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Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

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Ensino de Arte e Necessidades Educacionais Especiais

Professor autor: Ms. Fernando Antônio Gonçalves de Azevedo

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Ensino dE ArtE E nEcEssidAdEs EducAcionAis EspEciAis

APRESENTAÇÃO

Prólogo ou primeiras conversas...

E eis que surgem as primeiras questões: quem são os meus interlo-cutores? Que história de vida pessoal e profissional construíram? O que fazer para estabelecer o diálogo? Dizer de mim primeiro é reforçar a relação mando-obediência, ou seja, é reafirmar a ideia de professor que sabe e estudante que não sabe, por isso quero começar dizendo que parto da ideia de “dialogismo” apreendida de Paulo Freire: No ter-ceiro capítulo da obra Pedagogia do Oprimido (2005) encontramos o ponto preciso para que conexões, laços, conflitos e reelaborações de aprendizagens possam ser estabelecidas no sentido da transformação e da emancipação humana.

No caso desta disciplina, a possibilidade de construção da passa-gem da concepção de educação excludente para uma concepção de educação inclusiva. Portanto, proponho começarmos pelo princípio da “dialogismo”.

Você já leu algum texto sobre esse assunto? Sabe algo sobre o papel de Noemia Varela para o campo da Arte– Educação? Já estudou algum texto sobre a relação de Paulo Freire com o campo do ensino da Arte? Sabe que existe uma conexão entre o pensamento de Paulo Freire com Noemia Varela e Ana Mae Barbosa?

Para início de diálogo pensei em contar um pouco de minha his-tória de arte– educador. O texto que inicia a Unidade 1 faz parte de minha dissertação de mestrado (ECA/USP) que tem como título Mo-vimento Escolinhas de Arte: em cena memória de Noemia Varela e Ana Mae Barbosa.

Sigamos nosso diálogo!

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unidAdE 1: ArtE – EducAção E EducAção EspEciAl: HistóriAs do EnsinAr1.1. Fio dA MEMóriA E dA nArrAção1.2. noEMiA VArElA: uMA VidA, FAzErEs E pEnsArEsunidAdE 2: ArtE – EducAção E EducAção EspEciAl: QuEstõEs políticAs2.1. BAsE lEgAlunidAdE 3: ArtE EducAção E EducAção EspEciAl: rEFlExõEs3.1. ArtE E proVocAçõEs

dAdos dA disciplinA

EMEntAEstudo da história das articulações entre a Arte– Educação com

a Educação Especial. Compreensão dos trânsitos históricos, políticos e conceituais entre a concepção de Arte na Educação Especial para a concepção de Arte na Educação Inclusiva.

oBjEtiVosDestacar, na História da Arte– Educação brasileira, as contribuições de Noemia de Araújo Varela sobre a Arte na educação de pessoas com necessidades especiais;Construir uma visão crítica da passagem histórica da concepção de Educação Especial para a concepção de Educação Inclusiva;Reconhecer a importância da Arte, seu ensino e sua história na forma-ção do ser humano, a partir de seu caráter aberto ao experimento e a inventividade.

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UNIDADE 1 Arte Educação e

Educação Especial: Histórias do Ensinar

“Talvez seja importante nessa dissertação você narrar também sua própria história de arte– educador”. Essas palavras estão escritas, com a própria letra de Mariazinha Fusari, em meu relatório de qualificação e ficaram em minha cabeça como um eco que, muitas vezes, acordou-me no meio da noite. Foi, em uma dessas madrugadas, que resolvi começar a reinventar minha história de aluno, de aprendiz, e da vontade de ser arte– educador. Como se contasse uma história de uma personagem, fui construindo minha narrativa: recurso para que a exposição em que me empenho, nesse momento, fosse, de certa forma, aliviando a dor e reforçando a delícia de recordar meus primeiros contatos com a Arte, com a Educação e com a vida.

Parti avidamente para a aventura, sem nenhuma preocupação de escrever/narrar ou inventar/reinventar esta minha história com vera-cidade: muito mais que isso, tentei perseguir um veio poético e ficcio-nal, fragmentado e contraditório, reconstruído a duras penas e, por isso mesmo, mais dialógico.

Tudo começa com um tênue fio que possibilitou tecer essa história carregada de ambiguidades e provisoriedades. Eis, aqui, parte dela.

Um reino de brincadeiras espalhado em um quintal, que, a meus olhos de criança, era enorme.

Fantasias e cenários inventados das coisas mais velhas que eram jo-gadas num quartinho no fundo do quintal. Era um resgate, minha for-ma de brincar– diferente da dos meus irmãos– desde muito cedo, fo-mos nos diferenciando; eles, com nossos pais, em uma casa grande com cachorro, árvores de frutas das mais variadas e uma cocheira com um casal de cavalos; eu, em um pequeno apartamento, único companheiro de uma avó separada (era assim que chamavam as mulheres descasadas na época, termo inclusive carregado de preconceito). Minha avó gosta-va de ouvir ópera, ir ao teatro e tomar chá lendo poesia. Esse foi o meu mundo primeiro, o primeiro olhar às coisas: toques, cheiros, contato com o entorno– minha primeira consciência de um universo muito pe-culiar.

Não sabia ler direito as letras e os números e nem me importava com isso, talvez nem precisasse, adivinhava o futuro. O que gostava mesmo era de juntar roupas usadas e com elas representar personagens diferen-

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tes diante de um espelho enorme– possibilidade de inventar novos ges-tos, lembrando as peças infantis, os artistas de cinema, as pessoas que via na rua e me chamavam a atenção, pessoas diferentes, personagens diferentes. Havia em mim uma espécie de fascínio pelo diferente, em um mundo que já primava pelo igual, pela média, pelo medíocre.

Trancado em nosso único quarto (meu e de minha avó), desafiava o mundo do lado de fora a cada nova personagem, que, com uma lógica muito especial e própria, apenas pela emoção da brincadeira, reinven-tava, improvisava, envolvido no prazer de brincar. Minha avó assistia às minhas representações, discutia as tramas, criticava o excesso de me-neios, propondo novos gestos, novos tons, e, assim, eu continuava sem saber ler direito nem letras, nem números, mas fascinado pelas cores, pela possibilidade de desenhar, pela teatralidade da própria vida a que assistia da janela de nosso quarto.

Quando a professora vinha dar aulas, pagas por meu avô, eu me sen-tia cansado, chateado com o exagero de realidade de separar as sílabas, de juntá-las, de ler só as letras e desprezar as imagens das lições, de so-mar e dividir bolinhas. Essa professora vinha do subúrbio, algo que era enfatizado por minha avó como muito distante, quase um outro mun-do, e isso me fazia sonhar.

A professora não tinha nenhum respeito por meu inventar histórias, e eu percebia, que escondida, de minha avó, ela ria dessas histórias.

Um dia, fomos buscar meus pais no aeroporto, primeira vez que ia vê-los depois de quatro anos, mais ou menos. Minha avó dizia, a todo instante, na preparação do encontro: “Se comporte bem, finja que eu estou sempre com você, não diga a ninguém que eu saio à noite...” e mais uma série de recomendações.

Esse reencontro me causou medo e eu não compreendia bem por que, do caminho do aeroporto até o hotel em que eles (meus pais) iriam ficar, pairava um clima de desconforto, de tensões entre minha mãe e minha avó, até que minha mãe disse alto e severamente dirigindo-se à minha avó: “Você tornou esse menino uma coisa diferente.” Segun-do eles, acuado, cheio de medos, muito delicado (demais), e, acima de tudo, sem saber ler.

Daquele primeiro dia até a volta para Recife, passaram-se trinta e dois dias de intensas negociações entre minha avó e meus pais, das quais, minha avó sempre saía perdendo diante dos argumentos deles. Voltei, a contragosto, com meus pais e, quase que, imediatamente, à chegada, fui levado para fazer testes na escola Ulisses Pernambucano (famosa escola de educação especial do Estado de Pernambuco).

Passaram-se muitos dias; eu, triste e assustado, fui colocado na es-cola de crianças excepcionais da APAE. Nessa escola, fui atendido em sessões de estudo, principalmente de leitura, pela própria diretora, pro-fessora Anita Pereira da Costa1. Passei também por sessões de fonoau-

1. Anita pereira da costa participou da liga de Higiene

Mental criada por ulisses pernambucano e estava no grupo

de educadores pernambucanos que foi com noemia Varela para o rio de janeiro em

1949 participar de um congresso da sociedade pestalozzi.

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diologia, oficina de marcenaria e horas maravilhosas de desenhar, pin-tar, trabalhar com mamulengos. A hora do lanche também era mágica: todos juntos, ostensivamente diferentes, uma festa de crianças com as quais, pela primeira vez em minha vida, eu sentia a segurança de estar em uma espécie indizível de fraternidade.

Mas devo dizer que, a princípio, tinha muito medo das crianças mon-golóides, defeituosas demais, para meus olhos desacostumados; então, eu ficava me lembrando de um filme a que assistira sobre crianças cruel-mente tratadas em um campo de concentração nazista, arrancadas de seus pais durante o holocausto.

Dessa escola, no entanto, trago os primeiros conhecimentos siste-máticos de Arte. O primeiro mamulengo que construí, da massa até a representação atrás da caixa mágica, e o prazer de aprender.

“Talvez seja importante nessa dissertação você narrar também sua própria história de arte– educador”. Essas palavras estão escritas, com a própria letra de Mariazinha Fusari, em meu relatório de qualificação e ficaram em minha cabeça como um eco que, muitas vezes, acordou-me no meio da noite. Foi, em uma dessas madrugadas, que resolvi começar a reinventar minha história de aluno, de aprendiz, e da vontade de ser arte– educador. Como se contasse uma história de uma personagem, fui construindo minha narrativa: recurso para que a exposição em que me empenho, nesse momento, fosse, de certa forma, aliviando a dor e reforçando a delícia de recordar meus primeiros contatos com a Arte, com a Educação e com a vida.

Parti avidamente para a aventura, sem nenhuma preocupação de escrever/narrar ou inventar/reinventar esta minha história com vera-cidade: muito mais que isso, tentei perseguir um veio poético e ficcio-nal, fragmentado e contraditório, reconstruído a duras penas e, por isso mesmo, mais dialógico.

Tudo começa com um tênue fio que possibilitou tecer essa história carregada de ambiguidades e provisoriedades. Eis, aqui, parte dela.

Um reino de brincadeiras espalhado em um quintal, que, a meus olhos de criança, era enorme.

Fantasias e cenários inventados das coisas mais velhas que eram jo-gadas num quartinho no fundo do quintal. Era um resgate, minha for-ma de brincar– diferente da dos meus irmãos– desde muito cedo, fo-mos nos diferenciando; eles, com nossos pais, em uma casa grande com cachorro, árvores de frutas das mais variadas e uma cocheira com um casal de cavalos; eu, em um pequeno apartamento, único companheiro de uma avó separada (era assim que chamavam as mulheres descasadas na época, termo inclusive carregado de preconceito). Minha avó gosta-va de ouvir ópera, ir ao teatro e tomar chá lendo poesia. Esse foi o meu mundo primeiro, o primeiro olhar às coisas: toques, cheiros, contato

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com o entorno– minha primeira consciência de um universo muito pe-culiar.

Não sabia ler direito as letras e os números e nem me importava com isso, talvez nem precisasse, adivinhava o futuro. O que gostava mesmo era de juntar roupas usadas e com elas representar personagens diferen-tes diante de um espelho enorme– possibilidade de inventar novos ges-tos, lembrando as peças infantis, os artistas de cinema, as pessoas que via na rua e me chamavam a atenção, pessoas diferentes, personagens diferentes. Havia em mim uma espécie de fascínio pelo diferente, em um mundo que já primava pelo igual, pela média, pelo medíocre.

Trancado em nosso único quarto (meu e de minha avó), desafiava o mundo do lado de fora a cada nova personagem, que, com uma lógica muito especial e própria, apenas pela emoção da brincadeira, reinven-tava, improvisava, envolvido no prazer de brincar. Minha avó assistia às minhas representações, discutia as tramas, criticava o excesso de me-neios, propondo novos gestos, novos tons, e, assim, eu continuava sem saber ler direito nem letras, nem números, mas fascinado pelas cores, pela possibilidade de desenhar, pela teatralidade da própria vida a que assistia da janela de nosso quarto.

Quando a professora vinha dar aulas, pagas por meu avô, eu me sen-tia cansado, chateado com o exagero de realidade de separar as sílabas, de juntá-las, de ler só as letras e desprezar as imagens das lições, de so-mar e dividir bolinhas. Essa professora vinha do subúrbio, algo que era enfatizado por minha avó como muito distante, quase um outro mun-do, e isso me fazia sonhar.

A professora não tinha nenhum respeito por meu inventar histórias, e eu percebia, que escondida, de minha avó, ela ria dessas histórias.

Um dia, fomos buscar meus pais no aeroporto, primeira vez que ia vê-los depois de quatro anos, mais ou menos. Minha avó dizia, a todo instante, na preparação do encontro: “Se comporte bem, finja que eu estou sempre com você, não diga a ninguém que eu saio à noite...” e mais uma série de recomendações.

Esse reencontro me causou medo e eu não compreendia bem por que, do caminho do aeroporto até o hotel em que eles (meus pais) iriam ficar, pairava um clima de desconforto, de tensões entre minha mãe e minha avó, até que minha mãe disse alto e severamente dirigindo-se à minha avó: “Você tornou esse menino uma coisa diferente.” Segun-do eles, acuado, cheio de medos, muito delicado (demais), e, acima de tudo, sem saber ler.

Daquele primeiro dia até a volta para Recife, passaram-se trinta e dois dias de intensas negociações entre minha avó e meus pais, das quais, minha avó sempre saía perdendo diante dos argumentos deles. Voltei, a contragosto, com meus pais e, quase que, imediatamente, à chegada, fui

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levado para fazer testes na escola Ulisses Pernambucano (famosa escola de educação especial do Estado de Pernambuco).

Passaram-se muitos dias; eu, triste e assustado, fui colocado na es-cola de crianças excepcionais da APAE. Nessa escola, fui atendido em sessões de estudo, principalmente de leitura, pela própria diretora, pro-fessora Anita Pereira da Costa1. Passei também por sessões de fonoau-diologia, oficina de marcenaria e horas maravilhosas de desenhar, pin-tar, trabalhar com mamulengos. A hora do lanche também era mágica: todos juntos, ostensivamente diferentes, uma festa de crianças com as quais, pela primeira vez em minha vida, eu sentia a segurança de estar em uma espécie indizível de fraternidade.

Mas devo dizer que, a princípio, tinha muito medo das crianças mon-golóides, defeituosas demais, para meus olhos desacostumados; então, eu ficava me lembrando de um filme a que assistira sobre crianças cruel-mente tratadas em um campo de concentração nazista, arrancadas de seus pais durante o holocausto.

Dessa escola, no entanto, trago os primeiros conhecimentos siste-máticos de Arte. O primeiro mamulengo que construí, da massa até a representação atrás da caixa mágica, e o prazer de aprender.

Para mim, era engraçado, porque o que fazia escondido com a minha avó, agora eu podia fazer na escola, podia representar, criar histórias, fantasiar. A professora, como minha avó, perguntava sobre a minha cria-ção, criticava com jeito, melhorava.

Em dias muito felizes– especiais, podíamos representar para muitas pessoas e também para os pais. Também os meus. Não, apenas para mi-nha mãe, e ela simplesmente detestava aquilo. Ela não me dizia, mas eu percebia que ela não gostava. Ela escondia sua humilhação. Voltávamos sempre para casa com um ar pesado entre nós. É curioso, porque ela nunca levou nenhum de meus irmãos para assistir a algumas daquelas festas de minha escola– escola de crianças excepcionais. No fundo, eu sabia, porque ela me dizia sempre que eu não podia falar que estudava lá, mas eu nem ligava para isso, já estava acostumado com vida secreta, aprendera tão bem com minha avó a não contar sobre seus namorados a ninguém e no fundo não me interessava muito pelo mundo, que, na ocasião, era-me imposto. Por isso, buscava o fundo do quintal daquela velha casa, hoje demolida e transformada em uma igreja dessas religiões novas.

Na escola, criei uma continuação de meu mundo lúdico e onírico sem o glamour de ver minha avó se enfeitar e sair para ir ao teatro, ao cinema ou namorar, mas, com a liberdade de poder lidar com tintas e pincéis, massa de modelar, vestir os bonecos, criar histórias, participar da bandinha, tudo pelo prazer de brincar. Com meus pais, nunca fui ao teatro e ao cinema, apenas podia assistir aos filmes de que meu pai gos-tava. Portanto, com tintas e pincéis, tinha contato em minha maravilho-

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sa escola de crianças diferentes – excepcionais– que, modernamente, trabalhava, hoje sei, a livre expressão da criança, inclusive das crianças diferentes. Essa escola foi muito importante em minha vida. Lá aprendi a amar a leitura, a respeitar as diferenças, as pessoas, a gostar da escola; e lá descobri que em tudo pode haver mágica e mistério, principalmente no aprender a ler a vida.

Hoje, penso que exatamente porque se trabalhava ali a leitura e a escrita de outros códigos– as linhas, os movimentos, as cores, os ges-tos e as sonoridades–, pude escolher ser arte– educador, porque ficou gravado para sempre, em minha memória, que aprender tem a ver com aventura, e que a escola deve ser esse lugar privilegiado que impulsio-na o aventurar-se ao conhecimento, e que ela não pode ser opressiva e excludente, ao contrário, ela tem que incluir todos– na aventura de aprender– com suas ricas e infinitas diferenças.

Esse fragmento narrativo de minha história é uma resposta não ape-nas à professora Mariazinha (da qual todos nós guardamos belos ensi-namentos), mas também à forma que encontrei de me incluir mais en-faticamente no trabalho de pesquisa sobre o Movimento Escolinhas de Arte, através do depoimento de duas arte– educadoras, (Noemia Varela e Ana Mae), que, entre outras, construíram a história desse movimento, contribuindo para a difusão da Arte– Educação em nosso País.

Vocês também podem acessar outro vídeo com uma entrevista concedida por Noemia Varela ao Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais:http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=441&textCode=1848&date=currentDateNesse endereço eletrônico, há também entrevistas com outros arte– educadores: Gisélia Sátiro, Fernando Azevedo, Rejane Coutinho, Jaisa Farias.

sAiBA MAis

Esta unidade pretende colocar alguns aspectos históricos que, provavelmente, ajudam a ampliar nossos conhecimentos sobre a Arte, seu ensino e sua histó-ria. Proponho começarmos assistindo ao vídeo intitulado Noemia Varela: uma vida, fazeres e pensares, material que foi elaborado para compor o módulo da exposição– uma vida– organizada em homenagem à grande arte– educadora brasileira Noemia de Araújo Varela.Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=oekplNIgedQ

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E agora? Vamos refletir um pouco sobre a História da Arte– Educa-ção no Brasil? Vou começar pelo fio da memória e da narração. Essa é, apenas, uma versão, um ângulo da História, mas um fragmento que é de extrema importância para o estudo e a pesquisa nesta disciplina...

1.1 Fio dA MEMóriA E dA nArrAção

Vamos, então, iniciar com um trecho do texto de Walter Benjamin, um dos integrantes da famosa Escola de Frankfurt. Escola que criou a teoria crítica. Esse pensador afirma sobre o ato de narrar:

A narrativa, [...] – é, por assim dizer, uma forma artesanal de comunicação. Sua intenção primeira não é transmitir a substância pura do conteúdo, como o faz uma informação ou uma notícia. Pelo contrário, emerge essa substância na vida do narrador para, em seguida, tirá-la dele próprio. Assim a narrativa revelará sempre a marca do narrador, assim como a mão do artista é percebi-da, por exemplo, na obra de cerâmica. Trata-se da inclinação dos narradores de iniciarem sua história com uma apresentação das circunstâncias nas quais foram informados daquilo que em seguida passam a contar; isto quando não apresentam todo o relato como produto de experiências próprias [...] Assim, sua marca pessoal revela-se nitidamente na narrativa, pelo menos como relator, se não como alguém que tenha sido diretamente envolvido nas circunstâncias apresentadas (1975, p. 69) .

Em sua obra recente, Ensino da Arte: memória e história, Ana Mae Barbosa afirma: “Na arte e na vida memória e história são personagens do mesmo cenário temporal, mas cada uma se veste a seu modo. [...] A história, intelectual e formal, usa a vestimenta acadêmica, enquanto a memória não respeita regras nem metodologias, é afetiva e revive a cada lembrança (2008, p. 01)”.

Acrescento à compreensão de Ana Mae uma afirmação de Mari-lena Chauí sobre a história [...] é descontínua e não progressiva cada sociedade tem sua história própria em vez de ser apenas uma etapa numa história universal das civilizações (2005, p. 50).

Nesse amálgama, não posso esquecer as lições de minha professora Ecléa Bosi, com quem aprendi o sentido de história como memória, presente em sua obra Memória e Sociedade: lembranças de velhos, da qual ressalto: “Uma lembrança é diamante bruto que precisa ser lapi-dado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa acompanhá-lo para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas uma reaparição (1994, p. 81)”.

E para fechar essa introdução, ressalto António Nóvoa, em Vidas de professores: “[...] não é possível separar o eu pessoal do eu profissio-

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nal, sobretudo numa profissão fortemente impregnada de valores e ideais e muito exigentes do ponto de vista do empenhamento e da relação humana (1995, p. 16)”.

É, pois, no sentido de trazer à luz fragmentos de memórias, colhidas junto a Noemia Varela, portanto, sem obedecer a uma linha de tem-po linear, que convido vocês a tecer em suas próprias considerações: juntando partes, tecer tramas, reinventar a história, estabelecendo seus fios condutores, pois, como chama atenção Ana Mae, a memória não respeita regras nem metodologias, ela é afetiva .

Eis minha narração... Refletir sobre o papel de Noemia Varela na História da Arte– Educação brasileira exige trazer à tona seus laços afetivo-intelectuais, pois nossa personagem trabalha sempre em grupo, respeitando e valorizando a diversidade de contribuições e as decisões do coletivo, ou seja, refletir sobre sua história pessoal é também refle-tir sobre os contextos de sua história profissional e, consequentemente, sobre contextos da história que construímos em Arte– Educação.

Noemia Varela é nordestina da cidade de Macau, no Rio Grande do Norte. Cedo foi morar em Pernambuco e, por isso, diz-se culturalmente pernambucana. Em Recife, formou-se em Pedagogia.

Um destaque significativo de sua vida pessoal/profissional– de arte– educadora– diz respeito ao seu encontro com a Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Na verdade, a primeira e grande paixão em Arte– Educa-ção de Noemia Varela.

Esse encontro aconteceu em 1949, quando Noemia Varela recém--formada em pedagogia, foi ao Rio de Janeiro para participar do I Con-gresso Nacional da Sociedade Pestalozzi, presidida por Helena Antipo-ff, e, entre suas descobertas, conheceu a EAB.

A EAB foi criada um ano antes, em 1948, no Rio de Janeiro (então Distrito Federal), pelo artista plástico e poeta pernambucano Augusto Rodrigues, juntamente com a professora de Arte gaucha Lúcia de Alen-castro Valentim e a escultora norte-americana Margareth Spencer.

Sobre o contexto de fundação da EAB, trago o próprio Augusto Ro-drigues, que em tom poético enfatiza:

Quando a escolinha realmente começou, creio que a tendência era ela se chamar Escolinha Castro Alves, porque estava na Biblioteca Castro Alves. Mas eu não quis dar nome à Escolinha. Estávamos realmente fazendo uma experiência em aberto, até o momento em que começamos a sentir que precisava de um nome. Aí é que surgem as crianças que já começavam a dizer: ‘amanhã eu vou à Escolinha’, e elas só chamavam de escolinha. Percebi de imediato que elas faziam uma dis-tinção entre a escola institucional e aquele lugar que elas passavam a chamar de Escolinha. Escolinha, no diminutivo, com o componente afetivo. Uma era a escola onde ela ia aprender, a outra onde ela ia viver experiências, expandir-se, projetar--se. Então foram elas mesmas que deram o nome (1980, p. 39).

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Para que fique mais claro o encontro marcante de Noemia Varela com a EAB e sua compreensão crítica do significado da filosofia e da prática desenvolvida na escolinha, ressalto o que afirma Noemia Varela:

A fidelidade da Escolinha de Arte ao nome [...] realmente foi muito positiva porque mostrou, com acuidade de compreensão, que não é o nome que vai dar importância à experiência, é quem está na experiência, e o que é feito, e o resul-tado e o processo dela, em termos de suas conseqüências no sistema educacional brasileiro...

Na verdade, muitos artistas e educadores no Brasil e na América Latina fize-ram experiências e pesquisas na área de educação e arte... O que a Escolinha de Arte do Brasil fez [...] de singular para mim é apresentar-se como proposta aberta, modelo gerador de novas Escolinhas de Arte, modelo no sentido científi-co, não para ser imitado, mas para ser o ponto de partida para a mudança. Ela nunca propôs a nenhuma Escolinha: ‘faça o que eu faço’. Mas: ‘tenha os fins, a expectativa, leve as atitudes geradoras de uma experiência coerente com o seu meio’. Modelo gerador de novas Escolinhas de Arte diversificadas na medida do sonho e da força criadora de seus fundadores. [...]

E se cada Escolinha– pelos seus ideais e princípios– se liga à experiência-mãe da Escolinha de Arte do Brasil, por outro lado caminha independentemente em seu processo de desenvolvimento, autônomo na dimensão que lhe conferem aqueles que a constituem, que fundamentam e orientam a experiência (1980, p. 70-71).

Assim, não posso negar que, provavelmente, essa viagem foi mar-cante para a sua formação profissional: como pedagoga, já demonstra-va interesse pela educação de pessoas com deficiência; não é por acaso sua ida ao congresso da Pestalozzi, pois já tinha algum conhecimento sobre as contribuições de Helena Antipoff2, para a educação especial articulada à Arte. Ela não sabia, no entanto, que havia uma escolinha de arte (EAB) que trabalhava atividades artísticas também com pessoas com deficiência e que Augusto Rodrigues (que conheceu na referida viagem) era sempre convidado por Helana Antipoff para ministrar cur-sos de Arte Plásticas na Sociedade Pestalozzi. A seguir, destaco suas im-pressões poéticas de seu encontro com a EAB:

[...] havia plantas, havia as mesmas mesinhas que estão hoje lá, havia uma arrumação mais livre.

2. Helena Antipoff, segundo Augusto rodrigues foi médica e educadora russa, que veio ao Brasil a convite de Francisco campos (secretário de Educação de Minas gerais, um dos líderes do Movimento Escola nova). Em 1945 Helena veio ao rio de janeiro e a exemplo do que fizera em Minas Gerais criou a sociedade peslalozzi do Brasil. são inúmeras suas contribuições a Educação brasileira embora seja injustamente esquecida pela História da Educação nacional. Entre as principais contribuições destaco: criou cursos de recreação, teatro infantil, logopedia e cursos especializados para professores de pessoas com necessidades es-peciais. criou também um dos primeiros cursos de psicologia em nível superior – o de psi-copedagógico – e foi professora do instituto de serviços sociais da universidade do Brasil. Ele ajudou a trazer para o nos-so país grandes especialitas en-tre eles claparède de quem foi assistente em genebra, lá foi professora de psicologia entre os anos de 1926 a 1929. sua ligação com o movimento de Arte/educação brasileiro deve-se a amizade com Augusto rodrigues e mais tarde com noemia Varela.

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[...] vinte, vinte e cinco crianças de idades diferentes e uma jovem professora– Lucia Alencastro Valentim– atendendo àquelas crianças sem assistentes. E elas livremente apanhando seus diários, fazendo as suas pinturas.

[...] Enquanto eu olhava as crianças trabalharem tão poeticamente, eu ouvia a voz de Augusto falando de Herbert Read, as experiências, o interesse e a impor-tância da autoexpressão. Aquilo tudo me encantou– mas me encantou o ato, o fazer, a ação da expressão da criança (1978. p. 88).

Penso que o testemunho crítico– poético e, ao mesmo tempo, apai-xonado de Noemia Varela deixa claro não apenas a experiência inovado-ra e pioneira da EAB e, consequentemente, do Movimento Escolinhas de Arte, mas também o papel que as escolinhas tiveram na formação das novas gerações de arte– educadores. Não foi por acaso o fato de No-emia Varela ter coordenado, durante anos, o Curso Intensivo de Arte na Educação (CIAE), oferecido pela EAB, dirigido para a formação de arte– educadores do Brasil inteiro. Segundo Ana Mae, ao longo de anos, o único curso que formava realmente no campo da Arte– Educação.

Em sua volta a Recife, Noemia Varela criou, na Escola de Educação Especial Ulisses Pernambucano, um atelier de Arte para crianças con-sideradas fora do padrão de normalidade, crianças que, na época, eram denominadas de excepcionais. Esse acontecimento possibilitou ser re-conhecida, na História do ensino da Arte, como a primeira arte– edu-cadora brasileira a articular Arte– Educação com Educação Especial.

Cabe um parêntese para enfatizar que, na História mais ampla do Ensino da Arte, o trabalho elaborado por Victor Lowenfeld com crian-ças cegas na Áustria é também um marco muito significativo da articu-lação entre Educação Especial e Arte– Educação.

Outro aspecto importante que deve ser ressaltado da vida de Noe-mia Varela está relacionado aos vínculos que estabeleceu ao longo de sua história pessoal e profissional. Em Pernambuco, seu contato com Paulo Freire foi significativo para a Arte– Educação brasileira. Paulo Freire não foi apenas contemporâneo de Noemia Varela na Universi-dade do Recife na Escola de Belas Artes, foi ele quem a indicou para ministrar a disciplina Prática de Ensino em Artes Plásticas, no curso de professorado de Desenho, do qual o próprio Paulo Freire era professor da disciplina Filosofia e História da Educação.

Amizade selada entre ambos, foram professores de outros cursos, destacando-se o que ministraram para preparar candidatos ao cargo de professores da rede de ensino do estado de Pernambuco, que ocorreu no Instituto Capibaribe (escola criada pelo casal– Paulo e Elza Freire– e Raquel de Crasto) em Recife. Nesse curso, uma das estudantes– candi-datas era Ana Mae Barbosa.

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Sobre o contexto do encontro com Paulo Freire e Noemia Varela, decisivo para vida pessoal e profissional de Ana Mae Barbosa, prefiro ser fiel ao texto Narrativa Circunstanciada, documento escrito por ela própria para a obtenção de livre-docência da Universidade de São Pau-lo.

Não havia uma vasta escolha profissional, naquele tempo, em Recife. As Faculdades de Filosofia ainda não tinham credibilidade. Um aluno, primeiro lugar da classe, para não desperdiçar seu talento, era, invaria-velmente, aconselhado por seus mestres a escolher dentre as três mais importantes carreiras: Medicina, Engenharia ou Direito. Para mim, [...], restou a vala comum do Direito.Para essa escola, iam todos os aspi-rantes a atividades humanísticas.

A interferência da família continuou na base de negação de apoio fi-nanceiro para meus estudos. Resolvi, então, trabalhar, mas a única fun-ção externa que meus familiares consideravam digna para uma mulher era o magistério. Surgiu um concurso para professores primários da Se-cretaria de Educação de Pernambuco. Esses concursos eram extrema-mente concorridos porque a professora primária, na década de 1950, ainda tinha status e reconhecimento social. Vários cursos preparatórios para o concurso foram organizados.

No Instituto Capibaribe, [...], a primeira aula foi dada por Paulo Freire que, simplesmente, pediu que escrevêssemos explicando por que queríamos ser professores. Meu texto foi o inverso: procurei explicar por que não queria ser professora. Paulo Freire me chamou então para uma conversa individual e me convenceu de que educação não era o que eu tinha tido; era outra coisa que procuraríamos descobrir durante o curso. Descobri, sim, que educação é uma constante descoberta de si, dos outros e do mundo (Narrativa Circunstanciada, s/d) (grifo meu).

Das conexões entre Paulo Freire, Noemia Varela e Ana Mae Bar-bosa, portanto, nasceu a concepção de Arte– Educação crítica– que se caracteriza por um postura contraideológica– e vem contribuindo fortemente para a constituição da concepção de Arte– Educação pós--crítica– que se caracteriza por uma visão intermulticultural, trazendo para o espaço da formação do arte– educador as questões de gênero, raça, etnia, sexualidade. Nesse sentido, abrindo o debate para a inclusão das pessoas com deficiência.

Para finalizar esta unidade, trago um pouco da exposição em home-nagem a Noemia Varela, destacando o texto de parede a seguir e algu-mas fotos.

1.2 noEMiA VArElA: uMA VidA, FAzErEs E pEnsArEs

No trecho abaixo, o objeto evocado e encantado que se deseja reve-lar é uma pessoa, uma história de vida: Noemia de Araújo Varela.

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Educar com arte para arte, esse fazer devemos, no Brasil, muito de seu de-senvolvimento a Noemia Varela. A formação aberta e sem demarcação de fronteiras: da psicologia, da filosofia, da história da arte, da música, da pin-tura, da cerâmica à educação, inclusive, à educação especial, eleva a obra desta professora, mestra de todos os que se interessam pelo ensino, a uma rica fonte de reflexão sobre o sentido da arte na sociedade contemporânea. Porém, ainda assustando a muitos, para essa pensadora, a arte não é com-preendida como uma disciplina que possa ser compartimentada, o que larga-mente nos evidenciou os anos instigantes da Escolinha de Arte do Brasil, que tiveram uma missão pioneira em nosso País. (Lucimar Belo, 2001, p. 11) Noemia (ou D. Noemia, como chamamos nós, seus aprendizes, em sinal de re-verência) dedicou sua vida a relações de aprendizagens, ao delicado ato con-creto/mágico e humanizador de ensinar Arte. Sua história de vida pessoal confunde-se, maravilhosamente, com a sua história de vida profissional.

Por ser múltipla, podemos apresentá-la por meio de variadas manei-ras. Esse é, portanto, um modo, apenas, de apresentar a homenageada desta exposição. Eis uma outra maneira: Noemia Varela nasceu no in-terior do Rio Grande do Norte, formou-se em Pedagogia em Recife, morou alguns anos no Rio de Janeiro, onde trabalhou na Escolinha de Arte do Brasil (EAB) ao lado de seu criador, o poeta e artista plástico, pernambucano, Augusto Rodrigues, e no Conservatório Brasileiro de Música. Lá, entre os inúmeros amigos que fez, estabeleceu laços afe-tivos e intelectuais com a Drª Nise da Silveira3 , tendo participado do famoso Grupo de Estudos Carl Gustav Jung durante todo o tempo em que morou no Rio. Sua história de professora é também uma história de amor ao estudo e à vida: sempre atenta aos desafios da vida e da carreira, tem sempre como princípio olhar o outro pelo ângulo das suas capacidades inventivas, nunca pelo ângulo da falta, da perda, da defici-ência. Foi também, no Rio de Janeiro, que conheceu e se apaixonou por Arte– Educação, quando, participando de um Congresso da Socieda-de Pestalozzi, conheceu a EAB e, ao voltar para Recife, cheia de ideias, criou, na atual Escola de Educação Especial Ulisses Pernambucano, um atelier de Arte para crianças especiais– marco que a faz ser reconhecida com a primeira arte– educadora brasileira a trabalhar com Arte na Edu-cação Especial.

O amor à educação como possibilidade de libertação a fez juntar-se ao grande Paulo Freire. Assim, não é por acaso que, em seu memorial para obtenção da livre-docência da Universidade de São Paulo, Ana Mae Barbosa tenha registrado o fato de escolher educação por ter sido fortemente influenciada pela pedagogia libertaria de Paulo e pela ma-neira libertária de conceber Arte– Educação de Noemia Varela.

3. depois da morte da drª nise da silveira em 30 de novembro de 1999, o grupo de Estudos passou a ser denominado com os nomes de jung e silveira.

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A exposição foi organizada em dois módulos articulados – Uma Vida e Desenhos que Contam Histórias. Para o módulo Uma Vida elabora-mos um vídeo, cujo roteiro buscou ressaltar laços estabelecidos por No-emia Varela ao longo de sua existência. Ela fala, em tom de encantamen-to, sobre a Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Também faz parte desse módulo uma vitrina em que as fotografias de família e de amigos, textos escritos em livros, jornais e revistas de sua autoria e sobre seu trabalho compõem de maneira não linear a história de sua vida.

A exposição Uma Vida e Desenhos que Contam Histórias, foi pensada, em 2007, para comemorar os noventa anos de vida de Noemia de Araú-jo Varela, primeira arte– educadora brasileira a trabalhar com Arte na educação especial e uma grande liderança do Movimento Escolinhas de Arte.

Em 1953, Noemia participou ativamente da criação da Escolinha de Arte do Recife (EAR) junto com Augusto Rodrigues, Paulo Freire, Aluísio Magalhães, Francisco Brennand, além de vários artistas e inte-lectuais pernambucanos.

Para o módulo Desenhos que Contam Histórias, a equipe selecionou trinta trabalhos de estudantes no acervo da EAR desde sua inaugura-ção em 1953. Lá encontramos trabalhos extremamente significativos que, de certa maneira, contam a história da própria escolinha, do MEA e da compreensão que se tinha do trabalho artístico da criança e do adolescente. É um acervo apontado por Ana Mae Barbosa como um importante documento necessitando ser pesquisado urgentemente. Nesse módulo devemos enfatizar ainda trabalhos de pessoas que hoje são artistas reconhecidos no cenário das Artes Visuais dentro e fora do país, como Gil Vicente e Pedro Frederico. Encontram-se também tra-balhos elaborados por pessoas especiais, como o de Rosa, e de profis-sionais que atuam em diversas áreas e que deram depoimentos sobre a importância da EAR em suas vidas.

A exposição contou com material educativo voltado a sua “leitura in-terpretativa” visando de maneira especial seu público alvo: professores e estudantes de Arte.

Cabe ressaltar que esta homenagem em forma de exposição surgiu de conversas de Ana Mae Barbosa – consultora para a pesquisa da cura-doria – os arte– educadores André Aquino – Gerente de Serviços de Formação em Artes Visuais da Prefeitura do Recife e idealizador da ex-posição –, Everson Melquíades – elaborador do programa de homena-gens a Noemia Varela pelos seus 90 anos –, Fábio Costa – professor da EAR e conhecedor do acervo – e Fernando Azevedo – aprendente do pensamento de Noemia Varela e Ana Mae Barbosa.

A inauguração da exposição foi no Museu Murilo LaGreca/Recife e dele passou pelos seguintes espaços: Galeria Capibaribe/UFPE, SESC de Casa Amarela/Recife, Escola de Arte João Pernambuco/Recife,

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SESC de Caruaru/PE e atualmente está na Universidade Rural Fede-ral/Unidade Garanhuns/PE.

Busque no seguinte endereço www..funarte.gov.br o caderno de textos 1 Arte sem Barreiras ( ano 1 nº1 setembro/dezembro 2002), os seguintes textos: Abordagem histórica: do ensino da Arte especial ao ensino de arte inclusivo de AZEVEDO, Fernando A. G.As artes visuais e a educação inclusiva de MARTIS, Alice F.Convergências: educação, arte inclusão? De AGUIAR, RitamariaObservação: nesse mesmo endereço, vocês podem encontrar outros textos sobre Arte, educação e inclusão.

sAiBA MAis

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UNIDADE 2Arte – Educação e Educação

Especial : Questões Políticas

Inicio esta segunda unidade propondo a vocês uma reflexão sobre alguns pontos muito significativos para a teoria e prática “arte– educa-tiva”, pontos que estão conectados com a política da diversidade cultu-ral. Essa política possui, como fundamento, os objetivos e princípios da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, aprovada na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura, em sua 33ª reunião, celebrada em Paris, de 03 a 21 de outubro de 2005, afirman-do a diversidade cultural como: característica essencial da humani-dade. O Brasil ratificou essa política por meio do Decreto Legislativo 485/2006.

http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001502/150224POR.pdf

2.1 BAsE lEgAl

A base legal deste curso toma os Objetivos e Princípios diretores da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expres-sões Culturais:

Artigo 1 – oBjEtiVos

Os objetivos da presente Convenção são:(a) proteger e promover a diversidade das expressões culturais;(b) criar condições para que as culturas floresçam e interajam livre-

mente em benefício mútuo;(c) encorajar o diálogo entre culturas a fim de assegurar intercâm-

bios culturais mais amplos e equilibrados no mundo em favor do res-peito intercultural e de uma cultura da paz;

(d) fomentar a interculturalidade de forma a desenvolver a interação cultural, no espírito de construir pontes entre os povos;

(e) promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e a conscientização de seu valor nos planos local, nacional e internacional;

(f) reafirmar a importância do vínculo entre cultura e desenvolvi-mento para todos os países, especialmente para países em desenvolvi-

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mento, e encorajar as ações empreendidas no plano nacional e interna-cional para que se reconheça o autêntico valor desse vínculo;

(g) reconhecer natureza específica das atividades, bens e serviços culturais enquanto portadores de identidades, valores e significados;

(h) reafirmar o direito soberano dos Estados de conservar, adotar e implementar as políticas e medidas que considerem apropriadas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seu território;

(i) fortalecer a cooperação e a solidariedade internacionais em um espírito de parceria visando, especialmente, ao aprimoramento das ca-pacidades dos países em desenvolvimento de protegerem e de promo-verem a diversidade das expressões culturais.

Artigo 2 – princípios dirEtorEs

1. Princípio do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais

A diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamen-tais, tais como a liberdade de expressão, informação e comunicação, bem como a possibilidade dos indivíduos de escolherem expressões culturais.

Ninguém poderá invocar as disposições da presente Convenção para atentar contra os direitos do homem e as liberdades fundamentais consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e garanti-dos pelo direito internacional ou para limitar o âmbito de sua aplicação.

2. Princípio da soberaniaDe acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do

direito internacional, os Estados têm o direito soberano de adotar me-didas e políticas para a proteção e promoção da diversidade das expres-sões culturais em seus respectivos territórios.

3. Princípio da igual dignidade e do respeito por todas as cultu-ras

A proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais pressupõem o reconhecimento da igual dignidade e o respeito por to-das as culturas, incluindo as das pessoas pertencentes a minorias e as dos povos indígenas.

4. Princípio da solidariedade e cooperação internacionaisA cooperação e a solidariedade internacionais devem permitir a to-

dos os países, em particular os países em desenvolvimento, criarem e fortalecerem os meios necessários a sua expressão cultural– incluindo

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as indústrias culturais, sejam elas nascentes ou estabelecidas– nos pla-nos local, nacional e internacional.

5. Princípio da complementaridade dos aspectos econômicos e culturais do desenvolvimento

Sendo a cultura um dos motores fundamentais do desenvolvimento, os aspectos culturais desse são tão importantes quanto aos seus aspec-tos econômicos, e os indivíduos e povos têm o direito fundamental de dele participarem e se beneficiarem.

6. Princípio do desenvolvimento sustentávelA diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos

e as sociedades. A proteção, promoção e manutenção da diversidade cultural é condição essencial para o desenvolvimento sustentável em benefício das gerações atuais e futuras.

7. Princípio do acesso equitativoO acesso equitativo a uma rica e diversificada gama de expressões

culturais provenientes de todo o mundo e o acesso das culturas aos meios, de expressão e de difusão constituem importantes elementos para a valorização da diversidade cultural e o incentivo ao entendimen-to mútuo.

8. Princípio da abertura e do equilíbrioAo adotar medidas para favorecer a diversidade das expressões cul-

turais, os Estados buscarão promover, de modo apropriado, a abertu-ra a outras culturas do mundo e garantir que tais medidas estejam em conformidade com os objetivos perseguidos pela presente Convenção.

A partir dos objetivos e princípios apontados por esse documen-to proponho uma reflexão sobre pontos norteadores da articu-lação entre Arte–Educação e Educação Inclusiva. Para tanto, cito o que Ana Mae Barbosa e Paulo Freire, no terceiro capítulo da obra Pedagogia do Oprimido, sabiamente, colocam:

A política cultural euro-americana, segmentada e separatista, que impede pensar a arte como fenômeno mais amplo, tornou necessário que se crias-se um museu de arte só para mulheres, um só para hispano-americano, um para a arte popular, outro para a arte industrial, outro para as relações de arte com antropologia, outro para a arte indígena, etc. Essa política já não serve para eles próprios nesse momento histórico [...] e serve muito menos para nós, que podemos tomar partido da flexibilidade intercultural,

pArA rEFlEtir

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que caracterizou o movimento imigratório no Brasil e que se assentou en-tre nós como costume comportamental (Ana Mae Barbosa, 1998, p. 100) Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim? Como posso dialogar, se me admito como homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros ‘isto’, em quem não reconheço outros eu? Como posso dialogar, se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são ‘essa gente’ ou são ‘nativos inferiores’? Como posso dialogar, se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar? Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos ou-tros que jamais reconheço e até me sinto ofendido com ela? Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho? A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronuncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que ca-minhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em co-munhão, buscam saber mais. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. Não é no silen-cio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão (2005, p. 93) (grifos do autor).

É recorrente entre professores a seguinte argumentação: para se tra-balhar com estudantes especiais, é necessário um preparo adequado a cada uma das “deficiências”, e complementam tal argumento dizendo que a ideia de inclusão é imposição de políticas governamentais.

Na realidade, a transformação que vem ocorrendo atualmente com relação à inclusão cultural e social de grupos minoritários e tem reba-timento na escola diz respeito à luta e a organização de grupos sociais que não tinham “nem vez nem voz” e hoje começam a ser considerados no contexto mais amplo da sociedade.

Nesse sentido, os estudos culturais, o multiculturalismo crítico ou o in-terculturalismo têm ajudado estudantes e educadores a compreenderem a escola como um grande palco de negociações entre diferentes sujeitos culturais e sociais, desconstruindo o mito da turma ou grupo homo-gêneo e chamando a atenção para a riqueza que é a heterogeneidade cultural e social.

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Cabe, aqui, uma importante diferenciação entre a concepção de in-clusão e a concepção de integração, partindo da ideia de que a pessoa com deficiência é apenas diferente, mas não desigual do ponto de vista de seus direitos, como enfatiza o trecho do documento Convenção so-bre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e o fragmento de texto de Ana Mae e Paulo Freire que convida TODOS ao diáogo.

Para iniciar o diálogo, esclareço: a concepção de inclusão não é si-nônima da concepção de integração, como o senso comum insiste em afirmar.

A primeira coloca em debate valores, preconceitos e crenças cons-truídas no plano do senso comum, provocando um movimento de crí-tica e desconstrução dos modelos de instituições sociais que legitimam o padrão hegemônico de normalidade, padrão que exclui todos aque-les que estão fora de tal modelo. A inclusão surge desse modo, como uma “nova” atitude social de respeito ao Outro – ao diferente – com sua história de vida singular, suas potencialidades, seus direitos. É o reco-nhecimento do diferente como semelhante, ou melhor, do Outro como diferente, mas nunca como desigual em sua condição humana, em seus direitos – do respeito ao outro nascem possíveis e enriquecedores diá-logos que mudam a face da sociedade fazendo-nos pensar que um mun-do mais justo e solidário pode-se tornar real.

A concepção de integração impõe aos diferentes, isto é, aqueles que estão fora dos modelos preestabelecidos pela hegemonia cultural e social uma busca – desumanizadora – de adaptar-se aos padrões do-minantes, aos valores hegemônicos da sociedade, ou seja, constrói-se a partir de preconceitos, crenças e prejulgamentos, desconsiderando a diversidade humana.

No campo da Arte– Educação brasileira, os estudos culturais vêm sendo pesquisados por Ana Mae Barbosa (1988, 2002) e Ivone Men-des Richter (2003). As autoras em destaque usam as expressões multi-culturalismo e interculturalismo, evidenciando que a primeira expres-são tem que ser acompanhada do adjetivo “crítico”. Quanto à segunda expressão, destaca Ivone Richter

Atualmente, vem sendo utilizado o termo ‘interculturalismo’, que implica uma inter-relação de reciprocidade entre culturas [...]. Esse termo seria, portanto, o mais adequado a um ensino-aprendizagem em artes que se propunha a esta-belecer a inter-relação entre os códigos culturais de diferentes grupos culturais (2003, p. 19).

Ivone Richter afirma ainda que a denominação multicultural é a que está consagrada na literatura, do campo mais amplo da educação e no campo específico da Arte– Educação.

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O senso comum no âmbito da Arte– Educação tem difundido uma compreensão do multiculturalismo como sendo, apenas, uma postura de respeito e tolerância para com os diferentes sujeitos culturais e so-ciais, ou seja, enfatiza-se o respeito por todas as expressões culturais que não são hegemônicas, escamoteando, assim, os conflitos e as lu-tas simbólicas travadas no palco da vida social e no palco da escola em nome do politicamente correto. Conflitos que, por sua vez, exigem o enfrentamento, que, em Arte– Educação, vai exigir a construção de uma compreensão estética e artística não hierárquica, humanizadora, mais dialogal, mais plural.

O fato de desconsiderar os conflitos entre diferentes sujeitos cultu-rais sob a alegação da postura de respeito e de tolerância para com a diversidade – celebrando as diferenças – tem sido uma maneira pela qual as culturas dominantes manifestam sua arrogância e supremacia sobre as culturas minoritárias, calando as vozes dos diferentes, pois suas vozes vindas dos porões da sociedade não encontram eco nas camadas superiores – são os filhos do silêncio, os deserdados do direito à palavra. Foram privados, portanto, do direto à “pronúncia do mundo”, vivendo na “cultura do silêncio” como alerta Paulo Freire.

O que significa, para Paulo Freire, as expressões “pronúncia do mun-do” e “cultura do silêncio”? E o que essas expressões têm a ver com Arte, Educação e Inclusão?

proBlEMAtizAndo

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UNIDADE 3Arte Educação e Educação

Especial –Reflexões

A Arte é fundamental à vida? A Arte transporta a gente para um mundo diferente? Para um mundo de sonho? A Arte provoca a refle-xão? A Arte nos tira da zona de conforto e nos faz pensar? Ou a Arte simplesmente acomoda?

Diante dessas questões pensem sobre o texto a seguir. Texto colhido pela artista, carioca de origem armênia, Rosana Palazyan, nas ruas de São Paulo,para seu trabalho intitulado O homem do Realejo. O autor é o Profeta Raimundo, morador de rua que cultiva o hábito da leitura. O texto faz parte de um projeto de Arte pública, desenvolvido pela artista (2003/2004) e exposto na 26ª Bienal de São Paulo em 2004.

A arte em si não conduz a nada. Uma cozinheira é mais importante do que uma poetisa, do que uma pintura, do que uma música, do que uma escultura. Ninguém precisa de música, ninguém precisa de arte, ninguém precisa de pin-tura, ninguém precisa de escultura. Mas precisa de uma comida bem feita. Mas, ao mesmo tempo, a arte transporta a gente para um mundo diferente, um mun-do de sonho, a gente se altera todo. A única coisa é que não são fundamentais à vida. Porque nós podemos passar a vida sem arte. As artes são muito distintas, mas é atividade de mendigo.

Figura 01 - desenhos elaborados pela artista para o projeto, escaneados do catálogo nacional da Bienal de 26ª Bienal de sp (2004).

Transcrevo do catálogo da 26ª Bienal de SP (2004) a crítica do cura-dor Paulo Herkenhoff:

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A “sorte” – frases da gente de rua no bilhetinho escolhido pelo papagaio de “O Realejo” – é a possibilidade de relações de alteridade. A “sorte” é excentricidade incômoda. É ouvir uma voz da rua: “A arte em si não conduz a nada. Uma cozinheira é mais importante do que uma poetisa, do que uma pintura, do que uma música, do que uma escultura. Ninguém precisa de música, ninguém pre-cisa de arte, ninguém precisa de pintura, ninguém precisa de escultura. Mas precisa de uma comida bem feita. Mas, ao mesmo tempo, a arte transporta a gente para um mundo diferente, um mundo de sonho, a gente se altera todo. A única coisa é que não são fundamentais à vida. Porque nós podemos passar a vida sem arte. As artes são muito distintas, mas é atividade de mendigo” (“Profeta” Raimundo). Na cidade, o realejo parece o lugar da alma rejeitada pelo corpo. Sua partitura guarda pérolas não captadas pelas redes do capital.

A obra Homem do Realejo ou simplesmente O Realejo é um projeto desenvolvido pela artista que busca trazer para o debate às vozes dos moradores de rua da cidade de São Paulo, ou seja, sua proposição foi provocar o público (leitor) da Bienal a entrar em contato com os per-sonagens invisíveis da grande metrópole. Quando o público pensava está tirando sua sorte no realejo, deparava-se com textos colhidos pela artista que foram escritos por moradores de rua. Textos provocativos o suficiente para nos fazer pensar que seres humanos, mesmo em situação de exclusão pensam, sentem, criticam e têm sonhos, desejos e indigna-ções.

Penso que a artista, por meio do delicado ato de estabelecer cone-xões com essas pessoas e suas histórias de vida (singulares), encontra uma espécie de canal de sintonia – a condição humana – entre ela e o Outro – entre ela e seus “retratados” – e consequentemente, entre esses e o público.

Essa é precisamente a razão por que proponho a reflexão da expres-são Normal é ser diferente – trazendo para vocês o Homem do Realejo, ou seja, chamando a atenção para a ideia de que o debate sobre inclu-sões cultural e social ultrapassa o campo da Educação Especial e requer de todos os envolvidos, nessa tarefa política de enfrentar e quebrar pre-conceitos, uma compreensão do ato de educar diferenciada, mas que pode ser (e deve ser?) articulada entre o poético e o político. Busca-se, nesse sentido, a emancipação humana.

Se, no passado, o modelo de Educação Especial se baseava em uma visão da pessoa com deficiência como incapaz, que merecia apenas um cuidado especial, o modelo de inclusão parte do seguinte princípio: so-mos todos diferentes e únicos – singulares – por isso, temos também potencialidades diversas. Essa lógica leva a uma compreensão hetero-gênea de sociedade, de certa maneira, possibilitando compreender a riqueza que é o convívio entre diferentes sujeitos culturais e sociais.

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No entanto, é importante lembrar uma discussão decorrente da ar-gumentação anterior, muito presente na escola, a partir dos questiona-mentos: A escola deve flexibilizar o currículo para “facilitar” o processo de aprendizagem de pessoas com deficiência? A escola deve adaptar seu currículo às necessidades de pessoas com deficiência? Ou o ver-dadeiro papel inclusivo da escola seria (É) construir possibilidades de lidar com as diferenças, assumindo o papel de educar na perspectiva da emancipação?

Frente a tais questões, trago para a nossa proposta de reflexão dois autores: o primeiro é Tomaz Tadeu da Silva, estudioso e pesquisador do currículo e o segundo é Paulo Freire, ressignificado por Carlos Ro-drigues Brandão.

Na obra Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currí-culo (1999), do primeiro autor, tomo como referência para fundamen-tar a discussão, um quadro proposto em que Tomaz Tadeu da Silva en-fatiza as palavras-chave que constituem o currículo tradicional, crítico e pós-crítico. Nessa direção, o autor chama a atenção para a questão: “As teorias críticas e pós-críticas estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder” (1999, p. 16).

O currículo, na perspectiva crítica, segundo o autor, ressalta o peso da ideologia dominante e seu papel de reprodutora cultural e social na educação, sendo necessário a construção de um processo contraideo-lógico, de resistência, visando à emancipação, à libertação humana, ou seja, é um currículo identificado com a compreensão de educação como processo de humanização. Já o currículo pós-crítico enfatiza a consti-tuição das identidades e das diferenças (de gênero, de raça, de etnia, de orientação sexual), apontando para as questões multiculturais. Assim, colocando em cena o debate sobre as conexões entre saber, identidade e poder e, nesse sentido abrindo para as construções culturais de pesso-as com deficiência.

Partido desse ponto de vista, defendo que o currículo tanto na pers-pectiva crítica quanto pós-crítica se complementam, ou melhor, eles se encontram visando ao processo de educação como processo emancipa-tório e humanizador e não como processo de exclusão dos que não se adaptam ao modelo legitimado pelo neoliberalismo de competência, segundo as exigências do mercado.

Na disciplina Cultura, Currículo e Avaliação, integrante do Módulo 04 da sua coleção de estudo, a profa. Dra. Irene Tourinho apresenta referencial teórico para reflexão acerca dos diferentes currículos pre-sentes nos espaços escolares. Que tal retomar a leitura e formular novas reflexões a respeito?

olHo ViVo

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Educar nessa preceptiva requer postura política, pois é necessária uma atitude crítica com relação aos valores hegemônicos da socieda-de, ou melhor, não podemos partir do modelo de normalidade esta-belecido.

Do pensamento de Paulo Freire, reelaborado por Carlos Rodri-gues Brandão, para a obra Dicionário Paulo Freire (2008), destaco os quatro princípios dos círculos de cultura:

• Cada pessoa é uma fonte original e única de uma for-ma própria de saber, e qualquer que seja a qualidade des-se saber, ele possui um valor em si por interpretar a representação de uma experiência individual de vida e de partilha na vida social; • Assim, também cada cultura representa um modo de vida e uma forma original e autêntica de ser, de viver, de sentir e de pensar de uma ou várias comunidades sociais. Cada cultura só se explica de seu interior para fora, e os seus componentes ‘vividos e pensados’ devem ser o fundamento de qualquer programa de educação ou transformação social; • Ninguém educa ninguém, mas também ninguém se educa sozinho, embora pessoas possam aprender e se instruir em algo por conta própria. As pessoas [...] educam-se umas as outras, e mutuamente se ensinam e apren-dem, através de um diálogo midiatizado por mundos de vivência e de cultura entre seres humanos, grupos e comunidades diferentes, mas nunca desiguais; • Alfabetizar-se, educar-se (e nunca: ‘ser alfabetizado’, ‘ser educado’) sig-nifica algo mais do que apenas aprender a ler palavras e desenvolver certas habilidades instrumentais. Significa aprender a ler crítica e criativamente ‘o seu próprio mundo’. Significa aprender, a partir de um processo dialógico em que importa mais o próprio acontecer partilhado e participativo do processo do que os conteúdos com que se trabalha, a tomar consciência de si mesmo (Quem de fato e de verdade sou eu? Qual o valor de ser quem sou?). Tomar consciência do outro (quem são os outros com quem convivo e partilho a vida? Em que situação e posições nós nos relacionamos? E o que isso signifi-ca?); e tomar consciência do mundo (o que é o mundo em que vivo? Como ele foi e segue sendo socialmente construído para haver-se tornado assim como é agora? O que nós podemos fazer para transformá-lo?) (2008, p. 77/78).

Articulando esses dois autores por meio de seus posicionamentos teóricos compreendo e defendo que ninguém é desprovido de inteli-gência e por isso todas as pessoas podem aprender/apreender. Assim também todas as pessoas constroem cultura, pois possuem saberes (mesmo que no plano do senso comum). E ainda: cada um de nós cria e recria sua cultura na relação com o Outro e com o Mundo.

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Neste sentido é importante ressaltar que, por exemplo, uma pes-soa cega não é uma pessoa sem visão de mundo, pois ela vê com o tato, quer dizer: o cego toca o mundo para construir sua cultura. Isso acontece também com o surdo que nunca pode ser confundido com mudo, pois ele fala com sua própria língua (a língua brasileira de si-nais, LIBRAS) os ouvintes, na maioria das vezes, é que não sabem interpretar o discurso do surdo. Uma pessoa com deficiência física possui sua inteligência para perceber as imensas barreiras, de todas as ordens, impostas por uma sociedade que não sabe lidar com as dife-renças e por isso empobrece.

Lembram-se do documentário, Janela da Alma, a que vocês assistiram? Docu-mentário, no qual seus autores João Jardim e Valter Carvalho, propõem uma profunda reflexão sobre o olhar do ponto de vista daqueles que são cegos ou veem com dificuldade.Gostaria de colocar algumas questões sobre o tema: José Saramago, escritor português autor de Ensaio sobre a cegueira, obra que foi apropriada para o filme, com o mesmo título pelo cineasta brasileiro Fernando Meireles (TAM-BÉM SUGESTÃO DE LEITURA) coloca mais ou menos assim:... Hoje vivemos mais acorrentados na Caverna de Platão (referindo-se ao Mito da Caverna de Platão) do que na época do filosofo grego...Sugiro que revejam o filme, considerando que uma obra de arte é um discur-so aberto e por isso mesmo, cada vez que vemos/lemos, podemos elaborar outras interpretações, às vezes mais ricas que as anteriores. Imaginem se deixássemos de ler os grandes clássicos porque já sabemos de seus enredos? Considero o documentário em foco um clássico e por isso vocês já assisti-ram a ele mais de uma vez ou ele foi referência mais de uma vez em outras disciplinas.Caso queiram ler o Mito da Caverna de Platão, podem encontrar no livro Convite à Filosofia de Marilena Chaui (2005), editora: Ática. Na Arte, existem alguns bons exemplos do que é lutar pela vida, enfrentando barreiras e quebrando limites: o filme enfatiza o exemplo de Bavcar, fotógrafo cego.

proBlEMAtizAndo

3.1 ArtE E proVocAçõEs

Na história multicultural da Arte brasileira, encontramos: Artur Bis-po do Rosário e sua obra, elaborada ao longo de 50 anos, dentro da Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que mostra a dificuldade presente em nossa sociedade de saber lidar com

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as diferenças, aponta também para um problema da história da arte. Como pode um “louco” ser considerado artista? Como pode um louco criar confinado em sua “doença” e em sua privação do mundo?

Para a pesquisadora Patrícia Burrowes, em seu livro com o sugestivo título, O universo segundo Arthur Bispo do Rosário:

O universo de Bispo comove pela força poética que extrai das banalidades. Coi-sas do uso cotidiano, comum; coisas triviais, quase vulgares, aparecem ali em sua seriedade, uma solene pobreza. Os materiais são rudes, toscos: a madeira vem, sobretudo, de caixas de feira e cabos de vassoura; o tecido vem dos lençóis e cobertores do hospital; a linha azul é desfiada dos uniformes. Utilitários de plástico, copos, cestos, garrafas; canecas e talheres de metal; produtos de uso pessoal descartável como canetas esferográficas, isqueiros, pentes, aparelhos de barbear; placas de carro e outras máquinas desfeitas; vestuário, calçados; ferramentas; brinquedos de plástico; moedas; embalagens de alimentos, coisas dispensadas, sucata, lixo. Tudo isso é recriado, transformado, ressuscitado em aglomerados de peças que compõem a obra (1999, p. 14)

O trabalho artístico de Bispo do Rosário coloca um problema para a História da Arte, pelo menos para uma visão mais conservadora dessa história, pois ele é além de negro, considerado “louco” e construiu sua obra dentro dos muros de um hospital psiquiátrico, enquanto a visão conservadora coloca o poder da criação artística, privilegiando a pers-pectiva eurocêntrica: branca e pertencente às elites culturais.

Querem conhecer a obra e Bispo do Rosário? Pesquisem nos seguintes endereços eletrônicos: www.proa.org/exhibiciones/.../id_salabispo.html pt.wikipedia.org/wiki/Bis-po_do_Rosário www.pr.gov.br/mon/exposicoes/bispo.htm

olHo ViVo

Retomando a obra de Bispo como provocativa para uma visão con-servadora de história da arte, proponho um exercício a vocês de relacio-ná-la com outro artista desafiador.

A partir desse ponto de vista, podemos estabelecer um paralelo entre Bispo e sua obra com o próprio Marcel Duchamp? Ou melhor, a obra “A Fonte” que provocou uma mudança de rumo na História da Arte, colocando em xeque o paradigma da originalidade e trazendo para o universo da Arte a ideia de objeto de arte, assim ampliando o fazer e o pensar artístico. A seguir, cito o historiador da Arte Aguinaldo Farias, destacando sua visão da obra a Fonte:

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Duchamp implodiu a lógica do sistema artístico, introduzindo-lhe um obje-to que não era pintura nem escultura, um objeto industrial, anônimo – um objeto apenas –; com isso, demonstrou que a produção de sentido, o interesse estético, é também prerrogativa de quem olha e não necessariamente de quem faz (2002, p. 17).

Voces podem encontrar imagens do famoso “ready-made” de Duchamp, acessando os endereços:• www.rainhadapaz.g12.br/projetos/.../fountain.htm • educacao.uol.com.br/.../Marcel-Duchamp.jhtm• pt.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp

E também de Nelson Leirner nos endereços: • pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1595,1.shl• forumpermanente.incubadora.fapesp.br/.../conf01_integra_ph/?...

olHo ViVo

Continuando a proposta de problematização, pesquisem também sobre o “Porco Empalhado”, que é um objeto de arte do artista brasilei-ro Nelson Leirner.

Sobre o Porco Empalhado e o seu criador (ou seria mais correta a expressão recriador?), pensem sobre isso lendo :

Um mal-estar ronda o percurso de Nelson Leirner. Nascido em São Paulo, em 1932, em atividade há cerca de 40 anos, o artista, que atravessou os anos da ditadura militar no Brasil comuma linguagem contudente, é o próprio agente desse incômodo.O estigma remonta ao ano de 1967 quando, ao ter sua obra aceita no IV Salão de Arte Moderna de Brasília, Leirnar interpela publica-mente o júri constituído de vários críticos, exigindo que justifique seus crité-rios de seleção. De saída, portanto, uma discussão, na mais afiada tradução duchampiana,da autoria e da estratégia da arte – termonologia inserida no vocábulo da pós-modernidade ( Lisette Lagnado, 1999, p. 41)

A lógica para essa discussão/reflexão é a ideia de quebrar limites, colocar em debate modelos estabelecidos, a ideia de conservadorismo. Tanto Duchamp, no âmbito mais amplo da história da arte, quanto Leirner, no âmbito brasileiro propuseram rever o valor da tradição mo-dernista da ORIGINALIDADE.

Surge, então, a questão: A obra de Bispo, de certo modo, não pode ser relacionada às obras em estudo ?

Penso que, assim como Duchamp e Leirner, Bispo nos leva a pen-sar em outros rumos para nossas interpretaçãoes sobre sua obra. O que vocês pensam sobre a produção de sentido do discurso das Artes Visu-

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ais, para a educação do olhar fundada em uma compreensão do papel do arte– educador como um mediador entre o universo da Arte e os estudantes? E quando esse estudante é uma pessoa com algum tipo de deficiência? Será que não vale partir da desafiadora expressão: “Normal é ser diferente?”

Para alargar nosso campo de reflexões e, portanto, nossos horizontes sobre o papel do arte– educador na constituição e luta por uma escola inclusiva, vamos ler um e-mail que recebi da arte– educadora, amiga e colega de mestrado, a quem dedico esse trabalho. Seu nome é Ana Amália Tavares Bastos Barbosa.

SOU PROFESSORA DE ARTES DE UM GRUPO DE CRIAN-ÇAS CADEIRANTES, ASSIM COMO EU.

ESTAMOS PROGRAMANDO UMA VISITA AO JARDIM DAS ESCULTURAS NO PARQUE DA LUZ, A ESCOLA FICA EM PER-DIZES. SIMPLES! VAMOS DE TREM!

AO PROGRAMAR UMA VISITA EU GOSTO DE FAZER, AN-TES, O TRAJETO PARA EVITAR TRANSTORNOS. QUERIA QUE AS CRIANÇAS FOSSEM DA ESTAÇÃO BARRA FUNDA À ESTA-ÇÃO DA LUZ DE TREM, ESSA EH UMA EXPERIÊNCIA QUE TODO PAULISTANO DEVERIA TER, MAS...

APESAR DE TEREM INDICAÇÃO DE ACESSIBILIDADE, OS TRENS SÃO INACESSIVEIS.

EU TENTEI PEGAR O TREM, MAS OS TRÊS QUE PASSARAM NÃO TINHAM COMO ENTRAR, POIS A DISTÂNCIA ENTRE A PLATAFORMA E O TREM ERA ENORME. ACHAVA QUE ISSO JAH TIVESSE SIDO RESOLVIDO, MAS PARECE QUE NÃO! FUI DE MÊTRO, NÃO EH A MESMA COISA!

NÃO ENTENDO PQ OS CADEIRANTES NÃO TEM OS MES-MOS DIREITOS DOS ANDANTES, A UNICA DIFERENÇA EH A CADEIRA SOMOS TODOS HUMANOS!

ANA AMALIAhttp://amaliabarbosa.zip.net/www.sba.art.brwww.nossosonho.org.br/oficina_arte_informatizada.html#http://aa-barbosa.nafoto.net/photo20080529183740.html

considErAçõEs FinAis

Na realidade, essas considerações vocês vão construir, são os atores e atrizes desse processo. O que me cabe, nesse momento, é agradecer a atenção retomando um trecho do prólogo para lembrar que todo o discurso organizado na disciplina foi impulsionado pelo desejo de pos-

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sibilitar a construção da passagem de uma concepção de educação ex-cludente para uma concepção de educação inclusiva..

Espero, sinceramente, que o contato com a história de Noemia Vare-la, recontada por meio de minha visão, articulada as questões políticas e as propostas reflexivas possam encontrar ressonância nos corações e mentes de cada um (a) de vocês. Não espero apenas: desejo, desejo profundamente, pois minha ligação com o campo da Arte– Educação, na perspectiva da inclusão, não é só um estudo acadêmica, mas uma maneira singular de viver a vida. Assim posso dizer que é o meu jeito de ser/estar arte– educador.

Sei que vocês sabem que a conclusão de uma disciplina não é o final dos estudos, ao contrário é precisamente ai que começamos a querer mais, ou melhor, é neste momento que o estudo e a pesquisa fazem sentido para além do mero trabalho acadêmico – alimenta o nosso in-findável processo de transformação.

Quero que saibam, também, que tudo que escrevi e pesquisei para compor e recompor esta disciplina, esta povoado de meus estudos so-bre o pensamento de Noemia Varela, que aprendi sobre sua importân-cia com Ana Mae Barbosa. E com as duas grandes mestras apreendi o sentido da educação libertária de Paulo Freire. Digo isto porque não acredito em educadores auto-referentes. Esses não conhecem a histó-ria, não constroem ego profissional e são geralmente arrogantes, pois pensam que sabem, esquecendo a velha e tão atual lição de Sócrates: sei que nada sei.... E para terminar com Arte lembro o poeta Rainer Maria Rilke:

Pois arte é infância. Arte significa não saber que o mundo já é, e fazer um. Não destruir nada que se encontra, mas simplesmente não achar nada pronto. Nada mais que possibilidades. Nada mais que desejos. E, de repente, ser rea-lização, ser verão, ter sol. Sem que se fale disso, involuntariamente. Nunca ter terminado. Nunca ter o sétimo dia. Nunca ver que tudo é bom. Insatisfação é juventude” ( 2007, p. 192)

MUITO OBRIGADO!

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rEFErênciAs BiBliográFicAs

BARBOSA, Ana Mae (org.) Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002.

____ (org.) Memória e história.São Paulo: Perspectiva, 2008.

FRANGE, Lucimar Bello.Noemia Varela e a Arte. Belo Horizonte:C/Arte,2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

RODRIGUES, Augusto. Escolinha de Arte do Brasil: análise de uma ex-periência no processo educacional brasileiro. Rio de Janeiro: EAB, 1980.

RILK, Rainer Maria. Cartas do Poeta sobre a vida. São Paulo: Martins Fontes, 2007.