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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
ENSINO DE ARTE E PLURALIDADE DE GÊNERO EM MATERIAIS DIDÁTICOS
Doacir Domingos Filho1
Margarida Gandara Rauen2
Resumo: Este artigo analisa as abordagens das representações de gênero nos livros didáticos de Arte do ensino médio
adotados pelos colégios estaduais de Guarapuava – PR, considerando as suas limitações. Os livros didáticos de Ensino
Médio selecionados para a pesquisa são Por Toda Parte (UTUARI, LIBÂNE, JARDO & FERRARI, 2013) e Arte e
Interação (BOZZANO, FRENDA & GUSMÃO, 2013). O procedimento ideal no ensino de qualquer disciplina é
proporcionar a diversidade e a pluralidade. No entanto percebe-se uma ênfase em artistas homens brancos, evidenciando
tanto a exclusão de outras etnias, quanto o androcentrismo nos materiais didáticos de Artes. Tal ausência de mulheres
artistas corrobora a compreensão do gênero enquanto constructo social e do papel da educação na disseminação e
(re)produção da dominação masculina. Portanto, discutimos o habitus presente na cultura (BOURDIEU & PASSERON,
2014) e como práticas de ensino reproduzem o androcentrismo, relacionando as implicações de gênero na educação
com a ideia de performatividade (BUTLER, 2016) e com estudos Circe Bittencourt (2008), e de Célia C. de F Cassiano
acerca do mercado do livro didático (CASSIANO, 2013). A análise conduz à proposta de materiais de apoio
complementares para trabalhar gênero em aulas de arte.
Palavras-chave: Gênero. Educação. Arte. Currículo. Cultura.
Introdução
A sociedade brasileira segue polemizando a diversidade de gêneros, um tema ainda
fragilizado nas escolas, seja por situações políticas ou por burocracia. Enquanto o debate acerca da
inclusão ou não de conteúdos de gênero no ensino básico continua, os materiais de ensino de Arte
evitam explicita-los e também perpetuam critérios androcêntricos na seleção de conteúdos. Nossa
pesquisa foi motivada por essa constatação de que as produções de mulheres artistas não são
mencionadas com frequência similar à de homens artistas em materiais didáticos.
Neste artigo, analisamos a inclusão de mulheres artistas em dois livros didáticos do ensino
médio adotados pelas escolas estaduais de Guarapuava-PR, nossa região de abrangência. Trata-se
de Por Toda Parte (FERRARI et al. 2013) e Arte em Interação (BOZZANO, FRENDA &
GUSMÃO, 2013).
Segundo Cassiano (2013), o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foi oficializado
pelo governo federal, por meio do Decreto nº 91.542, de 19 de agosto de 1985, somente para o
1 Mestrando em Educação, na linha de pesquisa “Educação, Cultura e Diversidade”, PPGE-UNICENTRO, Guarapuava,
Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa em Artes da UNICENTRO. Licenciado em Arte-Educação pela UNICENTRO.
Pós-graduado Lato Sensu em Educação Especial, 2009, Faculdades Integradas do Vale do Ivaí – Ivaiporã – Paraná. E-
mail: [email protected] 2Ph. D. em Teatro, Michigan State University, E.U.A. Aposentou-se como professora Associada do Departamento de
Arte da UNICENTRO e permanece docente colaboradora do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE).
Orientadora na linha de pesquisa “Educação, Cultura e Diversidade”. Líder do Grupo de Pesquisa em Artes da
UNICENTRO. E-mail: [email protected]
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ensino fundamental. Em 2015, o ensino médio também passou ser contemplado pela primeira vez,
livros didáticos de arte foram distribuídos em todo o Brasil. Não pretendemos, portanto,
desqualificar os livros estudados, os quais suprem graves carências de materiais, especialmente em
escolas públicas. Objetivamos, sim, oferecer alternativas de complementação aos professores de
Arte que os utilizam.
Na primeira parte do artigo, com ênfase no aporte teórico de Pierre Bourdieu (2011),
consideramos implicações do androcentrismo na área de Educação. Na segunda parte, apresentamos
as considerações sobre a inclusão de mulheres artistas nos capítulos selecionados dos referidos
livros. Em ambos os livros, selecionamos o quarto capítulo. Demonstramos não apenas o que Pierre
Bourdieu (2011) definiu como um habitus androcêntrico presente no campo da educação, mas
sugerimos conteúdos adequados para abranger e discutir a diversidade de gênero em aulas de Arte.
Gênero e Educação
Trabalhar gênero na escola ainda é um desafio e muitos professores não se sentem
preparados para discutir o tema, com implicações simbólicas tão profundas. É senso comum que
existe um conflito entre defensores de conteúdos de gênero no currículo do ensino básico, e quem
defenda que a escola não é lugar para discutir gênero, sendo responsabilidade da família. Numa
pesquisa sobre a percepção de gênero e sexualidade entre professores do ensino fundamental
brasileiros, com aporte em Pierre Bourdieu, Madureira & Branco afirmam que “[...] sentimentos
desconfortáveis – como medo, ansiedade, insegurança, em casos extremos, ódio – emergem quando
determinadas fronteiras simbólicas são transgredidas” (2015, p. 587).
Nas orientações curriculares do ensino médio, a abordagem de gênero está evidente em
todos os volumes, mas é formalizada no volume 1 no contexto da disciplina de arte:
Além das sistematizações pedagógicas e metodológicas no ensino de Arte, as décadas de
1980 e 1990 assistem a intenso questionamento dos próprios conteúdos a serem
trabalhados. Questiona-se a ênfase dos conteúdos curriculares referentes às artes europeias
e norte-americanas, ou seja, uma arte branca e masculina. O ideário sobre o Ensino de Arte
contempla as diferenças de raça, etnia, religião, classe social, gênero, opções sexuais e um
olhar mais sistemático sobre outras culturas. Denuncia, ainda, a ausência das mulheres na
história da arte e nos seus circuitos de difusão, circulação e prestígio. [...] No entanto,
apesar de sua essência crítica, a ênfase na diversidade pode assumir formas de ensino que
não de celebratório ao meramente tolerante, ou mesmo submissas aos interesses de
marketing. Pode, ainda, gerar guetos culturais, limitando o acesso a outras formas culturais
sem desvelar ou reverter os jogos de poder social, político e econômico que as diferenças
culturais sintetizam. (BRASIL, 2006, p. 117).
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Nas orientações curriculares para o ensino da Arte, a temática de gênero é mais enfatizada
em relação às outras disciplinas, associada à inclusão, diversidade e multiculturalidade. As
recomendações possibilitam uma abertura para se trabalhar gênero por meio dos conteúdos de arte.
Portanto, o/a docente tem a liberdade de assumir um papel de propositor(a) para abordar as relações
de gênero na arte, seja para evidenciar a arte dominantemente branca e masculina, ou para
apresentar a pluralidade e a diversidade cultural presente nas manifestações artísticas:
A valorização da pluralidade e da diversidade cultural em todos os âmbitos e
manifestações da arte contempla conceitos e princípios da disciplina Arte [...] A discussão
sobre diversidade (étnico-raciais, sociais, religiosas, de gênero, etc.) inseriu uma outra
discussão muito em voga, sobre respeito de aceitação das semelhanças e das diferenças
culturais. (BRASIL, 2006, p. 203).
Para Bourdieu (2011), a visão androcêntrica do mundo está no inconsciente histórico e a
educação facilita a criação das desigualdades de gêneros, favorecendo os meninos a perpetuarem
jogos de dominação. As práticas culturais dominantes se encontram no ambiente familiar e
relacionam o universo masculino ao encontro em bares, aos jogos de futebol e à pescaria, mas o
universo feminino tende a ficar restrito às brincadeiras de simulação de tarefas do lar, cuidando de
bonecas e do faz de conta de cozinhar, por exemplo, assim como entregar-se às brincadeiras de
fada. Embora Bourdieu tenha publicado a primeira edição francesa do seu livro Dominação
Masculina em 1998, percebe-se ainda hoje essa diferença entre os espaços público e privado,
ocupados por homens e mulheres, respectivamente, havendo culturas que ainda restringem a mulher
totalmente ao ambiente doméstico (BOURDIEU, 2011).
Na escola, essas pré-determinações são legitimadas pela equipe escolar, quando estipula
brincadeiras, cores e demais atividades voltadas a determinado sexo.As crianças, ao longo do
crescimento, possuem espaços bem claros, os quais são delimitados conforme “A diferença entre os
sexos, isto é, entre o corpo masculino e feminino, e especialmente a diferença socialmente
construída entre os gêneros, principalmente da divisão social do trabalho (...)” (BOURDIEU, 2011,
p. 24). Bourdieu chama esse mecanismo sociocultural de habitus, uma disposição comportamental
sistematizada e inconsciente, assimilada pelas pessoas por meio de ações que permitem desenvolver
estratégias individuais e coletivas, estilos de vida, julgamentos políticos, morais e éticos, por meio
de hábitos ou práticas ajustadas às estruturas sociais vigentes (BOURDIEU, 1974).
As implicações, na vida adulta da mulher, incluem a desvalorização do seu trabalho e a
diferença salarial, o corriqueiro assédio no ambiente de trabalho, a crença de que mulheres são o
sexo frágil e por isso são incapazes de desenvolver determinadas tarefas ou ter o poder de delegar
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funções. Na área de Educação, essa condição inferiorizada resulta na invisibilidade de produções
de mulheres no currículo e em materiais didáticos porque, seja de modo deliberado ou
inconscientemente, as equipes pedagógicas não refletem sobre diversidade de gênero e tendem ao
androcentrismo na seleção de conteúdos e diretrizes curriculares. Madureira & Branco verificaram,
num dos grupos focais de sua pesquisa com 122 professores (as) atuantes em sete escolas de
Brasília, que:
[...] uma temática recorrente foi a questão da desvalorização da mulher na atualidade, sendo
que tal desvalorização é associada, em diferentes momentos, à atitude das próprias mulheres.
Constatamos, portanto, a reprodução de significados culturais arcaicos sobre a feminilidade
que expressam uma visão pejorativa sobre a sexualidade das mulheres (Madureira & Branco,
2015, p. 583).
Na área de Artes, Adriana Vaz examinou o problema da inclusão precária de mulheres
artistas em exposições do Museu Oscar Niemeyer (MON, Curitiba) no ano de 2008, nas pastas
“[arte br]”, produzidas pelo Instituto Arte na Escola3 e no Livro Didático de Arte adotado pelo
Estado do Paraná para o Ensino Médio (PARANÁ, 2006), concluindo que, nos três espaços de
legitimação e:
[...] no percurso entre o museu e a sala de aula foi ínfimo o número de artistas mulheres que
representam o campo da arte, visto que, nos três espaços de consagração aparece apenas a
artista Tarsila do Amaral; e que os períodos da história da arte universal e brasileira no que
diz respeito às artes visuais prevalece o período renascentista e moderno da arte, ficando a
produção contemporânea uma meta a ser ainda conquistada, ou seja, o repertório visual
fornecido pelo Livro Didático [...] (VAZ, 2009, p.15)
Num caminho diferente de Bourdieu, Butler (2016) considera que situações construídas por
normas e condutas a partir de relações sociais se realizam por meio da performatividade [sic] de
gênero. Em outras palavras, a maneira como um tipo de identidade é apresentada e legitimada ou
não, reflete comportamentos aceitos naturalmente na sociedade. Neste sentido, o repertório visual
do livro didático tende a reproduzir o androcentrismo no contexto educacional, repassando-o aos
estudantes sem nenhuma discussão crítica. De fato, a baixa ocorrência de mulheres artistas,
constatada por Vaz nos três contextos, sugere que o hábito de tornar a mulher invisível permanecia
recorrente no campo dominantemente masculino da arte, há pouco mais de oito anos.
Conforme verificamos em registro no site do FNDE,4 com a ferramenta de consulta pública
do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD-2015), o livro com maior adesão nas escolas estaduais
3 INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Arte BR. São Paulo. Instituto Arte na Escola, 2003. 4 https://www.fnde.gov.br/distribuicaosimadnet/filtroDistribuicao
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de Guarapuava foi Arte em Interação (BOZZANO, FRENDA & GUSMÃO, 2013) por 14 colégios,
enquanto o livro Por Toda a Parte (FERRARI et. al, 2013) foi adotado por 13 colégios, no total de
27 colégios.
Por Toda a Parte é estruturado em seis capítulos, cada qual sobre um aspecto da arte, a
saber: conceito de arte; linguagens; criação; matérias; forma/conteúdo; cultura. A quantidade de
temas varia entre 3 e 7 em cada capítulo, e cada um apresenta conexões e o “giro de ideias” nas
propostas de atividades interdisciplinares, culminando num projeto de experimentações estéticas.
O livro Arte em Interação é estruturado em nove capítulos, com os seguintes assuntos:
conceito de arte; identidade e diversidade; ate e vida; rupturas; linguagens do corpo; conflitos
humanos; Ser humano, ser político; canibalismo cultural; tecnologia e transformação cultural. Os
temas variam entre 1 e 3, com subtemas que exploram conteúdos estruturantes.
Ambos os livros procuram trabalhar a dança, a música, a dança e o teatro, ou seja, todas as
subáreas da arte, embora nem sempre cada capítulo articule todas as quatro. Para delimitar o nosso
estudo, optamos por comparar a abordagem das quatro linguagens, a qual ocorre no capítulo 4, tanto
em Por Toda a Parte, quanto em Arte e Interação.
No tratamento do assunto de “Rupturas” do capítulo 4 do livro Arte em Interação, fica
evidente que a mulher enquanto artista ou propositora de vanguarda não é visível como mereceria,
sendo mencionada em dois momentos. Num tópico sobre a linguagem da música, há um resumo da
trajetória de Chiquinha Gonzaga, sem desenvolver detalhes sobre o seu papel de compositora. Na
sugestão do livro do professor, sugere-se instigar os alunos a ouvirem alguns áudios e vídeos. Num
segundo momento, um breve resumo da trajetória de Mary Wigman ilustra a dança expressionista
relacionando a sua contraposição “[...] aos códigos rígidos das danças tradicionais, como o balé
clássico, agregando elementos estéticos do expressionismo em suas composições coreográficas
(BOZZANO, FRENDA & GUSMÃO, 2013, p. 164). O livro Arte em Interação (BOZZANO,
FRENDA & GUSMÃO, 2013) não reflete uma preocupação sistemática ou critério de organização
pautado em apresentar artistas mulheres. O que mais chamou a atenção foi incluir apenas Rudolph
Von Laban (1879-1958) no tópico de “Dança Moderna,” citando-o como “[...] um dos estudiosos
mais influentes” (2013, p. 150). Seria recomendável, então, mencionar Isadora Duncan (1878-
1927), precursora da dança moderna e perfeitamente pertinente ao teor do capítulo:
[...] Essa mudança de pensamento constitui a base da Dança moderna. Porém, não se
caracteriza por uma forma coreográfica nova ou simplesmente uma técnica, e sim por um
pensamento diferente da expressividade do corpo e um estudo mais aprofundado do
movimento humano. O objetivo era uma dança mais livre na escolha dos movimentos.
(BOZZANO, FRENDA & GUSMÃO, 2013, p.150)
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O livro Dançar a Vida ratifica o pertencimento de Isadora Duncan (1878-1927) nas
vanguardas e cita a artista: “A dança que eu criei não era outra coisa senão a expressão da
liberdade” (Isadora Duncan, apud GARAUDY, 1980, p.58). Em nenhum momento, os autores do
livro Arte em Interação se preocuparam em apresentar Isadora Duncan ou qualquer outra artista
mulher da dança moderna. Além de evidenciar o androcentrismo no processo de organização do
livro e no campo da arte, esta escolha tem consequências para os/as professores(as) que, se não
possuírem repertório mais extenso dos conteúdos do livro, passarão uma visão parcial da história
da dança moderna para os/as estudantes. Segundo Assis e Saraiva:
Uma razão pela qual as mulheres inicialmente desenvolveram a dança moderna foi pelo
acesso restrito às ocupações criativas e, porque, sem interesse em defender as tradições do
balé, as pioneiras da dança moderna foram mais livres no desenvolvimento de formas novas
e alternativas de representações, criando novos gêneros e dirigindo suas próprias
companhias. A dança moderna proporcionou às mulheres a oportunidade de afirmar, como
artista e mulher, sua independência face aos convencionalismos. (ASSIS e SARAIVA,
2013, p. 311-312)
Seria, portanto, indispensável dar conhecimento da participação de mulheres artistas na
história da dança para ampliar o repertório de estudantes de Arte e evitar a reconhecida dominação
masculina desde períodos anteriores: “Semelhantemente, bailarinas do período romântico sofreram
com os domínios masculinos na dança e na sociedade, e associadas à prostituição, recorreram a
outras profissões fora dos palcos da dança” (ASSIS & SARAIVA, 2013, p. 320).
Diferente de Bozzano, Frenda & Gusmão (2013), os autores do livro Por toda Parte
(FERRARI et al., 2013) optaram por citar diversas mulheres artistas ao abordarem a dança. Nas
páginas iniciais do capitulo 4, intitulado “Materiais da Arte”, apresentam uma imagem do
documentário da coreógrafa Pina Bausch para ilustrar o tema “Materialidade: o corpo da Arte.”
Ferrari et al. evitam o androcentrismo não somente por priorizarem uma mulher artista, mas por
relaciona-la com os seus precursores, Isadora Ducan e Rudolf Von Laban: “Muito do que vemos em
espetáculos de artes cênicas contemporâneos teve influencia das pesquisas realizadas por Pina e
outros artistas da dança, como [...] Laban (1879-1958) e a norte americana Isadora Ducan (1878-
1927), que estudaram o corpo como materialidade expressiva nas artes cênicas, e impulsionaram a
dança como a arte do movimento” (FERRARI et al., 2013, p. 143).
Para complementar a falta de oportunidade para discutir temáticas de gênero em ambos os
livros, seria desejável enriquecer o repertório imagético de dança por meio do vídeo da trilogia
“Mairto”, “Ana Bastarda” e “João e Maria”, do grupo Caleidos Cia de Dança, como um espetáculo
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que aborda a diversidade (mulher, homossexual e criança). Em “Ana Bastarda,” o grupo discute a
violência contra as mulheres e, na coreografia, transparecem as leituras sobre o feminismo no
universo contemporâneo. Isabel Marques, fundadora do grupo, também tem seu trabalho voltado
para a educação e é autora do livro Dançando na escola (2006), vindo ao encontro da proposta de
se explorar a dança na escola buscando inserir temas sobre diversidade.
No mesmo capítulo do livro Por Toda Parte, no “tema 2 As marcas do corpo,” Ferrari et al.
fazem referencia à body art e à arte da performance citando artistas homens, mas na parte de
conexões “Arte e Sexualidade – a valorização do corpo”, enfatizam a artista francesa Orlan: “A
discussão em obras como as de Orlan está relacionada às culturas e às convenções que deixam
marcas nos corpos das pessoas (FERRARI et. al, 2013, p. 154). O texto também comenta os
padrões de beleza e enfatiza que o conceito de beleza não é universal e único. Na linha de ampliar
este repertório, professores(as) também poderiam acrescentar os nomes de Regina José Galindo
(Guatemala), Nádia Granados (Colômbia) e Violeta Luna (México), dando ênfase em artistas
contemporâneas, cujas performances agregariam a diversidade do ponto de vista da América Latina,
que é superficial no livro, embora o tema 2 deste quarto capítulo traga conexões com o pluralidade
cultural e mencione, além da pintura corporal indígena, a performance “A árvore da vida” (1976),
da artista cubana Ana Mendieta (1948-1985).
Mas a inclusão de mulheres artistas não é consistente no tratamento da subárea de artes
visuais no capítulo 4 do Livro Por Toda Parte, que traz uma fotografia de alguém criando sumi-ê,
mas sem fazer referência ao seu nome e cita Tomie Ohtake (1913-) como artista nipo-brasileira
(20013, p.165) e Camille Claudel (1864-1943). A abordagem de inovações em Artes Visuais,
portanto, prioriza artistas homens representativos de movimentos e períodos da história da arte, tais
como: Jan Van Eyck (1390-1441), Leonardo da Vinci (1452-1519), Michelangelo (1475-1564),
Massao Okinaka (1913-2000), Yves Klein (1928-1962), Vick Muniz (1961) e Eduardo Srur (1974),
sem abertura para temas de diversidade de gênero. Seria ideal se o (a) professor (a) evidenciasse
que no período dos artistas Eyck e Da Vinci e existia a ausência de artistas mulheres, ressaltando a
dominação masculina no universo da arte, e que a partir do século XX a artista mulher já
desenvolvia trabalhos. Assim, poderia propor uma pesquisa exploratória, de levantamento de
artistas mulheres da mesma geração dos artistas homens citados nos livros a fim de verificar se os
estilos artísticos são os mesmos, se as poéticas partem para um estudo de gênero, e/ou como fazer
essa relação.
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No Livro Arte em Interação, Ferrari et al., não referenciam e nem citam nenhuma obra de
artistas mulheres no capítulo 4, mas apenas artistas homens: Pablo Picasso (1881-1973), Fillippo
Brunelleschi (1377-1446), Renné Magritte (1898-1967), Georges Braque (1883-1963), Paul
Cézanne (1839-1906), Amadeo Modigliani (1884-1920), Constanin Brancuse (1876-1957), Henri
Matisse (1869-1954), Vincent Van Gogh (1853-1890), Umberto Boccioni (1882-1916), Wassily
Kandinsky (1866-1944) e Emil Nolde (1867-1956). Para evitar esta deficiência do capítulo, uma
alternativa relevante seria incluir a artista de vanguarda alemã Hannah Höch, a única mulher do
movimento dadaísta, com um papel importante na representatividade feminina na arte nesse
período.
O livro didático é um artefato cultural contraditório, mas é considerado um instrumento
fundamental para o processo de aprendizagem. Segundo Bittencourt (2008) o livro didático já se
encontra no contexto educacional há mais de dois séculos, com reputação de material indispensável.
Um dos objetivos do livro didático é apresentar uma proposta pedagógica de um determinado
conteúdo, organizado de uma forma sistematizada e adequada à etapa de desenvolvimento de
aprendizagem na qual o/a estudante se encontre. Assim, a função do mesmo é servir de suporte para
o ensino, mas não há garantias de que isto aconteça quando os/as professores (as) utilizam o livro
didático como único recurso, tornando-se dependentes do mesmo e alienando os alunos à ideologia
e habitus veiculados como verdade nos conteúdos.
Na mediação de artistas mulheres nas artes visuais, docentes optantes por ambos os livros
aprofundariam a relação entre arte e sociedade discutindo a discriminação das mulheres na arte: “A
linguagem da história e da crítica de arte nem sequer reconhecia as mulheres para que se pudesse
negá-las. Em vez disso, ela presumia que as mulheres simplesmente não precisavam ser
consideradas. Um Grande artista era um ‘velho mestre’, e uma grande obra de arte era uma “obra-
prima”(ARCHER, 2001, p.125). Esta afirmação de Archer evidencia a dominação masculina nesse
campo. Esse conteúdo tende a sensibilizar acerca do fato que perdura nos livros didáticos de arte,
utilizando-se o próprio livro para verificar e levantar dados, sugerindo pesquisar artistas mulheres
com o objetivo de ponderar a desigualdade em relação a artistas homens. Outras proposta seria
apresentar livros paradidáticos da série Antiprincesas (para meninos e meninas) da autora Nadia
Fink Pitu Saá, ou obras das artistas Frida Kahlo e Violeta Parra, tematizando o genro de forma
transversal. Na complementação de música, uma alternativa é incluir cantoras feministas brasileiras
e internacionais, tais como letras de Clarice Falcão; o “clip” da música “Survivor”, sucesso da
Destiny’s Child sobre a superação de um relacionamento abusivo, no qual há mulheres de diferentes
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idades e etnias e tipos de corpos, proporcionando a discussão de gênero vinculada a diversidade. .
Outra cantora que pode ser inserida nesse contexto é Beyonce que leva o feminismo para a música
pop. Em uma de suas músicas, Flawless, ela apresenta trechos do discurso “Nós deveríamos ser
feministas” de Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana. Em outras músicas, a cantora
evidencia temas feministas que podem ser analisados e comparados com as composições de outras
cantoras feministas identificadas e sugeridas pela turma, abordando a diversidade.
Considerações Finais
A análise consistiu em fazer apontamentos sobre a ausência de mulheres artistas e a
predominância de arte produzida por homens numa amostra de cada um dos livros didáticos
selecionados, demonstrando que ambos estão longe de resolver a diversidade com um enfoque
direto e objetivo, embora haja maior inclusão de mulheres artistas em Ferrari et al. (2013).
Verificamos que a maioria das imagens de obras de arte, em ambos os livros, ilustram
movimentos e períodos da história da arte, com obras de artistas consagrados para exemplificar
técnicas e elementos formais das artes visuais. Quando apresentam imagens fotográficas da arte da
performance, dança e teatro, por mais que representem relações de gêneros, estas não são objeto de
discussão em momento algum, ficando a critério do/da professor(a) incitar uma análise. Tendo em
vista que as referências de história da arte utilizadas nos livros são predominantemente masculinas,
são poucas as imagens de obras de arte de artistas mulheres nos livros didáticos analisados,
reproduzindo o habitus da sociedade androcêntrica, sempre evidenciando artistas homens ou a
representação das mulheres pelo olhar masculino.
Foi escolhido o capítulo 4 de ambos os livros analisados, por tratar de temáticas do corpo.
Nesta amostra, verificamos que o livro Arte em Interação inclui marginalmente e pouco e menciona
artistas mulheres, enquanto o livro Por toda parte apresenta artistas mulheres, mas sem explicitar
discussões de gênero e as orientações direcionadas ao professor , geralmente enfatizam a técnica
presente na obra. Portanto, além de nossas sugestões pertinentes a inserir artistas representativos de
diversidade de gênero, incentivamos o aproveitamento dos conteúdos mencionados com uma maior
abertura para discussões presentes na nossa sociedade, mas em reação às quais a escola se omite,
principalmente quanto à temáticas de gênero, tais como a discriminação de mulheres artistas e a
violência contra mulheres.
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Este trabalho é resultado de um estudo preliminar do primeiro autor, no contexto de um
projeto de pesquisa em andamento, o qual não abrangeu, nesta etapa, a motivação das decisões de
seleção de conteúdos dos autores. No entanto, Cassiano (2013) problematiza a influência de
preferências ideológicas, interesses políticos, sociais e econômicos de organizadores, das editoras e
até mesmo dos próprios professores atuantes em equipes pedagógicas. Ao adotarem determinado
livro em relação ao outro, as escolas acabam reproduzindo a discriminação de gênero e o
androcentrismo histórico. Às equipes pedagógicas e aos docentes, cabe identificar as limitações de
quaisquer materiais e pesquisar alternativas para complementa-los.
Referências
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The teaching of art and plurality of gender in teaching materials
Astract: This paper offers an analysis of and considers the limitations of approaches to the
representation of gender in secondary-level Art textbooks, which have been used at the state schools
in Guarapuava, Paraná, Brazil. The textbooks that were selected for the study are Por Toda Parte
(UTUARI, LIBÂNE, JARDO & FERRARI, 2013) and Arte e Interação (BOZZANO, FRENDA &
GUSMÃO, 2013). The ideal procedure for teaching any of the school subjects is to allow for
diversity and plurality. However, there is an emphasis on white male artists, pointing both to the
exclusion of other ethnical groups, and to androcentrism in didactic materials for arts classes. Such
absence of women artists is coherent with the understanding of gender as a social construct, given
the role of education in the dissemination and (re)production of male domination at school.
Therefore, we have discussed the habitus that is found in culture (BOURDIEU & PASSERON,
2014) and how teaching practices reproduce androcentrism, relating the implications of gender in
education with the idea of performativity (BUTLER, 2016), as well as with studies by Circe
Bittencourt (2008) and about the market for didactic books (CASSIANO, 2013). The analysis leads
to a proposal of complementary supporting materials covering gender topics in arts classes.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Keywords: Gender. Education. Art. Curriculum. Culture.