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Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas, Agrárias e da Saúde ISSN: 1415-6938 [email protected] Universidade Anhanguera Brasil Arthur, Angélica Moises; Martins Vanini, Tamara; Lima, Núbia Maria; Iano, Yuzo; Arthur, Rangel Tratamentos fisioterapêuticos em pacientes pós-AVC: uma revisão do papel da neuroimagem no estudo da plasticidade neural Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas, Agrárias e da Saúde, vol. 14, núm. 1, 2010, pp. 187-208 Universidade Anhanguera Campo Grande, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=26018705015 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas,

Agrárias e da Saúde

ISSN: 1415-6938

[email protected]

Universidade Anhanguera

Brasil

Arthur, Angélica Moises; Martins Vanini, Tamara; Lima, Núbia Maria; Iano, Yuzo; Arthur, Rangel

Tratamentos fisioterapêuticos em pacientes pós-AVC: uma revisão do papel da neuroimagem no

estudo da plasticidade neural

Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas, Agrárias e da Saúde, vol. 14, núm. 1, 2010, pp. 187-208

Universidade Anhanguera

Campo Grande, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=26018705015

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Ensaios e Ciência Ciências Biológicas, Agrárias e da Saúde Vol. 14, Nº. 1, Ano 2010

Angélica Moises Arthur Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected]

Tamara Martins Vanini Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected]

Núbia Maria Lima Universidade Estadual de Campinas Unicamp [email protected]

Yuzo Iano Universidade Estadual de Campinas Unicamp [email protected]

Rangel Arthur Universidade Estadual de Campinas Unicamp [email protected]

TRATAMENTOS FISIOTERAPÊUTICOS EM PACIENTES PÓS-AVC: UMA REVISÃO DO PAPEL DA NEUROIMAGEM NO ESTUDO DA PLASTICIDADE NEURAL

RESUMO

Este artigo aborda o estudo de tratamentos fisioterapêuticos aplicados em pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral (AVC) e tiveram perdas funcionais motoras e sensoriais. São descritas algumas das principais técnicas para obtenção e análise de neuroimagens que podem ser utilizadas como instrumento de avaliação de eficiência dos tratamentos. O principal procedimento fisioterapêutico apresentado aqui é o da terapia por contensão induzida (TCI) de membros superiores, onde são realizadas atividades motoras visando à recuperação da função. O uso de neuroimagem pode permitir a avaliação inicial da área da lesão e revelar a evolução da plasticidade neural do paciente durante o tratamento. Os aparelhos de ressonância magnética funcional, usados na aquisição de neuroimagens, têm sido objetos de estudo nos últimos anos e ganha destaque neste trabalho. Este artigo tem como objetivo descrever as principais técnicas fisioterapêuticas da literatura, especialmente a terapia por contensão induzida, que resultaram numa melhora funcional dos pacientes e, também, visualizar possíveis modificações nas conexões neurais através de imagens de ressonância magnética funcional.

Palavras-Chave: acidente vascular cerebral, reabilitação, plasticidade neural, ressonância magnética funcional.

ABSTRACT

This paper aims to study physical therapy treatments applied to motor and sensory loss patients after stroke. The main is the induced contention technique (ICT) applied on activities of upper member to obtain recovery of function. The use of neuroimaging can allow initial assessment of the lesion area and can also reveal the evolution of patient neural plasticity during treatment. The functional magnetic resonance neuroimaging (fMRI) can be used in the treatment assessment and it has been objects of study in recent years. The fMRI is highlighted in this work. The analysis of changes in brain activities is performed before and after ICT. This paper aims to investigate physical therapy techniques in the literature, especially ICT, which result in a functional improvement of patients and also aims to study possible changes in neural connections by functional MRI.

Keywords: stroke, recovery of function, neural plasticity, magnetic resonance imaging.

Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Revisão de Literatura Recebido em: 17/08/2010 Avaliado em: 28/10/2010

Publicação: 27 de maio de 2011

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1. INTRODUÇÃO

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) pode ser considerado como a terceira maior causa de

morte no mundo (DIJKHUIZEN,2003; MACKAY; MENSAH, 2004). No Brasil, segundo

(LOTUFO, 2005), o AVC é considerado a primeira maior causa de óbitos, sendo a alta

mortalidade principalmente no sexo feminino. Apesar do alto índice e aumento do

número de casos, a incidência e mortalidade da doença vêm diminuindo, já que é inferior

ao crescimento da população (CABRAL et al., 2009). Fatores como o envelhecimento e

distúrbios circulatórios, como hipertensão e alta taxa de colesterol, podem contribuir para

o aumento de pessoas vítimas de seqüelas neurológicas.

O AVC pode ocorrer quando há interrupção do fluxo sanguíneo devido à falta de

O2 ao cérebro. A partir de 5 minutos de isquemia pode ocorrer morte neuronal no tecido

nervoso, o que gera perdas das funções da região afetada. Esse tipo é denominado de

AVC Isquêmico. Outro tipo de AVC é o Hemorrágico, que ocorre geralmente pela

ruptura de um vaso sanguíneo com extravasamento de sangue no tecido nervoso. As

principais causas desse tipo de AVC são, dentre outras, a hipertensão arterial, angiopatia

amilóide e a ruptura de um aneurisma cerebral.

O encéfalo é altamente vascularizado e seu metabolismo é composto por um

círculo arterial rico em glicose e oxigênio, responsável pela homeostase das células

nervosas. A partir do momento que essas concentrações diminuem, pode ocorrer uma

hipóxia ou apóxia (diminuição ou falta de oxigênio) por causa de uma lesão instalada ou

trauma. Os neurônios privados desse suprimento têm morte neuronal.

Alguns desses neurônios, após a morte, liberam em seus terminais axônicos

grande quantidade de glutamato, que é um neurotransmissor excitatório, e altas

concentrações causam excitotoxicidade em outros neurônios (ZIPFEL et al., 2000).

Devido à extensão e tamanho da lesão cerebral, as células nervosas não se

regeneram (EKMAN, 2008). Porém, na fase aguda do AVC, áreas distais da oclusão das

artérias afetadas podem estar com hipoperfusão, denominadas de zona de penumbra, e

pode haver uma recuperação funcional da área através do tratamento de reperfusão

(administração de um trombolítico até 3 horas do AVC).

Após a isquemia, alterações sinápticas ocorrem para reparar o dano, com

destaque à hipersensibilidade de desnervação, que gera novas formações de novos locais

de receptores na membrana pós-sináptica em resposta a axônios vizinhos (OBATA et al.,

2004). Outras modificações estão relacionadas a sinapses silenciosas que ficam próximas

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aos locais de lesão e que podem contribuir para iniciar impulsos elétricos. Com isso, pode-

se acelerar o processo de recuperação (COHEN, 2001).

O AVC leva a incapacidades e disfunções motoras e sensoriais dependendo da

região atingida no cérebro. As deficiências motoras geralmente se manifestam como

hemiplegia ou como hemiparesia. As deficiências sensoriais mais frequentes estão

relacionadas à sensibilidade, à linguagem e à percepção espacial. Buscando reverter os

comprometimentos do AVC, muitos pesquisadores têm procurado explorar a capacidade

do cérebro de se reorganizar e de reaprender funções. Isso é proporcionado pela chamada

plasticidade neural ou neuroplasticidade.

A neuroplasticidade tem sido uma das principais áreas de pesquisa em

Neurologia. Funcionalmente, podem ser criados novos circuitos ou trajetos nervosos

alternativos, decorrentes de brotamento massivo e sinaptogênese reativa nos axônios

intactos e não lesados (RAINETEAU et.al, 2001). O neurônio tem uma capacidade de se

adaptar funcionalmente frente a um estímulo. As sinapses, por sua vez, são altamente

modificáveis quanto a sua eficiência (TEIXEIRA,2008).

Estudos recentes têm demonstrado que o tratamento de pacientes por meio de

procedimentos fisioterapêuticos podem facilitar a neuroplasticidade. Dentre os possíveis

procedimentos estão as técnicas de fisioterapia clássicas (SHEPHERD,2008), que

estimulam movimentos ativos e passivos nos pacientes, a eletroestimulação (ARTHUR et

al.,2008), a estimulação magnética transcraniana (CONFORTO et al.,2009) e a terapia de

contensão induzida (TCI) (SOUZA,2008).

A TCI é realizada a partir da imobilização do membro superior não parético, que

não teve comprometimento das habilidades funcionais decorrentes de uma lesão cerebral.

Dessa forma, pode-se reduzir o fluxo de informações somatossensitivas e, por outro lado,

incentivar o membro parético a executar funções para que ocorra o aumento do fluxo,

favorecendo assim as habilidades motoras.

As formas típicas de se avaliar o desempenho dos protocolos de estimulação

propostos são realizados por meio de estesiômetro (LEWINSKI et al.,2009), para medida

sensorial, e por meio da escala Fugl Meyer (HUY CHAN et al., 2009), para medida

sensorial e motora. Em Maki (2006), é feito um estudo que revela a boa confiabilidade da

escala.

Algumas técnicas recentes para a análise de neuroimagem, como as apresentadas

em (ROSSINI et al., 2007), têm permitido avaliar procedimentos para a recuperação de

pacientes de forma não-invasiva. Uma delas é a aquisição por Ressonância Magnética

funcional (fMRI – functional Magnetic Resonance Imaging), que proporciona boa resolução

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espacial, tempo pequeno de exposição e não usa radiação ionizante. A partir das imagens,

pode-se avaliar o grau da lesão, indicar um tratamento específico e acompanhar a

evolução do tratamento.

A partir disso, este trabalho visa o estudo de tratamentos fisioterapêuticos

aplicados em pacientes que sofreram AVC, especialmente a terapia por contensão

induzida (TCI). Serão discutidas algumas técnicas de processamento de neuroimagens

que podem ser utilizadas como ferramenta de comprovação de eficiência dos tratamentos.

Na Sessão2 é apresentada uma revisão dos conceitos de vascularização e acidente

vascular cerebral. Na Sessão 3 são explicados alguns procedimentos fisioterapêuticos para

estimular a neuroplasticidade em pacientes vítimas de AVC, principalmente a TCI. A

Sessão 4 apresenta, os principais resultados encontrados na literatura para a TCI. O

trabalho é finalizado com as discussões e conclusões mais relevantes.

2. ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

O Sistema Nervoso necessita de um suprimento elevado de glicose e O2 para seu

metabolismo. Quem proporciona isso é a vascularização encefálica, que é composta pelo

sistema vértebro-basilar mostrado na Figura 1.

Fonte: http://www.wgate.com.br/conteudo/medicinaesaude/fisioterapia/traumato/vertebrobasilar/images/image002.jpg.

Figura 1. Artérias do sistema vértebro-basilar.

A circulação anterior possui a carótida interna com ramos calibrosos que se

divide em artéria cerebral anterior, artéria cerebral média, comunicante posterior e

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também ramos distais. Na circulação posterior, as artérias vertebrais D e E se unem

formando a artéria basilar, que dá origem às artérias cerebelar anterior superior, artéria

cerebelar anterior inferior e artéria cerebral posterior. No encéfalo, as artérias da base

constituem um círculo arterial denominado de Polígono de Willis (Figura 1), formado

pelas porções das artérias cerebrais anterior, média e posterior, e pelas artérias

comunicante anterior e posterior.

Os ramos corticais das artérias anastomosam, porém, quando há uma obstrução,

a circulação fica comprometida levando a lesões. O território cortical irrigado pelas

artérias cerebral anterior, média e posterior pode sofrer alterações motoras e sensitivas

decorrentes de algumas patologias, como o AVC, que afetam essas regiões.

Na região da artéria cerebral anterior localizada na região superior dos giros pré

e pós-central, após uma obstrução, ocorrem alguns sintomas como paralisia e diminuição

da sensibilidade do lado inferior oposto da face. A artéria cerebral média percorre o sulco

lateral e seus ramos vascularizam a região maior superior e lateral de cada hemisfério.

Assim, quando ocorre uma obstrução nessa artéria, podem acontecer déficits motores e

sensitivos, distúrbios de linguagem, paralisia e diminuição de sensibilidade dos membros.

Os ramos da artéria cerebral posterior estão localizados na porção inferior do lobo

temporal e região do lobo occipital. Assim, se houver comprometimento nessa região

causa cegueira do campo visual. (MACHADO, 2006).

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) pode acontecer do tipo isquêmico ou

hemorrágico. O AVC isquêmico (AVCi) é a interrupção do fluxo sanguíneo em uma

região encefálica, sendo causado por trombos, placas de ateroma que ficam na parede do

vaso sanguíneo. No momento que o trombo se desloca e segue pela corrente sanguínea,

ele pode chegar a uma das artérias cerebrais causando obstrução. O AVC hemorrágico

(AVCh), por outro lado, é o extravazamento de sangue no tecido nervoso, podendo ser

causado por hipertensão, traumas e aneurisma.

Um dos comprometimentos causados pelo AVCi é a hemiparesia contralateral a

lesão, ou seja, a maioria das informações se cruzam na decusassão das pirâmides na

região do bulbo no tronco encefálico. Assim, quando ocorre uma lesão à direita no

hemisfério encefálico, os déficits motores ou sensitivos acometem o lado contralateral. A

hemiparesia é uma perda parcial de força, ou seja, diminuição do tônus ou hipotonia no

estágio inicial do AVC. Porém, com o passar do tempo, o paciente começa a fazer desuso

do membro comprometido podendo desenvolver um padrão flexor com aumento do

tônus muscular ou hipertonia, realizando compensações com o membro superior não

parético e, assim, dificultando a função motora. (TEIXEIRA et al., 2008).

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O comprometimento do hemisfério dominante causa distúrbios da linguagem e

ordem temporal, insuficiências comportamentais e intelectuais, distraimento extremo,

insuficiências seqüenciais e apraxia motora. No hemisfério não dominante causa

negligência, dificuldades visuo-espaciais, distúrbios de imagem e esquema corporal e

deficiência de habilidades para autocorreção (EKMAN, 2008; UMPHERED, 2004; DINIZ,

2005).

3. TRATAMENTOS FISIOTERAPÊUTICOS PARA A NEUROPLASTICIDADE EM PACIENTES PÓS-AVC

Pesquisas recentes têm apresentado muitos procedimentos de fisioterapia que podem

facilitar a neuroplasticidade. Entre os possíveis procedimentos estão as técnicas de

fisioterapia convencionais (TEIXEIRA, 2008), que estimulam movimentos ativos e

passivos nos pacientes, a eletroestimulação (ARTHUR et al., 2008) e estimulação

magnética transcraniana (CONFORTO; FERREIRA, 2009) e terapia de contensão induzida

(TCI) (SOUZA, 2008; BUENO et al., 2008). Este capítulo descreve as técnicas citadas com

ênfase na TCI.

3.1. Técnicas convencionais

As técnicas convencionais da Fisioterapia Neurológica têm como objetivo promover

estímulos sensoriais para a recuperação dos movimentos funcionais de pacientes que

sofreram seqüelas decorrentes de AVC. Os recursos aplicados nos membros afetados têm

a finalidade de estimular novas conexões com o SNC e, assim, contribuir para a

plasticidade neural.

Abordagem Sensório-Motora

A abordagem sensório-motora é uma técnica que utiliza estímulos principalmente nos

receptores cutâneos. Entre as técnicas podem ser destacadas a crioterapia e a modulação

de tônus, que pode ser feita usando mobilização passiva e a ativação do órgão tendinoso

Golgi (OTG) (SHEPHERD et al., 2008).

Quando ocorre a lesão cerebral ocorre diminuição das informações descendentes

do neurônio motor e também há diminuição das unidades motoras para o recrutamento.

Por isso, a fraqueza muscular acontece e o não uso do membro parético,

consequentemente, leva a hipertonia.

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Segundo (SHEPHERD et al., 2006), um dos métodos para o tratamento da

hipertonia seria a normalização do tônus muscular, por meio da inibição da espasticidade.

É sugerido, no mesmo trabalho, que o treinamento repetitivo é uma forma de

intervenção capaz de recuperar a força muscular e favorecer no desempenho funcional.

Um exemplo é o paciente levantar-se de um assento mais elevado para um menos

elevado, onde não requer muito esforço. Isso, quando feito com repetições, pode

proporcionar ganhos de resistência e melhora na organização dos movimentos.

Pode-se também sugerir movimentos com membros superiores e expressões

faciais, objetos de encaixe e com texturas e também treino das atividades de vida diária

como abrir torneira, pegar copo e levar até a boca, pentear cabelo.

A partir disso, essas técnicas podem ser aplicadas em conjunto com as funções

cognitivas, induzindo a reaprendizagem das funções (ANNUNCIATO et al., 2001;

ORSINI et al., 2008).

Facilitação Neuromuscular Proprioceptivo (KABAT)

A facilitação neuromuscular proprioceptiva foi proposta pelo pesquisador-

neurofisiologista Herman Kabat, em 1951. Essa técnica é baseada movimentos de sinergia

dos membros em flexão e extensão para o equilíbrio dos músculos agonistas e

antagonistas. Inclui também estímulos de percepção com o objetivo de recuperar a

amplitude de movimento e fortalecimento do membro afetado e também da coordenação

para a execução dos treinos funcionais.

Utilizar os estímulos visuais e comandos verbais podem ser úteis para conseguir

o feedback do paciente durante a terapia (LINN et al., 1999; ADLER et al., 1999; PEREIRA

et al., 2000).

Tratamento de Neurodesenvolvimento usando Bobath

O Bobath é uma técnica proposta pela pesquisadora Bertha Bobath, que utiliza uma bola

terapêutica para o tratamento de neurodesenvolvimento (BOBATH,1990). Para isso, são

usados procedimentos que visam desenvolver padrões apropriados do tônus muscular e

da postura. Os movimentos são voltados para estabilizar, equilibrar e realizar descarga de

peso em membros inferiores no solo. Trabalha-se também a dissociação pélvica

combinada com movimentos de alcance dos membros superiores e inclinação do tronco

para recuperar o controle motor.

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3.2. Eletroestimulação

O sistema sensorial humano é composto por receptores, responsáveis pelo tato, vibração,

pressão, temperatura e dor, que, ao se depararem com algum estímulo, enviam

informações através das fibras aferentes (sensitivas) até a medula. Assim, segue através

das sinapses com os interneurônios até o córtex cerebral. Então ocorrem conexões com a

área motora e também com informações do cerebelo para a execução da motricidade

voluntária (MACHADO, 2006).

Alguns estudos, entre eles (REZENDE; GREENE, 2008; SERENA et al., 2008;

SQUECCO, 2008) mostram que a estimulação elétrica pode ser utilizada como recurso na

recuperação sensorial através da plasticidade neural e, assim, proporciona uma melhora

nas atividades motoras.

Em (ARTHUR et al., 2008), foi realizado um estudo com pacientes que tiveram

AVC e se encontravam no estado crônico. Os pacientes apresentavam hipoestesia no

membro parético nas regiões dos dermátomos C5, C6, e T1, e foram avaliados com o

aparelho estesiômetro para testar o grau de hipoestesia. O tratamento, realizado na região

do dermátomo C6, durou 6 meses, sendo 2 sessões semanais com duração de 20 minutos.

O aparelho aplicado foi o de Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea (TENS),

com freqüência de 200 Hz, largura de pulso de 100μs e modulação de variação na

intensidade e freqüência (VIF), com a finalidade de não acomodar o estímulo. Através de

novos testes com estesiômetro, constatou-se um aumento de sensibilidade de 34% nos

pacientes após o tratamento.

3.3. Estimulação Magnética Transcraniana

A técnica de estimulação magnética transcraniana (EMT) é um método neurofisiológico

indolor e não invasivo capaz de alterar a atividade de neurônios cerebrais. Um

pesquisador chamado Barker, juntamente com outros autores, em 1985, conseguiu

executar com sucesso a EMT da área cerebral relacionada ao movimento, o córtex motor,

em humanos.

Alguns trabalhos têm sido publicados ultimamente usando a EMT, buscando

soluções tanto para seqüelas neurológicas como em transtornos psiquiátricos

(CONFORTO; FERREIRA, 2009; ROSSINI, 2007).

O princípio de funcionamento é a criação de um campo magnético induzido por

uma corrente elétrica percorrendo uma bobina. Os fios da bobina ficam isolados

eletricamente, permitindo apoiar o estimulador sobre a cabeça do paciente e, assim,

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aplicar o sinal em uma região próxima ao cérebro. A Figura 2 mostra o posicionamento do

estimulador em uma sessão de EMT.

Ao se ligar o estimulador, um pulso de corrente elétrica de curta duração e alta

intensidade (milhares de ampères) percorre a bobina, induzindo um campo elétrico. A

mudança rápida no campo elétrico promove a indução de um campo magnético e a

mudança rápida no campo magnético, por sua vez, faz com que seja induzido um

segundo campo elétrico dentro do cérebro, que pode aumentar ou diminuir a atividade

normal de neurônios próximos. Como o crânio e o couro cabeludo apresentam alta

resistência elétrica, a corrente que flui nessas estruturas é mínima, contribuindo para que

o desconforto durante a estimulação seja muito pequeno, ou nulo.

A EMT tem sido usada em pacientes vítimas de AVC para se entender o que

acontece no cérebro de indivíduos que se recuperam e o que acontece naqueles que não se

recuperam. A compreensão dos mecanismos de reorganização pode fornecer informações

importantes para o desenvolvimento de formas mais eficazes de reabilitação após o AVC

(CONFORTO; FERREIRA, 2009).

Fonte: http://sadato.hypermart.net/weblog/images/tms2.jpg.

Figura 2. Aplicação da EMT em paciente.

Vários artigos têm proposto a EMT para o tratamento de pacientes pós-AVE,

entre eles (CONFORTO; FERREIRA, 2009). Quando os pulsos magnéticos são

administrados de forma rítmica (EMT-r), por vários minutos, pode haver uma mudança

no funcionamento da área do cérebro estimulada, habitualmente de forma temporária. A

idéia é que se use a EMT-r para aumentar a função de áreas do cérebro que não tiverem

sido afetadas, para que elas tentem compensar as funções das áreas lesadas de forma

irreversível. Quando são empregadas freqüências de EMT maiores que 1Hz, a EMT-r é

denominada de alta freqüência, ou “rápida” e quando freqüências menores ou iguais a

1Hz são utilizadas, EMT-r de baixa freqüência, ou “lenta”. Em geral, EMT-r de baixa

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freqüência promove diminuição temporária de excitabilidade do córtex motor (área

responsável por movimentos do corpo), enquanto o efeito oposto é obtido com EMT-r de

alta freqüência.

3.4. Técnica de Contensão Induzida

Estudos mostram que a recuperação das funções após o AVC pode acontecer devido ao

treinamento repetitivo de uma atividade, e também devido à fatores ambientais. A terapia

de contensão induzida (TCI) atualmente vem sendo utilizada em pacientes para contribuir

na melhora funcional. Essa técnica é restrita a uma população de pacientes pós-AVC, pois

seus critérios de inclusão devem ser bem definidos para o sucesso do tratamento.

A TCI consiste em um aparelho denominado splint de punho e dedos (Figura 3)

que é colocado no membro superior não afetado. O objetivo é que o paciente realize as

atividades de vida diária com o membro comprometido (SOUZA, 2008).

Segundo Bueno et al. (2008), essa terapia de contensão induzida do movimento

causa imobilização do membro não parético reduzindo o fluxo de informação

somatossensitivos, e por outro lado incentiva o membro parético a executar funções para

que ocorra o aumento do fluxo e assim favorecer as habilidades motoras. No próximo

capítulo serão detalhados alguns procedimentos encontrados na literatura com essa

técnica juntamente com os resultados e discussões relevantes.

Fonte: Souza (2008).

Figura 3. Imagem do splint de posicionamento, ajustado ao punho, mão e dedos, usado para contenção do membro não-comprometido.

4. RESULTADOS DA LITERATURA SOBRE TCI

São descritos nesta sessão os protocolos propostos em diversos artigos da literatura que

utilizam a terapia de contensão induzida (TCI). Em alguns casos, são mostradas as

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imagens obtidas antes e após o tratamento. Junto a apresentação dos resultados é feita

uma breve discussão.

No primeiro artigo estudado, Hamzei (2006) define que a TCI consiste na

diminuição do uso do membro superior sem o comprometimento e o movimento do

membro afetado nas atividades motoras. Nesse trabalho, foi utilizado um dispositivo no

formato de luva, aplicado em seis pacientes (uma mulher e cinco homens), com faixa

etária de 70,3 anos hemiparéticos há pelo menos 1,5 ano. O tratamento foi realizado por 6

horas diárias e por 10 dias úteis com acompanhamento do terapeuta.

Após o tratamento com a TCI, os pacientes passaram por exames BOLD com o

aparelho de Ressonância Magnética Funcional sensitiva e medidas de facilitação

intracortical (ICF) com aparelho de estimulação magnética transcraniana e os resultados

podem ser divididos em dois grupos.

Em um primeiro grupo, composto por 3 pacientes que apresentavam a área da

mão na área motora primária e suas fibras motoras descendentes intactas, e potencial

motor evocado normal na mão afetada. A ativação diminuiu no córtex sensório-motor

primário lesionado, com aumento da excitabilidade intracortical. Esse padrão reflete um

aumento na eficiência sináptica que não era possível nos pacientes com projeções

danificadas da área motora primária, como mostrado na Figura 4.

No outro grupo, três pacientes com a área motora primária e região piramidal

descendente lesada, a ativação no córtex sensório motor primário lesionado aumentou

após a TCI. Por outro lado, a excitabilidade intracortical diminuiu, o que pode ser

observado na Figura 5. Foi observado também que a função motora da mão melhorou em

todos os casos.

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Figura 4. Ressonância magnética funcional dos pacientes 1,2 e 3, antes e após o tratamento com a TCI; cortes transversais das imagens do paciente 3 e gráficos da intensidade do sinal BOLD e nível de excitabilidade intracortical, extraído de Hamzei (2006).

Em outro trabalho, Szaflarski et al. (2006) aplicaram a TCI em 3 pacientes, com

faixa etária média de 60,5 anos e que apresentavam AVC há pelo menos um ano. O

treinamento teve duração de 10 semanas, sendo 3 dias por semana por 30 minutos com

atividades funcionais diárias. Os pacientes foram orientados a utilizar o dispositivo no

membro sem comprometimento por 5 horas diárias durante 5 dias da semana.

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Figura 5. Ressonância magnética funcional dos pacientes 4,5 e 6, antes e após o tratamento com a TCI; cortes transversais das imagens do paciente 5 e gráficos da intensidade do sinal BOLD e nível de excitabilidade intracortical, extraído de Hamzei (2006).

Dois pacientes tiveram modificações no hemisfério contralateral na região pré e

pós-central, e frontal médio e inferior, como mostrado na Figura 6. No caso do paciente 1,

observa-se que, antes do tratamento, as áreas de ativação estavam concentradas nos giro

pré e pós central e no giro pré-central direito. Após o tratamento observa-se a alteração

ocorrida nas áreas das estruturas cortical e sub-cortical do hemisférico direito. A

distribuição do BOLD no paciente 2 se altera do giro frontal inferior esquerdo para o giro

frontal médio esquerdo. Já para o paciente 3, não se observa uma mudança substancial.

200 Tratamentos fisioterapêuticos em pacientes pós-AVC: uma revisão do papel da neuroimagem no estudo da plasticidade neural

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Figura 6. Mapas de ativação da fMRI antes e após o tratamento com a TCI, respectivamente: imagens do Paciente1 (a) e (b), imagens do Paciente2 (c) e (d) e imagens do Paciente3 (e) e (f), extraído de Szaflarski et al. (2006).

Carvalho (2006) avaliou 27 pacientes, sendo que 14 foram selecionados para a

pesquisa, com 6 do sexo feminino e faixa etária de 49,5 anos e 8 do sexo masculino, com

faixa etária de 63,6 anos e que tiveram AVE e com hemiparesia. A avaliação foi realizada

com as seguintes escalas: Fugl-Meyer, Action Research Arm test (ARAT), Índice de Bartel e

National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS). O paciente foi orientado a realizar

movimentos com a mão parética e a mão sem comprometimento, alternando-as por 25

segundos e com a mesma quantidade de repouso. Durante o movimento foi utilizado o

aparelho de Ressonância Magnética Funcional para capturar as imagens.

As figuras 7 e 8 mostram os padrões de ativação do Paciente1 obtidos pelo

movimento da mão afetada. Esse paciente sofreu o AVCi cortical, envolvendo o território

da ACM direita com comprometimento dos ramos posteriores (angular, central e pré-

central).

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Figura 7. Padrões de ativação durante movimentos da mão parética do Paciente1,

extraído de Carvalho (2006).

Figura 8. Resultados da fMRI pela movimentação da mão parética do Paciente1,

extraído de Carvalho (2006).

As figuras demonstram ativações no M1, AMS ipsilaterais (Figura 7), ativação no

CPM ipsilateral e pequena ativação na periferia da lesão, que podem ser vistas na Figura

8. Durante os movimentos com a mão direita, as áreas cerebrais ativadas incluíram: M1,

AMS contralaterais e borda de lesão.

Richards et al. (2008), realizaram um estudo com dois grupos de pacientes com

paresia e aplicou-se a técnica da TCI, sendo que um grupo foi realizado o tratamento por

6 horas diárias e supervisionado pelo terapeuta e, o outro grupo utilizou a técnica por 1

hora diária com o terapeuta e 5 horas em domicílio. Ambos os grupos apresentaram

recuperação das habilidades motoras.

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Em Yen et al. (2005), foi realizado o estudo em 13 pacientes com a TCI

modificada, executando as funções com o membro parético de levantar caneta e empilhar

objetos. Após o tratamento houve melhora das funções durante as atividades de vida

diária.

Suwanwela et al. (2004) aplicaram, após o tratamento com a TCI, o teste ARA

(Action Research Arm) que avalia a função do membro superior. Concluiu-se que houve

melhora na força da mão, nos movimentos de pinça e coordenação motora.

Segundo Liepert et al. (2000) e Diniz et al. (2003), a TCI contribui para a

neuroplasticidade visando a formação de novas conexões sinápticas, através dos

brotamentos neuronais, e também do recrutamento de outros neurônios ao redor da lesão.

Assim, com a estimulação sensório-motora é possível ocorrer às modificações

neuroplásticas para a eficácia das funções.

Em Bueno et al. (2008), foram selecionados 8 pacientes com hemiparesia. A

primeira avaliação foi realizada quinze dias antes do tratamento, a segunda no início, a

terceira no último dia e a quarta após o tratamento. As escalas utilizadas para a avaliação

foram o protocolo de desempenho físico de Fugl-Meyer (FM) para identificar o

comprometimento motor, a escala de medida de independência funcional (MIF), e a escala

para habilidade motora do membro superior (THMMS).

A técnica executada foi a TCI modificada, com a utilização de uma órtese de três

pontos para que houvesse restrição do punho, mão e dedos do membro sadio. O

tratamento foi de 8 sessões com duração de 60 minutos e duas vezes na semana. As

orientações no domicílio foi usar a órtese por 5 horas diárias no período de 4 semanas. Por

meio dos dados analisados nos resultados da escala FM observou-se um aumento da

recuperação motora após o início da terapia. Esta recuperação motora pós-terapia também

foi observada na THMMS sugerindo que estes pacientes nunca, ou apenas

ocasionalmente, usavam seus membros superiores mais afetados em atividades diárias.

Souza (2008) utilizou a técnica de contensão induzida em 10 pacientes, sendo 7

homens e 3 mulheres com a faixa etária de 38 à 60 anos que tiveram AVC há mais de 6

meses. Os pacientes foram avaliados antes do tratamento pelas escalas Fugl-Meyer e MIF.

O tratamento proposto foi à utilização de um splint para a restrição do punho, mão e

dedos do membro não parético. O treino teve duração de 5 horas diárias, por dois

períodos de 15 dias e intervalo de 30 dias. Como resultado foi observado que a TCI

proporcionou melhora funcional do membro superior parético. Os ganhos funcionais

puderam ser observados também no membro inferior parético, apesar da imobilização ter

Angélica Moises Arthur, Tamara Martins Vanini, Núbia Maria Lima, Yuzo Iano, Rangel Arthur 203

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sido realizada no membro superior. Foi constatado que a independência funcional se

mantém depois de um mês apos a retirada do splint.

Dettmers et al. (2005) realizaram a TCI modificada com 11 pacientes pós AVC,

sendo que o treino funcional com o membro afetado foi de 3 horas por dia, durante 20

dias. A restrição do membro não comprometido foi de 9 horas diárias. A TCI, nesse caso,

demonstrou ser eficaz para a melhora funcional nas atividades de vida diária.

Em outro estudo de caso, Sun et al. (2006), aplicaram a técnica TCI por 4 semanas

associada com a aplicação de Botox tipo A no membro superior, e a duração do

treinamento doméstico foi de 5 meses. Segundo Sun et al. (2006), devido a toxina

botulínica houve diminuição do tônus muscular e um aumento das funções executadas

com o membro parético após treino com a TCI.

4.1. Aspectos Negativos da TCI

Alguns autores questionam sobre fatores positivos e negativos que podem interferir no

tratamento com a TCI. Yen et al. (2005) comentam que alguns pacientes manifestam

insegurança e medo no treino com o dispositivo de restrição, pois relatam que as

atividades diárias quando utilizada com a mão parética, precisa do auxílio da mão sã.

Em Souza et al. (2007) é colocado que a TCI pode desenvolver um quadro de

ansiedade e frustração em pacientes que referem grau de dificuldades durante a

realização das atividades.

Boylstein et al. (2005) e Annunciato et al. (2001) argumentam que os estímulos

aplicados pelo terapeuta durante a TCI são fundamentais para a recuperação. Através da

motivação e da aplicação seqüências de repetição adequadas aos limites do paciente,

pode-se obter a melhora funcional.

Por fim, deve-se ponderar a relação custo-benefício da TCI em pacientes com

baixo funcionamento motor, uma vez que é um tratamento caro e que tende a apresentar

pouco resultado em pacientes com hemiparesia importante.

5. DISCUSSÃO DE RESULTADOS DA TCI

A partir dos vários resultados encontrados na literatura pode-se observar que, na grande

maioria dos casos, a terapia de contensão induzida (TCI) repercute em excelentes ganhos

na atividade cerebral dos vários pacientes analisados.

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As análises tanto através de neuroimagens como através de escalas neurológicas

têm se revelado eficientes e podem, inclusive, serem trabalhadas de forma complementar.

Em particular, as imagens de ressonância magnética funcional, com o auxílio de

mapas de cores, permitem descobrir os pontos exatos de aumento de ativação cerebral, o

que facilita em muito a análise de regiões de interesse.

Em relação aos aspectos negativos da TCI, a maioria dos autores afirmou que a

motivação aos pacientes e o uso seqüências de repetição com períodos adequados

amenizam as possíveis dificuldades que os pacientes possam ter.

Este artigo não envolve um estudo de metanálise e, portanto, as conclusões deste

trabalho são observações restritas a uma amostra da literatura.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo visou o estudo de técnicas para a recuperação de pacientes pós-AVC,

buscando a neuroplasticidade. Em especial, foi tratada a técnica de contensão induzida,

cujos resultados são benéficos em relação às atividades funcionais. A visualização da

reestruturação cortical pode ser realizada através de imagens da Ressonância Magnética

Funcional.

O AVC tem sido um problema de saúde mundial e o elevado número de pessoas

com comprometimentos sensório-motor tem sido motivo para a busca de soluções

voltadas à recuperação.

O estudo sobre a neuroplasticidade mostrou quais os possíveis efeitos de

estímulos à pacientes e a formação de novos brotamentos pode ser verificada através de

testes sensoriais e motores e também pelas imagens de ressonância magnética funcional.

O estudo da Neuroimagem é uma área rica e que permite a detecção de novas

áreas de ativação, geradas a partir dos protocolos propostos. Além disso, o uso da

ferramenta de mapas de cores facilita a diferenciação dos níveis de intensidade dos sinais

de BOLD. As técnicas recentes de obtenção e, também de análise, tem evoluído a cada dia,

e esta se revela uma excelente área de pesquisa.

Foram descritos neste artigo os protocolos de técnicas convencionais de

fisioterapia, eletroestimulação, estimulação magnética transcraniana, mobilização neural e

a terapia de contensão induzida (TCI). Entre as várias técnicas fisioterápicas apresentadas

neste trabalho, a técnica que usa a TCI é destacada. A TCI é ferramenta muito importante

para restabelecer as atividades motoras de pacientes que sofreram AVC. Além disso,

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outras técnicas podem ser combinadas com ela a fim de se modificar o protocolo de

tratamento na busca de uma recuperação mais eficaz.

Uma possível extensão do trabalho é um estudo dos efeitos químicos gerados no

cérebro pelos específicos tipos de estimulações que visam a neuroplasticidade. Além

disso, o estudo de técnicas de processamento de imagens para o refinamento de

segmentação de regiões cerebrais de interesse é muito importante e parece ser uma

continuidade natural deste trabalho.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer à CAPES, CNPq, FAEPEX e Fapesp pelo apoio

financeiro.

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Angélica Moises Arthur

Fisioterapeuta pela Faculdade Anhanguera de Campinas - Unidade 3. Atualmente é mestranda na Universidade Estadual de Campinas na Área de Processamento de Imagens Médicas.

Tamara Martins Vanini

Fisioterapeuta pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Especialista em Fisioterapia nas disfunções cardiorrespiratórias pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Clínica Médica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Núbia Maria Lima

Fisioterapeuta pela Universidade Católica do Salvador. Especialista em Fisioterapia aplicada a Neurologia Adulto pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Ciências Médicas pela Unicamp.

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Yuzo Iano

Graduou-se em Engenharia Elétrica obteve o título de doutor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde atua como docente desde 1973. Pesquisador

Rangel Arthur

Graduou-se em Engenharia Elétrica obteve o título de doutor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde atua como docente desde 2005.