e no som (inclusive em filmes mudos – “vemos” que o personagem “ouviu” algo). (p.23).

� Esses meios têm em comum o fato de que fazem o espectador “esquecer” o caráter fundamentalmente descontínuo do significante fílmico constituído de imagens coladas umas às outras. (p.24).

A narração fílmica “clássica”

� O cinema, a princípio situado sob a influência predominante da cena teatral, de sua decupagem em quadros e do ponto de vista que oferece sobre a história contada, vê suas formas narrativas conquistadas pelo romance. (...) O espectador de cinema, contudo, não é um leitor de romance: suas referências visuais devem se apresentar de modo que o espaço e o tempo da narrativa fílmica permaneçam claros, homogêneos e se encadeiem com lógica. (p.25).

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� As técnicas cinematográficas utilizadas na narrativa clássica serão, no conjunto, subordinadas à clareza, homogeneidade, linearidade e coerência, assim como a seu impacto dramático. (...) A narrativa normalmente está centrada num personagem principal ou num casal (regra reforçada pelo star system), de “caráter” desenhado com clareza, confrontado a situações de conflito. (p.25).

� Cada gênero comporta características específicas no plano dos conteúdos (tipos de personagens, intrigas, cenários, situações) e no das formas de expressão (iluminação, planos, cores, música etc.). (...) o espectador usufrui do prazer do reconhecimento sem correr o risco de ser perturbado por elementos de desordem estética.

Algumas tendências rebeldes ao classicismo

� A partir de 1914, o cinema americano, organizado de forma poderosa, invade as telas do mundo todo, impondo um modelo estético (MRI – Modelo de Representação Institucional). (p.26).

� O modelo enfrenta resistência na Europa – o cinema soviético dos anos 1920, após a Revolução de 1917, é utilizado pelo Estado como meio de propaganda (ideologia). (...) Os cineastas engajados no movimento revolucionário recusam fortemente o modelo hollywoodiano e suas opções individualistas (personagem principal, “estrelas”), seus objetivos puramente espetaculares e comerciais, seu modo narrativo alienante – onde o espectador “arrebatado” não tem possibilidade de refletir ou assumir um distanciamento crítico em relação à visão de mundo apresentada. (p.27).

� Cineastas como Vertov, por exemplo, irão reunir imagens filmadas por toda parte, para organizá-las num discurso que exprime uma visão comunista do mundo soviético. (p.27).

� Os cineastas que se voltam para a ficção (como Eiseinstein e Pudovkin) também não irão se contentar em apenas contar histórias: desejarão sublinhar as significações históricas dos acontecimentos, tornar patéticas as lutas de classe e exaltar as forças revolucionárias. (p.27).

� Com histórias sempre claras, os cineastas soviéticos não se preocupam em preservar a coerência e a continuidade dos encadeamentos espaço/temporais, preferindo despertar o espírito e a paixão do espectador. (p.27).

� Como reação ao imperialismo americano surge o impressionismo, a primeira vanguarda francesa. Nos anos 1920, um grupo de cineastas na França quer promover um cinema nacional, distinto das coerções do cinema dominante. (...) Era necessário libertar o cinema da obrigação de contar histórias, torná-lo uma arte que se sustentasse apenas com suas riquezas formais. (p.29).

� Ainda na década de 1920 surge a segunda vanguarda: Dadaísmo e surrealismo. Procedente de pesquisas plásticas feitas por pintores, especialmente na Alemanha – composições visuais centradas em formas abstratas em movimento e ritmos puros. (...) Os dadaístas acrescentam a tudo isso um toque de irrisão, de anarquismo e provocação, através de imagens de impacto e montagem acelerada que se limita à abstração visual. (p.30).

� O expressionismo alemão participa de um vasto movimento estético que engloba artes plásticas, literatura, artes do espetáculo, arquitetura, entre 1907 e 1926. Opõe-se radicalmente ao realismo e à verossimilhança: é um cinema de visões, alucinações, de criação de universo por exacerbação das formas. (...) Instala-se um mundo resolutamente fictício, alucinado, inquietante, com cidades labirínticas, criaturas estranhas etc. (p.31).

� As transposições formais sempre se efetuam num contexto diferente. A tarefa do analista é encontrar filiação, a referência, a inspiração, apreciar seu emprego, seus limites, suas novas significações. (p.32).

� De acordo com Gilles Deleuze (L’image-temps), a modernidade cinematográfica encontra suas origens na Europa do pós-guerra, com o neorrealismo italiano. (...) é o testemunho do mundo contemporâneo em sua verdade. A intriga é menos importante do que a descrição da sociedade. O neorrealismo vincula-se com o documentário. (p. 32).

� Por volta do final dos anos 1950, a modernidade europeia torna-se mais complexa, pressionada por diversos fatores: evolução das mentalidades (preocupações mais individualizadas), das técnicas, influência de outras artes (literatura, teatro), modificações do meio cinematográfico (profissionais independentes, orçamentos menores). (...) Surge a noção de autor, que cede espaço a obras cada vez mais pessoais. (p.33).

� O filme moderno caracteriza-se por narrativas mais frouxas, menos ligadas organicamente, menos dramatizada, com momentos de vazio, lacunas, questões não resolvidas, finais abertos ou ambíguos. Os personagens são desenhados com menor nitidez, pouco dados à ação, muitas vezes em crise. Os procedimentos visuais/sonoros confundem as fronteiras entre subjetividade e objetividade – mistura sonhos, alucinações etc. Há também uma

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forte presença do autor, suas marcas estilísticas, de sua visão sobre os personagens e a história; além de certa propensão à reflexividade, ou seja, falar de si mesmo, do cinema, dos filmes (metalinguagem). (p.33).

� A modernidade dos anos 1960-70 extrai seus temas da história do cinema: pontos comuns com impressionistas dos anos 1920, o clássico hollywoodiano etc. (p.34).

� Esse apanhado rápido pretende sensibilizar o analista para a necessidade de situar o filme na evolução das formas. (...) As formas cinematográficas se constituem num fundo cultural no qual os cineastas se inspiram, e cabe ao analista explicar os movimentos que dele decorrem. (p.34).

� A abordagem narratológica normalmente adotada pelo analista-narratólogo visa explicar o funcionamento narrativo próprio de um filme particular, ou de uma parte de um filme particular. (p.37).

Narrativa, narração, diegese

� O termo “diegese”, próximo, mas não sinônimo de história, refere-se à história e seus circuitos, a história e o universo fictício que pressupõe. (...) história e diegese dizem à parte da narrativa não especificamente fílmica. São o que a sinopse, o roteiro e o filme têm em comum: um conteúdo, independente do meio que dele se encarrega. (p.38).

� No filme, a contrapartida da diegese é tudo o que se refere à expressão, o que é próprio do meio. (p.38). Analisar/interpretar – Os limites da interpretação

� Descrever um filme, contá-lo, já é interpretá-lo, pois, de uma certa forma, significa reconstruí-lo (ou desconstruí-lo?). (p.48).

� As interpretações semântica e crítica são atividades que distinguem o leitor do analista. A semântica remete aos processos pelos quais o leitor dá sentido ao que lê ou ao que vê e ouve no filme. A crítica remete à atitude do analista que estuda por que e como, no plano de sua organização estrutural. O texto (literário ou fílmico) produz sentido. (...) A interpretação crítica interessa-se pelo sentido e pela produção do sentido, tentando estabelecer conexões entre o que se exprime e o “como isso se exprime”, conexões sempre conjecturais, hipóteses que exigem averiguação. (p.49).

� O texto e o filme podem ser utilizados pelo analista, em vez de serem interpretados. (...) São retiradas informações parciais, isoladas, do filme para relacioná-las com informações extratextuais, a fim de construir minha história, minha descrição, minha tese. (p.49).

Análise e interpretação sócio-histórica

� Um filme é um produto cultural inscrito em um determinado contexto sócio-histórico. (p.51). � A hipótese diretriz de uma interpretação sócio-histórica é a de que um filme sempre fala do presente (o aqui e

agora do contexto de produção). O fato de ser um filme histórico ou de ficção científica nada muda no caso. (p.51).

� As projeções futuristas mais ousadas carregam a marca evidente de seu contexto de produção. (p.52). � Em um filme, qualquer que seja seu projeto (descrever, distrair, criticar etc.), a sociedade não é propriamente

mostrada, é encenada. (...) O filme constitui um ponto de vista sobre este ou aquele aspecto do mundo que lhe é contemporâneo. É a representação da sociedade em espetáculo, drama (estruturação objeto do analista). (p.52).

� Para Pierre Sorlin (Analyses de films, analyse de sociétés, Hachette, 1976), a estruturação se configura como sistemas de papeis ficcionais e sociais, esquemas culturais que identificam os “lugares” na sociedade; os tipos de lutas ou desafios descritos no roteiro, e os papeis ou grupos sociais implicados nessas ações; o modo de organização social apresentados, hierarquias, relações sociais; a maneira seletiva de mostrar ou perceber lugares, fatos, eventos etc.; a forma de conceber o tempo; e, por fim, o que se solicita do espectador: identificação, simpatia, emoção, ou determinada ação/rejeição, reflexão etc. (p.53).

� Adaptado ou não a um projeto deliberado, o filme preenche uma função na sociedade que o produz: testemunha o real, tenta agir nas representações e mentalidades, regula as tensões ou faz com que sejam esquecidas. (p.54).

� As características formais podem ser imitadas, produzidas deliberadamente para obter um “efeito de real” cinematográfico. (...) Inversamente, o trabalho em estúdio, a reconstituição baseada numa estética mais clássica,

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podem ser colocados a serviço de um autêntico projeto realista. (...) A segunda armadilha consiste em “ler” num filme toda a sociedade e a história do tempo, presentes, passadas e, principalmente, futuras. (p.55).

� O universo diegético é o mundo possível construído pelo filme, que geralmente exige do leitor uma leitura simbólica global ou parcial. (...) Apreensão dos elementos simbólicos: do mesmo modo que algumas obras picturais dos séculos passados, carregadas de elementos simbólicos, não nos são compreensíveis hoje, a simbólica, o sistema metafórico próprio de certos filmes requer uma cultura específica para ser plenamente apreendido. (p.56).

� Alguns filmes, que misturam realismo e mundo plausível, não se preocupam rigorosamente com a coerência e a verossimilhança; não se centram em um encadeamento pleno, motivado, contínuo, de ações, ou na construção psicológica dos personagens. Por seus desvios de uma estética plenamente realista e clássica, convidam a uma leitura simbólica. (p.57).

� O estudo do roteiro: os roteiros de filmes às vezes (até com frequência) referem-se a modelos estruturais, a grandes esquemas narrativos oriundos do patrimônio universal, suportes de conteúdos simbólicos e até míticos. Essa referência é explícita ou implícita. (p.58).

� No cinema, são as imagens que desfilam e não as palavras. O efeito metafórico pode ser gerado da sucessão de imagens que produzem um sentido que “ultrapassa” o sentido literal. (p.61).

2ª Parte – A análise na prática

� Para Michel Marie, alguns parâmetros devem ser levados em conta na análise, tais como: numeração do plano, elementos visuais, escala dos planos, incidência angular, profundidade de campo, movimentos dos atores ou da câmera e passagens de um plano para outro. Além disso, são importantes a trilha sonora e as relações de som/imagem. (p.65).

Análise e interpretação sócio-histórica

� Spots, clips, curtas-metragens, documentários, “poéticos” ou de ficção, as formas fílmicas curtas (de 15” a 30”) oferecem boas bases para treinar a análise e colocar certos problemas. Convém levar em consideração as características específicas dessas “formas curtas”, diferenciando-as com nitidez dos longas-metragens de ficção, características devidas à sua duração, decerto, mas também às condições de produção desses filmes. (...) Os curtas podem inscrever-se num contexto de criação pura e simples ou de encomenda. (p.103).

� Na análise, é indispensável colocar as questões de contexto de produção, de lugar e de momento de difusão, de objetivo visado pelo curta-metragem. (p.103).

� Michel Chion (La voix au cinema, 1982) mostra que a voz off é a voz do Saber e do Poder no cinema. (...) O comentário, quer seja argumentativo, quer explicativo, quer incitativo, “transborda” em muito a imagem. A voz carrega seu potencial de sedução puramente sonoro. (p.105).

� A narração é uma forma que pode dar lugar a uma narrativa completa ou incompleta (mais frequente). Nesse caso, o spot entrega fragmentos do que poderia constituir uma história, parece “um trailer de filme que não existe”. (p.106).

� Se a forma narrativa “cola” tão depressa, segundo certos teóricos do cinema que se inspiraram na psicanálise freudiana (Christian Metz), é porque induz a identificação do espectador com um “lugar”. (...) A narrativa baseia-se num estado de carência, no impulso de um sujeito em direção a um objeto. (p.107).

� As obras fílmicas curtas exibem seus dispositivos (narrativos ou discursivos), sua estrutura dramática e rítmica, a forma-sentido que produz seu impacto de maneira mais evidente que os longas-metragens. (...) A apreensão de seus elementos não tem tempo de ser diluída nos meandros de uma história ou distraída pela identificação com personagens ou pelas emoções que, se envolvem, fazem-no de maneira rápida, aguda, como se “precipitassem”. (p.110).

� A análise deve sempre sublinhar a configuração retórica (ou a figura estruturante), o conteúdo verbal ou narrativo e as formas audiovisuais. (p.110).

� No plano cinematográfico, é interessante destacar como os processos de relacionamento se operam a partir de elementos concretos visíveis, dramaticamente exploráveis (para o riso ou a emoção), caracterizando os personagens em seu ser e em seu comportamento. (p.113).

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Análise e interpretação sócio-histórica

� O termo “espaço”, no cinema, faz parte dos termos imprecisos e pode designar uma profusão de coisas. (p.125). � O espaço diegético é ora representado, ora não representado visualmente. No segundo caso, é “pensado” pelo

espectador a partir da dedução, da reconstituição imaginária. (...) A fusão do “representado” e do “representante” dá origem ao espaço narrativo. Esse espaço alia, assim, o conteúdo à expressão. (p.125).

3. Conclusão

Não existe receita para se compor uma análise ou regras rígidas a serem seguidas. Qualquer análise tem uma finalidade – publicação na imprensa, expressão da opinião pessoal ou trabalho universitário – e tem por base uma visão sócio-histórica do enredo e do tema apresentados.

O comentador se tornaria, ao mesmo tempo, um “criador”. Seu talento se revela através da arte de manipular o objeto de análise, de associar seus elementos, de saber interpretá-los, mas igualmente, e sobretudo, na arte de formular seu comentário e fazê-lo “viver”.

No que se refere à análise, apresentam-se as questões: O que a conduz, em que contexto e com que objetivo? Como, por quem o eixo de análise será determinado? Pela demanda? Pelo próprio analista? De acordo com seus interesses, suas obsessões? Esse eixo é pertinente ao objeto?

Afinal, não é necessário ‘gostar’ de um filme para analisá-lo bem – alguns sugerem que isso seria até um obstáculo. Trata-se da atitude de quem gosta de ‘analisar’, isto é, compreender seu objeto, e como ele compreende.