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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ELAINE GOMES VIACEK OLIANI ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA: O USO DE BRINCADEIRAS TRADICIONAIS COMO RECURSO PARA A APRENDIZAGEM NO ENSINO FUNDAMENTAL SÃO PAULO 2016

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

ELAINE GOMES VIACEK OLIANI

ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA: O USO DE BRINCADEIRAS

TRADICIONAIS COMO RECURSO PARA A APRENDIZAGEM NO

ENSINO FUNDAMENTAL

SÃO PAULO

2016

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ELAINE GOMES VIACEK OLIANI

ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA: O USO DE BRINCADEIRAS

TRADICIONAIS COMO RECURSO PARA A APRENDIZAGEM NO

ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-graduação em Letras da

Universidade Presbiteriana Mackenzie como

exigência parcial para obtenção de título de

Mestre em Letras.

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Lucia Marcondes C. Vasconcelos

SÃO PAULO

2016

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O671d Oliani, Elaine Gomes Viacek.

Ensino de Língua Espanhola: o uso de brincadeiras tradicionais como recurso para a aprendizagem no ensino fundamental / Elaine Gomes Viacek Oliani - 2016.

146 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana

Mackenzie, São Paulo, 2016.

Bibliografia: f. 142 – 146.

1. Língua espanhola. 2. Brincadeiras tradicionais. 3.

Cultura. 4. Ensino. 5. Professor crítico. I. Título. CDD 460.7

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A meus pais, marido e filho.

Minha ascendência, minha escolha e meu futuro.

Minhas maiores inspirações.

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a todos aqueles que sempre me apoiaram, incentivaram,

encorajaram e confiaram em mim. Como ouvi muitas vezes da minha mãe, Maktub, “tinha

de acontecer”. O desafio de finalizar o mestrado “estava escrito”.

A Deus, cada vez mais presente na minha vida.

À minha mãe, minha maior incentivadora nessa grande conquista. Obrigada por

suas sábias palavras de que sempre “é melhor se arrepender de ter feito do que não ter nem

tentado”.

A meu pai, pelo carinho, alegria e exemplo de pessoa correta e de coração maior do

que cabe no peito. Vida longa!

A toda minha família, em especial meu marido Ricardo e meu filho Pedro, pela

paciência de longos finais de semana de muito trabalho e pouco lazer.

À Profª Drª Maria Lucia Marcondes de Carvalho Vasconcelos, pela orientação e

apoio para a realização deste trabalho e por estimular a reflexão sobre minha missão de

educadora.

A meus alunos, pela motivação, curiosidade e alegria na realização das atividades.

À Profª Drª Valeria Bússola Martins e à Profª Drª Nancy dos Santos Casagrande

pelas preciosas contribuições durante a qualificação desta dissertação.

À minha parceira Patrícia Maria Carrer de Sá, pela alegria representada nas cores

das suas aulas e no seu exemplo de mulher e profissional competente.

A meus companheiros de mestrado, em especial Luciana Luciani, Danielli Morelli

e Thiago Cavalcanti, pelos momentos de muita produção e grandes conquistas.

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Donde haya un árbol que plantar, plántalo tú.

Donde haya un error que enmendar,

enmiéndalo tú.

Donde haya un esfuerzo que todos esquivan,

hazlo tú. Sé tú el que aparta la piedra del camino.

(Gabriela Mistral)

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RESUMO

O Ensino de língua espanhola no Ensino Fundamental faz-se cada vez mais presente nas

escolas públicas e particulares no Brasil, embora nos Parâmetros Curriculares Nacionais

(1998) não conste como uma disciplina obrigatória para essa faixa etária escolar. Encontra-

se nesta pesquisa o relato de dois estudos de caso que têm como foco o ensino e a

aprendizagem da língua espanhola a partir de uma sequência didática que resulta na prática

de duas brincadeiras tradicionais de países de língua castelhana: o Pelele festejado na

Espanha e a tradição da Piñata realizada no México. Foi possível, a partir das experiências

vivenciadas por grupos de alunos do 3º e 4º anos do Ensino Fundamental em uma escola

particular de São Paulo, analisar e refletir sobre a importância do elemento lúdico nessa

fase escolar e a consciência da riqueza cultural de outros países como fonte inspiradora

para a valorização da própria cultura lúdica. As brincadeiras relatadas nesta pesquisa,

qualificadas como atividades que envolvem o trabalho coletivo, também proporcionaram

um inestimável registro dos alunos com relação à postura reflexiva e crítica do educador

que, neste trabalho, foi discutida à luz de conceitos encontrados na obra do educador

brasileiro Paulo Freire (2014). Por fim, com base nos estudos relatados, foi possível

concluir que, o ensino e a aprendizagem da língua estrangeira fundamentados na estratégia

do uso de brincadeiras tradicionais com alunos do Ensino Fundamental, ultrapassam os

conhecimentos linguísticos do idioma pois promovem ações que valorizam a cultura

própria e de outros países e as relações humanas ancoradas no respeito mútuo.

Palavras-chave em português: língua espanhola, brincadeiras tradicionais, cultura, ensino,

professor crítico.

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ABSTRACT

Spanish language teaching in primary education is becoming more present in public and

private schools in Brazil, although it does not appear as a compulsory subject for this

school age in the Brazilian National Curriculum Parameters (1998). This works reports two

case studies that focus on Spanish language teaching and learning from a teaching

sequence that results in the practice of two traditional games from Spanish-speaking

countries: the Pelele, celebrated in Spain, and the Piñata tradition of Mexico. From the

experiences lived by groups of students from the 3rd

and 4th

year of elementary school in a

private school in São Paulo, it was possible to analyze and reflect on the importance of

playfulness and games in this school age and the awareness of cultural wealth of other

countries as a source of inspiration for the development of the student’s own play culture.

The games reported in this research, qualified as activities involving collective work, also

provided an invaluable record of the students with regard to the reflexive stance and

criticism of the educator that, in this study, was discussed in the light of concepts found in

the work proposed by Brazilian educator Paulo Freire (2014). Finally, based on the

reported studies, it was possible to conclude that elementary school student education and

foreign language learning based on the strategy of the use of traditional games go beyond

the linguistic knowledge of the language, since they promote actions that value the

student’s own culture, that of other countries and human relations anchored in mutual

respect.

Key-words in English: Spanish language, traditional games, culture, education, critical

teacher.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – “Manteo de Sancho Panza” – gravura de Vicente Urrabieta Ortiz ............... 97

Figura 2 – Quadro “El Pelele” – Francisco de Goya .................................................... 99

Figura 3 – Alunos do 3º ano da manhã executando a brincadeira do Pelele ................ 108

Figura 4 – Alunos do 3º ano da manhã executando a brincadeira do Pelele ................ 109

Figura 5 – Alunos do 3º ano da manhã executando a brincadeira do Pelele ................ 110

Figura 6 – Alunos do 3º ano da tarde executando a brincadeira do Pelele ................... 111

Figura 7 – Alunos do 3º ano da tarde executando a brincadeira do Pelele ................... 112

Figura 8 – Mural “La Piñata” de Diego Rivera.............................................................. 121

Figura 9 – Alunos do 4º ano manhã quebrando a piñata no pátio da escola.................. 131

Figura 10 – Alunos do 4º ano manhã quebrando a piñata no pátio da escola................ 132

Figura 11 – Piñata construída pelos alunos do 4º ano tarde........................................... 133

Figura 12 – Piñata construída pelos alunos do 4º ano tarde........................................... 134

Figura 13 – Piñata construída pelos alunos do 4º ano tarde........................................... 135

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

CAPÍTULO I – O LÚDICO COMO ELEMENTO FACILITADOR NO

PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM ....................................................... 20

CAPÍTULO II – A CONSCIÊNCIA CRÍTICA DOS PROFESSORES E

ALUNOS NA EXECUÇÃO DAS BRINCADEIRAS................................................. 48

CAPÍTULO III – O VIÉS CULTURAL QUE PERMEIA AS BRINCADEIRAS

TRADICIONAIS.......................................................................................................... 77

CAPÍTULO IV – ESTUDO DE CASO – EL PELELE E LA PIÑATA...…............... 89

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 136

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 142

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INTRODUÇÃO

Siembra en los niños ideas buenas, aunque no

las entiendan… Los años se encargarán de

descifrarlas en su entendimiento y de hacerlas

florecer en su corazón.

Maria Montessori

O presente trabalho visa analisar o uso de brincadeiras tradicionais1 no ensino de

língua estrangeira, em especial, no ensino de língua espanhola, como recurso auxiliar no

processo de ensino e aprendizagem na escola de educação básica.

É bastante comum, em cursos de idiomas ou em aulas de língua estrangeira (LE) do

ensino regular, que o aluno passe pelo processo de memorização e repetição de frases em

situações hipotéticas do uso da língua e seja exposto a atividades padronizadas,

preestabelecidas pelo professor. Essa prática irreal do idioma não facilita ao aluno alcançar

um aprendizado verdadeiramente significativo.

Em Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências, Antunes (1998) discorre

sobre a importância da aprendizagem significativa ou complexa que pode ser alcançada

pelo aprendiz por meio da combinação de muitas variantes ou ainda pela transformação

que fazem do repertório de conhecimentos que possuem, face às informações que recebem.

Portanto, a aprendizagem significativa expressa um comportamento inteligente que a

criança demonstra porque consegue, pelo direcionamento dessa aprendizagem, alcançar a

resolução de problemas. No tocante ao ensino de LE, a aprendizagem significativa faz

referência ao uso do idioma em situações de uso real, com resoluções de problemas

concretos, nos quais o aluno se sinta efetivamente agente da ação.

Estratégias de ensino que exponham o aluno a situações reais do uso do idioma, nas

quais ele possa verdadeiramente vivenciar e constatar a utilidade do que está estudando,

possibilitam uma aprendizagem consciente e abrem caminho não apenas para uma

automática repetição de vocabulário, mas, principalmente, para um novo saber que pode

ser transformado e ressignificado com autonomia por parte do aprendiz.

1 Atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço,

segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo,

acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida

cotidiana”. (HUIZINGA, 2004, p. 24).

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O uso de jogos2 tradicionais no ensino da língua espanhola proporciona ao aluno a

vivência de situações reais da prática do idioma. Portanto, desde o início da sequência

didática que propõe o jogo como estratégia a ser executada em sala de aula, o educando

tem a oportunidade de utilizar a LE na compreensão de seu contexto histórico que pode ser

realizado, por exemplo, a partir de leituras de textos e análises de imagens que ampliam

seu repertório artístico. A LE também pode ser sistematicamente utilizada na elaboração

das regras, na confecção de algum artefato (se houver) e na declamação das cantigas e

canções, assim como na execução da brincadeira e no processo de cooperação por tratar-se

de uma atividade que envolve o trabalho coletivo.

À vista disso, são vários os atributos que o trabalho com os jogos tradicionais para

o ensino da LE promove dentro do ambiente escolar, não somente para o aluno como

indivíduo, mas principalmente quando se pensa no grupo.

Uma especificidade do uso de jogo como estratégia de ensino se dá, justamente, na

sua força assertiva de trabalhar com a coletividade. Os alunos, a partir do uso da LE,

devem saber lidar com a situação do trabalho coletivo de modo a superar as dificuldades

que aparecem no transcorrer da atividade e encontrar soluções que transpassam as unidades

curriculares de LE e alcançam a transversalidade, tema muito discutido no apartado sobre a

Pluralidade Cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Isso posto, uma das propostas deste trabalho investigativo é analisar aspectos que

apontam a importância do lúdico no trabalho pedagógico com alunos do Ensino

Fundamental I, tendo a abordagem cultural nas aulas de línguas estrangeiras como

norteadora de todo o processo.

Cabe ressaltar que toda essa conduta se dá a partir do contato que os alunos têm

com a cultura de outros países. Na análise realizada neste trabalho, os jogos do Pelele, de

origem espanhola, e da tradição de romper a Piñata, de origem mexicana, foram utilizados

como estratégias didático-pedagógicas, demonstrando a importância de aproximar o ensino

da realidade cultural dos povos falantes da LE estudada.

O emprego de jogos tradicionais não se restringe apenas ao cumprimento de etapas

de aprendizagem de uma língua estrangeira. De acordo com Giovanni Sartori, em seu livro

La sociedad multiétnica. Pluralismo, multiculturalismo y extranjeros (2001), o objetivo do

2 De acordo com o dicionário on-line Houaiss, a definição de jogo é: “designação genérica de certas

atividades cuja natureza ou finalidade é recreativa; diversão, entretenimento, atividade espontânea das

crianças; brincadeira”. Portanto, nesta pesquisa, os termos “jogo” e “brincadeira” serão usados sem distinção

de significado. Disponível em < http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=jogo>. Acesso em 10 de maio de

2016.

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Pluralismo Cultural3 é assegurar a paz intercultural para evitar a hostilidade entre culturas.

Portanto, a prática do Pelele e da Piñata, jogos realizados em sala de aula e,

posteriormente, neste trabalho analisados, busca promover nos estudantes o respeito à

diversidade cultural.

Como é natural, a relação entre cultura e jogo torna-se especialmente

evidente nas formas mais elevadas dos jogos sociais, onde estes

consistem na atividade ordenada de um grupo ou de dois grupos opostos.

O jogo solitário só dentro de estreitos limites possui uma capacidade

criadora de cultura. (HUIZINGA, 2004. p. 54)

O uso de jogos e brincadeiras é um facilitador no processo de aprendizagem de uma

LE, pois o lúdico deve estar presente nas aulas de línguas, principalmente quando se trata

de alunos do Ensino Fundamental I, com idades entre seis e doze anos.

A abordagem cultural nas aulas de idiomas enriquece os temas tratados em sala,

uma vez que aproxima o aluno de povos e países muitas vezes distantes de sua realidade,

ao mesmo tempo em que leva o estudante brasileiro a resgatar sua própria essência cultural

e valorizar suas origens ao ser estimulado a ter vários pontos de vista.

A utilização de jogos como estratégia de ensino de LE e a abordagem cultural no

uso de brincadeiras tradicionais dos países de língua espanhola (em especial, Espanha e

México) facilitam a prática do idioma e proporcionam ao aluno a consciência de uma

aprendizagem muito mais significativa.

De acordo com Simone Selbach, no livro Língua Estrangeira e Didáticas,

A aprendizagem linguística é construída por meio do envolvimento na

negociação do significado do que se pretende construir com os pré-

conhecimentos que o aluno traz para a sala de aula; a aprendizagem

linguística tem que ser uma experiência motivadora e afetiva para o aluno.

(SELBACH, 2010, p. 52-53)

O jogo é, portanto, para o aluno do Ensino Fundamental I, uma atividade lúdica e

afetiva, já que o aprendiz usa de seus conhecimentos da língua materna, ou seja, toda sua

visão de mundo, para estabelecer relações entre os idiomas.

3 De acordo com Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua

estrangeira /Secretaria de Educação Fundamental, “Por uma política de pluralismo linguístico entende-se a

aceitação da existência de línguas diferentes e a promoção do ensino de várias línguas”. Disponível em <

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_estrangeira.pdf>. Acesso em 23 janeiro de 2015.

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Dispor de jogos como estratégia de ensino nas aulas de LE pode ser considerada

uma ferramenta bastante comum, de acordo com os métodos comunicativos atuais de

ensino de idiomas. No entanto, a singularidade desta pesquisa será a análise das

especificidades do uso dos jogos tradicionais de dois países de língua espanhola que têm a

abordagem cultural como elemento diferencial.

Ao se falar em “cultura”, pode-se ter em mente a humanidade em toda a sua riqueza

e multiplicidade de formas de existência. São complexas as realidades dos agrupamentos

humanos e as características que os unem e diferenciam, assim como a cultura que as

expressa, seja de um grupo bastante reduzido seja de todo um território nacional. A partir

de uma visão antropológica, pode-se pensar na cultura como uma teia de significados que

dão sentido ao mundo que cerca um indivíduo, ou seja, a sociedade. E essa teia pode

englobar um conjunto de diversos aspectos, como crenças, costumes, leis, valores, moral e

línguas.

Portanto, cultura diz respeito à humanidade como um todo e, ao mesmo tempo, a

cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos. Quando se consideram as

culturas particulares que persistem ou deixaram de existir, logo se constata a grande

variação delas e a riqueza do patrimônio cultural que o mundo possui e que deve ser

conhecido, vivenciado e principalmente preservado, neste caso, pelos alunos do Ensino

Fundamental I, para as futuras gerações.

As riquezas culturais e suas relações são essenciais dentro do ambiente escolar, já

que trata de ver os indivíduos como seres sociais que pertencem a diversos grupos que

constituem a sociedade. Desse modo, essa discussão traz à tona a indagação sobre as

razões da realidade social, suas formas de partilha e manutenção, assim como, as

transformações a que estão sujeitas a todo momento. Por isso se diz que a cultura é

dinâmica, viva e resiste ao tempo e às adversidades pelas quais a sociedade tende a

percorrer. “[...] o destino de cada agrupamento esteve marcado pelas maneiras de organizar

e transformar a vida em sociedade e de superar os conflitos de interesse e as tensões

geradas na vida social”. (SANTOS, 2006, p. 11)

De acordo com Santos (2006), a cultura pode estar associada ao estudo, à educação,

à formação escolar. Pode-se também pensar em cultura ao se fazer referência às

manifestações artísticas, como o teatro, a música, a pintura e a escultura. Em outro

momento, a cultura pode dizer respeito às festas e cerimônias tradicionais, às lendas e

crenças de um povo, ou a seu modo de vestir, à sua comida e a seu idioma. A lista pode ser

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extensa, mas, no que concerne a esta pesquisa, a cultura é um elemento essencial e parte

constituinte dos jogos tradicionais (o Pelele e a Piñata), ou seja, a partir do uso dessas

atividades como ferramenta lúdica do processo de ensino e aprendizagem da língua

espanhola, os jogos atuam como um meio que promove o contato do aluno brasileiro com

outras culturas, a fim de ampliar seu repertório no que diz respeito não só ao seu

conhecimento geral, mas, principalmente, a valorização de sua própria cultura, a partir do

autoconhecimento e do respeito à diversidade.

Discutir cultura implica também discutir o processo social concreto que extravasa

outras questões e preocupações. Lendas ou crenças, festas ou jogos, costumes ou tradições

são fenômenos que não dizem nada por si mesmos, mas fazem parte de uma cultura, a qual

não pode ser compreendida se não se estabelecem os laços que unem todas essas

características dentro de uma mesma sociedade. O fato de que as tradições de uma cultura

possam ser identificáveis não quer dizer que não se transformem, que não tenham sua

dinâmica. O jogo do Pelele, por exemplo, apresenta atualmente uma releitura bastante

distinta da de sua origem retratada no quadro de Goya de 1791, sem perder, porém, alguns

traços singulares que o caracterizam. Nota-se, portanto, como os jogos, assim como a

cultura que se identifica dentro de um grupo, ou sociedade, ou nação, podem ser reescritos

com a passagem do tempo e as transformações vivenciadas pelos membros de uma dada

sociedade.

Nada do que é cultural pode ser estagnado, porque a cultura faz parte de uma

realidade em que a mudança é um aspecto fundamental para o desenvolvimento da

humanidade.

O ato de brincar, na sociedade atual, é um resgate de elementos culturais que, em

geral, são transmitidos oralmente de geração em geração. As crianças hoje em dia estão

acostumadas a brincar com jogos, em geral eletrônicos, que não promovem o trabalho

coletivo e de cooperação, pois jogam sozinhas diante da televisão ou do computador. O

resgate de elementos culturais faz referência às brincadeiras que utilizam, em sua maioria,

materiais produzidos manualmente (como bonecos, marionetes e bolas de meias) e que são

desenvolvidos a partir de canções e cantigas que fazem parte da cultura popular de cada

país.

Vale ressaltar que o uso de brincadeiras nas aulas de línguas não consiste apenas

em brincar por brincar. A brincadeira no ensino de idiomas deve funcionar como um

facilitador da aprendizagem e um meio de propagação da diversidade cultural.

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A seleção para esta pesquisa de brincadeiras de países diferentes tem como base o

que dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998)4 sobre a Pluralidade Cultural:

[...] É essencial que se traga para a sala de aula o fato de que, pelos

processos de colonização, muitas línguas estrangeiras, tradicionalmente

equacionadas com as línguas faladas pelos nativos dos países

colonizadores (Inglaterra, Espanha, França etc.), só hoje usadas em várias

partes do mundo como línguas oficiais e até mesmo como línguas

maternas. Não faz sentido, por exemplo, considerar o espanhol somente

como a língua da Espanha [...]. Ainda na temática de aspectos sociopolíticos referentes à aprendizagem

de uma língua estrangeira é notável a presença, cada vez maior, do

espanhol no Brasil.

Sua crescente importância, devido ao Mercosul, tem determinado sua

inclusão nos currículos escolares, principalmente nos estados limítrofes

com países onde o espanhol é falado. A aprendizagem do espanhol no

Brasil e do português nos países de língua espanhola na América é

também um meio de fortalecimento da América Latina, pois seus

habitantes passam a se (re)conhecerem não só como uma força cultural

expressiva e múltipla, mas também política (um bloco de nações que

podem influenciar a política internacional). (BRASIL, 1998, p. 49)

Uma proposta desta pesquisa é comprovar, por meio da observação e relato de

experiência, que o elemento lúdico funciona como um facilitador na aprendizagem de uma

língua estrangeira e que a abordagem cultural deve ser parte constituinte do curso e pode

ser trabalhada a partir do uso de brincadeiras tradicionais de vários países.

Um panorama sobre o ensino da língua espanhola será brevemente apresentado

logo no início do trabalho, já que para a população brasileira, o uso do espanhol é

perfeitamente justificado pela sua situação geográfica, ainda que o ensino deste idioma seja

opcional na grade curricular do Ensino Fundamental.

Esta pesquisa, de caráter qualitativo, constitui-se em um estudo de caso e retratará,

passo a passo, os trabalhos realizados com grupos de alunos do 3º e 4º anos do Ensino

Fundamental de uma escola particular de São Paulo, realizados entre os anos de 2014 e

2015.

O estudo de caso5, entendido como uma metodologia indutiva, a partir da qual a

teoria é construída desde as observações empíricas, com ênfase na interação entre os dados

e sua posterior análise, foi o caminho metodológico escolhido por facultar a

4 Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira fazem referência ao Ensino Fundamental II.

Os grupos de trabalho desta investigação pertencem ao Ensino Fundamental I. No decorrer deste trabalho

será discutido o assunto sobre a não existência de um currículo de LE para o Ensino Fundamental I. 5 Definição de estudo de caso de acordo com Robert K. Yin (2001).

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disponibilidade da experiência a ser relatada a outros docentes de língua espanhola que

busquem refletir sobre seus percursos didáticos, para inová-los.

Isto posto, o presente trabalho de pesquisa foi dividido em 4 capítulos. O primeiro

capítulo trata da aplicação do lúdico como um elemento facilitador no processo de ensino e

aprendizagem da LE, em especial, no Ensino Fundamental I, com estudantes de idades

entre 8 e 10 anos. Nessa fase, o interesse dos alunos passa a ser o motor propulsor que

comanda o processo da aprendizagem, suas experiências e descobertas, com a parceria do

educador que trabalha como um gerador de situações estimuladoras e eficazes. Nesse

capítulo, portanto, o jogo será abordado como uma ferramenta de ensino e aprendizagem

no ambiente escolar que estimula o interesse do aluno, para construir suas novas

descobertas, desenvolve e enriquece sua personalidade e simboliza um instrumento

pedagógico que leva o professor à condição de estimulador e avaliador da aprendizagem.

Na aplicação de brincadeiras, busca-se o resgate do ato de brincar como uma atividade de

interação e trocas, abarcando a contribuição da visão de mundo que a criança traz para o

processo de aprendizagem, mesmo que de forma inconsciente.

Essas funções e essas novas habilidades, ao entrarem em ação, impelem a

criança a buscar um tipo de atividade que lhe permita manifestar-se de

forma mais completa. A imprescindível “linguagem” dessa atividade é o

brincar, é o jogar. Portanto, a brincadeira infantil está muito mais

relacionada a estímulos internos que a contingências exteriores. A criança

não é atraída por algum jogo por forças externas inerentes ao jogo e sim

por uma força interna, pela chama acesa de sua evolução. É por essa

chama que busca no meio exterior, os jogos que lhe permitem satisfazer a

necessidade imperiosa posta por seu crescimento. (ANTUNES, 1998, p.

37)

O segundo capítulo trata das especificidades que o uso de jogos como ferramenta

de ensino de LE requer de professores e alunos. A partir dos conceitos do educador e

filósofo Paulo Freire (2014), faz-se uma análise da necessidade de se contar, no ambiente

escolar, com professores reflexivos e críticos que respeitam e valorizam a curiosidade

epistemológica dos alunos. Para uma adequada utilização de jogos como estratégia

didático-metodológica, a reflexão, o rigor, a metodologia, a pesquisa, a tolerância, o

respeito, a alegria, a esperança, a competência, a disponibilidade para o diálogo e a

criticidade são elementos imprescindíveis para o sucesso dessa metodologia proposta.

Uma atuação efetivamente colaborativa do professor faz com que os aprendizes

saibam administrar seu tempo e desenvolvam suas habilidades de raciocínio, tanto no

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ambiente escolar quanto fora dele. A partir dos jogos, os professores críticos e reflexivos

podem auxiliar seus educandos a buscarem e trazerem informações sobre os assuntos

discutidos em sala, estabelecerem metas para seus projetos e estimularem o raciocínio

crítico. O aluno precisa ser capaz de propor ideias criativas e expressá-las a fim de

cooperar na resolução de problemas que possam surgir. Afinal, a proposta desta pesquisa é

trabalhar o ensino de LE por meio de jogos coletivos que exigem um movimento

colaborativo e respeitoso de todos os seus participantes.

Em consonância com os conceitos de Freire (2014), estão os Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira, que mencionam a preocupação do governo

brasileiro em propor um ensino de idiomas que promova no aluno a possibilidade de

compreender e ser compreendido pelos outros, tanto na fala quanto na escrita e a

valorização do conhecimento de outras culturas como forma de compreensão do mundo em

que vive. Os PCN afirmam que o conhecimento de línguas estrangeiras possibilita

compreender melhor a si próprio e aumenta as possibilidades de compreensão dos valores

e interesses de outras culturas.

No segundo capítulo, a postura do professor consciente, reflexivo e comprometido

com sua missão de educador, que promove no ambiente escolar uma pedagogia libertadora

ancorada no diálogo, é percebido como um personagem imprescindível no processo de

ensino de LE, a partir do uso de jogos tradicionais. Como citam os documentos sobre a

Cultura de Paz, proposta pela ONU/UNESCO, “[...] a cultura de paz procura resolver os

problemas por meio do diálogo, da negociação e da mediação, de forma a tornar a guerra e

a violência inviáveis” (2010, p. 11). Embora os alunos tenham grande conhecimento das

atividades lúdicas e muito possam contribuir com sua visão de mundo, o professor aparece

como parte constituinte do processo que tende a dar autonomia ao aluno, a partir das

experiências compartilhadas entre todos, inclusive com o educador.

O terceiro capítulo aborda o tema da importância dos estudos culturais no ensino de

LE. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), a Pluralidade Cultural é

essencial no processo de reconhecimento e valorização de outras culturas, principalmente

em se tratando da língua espanhola presente nos países que fazem fronteira com o Brasil.

Mais do que a língua da Espanha, o idioma castelhano fortalece a América Latina a partir

de múltiplas expressões culturais e posicionamentos políticos.

O estudo dos temas transversais propostos na Pluralidade Cultural propõe conhecer

a diversidade do patrimônio cultural brasileiro, reconhecendo a diversidade como um

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direito dos povos e dos indivíduos. Portanto, repudiar as formas de discriminação por etnia,

crença, credo e gênero estão entre os objetivos centrais da proposta que visa fomentar o

respeito mútuo e uma “Cultura de Paz”.

“A Cultura de Paz, assim, ao mesmo tempo, induz consciências e as influencia em

direção a um mundo mais tolerante e, nesse caso, a uma nação mais solidária”.

(ONU/UNESCO, 2010, p. 9)

O que preconiza o estudo de LE a partir da estratégia de jogos tradicionais nos

ambientes escolares é, justamente, ampliar o repertório cultural dos alunos, colocando-os

em contato com culturas distantes, a fim de que possam conhecer e respeitar as

diversidades e sobretudo, valorizar sua própria cultura de origem.

No quarto capítulo, é relatado o estudo de caso, realizado com os alunos do 3º e 4º

anos em 2014 e 2015 respectivamente, com a aplicação das brincadeiras Pelele e a tradição

de romper a Piñata. Apresenta-se o relato passo a passo até a execução das atividades.

Inicia-se com as discussões iniciais e o resgate cultural das brincadeiras tradicionais em

contraponto aos jogos eletrônicos da atualidade. A observação da cultura do país

estrangeiro e de seu próprio país e o estímulo à “Cultura de Paz” citada nos PCN. Continua

com a observação de imagens e leituras de textos para ampliação de conhecimentos sobre

dados históricos, documentação de origem e registros artísticos. A sequência se dá pela

elaboração das regras e sistematização do estudo do idioma, a análise e ampliação

gramatical, o treino fonético, a compreensão da oralidade e as resoluções que saem do

individual e começam a ser definidas pelo grupo. Há também a possibilidade de trazer

assuntos para a sala de aula, junto com o estudo de LE, assuntos considerados polêmicos,

posto que algumas brincadeiras tratam de temas que representam realidades de gerações

passadas. Esses temas podem ser discutidos e muitos aprendizes podem ter a oportunidade

de ver releituras atuais e, assim, levantar suas próprias conclusões de como o tempo e as

vivências podem modificar o modo de agir e pensar das pessoas. Por fim, a conclusão do

projeto implica o ato de brincar, propriamente dito, colocando em prática todos os

conhecimentos adquiridos anteriormente. Também há registros das atividades avaliativas

feitas a partir das observações do professor e dos alunos. Uma autoavaliação dos alunos e

também do projeto como um todo são essenciais para perceber o que sempre pode ser

revisto e melhorado para uma futura aplicação.

Nas considerações finais, faz-se uma retomada das justificativas teóricas do uso do

elemento lúdico como facilitador do processo de ensino e aprendizagem, enfatizando a

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importância dos estudos culturais como aliados no processo de aquisição de uma língua

estrangeira. Serão, ainda, destacados os aspectos positivos da aplicação dos jogos como

elementos legitimadores da hipótese deste trabalho. Também há observações sobre a figura

do professor como membro constituinte do processo e o rigor metodológico muito

mencionado ao longo de todo o relato. Faz-se ainda uma breve observação sobre a

interdisciplinaridade presente no processo, principalmente em função das análises dos

jogos a partir de obras artísticas e literárias.

As observações finais fazem um balanço dos comentários feitos pelos alunos e

professor a fim de propor uma melhoria nas estratégias iniciais e o reinvestimento do que

foi realizado e concluído com sucesso.

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CAPÍTULO I

O LÚDICO COMO ELEMENTO FACILITADOR NO PROCESSO DE

ENSINO E APRENDIZAGEM

Enseñar siempre: en el patio y en la calle

como en el salón de clase. Enseñar con la

actitud, el gesto y la palabra... Maestro, sé

fervoroso. Para encender lámparas basta

llevar fuego en el corazón. El amor a los

niños enseña más caminos al que enseña

que la pedagogía.

Gabriela Mistral

Aprender de forma lúdica é um dos recursos mais recorrentes nos planejamentos

das aulas de língua estrangeira (LE) para crianças. Aprender de forma prazerosa envolve e

diverte todos os integrantes do processo de ensino e aprendizagem: alunos e professores.

As atividades lúdicas potencializam a criatividade e contribuem para o desenvolvimento

intelectual e afetivo e, desse modo, os alunos são persuadidos a encarar o percurso de

aprendizagem como um momento prazenteiro e intelectualmente enriquecedor. A

organização do ato educativo a partir do desafio lúdico ocupa um espaço significativo no

ambiente escolar, uma vez que promove a automotivação, o prazer, a espontaneidade, o

movimento e a ação. Ao brincar, a criança não está preocupada com os resultados, ela é

impulsionada pelo prazer e pela motivação de participar de uma atividade coletiva.

Dantas (2002), em seu artigo Brincar e trabalhar, detalha o significado dos

vocábulos “brincar” e “jogar”. Em sua opinião, são

dois termos distintos em português e fundidos nas línguas de cuja cultura

somos devedores: o francês (jouer) e o inglês (play). Por causa disso,

frequentemente desperdiçamos a diferenciação de ordem psicogenética

que a nossa língua nos permite: brincar é anterior a jogar, conduta social

que supõe regras. Brincar é forma mais livre e individual, que designa as

formas mais primitivas do exercício funcional, como a lalação6

.

(DANTAS, 2002, p. 111)

6 Balbucio lúdico-infantil, preparatório ao uso correto da palavra, caracterizado pela repetição indefinida que

a criança faz – pelo prazer de fazê-la – de ruídos e fenômenos diversos. Disponível em

<http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=lala%25C3%25A7%25C3%25A3o>, acesso em 18 de maio de

2015.

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É no ato de jogar que as interações estabelecidas com outras pessoas acontecem. No

momento em que sucedem as trocas, a criança tem a oportunidade de assumir diversos

papéis, experimentar, colocar-se no lugar do outro, realizar ações que podem ser mais ou

menos prazerosas. O jogo é capaz de colocar em destaque a informalidade e a

espontaneidade, a competência e o enfrentamento, o desafio, a imaginação, a criatividade,

o movimento, e, de maneira muito expressiva, a diversão. Mas, sem dúvida, uma

característica que se sobressai na atividade lúdica, como aqui será proposta, é a

especificidade que tanto a brincadeira quanto o jogo têm: a oportunidade que oferece à

criança de expressar-se.

O uso de jogos e brincadeiras como uma ferramenta do ensino de uma LE

proporciona ao educando a possibilidade de atuar como protagonista no processo de ensino

e aprendizagem, fazendo com que as propostas sejam significativas e eficazes a partir de

um estudo lúdico e consciente.

Uma prova de que o aluno é o sujeito da ação, quando a proposta é o uso de

atividades lúdicas nas aulas de LE, efetiva-se no momento em que essa prática se torna

verdadeiramente relevante no processo de aprendizagem. Tal fato é perceptível à medida

que o aprendiz demonstra que é capaz de brincar com autonomia, fazendo uso de um

idioma que não é o seu. De acordo com Kishimoto (2002), em Brincar e suas teorias,

“quem brinca, se serve de elementos culturais heterogêneos para construir sua própria

cultura lúdica com significação individualizada”. (KISHIMOTO, 2002, p.32)

O jogo, de forma geral, pode ser considerado um produto de múltiplas interações

sociais que resulta em benefícios intelectuais, morais e físicos. Quando utilizado de forma

consciente, crítica e planejada no ambiente escolar, dá acesso a riquezas culturais

complexas e diversificadas. Como uma ferramenta de aprendizagem lúdica, o jogo

caracteriza-se por ser um componente importante no desenvolvimento integral da criança.

Em seu artigo Metáfora e pensamento: considerações sobre a importância do jogo

na aquisição do conhecimento e implicação para a educação pré-escolar, Maria Célia

Moraes Dias discorre sobre o desenvolvimento que o jogo pode promover na criança para a

construção do real a partir do imaginário. “No desenvolvimento das crianças, é evidente a

transição de uma forma para outra, através do jogo, que é a imaginação em ação. A criança

precisa de tempo e de espaço para trabalhar a construção do real pelo exercício da fantasia”.

(DIAS, 2000, p.50)

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Ao jogar, a criança aprende e desenvolve seu pensamento, sua imaginação, sua

criatividade, visto que o jogo promove um contexto no qual é possível ensaiar formas de

responder perguntas com as quais se depara, e também, construir conhecimentos novos. O

jogo ajuda o educando a reelaborar suas experiências e age como um importante fator de

equilíbrio e domínio de si mesmo. Da mesma forma, tal atividade propicia que as crianças

se comuniquem e cooperem com os demais companheiros facilitando a tarefa de ampliar o

conhecimento que têm do mundo social.

Pensar numa atividade lúdica como um meio educacional significa pensar menos

no jogo pelo jogo, mas no jogo como instrumento de trabalho, como meio para alcançar

objetivos preestabelecidos. Por meio do jogo, a criança fornece informações, e tal atividade

pode ser útil para estimular o seu desenvolvimento integral e trabalhar conteúdos

curriculares que certamente fazem parte do programa das aulas de LE.

A partir do jogo, pode-se observar o comportamento da criança no que se refere ao

respeito às atividades físicas e mentais envolvidas. O ato de jogar põe em evidência as

características de sociabilidade, já que sua execução propicia ações como as trocas e a

competição. Também se tornam evidentes as atitudes, as emoções e as reações que

envolvem os jogadores, bem como a conexão que mantem com os brinquedos ou outros

objetos que façam parte da atividade.

Em Enseñar en clave de juego, Patricia Sarlé7

afirma que o jogo apresenta

características que resultam particularmente úteis para o processo de ensino e

aprendizagem: a motivação intrínseca, a simbolização e a relação meio-fim. À vista disso,

os professores podem ter a convicção de que basta dizer “Vamos jogar” que as crianças se

entusiasmam com a proposta e se sentem motivadas a realizá-la. Da mesma maneira que,

ao criar um marco ficcional em que a fantasia e a imaginação andam de mãos dadas, os

educadores conferem aos educandos a possibilidade de pensar além da tarefa e gerar

intervenções ricas e variadas. Ao buscar caminhos alternativos para chegar a um fim, as

crianças são capazes de traçar estratégias úteis para a resolução de problemas. (SARLÉ,

2010)

Tais características dão certa vantagem às atividades que o professor de LE idealiza.

Ao assumir um formato lúdico, as crianças não “cumprem com” uma atividade proposta

pelo docente, mas “são parte” dela. Portanto, as tarefas têm um sentido real para a criança,

7 Patrícia Sarlé é licenciada em Ciências da Educação com mestrado em Didática. É professora doutora em

educação na Universidade de Buenos Aires, Argentina.

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elas se contextualizam e os educandos se encontram com muitas oportunidades de observar

e interatuar com outros participantes e, consequentemente, constroem o conhecimento de

forma conjunta.

Por meio das atividades lúdicas propostas em sala de aula, o professor se

instrumentaliza de uma série de dados que podem ser interpretados e reinvestidos em

vários momentos das aulas de LE. Desde as observações feitas pelo educador, surgem

diferentes perspectivas de análise do comportamento no ato de brincar, como as reações

afetivas, cognitivas, sociais, morais, culturais e linguísticas. Cabe ressaltar que o jogo, em

uma aula de LE, não se apresenta apenas como um recurso linguístico, utilizado na

aprendizagem de um idioma. Tal atividade lúdica representa, para o professor, um recurso

precioso de observação da natureza humana e do desenvolvimento da criança como um ser

pensante e inserido num grupo escolarizado.

As atividades lúdicas propostas nas aulas de LE, além de cumprirem com sua

função pedagógica de facilitar o processo de ensino e aprendizagem de um idioma, exerce

uma função preciosa para o docente que tem um olhar atento nas atitudes de seu corpo

discente. Carlota Boto (2002), em seu texto Por uma ética em profissão: rumo a uma nova

paideia, faz uma reflexão acerca do profissional da educação e da responsabilidade que

suas atribuições acarretam. De acordo com a autora, a aula é, para o educador, o registro de

sua identidade.

Ser profissional, na plena acepção da palavra, requer de nós a firmeza de

princípios, o entusiasmo das estreias e a serenidade que apenas o tempo e

o hábito estão aptos a conferir. Há de se buscar, na vida em magistério,

habilidade para lidar com o outro e com o diferente. Ser professor sugere,

ainda, que sejamos capazes de confrontar cada etapa de nossa vida

profissional com o transcurso já efetuado e optar por caminhos que nem

sempre serão os mais fáceis, mas se colocam, dentre todos os que, em

cada situação, se apresentam, como os mais éticos, os mais corretos, os

mais valorosos. (BOTO, 2002, p.68)

Nas relações de troca promovidas pelas atividades lúdicas propostas nas aulas de

LE, estabelecidas entre o professor e o aluno e também entre os próprios alunos, é

possível transformar o cotidiano da escola em um exercício de formação continuada,

principalmente se tal relação estiver ancorada no diálogo e envolver todos os elementos do

processo de ensino e aprendizagem.

A proposição da estratégia de jogos nas aulas de LE, como será visto

posteriormente nos estudos de caso deste projeto, será elaborada, estruturada e

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detalhadamente esquematizada no ambiente da sala de aula. Porém, sua execução se dará

no pátio da escola, possibilitando, assim, a atribuição de mais características atrativas para

o educando.

Os jogos que acontecem no pátio apresentam o diferencial do ambiente físico ao ar

livre em contraponto com o ambiente fechado da sala de aula. Esse lugar, em geral, dá ao

aluno a ideia de autonomia e liberdade, principalmente por sua dimensão ampliada.

O espaço físico nomeado pátio da escola, na maioria das vezes, conta com certas

regras de utilização, já que, em muitos casos, dispõe de materiais específicos utilizados em

outros momentos pelos alunos, tais como: brinquedos (escorregador, balanço, gangorra),

material em geral (bolas, carrinhos, bambolês entre outros) e tanque de areia. Apresenta-se,

nesse momento de utilização do espaço, o grande desafio de aliar as regras do jogo

aprendidas nas aulas de LE às regras já existentes em função do espaço físico de um

ambiente aberto.

Há nesse contexto uma situação bastante desafiadora e estimulante para o aluno e

um campo de observação valioso para o professor. O aluno, para poder executar o jogo no

pátio da escola, precisará superar a instigante tarefa de unir regras e transpor obstáculos

para finalmente alcançar seu objetivo: jogar. O professor, atento às atitudes de seu aprendiz,

poderá observar a forma como o seu aluno consegue lidar com obstáculos reais de regras

de convivência e respeito ao espaço coletivo.

No fluxo da atividade proposta aos alunos, o professor de LE, em geral, quase não

intervém em sua realização. Espera-se que os educandos, depois da sequência de atividades

propostas em sala de aula e conhecedores de suas tarefas, executem as atividades com

autonomia. Consequentemente, o jogo realizado no pátio estimula a autoconfiança do

discente por tratar-se de uma proposta que se centra principalmente na relação entre os

participantes que têm nesse momento, como propósito, a ideia de diversão. Já para o

docente, consciente de seu papel e atento espectador das ações de seus alunos, conta com o

privilégio de observar a atividade a fim de conhecer melhor suas crianças, descobrir a

amplitude de seu repertório lúdico e compreender maneiras pessoais de resolver situações

problemáticas, potencializadas pela interação apoiada na ludicidade do jogo.

Não há a menor dúvida de que o jogo é um modo de socialização que

prepara para a adoção de papéis na sociedade adulta[...] e que nesse

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sentido, o jogo no pátio não deve ser desaproveitado com espaço no qual

deixar que o jogo aconteça e seja possível.8 (SARLÉ, 2010, p.51)

É imprescindível não ponderar a respeito da reflexão crítica sobre a prática docente,

com relação ao valor educativo do momento do jogo. Cabe ao professor imaginar as

melhores intervenções para potencializar as atividades coletivas tanto na sala de aula como

no pátio e suas estratégias para incrementar e aprimorar o trabalho.

Na vida cotidiana das crianças no ambiente escolar, de acordo com Patricia Sarlé,

faz-se necessário que o docente pense o jogo no pátio como “[...] um momento potente

desde o ponto de vista dos aprendizes, fértil para algumas instruções, extremamente rico

desde a perspectiva da interação social e a inserção na vida cultural comunitária”.9

(SARLÉ, 2010, p. 51)

Tais circunstâncias, assim como expressa o educador brasileiro Paulo Freire (2014),

incitam o docente a assumir a responsabilidade de suas funções como um educador

consciente de seu comprometimento com a sociedade e convicto de que a mudança é

possível a partir de uma relação ancorada no respeito mútuo entre todos os participantes

das atividades propostas.

Isto posto, quanto mais possibilidades tenha o discente de aprender e assimilar

conhecimentos novos, e quanto mais elementos reais tenha à disposição a criança em sua

experiência no ambiente escolar, mais considerável, significativa e produtiva será a

possibilidade de seu jogo e suas atividades em interação com os demais companheiros.

Ao declarar que a proposta deste estudo tem como foco o uso dos jogos como

elemento facilitador no processo de ensino e aprendizagem de uma LE, torna-se

impraticável desassociar a linguagem e o jogo. Ambos têm uma relação bidirecional, de

influência mútua e, por consequência, potencializam-se entre si. A linguagem se entrelaça

com as ações dos participantes e contribui para criar a estrutura e a trama do jogo, pois

permite que a tarefa seja realizada e se mantenha por um certo tempo. No entanto, ao jogar,

os educandos estabelecem representações que subjazem a esta prática e se promovem,

assim, diferentes aspectos do desenvolvimento linguístico das crianças. Para o educando, o

jogo se torna uma situação de ensino informal na qual se aprende a linguagem. Mesmo que

8 Tradução nossa. “No cabe la menor duda de que el juego es un modo de socialización que prepara para la

adopción de papeles en la sociedad adulta [...], y que, en este sentido, el juego en el patio no debe ser

desaprovechado como espacio en el cual dejar que el juego suceda y sea posible”. 9 Tradução nossa. “[...] un momento potente desde el punto de vista de los aprendizajes, fértil para algunas

enseñanzas, extremadamente rico desde la perspectiva de la interacción social y la inserción en la vida

cultural comunitaria”.

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o aprendiz esteja consciente do uso da língua que deve ser potencializado na atividade no

pátio, há uma certa dose de desprendimento linguístico que o aluno autônomo é capaz de

desenvolver e o educador, com sua experiência didática e conhecimento linguístico, deve

interceder de forma pouco invasiva, a fim de dosar os momentos de desvios linguísticos e

interferir apenas quando necessário. Em situações de jogo, a interação entre os aprendizes

e o professor cria uma circunstância de desenvolvimento cognitivo que pode se tornar cada

vez mais complexa, de acordo com o desenrolar das atividades. As crianças constroem

representações mentais completas e multíplices que sucedem a partir da interação verbal,

independente de roteiros.

Os diálogos que as crianças estabelecem durante o jogo colocam em destaque o

conhecimento da existência de algo dado e conhecido por todos, mesmo na fase anterior à

atividade, na qual ainda era possível contar com um roteiro comum, único e coerente.

Posto que a fonte enriquecedora dos jogos são as ideias que os alunos têm da realidade que

os rodeia, a atividade será mais proveitosa de acordo com a experiência que os aprendizes

têm sobre o tema em questão. Se as crianças não conhecem satisfatoriamente o assunto

sobre o qual se propõe a situação simulada, não podem jogar, pois não possuem o conteúdo

específico sobre o qual devem “recriar” o papel que cada um deve assumir.

Assim sendo, pode-se dizer que o jogo é um meio para aprender realidades

diferentes, no momento em que se dá a “existência” a situações imaginárias conforme

certas regras que afetam e constituem essa situação.

Um indício da relevância do uso de jogos no contexto das aulas de LE como

elemento digno de análise nesta pesquisa se dá no instante em que se observa que jogar na

escola, necessariamente, não é o mesmo que jogar em casa. O formato escolar determina o

número de jogadores possíveis, a presença de um adulto que define o que se deve ou não

fazer, o espaço e o tempo, a forma como os educandos devem utilizar os materiais e a

disponibilidade dos mesmos, as normas sociais que regem as relações entre o professor e o

aprendiz e as crianças entre si.

Por meio da interação com seus companheiros, a partir do jogo e da linguagem, as

crianças aprendem a reelaborar, ressignificar, construir ou reconstruir significados.

“Representando” o mundo a partir das ferramentas que têm disponíveis. As crianças, no

decorrer dos jogos, criam situações imaginárias, ensaiam modos de ação, constroem

maneiras de compreender o mundo e de interagir nele.

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Em Aprender com jogos e situações-problema, Lino de Macedo (2011) diz que os

jogos propiciam ao professor um valioso instrumento de análise quanto à aplicação dos

conhecimentos adquiridos num contexto lúdico, já que as contribuições que se tem do ato

de jogar podem ser exploradas sob diferentes perspectivas. A partir de certas atitudes do

aprendiz, é possível tecer considerações sobre sua postura

[...] ser atento, organizado e coordenar diferentes pontos de vista são

fundamentais para obter um bom desempenho ao jogar e também podem

favorecer a aprendizagem na medida em que a criança passa a ser mais

participativa, cooperativa e melhor observadora. Além disso, a ação de

jogar exige, por exemplo, realizar interpretações, classificar e operar

informações, aspecto que têm uma relação direta com as demandas

relativas às situações escolares. (MACEDO, 2011, p. 14)

O confronto de diferentes pontos de vista, essencial para o desenvolvimento do

pensamento lógico, está sempre presente no jogo, o que torna essa situação particularmente

rica para estimular a vida social e a atividade cognitiva do aprendiz. O trabalho com jogos

torna-se realmente produtivo quando se percebe que o aluno consegue ser consciente de

suas conquistas e é capaz de reinvestir seus conhecimentos em outros contextos, tanto

escolar como pessoal.

Como afirma Paulo Freire (2008), filósofo e patrono da Educação Brasileira, em

seu livro Educação e mudança,

Em todo homem existe um ímpeto criador. O ímpeto de criar nasce da

inconclusão do homem. A educação é mais autêntica quanto mais

desenvolve este ímpeto ontológico de criar. A educação deve ser

desinibidora e não restritiva. É necessário darmos oportunidade para que

os educandos sejam eles mesmos. (FREIRE, 2008, p. 32)

Ao se estabelecer uma relação entre jogo e conhecimento, é necessário pensar em

um enunciado elementar e bastante real: tanto para conhecer como para jogar, é

imprescindível agir. O jogo, como qualquer ação, envolve regulação que, sem dúvida, é

uma característica ímpar do ambiente escolar. Regular de algum modo as ações, quer seja

na sala de aula, quer seja no pátio do colégio, é uma porta de entrada para a realização de

um jogo. O ato de jogar favorece a aquisição de conhecimento, pois o discente aprende

sobre si próprio, a forma como age e pensa, e também aprende sobre o próprio jogo, ou

seja, como realizá-lo. Do mesmo modo, por meio da atividade do jogo, o aluno vivencia

estratégias sobre as relações sociais relativas ao ato de jogar como a competição e a

cooperação. E como cenário de toda essa atividade interativa entre o saber e o agir,

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encontra-se o conteúdo trabalhado nas aulas de LE, que dará o suporte linguístico

necessário para manter no grupo o espírito lúdico, essencial para que o jogador possa

entregar-se ao desafio da jornada que o jogo propõe. Como afirma Lino de Macedo, “quem

joga pode efetivamente desenvolver-se”. (MACEDO, 2010, p. 24)

No contexto da utilização dos jogos como estratégia de ensino e aprendizagem de

LE, a participação ativa do aprendiz sobre o seu saber é valorizada por vários motivos. Por

exemplo, o jogo oferece uma oportunidade ao educando de estabelecer uma relação

positiva com a aquisição de conhecimento, pois conhecer passa a ser percebido como uma

real possibilidade, ou seja, o aluno necessitará falar no idioma estrangeiro para comunicar-

se com os demais companheiros do grupo e somente a partir da assimilação, memorização

e pronúncia correta do idioma ele se fará entender. Alunos com dificuldades de

aprendizagem também podem modificar gradativamente a imagem negativa do processo de

aquisição do idioma a partir de uma experiência na qual aprender pode ser uma atividade

interessante e desafiadora. Por meio de atividades como os jogos, os aprendizes podem

ganhar autoconfiança, podem ser incentivados a questionar e a corrigir suas ações, analisar

e comparar pontos de vista, organizar e cuidar dos materiais utilizados.

O aluno que participa ativamente do processo de ensino e aprendizagem de uma LE

que utiliza a estratégia de jogos, independentemente do seu grau de assimilação de

conteúdo, tem a possibilidade de desenvolver seu raciocínio e elaborar estratégias na

resolução de problemas.

[...] é imprescindível que as crianças tenham recursos internos para

enfrentar e resolver desafios, adquirindo gradativamente autonomia para

ter iniciativa, responsabilidade e organização com as tarefas escolares. A

ação preventiva das oficinas (de jogos) tem a função de estimular a

curiosidade, o espírito de investigação e a busca de soluções: atitudes

exigidas na escola, e ao mesmo tempo, valorizadas quando se joga.

(MACEDO, 2010, p. 24-25)

O uso de jogos como ferramentas de ensino e aprendizagem de LE promove

condições internas nos educandos para lidar com as diferentes situações que enfrentam em

sua rotina na escola e em casa. Observar, questionar, discutir, interpretar, solucionar e

analisar são algumas das peculiaridades das atividades lúdicas propostas nas aulas de LE

com o objetivo de realizar os jogos de forma satisfatória.

Um professor atento, que acompanha as atividades de seus alunos, propõe análise

de suas ações, assim como o planejamento e antecipação de ideias. Em síntese, na

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aplicação de jogos como ferramenta no processo de ensino e aprendizagem de uma LE, o

educador auxilia seus educandos a pensarem antes de agir. A partir do estímulo, a criança

se sente encorajada a aprimorar e melhorar seu desempenho, valorizando assim um desejo

próprio de autosuperação. Para Lino de Macedo, o trabalho com os jogos na escola faz a

criança considerar que pensar é uma atividade constante, que pode e deve ser prazerosa.

“Na medida em que a criança toma consciência disso, seu autoconceito vai se modificando:

pode perceber que não está reduzida somente ao que não sabe e mais, aprende que ela é

produtora de seu próprio conhecimento”. (MACEDO, 2010, p. 27)

Se bem que, dentro do contexto do uso de jogos nas aulas de LE proposto neste

estudo, há uma questão fundamental que o professor de idiomas deve tratar com extremo

rigor: a autoconfiança do aluno no momento da realização do jogo se deve, em parte, a um

certo grau de assimilação do conteúdo praticado em sala de aula, ou seja, o jogo no pátio

da escola é um momento precioso de aprendizagem, porém, o professor de LE deve

garantir que, em sala de aula, o aprendiz seja capaz de se instrumentalizar minimamente,

para logo participar ativamente da atividade coletiva. Sem uma aquisição pelo menos

parcial do conteúdo trabalhado em sala, o aprendiz poderá correr o risco de sentir-se

intimidado pelo grupo e ser exposto a uma a situação constrangedora, o que vai de

encontro a todas as características positivas do trabalho com o jogo descritas até o

momento. Verifica-se, nessa etapa das atividades propostas nas aulas de LE, a

imprescindível presença do professor como guia indispensável na estruturação e

instrumentalização do jogo. A atuação do professor continua sendo fundamental em todo o

processo e realização das atividades.

Para Friedmann (1996), em seu livro Brincar: crescer e aprender, o jogo infantil

pode ser analisado sob diferentes perspectivas. As influências do contexto social no qual as

crianças brincam tratam da perspectiva sociológica. A contribuição do jogo para a

educação, no que concerne ao desenvolvimento e/ou aprendizagem da criança, refere-se à

perspectiva educacional. A perspectiva psicológica pode ser observada a partir do jogo

como meio para compreender melhor o funcionamento da psique, das emoções e da

personalidade dos indivíduos. Já a maneira como o jogo reflete, em cada sociedade, os

costumes e a história das diferentes culturas sob a perspectiva antropológica e a

perspectiva folclórica, esta é percebida a partir da análise do jogo como expressão da

cultura infantil, através das diversas gerações, bem como, das tradições e dos costumes

refletidos com o passar do tempo.

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Em Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa, o educador

Paulo Freire afirma que “a questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão

individual e a de classe dos educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na

prática educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado” (FREIRE, 2014,

p.42). Freire procurou, em seus 76 anos de muita dedicação em defesa da igualdade de

direitos entre os cidadãos, a busca por uma educação problematizadora, questionadora e

conscientizadora, cujo cerne estava na natureza política do ato de aprender. Em sua obra,

discute amplamente a prática educativa como mudança social, sem, no entanto,

desconsiderar o sujeito que tem autonomia no processo de construção de seu conhecimento.

Ao desprezar tais premissas, muitos professores de LE se empenham em propor

atividades focadas apenas em funções comunicativas que priorizam a memorização de

vocabulário e estruturas gramaticais. Assim, fazem do estudo de LE uma repetição

mecânica de frases feitas que, em alguns momentos, cumprem com o papel de fazer com

que o aluno consiga se comunicar, porém, tal estratégia desconsidera uma das principais

funções da escola e do educador, que é ter a consciência de que ensinar exige compreender

que a educação é uma forma de intervenção no mundo.

A nossa capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, sugere ou,

mais do que isso, implica a nossa habilidade de apreender a

substantividade do objeto prendido. A memorização mecânica do perfil

do objeto não é aprendizado verdadeiro do objeto ou do conteúdo. Nesse

caso, o aprendiz funciona muito mais como paciente da transferência

epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do objeto ou

participa de sua construção. É precisamente por causa desta habilidade de

apreender a substantividade do objeto que nos é possível reconstruir um

mal aprendizado, o em que o aprendiz foi puro paciente da transferência

do conhecimento feita pelo educador. (FREIRE, 2014, p. 67)

Para Paulo Freire – base epistemológica deste estudo –, o homem é o sujeito da

educação, vista como um processo permanente, libertador. A educação deve considerar a

vocação de ser do sujeito e as condições em que ele vive, e o conhecimento – como um

processo de conscientização – é visto como uma ação inacabada, contínua e progressiva.

Quando Freire se refere à contribuição da visão de mundo a partir do ponto de vista de um

adulto10

, ele fala do que o indivíduo traz de suas experiências pessoais, do meio cultural e

social onde vive. No que concerne a este trabalho sobre o uso de jogos nas aulas de LE e a

10

Paulo Freire conviveu com a questão da analfabetização de adultos trabalhadores e percebeu a necessidade

de centralizar esforços na alfabetização desses operários. Durante mais de 15 anos, nas décadas de 1950 e

1960, dedicou-se às experiências no campo da educação de adultos em áreas proletárias e subproletárias,

urbanas e rurais, em Pernambuco.

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partir do trabalho realizado com crianças do 3º e 4º anos do Ensino Fundamental, a

contribuição de visão de mundo faz referência à cultura lúdica que a criança traz para a

sala de aula.

A cultura lúdica é, então, composta de um certo número de esquemas que

permitem iniciar a brincadeira, já que se trata de produzir uma realidade

diferente daquela da vida quotidiana: os verbos no imperfeito, as

quadrinhas, os gestos estereotipados do início das brincadeiras compõem

assim aquele vocabulário cuja aquisição é indispensável ao jogo.

(BROUGÈRE in KISHIMOTO, 2002, p. 24)

Brougère (2002) também reforça a ideia de que brincar não é uma dinâmica interna

do indivíduo, mas uma atividade dotada de uma significação social precisa, que, como

outras, necessita de aprendizagem. Já a cultura, nasceria de uma instância e de um lugar

marcados pela independência em face de qualquer outra instância, sob a sustentação de

uma criatividade que poderia desabrochar sem obstáculos. “Para cada cultura, em função

de analogias que estabelece, vai construir uma esfera delimitada (de maneira mais vaga que

precisa) daquilo que numa determinada cultura é designável como jogo”. (BROUGÈRE,

2002, p. 24)

Assim, cabe ressaltar a relevância da pesquisa apresentada neste trabalho que

apresenta a prática de jogos como uma ferramenta de ensino e aprendizagem de LE. De

forma lúdica, propõe-se aos alunos o estudo de um idioma – o Espanhol –, que tem como

diferencial o viés cultural por tratar-se de brincadeiras tradicionais da Espanha e do

México.

Espelhado na sociedade em que o jogo é praticado, a atividade lúdica exerce a

função de retratar o ambiente e o tempo de determinado grupo social, sua forma de pensar

e agir. Para Kishimoto (2000), em seu livro Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação,

“considerar que o jogo tem um sentido dentro de um contexto significa a emissão de uma

hipótese, a aplicação de uma experiência ou de uma categoria fornecida pela sociedade,

veiculada pela língua enquanto instrumento de cultura dessa sociedade”. (KISHIMOTO,

2000, p. 16)

Para as aulas de LE, o uso de jogos e brincadeiras tradicionais de outros países

insere o aluno brasileiro em um ambiente de faz-de-conta que não é o dele. Dessa forma,

por tratar-se de brincadeiras que pertencem a outros povos, a cultura lúdica aborda,

evidentemente, as estruturas compreendidas e executadas a partir de regras particulares de

outras sociedades e que deverão ser conhecidas/compreendidas pelos alunos brasileiros.

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O conjunto de regras de jogo disponíveis para os participantes numa determinada

sociedade compõe a cultura lúdica dessa sociedade e as regras que um indivíduo conhece

compõem sua própria cultura lúdica. A façanha de tratar de jogos tradicionais ou de jogos

contemporâneos não interfere na questão, mas é preciso saber que essa cultura das regras

se individualiza, particulariza-se. É importante mencionar que a dimensão sociocultural do

desenvolvimento humano não se refere apenas a um amplo cenário, um pano de fundo em

que se desenrola a vida individual.

O ato de brincar e/ou jogar coloca a teoria em prática, pois faz com que o aprendiz

precise utilizar a língua e toda sua leitura de mundo para pôr em ação atividades que, de

forma geral, trabalham com o coletivo e funcionam a partir de regras preestabelecidas e

parâmetros estritos.

O aprendiz de LE não pode ser aquele apenas que ouve e repete, ele precisa fazer

parte de um processo no qual ele ouve, lê, escreve, compreende e principalmente executa.

A criança que participa ativamente do processo de aprendizagem atinge níveis de sucesso

no uso do idioma e, por consequência, alcança o contentamento pessoal.

A singularidade deste trabalho é discorrer sobre o uso de dois jogos tradicionais de

países de língua castelhana, tendo como diferencial a vertente cultural que, no contexto da

LE, deve ser considerada um elemento curricular imprescindível.

Muitas brincadeiras preservam sua estrutura inicial, outras modificam-se

recebendo novos conteúdos. A força de tais brincadeiras explica-se pelo

poder da expressão oral. Enquanto manifestação livre e espontânea da

cultura popular, a brincadeira tradicional tem a função de perpetuar a

cultura infantil, desenvolver formas de convivência social e permitir o

prazer de brincar. Por pertencer à categoria de experiências transmitidas

espontaneamente conforme motivações internas da criança, a brincadeira

tradicional garante a presença do lúdico, da situação imaginária.

(KISHIMOTO, 2000, p. 38-39)

Colocar a criança em contato com outras culturas faz com que ela consiga enxergar

seu próprio espaço com outros olhos. Expor o aprendiz a culturas de países diferentes abre

caminhos para o respeito à diversidade e amplia a visão de mundo ao se ter a consciência

da grandeza cultural da humanidade.

No livro Ação cultural para a liberdade, Paulo Freire diz:

Quanto aos outros, os que põem em prática a minha prática, que se

esforcem por recriá-la, repensando também meu pensamento. E ao fazê-

lo, que tenham em mente que nenhuma prática educativa se dá no ar mas

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num contexto concreto, histórico, social, cultural, econômico, político,

não necessariamente idêntico a outro contexto. (FREIRE, 1989, p. 17)

O ato de brincar promove desafios aos alunos/crianças que terão de lidar não

somente com a língua, a linguagem, mas também, com a situação problematizadora de

respeitar regras e lidar com o coletivo.

Quando se analisa mais criticamente a sociedade atual, percebe-se que a criança de

agora precisa lidar com situações muito diferentes das situações vividas por seus pais e

avós. Não é mais tão comum, principalmente em grandes cidades, ver crianças em grupos,

brincando nas ruas, lidando com situações que exigem trocas e principalmente respeito

mútuo.

As brincadeiras, independente do país, língua ou cultura, proporcionam, em muitos

momentos, o exercício do respeito à coletividade, o contato pessoal, o respeito ao limite

próprio e alheio, a negociação. O que mais uma vez justifica o uso do jogo na escola, um

ambiente coletivo, muito diferente do que se vê dentro de casa onde, em geral, o jogo ou as

brincadeiras acontecem de forma solitária, individual. Esse resgate de valores é essencial

no momento atual, no qual a maioria das crianças brinca apenas dentro de casa ou do

condomínio, somente com irmãos ou poucos colegas, diante de computadores e telas de

jogos eletrônicos.

O posicionamento da criança dentro do grupo, as relações interpessoais no jogo

coletivo, a cooperação e a comunicação entre eles (ainda que não dominem o idioma

castelhano) fazem do jogo usado nas aulas de LE um dispositivo facilitador da

aprendizagem da língua e também uma ferramenta que estimula as relações entre elas.

Nas brincadeiras coletivas, as crianças estabelecem contatos de maneira geral.

Muitas vezes, esse será o momento de conversa entre crianças ou grupo de crianças

(também chamados “panelinhas”) que pouco se comunicam. Mais uma característica ímpar

do uso dessa ferramenta de aprendizagem nas aulas de LE, que se caracteriza por promover

o contato interpessoal, com conteúdo linguístico desafiador, que é capaz de abrir portas

para o respeito à diversidade. O aprendiz tem de, numa situação de jogo, expressar-se de

forma autêntica, verdadeira, o que nem sempre faz em sala de aula, quando fica exposto

diante dos demais companheiros. O jogo favorece e enriquece o processo de aprendizagem,

na medida em que o educando é levado a refletir, fazer previsões e inter-relacionar objetos

e pessoas. “A educação, qualquer que seja o nível em que se dê, se fará tão verdadeira

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quanto mais estimule o desenvolvimento dessa necessidade radical dos seres humanos, a

de sua expressividade”. (FREIRE, 1989, p. 24)

A confirmação de que o aluno é o sujeito da ação quando a proposta é o uso de

atividades lúdicas nas aulas de LE, faz-se visível quando essa prática se torna

verdadeiramente significativa no processo de ensino e aprendizagem da língua. Para a

criança, o jogo realmente se efetiva quando dispõe de significação, de esquemas em

estruturas que ela constrói no contexto de interações sociais aos quais tem acesso.

No contexto do uso de jogos como estratégia pedagógica, tal atividade busca criar

condições para que os educandos possam descobrir ou redescobrir que é possível “aprender

e conhecer, e, para a surpresa de muitas (crianças), mesmo as atividades mais formais

podem dar prazer, despertar interesse e prender a atenção”. (MACEDO, 2010, p. 27)

É indiscutível como a cultura lúdica participa do processo de socialização da

criança, pois conserva aspectos complexos do início ao fim das atividades. Através dos

jogos, os alunos, junto com o professor, constroem uma representação mental do que será

feito em sala. Toda a prática do jogo envolve uma aprendizagem progressiva, aliada a

elementos heterogêneos provenientes de fontes diversas. Fazem parte das especificidades

dessa ferramenta de ensino, a interação, a interpretação e a diversificação da cultura

conforme diferentes critérios. Com o jogo, a criança se torna sujeito de uma experiência

cultural composta por uma interação simbólica em toda sua complexidade.

Kishimoto (2002), em seu artigo Froebel e a concepção de jogo infantil, alega que

Froebel11

foi o primeiro a colocar o jogo como parte essencial do trabalho pedagógico,

embora não tenha sido o primeiro a analisar seu valor educativo. Anterior a Froebel, três

concepções sobre os jogos no contexto escolar da educação infantil haviam sido elucidadas.

Via-se o jogo, em primeiro lugar, como uma recreação. Em segundo lugar, seu uso era

visto como um facilitador do ensino de conteúdos escolares, e em terceiro lugar, o jogo era

considerado um recurso precioso para ajustar o ensino às necessidades infantis, a partir de

um diagnóstico da personalidade da criança. “Froebel entende que, nas brincadeiras, a

criança tenta compreender seu mundo ao reproduzir situações da vida. Quando imita, a

criança está tentando compreender”. (KISHIMOTO, 2002, p. 74)

É o que se propõe nas aulas de LE quando o professor lança mão de jogos como

estratégia de ensino. A partir desse tipo de atividade, o aluno pode visualizar situações de

11

Friedrich Wilhelm August Fröbel nasceu em Alemanha em 21 de abril de 1782 e morreu em 21 de junho

de 1852. Foi pedagogo com raízes na escola Pestalozzi e fundador do primeiro jardim de infância. Foi o

primeiro educador a enfatizar o jogo, o brinquedo e a atividade lúdica dentro do contexto escolar.

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uso da língua e interagir com os demais companheiros. E a competência do ato de brincar

lhe confere certa segurança no momento da atuação já que o aprendiz/criança tem a prática

de brincar como um pré-requisito intrínseco.

O autor Johan Huizinga (2004) reforça os dizeres sobre a contribuição da visão de

mundo de acordo com Freire e em seu livro Homo Ludens, pois reafirma a importância

dessa contribuição no processo de ensino e aprendizagem no momento em que a criança

ingressa na escola. Mesmo com um repertório ainda muito restrito em função de sua pouca

experiência de vida, a criança se apoia na natureza intrínseca12

do ato de brincar para o ser

humano

[...] o jogo é uma função da vida, mas não é passível de definição exata

em termos lógicos, biológicos ou estéticos. O conceito de jogo deve

permanecer distinto de todas as outras formas de pensamento através das

quais exprimimos a estrutura da vida espiritual e social. (HUIZINGA,

2004, p. 9)

Pensando em uma atividade com jogos ou brincadeiras, independentemente das

aulas de LE, a situação se dá da seguinte forma: quando a criança brinca, ela cria uma

situação imaginária, sendo esta uma característica definidora do brinquedo em geral. Nesta

situação imaginária, ao assumir um papel, a criança inicialmente imita o comportamento

do adulto tal como ela observa em seu contexto. Assim, a imitação assume um papel

fundamental no desenvolvimento da criança em geral, e na brincadeira em especial, na

medida em que indica que primeiro a criança faz aquilo que ela viu o outro fazendo,

mesmo sem ter clareza do significado dessa ação, para então, conforme deixa de repetir por

imitação, passa a realizar a atividade conscientemente, criando novas possibilidades e

combinações.

Ao se pensar em uma aula de LE que utiliza o jogo como estratégia de ensino e

aprendizagem, o processo é o mesmo. O aluno passa por uma etapa de observação, amplia

seu repertório linguístico a partir das atividades propostas pelo professor, passa pela fase

da imitação até chegar à execução do jogo com autonomia.

Os alunos, de forma geral, não parecem notar o poder dos jogos e brincadeiras nas

aulas de LE como instrumentos mediadores na configuração de suas práticas.

Principalmente para os alunos do Ensino Fundamental do 3° e 4° anos, os jogos fazem

12

O ato de brincar é intrínseco do ser humano, ou seja, é uma experiência que faz parte de sua natureza, é

parte constituinte de sua essência. No entanto, não é uma atividade exclusiva do homem, já que é sabido que

os animais também brincam.

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parte de sua rotina e, certamente, a proposta dessa atividade lúdica na aula de LE é um

estímulo para o curso de idiomas. Por serem consideradas atividades naturais dentro do

repertório que possuem, os alunos, de algum modo, categorizam e sistematizam a atividade

proposta pelo professor, alheios a sua natureza como uma ferramenta cultural, produto de

forças socioculturais concretas.

Baquero (1998) afirma que o desenvolvimento da criança se dá a partir de duas

linhas: a linha natural, que se assemelha aos processos de maturação e crescimento; e a

linha cultural, que trata dos processos de apropriação e domínio dos recursos e instrumento

que a cultura dispõe.

O desenvolvimento cultural da criança se caracteriza, em primeiro lugar,

pelo fato de que transcorre sob condições de mudanças dinâmicas no

organismo O desenvolvimento cultural se acha sobreposto aos processos

de crescimento, maturação e desenvolvimento orgânico da criança. [...].

O crescimento da criança normal no seio da civilização implica, por regra

geral, uma fusão com os processos de maturação orgânica. Ambos os

planos de desenvolvimento – o natural e o cultural – coincidem e se

confundem entre si. (BAQUERO, 1998, p. 30)

De acordo com Baquero (1998), o processo histórico-social e o papel da linguagem

no desenvolvimento do indivíduo, efetiva-se na interação do sujeito com o meio, que é a

questão central da aquisição de conhecimento que acontece a partir das relações intra e

interpessoais, da troca e da mediação. O desenvolvimento da fala interior, que aqui se

refere à interiorização do conhecimento, condensa uma série de complexos problemas

teóricos. O mais imediato é o da natureza e características dos processos de interiorização

que estão ligados inerentemente ao desenvolvimento cultural.

As atividades propostas com os jogos e brincadeiras relacionam aspectos de

desenvolvimento cognitivo como da “personalidade” do sujeito, ou da atividade

psicológica geral. Dessa forma, põe-se em ação tanto o desenvolvimento do pensamento, a

capacidade de argumentação, quanto o desenvolvimento dos sentimentos e da vontade. O

aprendiz tem a possibilidade de passar por um processo de reorganização interior de uma

operação psicológica posta em jogo no meio social e, portanto, ligada à linha cultural de

desenvolvimento.

Para que ocorra no aluno essa reconstrução interna, faz-se necessária uma operação

psicológica, que está longe de se tratar de uma mera transferência ou comunicação a partir

de um exterior a um interior (BAQUERO, 1998). Fica evidente, portanto, a incumbência

do educador como alguém que tenha a sensibilidade e consciência de seu papel,

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fundamental nesse processo, e com a incumbência de estimular seus educandos para que

acabem com o desinteresse, a falta de concentração, a indisciplina e as dificuldades de

aprendizagem.

Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a

pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou

continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não

podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. (FREIRE,

2014, p. 28)

Nesse sentido, Baquero e Paulo Freire dialogam harmoniosamente quando se

referem à aplicação de métodos que não façam apenas a “transferência” de conteúdos, mas,

sim, o processo de construção e reconstrução do pensamento crítico. Baquero (1998)

afirma que não se trata de um processo de uma transferência no sentido de uma cópia ou

reprodução de um processo ou conteúdo externo que no momento da aula se aplica num

plano interior. Para ele, faz-se necessário enfatizar que a interiorização de uma operação

psicológica consiste numa extensa série de processos evolutivos e que obriga a considerar

que se trata, na verdade, de um processo de desenvolvimento.

Para compreender adequadamente o desenvolvimento, deve-se considerar não

apenas o nível de desenvolvimento real da criança, mas também seu nível de

desenvolvimento potencial, ou seja, é necessário considerar sua capacidade de

desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes. Há tarefas

que uma criança não é capaz de realizar sozinha, mas que se torna capaz de realizar se

alguém lhe der instruções, fizer uma demonstração, fornecer pistas, ou der assistência

durante o processo. Oliveira (1997) reflete sobre essa possibilidade de alteração no

desempenho de uma pessoa pela interferência de outra.

O único bom ensino [...] é aquele que se adianta ao desenvolvimento. Os

procedimentos regulares que ocorrem na escola – demonstração,

assistência, fornecimento de pistas, instruções – são fundamentais na

promoção do “bom ensino”. Isto é, a criança não tem condições de

percorrer, sozinha, o caminho do aprendizado. A intervenção de outras

pessoas – que, no caso específico da escola, são o professor e as demais

crianças – é fundamental para a promoção do desenvolvimento do

indivíduo. (OLIVEIRA, 1997, p. 62)

Tratando da importância do papel do professor no processo de ensino e

aprendizagem, cabe comentar aqui mais alguns tópicos do pensamento freireano no que

concerne ao rigor e criticidade que o educador deve assumir no ambiente escolar.

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Para Freire (2014), em Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática

educativa, o educador democrático não pode se negar o dever de reforçar a capacidade

crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. É essencial, no trabalho do

educador, trabalhar com seus educandos a rigorosidade metódica, com a intenção de

aproximar-se o mais possível dos objetivos desejados. Em nenhum momento, Freire se

refere à rigorosidade metódica como uma educação de transferência ou “educação

bancária” como ele mesmo nomeia. Para o filósofo brasileiro, é exatamente o oposto. Ele

diz que nas condições de verdadeira aprendizagem, os educandos transformam-se em reais

sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador,

igualmente sujeito do processo.

No que se refere ao pensamento crítico por parte do educador, Paulo Freire (2014)

reforça a ideia de que na formação permanente dos professores, o momento fundamental é

o da reflexão crítica sobre a prática. Até mesmo em jogo ou uma brincadeira, que é a

proposta discutida neste trabalho, acerca do uso desse dispositivo nas aulas de LE, o

professor deve ser rigorosamente crítico para pensar na escolha certa da atividade, assim

como sua adequação ao grupo, no tipo de agrupamento que deve propor e principalmente

na sua execução. Sem perder o foco da língua estrangeira, o professor também pode

beneficiar-se de outras análises que a atividade permite, desde que tenha uma visão

bastante crítica de sua prática. Freire (2014) afirma que o próprio discurso teórico,

necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a

prática. “O seu ‘distanciamento epistemológico’ da prática enquanto objeto de sua análise

deve dela aproximá-lo ao máximo”. (FREIRE, 2014, p. 40)

Paulo Freire, em seus livros, critica severamente a mera transferência de

conhecimento e usa o termo “educação bancária” assim definida no livro Conceitos de

educação em Paulo Freire, de Vasconcelos e Brito

Educação Bancária: configura a abordagem pedagógica pela qual o

educador é agente transmissor de informações e conhecimentos aos

educandos. Para esta concepção, o único papel do educador é o de

expor/impor conhecimentos, não havendo espaço para discussão ou

reflexão, sua missão é meramente informativa. (VASCONCELOS e

BRITO, 2006, p. 83)

A ideia que se tem, a partir da definição de “Educação Bancária” é uma analogia ao

termo “bancário”, que se refere a uma transferência, um depósito, um ordinário ato de

transmissão de conteúdo, que resulta numa prática destituída de significado.

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A partir do momento em que o educador se conscientiza de que o aprendiz, ainda

que recém-chegado ao ambiente escolar, pode concretamente contribuir com sua visão de

mundo para a construção de seu conhecimento, a simples ideia de que se reproduza na sala

de aula uma educação bancária é inconcebível, principalmente em se tratando do uso de

jogos e brincadeiras como ferramenta de aprendizagem nas aulas de LE.

No livro Brinquedo e Cultura, o professor francês Brougère (1997) assegura

que a cultura lúdica, como toda cultura, é o produto da interação social e que o processo de

ensino e aprendizagem no ambiente escolar não deve ser apenas uma transferência, mas,

sim, uma construção.

Isso significa que essa experiência não é transferida para o indivíduo. Ele

é o co-construtor. Toda interação supõe efetivamente uma interpretação

das significações dadas aos objetos dessa interação (indivíduos, ações,

objetos materiais) e a criança vai agir em função da ‘significação’ que vai

dar a esses objetos, adaptando-se à reação dos outros elementos da

interação para reagir também e produzir, assim, novas significações que

vão ser interpretadas pelos outros. (BROUGÈRE, 1997, p. 27)

Em seu livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, o

filósofo brasileiro Paulo Freire (2014) reforça a ideia de que ensinar exige reflexão crítica

sobre a prática e faz menção às atitudes do docente que, em sua prática, deve atuar de

forma crítica, que envolva o movimento dinâmico, dialético entre o fazer e o pensar sobre.

Para Freire, o professor, quando entra na sala de aula deve estar aberto a indagações, à

curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto

em face da tarefa que o educador deve ter. A tarefa do professor é a de ensinar e não a de

transferir conhecimento e, para tanto, é preciso que ele reconheça “[...] que ensinar não é

transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua

construção”. (FREIRE, 2014, p. 47)

Para ser possível idealizar uma pedagogia que siga uma metodologia eficiente e

sobretudo crítica, tanto no aspecto cognitivo como social, é imprescindível a formação

continuada do profissional da educação: o professor.

Não se pode pensar em um ensino de qualidade, nem em reforma educativa ou

inovação pedagógica sem uma adequada formação de professores. No que se refere ao

ensino de uma LE, o professor de idiomas tem como instrumento de trabalho a língua, que

vive em constante transformação. Falada em vários países, como é o caso do castelhano, o

idioma consequentemente é influenciado por povos de culturas muito diferentes e variadas.

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Por exemplo, o que têm de semelhante a cultura mexicana e a espanhola? Certamente,

ambas as culturas coincidem em alguns pontos, mas, sem dúvida, o grande vínculo entre

elas é a língua.

Desse modo, o professor de LE precisa ser um pesquisador que encontra recursos

para saciar sua curiosidade e, competentemente, conseguir instigar a curiosidade de seus

aprendizes.

Para o educador português Antonio Nóvoa (1995), a formação de professores pode

desempenhar um papel importante na configuração profissional do docente.

A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça

aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as

dinâmicas de auto formação participada. Estar em formação implica um

investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os

projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é

também uma identidade profissional. (NÓVOA, 1995, p. 25)

A formação do professor não se constrói necessariamente por acumulação de cursos,

de técnicas ou de conhecimentos. Mas sim, por meio de um trabalho de reflexão crítica

sobre as práticas e de construção e reformulação permanente de uma identidade pessoal.

Portanto, é imprescindível que os educadores de modo geral e, em especial, os de LE –

foco desta pesquisa – invistam em sua formação continuada tanto no âmbito profissional,

quanto no pessoal.

Com as atividades dos jogos nas aulas de LE, o professor, de modo crítico e

consciente de seu papel como colaborador da situação, instrumentaliza o aprendiz com as

instruções sobre a prática do jogo e o repertório comunicativo com relação ao idioma. Mas

será o aluno, como sujeito da ação, quem colocará tudo em prática, interagindo com os

demais companheiros de forma a atuar externamente e interiorizar os conhecimentos, tanto

os que se referem ao idioma, como também os conceitos atitudinais no convívio social.

O tipo de agrupamento que costuma ser usado no ambiente escolar é, sem dúvida,

uma particularidade dos jogos utilizados nas aulas de LE, em especial, com os educandos

das séries iniciais. Com especificidades que variam desde a não exposição de alunos

tímidos perante os demais até a necessidade de agrupamentos em função do grande número

de alunos nas salas das escolas brasileiras, os jogos em grupos abrem espaços para

instigantes discussões acerca do respeito mútuo.

O trabalho em equipe supõe, necessariamente, a cooperação entre todos e exige dos

aprendizes um compromisso constante, voltado a cada um dos elementos participantes.

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Cada um é responsável por si e pelo grupo ao mesmo tempo e, portanto, trabalhar em

equipe significa compreender as consequências disso, o que implica o respeito mútuo, a

troca de ideias e a consideração pelo outro.

A descoberta gradativa do significado e extensão do termo “reciprocidade” é uma

das características ímpares do trabalho realizado em grupos no ambiente escolar, em

especial, nas aulas de LE. A convivência entre iguais é essencial para o desenvolvimento

do indivíduo e, portanto, o respeito à “cidadania” é outra característica valorizada nesta

pesquisa, principalmente quando se considera que os alunos entrarão em contato com

culturas de outros povos e suas tradições, uma especificidade das aulas de LE.

O educador pode desempenhar um importante papel no transcorrer das brincadeiras

se conseguir discernir os momentos em que deve só observar, aqueles em que deve intervir

na coordenação da brincadeira, ou os que deve integrar-se como participante.

Só a observação permite caracterizar a situação educativa à qual o

professor terá de fazer face em cada momento. A identificação das

principais variáveis em jogo e a análise das suas interações permitirão a

escolha das estratégias adequadas à prossecução dos objetivos visados.

Só a observação dos processos desencadeados e dos produtos que eles

originam poderá confirmar ou infirmar o bem fundado da estratégia

escolhida. (ESTRELA, 1994, p. 128)

Cabe ressaltar que a observação que o educador deve fazer de seus alunos, em

especial quando se trata das atividades lúdicas dentro e fora da sala de aula, é muito mais

complexa que um mero acompanhamento disciplinar. Observar atentamente um aprendiz é

deter-se, buscar relações, perceber semelhanças e diferenças, é buscar conhecer mais e

melhor seu aprendiz.

A observação do professor é um processo constante e dela depende o diagnóstico e

a sequência do trabalho. Quando se trata de uma observação com qualidade, as

informações adquiridas nesse processo podem colaborar para uma atuação mais assertiva

do professor e, por consequência, mais positiva para o aluno.

O professor, representante adulto e conhecedor do idioma estudado, tem a

incumbência de ajudar a encaminhar as discussões entre os aprendizes e arquitetar as

relações mais amplas e interdisciplinares. Ao desafiar o aluno, o educador deve encontrar

maneiras de fazer com que as crianças discutam sobre a relatividade de constatações ainda

muito absolutas, por vezes individualistas. Enfim, o adulto deve propor tarefas com

situações cuja ação e participação de todos os elementos componentes da atividade –

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alunos e professor – sejam favoráveis com o intuito de que se estabeleça uma relação

interdependente e recíproca.

Macedo, ao discorrer sobre a função do professor e sua formação na utilização de

jogos dentro do contexto escolar, afirma que

O papel do professor é fundamental na sala de aula. É preciso lembrar

que tem influência decisiva sobre o desenvolvimento do aluno e suas

atitudes vão inferir fortemente na relação que ele irá estabelecer com o

conhecimento. (MACEDO, 2010, p. 39)

Portanto, o professor tem um papel ativo no processo de aquisição de conhecimento

de seus alunos. Tem como atribuições de sua função, ajudar seus educandos a construir e

organizar suas ideias e ampliar seus olhares sempre que possível, a partir da pesquisa e

ações intencionais.

No que concerne à metodologia do uso de jogos nas aulas de LE, o professor tem a

missão de dar o “tom” do desafio proposto e também a tarefa de gerenciar as ações que

promovam reflexões e descobertas por parte dos alunos.

A aquisição de competências para participar nos atos de fala e nos intercâmbios

comunicativos, constitui-se em todos os sujeitos de uma cultura pelo mero fato de eles

serem, por sua vez, sujeitos nela. É nesse sentido que, numa aula de LE, faz-se necessário

que o aprendiz atue como sujeito da ação no processo de ensino e aprendizagem e que

tenha a segurança de poder contar com a colaboração necessária do professor.

Desde o ponto de vista da prática do docente, a proposição de Paulo Freire (2011),

em seu livro A Importância do ato de ler em três artigos que se completam, põe em

destaque uma característica imprescindível nas ações do professor: não há prática sem

planejamento.

O professor que lança mão dos jogos e brincadeiras como ferramenta lúdica no

ensino de LE precisa pensar, pesquisar e planejar suas aulas a fim de alcançar a ação mais

esperada pelos alunos: a execução da brincadeira a partir da assimilação do conteúdo

proposto. Sem um planejamento detalhado, o trabalho realizado com os alunos pode ficar

comprometido, pois conhecer as brincadeiras de forma superficial poderá acarretar numa

penosa execução da atividade no pátio.

Para Freire (2008), a partir do planejamento, é possível perceber inclusive que os

objetivos propostos no início do projeto podem até ser corretos, mas somente a partir de

um planejamento detalhado é possível saber se os meios são adequados para tais objetivos.

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Portanto, planejar é essencial no processo de ensino e aprendizagem de uma LE,

principalmente, quando se trata do uso de jogos como ferramenta lúdica nas aulas.

Planejar a prática significa ter uma ideia clara dos objetos que queremos

alcançar com ela. Significa ter um conhecimento das condições em que

vamos atuar dos instrumentos e dos meios de que dispomos. Planejar a

prática significa também saber com quem contamos para executá-la.

Planejar significa prever os prazos, os diferentes momentos da ação que

deve estar sempre sendo avaliada. (FREIRE, 2008 p. 84)

Lino de Macedo (2010) aponta para a importância de que sejam repensadas as

atitudes do professor e alunos de forma a lidar com os conteúdos e também de conhecer

melhor as características do desenvolvimento do aprendiz. Posto isso, Macedo acredita que

no ambiente escolar faz-se necessário

propor situações de aprendizagem e apresentar conteúdos possíveis de

serem compreendidos em extensão e profundidade[...] e colocar o aluno

como centro do processo, e não atuar somente na valorização do

conteúdo. (MACEDO, 2010, p.34)

O indivíduo, inserido num grupo cultural, encontra formas de desenvolver-se com o

intuito de perceber-se e organizar-se em um ambiente real. Dessa maneira, tem condições

de constituir instrumentos psicológicos imprescindíveis para a mediação entre ele próprio e

o mundo. A cultura, entretanto, não deve ser pensada como algo pronto, como um sistema

estático ao qual o indivíduo se submete. Ao contrário, a cultura pode ser considerada um

cenário no qual os indivíduos podem manter-se em constante movimento e que possibilita

a recriação, a reinterpretação de informações, conceitos e significados. “A vida social é um

processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo e onde acontece a interação entre o mundo

cultural e o mundo subjetivo de cada um”. (OLIVEIRA, 1997, p. 38)

Como os significados são construídos ao longo da história dos grupos humanos,

com base nas relações dos homens com o mundo físico e social em que vivem, eles estão

em constante transformação. No estudo de caso sobre a aplicação do jogo Pelele com os

alunos do 3º ano, essa afirmação de Oliveira fica evidente, quando se analisa a releitura do

jogo nos dias atuais, ou seja, o jogo ainda mantém sua essência, pois conserva as

características de sua origem de mais de cinco séculos, mas a partir das imagens que

compõem o estudo de caso que será posteriormente apresentado, é possível notar a

releitura do jogo na atualidade.

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Os jogos que serão apresentados neste trabalho proporcionarão aos alunos

condições ideais de serem os protagonistas da ação. O professor, como elemento que

compõe o processo, fará o papel de colaborador da ação, agindo de forma segura,

profissional e generosa. Fazendo uso de seu bom-senso, o professor tem que considerar

que ensinar exige consciência do inacabamento humano, principalmente ao tratar-se de

atividades que envolvem culturas de outros povos como é o caso das brincadeiras

tradicionais da Espanha e do México.

O jogo não é somente um divertimento ou uma recreação dentro do ambiente

escolar. Apesar de todo o caráter lúdico, os alunos devem ter a consciência de que o jogo

faz parte de uma estratégia de ensino e que o resultado não deve ser apenas o prazer de

brincar, mas sim, o prazer de jogar com a vantagem de uma aquisição intelectual

previamente definida entre o professor e os alunos. As crianças, muitas vezes, aprendem

mais por meio dos jogos em grupo do que em lições e exercícios repetitivos em sala. É

essencial reforçar com os alunos o objetivo do uso desse dispositivo nas aulas de LE, já

que, por meio dele, a criança tem a possibilidade de reinventar aquilo de que é capaz, em

vez de se limitar a apenas a ouvir e repetir.

Muitas vezes, as crianças se empolgam com a brincadeira realizada no pátio e

perdem o foco da atividade que é o uso do idioma estrangeiro. Nesse momento de

dispersão, o professor deve agir de forma tolerante, mas rígida, no que concerne à

metodologia, ou seja, o professor generosamente “resgata” a atividade com os alunos desde

a perspectiva da língua estrangeira para que se cumpra com os acordos previamente

estabelecidos.

Mais um diferencial deste trabalho é, sem dúvidas, a proposta do resgate dos jogos

tradicionais. Ainda que o argumento deste projeto seja em função do estudo de uma LE, a

preservação da cultura dos jogos tradicionais ultrapassa barreiras e avança para a

grandiosidade do Patrimônio Cultural da Humanidade.

A ação de brincar no contexto escolar promove no aprendiz o resgate de valores

sociais essenciais, já que o ato de jogar se configura numa forma de comunicação entre as

gerações. A partir de uma ferramenta lúdica de aprendizagem de um idioma, o aluno tem a

oportunidade de valorizar um legado lúdico-cultural em diferentes contextos.

Quando se afirma que este tem a ver com as tradições populares não se

pode cair na ideia de que ele seja sobrevivência intocada, que somente foi

criativo e dinâmico no lugar e no grupo onde se originou: em qualquer

cultura, tudo é movimento. O ser humano faz, refaz, inova, recupera,

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retoma o antigo e a tradição, inova novamente, incorpora o velho no novo

e transforma um como poder do outro. (FRIEDMANN, 1996, p. 40)

O jogo tradicional se caracteriza por ser aquele transmitido de forma expressiva de

uma geração a outra, fora das instituições oficiais, na rua, nos parques, nas praças, nos

bairros, e é incorporado pelas crianças de forma espontânea, variando regras de uma

cultura a outra ou de um grupo a outro.

Valorizar a cultura e a história das brincadeiras das gerações anteriores pode ser

caracterizado como uma forma de apresentar às crianças de hoje um conhecimento que

lhes proporcionará o desenvolvimento físico, social e corporal. Pode-se propor, ainda no

início do projeto com jogos tradicionais nas aulas de LE, uma pertinente reflexão sobre o

papel das gerações anteriores com relação ao seu legado e, consequentemente, o que a

geração atual deixará como legado para as próximas gerações.

A brincadeira tradicional infantil, filiada ao folclore, incorpora a

mentalidade popular, expressando-se, sobretudo, pela oralidade.

Considerada como parte da cultura popular, essa modalidade de

brincadeira guarda a produção espiritual de um povo em certo período

histórico. A cultura não-oficial, desenvolvida especialmente de modo oral,

não fica cristalizada. Está sempre em transformação, incorporando

criações anônimas das gerações que vão se sucedendo. (KISHIMOTO,

2000, p. 38)

A partir das brincadeiras tradicionais de diferentes países, o educando consegue

entrar em contato com outras culturas e todo o peso histórico pertencente àquela sociedade.

Com as brincadeiras, as crianças começam a vivenciar conteúdos culturais e, ao apropriar-

se deles, o aprendiz é capaz de reproduzi-lo e transformá-lo, possibilitando, dessa forma, a

opção de uma nova significação.

Tal atividade pode até mudar a forma, mas não o conteúdo. O jogo tradicional se

mantém e se constitui pelos interesses lúdicos particulares ligados a algum ou a nenhum

objeto.

A forma do jogo trata da organização desde o ponto de vista dos materiais

utilizados, até do espaço, do número de jogadores, das canções ou parlendas que são

previamente aprendidas e cantadas durante a atividade. Assim, os jogos são imitados ou

reinterpretados e se perpetua sua tradição.

A cultura lúdica está impregnada de tradições e brincadeiras que se mantém em

todas as sociedades e variam de uma região para outra. No que concerne a esta pesquisa, os

jogos tradicionais aqui analisados retratam culturas de sociedades de dois países diferentes

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que, no entanto, apresentam um ponto em comum: o indelével prazer pelo ato livre de

brincar, de reproduzir gestos e executar ações.

O ato de brincar, em particular quando se trata das brincadeiras tradicionais, garante

o desenvolvimento físico e o controle da agressividade ao promover o trabalho com

habilidades diversificadas. A superação de dificuldades e a realização de desejos

individuais em prol de um bem comum – por tratar-se de uma atividade coletiva – favorece

o sucesso da interação e adaptação de todo o grupo.

O resgate de uma atividade que passa de geração em geração faz do jogo tradicional

um patrimônio lúdico-cultural infantil que traduz valores, costumes, formas de pensamento

e ensinamentos.

A tradicionalidade e universalidade das brincadeiras assentam-se no fato

de que povos distintos e antigos, como os da Grécia e do Oriente,

brincavam de amarelinha, empinar papagaio, jogar pedrinhas e até hoje as

crianças o fazem quase da mesma forma. Tais brincadeiras foram

transmitidas de geração em geração através de conhecimentos empíricos

e permanecem na memória infantil. (KISHIMOTO, 2000, p. 38)

Seu valor é inestimável e constitui, para cada indivíduo, cada grupo, cada geração,

parte fundamental da sua história de vida e toda essa riqueza cultural pode ser totalmente

adequada para uma atividade dentro de sala de aula, inclusive em LE.

Há casos em que algumas brincadeiras tradicionais, de acordo com o zelo de cada

sociedade, podem correr o risco de serem abandonadas ou drasticamente modificadas com

o passar do tempo. É o caso, por exemplo, das brincadeiras passadas de geração em

geração a partir da oralidade como recurso exclusivo. Para tanto, o professor pesquisador

deve lançar mão de vários meios, inclusive os tecnológicos, com o intuito de encontrar

dados confiáveis que deem o suporte sólido para a fundamentação da brincadeira. Em

algumas circunstâncias, é necessário buscar dados sobre algumas brincadeiras tradicionais

em diversos suportes, como na literatura, nas artes plásticas e na filmografia.

Por ser um elemento folclórico, a brincadeira tradicional infantil assume

características de anonimato, tradicionalidade, transmissão oral,

conservação, mudança e universalidade. Não se conhece a origem da

amarelinha, do pião, das parlendas, das fórmulas de seleção. Seus

criadores são anônimos. Sabe-se, apenas que provêm de práticas

abandonadas por adultos, de fragmentos de romances, poesias, mitos e

rituais religiosos. (KISHIMOTO, 2000, p. 38)

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Enfim, no panorama do processo de ensino-aprendizagem de uma LE nos 3º e 4º

anos do Ensino Fundamental, os jogos tradicionais são de fundamental importância para a

construção de conhecimentos, assim como para o desenvolvimento da interação social.

A relação que se estabelece entre o novo, o atual, que é a realidade dos educandos e

o resgate do tradicional, passado de geração em geração, traz uma valiosa discussão acerca

dos objetivos propostos para o ensino de LE. O desenvolvimento integral da criança

acontece desde a perspectiva do jogo como ferramenta lúdica no processo de ensino-

aprendizagem e, por fim, alcança o respeito à diversidade por tratar-se de uma cultura de

povos que falam outro idioma.

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CAPÍTULO II

A CONSCIÊNCIA CRÍTICA DOS PROFESSORES E ALUNOS NA

EXECUÇÃO DAS BRINCADEIRAS

Ninguém começa a ser professor numa certa

terça-feira às 4 horas da tarde... Ninguém nasce

professor ou marcado para ser professor. A

gente se forma como educador

permanentemente na prática e na reflexão sobre

a prática.

Paulo Freire

Aprender uma LE requer muita dedicação e empenho por parte do aluno e

criatividade do professor, que tem a incumbência de propor atividades que estimulem o

educando a praticá-las e que sejam eficazes no processo de ensino e aprendizagem.

Propor o ensino de LE nos anos iniciais da escolaridade pode ser visto como um

desafio para o educador, entretanto, algumas características favoráveis são latentes no

processo de ensino e aprendizagem dessa faixa etária. Por exemplo, a curiosidade dos

jovens educandos. No livro Conceitos de educação em Paulo Freire, as autoras

caracterizam a curiosidade como um “elemento propulsor do conhecimento, que estimula a

reflexão crítica e afasta o comodismo e a passividade da educação bancária13

(VASCONCELOS e BRITO, 2006, p. 68). Considerando a prática em sala de aula, muitas

vezes, o professor que trabalha com alunos do Ensino Fundamental I e II é capaz de

presumir que uma simples proposta pedagógica pode ser concebida pelos alunos como uma

tarefa desafiadora, instigadora e prazerosa que pode resultar num produto muito especial. É

o caso do uso de jogos tradicionais propostos neste trabalho como ferramenta de ensino-

aprendizagem de L.E. Ainda que as atividades propostas apresentem um caráter bastante

complexo no que concerne à sua sequência de atividade, o desafio e o prazer

indubitavelmente atuam no aprendiz como um elemento propulsor para novos saberes.

Para o educador Paulo Freire, o educando que exerce criticamente sua capacidade

de aprender desenvolve uma curiosidade científica que faz parte do processo educativo

13

Faz referência à abordagem pedagógica na qual o educador é o responsável por transmitir informações e

conhecimentos aos educandos. Desta forma, o educador é o único encarregado de expor/impor

conhecimentos, onde não há espaço para discussão ou reflexão. Sua tarefa é apenas informar. Para tanta,

Paulo Freire usa analogamente o termo “bancária”. “A ideia que se tem é de que aquele que possui

conhecimento irá “depositar”, transferir, pura e simplesmente, aquilo que conhece para aquele que nada sabe,

o depositário do saber de outrem”. (VASCONCELOS e BRITO, 2006, p. 83)

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libertador. O estímulo crítico que inquieta a curiosidade ingênua do aprendiz pode levar ao

conhecimento e à mudança, porque faz com que ele se aproxime de forma metódica e

rigorosa do objeto cognoscível.

Dessa forma, Freire reflete em sua obra a valorosa curiosidade epistemológica que

manifesta o estudante.

O exercício da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais

metodicamente “perseguidora” do seu objeto. Quanto mais curiosidade

espontânea se intensifica, mas sobretudo, se “rigoriza”, tanto mais

epistemológica ela vai se tornando. (FREIRE, 2014, p. 84-85)

Outra característica expressiva que a faixa etária do Ensino Fundamental apresenta,

é a pré-disposição para conhecer novas culturas sem expressar pré-julgamentos, ou seja,

nessa fase, a pouca experiência de vida ainda não promoveu nos aprendizes pensamentos

ou atitudes intolerantes que o passar do tempo e as vivências nutrem nos adultos. Desta

forma, as atividades propostas para esse grupo promovem a descoberta de novos

comportamentos, costumes, hábitos e o respeito à diversidade de culturas de outros povos.

Falar de tolerância no estudo aqui proposto é fazer alusão ao respeito à cultura dos

países abordados nesta pesquisa, Espanha e México, estimulando o respeito dos alunos

com relação às tradições, à história, às crenças, à forma de pensar e de compreender o

mundo. A tolerância inclusive ocorre dentro do ambiente escolar, mediante o respeito que

os indivíduos e/ou o grupo promovem entre si no processo de ensino e aprendizagem da

LE. Cada aluno no seu ritmo, com sua percepção e capacidade de interpretação e

assimilação dos conteúdos. Somente com essa virtude, é possível executar os jogos nas

aulas. A tolerância também se faz presente quando tais jogos, em sua maioria de origem

anônima e data remota, levam os aprendizes a ampliar seu olhar para culturas e formas de

pensar que diferem de sua realidade.

De acordo com as autoras do livro Conceitos de educação em Paulo Freire, a

tolerância democrática se opõe ao autoritarismo e ao dogmatismo sob todas as suas formas,

política, sociais, morais e científicas.

não se trata de uma simples virtude passiva, de aceitação, mas reúne dois

sentidos, estreitamente vinculados aos demais valores democráticos da

igualdade e da liberdade: a tolerância como respeito às diferenças e a

tolerância como o reconhecimento pleno da igualdade em dignidade de

todos – indivíduos ou grupos – apesar das diferenças. (VASCONCELOS

e BRITO, 2006, p. 186-187)

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Sobre o ensino de LE de maneira geral, os prognósticos são favoráveis. As

necessidades de comunicação entre pessoas que não falam a mesma língua nunca foram

tão intensas como na atualidade, principalmente em função da globalização, do fluxo

turístico e do intercâmbio comercial, assim como das migrações populacionais e dos

avanços tecnológicos.

No livro Formação de professores de línguas estrangeiras: reflexões, estudo e

experiências, o professor Carlos Ceia da Universidade Nova de Lisboa faz uma análise das

vantagens que os futuros professores de LE têm com relação ao mercado de trabalho. Para

ele, o estudo de línguas estrangeiras é uma aposta válida para o profissional que tem a

intenção de instrumentalizar-se e trabalhar como professor de LE. Ceia (2006) visualiza

boas perspectivas ao analisar os mercados como a área da informática, por exemplo, que

carecerá cada vez mais de instrutores de símbolos e signos linguísticos que saibam lidar

com pessoas, na perspectiva de atenuar o trabalho individual da produção de material. No

que se refere à LE como comunicação direta entre pares, o treino das capacidades

associadas à escrita, à fala, à escuta e à leitura serão cada vez mais importantes na

comunicação social.

As línguas também serão cada vez mais exigidas no âmbito turístico, uma vez que,

numa sociedade cada vez mais informatizada, as pessoas terão mais tempo para o lazer. Já

nos setores de serviços como plataformas e-learning, o mercado exigirá profissionais

qualificados na área das línguas, pois algumas profissões de futuro dependem cada vez

mais do nível de compreensão, uso e tratamento de informações dos seus profissionais, o

que aumentará sempre a responsabilidade social e civil dos graduados na área das línguas.

A internalização dos mercados, exige, atualmente, quadros dotados de

grande mobilidade, adaptabilidade e autonomia. A formação em qualquer

dos modelos existentes aponta para um perfil de licenciado capaz de se

integrar facilmente em empresas, em organismos públicos e privados,

autarquias, instituições internacionais, etc., em que a componente de

comunicação plurilinguística se combina com uma solida formação

humanística. (CEIA in BRAGA e BIZARRO, 2006, p. 29)

Ainda que, de maneira generalizada, o otimismo do campo laboral para os futuros

profissionais de LE abre caminhos para um panorama bastante positivo, na prática, quando

o objetivo é fazer uma reflexão sobre o ensino de idiomas nas escolas brasileiras -

independentemente de instituições públicas ou privadas -, a realidade mostra-se muito mais

intrincada e desfavorável.

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53

No contexto escolar14

, o professor de LE se depara com duas situações pontuais que

indubitavelmente dificultam o processo de ensino e aprendizado do idioma: carga horária

muito reduzida e falta de clareza por parte dos alunos da importância de se aprender uma

LE.

De acordo com o que foi estabelecido no Art. 26º, na Lei de Diretrizes e Base

(1996), o aluno tem, obrigatoriamente, a oportunidade de entrar em contato com o idioma

estrangeiro, na maioria das escolas públicas e particulares no Brasil apenas a partir da

quinta série (atual 6º ano),

§ 5º. Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente,

a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira

moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das

possibilidades da instituição. (BRASIL, 1996. p. 11)

Vale ressaltar que o ensino de LE não é obrigatório no Ensino Fundamental I,

apenas no Ensino Fundamental II, como garantem os PCN do terceiro e quarto ciclos.

Portanto, fica a critério da instituição de ensino incorporar, em sua grade horária, as aulas

de LE nos anos iniciais.

A não obrigatoriedade do ensino de uma LE no Fundamental I, de acordo com a

legislação, é um lapso lamentável por parte do governo federal. Se os PCN indicam como

objetivo do Ensino Fundamental

[...] conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural

brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,

posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças

culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras

características individuais e sociais (BRASIL, 1998. p. 7),

não há justificativa para tal.

O que fundamenta a obrigatoriedade de ensino de uma LE apenas a partir do

terceiro ciclo? Por que não iniciar o estudo de LE e a vivência de outras culturas ainda nas

séries iniciais, quando os aprendizes se mostram bastante abertos a novas experiências?

Como foi citado anteriormente neste trabalho, os educandos, principalmente das séries

iniciais, estão ávidos por conhecer novas culturas sem expressar pré-julgamentos ou

atitudes intolerantes de acordo com a pouca experiência de vida que têm e relações que

14

Cabe especificar que o estudo de uma língua estrangeira em cursos livres de idioma tem outra dinâmica

didática, que não é não foco desta pesquisa.

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mantêm com a sociedade. Certamente, tais aspectos positivos poderiam ser amplamente

utilizados na apropriação de línguas estrangeiras nas séries iniciais.

É possível, principalmente em cidades que se encontram nas zonas mais populosas

do Brasil, encontrar escolas privadas15

que desde as séries iniciais do Ensino Fundamental

oferecem o ensino de uma segunda língua para seus estudantes. Tal iniciativa fica a critério

da instituição, principalmente em função da comunidade onde a escola está inserida.

No que se refere à quantidade de horas destinadas ao ensino da LE, de acordo com

a obrigatoriedade legalmente regulamentada, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental em LE, declaram que

O número de horas dedicadas à Língua Estrangeira é reduzido, raramente

ultrapassando duas horas semanais; a carga horária total, por sua vez,

também é reduzida; a alocação da disciplina muitas vezes está em

horários menos privilegiados, etc. (BRASIL, 1998, p. 66)

Isso posto, cabe refletir se a carga horária destinada ao ensino de LE nas escolas

brasileiras considera todas as especificidades que o ensino de um idioma demanda. Com

duas horas semanais, é possível alcançar um resultado satisfatório no aprendizado de uma

LE? O aluno será capaz de ler, ouvir, falar e escrever em uma LE? Essa carga horária é

suficiente para proporcionar-lhe a vivência de uma cultura diferente da sua?

Com base no que o linguista Pierre Martínez afirma em seu livro Didática de

línguas estrangeiras, para a realização de um satisfatório processo de ensino e

aprendizagem de uma LE, duas horas semanais (em raras instituições já que a maioria das

escolas dispõe apenas de uma hora semanal) não seriam suficientes para um efetivo ensino

de um idioma estrangeiro.

[...] o trabalho didático não se resume, pois, a uma transformação de

objetos (uma língua utilizada em língua ensinada, posteriormente em

língua aprendida, um ato de ensino transformado em ato de

aprendizagem), nem em um conhecimento cumulativo, mas implica uma

transformação dos próprios agentes: o aprendiz, o professor também, em

uma trama cultural, social, histórica. (PIERRE, 2012, p. 43)

Portanto, contando com apenas uma ou, salvo raras exceções, duas horas semanais,

o processo de ensino e aprendizagem de uma segunda língua fica bastante comprometido

15

Não são consideradas nessa pesquisa as escolas bilíngues. O eixo da pesquisa é discorrer sobre o panorama

do ensino de LE em escolas públicas e privadas de ensino regular e ter como foco uma escola privada da

cidade de São Paulo que oferece o estudo de espanhol como LE em duas aulas semanais de cinquenta

minutos.

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dentro do contexto escolar brasileiro proposto na Lei de Diretrizes e Base (1996). Fatores

como a quantidade de horas, intensidade e continuidade de exposição à língua são

determinantes quando a proposta é pensar no nível de competência que se pretende

alcançar com os alunos. Porém, a partir do panorama que se tem do ambiente escolar das

escolas brasileiras – em geral, salas com excedentes de alunos – e carga horária reduzida

para a pretensão do curso, o ensino de LE resulta insuficiente para que o processo aconteça

de forma adequada. A situação é ainda mais agravante se se considerar que o estudo de

uma LE deva abordar não apenas os conteúdos comunicativos, mas também aproximar o

educando ao cenário cultural que a acompanha.

É instigante imaginar o quão desafiador é o papel do professor no ensino de uma

LE, contando com poucas horas semanais e partindo do pressuposto de que o aluno se

comunica na LE apenas no momento das aulas, ou seja, em um tempo insuficiente. Em

todos os outros contextos (escolares, familiares, sociais), ele faz uso da sua língua materna.

Desse modo, é evidente perceber como o ensino da LE é proposto ao aluno a partir de

situações quase teatrais, hipotéticas, pois simula cenários de realidades que para alguns

educandos, está muito distante do seu cotidiano.

No livro Didáctica da Língua Estrangeira, Andrade e Sá discorrem sobre as

funções do professor de LE:

O professor tem [...] de selecionar e organizar atividades úteis porque

trabalham os conteúdos pertinentes e porque são as certas e as mais

adequadas relativamente aos momentos precisos dos percursos de

aprendizagem dos alunos. É importante assim que esteja bem consciente

dos custos cognitivos e também que reflita sobre a pertinência das

atividades que vai propondo em função do seu real significado para a

construção da competência de comunicação em LE. Só assim poderá

construir atividades úteis e rentáveis. (ANDRADE e SÁ, 1992, p. 141)

A proposta dos cursos de LE parte do princípio de que, ao final de sua jornada

escolar, o aluno esteja apto a fazer uso da língua nos mais variados contextos, tanto social

quanto profissional. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Línguas

Estrangeiras (PCN), os objetivos do ensino de um idioma são orientados para a

sensibilização do aluno em relação à LE a partir do mundo multilíngue e multicultural em

que vive. Dessa forma, o aluno poderá também atingir objetivos como a compreensão

global da escrita e da oralidade e o empenho na negociação do significado e não na

correção.

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Ao longo dos quatro anos do Ensino Fundamental I ou II, os PCN sugerem que o

aluno, no universo que concerne à LE, seja capaz de identificar especificidades que lhe

permitam participar como “integrante de um mundo plurilíngue” e portanto, será capaz de

compreender o “papel hegemônico que algumas línguas desempenham em determinado

momento histórico”. (BRASIL, 1998, p. 66)

Ainda sobre os objetivos que os PCN apontam como meta ao longo do Ensino

Fundamental, o aluno deverá ser capaz de vivenciar experiências de comunicação pelo uso

de LE no que se refere a novas maneiras de ver e expressar o mundo, refletir sobre os

costumes ou maneiras de agir e interagir e as perspectivas de seu próprio ambiente,

possibilitando assim, maior entendimento de um mundo plural e de “seu próprio papel

como cidadão de seu país e do mundo”. (BRASIL, 1998, p. 66) O aprendiz deverá

reconhecer que o aprendizado de uma LE promove o acesso a bens culturais da

humanidade e, consequentemente, o respeito à diversidade.

Tendo como base os conhecimentos da língua materna, o aluno deverá ser capaz de

construir um conhecimento sistêmico sobre como e quando utilizar a linguagem em LE nas

situações de comunicação e assim elaborar uma consciência linguística crítica dos usos que

podem ser feitos da língua que está aprendendo. Por fim, os PCN promovem a leitura em

LE como valorização de fonte de informação e prazer, principalmente se utilizada como

meio de acesso à trabalhos acadêmicos e pesquisas avançadas.

Sobre a perspectiva educacional do papel da LE no Ensino Fundamental com

relação à construção da cidadania, os PCN dizem que

A aprendizagem de Língua Estrangeira no ensino fundamental não é só

um exercício intelectual em aprendizagem de formas e estruturas

linguísticas em um código diferente; é, sim, uma experiência de vida,

pois amplia as possibilidades de se agir discursivamente no mundo. O

papel educacional da Língua Estrangeira é importante, desse modo, para

o desenvolvimento integral do indivíduo, devendo seu ensino

proporcionar ao aluno essa nova experiência de vida. (BRASIL, 1998, p.

38)

Portanto, o que cabe ao professor de LE, é o irrevogável desafio de instrumentalizar

o aluno a fim de que, ao término de seu ciclo escolar, ele seja capaz de ler, escrever, falar e

compreender o que ouve no idioma estrangeiro. O ensino deve promover no educando o

desenvolvimento integral do indivíduo e proporcionar-lhe novas experiências de vida e

disso não pode se afastar, tal qual os demais professores, aquele responsável pelo ensino de

uma LE. Este é o desafio, no mínimo ambicioso, que se coloca ao docente de LE,

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principalmente quando se considera a quantidade de tempo dedicado ao idioma e toda a

bagagem cultural que o acompanha e que deve ser indubitavelmente abordada.

É conveniente, nesse momento de reflexão sobre o ensino de LE e o que

estabelecem os PCN de LE do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, discorrer

sobre a importância da formação continuada do professor como integrante imprescindível

do processo de ensino e aprendizagem de LE.

A formação do professor de LE é um aspecto que deve ser abordado de forma

bastante criteriosa. Quem ministra a aula de LE não é um profissional graduado em

Pedagogia, mas sim, em Letras, e que, por consequência, não é formado para ministrar

aulas no Fundamental I. Por outro lado, a formação didático-pedagógica desse profissional

pode ser. também, bastante questionada, uma vez que os cursos de Licenciatura seguem

desvalorizando as disciplinas de formação docente. A situação fica ainda mais delicada

quando se constata que o número de cursos a distância vem aumentando a cada ano, de

acordo com o Portal do Ministério da Educação16

. Ou seja, o futuro professor de língua

espanhola, dedica pouquíssimo tempo de sua formação ao estudo da Psicologia e da

Didática que irá usar com os futuros alunos e ainda o faz de forma virtual, sem poder

contar com a referência presencial de profissionais que poderiam proporcionar situações

mais reais se estivessem em contato uns com os outros.

Logo após assumir a Secretaria Municipal de São Paulo, em 1989, o educador

Paulo Freire, em entrevistas compiladas na obra A educação na cidade (1995), divulgou

alguns princípios básicos do programa de formação para professores de sua gestão que

consistia em reforçar o papel do educador como sujeito de sua prática e responsável por

criá-la e recriá-la. O docente deveria manter uma formação constante e sistematizada a fim

de instrumentalizar-se e ser capaz de criar e recriar sua prática por meio da reflexão sobre o

seu cotidiano.

Para Freire, a prática pedagógica requer a compreensão da própria gênese do

conhecimento, ou seja, de como se dá o processo de conhecer. E o programa de formação

de educadores, ao seu entender, é condição imprescindível para o processo de reorientação

curricular da escola.

16

Informação que consta no endereço <

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15883-educacao-

profissional-distancia-produto-1-pdf&Itemid=30192 >. Acesso em 1 de abril de 2016.

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Assim como afirma a professora Dora Fraiman Blatyta em seu artigo Mudança de

habitus e teorias implícitas – uma relação dialógica no processo de educação continuada

de professores,

O ser humano, diferentemente dos animais, não nasce já preparado para

realizar suas tarefas. Este preparo é realizado lentamente pelo seu diálogo

ativo com a cultura, através de todos os seus veiculadores, pais,

familiares, professores, colegas de trabalho ou de estudos, etc. Neste

processo de diálogo, inter/intrapsicológico, podem ocorrer crescimento e

mudanças mais deliberados e de melhor qualidade. (BLATYTA, 1999, p.

69)

Em seu artigo, Blatyta discorre sobre as pressões que o professor sofre no dia a dia

da sala de aula e como a rotina pode prejudicar o seu trabalho. Isso não significa que a

rotina seja uma ação totalmente condenável, pois, em muitos momentos, ela contribui de

forma muito positiva na organização e produção do aluno.

No entanto, a rotina pode apresentar-se como uma “armadilha” para o professor que,

quando apoiado totalmente em suas práticas diárias e repetitivas, pode começar a atuar

com automatismo e ignorar a importância do ato de ensinar como uma prática que exige:

reflexão, rigor, metodologia, pesquisa, tolerância, respeito, alegria, esperança, competência,

disponibilidade para o diálogo e criticidade.

As características listadas anteriormente, incontestavelmente, deveriam ser parte

integrante dos docentes de todas as áreas, ou seja, fazem referência ao profissional da

educação que reflete sobre a sua prática educativo-progressiva e prioriza a autonomia do

ser dos educandos e sua postura crítica ante questões pessoais, profissionais e sociais.

Contudo, nesta pesquisa, tais atributos serão considerados desde o ponto de vista do

professor de LE que utiliza jogos tradicionais como ferramenta no processo de ensino e

aprendizagem do idioma. O docente – principalmente o educador que trabalha com alunos

do ensino fundamental – que utiliza jogos nas aulas de LE precisa ser capaz de tomar

atitudes proativas de forma consciente e reflexiva. “O professor deveria lutar contra a falta

de reflexão e contra respostas automáticas, únicas, autoritárias, buscadas quase sempre fora

dele mesmo, e não dentro de suas experiências pessoais”. (BLATYTA, 1999, p. 78)

Um reflexivo diálogo pode ser estabelecido entre o educador e filósofo brasileiro

Paulo Freire – base epistemológica desta pesquisa – e outros docentes que têm como foco

de estudo a formação continuada dos professores de LE.

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Na obra Os professores e a sua formação, organizado por Antônio Nóvoa, o

professor Carlos García (1992) discorre sobre um conceito muito utilizado atualmente por

formadores de professores e educadores diversos e que faz referência às novas tendências

da formação de professores: a reflexão.

A primeira atitude necessária para um ensino reflexivo é a mentalidade

aberta, que se define como a ausência de preconceitos, de parcialidades e

de qualquer hábito que limite a mente e a impeça de considerar novos

problemas e de assumir novas ideias [e que] integra um desejo ativo de

escutar mais do que um lado, de acolher os factos independente da sua

fonte de prestar atenção sem melindres a todas as alternativas, de

reconhecer a possibilidade do erro mesmo relativamente àquilo em que

mais acreditamos. Essa atitude obriga, portanto, a escutar e respeitar

diferentes perspectivas, a prestar atenção às alternativas disponíveis, a

indagar das possibilidades de erro, a examinar as razões do que se passa

na sala de aula, a investigar evidências conflituosas, a procurar várias

respostas para a mesma pergunta, a refletir sobre a forma de melhorar o

que já existe, etc. (GARCÍA, 1992, p. 62)

Para Paulo Freire, na formação permanente dos professores, “o momento

fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 2014, p. 40). Somente

pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem, o educador pode melhorar a prática

de amanhã. A prática docente crítica envolve o movimento dinâmico e dialético entre “o

fazer” e o pensar sobre “o fazer”. Assim, o grande desafio do educador é aproximar sua

prática do discurso teórico, tão necessário para uma reflexão crítica.

É imprescindível que o educando, em um processo reflexivo, supere sua

curiosidade ingênua e perceba o feito de pensar certo, que é um ato dotado de rigorosidade

metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do ser. Entende-se por pensar certo,

“o respeito à capacidade criadora do educando, a segurança e a não-superficialidade na

argumentação e na interpretação dos fatos [...]” (VASCONCELOS e BRITO, 2006, p. 154).

Assim, pensar certo para o educando é trabalhar em harmonia com o educador e agir

eticamente num ato comunicante, interagindo na dialogicidade para a mudança. “A

importância do papel do educador, o mérito da paz com que viva a certeza de que faz parte

de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar o pensar

certo”. (FREIRE, 2014, p. 28)

No que concerne ao ensino de LE, o pensamento reflexivo se dá no momento em

que o aluno constata que o jogo na aula de idiomas não se configura apenas como uma

atividade lúdica. O processo é muito mais complexo do que pensar no jogo pelo jogo. Tal

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experiência promove um processo de ensino aprendizado estreitamente relacionado ao

pensamento criativo, associado a momentos prazerosos, divertidos e de intenso atividade

intelectual.

O termo rigor pode ser definido de maneiras bastante oposta. A definição do

vocábulo rigor que se distancia do que Paulo Freire acreditava ser imprescindível para o

ambiente escolar indica: ausência de flexibilidade, rigidez, dureza, austeridade, rudeza nas

atitudes, falta de tolerância e intransigência. No entanto, a definição da palavra rigor que

mais se aproxima do pensamento freireano pode ser identificado nas seguintes definições:

persistência, determinação na realização de empreendimentos, em decisões,

comportamento que denota essa persistência, obstinação.

Ao propor um trabalho dialógico e cooperativo entre o educador e o educando,

sustentado na relação de igualdade entre ambos, Paulo Freire não exime o professor de ter

rigor e autoridade em seu trabalho. Da mesma forma, exige do discente a responsabilidade

pela qualidade de seu processo de aprendizagem.

É dever do docente reforçar a capacidade crítica do aprendiz, sua curiosidade, sua

insubmissão. Trabalhar com os alunos a rigorosidade metódica e instigar os educandos

para que se acerquem aos objetos cognoscíveis é uma de suas tarefas primordiais.

O ato educativo implica aquisição de conhecimento e isso exige rigor e disciplina.

Ser rigoroso é também ler e interpretar a realidade. O educador deve estar atento e deixar

claro para seus educandos que demonstrar rigor não é sinônimo de autoritarismo e que

“rigor” não quer dizer “rigidez”. Em seu livro Medo e Ousadia, o educador brasileiro

pondera acerca do termo: “O rigor vive com a liberdade, precisa de liberdade. Não posso

entender como posso ser rigoroso sem ser criativo. Para mim, é muito difícil ser criativo se

não existe liberdade. Sem liberdade, só posso repetir o que me é dito”. (FREIRE, 1986, p.

98)

À vista disso, na concepção freireana, rigor não tem relação com regras, normas,

rigidez, mas sim, com a responsabilização de educadores e educandos no processo de

aprendizagem, na colaboração de ambos não só na construção do conhecimento, mas

também na reflexão crítica sobre ela.

No que diz respeito ao ensino de LE a partir de jogos tradicionais, o rigor se

encontra de forma perceptível no compromisso que cada discente assume ao entrar em

contato com o projeto proposto. Para que o jogo se torne viável e seja realizado no pátio da

escola, cada educando, a partir do estímulo constante do educador, deve responsabilizar-se

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por cumprir com todas as etapas do projeto e somente assim, pode-se garantir o êxito do

trabalho.

O trabalho com os jogos tradicionais exige muita pesquisa. Em geral, os jogos que

retratam o comportamento, costumes e hábitos de povos de outros países fazem parte de

uma herança cultural passada de geração em geração. Portanto, o trabalho de pesquisa

sobre essas experiências chega a ser exaustivo por parte do educador que deve

minimamente se instrumentalizar para ser capaz de compartilhar suas descobertas com os

educandos e estimulá-los a continuar com tal tarefa.

De acordo com Freire, “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”

(FREIRE, 2014, p. 30). O professor deve pesquisar para conhecer o que ainda não conhece

e comunicar ou anunciar a novidade a fim de despertar o interesse intelectual do aluno, já

que na prática, o jogo por si só é capaz de estimular o lado lúdico do trabalho.

Como foi dito no início deste capítulo, o conceito de tolerância presente no trabalho

com jogos tradicionais nas aulas de LE se refere, de modo geral, ao respeito ao

comportamento, costumes e hábitos de povos de outros países, e de forma mais particular,

o respeito que deve existir entre as relações interpessoais dentro e fora do ambiente escolar.

A tolerância democrática opõe-se ao autoritarismo e ao dogmatismo sob

todas as suas formas – políticas, sociais, morais e científicas. Para a

consciência democrática, a tolerância não será empecilho para denunciar

e repudiar o intolerável como a agressão aos diferentes, que leva ao

racismo, ao sexismo, ao fundamentalismo religioso e outras formas de

discriminação. (VASCONCELOS e BRITO, 2006, p. 186)

Freire, em seu livro Ação cultural para a liberdade e outros escritos (1982), afirma

em sua obra que o posicionamento crítico e as finalidades que são da competência das

relações entre os seres humanos e o mundo implicam que estas relações acontecem em um

espaço que não é apenas físico, mas sim, histórico e cultural.

A proposta do uso de jogos nas aulas de LE e a alegria são indissociáveis no

trabalho que se propõe nessa pesquisa. O ato de jogar é intrínseco ao ser humano e a

criança, ao ingressar na escola, traz consigo toda a alegria que pode ser perfeitamente

utilizada como propulsora das atividades lúdicas.

Quando Paulo Freire assumiu a um cargo política na cidade de São Paulo, uma de

suas metas como secretário de educação era “transformar as escolas em centro de

criatividade, em que se ensine e se aprenda com alegria” (FREIRE, 1995, p. 33)

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Freire sonhava com uma escola que mesmo sendo séria, não fosse sisuda. Para o

filósofo brasileiro, a seriedade não precisava ser pesada. Ao contrário, quando mais leve

fosse a seriedade, mais convincente ela seria para os educandos. Ele vislumbrava uma

escola séria que, dedicada ao ensino de forma competente, fosse uma fonte geradora de

alegria e exercesse a função de incitar professores e alunos a participarem do processo de

ensino e aprendizagem como uma busca incessante de novos saberes.

Em seu livro A educação na cidade, Paulo Freire discorre sobre seus sonhos para

uma escola que promovesse verdadeiramente uma educação progressiva em favor da

autonomia dos educandos

Sonhamos com uma escola que, porque séria, se dedique ao ensino de

forma competente, mas, dedicada, séria e competentemente ao ensino,

seja uma escola geradora de alegria. O que há de sério, até de penoso, de

trabalhoso, nos processos de ensinar, de aprender, de conhecer não

transforma este quefazer em algo triste. Pelo contrário, a alegria de

ensinar-aprender deve acompanhar professores e alunos em suas buscas

constantes. (FREIRE, 1995, p. 37)

Quanto à competência do docente dentro da proposta do uso de jogos tradicionais

nas aulas de LE, somente uma exaustiva pesquisa e instrumentalização por parte do

educador lhe dará segurança e autoridade necessárias para a execução do projeto.

De maneira geral, nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta

competência. O professor que não leva a sério sua formação, que não se instrumentaliza,

que não se dedica intelectualmente, que não se esforça para estar à altura de suas funções,

não tem valor moral para administrar as atividades de uma sala de aula. Como afirma

Freire, “o que quero dizer é que a incompetência profissional desqualifica a autoridade do

professor”. (FREIRE, 2014, p. 90)

A competência linguística que demanda os projetos com jogos tradicionais nas

aulas de LE é bastante abrangente. O docente que se dedica a tal tarefa precisa, além de

dominar e ter fluência no idioma, ter proficiência para fazer uma extensa pesquisa em

materiais históricos e/ou leituras críticas para dominar satisfatoriamente o contexto

histórico e cultural em que os jogos estão inseridos.

O professor Antonio Nóvoa, em seu livro Os professores e a sua formação, reforça

a ideia de que o professor deve manter-se em constante formação, a fim de

instrumentalizar-se e ser capaz de pôr em prática na sala de aula o resultado de sua

dedicação e de suas pesquisas.

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É preciso trabalhar no sentido da diversificação dos modelos e das

práticas de formação, instituindo novas relações dos professores com o

saber pedagógico e científico. A formação passa pela experimentação,

pela inovação, pelo ensaio de novos modos de trabalho pedagógico. E por

uma reflexão crítica sobre a utilização. A formação passa por processos

de investigação, diretamente articulados com as práticas educativas.

(NÓVOA, 1992, p. 28)

Segundo Freire (2014), ensinar exige disponibilidade para o diálogo. É no respeito

às diferenças entre o educador e os educandos, na coerência entre o que se faz e o que se

diz, que se situa a força moral que professor exerce dentro da sala de aula. Na realidade do

contexto escolar, a disponibilidade para o diálogo deve estar presente e o educador não

deve se sentir diminuído ou envergonhar-se ao admitir que desconhece algo.

No momento em que se trata do tema do uso de jogos nas aulas de LE, a

contribuição da visão de mundo do aprendiz é de total valor. Como ação intrínseca do ser

humano, as crianças, independentemente da idade, trazem para a escola toda a

desenvoltura natural do ato de brincar. Essa “leitura de mundo” que a criança tem pode

externar-se em maior ou menor proporção – de acordo com a personalidade do indivíduo –

mas isso não impede que seu conhecimento intrínseco seja desprezado tanto pelo educador

como pelo próprio aluno. Portanto, reforça-se a necessidade de o professor estar aberto ao

diálogo e inclusive incentivá-lo, visto que nessa atividade proposta com os jogos, o aluno

tem muito mais repertório que o educador.

Certamente, o educador é autoridade quando se trata do conteúdo linguístico e as

técnicas necessárias para se colocar a atividade em movimento, porém, o aluno faz parte do

processo e age com competência quando o assunto é atuar como participante de um jogo.

As crianças menores, quando estimuladas, são capazes de contribuir ativamente nas

atividades, visto que, com toda a agilidade física que possuem, apresentam-se cheias de

energia para gastar.

Priorizar a relação dialógica no ensino permite o respeito à cultura do aluno, à

valorização do conhecimento que o aprendiz traz, ou seja, um trabalho a partir da visão do

mundo do educando que é, sem dúvida, um dos eixos fundamentais sobre os quais a prática

dos educadores deve apoiar-se.

Testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a

seus desafios são saberes necessários à prática educativa. Viver a abertura

respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento,

tomar a própria prática de abertura aos outros como objeto da reflexão

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crítica deveria fazer parte da aventura docente. (FREIRE, 2014, p. 132-

133)

As especificidades que o ensino de uma LE demandam dentro do contexto escolar

abrem caminhos para mais reflexões acerca de como se oferece o curso, o processo de

ensino e aprendizagem, as relações que se estabelecem entre o educador e os educandos, as

metodologias e estratégias de maior ou menor êxito e o que se pretende na conclusão do

curso.

A diferença do que acontece em outras áreas disciplinares dentro do contexto

escolar é observável no dia a dia dos alunos. Ao utilizarem prioritariamente a língua

materna, já colocam em prática o que estudam nas aulas de Língua Portuguesa. Em seu

cotidiano, em maior ou menor medida, usam a Matemática, a Física, a História, a

Geografia e todas as demais disciplinas. Já o uso da LE fica quase que exclusivamente

restrito ao ambiente escolar ou, para alguns, ao contato que têm com jogos, programas de

televisão de outros países, ou músicas que tocam nas rádios. Escassos são os casos nos

quais os alunos podem dispor do idioma por meio da literatura e/ou viagens ao exterior que

são inviáveis para muitos em vista do alto custo.

A discussão sobre as lições de casa de LE é um tema que vale uma reflexão. O

professor de LE pode e deve lançar mão do recurso das lições de casa como um importante

aliado no processo de sistematização do ensino do idioma. No entanto, é intrigante pensar

nas particularidades do ambiente no qual o aluno faz a tarefa. Será um ambiente adequado

para realizar uma atividade em LE? Provavelmente, o aluno fará alguma pesquisa ou

atividade escrita na LE e ao mesmo tempo em que estará se comunicando em língua

materna com outras pessoas. Dessa forma, observa-se o quão irreal é o uso da LE no

cotidiano do aluno.

Aqui se projeta o grande desafio do professor de LE: propor um curso que seja

instigante para o aluno, mesmo que o processo de ensino e aprendizagem tenha de se

efetuar em um cenário tão desfavorável.

Ao refletir sobre o conteúdo programático dos cursos de LE, é pertinente pensar nas

especificidades que requer cada idioma. De forma geral, e em especial para a língua

castelhana, que é o foco de estudo desta pesquisa, para que o educando seja capaz de

comunicar-se em um idioma estrangeiro, o estudo da gramática opera como um ingrediente

imprescindível da competência comunicativa.

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Neste trabalho sobre o uso de jogos tradicionais com os alunos do 3º e 4º anos do

Ensino Fundamental, vê-se a gramática como uma competência que deve ser explorada,

ensinada e aprendida. Ela é vista neste estudo com um sentido muito amplo, como um

quadro de referência conceitual que relaciona forma, função, colocação, significação,

contexto, discurso, situação e sentido.

O conteúdo gramatical proposto nesta pesquisa, e que posteriormente será

discriminado no estudo de caso, é apresentado aos alunos como um modelo descritivo do

funcionamento da língua, uma representação mental das possibilidades organizativas dos

vários elementos que a compõem. Os alunos se capacitam de instrumentos de reflexão

sobre a língua que percebe na linguagem dos outros e que ele próprio utiliza. A partir dessa

competência instituída, o aprendiz se permite colocar em uma postura igualitária com os

demais e avaliar o impacto da sua capacidade comunicativa.

Estabelece, desse modo, uma ligação entre a função epistemológica da

aprendizagem e a vertente praxeológica que dela decorre, na medida em que o aluno usa a

língua para agir e refletir e, sobretudo, para fazer sua autorreflexão.

No processo de ensino e aprendizagem da LE, o aprendiz, em contato com seus

pares e a cooperação do professor, tem, na reflexão do estudo do funcionamento da língua,

mais um recurso de autoconhecimento. Para ser considerado proficiente em um idioma,

faz-se necessário considerar que o aprendiz seja um eficiente conhecedor das competências

linguísticas a fim de usá-las em variados contextos de forma apropriada e condizente, ou

seja, o educando deve dominar, por exemplo, o uso de pronomes de tratamento e

conjugações verbais necessários para estabelecer uma conversação tanto formal, como

informal. A percepção da necessidade de adaptação à conversação, de acordo com a

situação de formalidade/informalidade, não acontece específica ou exclusivamente nas

aulas de LE. Certamente, essa consciência se deve muito mais à contribuição da visão de

mundo que o aluno possui.

Em Educação Como Prática da Liberdade, Paulo Freire discorre sobre a

consciência do ser humano em adaptar-se aos mais variados desafios.

Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo, na medida em

que responde à ampla variedade dos seus desafios. Em que não se esgota

num tipo padronizado de resposta. A sua pluralidade não é só em face dos

diferentes desafios que partem do seu contexto, mas em face de um

mesmo desafio. No jogo constante de suas respostas, altera-se no próprio

ato de responder. Organiza-se. Escolhe a melhor resposta. Testa-se. Age.

Faz tudo isso com a certeza de quem usa uma ferramenta, com a

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consciência de quem está diante de algo que o desafia. Nas relações que o

homem estabelece com o mundo há, por isso mesmo, uma pluralidade na

própria singularidade. (FREIRE, 1967, p. 39-40)

Faz parte da proposição do uso de jogos nas aulas de LE conceber o

desenvolvimento do conhecimento gramatical de uma forma dinâmica, induto-dedutiva em

estreita relação com as situações de comunicação com que o aluno se depara.

O trabalho com a gramática no contexto escolar, com o uso de jogos como

dispositivo lúdico nas aulas de LE, é construído a cada passo, cuidadosamente pensado

pelo professor e discutido entre todos na sala de aula. Assim, a partir de um contrato

didático entre educador e educandos, elaborado no início das atividades, o aluno será capaz

de acompanhar sua progressão, autoavaliar-se, refletir sobre suas conquistas e dificuldades

e ter noção de sua apropriação. Por outro lado, o olhar crítico e consciente do professor

deverá acompanhar a evolução do aluno e simultaneamente ajudá-lo a desenvolver-se,

sempre que necessário.

A partir das atividades propostas, o professor de LE trata da aplicação do estudo da

gramática centrada no aluno, o que resulta num elo entre este e o saber a adquirir, ou seja,

o que concerne ao conteúdo linguístico e cultural relacionado ao jogo. Cabe ressaltar que o

foco da atenção para o conhecimento dos aspectos sistêmicos não implica o abandono da

abordagem comunicativa. No que concerne ao uso de jogo como estratégia lúdica de

aprendizagem de LE, o mais adequado para tal atividade é o equilíbrio entre a teoria e as

funções comunicativas para que seja possível proporcionar aos educandos uma aula de

comunicação autêntica e não apenas um fictício palco do faz de conta.

Refletir sobre a situação de ensino de línguas no contexto escolar como uma

proposta alcançável, faz da língua uma competência de uso vivencial e não apenas um

conhecimento inerte. Proposta exequível, porém, bastante complexa. A LE tem de ser

exercitada, criando-se, para tal prática, situações as mais próximas possíveis da realidade.

De acordo com os PCN,

o processo de construção de significado resulta no modo como as

pessoas realizam a linguagem no uso e é essencialmente determinado

pelo momento que se vive (a história) e os espaços em que se atua

(contextos culturais e institucionais). (BRASIL, 1998, p. 32).

Portanto, o ensino significativo da LE se dá, principalmente, pelo modo como as

pessoas agem por meio do discurso no mundo social e, desse modo, vê-se que os

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significados não estão nos textos, especificamente, mas são construídos pelos participantes

do mundo social que são os leitores, os escritores, os ouvintes e os falantes.

O professor estadunidense Thomas Popkewitz, que elaborou o artigo

Profissionalização e formação de professores: algumas notas sobre a sua história,

ideologia e potencial, organizado no livro de Antonio Nóvoa, discorreu sobre a

indispensabilidade do educador de seguir como uma formação continuada e focada nas

necessidades das sociedades atuais, cada vez mais exigentes com relação ao pensamento

crítico e as relações interpessoais.

É necessário que os professores adquiram maiores competências

em relação ao desenvolvimento e implementação do currículo, pois

as sociedades modernas exigem práticas de ensino que valorizem o

pensamento crítico, a flexibilidade e a capacidade de questionar

padrões sociais, isto é, requisitos culturais que têm implicações na

autonomia e responsabilidades dos professores. (POPKEWITZ,

1992, p. 40)

Entre os componentes do processo de ensino e aprendizagem, professores e alunos

estabelecem entre si uma espécie de implicação contratual. Tal contrato, elaborado pelo

professor e validado por todos, explicita e esclarece os objetivos instrumentais e finais do

ensino da língua. Vale dizer que este compromisso, que é estabelecido com o propósito de

reavivar situações de comunicação simuladas no espaço escolar do ensino de LE, não é

impeditivo da utilização desses mesmos espaços como ambientes de trocas linguístico-

comunicativas reais, inerentes à própria situação de ensino e aprendizagem, as quais têm

relação com o relacionamento interpessoal, a organização das atividades, a reflexão sobre

as tarefas realizadas e a língua nelas utilizada.

O discurso verdadeiramente comunicativo em situação de aula alia-se ao discurso

realista, ou seja, o discurso metalinguístico e os discursos da relação interpessoal.

O saber uma língua estrangeira implica numa competência psico-social

que, como tal, se aprende numa complementaridade entre o conhecimento,

a ação e a metacognição e neste caso, por referência a uma competência

já desenvolvida: a de falante na língua materna. (ANDRADE e SÁ, 1992,

p. 13)

Ao iniciar a aprendizagem de uma LE, o aluno, em geral, já tem conhecimentos e

experiências em sua língua materna e é apoiado nesses conhecimentos por suas

experiências, a partir das quais irá construir o seu saber, numa nova língua. De forma

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progressiva, o aprendiz começa a interagir com a LE que conhece e de que dispõe, utiliza a

língua que sabe, exercita seu conhecimento.

No início, o aluno faz uso da LE de uma forma pouco à vontade, pouco espontânea,

aos sobressaltos, excessivamente controlado pelo pensamento que exerce sobre o

conhecimento da forma linguística e muito influenciado pela estrutura da sua própria

língua materna, principalmente os alunos na faixa etária do Ensino Fundamental I, que são

o foco dessa pesquisa.

Neste momento, o docente, como autoridade coerente e democrática em sala de

aula, promove um ambiente seguro e ameno que possibilita a participação dos educandos e

lhes dá oportunidade de expor-se sem que sejam menosprezados pelos demais. A

construção de uma atmosfera que respeita a liberdade dos educandos é primordial no

contexto escolar, em especial, nas aulas de LE que usam os jogos como dispositivo lúdico

de aprendizado.

O aprendiz que exercita sua fala autônoma se sentirá cada vez mais seguro e de

forma ética, assumirá a responsabilidade de suas ações. Para tanto, é necessário um

estímulo permanente do docente em favorecer um ambiente seguro para a participação dos

educandos e um esforço constante do educando em querer fazer parte das ações.

Em seu livro Sobre educação (diálogos), Paulo Freire e Sérgio Guimarães

conversam sobre o ambiente que o educador, em parceria com os educandos, deve evitar

no contexto escolar

Então o medo de arriscar-se diante dos companheiros, e o medo também

de uma possível resposta irônica do professor ou da professora, o medo

de ser desrespeitado, com o peso da sabedoria do educador, termina por

aumentar o silêncio. E aí se estabelece um ciclo vicioso que, no fundo, é

o círculo vicioso do silêncio, em que a única voz autorizada a falar em

tom assertivo é a voz do educador. E a voz do educando cada vez menos

soa, na classe. (FREIRE e GUIMARÃES, 1988, p. 90)

Com relação ao uso da língua na estratégia do uso de jogos nas aulas de LE, com o

tempo e a prática, todo o controle excessivo que o próprio aprendiz exerce sobre a sua

atuação e as interferências linguísticas desaparecem à medida que ele encara suas práticas

como um processo de forma mais automatizada (no que se refere à apropriação do

conteúdo), mais espontânea, mais flexível, que liberta a atenção até então fixada nas sub-

rotinas elementares que deixavam deter-se em aspectos de significação mais complexos.

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Porém, esta flexibilidade e espontaneidade, que caracterizam a produção linguística

de um bom utilizador da LE, não são bloqueadas pela atividade de reflexão sobre ela. A

reflexão sobre a sua própria ação linguístico-comunicativa, que não é alheia também à

reflexão sobre o seu conhecimento, conduz o aluno a um conhecimento mais profundo que,

por sua vez, será traduzido em uma atuação aperfeiçoada. Assim se dá o percurso de

desenvolvimento de competências a que a competência linguístico comunicativa não faz

exceção.

O aluno requer, no seu percurso de sensibilização e conscientização linguístico-

comunicativa, a ajuda do professor e demais companheiros a induzir, a deduzir, a refletir

sobre o uso que faz da língua, sobre a maneira como a conceitualiza e sobre os processos

metacognitivos que utiliza.

No diálogo entre Freire e Guimarães, observamos a análise sobre a forma como

uma instituição de ensino, direcionada de forma democrática que visa seu educando e seu

entorno, pode contribuir para a formação de alunos mais críticos e curiosos

intelectualmente e assim, distanciar-se de situações fastidiosas que pouco contribuem para

sua instrução.

Somente uma escola centrada democraticamente no seu educando e na

sua comunidade local, vivendo as suas circunstâncias, integrada com os

seus problemas, levará os seus estudantes a uma nova postura diante dos

problemas de seu contexto: a da intimidade com eles, a da pesquisa, em

vez da mera, perigosa e enfadonha repetição de trechos e de afirmações

desconectadas das suas condições mesmas da vida. (FREIRE e

GUIMARÃES, 1988, p. 37)

O que se propõe legalmente no ensino de línguas estrangeiras nos PCN do terceiro

e quarto ciclos do Ensino Fundamental, é promover dentro do ambiente escolar,

circunstâncias comunicativas que reconheçam que cada sociedade, como parte de uma

economia global, compartilhe informações de forma instantânea, como se pode observar

atualmente.

Essa rapidez característica do mundo moderno de compartilhamento de

informações apresenta-se num contexto irrevogável, no qual os educandos devem procurar

fazer parte e como elemento facilitador, devem lançar mão LE oferecida no currículo

escolar. Desde a perspectiva descrita nos PCN sobre o uso da LE como meio favorável de

comunicação

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A aprendizagem de Língua Estrangeira no ensino fundamental não é só

um exercício intelectual em aprendizagem de formas e estruturas

linguísticas em um código diferente; é, sim, uma experiência de vida,

pois amplia as possibilidades de se agir discursivamente no mundo.

(BRASIL, 1998, p. 38)

A partir dessa perspectiva, aprender uma LE é pôr em prática uma série de

capacidades que o aluno já tem: observação, relação, verificação, generalização, indução,

dedução, memorização, automatização, atenção à mensagem do outro, relacionamento

social. O ensino da LE, nesse momento da vida escolar do aluno do Ensino Fundamental,

auxilia no papel de continuar o desenvolvimento da capacidade de seu pensamento e seu

relacionamento interpessoal, recriado nessa ocasião no contexto específico de um sistema

linguístico representativo diferente. A aprendizagem da língua se ajusta, portanto, dentro

dos objetivos formativos que a escola se propõe e visa também, juntamente com as outras

disciplinas, o desenvolvimento pessoal do educando.

Freire (2014), em Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática

educativa, expressa que o ato de ensinar exige consciência da incompletude do ser humano

e incita a refletir sobre o papel do professor, que deve ser um observador consciente da

natureza humana e seu desenvolvimento. Para Freire, o educador deve ser e estar

predisposto às mudanças e ter o discernimento de suas interferências junto aos alunos.

Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo

mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é

um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não

posso me eximir. Gosto de ser gente porque a história em que faço com

os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades, e não

de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e

recuse sua inexorabilidade. (FREIRE, 2014, p. 52)

Vale a todos os membros do processo de ensino e aprendizagem, nesta dimensão

reflexiva do olhar sobre o seu próprio percurso, dificuldades e progressos, realizar uma

ação conjunta para ajudar a desenvolver no aprendiz uma postura autônoma e

consequentemente, prepará-lo para uma educação permanente. Indubitavelmente, é este um

dos grandes desafios colocados aos professores de LE, que precisam integrar nas suas

estratégias de ensino as competências que seus alunos devem alcançar, não apenas no

âmbito cognitivo.

Andrade e Sá (1992) discorrem sobre o que desejam os professores de LE na sua

forma de atuação e na percepção do que desejam para a sociedade futura:

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Um professor conhecedor da língua e da cultura que ensina, das ciências

da linguagem e da sociedade que ajudem a compreendê-la na sua

organização e nas suas valências, mas também das ciências da educação,

com as suas propostas de explicação sobre a natureza do processo

educativo. Um professor plurifacetado e cultural capaz de prosseguir

objetivos formativos para além dos estritamente linguísticos, flexível na

sua abordagem didática, crítico do menu de estratégias que os manuais

lhes apresentam, aberto aos trabalhos de investigação em didática,

reflexivo, em contínua formação autonomizante. (ANDRADE e SÁ, 1992,

p. 14-15)

É a partir de uma didática simultaneamente formativa, investigativa e participativa

que o educando chegará à compreensão e interpretação das palavras e intenções. Para tal, o

professor deve atuar como um profissional autônomo, independente, esclarecido, que seja

capaz de tomar decisões próprias na ausência de um método único, como se propõe em

muitos cursos de idiomas. Tendo como base os conhecimentos e estimulado pela reflexão

na ação, o educador deve ser consciente de tomar as decisões certas nos momentos certos,

porque sabe ler os índices dos fatores de cada nova situação e, desde então, pode organizar

e reorganizar seus conteúdos e estratégias, reestruturando o curso de LE sempre que

necessário.

Para o professor Antonio Nóvoa, o educador deve ser capaz, a partir de uma

consistente dedicação a sua formação continuada, ter um olhar crítico sobre sua prática e

sobre a necessidade de seus educandos e dessa forma, assumir as responsabilidades que lhe

confere sua função.

A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça

aos professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as

dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um

investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os

projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é

também uma identidade profissional. (NÓVOA, 1992, p. 25)

A estratégia de uso de jogos nas aulas de LE apresenta-se para o professor como

uma ferramenta muito complexa e imprescindível no processo de ensino e aprendizagem.

Por meio dos jogos, o educador pode observar o aprendiz desde vários pontos de vista, de

seus conteúdos procedimentais e atitudinais e, assim, reorganizar suas estratégias para

melhor adaptá-las ao grupo.

Para compreender a abrangência dos estudos de língua estrangeiras na sociedade

atual, cabe realizar nesta pesquisa um breve panorama do ensino de idiomas a fim de

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demonstrar a evolução das abordagens comunicativas e suas respectivas representações

para o educando.

A finalidade do ensino de LE no contexto escolar europeu, ainda nos séculos XVI e

XVII17

, de acordo com Andrade e Sá (1992), era essencialmente prática com fins

comunicativos e tinha relação direta com o desenvolvimento econômico-social da

sociedade na época, no continente europeu. Já no século XIX, a finalidade do ensino de

L.E. direcionou o foco essencialmente para o que se referia à índole educativo-cultural.

Portanto, o ensino de língua tornou-se mais acadêmico, com propósito da aquisição de um

capital cultural que pudesse fazer distinções em uma sociedade elitizada.

No Brasil, registros sobre o ensino de línguas estrangeiras modernas aparecem

apenas depois da chegada na família real portuguesa em 1808 e, posteriormente, com a

criação do Colégio Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro, em 183718

.

Na virada do século e a partir do processo de democratização, as finalidades do

ensino de LE, ainda no contexto europeu, passaram a ser de foco prático, bastante

orientadas. Após a Segunda Grande Guerra Mundial e com o progresso das relações entre

vários países, o foco foi estabelecido no desenvolvimento social, com o objetivo prático de

uma minoria escolarizada que tinha o nítido propósito de dominar a língua falada.

Atualmente, o ensino de LE está direcionado ao desenvolvimento da competência

comunicativa com base na sua utilidade, sua funcionalidade, ou seja, o ato de aprender um

idioma estrangeiro com o objetivo posterior de ter o que fazer com o que foi aprendido.

Apenas no contexto atual do ensino de LE, é possível perceber, por parte dos educadores e

equipe formadora, o questionamento do que se deve ensinar a partir das necessidades dos

alunos.

Antes de situar o ensino da língua espanhola ou língua castelhana no contexto

escolar brasileiro, é pertinente discorrer, rapidamente, acerca da chegada do idioma no

território brasileiro.

A presença da língua espanhola no Brasil pode ser rastreada desde as primeiras

viagens exploratórias de Cristóvão Colombo, entre 1494 e 1495, pela costa da América do

17

Considerar que as informações sobre o ensino de LE, nos séculos XVI e XVII tratam do contexto

exclusivamente europeu já que, nessa época, a sociedade do Brasil Colonial não apresenta registros

significativos que possam fazer parte desta pesquisa. 18

LEFFA, V. J. O ensino de línguas no contexto nacional. Contexturas, APLIESP, n. 4, p. 13‐24,

1999. Disponível em < http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/oensle.pdf>. Acesso em 2 de abril de 2016.

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Sul, quando fazia a assessoria para os reis da Espanha com relação à demarcação

estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas em 149419

.

Mas foi por consequência das graves crises econômicas desde a metade do século

XIX, que o intenso fluxo migratório vindo da Espanha desembarcou em terras brasileiras,

quando o país necessitava de mão de obra barata para seus cafezais, em substituição à

população escrava.

A língua e cultura espanholas se fazem presentes ainda hoje no Brasil,

principalmente nas regiões sul e sudeste, onde há maior concentração de colônias de

imigrantes vindos desse país. No entanto, falar da língua espanhola ou castelhana é muito

mais abrangente que apenas citar o país peninsular. Há no mundo, atualmente, 21 países

que têm o espanhol como língua oficial. O Brasil faz fronteira com sete desses países:

Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Além disso, há que se

considerar as relações comerciais estabelecidas principalmente a partir de 1991, com a

aliança intitulada Mercosul, que tem o português e o espanhol como línguas oficiais das

relações comerciais.

No livro O ensino do espanhol no Brasil: passado, presente, futuro, o linguista

espanhol Francisco Moreno Fernández afirma que

A situação do espanhol no início do século XXI no Brasil é de bonança,

de auge e de prestígio. Neste momento se vivencia um crescimento

espetacular da demanda de curso de espanhol, com tudo o que implica o

processo de ensino-aprendizagem de um idioma estrangeiro: necessidade

de material impresso e sonoro, necessidade de professora e de

organização de cursos, para citar somente algumas das principais áreas

implicadas20

. (FERNÁNDEZ, 2005, p. 18-19)

Cabe dizer que, dez anos depois da publicação do livro O ensino do espanhol no

Brasil: passado, presente, futuro, a situação da implantação do estudo da língua espanhola

na grade curricular nacional brasileira não é uma realidade comprovada. Embora não seja o

foco de pesquisa deste trabalho, é primordial refletir como a falta de clareza por parte dos

elaboradores da lei e uma ineficaz definição estratégica de formação de professores e

19

O Tratado de Tordesilhas foi firmado entre os reinos de Portugal e Espanha, na cidade espanhola de

Tordesillas, em 1494, e definia uma linha de demarcação dos territórios recém descobertos entre os dois

reinos. 20

Tradução nossa. “La situación del español al inicio del siglo XXI en Brasil es de bonanza, de auge y de

prestigio. En este momento se vive un crecimiento espectacular de la demanda de cursos de español, con todo

lo que implica el proceso de enseñanza-aprendizaje de un idioma extranjero: necesidad de material impreso y

sonoro, necesidad de profesorado y de organización de cursos, por citar sólo algunas de las principales áreas

implicadas.”

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incentivo acadêmico dos cursos de Letras do país, levaram a não efetivação da implantação

da lei nº 11.161/2005, que estabelece a inclusão da Língua Espanhola no Ensino Médio.

O linguista Francisco Moreno Fernández afirmava que a procura pelo ensino da

língua espanhola estava no seu auge em 2005, porém, já alertava para a situação

desfavorável da implantação da lei que ainda não havia sido aprovada.

Como um balanço da situação atual do espanhol no sistema educativo,

pode-se dizer que estamos assistindo a uma situação favorável ao ensino-

aprendizagem do espanhol – independentemente da obrigatoriedade que

possa ser efetivada ou não – e que as autoridades educativas deveriam ser

conscientes da força da demanda do espanhol e da necessidade de

satisfazer as exigências do Mercosul. Na data de hoje, a oferta pública de

espanhol é claramente insuficiente, principalmente pela falta de meios

técnicos, de apoio bibliográfico e de professorado qualificado21

.

(FERNÁNDEZ, 2005, p. 24)

Portanto, o estudo do idioma no contexto nacional está atualmente mais por conta

do discernimento das equipes pedagógicas que implementam a língua na grade curricular

das escolas (principalmente nas escolas privadas) do que na execução real da lei que pede a

implantação dessa disciplina nas escolas públicas nacionais há uma década.

Retomando o panorama geral do ensino de LE, atualmente as propostas estão

direcionadas ao desenvolvimento da competência comunicativa com base na sua utilidade,

sua funcionalidade, ou seja, o ato de aprender um idioma estrangeiro com o objetivo

posterior de ter o que fazer com o que foi aprendido. Apenas no contexto atual do ensino

de LE, é possível perceber por parte dos educadores e equipe formadora, o questionamento

do que se deve ensinar a partir das necessidades dos alunos.

Desde essa perspectiva de ensino da LE no contexto escolar, vê-se uma questão que

não pode ser desconsiderada que é a imposição do ensino de um idioma para crianças e

adolescentes que nem sempre conseguem perceber o quão importante é o domínio de uma

LE para o seu futuro e com que finalidade.

É importante considerar que o estudo de um idioma no contexto escolar faz parte de

um amplo currículo que abrange várias disciplinas e conteúdos atitudinais. De acordo com

os PCN, os conteúdos atitudinais envolvem a preocupação de compreender e ser

21

Tradução nossa. “Como balance de la situación actual del español en el sistema educativo puede decirse

que estamos asistiendo a una situación favorable a la enseñanza-aprendizaje del español -independientemente

de que la obligatoriedad se llegue a aprobar o no-, y que las autoridades educativas deberían ser conscientes

de la fuerza de la demanda del español y de la necesidad de satisfacer las exigencias del Mercosur. A fecha

de hoy, la oferta pública de español es claramente insuficiente, principalmente por la falta de medios técnicos,

de apoyo bibliográfico y de profesorado cualificado”.

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75

compreendido pelos outros, tanto na fala quanto na escrita; a valorização do conhecimento

de outras culturas como forma de compreensão do mundo em que vive; o reconhecimento

de que as línguas estrangeiras possibilitam compreender melhor a si próprio e aumentam as

possibilidades de compreensão dos valores e interesses de outras culturas.

Os usos dos conteúdos do conhecimento sistêmico, de mundo e de

organização textual e os conteúdos atitudinais na construção social do

significado são viabilizados por meio de procedimentos metodológicos

que irão possibilitar o desenvolvimento das habilidades comunicativas. É

claro que esses procedimentos variarão da dependência do(s) tipo(s) de

habilidade(s) comunicativa(s) a serem enfatizadas. (BRASIL, 1998, p.

75)

Tais especificidades compõem os objetivos gerais da educação e orientam no

sentido da formação integral do aluno a fim de desenvolver de maneira conjunta, no

aprendiz, formas de pensamento e de ação individual e socialmente úteis.

De acordo com os PCN sobre o ensino de LE, os processos cognitivos são gerados

por meio da interação entre os alunos, considerando que há um partícipe de uma prática

social que é um parceiro mais competente, capaz de auxiliar na resolução de tarefas de

construção de significado/conhecimento com as quais esses participantes se deparam. Por

parceiro mais competente, pode-se entender como um par adulto como o professor ou

mesmo um colega de turma. Quando se considera que a natureza da aprendizagem deva

acontecer dentro de uma perspectiva sociointeracional, entende-se que aprender é uma

forma de estar no mundo social com alguém, em um contexto histórico, cultural e

institucional. Desse modo, na aprendizagem de uma LE, os enunciados do parceiro mais

competente ajudam na construção do significado e, portanto, auxiliam a própria

aprendizagem do uso da língua.

César Coll (2006) faz considerações sobre os conteúdos de aprendizagem como

produtos sociais e culturais, cita o professor como agente impulsionador do indivíduo e a

sociedade e faz referência ao papel do aluno como aprendiz social.

Sem dúvida, esse é o desafio uma escola que possa aproximar-se cada um

e ajudar cada uma progredir. No relatório da Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 1994), que

caracteriza as escolas de qualidade, assinala-se que tais escolas

favorecem o bem-estar e o desenvolvimento geral dos alunos em suas

dimensões sociais, de equilíbrio pessoal e cognitivas. (COLL, 2006, p.

15)

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Resulta de todas essas considerações, a necessidade de se estabelecer objetivos

específicos para o ensino de LE no contexto escolar, principalmente se se releva a

importância do domínio de um idioma estrangeiro no atual momento histórico da

humanidade, em um irreversível processo de globalização.

Ao pensar na especificidade da língua castelhana no contexto do ensino brasileiro,

o aprendizado desse idioma se faz ainda mais urgente. A cada dia, fica mais evidente a

necessidade do adequado uso da língua castelhana frente ao improvisado “portunhol”,

ridiculamente defendido pelos não conhecedores do idioma. No contexto geográfico

brasileiro, que em quase sua totalidade fronteiriça depende da língua castelhana para

manter relações com os países vizinhos, o domínio da língua e cultura dos países hispanos

torna-se essencial para os estudantes brasileiros.

Dentre vários objetivos específicos do processo de ensino e aprendizagem de uma

LE no contexto escolar, como veículo de expressão, sobretudo como um elemento

indispensável da cultura, pode-se delimitar alguns, considerados imprescindíveis para a

formação do aluno. Como objetivo prático, tem-se, na aprendizagem de uma LE, o

caminho que leva o aluno à posse de uma competência de comunicação. Por meio da LE, o

aluno tem a oportunidade de descobrir a literatura, a civilização, as artes, entre outros

aspectos relativos a outro país ou população e, assim, cumprir com os objetivos culturais

de vivenciar experiências de outros povos e estar consciente da diversidade artística

apresentada a partir do jogo tradicional. De acordo com os objetivos formativos ou

educativos, a aprendizagem de uma LE possibilita o desenvolvimento da personalidade, do

desenvolvimento motor – de acordo com o jogo tradicional proposto - dos aspectos

intelectuais e do carácter individual do aprendiz.

Em função do conhecimento de uma LE, é possível estabelecer relações entre os

povos e dispor a população numa situação favorável na sua relação com outras nações,

com o propósito de promover a compreensão entre os povos, a paz e a amizade. Dessa

forma, a partir do trabalho realizado em sala de aula, é possível também contemplar os

objetivos políticos da aprendizagem de uma LE. Em sua obra Pedagogia da autonomia:

saberes necessários à prática educativa, Paulo Freire faz reflexões sobre o papel do

docente como um agente influente que precisa ter uma lúcida consciência de seu papel

cooperativo nas atividades propostas em aula e os propósitos que ultrapassam as paredes

da escola.

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Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender,

participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica,

gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-

se de mãos dadas com a decência e com a seriedade. (FREIRE, 2014, p.

26)

Os jogos tradicionais, especificamente os jogos tradicionais de língua espanhola,

que estão nos dois estudos de caso deste trabalho, à luz de todos os objetivos citados

anteriormente, aparecem no contexto de ensino-aprendizagem de LE como uma ferramenta

singular que cumpre com o seu papel, no processo de aquisição do idioma, com o

acréscimo de tratar-se de uma atividade lúdica imprescindível para o trabalho com a faixa

etária do Ensino Fundamental I.

A estratégia do jogo, no contexto do ensino da LE, ganha um lugar de destaque

quanto à função comunicativa da linguagem, ao mesmo tempo em que privilegia os fatores

internos de ordem cognitiva, subjacentes a qualquer aquisição.

[...] a linguagem resulta aqui da interação constante entre o indivíduo e a

situação de comunicação. Neste sentido, a aquisição/desenvolvimento da

linguagem tem obrigatoriamente de ser analisada no seio das situações de

comunicação em que ocorre, entendendo-se que só a compreensão e

análise das situações interativas em que o sujeito participa poderá

explicar o sentido da evolução da sua competência em linguagem.

(ANDRADE e SÁ, 1996, p. 100, grifos das autoras)

No contexto do uso de jogos tradicionais como dispositivo facilitador nas aulas de

LE, tal interação entre o indivíduo e a situação de comunicação só pode acontecer a partir

do diálogo entre os próprios elementos que constituem o processo de ensino e

aprendizagem da LE, ou seja, os alunos e o professor.

Para tanto, deve-se promover uma atmosfera favorável para a aprendizagem, na

qual haja um compromisso com normas e finalidades claras e compartilhadas entre os

membros participantes do processo.

O professor deve compromete-se com sua sistemática formação, com uma pesquisa

exaustiva sobre o tema e a realização de um planejamento detalhado que possibilite

intervenções, à medida que os alunos se sintam suficientemente instrumentalizados para

opinarem e efetuarem mudanças convenientes no projeto inicial elaborado pelo educador e

compartilhado entre todos.

Assim, a aprendizagem poderá contribuir para o desenvolvimento dos educandos e

também do educador, conforme todos os participantes compartilhem do pensamento de que

aprender não é copiar ou reproduzir a realidade, mas sim fazer parte dela. Desde a

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experiência, dos interesses, da contribuição dos conhecimentos prévios ou, de acordo com

Paulo Freire, da “visão de mundo” do aprendiz, a interação entre os membros que

compõem o processo de ensino e aprendizagem de LE dará origem a um processo também

chamado de aprendizagem significativa.

Para César Coll, “quando ocorre este processo, dizemos que estamos aprendendo

significativamente construindo um significado próprio e pessoal para um objeto de

conhecimento que existe objetivamente”. (COLL, 2006, p. 20)

Fica claro, portanto, que a proposta do uso de jogos como dispositivo facilitador no

processo de ensino e aprendizagem de L.E. não é um procedimento que conduz à

acumulação de novos conhecimentos, mas à integração, à modificação, ao estabelecimento

de relações e à coordenação entre esquemas de conhecimentos que os educandos já

dominam.

A aprendizagem descrita nesta pesquisa pressupõe entender tanto sua dimensão

quanto produto, quanto sua dimensão como processo, ou seja, o caminho de aprendizagem

pelo qual os alunos deverão percorrer com o propósito de elaborar pessoalmente os

conhecimentos.

Ao aprender, o que muda não é apenas a quantidade de informação que o aluno tem

sobre um determinado assunto, mas também a sua competência, quer dizer, aquilo que é

capaz de fazer, de pensar, de compreender, de agir. A qualidade do conhecimento que

possui e as possibilidades pessoais de seguir aprendendo deverão agir como propulsores

para novas descobertas ao longo de sua jornada escolar.

Partindo desse ponto de vista, é inevitável pensar na importância e na

responsabilidade da função do professor de incitar o aluno a aprender a aprender e a de

ajudá-lo a compreender que, quando aprende, não deve levar em consideração apenas o

conteúdo, mas também, o objeto de aprendizagem, a sua forma de organização e atuação

no processo de aprendizagem.

No que concerne ao papel do professor no ensino de LE que utiliza jogos

tradicionais, cabe a ele compreender como um conjunto de auxílio aos educandos no

processo pessoal de construção do conhecimento pode proporcionar-lhe o próprio

desenvolvimento e, principalmente, uma autocrítica com relação a sua postura como

educador.

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CAPÍTULO III

O VIÉS CULTURAL QUE PERMEIA AS BRINCADEIRAS

TRADICIONAIS

La cultura es el ejercicio profundo de la

identidad.

Júlio Cortázar

Um estudo que aborda o uso de jogos como uma ferramenta facilitadora no

processo de ensino e aprendizagem de LE não é nada inovador. Pode-se encontrar uma

ampla bibliografia sobre o assunto na internet e em material impresso. Contudo, o estudo

aqui proposto diferencia-se dos demais já realizados por apresentar a seguinte

particularidade: o viés cultural que permeia os jogos utilizados nas aulas de língua

castelhana e que se tornaram o objeto de estudo deste projeto.

Em Cultura e Sociedade, Marcuse afirma que “a cultura não é crítica, mas

integradora: faz parte das condições sociais que favorecem a perpetuação da sociedade

vigente” (MARCUSE, 2006, p. 26). O Pelele e a Piñata22

, os dois jogos utilizados nas

aulas de LE e descritos posteriormente neste trabalho, legitimam a afirmação de Marcuse

porque quando aplicados no ambiente escolar e utilizados como ferramentas de ensino e

aprendizado da língua castelhana, além de cumprirem suas funções no que concerne ao uso

da língua, ainda estimulam a integração entre os participantes, oportunizam a ampliação de

seu repertório artístico e literário e, principalmente, reforçam a importância do respeito à

diversidade cultural.

Ao entrar em contato com o jogo do Pelele e a tradição da Piñata, o aluno

brasileiro tem a oportunidade de fazer o papel de um observador de culturas alheias e,

desse modo, estabelecer relações, comparar situações segundo pontos de vista de sua

própria cultura.

Por exemplo, ao expor o quadro23

de Goya que retrata o jogo do Pelele para

crianças entre 8 e 10 anos não ficará claro, à primeira vista, o que motivava as mulheres a

se esconderem nos campos afastados de Madri para praticar tal atividade. O desejo de

22

A Piñata será vista neste estudo como um jogo, na medida em que se trata de uma atividade de interação

entre crianças com um objetivo comum de romper a peça. Em alguns momentos, a Piñata também será citada

como uma atividade que faz parte da tradição mexicana em festas de aniversário. 23

O quadro “El Pelele” pintado entre os anos 1791-1792, pelo espanhol Francisco de Goya y Lucientes,

retrata o jogo e está atualmente exposto no Museu do Prado em Madri, Espanha.

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revolta contra a sociedade machista e a impotência diante de tal situação, não é um

comportamento claramente perceptível para as crianças que no século XXI presenciam a

situação de mulheres que, na maioria dos casos, têm direitos iguais aos dos homens. Cabe

ressaltar que o trabalho realizado com o quadro de Goya, dentro da aula de LE proporciona

ao professor e alunos uma fonte inspiradora de discussão sobre o papel da mulher na

sociedade dos séculos anteriores e na atualidade. Desse modo, pode-se elencar mais uma

característica singular do que também se propõe a ser descrito neste trabalho que é o uso de

brincadeiras tradicionais retratadas em diferentes linguagens artísticas e a importância de

discutir o assunto de alta relevância como o papel da mulher e sua postura ante o

machismo, dentro e fora do ambiente escolar.

Embora o Pelele, a partir do que foi retratado pelo pintor espanhol, reflita uma

situação opressora de um determinado período - século XVIII - não significa que deva ser

ignorado, ocultado pelo tempo e pela sociedade. Tal jogo, atualmente, adquiriu releituras

que podem ser observadas não somente na Espanha, mas em outras partes do mundo. Um

exemplo disso é ver a manifestação de alegria dos jogadores que, ao ganharem uma

competição, jogam seu treinador para o ar, fazendo o movimento do “manteo”24

retratado

no quadro. Certamente, o que motiva os jogadores a fazerem isso não se caracteriza no

mesmo sentimento de desprezo que as mulheres tinham com relação ao boneco.

Quanto a Piñata, pode-se facilmente encontrar vídeos na internet que mostram

passo a passo a elaboração do artefato e o envolvimento das pessoas que se dedicam à

conservação dessa tradição. Portanto, o fato de haver material atual como vídeos, revistas e

artigos que demonstram como a Piñata continua viva na sociedade mexicana ˗ e em outros

países, por exemplos nos Estados Unidos25

, em função da população hispânica residente

naquele país ˗ não causa espanto nas crianças brasileiras que rapidamente se identificam

com a alegria das comemorações das festas de aniversário. No entanto, as crianças

demonstram certa surpresa quando se dão conta da complexidade da confecção da Piñata.

O tempo de elaboração, a demanda de material e principalmente a paciência na feitura da

decoração de uma peça que será golpeada e quebrada em questão de minutos chama a

atenção das crianças brasileiras que, em grande parte, habituadas a conviver em uma

sociedade na qual muitas atividades familiares acontecem de forma imediata e simples, não

24

Ação de lançar ao ar entre várias pessoas, com uma manta agarrada pelas bordas, a outra pessoa, que ao

cair volta a ser lançada repetidas vezes para cima. 25

Nos Estados Unidos, as piñatas são facilmente encontradas. Podem, inclusive, ser compradas em

supermercados.

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conseguem perceber o que motiva uma família mexicana a se reunir em torno de uma peça

artesanal e passar horas fazendo a decoração de uma Piñata.

De acordo com Santos (2006), não se pode entender a cultura como uma realidade

estanque, parada. A sociedade muda com o passar do tempo e a cultura de cada lugar se

modela e remodela, de acordo com seu povo, sua história, sua política, suas relações com

outras culturas.

O esforço de entender as culturas de localizar traços e características que

as distingam, pode acabar levando a que se pense como algo acabado,

fechado, estagnado. Como já disse antes, as culturas humanas são

dinâmicas. De fato, a principal vantagem de estudá-las é por contribuírem

para o entendimento dos processos de transformação por que passam as

sociedades contemporâneas. (SANTOS, 2006, p. 25-26)

A cultura é viva, é dinâmica e os jogos representam essas transformações a partir de

suas várias leituras e pelo resgate das relações, seja da sociedade como um todo, seja de

unidades menores como o núcleo familiar. A cultura é capaz de perpetuar tradições e

valorizar ações que só tendem a contribuir para as próximas gerações.

O objetivo deste capítulo é discorrer sobre a importância de colocar o aluno

brasileiro em contato com culturas de outros países a fim de conhecer e valorizar sua

própria cultura, assim como afirmam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de LE.

[...] conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural

brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,

posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças

culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras

características individuais e sociais. (BRASIL, 1998, p. 7)

De maneira geral, cultura26

é um termo que pode ser definido como um conjunto de

padrões de comportamento, crenças, conhecimentos e costumes que distinguem um grupo

social. Pode também ser a representação da forma ou etapa evolutiva das tradições e

valores intelectuais, morais e espirituais de um lugar ou período específico das civilizações,

assim como um complexo de atividades, instituições e padrões sociais ligados à criação e

difusão das belas-artes, ciências humanas e afins.

No que diz respeito a esta pesquisa, o uso dos jogos Pelele e Piñata, propostos

como ferramentas lúdicas no processo de ensino e aprendizagem da língua castelhana,

consegue alcançar uma multiplicidade de elementos culturais capazes de enriquecer o

repertório dos aprendizes. Por exemplo, o comportamento, as tradições, as ações, os

26

Disponível em < http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=cultura>. Acesso em 29 de agosto de 2015.

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padrões sociais e as artes são elementos que indubitavelmente serão tratados nessas

atividades, pois delas são constituintes.

Um valioso relato de como uma pessoa é capaz de aprender e valorizar sua própria

cultura a partir da vivência de culturas de outrem pode ser encontrado no livro Pedagogia

da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido do educador Paulo Freire.

Ao falar de suas experiências no período em que esteve exilado no Chile, o filósofo diz que

percorreu grande parte do país em viagens e que o contato que manteve com educadores e

aprendizes chilenos foi imprescindível para a construção do respeito às diferenças culturais

já que tinha de lidar com muitas variáveis, entre elas a língua, e que para alcançar um

aprendizado efetivo foi necessário esforçar-se muito para poder expressar-se com clareza.

O respeito às diferenças culturais, o respeito ao contexto a que se chega, a

crítica à “invasão cultural”, à sectarização e a defesa da radicalidade de

que falo na Pedagogia do oprimido, tudo isso é algo que, tendo

começado a ser experimentado anos antes no Brasil e cujo saber trouxera

comigo para o exílio, na memória do meu próprio corpo, foi intensamente,

rigorosamente vivido por mim nos meus anos de Chile. (FREIRE, 1997,

p. 22)

É muito importante considerar que a cultura diz respeito à humanidade como um

todo, mas simultaneamente, faz referência a cada um dos povos, nações, sociedades e

grupos humanos. Quando se pensa nas culturas particulares que existem ou existiram, é

possível observar uma grande variação delas. Saber em que medida as culturas variam e

quais as razões da variedade das culturas humanas são questões que provocam muita

discussão.

O Pelele, um jogo bastante desconhecido no mundo, mas anualmente revitalizado

pelos espanhóis em um “pueblo”27

próximo a Madri, é digno de um verbete no mais

importante dicionário da língua castelhana. No Diccionario de la Real Academia, Pelele

está definido como: “figura humana de palha ou trapos que costumeiramente são colocadas

nas varandas ou jogada para cima com um cobertor ou toalha, pela população, no carnaval.

Pessoa simples ou inútil”28

.

27

Faz referência a uma cidade pequena ou vila de poucos habitantes, composta de pessoas comuns e

humildes que levam uma vida pacata em determinada região, cidade ou país. Disponível em <

http://dle.rae.es/?id=UZpGOPN>. Acesso em 8 de maio de 2016. 28

Tradução nossa: “Figura humana de paja o trapos que se suele poner en los balcones o que mantea el

pueblo en las carnestolendas. Persona simple o inútil”. Disponível em <http://lema.rae.es/drae/?val=pelele>.

Acesso em 30 de agosto de 2015.

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Em seus registros mais populares, o Pelele é retratado com grande desprezo,

reforçando sua definição no dicionário. No quadro de Goya, o boneco tem um aspecto

abobado, aparvalhado. No fragmento do livro de Cervantes, Sancho Panza é “manteado”29

e a imagem de desprezo se mantém a partir da inabilidade do escudeiro.

No entanto, na atualidade, o “manteo del pelele” é realizado anualmente, ainda no

período do carnaval, em um povoado nas proximidades de Madri, com um caráter muito

diferente do que foi descrito anteriormente. Hoje em dia, os bonecos são confeccionados

com expressões faciais mais felizes, alegres e, dessa forma, há uma identificação mais

imediata com as crianças que são participantes bastante ativos da festa.

Ao ritmo de bandas muito animadas, famílias inteiras se reúnem em volta dos

cobertores e “mantean” seus bonecos. Esse panorama evidencia como o jogo se

transformou com a passagem do tempo, com as modificações da sociedade, tanto

interiormente – na Espanha – como em todo o mundo. O jogo que originalmente era

praticado apenas por mulheres, de forma velada e com a finalidade de protesto, tornou-se

uma festa anual que faz parte da cultura local de um determinado grupo da sociedade

espanhola.

Cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar

conhecer para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções e

as transformações pelas quais estas passam. É preciso relacionar a

variedade de procedimentos culturais com os contextos em que são

produzidos. As variações nas formas de família, por exemplo, [...] fazem

sentido para os agrupamentos humanos que as vivem, são resultado de

sua história, relacionam-se com as condições materiais de sua existência.

(SANTOS, 2006, p. 8)

Assim, o estudo proposto a partir de jogos tradicionais para o ensino de LE

promove o amplo contato com culturas de outros países e contribui no combate a

preconceitos, oferecendo uma plataforma consistente para o respeito e a dignidade nas

relações humanas.

A partir desse contato com outras culturas, os aprendizes brasileiros se dão conta

que a sua realidade não é a única, e que o mundo possui um patrimônio cultural riquíssimo

que vale a pena e deve ser conhecido.

É importante esclarecer aos alunos que cada cultura tem sua própria verdade e que a

classificação dessas culturas como melhor ou mais importante é uma hierarquização

descabida. O respeito à diversidade é o que importa. Destruir falsos argumentos

29

Lançado ao ar entre várias pessoas, com uma manta agarrada pelas bordas, a outra pessoa, que ao cair volta

a ser lançada repetidas vezes para cima.

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preconceituosos com relação às culturas deve ser um dos objetivos do educador e, por

consequência, de seus educandos.

Os PCN afirmam que é de extrema importância, no ambiente escolar, estabelecer

uma clara interpretação da diversidade cultural e sua visibilidade na sociedade. De acordo

com os Parâmetros, as culturas são produzidas pelos grupos sociais ao longo das suas

histórias, na construção de suas formas de subsistência, na organização da vida social e

política, nas suas relações com o meio e com outros grupos e na produção de conhecimento.

Assim, nota-se que a diferença entre culturas é fruto da singularidade desses processos em

cada grupo social, sendo ela brasileira ou estrangeira. A língua espanhola, foco de pesquisa

deste trabalho, adequa-se perfeitamente aos Parâmetros Nacionais quando se evidencia a

variabilidade cultural que oferece em seus 21 países que têm este idioma como língua

oficial. No caso específico desta pesquisa, serão analisados apenas dois exemplos

específicos, o Pelele da cultura espanhola e Piñata da cultura mexicana.

Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar

os diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é

formada não só por diferentes etnias, como também por imigrantes de

diferentes países. Além disso, as migrações colocam em contato grupos

diferenciados. Sabe-se que as regiões brasileiras têm características

culturais bastante diversas e que a convivência entre grupos diferenciados

nos planos social e cultural muitas vezes é marcada pelo preconceito e

pela discriminação. (BRASIL, 1998, p. 3)

No que concerne a esta pesquisa, faz-se perceptível entender como a cultura é

dinâmica, é viva e a utilização dos jogos tradicionais como ferramenta lúdica no processo

de ensino e aprendizagem de uma LE é também uma contribuição para o entendimento dos

processos de transformação por que passam as sociedades.

No entanto, falar de cultura de maneira isolada num mundo tão globalizado, é uma

forma demasiadamente simples de tratar esse assunto. Os continentes, países, regiões e

consequentemente suas línguas, religiões, modos de vida, sua arte e literatura não são

elementos dissociados que se juntam e constituem uma “cultura”. Sobre esse assunto,

afirma Forquin (1993):

[...] falar de sociedades atuais como se elas fossem “monoculturais” não

acaba por operar uma simplificação inaceitável? Todas as sociedades do

mundo estão em interação umas com as outras, todas conhecem conflitos

internos, são atravessadas por correntes contraditórias, divididas entre

símbolos diversos, condenadas à instabilidade, à ambiguidade, à

desordem. Como assimilar uma sociedade, um país, um povo a uma

cultura? O pluralismo cultural não existe somente entre as nações, ele

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está no interior das nações, no interior das comunidades que as compõem

[...] (FORQUIN, 1993, p. 126)

Nos PCN, o tema da Pluralidade Cultural é abordado no capítulo que trata da

“Relação do processo de ensinar e aprender Língua Estrangeira com os temas transversais”,

que dedica apenas um parágrafo à língua espanhola.

O documento afirma que o ensino de línguas oferece um modo singular de tratar as

relações entre a linguagem e o mundo social, já que é o próprio discurso que estrutura o

mundo social. A aprendizagem de uma LE oferece e dá acesso à elaboração de temas

propostos como transversais em práticas discursivas de outras sociedades com culturas

diferentes, o que pode contribuir intensamente na formação dos estudantes brasileiros,

principalmente no que concerne ao respeito e à tolerância dos indivíduos. No tocante a esta

pesquisa, o discurso produzido em língua espanhola, proposto nos trabalhos realizados

com o 3º e 4º anos do Ensino Fundamental, que serão posteriormente relatados, promove o

contado do estudante brasileiro com atividades tidas como transversais que retratam

diferentes países e suas sociedades culturalmente diversificadas, mas apresentam o eixo

comum da língua.

Os PCN discorrem sobre a temática dos aspectos sociopolíticos referentes à

aprendizagem cada vez mais notável do espanhol no Brasil. Atribui sua crescente

importância à necessidade de estabelecer negócios no Mercosul e, por isso, determinou

legalmente sua inclusão nos currículos brasileiros, principalmente nos estados limítrofes

com países que falam essa língua.

O ensino do espanhol no Brasil e do português nos países de língua espanhola

desempenha um meio de fortalecimento da América Latina no que se refere ao

reconhecimento de uma força cultural autenticada por todos e que seja expressiva e

múltipla. Assim sendo, os PCN apontam para a força política dessa união de línguas e de

países que se apresentam como um bloco de nações que podem influenciar a política

internacional.

Portanto, mais do que a ampliação do repertório cultural, o estímulo ao respeito à

diversidade e o fomento da tolerância, o estudo da língua espanhola para os brasileiros, de

acordo com os PCN, tem sobretudo uma função política.

Sobre a temática tratada anteriormente por Forquin (2006), cabe dizer que o Brasil

é um grande exemplo desse assunto no cenário mundial. Composto originalmente de índios

e, logo, europeus, escravos africanos e muitos imigrantes provenientes de todos os cantos

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do mundo, o Brasil constitui-se, atualmente, como um país que tem uma riquíssima

pluralidade cultural.

Compreende-se por pluralidade cultural no território nacional, os assuntos que

abarcam a sociedade brasileira no que concerne ao conhecimento e à valorização das

características étnicas e culturais de diferentes grupos sociais, assim como as desigualdades

socioeconômicas.

O objetivo da inclusão da pluralidade cultural nos PCN, como tema a ser trabalhado

na Educação Básica, é possibilitar ao aprendiz o contato com a diversidade, com o

propósito de que ele possa aprender com ela. Especificidades presentes nas características

de cultura, de etnias, de regiões, de famílias são claramente percebidas quando, de fato,

convive-se com elas. A partir desse contato, o aluno pode aprender mais, colocar-se no

lugar do outro, respeitar e ser respeitado.

Discorrer sobre a pluralidade cultural não é tratar da sociedade como algo que

possa ser seccionado, ou seja, peças de um quebra-cabeça de grupos culturais fechados que

possam ser reorganizados, encaixados.

Tratar desse tema é promover, dentro do ambiente escolar, para cada aluno e a

todos, um enriquecimento cultural que surge da pluralidade dos indivíduos, do convívio,

das opções pessoais, bem como do compromisso ético de contribuir com as transformações

necessárias à construção de uma sociedade mais justa.

Os PCN também citam – no apartado “Escolhas Temáticas” – o tema da

consciência crítica como elemento essencial e constituinte das aulas de LE e

imprescindível para a formação do professor e dos alunos.

A consciência crítica de como a linguagem é usada no mundo social pode

ser bem desenvolvida em Língua Estrangeira, devido ao distanciamento

que ela oferece, possibilitando um estranhamento mais fácil em relação

ao modo como as pessoas usam a linguagem na sociedade. Ao mesmo

tempo que isso traz para o centro do currículo a relação da linguagem

com o mundo social, constitui um modo de integrar os temas transversais

com a área de Língua Estrangeira. Além disso, a consciência crítica em

relação à linguagem possibilita o surgimento de novas práticas sociais por

meio da criação de espaços na escola para a construção de contra-

discursos. (BRASIL, 1998, p. 47)

A atividade proposta nesta pesquisa com o jogo do Pelele como estratégia de

ensino e aprendizagem de língua espanhola ultrapassa as barreiras da língua e invade os

limites da linguagem quando se propõe, dentro de sala de aula, a análise e discussão da

postura da mulher na sociedade do século XVII – como se vê na obra do pintor espanhol

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Francisco de Goya e na sociedade atual, em Pozuelo (próximo a Madri) com seus festejos

de carnaval.

Vê-se nesses dois exemplos a mesma estrutura do jogo, mas as releituras se opõem

e, por isso, demonstram como a sociedade avançou em direção à equidade entre homens e

mulheres.

Em 1999, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou a “Declaração e

Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz”, citada em vários momentos nos PCN, no

apartado que discorre sobre a Pluralidade Cultural. Em realidade, há um apelo da ONU

para que se enviem novas propostas de trabalho nesse campo, tal o nível incipiente em que

educadores em geral ainda se encontram com relação à temática.

A “Cultura da Paz”, como é citada nos PCN, deve ser alimentada a cada instante,

no ambiente escolar, baseada na tolerância, no respeito aos direitos humanos e na noção da

cidadania compartilhada por todos os brasileiros. Com base nos trabalhos sobre tolerância,

deve-se ter como ponto de referência para o processo de construção do entendimento, o

respeito mútuo e a solidariedade.

A cultura de paz leva em conta os contextos histórico, político, econômico, social e

cultural de cada ser humano e sociedade e mostra-se como uma iniciativa de longo prazo,

de acordo com o que diz os PCN. É necessário aprendê-la, desenvolvê-la e colocá-la em

prática no dia a dia familiar, regional ou nacional. “É um processo que, sem dúvida, tem

um começo, mas nunca pode ter um fim. A paz é um processo constante, cotidiano, mas

não passivo. A humanidade deve esforçar-se para promovê-la e administrá-la”. (UNESCO,

2010, p. 13)

No contexto brasileiro, no ambiente escolar, a Pluralidade Cultural apresenta-se ao

aluno como mais um recurso para a valorização de sua própria língua e cultura e, nas aulas

de LE, essa pluralidade opera como uma porta de acesso a novas e diferentes realidades

culturais.

No que concerne à responsabilidade da escola no tocante ao desenvolvimento de

temas relativos à Pluralidade Cultural, tanto os PCN como Forquin (1993) estão em total

acordo de que os primeiros passos do educando devem ser dados dentro do ambiente

escolar, a partir de sua própria cultura, no convívio com seus pares, dentro da sua

sociedade.

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[...] a primeira tarefa da educação é fazer com que a criança se conforme

à cultura no interior da qual ela vai crescer: a escola tem o dever moral de

inculcar na criança as tradições que refletem mais especificamente o

espírito da nação. (FORQUIN, 1993, p. 125)

Com o intuito de promover uma sociedade justa, livre e fraterna, os Parâmetros

Curriculares Nacionais preconizam que o processo educacional deve tratar do campo ético

de maneira justa e correta, de modo a desenvolver no cotidiano, atitudes e valores voltados

para a formação de novos comportamentos, novos vínculos.

O Brasil, país de grandes proporções, apresenta a riqueza de uma vasta diversidade

cultural. No entanto, tamanha dimensão, incontestavelmente, pode ser uma característica

negativa quando se considera que há regiões que desconhecem as culturas de outras e vice-

versa. Promover o que está declarado nos PCN é o mesmo que levar o conhecimento da

Pluralidade Cultural a todas as regiões brasileiras, o que é de extrema relevância, já que tal

conhecimento entre grupos e indivíduos permite a construção da responsabilidade social do

cidadão e a consequente consolidação do espírito democrático. “Reconhecer essa

complexidade que envolve a problemática social, cultural e étnica é o primeiro passo. A

escola tem um papel fundamental a desempenhar nesse processo”. (BRASIL, 1998, p. 123)

Conforme os PCN, a escola é um espaço no qual pode se dar a convivência entre

alunos de origens distintas, com costumes e dogmas religiosos diferentes inclusive

daqueles que já se conhece, com visões de mundo diferentes daquela compartilhada em

família. Esse diversificado repertório cultural pode ainda ser ampliado quando se propõe

trabalhar o ensino de idiomas a partir de jogos tradicionais dos países de LE.

De acordo com o que foi declarado pela ONU/UNESCO, “Uma Cultura de Paz é

um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida [...]”

(ONU/UNESCO, 1999, p. 2)30

que, tendo como base uma série de compromissos, deve

promover uma atmosfera nacional e internacional que favoreça a paz. O jogo do Pelele e a

tradição de romper a Piñata, quando utilizados como ferramentas lúdicas de ensino e

aprendizagem da língua espanhola no ambiente escolar (a partir de suas particularidades

como atividades tradicionais de seus respectivos países, Espanha e México) podem, de

maneira bastante assertiva, contribuir para a construção e fortificação de uma “Cultura de

Paz” na escola e fora dela.

30

Disponível em <http://comitedaculturadepaz.blogspot.com.br/p/integra-da-declaracao-e-programa-

de.html>. Acesso em 30 agosto. 2015.

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A ONU reconhece que a paz não é apenas a ausência de conflitos, “mas que

também requer um processo positivo, dinâmico e participativo em que se promova o

diálogo e se solucionem os conflitos dentro de um espírito de entendimento e cooperação

mútuos” (ONU/UNESCO, 1999, p. 2). Isto posto, a Declaração sobre a “Cultura de Paz”

dialoga com Forquin (2003) e os PCN que sustentam o argumento de que a escola deve

exercer um papel fundamental no que diz respeito à Pluralidade Cultural. Isto é, o ambiente

escolar como instituição formadora não pode se eximir de suas responsabilidades quanto

ao estímulo ao progresso até que se alcance – ainda que não plenamente – o

desenvolvimento de uma Cultura de Paz que deve ser conquistada por meio de

comportamentos, valores, atitudes e estilos de vida que apontem para o desenvolvimento

da paz entre as pessoas, as sociedades e as nações.

As características listadas a seguir fazem parte da declaração da ONU/UNESCO

(1999) no que diz respeito à “Cultura de Paz” que se constitui de um conjunto de valores,

atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida e que o ambiente escolar deve

promover.

Ao reconhecer a

necessidade de eliminar todas as formas de discriminação e intolerância,

inclusive aquelas baseadas em raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião

política ou de outra natureza, na origem nacional, etnia ou condição

social, na propriedade, nas discapacidades, no nascimento ou outra

condição (ONU/UNESCO, 1999, p. 2)

Portanto, os jogos, quando usados como estratégias de ensino de uma LE,

promovem, por meio da educação, o diálogo entre os alunos e a cooperação entre todos.

Logo, o consequente respeito à vida e a promoção e prática da não-violência, visando seu

fim.

A Cultura de Paz promove no ambiente escolar o respeito à vida, ao fim da

violência e a promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da

cooperação. Constitui também do pleno respeito e da promoção de todos os direitos

humanos e liberdades fundamentais e no compromisso com a solução pacífica dos

conflitos.

A Cultura de Paz também se dá no respeito e fomento ao direito de todas as pessoas

à liberdade de expressão, opinião e informação. Assim como na adesão aos princípios de

liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade, cooperação, pluralismo,

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diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da sociedade e entre as

nações.

Sem paz não haverá sobrevivência. Educar para a paz é educar para a

sobrevivência da civilização deste planeta, da humanidade, da espécie –

mas a sobrevivência de todos com dignidade. Este é um ponto crucial: a

dignidade de o indivíduo ser o que ele é, de poder aderir a um sistema de

conhecimentos, de conhecer suas raízes, suas relações históricas,

emocionais, sua religião, sua espiritualidade. Um indivíduo é diferente do

outro, não há como negar que nós todos somos diferentes. Preservar essa

diferença é algo fundamental para que a gente possa falar em uma

sobrevivência com dignidade. (ONU/UNESCO, 2010, p. 46)

Desde o ponto de vista do respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à

liberdade de expressão, pode-se encontrar nos jogos tradicionais como ferramenta lúdica

no processo de ensino e aprendizagem de uma LE, a particularidade de promover nas

crianças a sensação de segurança, de domínio de suas ações, características

imprescindíveis para que elas possam expor sua opinião e buscar informação. De forma

parelha, o educador, adulto crítico, reflexivo e atento a sua curiosidade epistemológica,

deve atuar de forma parceira na construção de saberes que ultrapassem os muros da escola.

O ensino e aprendizagem de uma LE a partir do uso de jogos tradicionais, desde a

perspectiva da Pluralidade Cultural, é um tema que pode oferecer aos alunos brasileiros

não só a oportunidade de conhecer outras sociedades, outras culturas, mas também, de

apropriar-se ainda mais de suas próprias origens, como um cidadão brasileiro partícipe de

um grupo cultural específico. Isso porque, ao vivenciar os jogos tradicionais de outras

culturas, é inevitável que o aprendiz tente estabelecer relações com aquilo que ele já

conhece, ou seja, sua visão de mundo, gerando um resgate de tradições e legados passados

de geração a geração dentro da cultura de seu próprio país.

Ao dar-se conta de seu repertório cultural pré-existente, o aluno se sente valorizado

e tal sensação promove sua autoestima como ser humano pleno de dignidade, que pode

cooperar com sua própria formação e com a de seus companheiros e ser capaz de evitar o

que lhe pareça prejudicial para seu desenvolvimento como rotulações discriminatórias. É

por meio do convívio escolar que o aprendiz inicia conscientemente suas vivências a fim

de apurar sua percepção no que concerne as injustiças e manifestações de preconceito e

discriminação, práticas que devem ser repudiadas a todo custo.

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CAPÍTULO IV

ESTUDO DE CASO – EL PELELE E LA PIÑATA

Lleva mucho tiempo crecer hasta convertirse en

un niño.

Pablo Picasso

Os estudos de caso que serão descritos neste capítulo possibilitam o

desenvolvimento da capacidade de análise e reflexão de duas estratégias de ensino e

aprendizagem da língua espanhola a partir da prática de brincadeiras tradicionais de

diferentes países.

O estudo de caso é um método qualitativo que consiste, habitualmente, em uma

forma de aprofundar uma unidade individual já que contribui para a compreensão de

fenômenos individuais que se propagam nos processos organizacionais da sociedade. Ele

serve para responder questionamentos que o pesquisador propõe ao planejar as ações e, de

acordo com Robert Yin (2001), o estudo de caso consiste em uma estratégia de pesquisa

que compreende um método de total abrangência em abordagens específicas de coletas e

análise de dados.

Este método é útil quando o fenômeno a ser estudado é amplo e complexo e não

pode ser estudado fora do contexto onde ocorre naturalmente. Trata-se de um estudo

empírico que busca determinar ou testar uma teoria e parte da investigação de um

fenômeno contemporâneo partindo do seu contexto real, utilizando de múltiplas fontes de

evidências.

Como esforço de pesquisa, o estudo de caso contribui, de forma

inigualável, para a compreensão que temos dos fenômenos individuais,

organizacionais, sociais e políticos. Não surpreendentemente, o estudo de

caso vem sendo uma estratégia comum de pesquisa na psicologia, na

sociologia, na ciência política, na administração, no trabalho social e no

planejamento. (YIN, 2001, p. 19)

Pretende-se, a partir desses relatos, proporcionar aos educadores a descrição de

casos reais, praticados com diferentes grupos do 3º e 4º anos do Ensino Fundamental. O

Pelele e a Piñata, objetos de estudo deste trabalho, propiciam aos aprendizes da língua

castelhana, uma situação desafiadora que tem como referência a realidade em que vivem,

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ou seja, a cultura lúdica que vivenciam no ambiente escolar nos anos iniciais de sua

escolaridade. Para tanto, as propostas de atividades aqui descritas levam o aluno a

investigar, interpretar dados, levantar hipóteses, argumentar e tomar decisões a partir das

sequências de trabalho propostas nesta pesquisa.

Os jogos do Pelele e da Piñata foram executados em uma instituição particular de

ensino de Higienópolis, bairro central da cidade de São Paulo, nos anos 2014 e 2015

respectivamente. Trata-se de grupos de aprendizes de uma instituição de classe média-alta,

muito privilegiada com o estudo de três línguas estrangeiras em sua grade curricular –

inglês, francês e espanhol. Cabe ressaltar que o fato dos alunos estudarem três idiomas

semanalmente, com uma densa carga horária – 4 horas/aula31

de inglês, 2 horas/aula de

francês e 2 horas/aula de espanhol – promove uma direta influência na recepção e

percepção de atividades como os jogos propostos nesta pesquisa. Os alunos que

participaram desses estudos de caso são crianças que habitualmente estão em contato direto

com manifestações artísticas de outros países além do Brasil e possuem um amplo

repertório cultural que facilita a recepção de novas propostas de atividades.

As brincadeiras tradicionais que aqui serão descritas foram realizadas com os

grupos do 3º e 4º anos do Ensino Fundamental, alunos dos períodos da manhã e da tarde. O

período de aula das turmas é um dado relevante nesta pesquisa porque interfere

diretamente na quantidade de alunos por classe e na antecipação de questões que só foram

previstas depois da realização das atividades com os primeiros grupos, ou seja, apenas

depois da experiência com os grupos da manhã foi possível planejar com os agrupamentos

da tarde algumas ações que promoveram uma execução mais satisfatória e proveitosa das

atividades.

O número de alunos é um dato de bastante relevância para o entendimento do que

era esperado e do que foi alcançado em cada grupo. Os agrupamentos do período da manhã

são mais numerosos em comparação com os da tarde. O 3º ano da manhã que participou da

atividade do Pelele tinha 30 alunos em contraponto com o da tarde que tinha 22. O 4º ano

da manhã que realizou a brincadeira da Piñata contava com 31 alunos e o da tarde, com 20.

A influência dessa diferença numérica entre as turmas ficou evidente na formação dos

subgrupos que foram estruturados para a execução das brincadeiras principalmente no que

concerne às relações de respeito e resolução de conflitos em função das atividades

propiciarem um contato muito próximo entre os educandos. Nos grupos menores as

31

A hora/aulas na Escola particular paulistana citada nessa pesquisa equivale a 50 minutos.

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questões, principalmente as disciplinares, foram resolvidas mais rapidamente e, de forma

geral, entre os próprios alunos, sem a interferência da professora. Como citado

anteriormente, a execução das atividades com os grupos da tarde, tanto do 3º quanto do 4º

ano, foi a que mais se aproximou do previsto no planejamento das atividades e realização

das propostas dos projetos. A partir das experiências bem e mal sucedidas dos

agrupamentos da manhã foi possível levantar questões prévias com os alunos da tarde

antes da efetiva realização das atividades no pátio. Consequentemente, pôde-se perceber

que os agrupamentos do período da tarde foram melhor sucedidos nas realizações das

atividades com relação ao desempenho do uso da LE – eixo norteador desta pesquisa – e

também no trato interpessoal, no que diz respeito à tolerância e respeito mútuo.

A seguir serão relatados os estudos de caso da realização das brincadeiras

tradicionais do Pelele e da Piñata com os alunos do 3º e 4º anos, respectivamente, numa

sequência didática elaborada previamente entre a professora de língua espanhola e equipe

de orientação de LE da instituição. As aulas serão relatadas em sequência cronológica e

contarão com comentários que expressam o previsto e o inesperado em cada agrupamento,

de acordo com as expectativas da professora e a receptividade dos aprendizes.

As aulas foram realizadas entre os meses de março e abril de 2014 com os alunos

do 3º ano e abril e maio de 2015 com os do 4º ano.

RELATO DE ESTUDO DE CASO DA BRINCADEIRA DO PELELE

Aula 1 – dia 11 de março de 2014.

A professora saudou os alunos e lhes propôs um novo projeto que seria estudar a

língua espanhola a partir de uma brincadeira de um determinado país. A primeira

impressão dos alunos foi de estranheza. Eles questionaram a professora se era possível

aprender uma LE brincando. A professora então fez uma apresentação do projeto deixando

claro a amplitude dos estudos com relação a todos os recursos que seriam utilizados até a

finalização das atividades. A partir de uma apresentação em Power Point, os alunos

tiveram a percepção de que, para alcançar os objetivos propostos, passariam por atividades

que envolveriam a literatura, as artes plásticas, a língua e a linguagem antes da efetiva

realização da brincadeira.

Para os alunos, a maior surpresa foi perceber que a finalização dos estudos seria a

execução da brincadeira no pátio da escola e não a elaboração de um texto, uma ilustração

ou apresentação do assunto para outros grupos como acontecia na maioria dos projetos.

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Para a professora, foi impactante perceber como a simples menção de uma

atividade lúdica no ensino regular abre um leque de possibilidades com os alunos do

Ensino Fundamental. Eles prontamente compactuaram da ideia de aprender brincando e se

mostraram muito motivados desde os primeiros momentos da apresentação do projeto.

Esse comprometimento com o processo de aprendizagem e a motivação para a prática com

o estímulo da ludicidade fizeram desse projeto uma proposta de ensino e aprendizagem que

pode ser aplicada a qualquer LE numa perspectiva de estudo bem-sucedido.

Depois da apresentação do projeto, a professora iniciou a discussão da concepção

que os alunos tinham sobre “Jogos e brincadeiras”. A educadora queria estimular o diálogo

entre os aprendizes sobre a compreensão dessas atividades, principalmente o entendimento

que eles tinham sobre as brincadeiras mais tradicionais de seu próprio país e o contraponto

com os atuais jogos eletrônicos, muito presentes no cotidiano dos alunos.

Como lição de casa, os alunos deveriam trazer informações sobre as brincadeiras

tradicionais realizadas dentro do convívio familiar e as atividades passadas de geração a

geração.

Aula 2 – dia 13 de março de 2014.

Os alunos começaram a aula prontamente motivados. Já sabiam que o projeto atual

se tratava de uma brincadeira e a motivação estava presente no ambiente escolar. A

professora retomou rapidamente a apresentação em Power Point utilizada na aula anterior

sobre o caminho de aprendizagem que eles iam percorrer e pediu aos alunos que se

manifestassem com relação à lição de casa que era a pesquisa sobre as brincadeiras

tradicionais realizadas no ambiente familiar.

Os estudantes se manifestaram falando das brincadeiras mais tradicionais como

Amarelinha, Pega-Pega, Esconde-Esconde, Corre Cotia, Três Marias, brincadeiras de roda,

soltar pipa, bolinhas de gude, soltar pião. Nesse momento, alguns alunos citaram jogos

como “Detetive”, “Banco Imobiliário”, “Monopoly”, “Jogo da Vida”32

e outros que eles

tinham o conceito de serem atividades tradicionais porque não se tratavam de jogos

eletrônicos. A professora motivou os alunos a conversarem entre eles, sem muitas

interferências do adulto, para que chegassem a um consenso que partisse de suas próprias

opiniões. Depois de quase 10 minutos de declarações, discordâncias e relatos pessoais,

32

Os jogos citados pelos alunos são produtos lançados pela marca Estrela® há quase 80 anos no Brasil e

tidos como brincadeiras tradicionais porque foram citados pelos pais, como atividades das quais eles

participam desde crianças.

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chegou-se à conclusão de que os jogos de tabuleiro, citados por eles, não faziam referência

ao tipo de atividade que seria realizada nas aulas de espanhol. Os alunos listaram e a

professora escreveu na lousa as grandes divergências entre os jogos relacionados

anteriormente e o que se esperava da atividade proposta com o Pelele: o movimento

corporal, a necessidade de uma atuação que incluía a coletividade e por consequência a

tolerância e respeito, os materiais rústicos que não exigiam investimento financeiro e nada

de tecnologia, a falta de manual de instruções para a realização da atividade e a prática da

língua espanhola.

A partir da discussão, a professora distribuiu tabelas que seriam preenchidas

coletivamente com o Acordo Didático do Trabalho. Os alunos já estavam bastante

habituados a essa prática que faz parte da metodologia da escola que é socioconstrutivista e

trabalha com a pedagogia de projetos.

Na tabela, foi preenchido coletivamente o objetivo do trabalho que consistia em

ampliar os conhecimentos da língua espanhola e consequentemente o repertório cultural a

partir do estudo da brincadeira tradicional do Pelele. A seguir, os alunos completaram a

tabela com dados sobre o período de realização do projeto e o modo de estudo que se

baseava na observação e análise de obras artísticas, na leitura de fragmentos de obras

literárias e em todo o projeto de aprendizagem da língua espanhola com a abordagem das

quatro habilidades fundamentais de aquisição de um idioma: a escuta, a fala, a leitura e a

escrita.

A tabela seguinte se apoiava no projeto, com as ações que seriam necessárias para

alcançar o objetivo de realizar a atividade no pátio, com os procedimentos e as datas das

tarefas.

As tabelas preenchidas em sala foram coladas no caderno de espanhol e a

professora reforçou com os alunos a importância de consultá-las sempre que necessário ao

longo de todo o processo de aprendizagem. É de extrema importância para alcançar os

objetivos esperados em um trabalho com LE, foco deste estudo, manter o rigor na pesquisa

e prazos pensados previamente pelo educador e compartilhado com os aprendizes a partir

de uma relação ancorada no diálogo e no compromisso de ambas as partes do processo,

alunos e professora.

Como afirma Ira Shor em seu diálogo com o educador Paulo Freire em Medo e

Ousadia - O cotidiano do professor

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O rigor é um desejo de saber, uma busca de resposta, um método crítico

de aprender. Talvez o rigor seja, também, uma forma de comunicação

que provoca o outro a participar, ou incluir o outra na busca ativa. Quem

sabe seja essa a razão pela qual tanta educação formal nas salas de aula

não consiga motivar os estudantes. Os estudantes são excluídos da busca,

da atividade do rigor. (FREIRE, Paulo. SHOR, Ira. 1986, p. 14)

Como lição de casa, a professora pediu aos alunos que tentassem definir com suas

próprias palavras e utilizando o vocabulário que possuíam na língua espanhola, a

concepção que tinham de “brincadeiras tradicionais”.

Aula 3 – dia 18 de março de 2014.

A professora, depois de saudar os alunos, iniciou as atividades sorteando nomes

para que algumas crianças lessem o que foi pedido como lição de casa sobre a concepção

que tinham de “brincadeiras tradicionais”. Ela foi registrando em um grande papel e na

língua espanhola, o que os alunos ditaram sobre suas reflexões a partir da discussão da aula

anterior, as representações trazidas do ambiente familiar e, principalmente, os relatos

pessoais que reforçavam a ideia de manutenção das brincadeiras a partir do legado passado

de geração a geração, prioritariamente, pela oralidade. Foi ditado pelos alunos que não era

possível haver manuais para as brincadeiras tradicionais ao contrário do que estavam

acostumados a ver com os jogos de tabuleiro, e, portanto, os registros das brincadeiras nas

artes plásticas e na literatura eram essenciais para a conservação dessas atividades.

Os registros feitos no grande papel foram expostos no mural da sala e

posteriormente transformados em um curto texto, digitado pela professora em língua

espanhola, que finalizou a discussão sobre a concepção que os alunos alcançaram sobre as

“brincadeiras tradicionais”. O texto foi colado no caderno finalizando as discussões iniciais

do projeto.

Dando sequência às atividades, a professora fez a apresentação da obra El

ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha do escritor espanhol Miguel de Cervantes. A

partir desse momento, os alunos perceberam e fizeram comentários sobre o país de origem

do Pelele, dizendo que era da Espanha já que o escritor era espanhol e a história transcorria

nesse lugar. Os aprendizes também demonstraram surpresa ao constatarem que o período

de existência da brincadeira era muito anterior ao ano de 2014. Foram capazes de inferir

que, se havia registros do Pelele em um livro escrito em 1605, isso indicava que a

brincadeira era muito antiga, que deveria existir há muito mais tempo e que a obra literária

era essencial para a conservação de dita tradição.

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O relato da brincadeira do Pelele na obra de Cervantes é, indubitavelmente, um

grande diferencial do trabalho proposto nesta pesquisa sobre o uso de recursos e estratégias

de ensino e aprendizagem de uma LE. A apresentação dessa obra literária – considerada

uma das mais importantes da literatura universal – para um grupo de estudantes do 3º ano

do Ensino Fundamental oportuniza a apresentação de um conteúdo cultural que raramente

é ofertado nesse período escolar ou, até mesmo, em toda a vida estudantil dos alunos

brasileiros.

Nessa aula e na aula subsequente, os aprendizes viram um vídeo curto sobre alguns

acontecimentos marcantes da história de Miguel de Cervantes como partícipe da Batalla de

Lepanto e prisioneiro de guerra na Argélia, assim como réu condenado e encarcerado pela

justiça espanhola.

A professora finalizou a aula pedindo aos alunos que buscassem em casa

informações sobre a obra de Miguel de Cervantes.

Aula 4 – dia 20 de março de 2014.

A aula foi iniciada com exemplares de obra de Don Quijote trazidos pelos alunos,

assim como imagens tiradas da internet e objetos de decoração como estatuetas de metal,

marcadores de livros, pratinhos de porcelana, medalhas, leques pintados com gravuras que

remetem à história escrita por Cervantes.

Os alunos chegaram muito empolgados para a aula dizendo que os pais e familiares

haviam feito apreciações sobre o estudo da brincadeira e consequente contato com a obra

do Quijote. Nesse momento, a professora fez questão de valorizar todos os artefatos

trazidos para a aula e assim, abriu um espaço para a demonstração do material e

explanação das pesquisas realizadas em casa.

Boa tarefa para um fim de semana seria propor a um grupo de alunos que

registrasse, cada um por si, as curiosidades mais marcantes por que foram

tomados, em razão de que, em qual situação emergente de noticiário da

televisão, de propaganda, de videogame, de gesto de alguém, não importa.

[...] O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as

emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca da

perfilização do objeto ou do achado de sua razão de ser. (FREIRE, 1996,

p. 84-85)

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Na sequência, foi mostrado um vídeo33

produzido por um canal espanhol que

introduziu a história de Don Quijote e, a partir dessa apresentação, a professora narrou

algumas façanhas do cavaleiro e seu escudeiro Sancho Panza. Vale ressaltar que é de

extrema importância que o aluno compreenda a história escrita por Cervantes, ainda que de

forma muito genérica, para inferir o relato da brincadeira do Pelele no capítulo XVII da

primeira parte da obra. Em determinado momento da história, Sancho Panza está em uma

hospedagem, acompanhado de seu amo que sai sem pagar porque é o que acredita ser

honrado para um cavaleiro andante, receber hospedagem de graça. Ao ser mal interpretado

pelos frequentadores do estabelecimento, o escudeiro Sancho desempenha o papel do

Pelele e é “manteado” pelos demais hóspedes do lugar.

A professora entregou fragmentos da obra aos alunos que fizeram rápidas leituras e

anotações de momentos importantes da história para sua compreensão. Foi anotado na

lousa e copiado no caderno uma significativa informação da obra que os alunos repetiram

em vários momentos ao longo do projeto. “O fidalgo Alonso Quijano, de tanto ler e pouco

dormir ficou louco e decidiu armar-se cavaleiro para ajudar os oprimidos, injustiçados e

salvar belas donzelas desprotegidas, em especial sua doce Dulcinéia”34

.

Junto com os fragmentos de alguns capítulos do livro, a professora entregou um

retrato de Miguel de Cervantes com uma curta biografia, versões de capas do livro em

vários idiomas (português, francês, alemão, hindu, chinês, italiano), modelos de cartazes

com exemplares da obra recontada em outras linguagens artísticas como na dança, na ópera

e no cinema e entregou também uma gravura35

do espanhol Vicente Urrabieta Ortiz (1823-

1879), utilizada na edição de 1865 de Gaspar e Roig36

e que retrata o “Manteo de Sancho”.

Essa foi a primeira representação da brincadeira do Pelele que os alunos tiveram contato.

Todos os registros foram colados no caderno.

33

Vídeo disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=_WyO7yDvaJk>. Acesso em 12 de maio de

2016. 34

Tradução nossa: “El hidalgo Alonso Quijano, de tanto leer y poco dormir se volvió loco y decidió armarse

caballero para ayudar a los oprimidos, a los injusticiados y salvar a las bellas doncellas, en especial su dulce

Dulcinea”. Dessa forma, em língua espanhola, é como os alunos registaram no caderno e repetiram

oralmente em vários momentos do projeto. 35

Esta gravura está disponível em <http://www.jccanalda.es/jccanalda_doc/jccanalda_alcala/artic-

alcala/artic-postales/centenario-cervantes.htm>. Acesso em 10 de maio de 2016. 36

Gaspar e Roig são reconhecidos editores espanhóis do século XIX citados no livro Historia de la edición

en España, 1836-1936 publicado pela editora Marcial Pons.

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Figura 1 – Gravura do espanhol Vicente Urrabieta Ortiz (1823-1879), utilizada na edição

de 1865 de Gaspar e Roig e que retrata o “Manteo de Sancho”. Disponível em

<http://www.jccanalda.es/jccanalda_doc/jccanalda_alcala/artic-alcala/artic-

postales/centenario-cervantes.htm>. Acesso em 10 de maio de 2016.

Aula 5 – dia 25 de março de 2014.

A professora saudou os alunos que ainda manifestaram muito interesse na história

de Don Quijote e alguns inclusive trouxeram novos exemplares e artefatos dos personagens

criados por Cervantes. A educadora preocupou-se em demonstrar o mesmo interesse e

tempo dedicados aos exemplares trazidos na aula anterior e terminadas as explanações,

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apresentou o novo tópico a ser tratado sobre a representação da brincadeira: o quadro El

Pelele do pintor espanhol Francisco de Goya y Lucientes.

A atividade proposta nessa aula iniciou-se pela observação da projeção da obra feita

no telão da sala de aula. Os alunos tiveram a oportunidade de observar detalhes da pintura

realizada entre os anos 1791-1792 e que, desde 1870, de acordo com ordens reais,

encontra-se oficialmente exposta no Museu do Prado, em Madri, capital da Espanha, como

uma obra célebre de seu acervo.

Os alunos leram um curto texto que fazia comentários sobre a obra e sublinharam

palavras-chave, com a interferência da professora. As palavras eram: cuatro muchachas,

sábanas, pelele de trapo, juego, carnaval, control de la mujer, fantoche. Esse léxico

deveria ser compreendido e memorizado uma vez que constituía um glossário que seria

utilizado ao longo do processo.

A partir da observação do quadro, a professora levantou algumas questões que os

alunos deveriam atentar-se e responder oralmente: onde estão brincando? Quem está

brincando? Como são as roupas de quem está brincando? São roupas que expressam a

época atual? A imagem que está no ar é a de uma pessoa ou de um boneco? Como são as

expressões faciais dessa imagem? O questionamento foi realizado integralmente em

espanhol. Os alunos tentaram responder as perguntas fazendo uso de um repertório lexical

básico que possuíam.

A professora ouviu as os estudantes e registrou em grandes papeis na lousa as

argumentações, os comentários pertinentes e algumas palavras traduzidas para o espanhol

para que eles pudessem utilizá-las nas respostas. A partir dos comentários feitos pelos

alunos e algumas interferências da educadora, foi possível alcançar níveis de discussões

relativamente oportunos que viabilizaram a elaboração do significado do jogo do Pelele.

Foi também possível, a partir das observações registradas nos papeis fixados na

lousa, elaborar um curto texto que dizia que o jogo era originalmente praticado por

mulheres, em um campo ou lugares afastados, isolados da população. As personagens

pintadas no quadro trajavam roupas antigas, deixando evidente que a atividade do Pelele

era uma prática secular. O boneco que voava na imagem retratada de Goya possuía

expressões faciais de uma pessoa abobada, que representava alguém sem vida, sem desejos

e de posicionamento passivo.

O curto texto elaborado coletivamente foi copiado pelos alunos em seus cadernos

logo depois de colarem a imagem do quadro e o comentário sobre a obra. Como lição de

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casa, os alunos deveriam elaborar uma hipótese pessoal sobre a representação do boneco

na imagem. O que ele poderia simbolizar de acordo com toda a situação retratada no

quadro? A pergunta foi feita em espanhol e os alunos deveriam tentar elaborar as hipóteses

também em espanhol, fazendo uso do dicionário se necessário.

Figura 2 – Quadro “El Pelele” pintado por Francisco de Goya y Lucientes entre 1791-1792.

Atualmente exposto no Museu do Prado -Madri – Espanha. Disponível em <

https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/el-pelele/a1af2133-ff7b-4f47-a4ac-

030cb23cb5b6>. Acesso em 10 de maio de 2016.

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Aula 6 – dia 27 de março de 2014.

Após as saudações, a professora pediu aos alunos que abrissem seus cadernos na

lição de casa. Alguns estudantes ainda haviam trazido exemplares da obra Don Quijote e

imagens. A educadora conduziu as explanações como nas aulas anteriores e assim que

possível, retornou ao tema do quadro de Goya.

Os alunos, sorteados pela educadora e diferentes dos que foram designados na aula

anterior, leram suas hipóteses sobre a representação do boneco. Conjecturaram sobre a

representação do irmão mais novo das moças pintadas, de algum ente masculino que era

desconsiderado pelos demais da família e, até mesmo, de um homem qualquer

representado no boneco. Entre todas as hipóteses lidas, a professora pediu a releitura de

uma delas para prosseguir com a discussão sobre o jogo do Pelele. Um aluno pressupôs

que o boneco representava alguém pouco querido, uma vez que ele era retratado com uma

expressão atontada e era lançado para o alto como um ser sem vida. Com base nesse

comentário, vários alunos manifestaram-se favoráveis a essa suposição e foi então que a

professora contou que o Pelele era uma figura de tamanha representação na cultura

espanhola que resultou em um verbete do Diccionario de la Real Academia Española37

.

Com a projeção no telão da sala de aula, a educadora abriu o site do Diccionario e

mostrou aos alunos como fazer uma busca de palavras e a leitura de seus significados. Foi

reforçada a compreensão de que o site deveria ser consultado sempre que necessário, não

só no ambiente escolar, mas principalmente em casa, na execução das lições, tarefas e

pesquisas.

A partir da definição do dicionário projetada no telão, os alunos fizeram uma

comprovação de suas hipóteses individuais e depois colaram em seus cadernos uma ficha

com a definição do Diccionario de la Real Academia, previamente preparada pela

professora com cópias para todos os aprendizes.

Na leitura da definição, um aluno se manifestou perguntando o motivo de tanto

desprezo por parte das moças pintadas por Goya com relação à representação do homem

não querido. A educadora compartilhou a pergunta com todo o grupo para que os próprios

alunos se empenhassem em elaborar uma hipótese para responder ao questionamento do

companheiro de sala.

37

O Dicionário da Real Academia Española on-line está disponível em < http://www.rae.es/>. Acesso em 12

de maio de 2016.

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Foi possível perceber, nesse momento da aula, um obstáculo cultural claramente

identificado em função da pouca idade e experiência de vida de alunos do 3º ano do Ensino

Fundamental, membros integrantes de uma sociedade ancorada na democracia. Por meio

de muitas interferências da professora, os educandos compreenderam que o quadro de

Goya retratava uma sociedade extremamente machista, sem participação ativa da mulher

que, na maioria das vezes, era obrigada a casar-se por imposição da família em virtude da

situação financeira e/ou social.

Isso posto, os aprendizes foram capazes de conceber com mais clareza a ideia de

que o Pelele representava uma pessoa não querida e compreenderam com mais nitidez os

motivos que levaram Goya a retratar apenas mulheres jogando em um campo isolado da

sociedade.

Como lição de casa, a professora pediu aos alunos que procurassem no dicionário

on-line da Real Academia Española o significado das palavras sábana, mantear e muñeco

e que registrassem suas pesquisas no caderno de espanhol.

Aula 7 – dia 1 de abril de 2014.

Após as saudações, os alunos leram coletivamente a pesquisa feita como lição de

casa sobre a definição das palavras sábana38

(cada uma das duas peças de pano, algodão

ou outro tecido, de tamanho suficiente para cobrir a cama e colocar o corpo entre

ambas), mantear39

(lançar ao ar entre várias pessoas, com uma manta agarrada pelas

bordas, a outra, que ao cair sobre a manta, volta a ser lançada repetidas vezes para

cima) e muñeco40

(figura de pessoa, feita geralmente de plástico, trapo ou borracha, que

serve de brinquedo ou artefato de decoração). Estas palavras eram essenciais para a

brincadeira do Pelele e a professora explicou que seriam muito utilizadas na elaboração

das regras de execução do jogo na aula subsequente.

Nessa aula, os alunos utilizaram a língua de forma mais sistemática pois tiveram

que dedicar boa parte do tempo no uso de verbos conjugados no Imperativo Afirmativo.

38

Tradução nossa: “Cada una de las dos piezas de lienzo, algodón u otro tejido, de tamaño suficiente

para cubrir la cama y colocar el cuerpo entre ambas.”. Disponível em <

http://www.sinonimos.com.br/atual/>. Acesso em 10 de maio de 2016. 39

Tradução nossa: “Lanzar al aire entre varias personas, con una manta cogida por las orillas, a otra, que

al caer sobre la manta vuelve a ser lanzada repetidas veces hacia arriba”. Disponível em <

http://dle.rae.es/?id=OGbLbD8>. Acesso em 10 de maio de 2016. 40

Tradução nossa: “Figura de persona, hecha generalmente de plástico, trapo o goma, que sirve de

juguete o de adorno”. Disponível em < http://dle.rae.es/?id=Q6AmRPw>. Acesso em 10 de maio de

2016.

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Entre todos, foram elencados verbos que seriam necessários na execução da brincadeira

como lançar, atirar, arremessar, cantar, agarrar, direcionar, levantar, subir, dizer, pegar,

abaixar. No caderno, os alunos copiaram os verbos e suas formas no Imperativo (lanzar –

lanza tú, lance usted; arrojar – arroja tú, arroje usted; tirar – tira tú, tire usted; cantar –

canta tú, cante usted; agarrar – agarra tú, agarre usted; direccionar – direcciona tú,

direccione usted; levantar – levanta tú, levante usted; subir – sube tú, suba usted; decir –

di tú, diga usted; coger – coge tú, coja usted; bajar – baja tú, baje

usted). Essa relação de verbos conjugados em tú41

e usted42

era fundamental para a

elaboração de frases que posteriormente seriam usadas no momento da brincadeira no pátio.

O objetivo gramatical dessa aula era fazer com que os alunos formassem frases

utilizando os verbos e o vocabulário que já tinham em seu repertório. Frases como: levanta

el mantel, arroja el pelele, sube tu brazo, baja la cabeza, canta la música del Pelele eram

exemplos do que os alunos deveriam elaborar e registrar nos cadernos para poderem usar

na brincadeira.

De forma sucinta, a professora deu exemplos sobre o uso de tú e usted em

espanhol, o uso da informalidade e formalidade na língua. Tal diferenciação é essencial na

prática do idioma em função do uso dos pronomes pessoais em diferentes países como a

Espanha e a Argentina. Não foi necessário estender muito o assunto porque os alunos já

dominavam o uso dos pronomes pessoais em espanhol, portanto, foi apenas uma revisão do

conteúdo.

Como lição de casa, a professora pediu aos alunos que elaborassem frases que

possivelmente seriam usadas na brincadeira, utilizando obrigatoriamente os verbos

conjugados no Imperativo Afirmativo na segunda pessoa do singular tú. Para tanto, eles

iriam consultar os registros do caderno.

Aula 8 – dia 3 de abril de 2014.

A professora iniciou a aula saudando os estudantes e sorteando novos nomes para a

leitura da atividade pedida para casa. Na lousa foram anotados pelo menos quinze

41

Pronome pessoal 2.ª pessoa do masculino e feminino no singular. Forma que, em nominativo ou vocativo,

designa, na Espanha e em alguns lugares da América, à pessoa a qual se dirige quem fala ou escreve.

Especialmente em situações comunicativas informais ou no trato de familiaridade. 42

Pronome pessoal 3.ª pessoa do masculino e feminino no singular. Forma que, em nominativo, em vocativo

ou precedida de preposição, designa à pessoa a qual se dirige quem fala ou escreve. Geralmente como

tratamento de cortesia, respeito ou distanciamento. Na Espanha, utilizado em contextos mais formais, mas em

alguns países da América não se faz esse tipo de distinção.

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exemplos de frases ditadas pelos alunos e, a pedido da educadora, todos os aprendizes

registraram em seus cadernos oito frases diferentes como mínimo. As frases apontadas na

lousa foram lidas em voz alta pela professora e repetidas pelos alunos. Nesse momento, foi

realizada uma atividade fonética bastante dirigida pela professora sobre os fonemas: /g/ das

palavras agarrar e agua; /j/ de juego e gente; /z/ e /rr/ de zurra. Algumas palavras foram

trazidas pela professora, pois ainda não eram do conhecimento dos alunos, mas faziam

parte do repertório lexical que aparece na canção utilizada na brincadeira.

No caderno, a professora pediu aos alunos que anotassem e posteriormente

ilustrassem os objetos utilizados no jogo do Pelele: um lençol ou coberta fina (mantel) e

boneco de pano (pelele). Foi realizada uma breve discussão sobre o tipo de material

utilizado nas brincadeiras tradicionais no Brasil. A pedra usada na Amarelinha, os

saquinhos de areia das Três Marias, um trapo de pano escuro para a Cabra Cega. Ficou

acordado coletivamente que as atividades tradicionais brasileiras e o Pelele, de forma geral,

não demandavam grande investimento no que concerne aos materiais utilizados. Ao

contrário, utilizavam artefatos que poderiam ser retirados da natureza ou confeccionados

manualmente, até mesmo de maneira rústica, e cumpriam satisfatoriamente a função que

desempenham. Discutiu-se, nesse momento, a valorização das atividades coletivas, que não

demandam investimentos financeiros, em contraponto com os jogos comercializados como

os de tabuleiros citados na primeira e segunda aulas do projeto. Também se conversou

sobre os jogos eletrônicos que, atualmente, estão muito presentes na rotina das crianças.

Alguns alunos chegaram inclusive a citar que o Pelele, no ambiente escolar, iria oferecer

uma oportunidade de participar de uma atividade coletiva por primeira vez em semanas.

A professora propôs aos alunos a elaboração de um texto conclusivo sobre o

assunto discutido nessa aula. Eles fizeram um ditado utilizando palavras em espanhol e em

português e a professora efetuou a digitação que simultaneamente aparecia no telão. Para

finalizar as atividades, a docente disse que o texto elaborado nesse último momento da aula

seria impresso para que todos pudessem colá-lo nos cadernos. Como lição de casa, a

docente reforçou o pedido da ilustração dos objetos utilizados na brincadeira do Pelele.

Aula 9 – dia 8 de abril de 2014.

Após as saudações iniciais, a professora entregou o texto elaborado na aula anterior

e pediu aos alunos que compartilhassem as ilustrações realizadas em casa com os demais

companheiros de sala. A seguir, retomou coletivamente as frases elaboradas com os

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comandos do jogo. Dessa vez não houve sorteio, foi possível escutar as frases ditas por

todos os alunos do 3º ano, tanto do período da manhã quanto os da tarde.

A proposta dessa aula era conhecer uma releitura da brincadeira do Pelele nos dias

atuais. Para tanto, a professora retomou com os alunos a representação da atividade a partir

da história de Don Quijote e do retrato pintado por Goya. Os alunos foram listando as

características do jogo e seus simbolismos. As informações dadas foram apontadas na

lousa pela docente: o pelele representa um homem abobado, frágil com expressões faciais

sem vida; o jogo é realizado em lugares afastados, isolados da sociedade; é uma atividade

exclusiva das mulheres; para brincar, utiliza-se o boneco e um lençol e as pessoas cantam a

música do pelele.

Com as informações escritas na lousa e validadas pelos alunos e pela professora, a

atividade seguinte foi realizada a partir de um vídeo autêntico de um noticiário do canal

espanhol TeleMadrid43

, exibido em 2007.

O vídeo inicia-se com uma apresentadora contando que a tradição de mantear el

pelele havia sido resgatada por uma pequena população espanhola (pueblo) localizada

perto de Madri e que, todos os anos, os cidadãos eram convidados a se reunirem na praça

central da cidade para se divertirem e, dessa forma, manterem uma tradição que fazia parte

do patrimônio cultural do país.

Os alunos assistiram ao vídeo com muito entusiasmo. A releitura da brincadeira

mantida atualmente apresentava pontos muito divergentes dos que foram elencados na

lousa e observados ao longo de todo o projeto. Ao finalizar o vídeo, que dura

aproximadamente dois minutos, os alunos começaram a citar as semelhanças e diferenças

entre o jogo original retratado na história criada por Cervantes e na pintura de Goya e no

vídeo que revelava a brincadeira na atualidade.

Houve um tumulto inicial, tanto no período da manhã quanto no da tarde, em

função do entusiasmo de ver as pessoas em movimento já que até esse momento, o projeto

tinha apresentado apenas materiais fotográficos, tudo muito estático. O vídeo também

apresentava muita animação com bandas de música que tocavam enquanto as pessoas

executavam o manteo de numerosos peleles. Após alguns combinados, a professora

conseguiu ordenar as falas para que os alunos se posicionassem com relação ao que tinham

43

O vídeo exibido originalmente no telejornal madrilenho foi baixado pela docente e arquivado como

material de uso do projeto. Não está mais disponível na internet. No entanto, pode-se encontrar na rede, uma

variedade interessante de vídeos e fotos que podem ser bastante adequados para a realização da atividade

proposta nessa sequência.

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visto no vídeo. Na lousa, foi feita uma nova lista das características da releitura do jogo

observado no telão da sala e os alunos prontamente revelaram que havia muitas

divergências e semelhanças em comparação com a brincadeira original retratada por Goya

e Cervantes.

A professora pediu aos alunos que lessem silenciosamente todas as características

listadas na lousa e que validassem o que havia de semelhanças e divergências entre o jogo

original e a releitura atual. Os aprendizes começaram a oralizar suas impressões e logo se

chegou ao entendimento de que a releitura da brincadeira refletia a sociedade atual, que

lidava com as conquistas da mulher do século XXI. Foi observado pelos alunos que

atualmente as mulheres não precisavam mais esconder-se da sociedade, já que no vídeo a

brincadeira acontecia na praça central do povoado e que as expressões faciais do boneco

não apresentavam as mesmas características pintadas por Goya. Os aprendizes também se

atentaram para a presença de muitos homens e crianças participando do jogo e a animação

da música acompanhada por uma banda de instrumentos de sopro. Três particularidades

foram listadas por eles como elementos diferenciais da releitura do jogo na atualidade: o

uso de frutas manteadas junto com os bonecos, a queima dos peleles ao final dos festejos e

a ocorrência da brincadeira como uma atividade carnavalesca.

Os alunos registraram as características do jogo original e da releitura em seus

cadernos e foi pedido, como lição de casa, um curto texto de apreciação do vídeo assistido

em sala de aula. Para tanto, os aprendizes deveriam tentar fazer uso de palavras em

espanhol, se necessário deveriam utilizar o dicionário e registros contidos no próprio

caderno.

Aula 10 – dia 10 de abril de 2014.

Logo após as saudações iniciais, a docente sorteou alguns alunos para a leitura da

apreciação do vídeo elaborada como lição de casa.

Alguns poucos aprendizes ainda trouxeram versões da obra Don Quijote e quiseram

fazer comentário para seus companheiros. A professora dedicou uma parte da aula para as

explanações e elogiou a postura e curiosidade dos estudantes com relação à obra de

Cervantes.

A docente anunciou que essa seria a antepenúltima aula do projeto, desde que os

alunos fossem capazes de praticar adequadamente a canção do jogo que seria aprendida

nessa aula. Para tanto, os aprendizes teriam que copiar a canção no caderno e assim

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praticar a escrita das palavras em espanhol. Depois, seria realizado um exercício fonético

para a perfeita pronúncia da letra da canção e, por fim, repetiriam a música numerosas

vezes para poderem memorizá-la e cantá-la de forma satisfatória para a brincadeira que se

realizaria na aula posterior.

Foi pedido aos alunos que elaborassem oralmente uma hipótese sobre o teor da letra

da canção a partir de toda a simbologia que havia sido vista no projeto. Os alunos abriram

seus cadernos e observaram com atenção as anotações feitas sobre o quadro de Goya, os

relatos de Don Quijote e os textos conclusivos das discussões que ocorreram durante o

processo. Dessa vez, em pequenos grupos, expuseram suas opiniões e assim foram ditadas

para a professora algumas hipóteses do que imaginavam encontrar na canção. Foi unânime

a decisão dos pequenos grupos de citar o suposto teor depreciativo que a canção deveria

apresentar em função do movimento jocoso efetuado com o boneco Pelele.

Foi a partir dos comentários dos alunos que a professora apresentou a canção do

Pelele aos aprendizes. A docente fez uma demonstração em Power Point da letra mais

comum cantada em cidades espanholas e esclareceu que na escola seriam estudadas apenas

duas estrofes da canção para a brincadeira que aconteceria na aula seguinte.

Os alunos copiaram em seus cadernos as duas estrofes e a professora chamou a

atenção para a ortografia das palavras em espanhol e a especificidade da pontuação da

língua castelhana no que concerne às frases interrogativas. Os aprendizes registraram em

seus cadernos: “El pelele está malo, ¿qué le daremos? El pelele está malo, ¿qué le

daremos? Una zurra de palos que le matemos. Una zurra de palos que le matemos. / El

pelele está malo, ¿qué le daremos? El pelele está malo, ¿qué le daremos? Agua de

caracoles que se pondrá bueno. Agua de caracoles que se pondrá bueno”.

A professora fez a leitura coletiva e logo após, atividades de repetição em pequenos

grupos para confirmar a pronúncia adequada da letra da canção. Os aprendizes

naturalmente se apropriaram do conteúdo linguístico e fonético e foi assim que a docente

finalizou a atividade com a canção exibindo um vídeo de crianças cantando. A aula foi

terminada com exercícios de repetição e, como lição de casa, ficou acordado que os alunos

deveriam chegar na aula seguinte com a letra da música e melodia memorizadas.

Rapidamente foi feito um levantamento de quem poderia trazer os materiais necessários

para a prática do jogo e prontamente resolveram a questão entre os próprios alunos, sem

grandes interferências da professora.

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Aula 11 – dia 15 de abril de 2014.

A aula iniciou-se com a chegada da professora em sala e os alunos prontamente

cantando a música do Pelele. Os alunos estavam muito motivados porque o grande dia

finalmente havia chegado. Antes de irem para o pátio, a docente teve uma conversa com os

aprendizes sobre a postura fora da sala de aula e o respeito que deveriam manter dentro do

ambiente escolar. Ela julgou necessário abordar com os alunos a importância do respeito

do espaço do pátio da escola que no momento do jogo seria compartilhado com outros

agrupamentos, principalmente de alunos menores. Foi citado também que a ida ao pátio

não consistia em saídas para o banheiro ou bebedouro e muito menos para o uso de

brinquedos que faziam parte parquinho da escola.

Os alunos deveriam estar conscientes de que a ida ao pátio para a execução da

brincadeira era uma extensão da sala de aula, pois assim dariam continuidade às atividades

previstas no projeto. A partir do momento em que todos se mostraram de comum acordo, a

docente recolheu os materiais trazidos pelos alunos e aproveitou a oportunidade para

repassar as regras do jogo / instruções com o uso de verbos no Imperativo e os nomes dos

materiais. Alguns bonecos trazidos pelos alunos não puderam ser utilizados pela

inadequação do material. Foi necessário reforçar a importância da confecção do boneco

apenas com tecido e enchimento, sem peças em borrachas, com o objetivo de salvaguardar

a tradição do jogo, mas também para a preservação física dos alunos. As crianças

compreenderam que os bonecos que possuíam partes duras com peças de borracha não

deveriam fazer parte da atividade com o risco de cair sobre a cabeça de alguém e causar

algum tipo de dano físico.

Resolvidas as questões de posturas no pátio e adequação de material, os alunos

ordenadamente se dirigiram espaço combinado. No agrupamento da manhã, gastou-se um

pouco mais de tempo na definição dos grupos e consequentemente, no início da brincadeira.

A partir das experiências vivenciadas com o grupo matutino, a professora no período da

tarde, antes de levar os alunos ao pátio, fez uma prévia divisão dos grupos de acordo com

os lençóis disponíveis e a brincadeira iniciou-se de forma mais rápida, sistemática e

metódica.

As crianças começaram os movimentos de manteo ao som da canção do Pelele

muito bem executada. A princípio, levaram alguns minutos para acertar o ritmo da música

e principalmente a sincronia dos movimentos do manteo, mas logo tudo foi resolvido. O

resultado foi satisfatório para ambas as partes. Os alunos se mostraram visivelmente felizes

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na execução da brincadeira e a professora pôde perceber que o objetivo da atividade foi

atingido com sucesso, tanto linguístico quanto cultural.

O manteo dos bonecos aconteceu por aproximadamente 25 minutos e depois a

professora encerrou a atividade reunindo todo o grupo envolta de um único lençol. Desse

modo, foi finalizada a atividade no pátio e os estudantes foram conduzidos até a sala de

aula na companhia da professora de espanhol.

Os alunos se mostravam extremamente satisfeitos com os resultados alcançados e

perguntavam quando a atividade seria repetida. A professora parabenizou os alunos pelo

exemplar comportamento no pátio da escola e a bem-sucedida execução da brincadeira e

avisou que o objetivo da aula seguinte seria realizar uma avaliação e autoavaliação dos

alunos e do projeto.

Figura 3 – Alunos do 3º ano da manhã executando a brincadeira do Pelele no pátio da

escola. Foto tirada pela professora Elaine Gomes Viacek Oliani no dia 15 de abril de 2014.

(Acervo pessoal da professora)

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Figura 4 – Alunos do 3º ano da manhã executando a brincadeira do Pelele no pátio da

escola. Foto tirada pela professora Elaine Gomes Viacek Oliani no dia 15 de abril de 2014.

(Acervo pessoal da professora)

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Figura 5 – Alunos do 3º ano da manhã executando a brincadeira do Pelele no pátio da

escola. Foto tirada pela professora Elaine Gomes Viacek Oliani no dia 15 de abril de 2014.

(Acervo pessoal da professora)

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Figura 6 – Alunos do 3º ano da tarde executando a brincadeira do Pelele no pátio da escola.

Foto tirada pela professora Elaine Gomes Viacek Oliani no dia 15 de abril de 2014.

(Acervo pessoal da professora)

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Figura 7 – Alunos do 3º ano da tarde executando a brincadeira do Pelele no pátio da escola.

Foto tirada pela professora Elaine Gomes Viacek Oliani no dia 15 de abril de 2014.

(Acervo pessoal da professora)

Aula 12 – dia 17 de abril de 2014.

Quando a professora chegou na sala os alunos já estavam cantando a música do

Pelele, tanto no grupo da manhã quanto no da tarde. A opinião dos estudantes foi unânime

com relação ao sucesso alcançado nesse projeto. Mostravam-se muito entusiasmados e

diziam que tinha sido o projeto mais divertido até o momento nas aulas de língua

espanhola que estudavam desde o 1º ano.

Nesse momento, a professora começou a falar sobre a avaliação do projeto.

Perguntou aos alunos o que eles achavam que deveria ser diferente, o que deveria ser

mantido e as demais impressões que tinham da sequência das atividades.

Muitos alunos quiseram expressar-se e por isso foi necessário estabelecer acordos

para que as participações fossem ordenadas e consequentemente proveitosas.

De acordo com as crianças, o projeto estava muito adequado para a idade deles

porque envolvia uma atividade lúdica. Nas palavras dos alunos, aprender brincando foi o

melhor desse projeto. Uma crítica deles foi a espera da realização da brincadeira apenas na

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décima primeira aula. Essa observação foi percebida pela professora porque ao longo do

projeto a pergunta era insistente: “quando vamos brincar?”.

A docente levou a questão ao grupo para que eles pudessem se manifestar com

relação ao tempo do trabalho e realização do jogo. Os próprios alunos concluíram que a

sequência de tarefas era necessária para uma eficiente execução da brincadeira e que, para

tanto, não conseguiam visualizar uma sequência mais enxuta, pois era necessário todo o

estudo proposto para um real conhecimento da atividade.

Uma sugestão dos alunos foi a mudança da atividade com relação à canção. Alguns

estudantes manifestaram o interesse de ampliação da música e justificaram que a eleição de

apenas duas estrofes não satisfazia a curiosidade deles. A professora disse que iria repensar

essa atividade para a realização do projeto com o grupo do ano seguinte.

A docente orientou os alunos a responderem um questionário com a autoavaliação

do projeto. Foi entregue uma ficha que continha perguntas em espanhol como: você

consegue ter a consciência de que aprendeu novas palavras em espanhol a partir do estudo

desse projeto? É capaz de relatar a brincadeira do pelele e identificá-la como uma atividade

popular que faz parte do patrimônio cultural da Espanha? Sabe cantar de memória a canção

do pelele e compreender a letra da música? É capaz de identificar semelhanças e diferenças

do jogo original e dos festejos realizados atualmente como o Manteo del pelele em Pozuelo

- Madri? Sabe relatar com suas palavras algumas passagens da célebre obra de Don Quijote

de la Mancha? Consegue descrever algumas relevantes passagens da vida de Miguel de

Cervantes? É capaz de identificar o quadro El Pelele de Francisco de Goya e descrevê-lo a

partir dos simbolismos da brincadeira? Consegue nomear os objetos utilizados no jogo?

Sabe utilizar verbos no Imperativo Afirmativo e formar frases que dão instruções da

brincadeira? Na sua opinião, um projeto que finaliza com uma brincadeira no pátio é

adequado para seu interesse com relação à língua espanhola?

Como lição de casa, os alunos deveriam elaborar uma “Caminho de aprendizagem”

do projeto. A professora instruiu os alunos a abrirem seus cadernos desde o início do

projeto e descreverem o que aprenderam com as atividades que realizaram e o que

conseguiram alcançar com relação ao objetivo da atividade. Foi pedido aos alunos que

escrevessem também reflexões pessoais que expressassem suas maiores dificuldades, os

momentos de entretenimento, suas descobertas com relação às obras artísticas e literárias,

suas pesquisas individuais realizadas em casa e uma apreciação do projeto de forma geral.

A docente avisou que essa lição seria socializada entre os companheiros na aula posterior.

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RELATO DE ESTUDO DE CASO DA BRINCADEIRA DE ROMPER A PIÑATA

Aula 1 – dia 2 de abril de 2015.

A professora saudou os alunos e perguntou sobre o que eles se lembravam do

projeto da brincadeira do Pelele realizada no ano anterior. Os estudantes prontamente se

manifestaram sobre as conquistas alcançadas no projeto e demonstraram muita animação

com relação ao assunto. Desde o início das aulas em janeiro, os alunos questionavam a

professora se esse ano haveria um projeto semelhante ao que foi realizado em 2014. Foi

então que a docente propôs o novo projeto que seria estudar a língua espanhola a partir de

uma brincadeira de um determinado país. Os alunos começaram a questioná-la sobre qual

país seria e rapidamente descartaram a Espanha em função do projeto do ano anterior.

Ancorados no projeto realizado com o Pelele, os estudantes mostraram-se muito

interessados e afirmaram que projetos dessa extensão eram excelentes estratégias de ensino

e aprendizagem da língua espanhola. A professora então fez uma apresentação do projeto

da Piñata e alguns alunos disseram que já tinham alguma noção sobre o assunto porque

estavam acostumados a vê-las em festas de aniversário. A docente explicitou a amplitude

dos estudos com relação a todos os recursos que seriam utilizados até a finalização das

atividades. A partir de uma apresentação em Power Point, os alunos tiveram a percepção

de que, para alcançar os objetivos propostos, passariam por atividades que envolveriam a

literatura, as artes plásticas, a língua e a linguagem antes da efetiva realização da

brincadeira, assim como foi realizado com a brincadeira do Pelele.

Para os alunos, a maior surpresa foi constatar que a finalização dos estudos seria a

execução da brincadeira no pátio da escola com um diferencial do projeto anterior. A

Piñata que seria utilizada no término do trabalho seria confeccionada por eles mesmos, no

ateliê de artes da escola.

Os alunos prontamente compactuaram da ideia de aprender brincando com base no

que eles haviam vivenciado no ano anterior e se mostraram muito motivados desde os

primeiros momentos da apresentação do projeto. Esse comprometimento com o processo

de aprendizagem e a motivação para a prática com o estímulo da ludicidade fazem desse

projeto e do que foi realizado em 2014 uma proposta de ensino e aprendizagem a ser

aplicada em qualquer LE, numa perspectiva de estudo bem-sucedido.

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Depois da apresentação do projeto, a professora retomou a discussão da concepção

que os alunos tinham de “Jogos e brincadeiras”. No 4º ano da manhã não havia nenhum

aluno novo, portanto, todos haviam participado da discussão em 2014 no projeto do Pelele.

No agrupamento da tarde haviam duas alunas novas e a professora pediu aos alunos que

retomassem o assunto para que elas pudessem expor suas opiniões. Assim como no ano

anterior, os alunos citaram os jogos eletrônicos como um contraponto nas atividades

tradicionais realizadas na escola e a oportunidade de realizar um jogo coletivo no ambiente

escolar que nem sempre é possível no ambiente familiar. Alguns alunos citaram que as

brincadeiras realizadas em casa se diferenciavam muito das executadas na escola,

principalmente no que concerne às atividades que se apoiavam nas manifestações culturais

de países estrangeiros.

Como lição de casa, os alunos deveriam trazer informações sobre as atividades

individuais e coletivas das quais participavam, fossem elas no ambiente familiar, de lazer

(em clubes e associações, por exemplo) e também as realizadas na escola como nos

momentos de pátio.

Aula 2 – dia 7 de abril de 2015.

Os alunos começaram a aula prontamente motivados. Já sabiam que o projeto atual

se tratava de uma brincadeira assim como a do Pelele do ano anterior e a motivação estava

presente no ambiente escolar.

A professora retomou rapidamente a apresentação em Power Point utilizada na aula

anterior sobre o caminho de aprendizagem que eles iriam percorrer e pediu aos alunos que

se manifestassem com relação à lição de casa que era o relato de experiências com

brincadeiras individuais e coletivas em diferentes ambientes.

A educadora tentou ouvir o máximo de alunos possível e chegou-se à conclusão

que na maior parte do tempo as crianças brincavam sozinhas ou acompanhadas de uma ou

no máximo duas crianças. Os aprendizes manifestaram o desejo de participar de mais

atividades que envolvessem a coletividade e declararam que a experiência vivenciada no

ano anterior com a proposta de uma atividade coletiva tinha propiciado um espaço precioso

de reflexão sobre as estratégias necessárias para participar de atividades nas quais a

tolerância e o respeito ao próximo se fazem imprescindíveis para se alcançar o objetivo

proposto, mas principalmente para o crescimento pessoal.

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A partir da discussão, a professora distribuiu tabelas que seriam preenchidas

coletivamente com o Acordo Didático do Trabalho. Os alunos já estavam bastante

habituados a essa prática que faz parte da metodologia da escola que é socioconstrutivista e

trabalha com a pedagogia de projetos.

Na tabela, foi preenchido coletivamente o objetivo do trabalho que consistia em

ampliar os conhecimentos da língua espanhola e consequentemente o repertório cultural a

partir do estudo da brincadeira tradicional da Piñata. A seguir, os alunos completaram a

tabela com dados sobre o período de realização do projeto e o modo de estudo que se

baseava na observação e análise de obras artísticas, na leitura de fragmentos de obras

literárias e em todo o projeto de aprendizagem da língua espanhola com a abordagem das

quatro habilidades fundamentais de aquisição de um idioma: a escuta, a fala, a leitura e a

escrita. A professora chamou a atenção dos alunos para a especificidade desse projeto que

era a confecção do artefato no ateliê da escola, com a cooperação do professor de artes

plásticas. A confecção de algumas piñatas aconteceriam nos próximos 15 dias, em comum

acordo como professor de artes que no momento estava finalizando projetos de sua área

com os alunos.

A tabela seguinte se apoiava no projeto de ações que seriam necessárias para

alcançar o objetivo de realizar a atividade no pátio, com os procedimentos e as datas das

tarefas.

As tabelas preenchidas em sala foram coladas no caderno de espanhol e a

professora reforçou com os alunos a importância de consultá-las sempre que necessário ao

longo de todo o processo de aprendizagem. É de extrema importância para alcançar os

objetivos esperados em um trabalho com LE, foco desse estudo, manter o rigor na pesquisa

e prazos pensados previamente pelo educador e compartilhado com os aprendizes, a partir

de uma relação ancorada no diálogo e no compromisso de ambas as partes do processo,

alunos e professora.

A educadora recordou a experiência do ano anterior levantando a reflexão de

quantas vezes os alunos sentiram a necessidade de rever as tabelas com as datas das

atividades a fim de manterem seus prazos e o rigor metodológico do projeto. Alguns

estudantes relataram sua prática dizendo que as tabelas foram uma estratégia norteadora de

suas conquistas pedagógicas e tais informações evitaram, em vários momentos, acessos de

ansiedade com relação à realização da brincadeira no pátio. Disseram que antes de

preguntar insistentemente à professora quando realizariam o jogo, pesquisavam suas

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tabelas para visualizar todas as propostas e datas e, dessa forma, mantiveram as

expectativas sob controle.

Como lição de casa, a professora pediu aos alunos que tentassem definir com suas

próprias palavras e utilizando o vocabulário que possuíam na língua espanhola, a

concepção que tinham da piñata, a partir de suas experiências pessoais em festas de

aniversário. Os alunos que afirmaram não saber nada sobre o assunto foram instruídos a

questionarem os familiares, amigos e conhecidos.

Aula 3 – dia 9 de abril de 2015.

A professora, depois de saudar os alunos, iniciou as atividades sorteando nomes

para que algumas crianças lessem o que foi pedido como lição de casa sobre a concepção

que tinham da piñata. Ela foi registrando em um grande papel e na língua espanhola o que

os alunos ditaram sobre suas reflexões, suas experiências e representações trazidas do

ambiente familiar. A docente reforçou a importância e a valorização dos registros artísticos

dos jogos e brincadeiras tradicionais como na literatura e nas artes plásticas como uma

eficaz ferramenta de manutenção da memória dessas atividades culturais.

Os registros feitos no grande papel foram expostos no mural e posteriormente

transformados em um curto texto, digitado pela professora em língua espanhola. A docente

sugeriu aos alunos que trouxessem imagens de piñatas (impressas ou desenhadas) para

comporem um mural compartilhado. Os alunos trouxeram para a sala de aula a descoberta

da variação de formas que as piñatas poderiam apresentar e, portanto, eles mesmos se

organizaram para trazer as imagens e assim visualizar a diversidade de formas e a riqueza

de cores que elas expressavam.

Dando sequência às atividades, a professora fez a apresentação da obra Piñatas da

escritora e ilustradora argentina Isol. Os alunos questionaram a professora dizendo que a

piñata, pelo que eles dominavam do assunto, era mexicana e não argentina. A docente

validou a informação trazida por eles e disse que a obra de Isol era muito interessante, um

exemplar de uma narrativa fantástica que mereceria a leitura, ainda que não fosse mexicana.

Isso posto, a obra foi projetada no telão da sala e alguns exemplares do livro distribuídos

em pequenos grupos para que todos pudessem acompanhar a leitura que durou

aproximadamente 25 minutos. Tratava-se de uma obra de leitura rápida que não oferecia

grandes dificuldades de compreensão por parte dos aprendizes, mas muito interessante com

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relação ao tema. A professora fez alguns questionamentos para verificar a compreensão e

interpretação da história.

Para finalizar a aula, foi pedido aos alunos, como lição de casa, uma apreciação da

história e uma ilustração da piñata / personagem do livro de Isol que seria compartilhada

entre os companheiros na aula posterior.

Aula 4 – dia 14 de abril de 2015.

A aula foi iniciada com as imagens e ilustrações de piñatas trazidas pelos alunos

para a composição do mural de sala e depois foi feita a socialização das apreciações feitas

sobre história do livro de Isol. Alguns alunos foram sorteados para lerem suas apreciações

sobre a obra da escritora e ilustradora argentina.

Na sequência, a professora entregou um texto aos alunos que tratava da suposta

origem da piñata e sua simbologia. A docente dividiu a sala em pequenos grupos e pediu

leituras diferentes para cada agrupamento com a finalidade de acelerar o processo. Os

grupos que ficaram com o texto sobre a origem do artefato deveriam elaborar uma linha do

tempo em um grande papel disponibilizado para eles. Os grupos que ficaram com a

representação dos símbolos da piñata também receberam um papel para que pudessem

elaborar uma tabela que na qual listassem as cores e seus significados. A professora

acompanhou o trabalho dos grupos e não teve que fazer grandes interferências nas

produções dos estudantes.

Finalizadas as tarefas dentro dos pequenos grupos, a docente pediu que um

representante de cada agrupamento expusesse a atividade realizada nos grandes papeis para

os demais companheiros de sala. A professora deu suporte aos alunos no uso da língua

espanhola e na complementação de ideias que julgou serem necessárias. Ela reforçou a

concepção de que não há uma origem confirmada da criação da piñata, mas que, de acordo

com registros encontrados, os primeiros relatos da aparição da peça podem ser

identificados na obra que narra as aventuras do desbravador Marco Polo ainda no século

XIII.

De acordo com o texto lido por alguns grupos, a piñata viajou da China até a

Europa onde incorporou representações religiosas, mas especificamente da doutrina

católica, e foi com toda essa bagagem simbólica que ela se afirmou no México, trazida

pelos representantes da igreja na época da colonização espanhola.

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A partir desse momento, os outros grupos se dirigiram à lousa para exporem suas

tabelas com o propósito de explicar a simbologia das cores e representações da religião

católica na piñata tradicional retratada no mural compartilhado. Os alunos, de forma geral,

expressaram surpresa ao tomar conhecimento de que as cores utilizadas na feitura da

piñata tradicional não eram escolhidas aleatoriamente. De acordo com o legado religioso

fortemente representado na peça, as cores chamativas representam a tentação, os sete cones

que decoram o artefato presumem os sete pecados capitais. Os olhos vendados no

momento da brincadeira indicam a fé e o bastão para romper a piñata a fortaleza da crença

com relação às tentações vividas pelos homens. Os doces e frutas sempre dispostos em

altura superior com relação a quem rompe a piñata simbolizam os dons, as dádivas e os

presente celestiais que caem do céu. A professora nesse momento posicionou-se ao lado do

representante do grupo que ficou encarregado da leitura dessa parte do texto e dessa vez

fez interferências mais consistentes, já que esse conteúdo oferecia mais dificuldades na

leitura e compreensão do assunto.

Os alunos copiaram no caderno de espanhol a trajetória da viagem da piñata desde

a China até o México e a tabela com os simbolismos da estrutura da peça tradicional.

Como lição de casa, a professora pediu aos alunos que procurassem mais informações

sobre o desbravador Marco Polo. Alguns alunos manifestaram já conhecer os relatos de

viagem registrados no livro As viagens de Marco Polo, lançado no século XIII.

Aula 5 – dia 16 de abril de 2015.

A professora saudou os alunos e sorteou alguns nomes de estudantes para lerem a

pesquisa realizada em casa sobre as viagens de Marco Polo. Tanto no grupo da manhã

quanto no da tarde, alguns alunos trouxeram livros de diferentes editoras e anos de

publicação sobre as aventuras do italiano Marco Polo. Terminadas as explanações, a

educadora apresentou o novo tópico a ser tratado sobre a representação da brincadeira: um

mural (ANEXO 3) elaborado pelo artista mexicano Diego María de la Concepción Juan

Nepomuceno Estanislao de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez, comumente

conhecido como Diego Rivera.

A atividade proposta nessa aula iniciou-se pela observação da obra intitulada La

Piñata de 1953 projetada no telão da sala de aula. Os alunos tiveram a oportunidade de

observar detalhes do mural que mede 3,50 X 2,20 metros. A professora pediu aos

estudantes que, em pequenos grupos, elaborassem hipóteses sobre o lugar onde o mural

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pudesse estar exposto. De forma coletiva os alunos foram contando suas suposições e

ficaram muito surpresos ao ouvir da educadora que a obra se encontra em um hospital

infantil na cidade do México – DF.

A seguir, a professora entregou uma ficha contendo a obra e uma curta biografia do

pintor que tinha uma vida bastante polêmica ao lado de sua esposa e também renomada

artista plástica, a mexicana Frida Khalo.

Coletivamente os alunos fizeram a descrição do mural de forma oralizada,

buscando utilizar o léxico das formas e cores em espanhol que já faziam parte de seu

repertório e a professora fez os registros na lousa, registro este posteriormente copiado por

eles no caderno da disciplina. Os próprios alunos manifestaram interesse na vida de Diego

Rivera a partir do texto curto que continha a biografia do artista. Eles se sensibilizaram

com relação ao posicionamento ideológico de Diego como figura pública e líder político

artístico, que foi membro ativo do partido comunista entre os anos de 1923 a 1930.

A partir da observação do mural a professora levantou algumas questões que

os alunos deveriam observar e responder oralmente: o que foi retratado nesse mural? Quem

está participando da cena? Como são as roupas das pessoas? Quais são as cores utilizadas

na obra? Que emoção essa representação lhe causa? O questionamento foi realizado

integralmente em espanhol. Os alunos tentaram responder às perguntas, fazendo usando do

repertório lexical que possuíam.

A professora começou a ouvir as respostas e registrou na lousa em espanhol para

que os alunos pudessem posteriormente completar a atividade no caderno. A partir dos

comentários feitos pelos estudantes e algumas interferências da educadora, os alunos

conseguiram alcançar um nível interessante de discussão e concluir que é uma celebração

que faz parte da cultura mexicana essencialmente dos festejos familiares de aniversários.

Como lição de casa, os alunos deveriam escrever no caderno uma apreciação da

obra estudada, principalmente com relação às emoções que a imagem evocava neles. Os

curtos textos seriam compartilhados na aula seguinte.

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Figura 8 – Mural “La Piñata” pintado em 1953 pelo artista mexicano Diego Rivera. A obra

se encontra em um hospital infantil na cidade do México DF. Disponível em <

http://news.urban360.com.mx/110207/foto-de-la-semana-la-pinata-de-diego-rivera/>.

Acesso em 10 de maio de 2016.

Aula 6 – dia 21 de abril de 2015.

Após as saudações, a professora pediu aos alunos que abrissem seus cadernos na

lição de casa e foi feito um novo sorteio para a leitura das apreciações feitas sobre a obra

La Piñata de Diego Rivera. Foram escritas na lousa as palavras que expressavam os

sentimentos e sensações provocadas pela obra: alegria, felicidade, diversão, contentamento,

amizade. A educadora incentivou a participação oral dos alunos com o propósito de fazê-

los pensar na razão dessa obra estar exposta em um hospital infantil. Os alunos se

sensibilizaram com relação ao assunto e declararam que a obra cumpria funções diversas

no lugar onde se encontrava exposta, ou seja, além de ser decorativa também deveria trazer

aos pacientes e familiares mais alegrias para os momentos mais difíceis que enfrentavam

dentro do hospital.

Ao encerrar as discussões sobre a obra de Rivera, a professora deu andamento no

projeto e retomou os registros feitos na aula 4 do dia 9 de abril sobre a estrutura da peça, a

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utilização das cores, os formatos e os simbolismos. O objetivo dessa atividade era captar

que a peça confeccionada artesanalmente demandava bastante trabalho e que haviao

algumas particularidades que poderiam passar de maneira desapercebida pelas pessoas que

não estavam habituadas à cultura da preparação do artefato.

A professora disse que iria passar os primeiros minutos de um vídeo que

posteriormente seria assistido integralmente. O propósito dessa atividade era fazer com que

os alunos observassem que a confecção da piñata era uma atividade absolutamente

artesanal e que para elaborá-la era necessário fabricar caseiramente o engrudo, um tipo de

cola feita com farinha de trigo e vinagre.

O vídeo começou a ser exibido e os alunos demostraram surpresa no momento em

que o engrudo começou a ser passado na peça que futuramente se transformaria numa

piñata. A professora então levantou as seguintes questões em sala: por que se usava uma

cola feita com farinha de trigo? Por que não se usava uma cola comum como estávamos

acostumados a ver? Como se fabricava o engrudo?

A partir do questionamento da educadora, os alunos foram agrupados em pequenos

grupos e tentaram encontrar respostas tendo como base o vídeo e suas próprias suposições.

Depois de alguns minutos de especulações e posicionamentos dos grupos, chegou-se à

conclusão de que fabricar o engrudo caseiramente era uma maneira encontrada pelos

artesãos de diminuir os gastos, uma vez que se tratava de um material muito usado na peça.

Outro pertinente comentário de um grupo e validado pela professora foi feito sobre o tipo

de material usado como grude. As colas tradicionais possuem componentes plásticos que

poderiam, em algum momento, dificultar a quebra do artefato no momento em que fosse

golpeado. O engrudo fabricado caseiramente tinha como base a farinha de trigo que depois

de seco transformava-se em uma estrutura extremamente rígida, mas possível de ser

despedaçada e consequentemente esfarelada.

Após toda a discussão feita em torno do engrudo, a professora exibiu um novo

vídeo44

que explicava passo a passa o como fazê-lo em casa. Os alunos registraram as

informações no caderno e alguns manifestaram o interesse de fabricá-lo em casa para ver

como seria o resultado. Os alunos anotaram nos cadernos também o endereço eletrônico no

qual estava disponível o vídeo e assim eles poderiam visualizá-lo sempre que desejassem.

44

O vídeo intitulado Engrudo o pegamento casero encontra-se disponível em <

https://www.youtube.com/watch?v=__EfQdGojdE>. Acesso em 10 maio de 2016.

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Como lição de casa, a professora pediu aos alunos que anotassem algumas palavras

apresentadas nos dois vídeos assistidos na aula desse dia. Os estudantes deveriam acessar o

site do Diccionario de la Real Academia Española e registrar o significado das palavras no

caderno. Para eles, a atividade não oferecia grandes desafios visto que estavam habituados

a consultar o site desde as atividades propostas no projeto do Pelele no ano anterior.

As palavras que deveriam ser consultadas em casa eram: engrudo, pegamento,

pegar, papel de China, rafia, cartón, tijeras, globo. Esse vocabulário específico seria

essencial para o andamento do projeto porque são materiais imprescindíveis para a

confecção da piñata.

Aula 7 – dia 23 de abril de 2015.

Após as saudações, os alunos leram coletivamente a pesquisa feita como lição de

casa sobre a definição das palavras engrudo45

(massa geralmente feita com farinha de trigo

ou amido de milho cozido com água que serve para colar papeis ou outros materiais leves),

pegamento46

(substância própria para colar, unir uma coisa à outra), pegar47

(unir uma

coisa à outra com o uso de uma substância), papel de China48

(papel que se fabrica com a

parte interior da casca da rama do bambu, e com sua fibra comprida e muito resistente a

pesar de sua extrema finura), rafia49

(palmeira da África e América que dá uma fibra

muito resistente e flexível), cartón50

(matéria formada pela sobreposição de folhas de

massa de papel aderidas umas às outras com a umidade pela compressão e secadas

depois pela evaporação, com a qual se adquire certa dureza) , tijeras51

(instrumento

composto de duas folhas de aço, como lâminas de apenas um fio, e comumente com um

45

Tradução nossa: “Masa comúnmente hecha con harina o almidón que se cuece en agua, y sirve para

pegar papeles y otras cosas ligeras”. Disponível em < http://dle.rae.es/?id=FPWHwo8>. Acesso em 10

de maio de 2016. 46

Tradução nossa: “Sustancia propia para pegar (unir una cosa con otra)”. Disponível em <

http://dle.rae.es/?id=SKaeUGy>. Acesso em 10 de maio de 2016. 47

Tradução nossa: “Unir una cosa con otra mediante alguna sustancia”. Disponível em <

http://dle.rae.es/?id=SKdzxQw>. Acesso em 10 de maio de 2016. 48

Tradução nossa: “Papel que se fabrica con la parte interior de la corteza de la caña del bambú, y por su

fibra larga es muy consistente a pesar de su extremada delgadez”. Disponível em <

http://dle.rae.es/?id=RmThomy>. Acesso em 10 de maio de 2016. 49

Tradução nossa: “Palmera de África y América que da una fibra muy resistente y flexible”. Disponível

em < http://dle.rae.es/?id=V3xWTK6>. Acesso em 10 de maio de 2016. 50

Tradução nossa: “Materia formada por la superposición de hojas de pasta de papel adheridas unas a

otras con la humedad por compresión y secadas después por evaporación, con lo que adquiere cierta

dureza”. Disponível em < http://dle.rae.es/?id=7l5h752>. Acesso em 10 de maio de 2016. 51

Tradução nossa: “Instrumento compuesto de dos hojas de acero, a manera de cuchillas de un solo filo, y

por lo común con un ojo para meter los dedos al remate de cada mango, las cuales pueden girar alrededor de

un eje que las traba, para cortar, al cerrarlas, lo que se pone entre ellas”. Disponível em <

http://dle.rae.es/?id=ZjySqSp>. Acesso em 10 de maio de 2016.

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orifício para colocar os dedos no remate de cada haste, as quais podem girar ao redor de

um eixo que as trava, para cortar, ao fechá-las, o que se encontra entre elas) e globo52

(esfera - sólido de superfície curva cujos pontos equidistam do centro). Estas palavras eram

essenciais para a fabricação da piñata e a professora explicou que seriam muito utilizadas

na elaboração das peças nas aulas de artes plásticas.

Nessa etapa do projeto, o professor de artes já havia começado a montagem das

piñatas no ateliê da escola, junto com os alunos. Ficou definido que seriam fabricadas três

peças para o agrupamento da manhã e duas peças para os alunos da tarde. O planejamento

e confecção do artefato foi discutido pelos professores de artes e língua espanhola e desse

modo foi elaborado um cronograma com o propósito de obter as peças prontas para a aula

do dia 5 de maio para a execução da brincadeira no pátio. A construção das peças ficou a

cargo do professor de artes e foi ocasionalmente acompanhada pela professora de espanhol

que comentava em suas aulas que estava muito satisfeita com o trabalho paralelo realizado

pelos alunos no ateliê. A educadora incentivou os alunos a usarem palavras em espanhol

nas atividades propostas pelo professor de artes, já que o mesmo tinha um razoável

domínio do idioma.

Nessa aula os alunos começaram a utilizar a língua espanhola de forma mais

sistemática, pois tiveram que dedicar boa parte do tempo no uso de verbos conjugados no

Presente do Indicativo. A partir da exibição do vídeo “Hacer una piñata en 8 pasos”, os

alunos foram anotando em seus cadernos como confeccionar a peça que logo seria

utilizada no pátio. O vídeo foi visto 3 vezes com objetivos diferentes.

A primeira exibição foi apenas para que eles pudessem ter um primeiro contato

com o sotaque mexicano que ocasionalmente aparece nas atividades realizadas em sala de

aula. A professora fez alguns cortes apenas para que eles tivessem uma ideia geral do que

estavam estudando. No vídeo, podia-se ver uma mexicana confeccionando a piñata na

cozinha de sua casa, para uma típica celebração de aniversário. Os 8 passos da elaboração

da peça relatavam o trabalho desde o enchimento da bexiga que dá uma forma esférica à

piñata até a decoração com papeis coloridos e preenchimento com os doces.

Um comentário muito pertinente que surgiu nos dois agrupamentos foi a expressão

de espanto dos estudantes, quando perceberam que era absolutamente laboriosa a tarefa de

confeccionar e principalmente decorar a peça e o tempo que se levava para concluí-la.

52

Tradução nossa: “esfera (‖ sólido de superficie curva cuyos puntos equidistan del centro) ”. Disponível em

< http://dle.rae.es/?id=JFGiwoz>. Acesso em 10 de maio de 2016.

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Muitos alunos se mostraram consternados ao imaginar que o objetivo da brincadeira era

romper um artefato ao qual eles estavam dedicando muito tempo e atenção. Algumas

crianças chegaram inclusive a sugerir para a professora uma mudança no projeto porque

não queriam ver as peças desfeitas. A partir dos comentários dos alunos, a educadora

aproveitou a oportunidade para falar das tradições culturais de cada país e tentou fazer

comparações para que os alunos pudessem compreender e respeitar os costumes de outros

povos. Ela citou, por exemplo, o empenho de muitas mães, tias e avós que dedicavam

horas na preparação de docinhos e outros quitutes para as comemorações caseiras de

aniversários e demais reuniões familiares, como os encontros que acontecem nos finais de

semana. Nesse momento, vários alunos expuseram suas experiências pessoais, recordando

celebrações familiares e outros acontecimentos de semelhante teor. Vale ressaltar que tais

atividades culturais não são exclusivas das mulheres. Muitos pais e demais membros da

família participam da preparação dos festejos habitualmente realizados nas famílias

brasileiras, mas a educadora deu o exemplo para evocar a memória afetiva das crianças que

têm, em geral, entre 8 e 10 anos de idade.

A segunda exibição do vídeo propôs uma atividade mais relacionada com a língua.

Os alunos, durante a projeção, foram anotando no caderno os 8 passos narrados pela

mexicana, para a confecção da piñata. Eles utilizaram verbos no Presente do Indicativo

que era um tema gramatical que já dominavam. No final da exibição, a professora apenas

revisou algumas conjugações de verbos irregulares que ofereceram mais dificuldade.

Para a construção das frases, os alunos foram instruídos a utilizarem a 3ª pessoa do

singular – ella, visto que se tratava de uma mexicana narrando as ações. As frases foram

elaboradas em espanhol e a professora registrou tudo na lousa.

Os alunos foram capazes de anotar nos cadernos a partir da exibição do vídeo53

:

Passo 1 - a garota faz o grude e o deixa esfriando para que o balão não exploda.

Passo 2 – a mexicana põe a mistura / o grude e o jornal e assim cobre o balão. Ela

utiliza de 6 a 8 camadas e deixa secando a noite toda.

Passo 3 – a menina faz os cones para a piñata com cartolinas.

53

Tradução nossa: “Paso 1 – la chica hace el engrudo y lo deja que se enfríe para que el globo no se rompa.

Paso 2 – la mexicana pone la mezcla / el engrudo y los periódicos y así cubre el globo. Ella utiliza de 6 a 8

camas y deja que se seque toda la noche. Paso 3 – la muchacha hace los conos para la piñata con papel

cartoncillo. Paso 4 – ella pone la pestaña en los conos para después ponerlos en la piñata. Paso 5 – la chica

decora los picos con papel chino y las tiritas de colores. Paso 6 – la muchacha prende la rafia en la piñata

para que se pueda colgarla. Paso 7 – ella corta los papeles chino de varios colores para hacer las flores y las

aplica en la piñata. Paso 8 – finalmente, ella llena la piñata con dulces y frutas típicas”.

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Passo 4 – ela põe pestanas nos cones para depois prendê-los na piñata.

Passo 5 – a menina decora os cones com papel de seda e fitinhas coloridas.

Passo 6 – a garota prende a ráfia na piñata para que depois possa pendurá-la.

Passo 7 – ela corta os papeis de seda de várias cores para fazer as flores e aplicá-las

na piñata.

Passo 8 – finalmente, ela enche a piñata com doces e frutas típicas.

Os alunos ditaram essas frases para a professora para que ela fizesse a validação e

eles relataram que durante a exibição do vídeo tiveram que consultar os registros antigos

para rever o vocabulário já estudado.

Como lição de casa, a professora pediu aos alunos que reelaborassem as frases

anteriores com a troca da pessoa de ella para yo, ou seja, eles deveriam reescrevê-las

mudando de 3ª para a 1ª pessoa do singular, como se eles fossem os sujeitos da ação.

Aula 8 – dia 28 de abril de 2015.

A professora iniciou a aula saudando os estudantes e sorteando alguns nomes para

que lessem as frases elaboradas em casa em 1ª pessoa do singular. Os alunos não

apresentaram dificuldades para a execução da lição, mas alguns não souberam utilizar

adequadamente dois verbos irregulares: hacer e poner. Isso posto, a educadora pediu aos

estudantes que tinham conseguido fazer a lição sem dificuldades para conjugarem os dois

verbos na lousa. Depois de validá-los, ela pediu que todos copiassem os dois verbos no

caderno e que cada aluno, individualmente, escrevesse três frases pessoais, ou seja, frases

que não tivessem relação com o assunto da piñata e sim, com as atividades diárias deles.

Foram sorteados novos nomes para que lessem suas frases e todas foram validadas.

A professora aproveitou algumas frases, registrou-as na lousa e pediu aos alunos

que fizessem leituras em voz alta. Serviu-se dos exemplos escritos para realizar uma

atividade fonética bastante dirigida sobre alguns fonemas: /j/ de juego, gimnasio e general;

/t/ das palavras tirar e tino; /r/ da palavra romper e /rr/ de cerrito. Algumas palavras foram

trazidas pela professora, pois ainda não eram do conhecimento dos alunos, mas fazem

parte do repertório lexical que aparece na canção utilizada na brincadeira.

Foi anunciado aos alunos que essa aula seria dedicada ao treino da canção a ser

utilizada na execução da brincadeira. A professora entregou uma ficha com a letra e pediu

aos estudantes que lessem individualmente e silenciosamente. Depois de alguns minutos, a

professora fez algumas perguntas sobre o tema da canção e as palavras desconhecidas. Não

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demonstraram dificuldades na leitura da canção e poucos alunos pediram para procurar

palavras no dicionário como: cacahuates54

(pessoa ou coisa insignificante ou de pouco

valor), canasta55

(cesto de vime, de boca larga, que costuma ter duas alças), botella56

(recipiente de cristal, vidro, plástico ou outro metal, com uma boca estreita que serve para

conter líquidos) e tejocotes57

(planta rosácea que dá um fruto semelhante à ameixa, de cor

amarelada).

Solucionadas as questões de compreensão de vocabulário, a professora pediu aos

alunos para que, em pequenos grupos, elaborassem uma resposta para a seguinte pergunta:

como seria o ritmo da música e por que? De forma geral, responderam que o ritmo seria

alegre, animado, porque era o que a brincadeira evocava neles, animação e muita alegria.

A comprovação da resposta dos alunos aconteceu com a exibição do vídeo com a

música da brincadeira. Os alunos tentaram acompanhar com a letra que já tinham colado

no caderno. O vídeo foi projetado no telão, com a legenda e assim os alunos também

conseguiram acompanhar, cantando junto com a banda. A professora fez treinos fonéticos,

pedindo aos alunos que repetissem algumas palavras e depois algumas frases e a canção foi

treinada várias vezes.

Como lição de casa a professora pediu aos alunos que memorizassem a música para

a aula seguinte, prestando muita atenção à adequada pronúncia das palavras.

Aula 9 – dia 30 de abril de 2015.

Quando a professora chegou na sala de aula os alunos já estavam cantando a música

Dale,dale,dale com muito entusiasmo. Deste modo, a educadora conseguiu comprovar que

a lição de casa havia sido feita com eficiência e no decorrer da aula os alunos voltaram a

cantar em vários momentos.

A professora anunciou que na aula seguinte eles iriam ao pátio para a execução da

brincadeira, já que os estudos estavam finalizados e as piñatas estavam prontas no ateliê de

artes. Os alunos foram parabenizados pela produção das peças em função da organização e

54

Tradução nossa: “Persona o cosa insignificante o de poco valor”. Disponível em

<http://dle.rae.es/?id=6TbsUTN>. Acesso em 10 de maio de 2016. 55

Tradução nossa: “Cesto de mimbres, ancho de boca, que suele tener dos asas”. Disponível em

<http://dle.rae.es/?id=72vla4j>. Acesso em 10 de maio de 2016. 56

Tradução nossa: “Recipiente de cristal, vidrio, plástico u otro material, con el cuello estrecho, que sirve

para contener líquidos”. Disponível em < http://dle.rae.es/?id=5yiuECX>. Acesso em 10 de maio de 2016. 57

Tradução nossa: “Planta rosácea que da un fruto parecido a la ciruela, de color amarillo”. Disponível em <

http://dle.rae.es/?id=ZKvBxuP>. Acesso em 10 de maio de 2016.

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primor do trabalho e também por causa dos comentários feitos pelo professor de artes

sobre as tentativas de uso da língua espanhola em diferentes ambientes da escola.

Foi dito aos alunos que veriam um novo vídeo sobre a representação e importância

da piñata como um patrimônio cultural do México e as organizações que se preocupavam

com a preservação de seu legado. Foram exibidos dois vídeos58

do canal televisivo

mexicano Excélsior TV que noticiavam a festa anual que acontece na cidade de Acolman

todos os anos no mês de dezembro.

A professora pediu aos alunos que fizessem anotações no caderno sobre as

impressões que tinham dos vídeos. Eles oralizaram suas observações e a professora

registrou na lousa, em espanhol, frases como: os mexicanos se preocupam com a

preservação da piñata como um legado cultural do país, eles criticam a elaboração das

piñata com formas de personagens de desenho e revalorizam as formas originais esféricas

dos cones que representam os sete pecados capitais. Nos Estados Unidos, há lojas que

vendem as piñatas fabricadas em larga escala, menos rústicas e sem as características

artesanais observadas no vídeo “Para hacer una piñata en 8 pasos”.

A aula foi finalizada com o pedido da professora que, em casa, os alunos

escrevessem um comentário pessoal sobre a preocupação dos mexicanos em manter a

tradição assim como foi relatado no vídeo. Essa preocupação tinha fundamento? A cultura

de fabricação da piñata estava realmente se perdendo?

Aula 10 – dia 5 de maio de 2015.

A aula iniciou-se com a chegada da professora em sala e os alunos prontamente

cantando a música da Piñata. Os alunos estavam muito motivados porque o grande dia

finalmente havia chegado. Antes de irem para o pátio, a docente teve uma conversa com os

aprendizes sobre a postura fora da sala de aula e o respeito que deveriam manter dentro do

ambiente escolar. Ela julgou necessário abordar com os alunos a importância do respeito

ao espaço do pátio da escola que, no momento do jogo, seria compartilhado com outros

agrupamentos, principalmente de alunos menores. Foi citado também que a ida ao pátio

não consistia em saídas para o banheiro ou bebedouro e, muito menos, para o uso de

brinquedos do parquinho.

58

Os vídeos estão disponíveis na internet em <https://www.youtube.com/watch?v=jt0WzjBDMqU> e

<https://www.youtube.com/watch?v=M1zAqGF1zEQ>. Acesso em 5 de fevereiro de 2016.

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Os alunos deveriam estar conscientes de que a ida ao pátio para a execução da

brincadeira era uma extensão da sala de aula e uma continuidade das atividades previstas

no projeto. A partir do momento em que todos se mostraram de comum acordo, a docente

pegou as piñatas que já tinham sido entregues pelo professor de artes e todos se dirigiram

para o pátio da escola.

Quando chegaram ao lugar onde foram penduradas as piñatas, os alunos já se

organizaram em filas e a professora vendou um estudante por vez para que golpeasse a

peça ao som da música da Dale, dale, dale, cantada pelos companheiros. Algumas piñatas

estavam muito rígidas e foi necessário golpeá-las fortemente para que os doces59

fossem

distribuídos.

No agrupamento da manhã, gastou-se um pouco mais de tempo no que concerne à

organização espacial. Alguns alunos não percebiam que era importantíssimo manter

distância das peças enquanto um companheiro golpeava a piñata com bastões de madeira.

A partir das experiências vivenciadas com o grupo matutino, a professora no período da

tarde, antes de levar aos alunos para o pátio, fez uma prévia conversa e antecipação de

possíveis questões que poderiam acontecer. Portanto, a brincadeira com o agrupamento da

tarde aconteceu de forma mais rápida, sistemática e metódica.

Os alunos se mostraram visivelmente felizes na execução da brincadeira e a

professora pôde perceber que o objetivo da atividade havia sido alcançado com sucesso,

tanto linguístico, quanto cultural.

A atividade de cantar, golpear e romper as piñatas e a consequente distribuição dos

doces aconteceu por aproximadamente 30 minutos e depois a professora encerrou a

atividade, reunindo todo o grupo para ver se os doces haviam sido divididos de forma justa.

Assim foi finalizada a atividade no pátio e os estudantes foram conduzidos até a sala de

aula na companhia da professora de espanhol.

Os alunos se mostravam extremamente satisfeitos com os resultados alcançados e

perguntavam quando a atividade seria repetida. A professora parabenizou os alunos pelo

exemplar comportamento no pátio da escola e a bem-sucedida execução da brincadeira e

avisou que o objetivo da aula seguinte seria realizar uma avaliação e autoavaliação dos

alunos e do projeto.

59

Os doces foram criteriosamente escolhidos pela professora e colocados nas piñatas sem a presença dos

alunos. Portanto, eles foram surpreendidos no momento de ruptura das peças porque não sabiam o que iriam

encontrar.

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Aula 11 – dia 7 de maio de 2015.

Quando a professora chegou na sala os alunos já estavam cantando a música da

piñata, tanto no grupo da manhã quanto no da tarde. A opinião dos estudantes foi unânime

com relação ao sucesso alcançado nesse projeto. Mostravam-se muito entusiasmados e

diziam que o projeto tinha sido muito interessante, seguindo o modelo do que haviam

vivenciado no ano anterior com a experiência do Pelele.

Nesse momento a professora começou a falar sobre a avaliação do projeto.

Perguntou aos alunos o que eles achavam que deveria ser diferente, o que deveria ser

mantido e as demais impressões que tinham da sequência das atividades.

Muitos alunos quiseram expressar-se e por isso foi necessário estabelecer acordos

para que as participações fossem ordenadas e consequentemente proveitosas.

De acordo com as crianças, o projeto estava muito adequado para a idade deles

porque exigiu mais comprometimento de estudo se comparado com o projeto realizado no

ano anterior com a brincadeira do Pelele. Novamente foi citado por eles que um projeto

como esse, que envolvia uma atividade lúdica, era o mais interessante das aulas de LE. Nas

palavras dos alunos, aprender brincando foi o melhor desse projeto e o do ano anterior.

Duas críticas sobre o projeto foram feitas nos dois agrupamentos. A primeira foi a demora

para a realização da brincadeira. Essa observação foi percebida pela professora porque ao

longo do projeto a pergunta era insistente: “quando vamos brincar?”. A segunda crítica foi

com relação à confecção e destruição das piñatas. Os alunos definitivamente não se

conformaram em trabalhar arduamente na confecção do artefato para depois destruir as

peças no pátio.

A docente levou à questão ao grupo para que eles pudessem se manifestar com

relação ao tempo do trabalho e realização do jogo. Os próprios alunos concluíram que a

sequência de tarefas era necessária para uma eficiente execução da brincadeira e que para

tanto, não conseguiam visualizar uma sequência mais enxuta pois era necessário todo o

estudo proposto para um real conhecimento da atividade.

Uma sugestão dos alunos foi ampliar o número de piñatas para que todos pudessem

tentar quebrar a sua ou levá-la para casa. A professora disse que iria repensar essa

atividade para a realização do projeto com o grupo do ano seguinte.

A docente orientou os alunos a responderem um questionário com a autoavaliação

do projeto. Foi entregue uma ficha que continha perguntas como: você consegue ter a

consciência de que aprendeu novas palavras em espanhol a partir do estudo desse projeto?

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É capaz de relatar a brincadeira da piñata e identificá-la como uma atividade popular que

faz parte do patrimônio cultural do México? Sabe cantar de memória a canção do Dale,

Dale, Dale e compreender a letra? É capaz de identificar as características originais da

piñata a partir dos vídeos sobre a Feria de Acolman? Sabe relatar com suas palavras a

história Piñatas escrita pela argentina Isol? É capaz de identificar o mural Las Piñatas

pintado por Diego Rivera e descrevê-lo a partir dos simbolismos da peça? Sabe utilizar

verbos no Presente do Indicativo e formar frases que dão instruções de como fazer uma

piñata? Na sua opinião, um projeto que finaliza em uma brincadeira no pátio é adequado

para seu interesse com relação à língua espanhola?

Como lição de casa, os alunos deveriam elaborar um caminho de aprendizagem do

projeto. A professora instruiu os alunos a abrirem seus cadernos desde o início do projeto e

descreverem o que aprenderam com as atividades que realizaram e o alcance do objetivo

da atividade. Foi pedido a eles que escrevessem também reflexões pessoais que

expressassem suas maiores dificuldades, os momentos de entretenimento, suas descobertas

com relação às obras artísticas e literárias, suas pesquisas individuais realizadas em casa e

uma apreciação do projeto de forma geral. A docente avisou que essa lição seria

socializada entre os companheiros na aula posterior.

Figura 9 – Alunos do 4º ano manhã quebrando a piñata no pátio da escola. Foto tirada pela

professora Elaine Gomes Viacek Oliani no dia 5 de maio de 2015. (Acervo pessoal da

professora)

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Figura 10 – Alunos do 4º ano manhã quebrando a piñata no pátio da escola. Foto tirada

pela professora Elaine Gomes Viacek Oliani no dia 5 de maio de 2015. (Acervo pessoal da

professora)

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Figura 11 – Piñata construída pelos alunos do 4º ano tarde. Foto tirada pela professora

Elaine Gomes Viacek Oliani, no ateliê de Artes da escola, em maio de 2015. (Acervo

pessoal da professora)

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Figura 12 – Piñata construída pelos alunos do 4º ano tarde. Foto tirada pela professora

Elaine Gomes Viacek Oliani, no ateliê de Artes da escola, em maio de 2015. (Acervo

pessoal da professora)

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Figura 13 – Piñata construída pelos alunos do 4º ano tarde. Foto tirada pela professora

Elaine Gomes Viacek Oliani, no ateliê de Artes da escola, em maio de 2015. (Acervo

pessoal da professora)

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CONCLUSÃO

Esta dissertação de mestrado tem o propósito de fomentar a reflexão acerca do uso

de jogos tradicionais como específica estratégia de ensino da língua espanhola no Ensino

Fundamental. Os jogos aqui apresentados são o Pelele e a Piñata, jogos tradicionais da

cultura espanhola e mexicana respectivamente, que quando utilizados dentro do ambiente

escolar promovem um estudo significativo do idioma e se justificam pelo elemento lúdico

que atua como um facilitador no ensino e aprendizagem de uma LE.

Para tanto, a análise das brincadeiras relatadas fundamenta-se em três eixos

norteadores: o posicionamento do professor comprometido com seu ofício e a relação que

constrói com os alunos; o ingrediente lúdico como um facilitador no processo de ensino e

aprendizagem do idioma no Ensino Fundamental e o viés cultural de outros povos como

recurso para a valorização e o reconhecimento da própria cultura. A conjunção de todos

esses princípios sugere o êxito que se quer alcançar no ensino e aprendizagem de língua

espanhola proposto nesta investigação a partir das brincadeiras tradicionais.

A aprendizagem é, portanto, um processo complexo e dinâmico que deve

ser potencializado nos espaços institucionais dedicados à Educação a

partir das oportunidades de vivências múltiplas que considerem as

diversas infâncias, as vozes e os tempos dos sujeitos de aprendizagem e

suas construções culturais no encontro com a sociedade, o conhecimento

e a cultura. (SÃO PAULO, 2015, p. 35)

Cabe ressaltar que as interações entre os alunos caracterizam as atividades como

coletivas e tal dado reforça a singularidade deste estudo que estimula as relações, o

respeito e a tolerância entre todos.

No primeiro capítulo, O lúdico como elemento facilitador no processo de ensino e

aprendizagem no ensino básico, em especial no 3º e 4º anos do Ensino Fundamental,

valida-se a partir das observações feitas pela professora e os próprios alunos ao longo do

projeto realizado nas aulas de língua espanhola. O singelo anúncio de uma atividade que

envolvia uma brincadeira tradicional foi recebido em sala com surpresa e contentamento.

A reação de surpresa sugere que o elemento lúdico no programa escolar é raro ou

insuficiente para uma faixa etária que deve vivenciar essa prática em todos os âmbitos

possíveis. O contentamento com a progressão das atividades e a ansiedade muitas vezes

manifestada e exacerbada pelos alunos em torno da brincadeira, que seria realizada apenas

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ao final do projeto, revela o estímulo intrínseco que foi despertado neles pela simples

menção do ato de brincar. Em Currículo Integrador da Infância Paulista dirigido aos

educadores da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, pode-se perceber que o

estímulo para a prática do brincar no ambiente escolar é real, ao menos na documentação

existente e disponível para educadores de qualquer instância.

Um currículo integrador da infância supera também a cisão entre o

brincar e o aprender, por entender que o brincar é uma linguagem, isto é,

um modo de a criança se relacionar com o mundo e atribuir sentido ao

que vive e aprende. Por isso, seja na Educação Infantil, seja no Ensino

Fundamental, brincar não é perda de tempo, mas é fundamental para o

aprendizado, pois desafia o pensamento, a memória, a solução de

problemas, promove negociação entre crianças, o planejamento, a

investigação, a discussão de valores, a criação de regras. (SÃO PAULO,

2015, p. 22)

É necessário considerar a cultura lúdica que é inerente aos estímulos dados no

ambiente escolar. As crianças, inspiradas pelo modo imaginário de agir no mundo como a

criação de um “faz de contas”, transitam, individualmente ou em grupos, entre a fantasia e

a realidade, pois possuem uma modalidade lúdica, vinculada ao jogo, à brincadeira, à

curiosidade, à alegria, à fantasia. Essa cultura lúdica atua como um pano de fundo para o

que se propõe na estratégia de ensino e aprendizagem de LE, por meio das brincadeiras

tradicionais. A visão de mundo das crianças, permeada pela cultura lúdica do saber brincar

sem a necessidade de interferência do adulto, confere ao aprendiz uma certa medida de

autonomia na ação que lhe confere a segurança emocional imprescindível para o sucesso

da atividade.

O segundo capítulo, que discorre sobre a consciência crítica dos professores e

alunos na execução das brincadeiras, está pautado nos conceitos propostos pelo educador

brasileiro Paulo Freire e suas reflexões sobre uma pedagogia consciente e libertadora.

Nesta pesquisa, ficou evidente que educador e educandos devem servir-se de conceitos

norteadores para a realização de um projeto e ter como alicerce o rigor metodológico. O

compromisso, a assiduidade, a regulação e o engajamento do educador desde um detalhado

planejamento até a execução das brincadeiras sãos características essenciais para alcançar

o êxito pedagógico esperado.

O viés cultural que permeia as brincadeiras tradicionais descrito no terceiro capítulo

revela, neste trabalho, a curiosidade epistemológia citada na obra de Freire e o respeito às

diferenças. Os alunos, ao longo do projeto, relataram suas descobertas com relação à outras

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culturas, levantaram questões e polemizaram temas como o machismo, a descriminação e a

opressão.

A cultura, em sentido plural, como o conjunto das criações humanas (os

objetos, os hábitos e costumes, a língua e as formas de expressão, os

conhecimentos, as formas de pensar, os valores, os sentimentos) não deve

ser percebida nas Unidades Educacionais como saber pronto a ser

transmitido, mas como o contexto da vida. (SÃO PAULO, 2015, p. 42)

A realização do trabalho empírico, realizado a partir das brincadeiras Pelele e

Piñata com os alunos do 3º e 4º anos, ofereceu material de análise suficiente para

visualizar uma continuidade do processo. Os alunos do 5º ano subsequente questionaram a

professora sobre qual seria a terceira brincadeira a ser estudada. Entende-se, portanto, que

o resultado dessa prática foi de total êxito tanto do aspecto cognitivo de acordo com as

expectativas da professora quanto do aspecto atrativo ressaltado pelos alunos, que

demonstraram sua motivação mesmo após o término das atividades.

Tendo em vista aos aspectos do educador Paulo Freire abordados no segundo

capítulo, a realização das brincadeiras tradicionais com os alunos propiciou dados para a

seguinte análise com relação à postura do professor como sujeito competente e responsável

por suas ações, assim como o aprendiz, protagonista do processo. A necessidade do

profissional reflexivo e pesquisador é evidente no que concerne à aplicação dessa

estratégia de ensino e aprendizagem. A busca de materiais que retratam os jogos em

diferentes linguagens artísticas como na literatura e na pintura, exigem do professor uma

pesquisa exaustiva. Vale ressaltar que não é qualquer texto ou imagem que podem ser

levados para a sala de aula, principalmente para os alunos do Ensino Fundamental. A

criticidade do docente deve estar presente em todos os momentos: pesquisa, planejamento

e execução das atividades.

Para uma prática ancorada no respeito próprio e ao próximo, o docente deve exercer

um papel crucial no processo e principalmente na realização das brincadeiras que se

constituem de um momento de grande interação e contato físico. A tolerância baseada na

aceitação do próximo com relação ao seu ritmo e suas expectativas tem relação direta com

o respeito que deve estar presente em todas as instâncias pedagógicas. A alegria que

permeia esses estudos de caso é indiscutível. Professor e alunos usufruem de momentos

únicos na sala de aula e fora dela que repercutem ao longo da vida escolar e também fora

dos muros da escola. É comum ouvir dos alunos do 5º ano que participaram da atividade

do Pelele comentários como: ainda me lembro da música, foi divertido, foi o projeto mais

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marcante até agora. Comentários sobre as obras e seus pintores, Goya e Diego Rivera

assim como a obra do Don Quijote e o escritor Cervantes são assuntos constantemente

abordados em sala pelos alunos que vivenciaram a experiência das brincadeiras

tradicionais.

O docente pesquisador e competente é capaz de conduzir as atividades de modo a

levar questões para os alunos que ultrapassem as fronteiras da língua. As discussões

propostas a partir das representações artísticas de Goya e Rivera promovem, na sala de

aula, conversas sobre temas transdisciplinares e, para que as discussões sejam férteis, o

professor preparado, competente e consciente de sua formação com relação ao conteúdo,

deve estar aberto ao diálogo, inclusive incentivá-lo dentro do ambiente escolar. A

criticidade que o docente deve ter com sua própria prática o leva a ampliar suas

capacidades e desenvolver atividades de metacognicação que podem levar ao

aperfeiçoamento de seus objetivos iniciais. O jogo do Pelele, aplicado em 2014 com o

grupo do 3º ano, também foi realizado em 2015 com o grupo subsequente. A análise de

erros e a revisão de estratégias utilizadas em 2014 resultou em um refinamento do

planejamento na execução mais exitosa da brincadeira com os alunos do 3º ano de 2015.

Muito se discute em cursos regulares ou em escolas de idiomas o ensino de uma LE

para um grupo numeroso. Em geral, os grupos volumosos são taxados de difíceis e

condenados ao insucesso porque são ambientes desfavoráveis para a prática da língua

estrangeira. Ao pensar nas brincadeiras tradicionais propostas nesse estudo, o número de

alunos não interferiu na atividade que é coletiva – o pelele e a piñata -, que no estudo de

caso aqui relatado, os alunos foram sorteados e elencados para golpear a peça até a ruptura

total. Em sala, as atividades realizadas individualmente, em pequenos grupos e

coletivamente transcorreram sem percalços e a professora conseguiu fazer um

acompanhamento próximo dos alunos com mais dificuldades porque muitas das propostas

podiam ser executadas com bastante autonomia pelos demais companheiros.

Um diferencial dos casos aqui relatados faz referência ao baixo custo das peças

utilizadas nas duas brincadeiras. A execução das atividades pode acontecer em escolas de

muito ou poucos recursos econômicos dado que o boneco, o lençol ou até mesmo a

confecção da piñata, feita de maneira artesanal, não requerem grandes investimentos

financeiros.

Relatos de crianças que vivenciaram as experiências com as duas brincadeiras aqui

relatadas legitimam essa estratégia de ensino e aprendizagem da língua espanhola como

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uma atividade na qual os alunos são os sujeitos da ação e que são significativas para a sua

realidade.

No final de 2015, um grupo de alunos relatou em sala de aula que ao estarem

reunidos no Parque Butantã em São Paulo, agarraram as toalhas levadas para um

piquenique e executaram a brincadeira do pelele que atiçou a curiosidade de outras pessoas

ali presentes. As crianças contaram que tiveram que descrever a brincadeira para os mais

curiosos e que mencionaram inclusive o quadro de Goya e a obra de Cervantes.

Com relação à piñata, ela foi incorporada nas comemorações de aniversário das

crianças de forma muito mais efetiva. Um aluno relatou no início de 2016 que chamou

amigos para passar a tarde em sua casa e uma das atividades que realizaram foi a

confecção de uma peça para a festa de aniversário que aconteceria no final da semana

seguinte.

Tais relatos comprovam que, além da apropriação da língua espanhola via jogo, há

também a inserção das atividades culturais da Espanha e do México na rotina dos alunos

brasileiros a partir das vivências ofertadas na aula de LE. Nota-se que a proposta se efetiva

em um ensino significativo para a criança que, mais que observar e respeitar a cultura de

outros países, demonstra um interesse em incorporá-la a sua realidade.

Mais um aspecto a ser analisado nos estudos relatados neste trabalho é a prática do

jogo e o ato de brincar em diferenciados ambientes. As estratégias propostas na escola

apresentam características muito específicas e divergentes quando a prática acontece em

casa. Na escola, trabalha-se constantemente a questão do respeito e tolerância,

principalmente em atividades como as aqui retratadas, que envolvem o coletivo. Desse

modo, o ambiente escolar se transforma em um lugar de interesse único e de grandes

expectativas para aqueles alunos que se envolvem com os projetos. E para os menos

envolvidos, as estratégias que têm como pano de fundo o elemento lúdico podem fazer

com que tais alunos voltem a ver o ambiente escolar como um lugar acolhedor e atrativo

posto que ali, os momentos divertidos e instrutivos podem acontecer constantemente.

Nota-se, então, o contraponto do que acontece quando os jogos e brincadeiras são

realizadas em casa. No ambiente familiar, as atividades raramente acontecem no coletivo.

Nas atuais famílias brasileiras60

, que contam com poucos filhos ou até mesmo filhos únicos,

60

No site do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística consta que o número de filhos das

famílias brasileiras está em decadência desde a década de 1960. Disponível em <

http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/nupcialidade-e-fecundidade.html>. Acesso em

18 de maio de 2016.

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muitas crianças se concentram nos jogos eletrônicos ou, então, passam horas na frente do

computador ou da televisão. Embora haja crianças que joguem on-line, não se pode dizer

que a interação se efetiva concretamente. O contato visual, a proximidade física, a troca de

palavras, o poder de argumentação no momento de expor suas ideias são elementos

essenciais na construção da personalidade do ser humano. Vale lembrar que a proposta

descrita neste trabalho é dirigida ao Ensino Fundamental, portanto, trata-se de crianças em

fase de construção, de apreensão do conhecimento.

No que concerne à interdisciplinaridade, a proposta do uso de brincadeiras

tradicionais no ensino de aprendizagem de LE é um claro exemplo de como planejar,

executar e alcançar bons resultados a partir dessa experiência na sala de aula. Os casos aqui

relatados comprovam que as relações feitas a partir da língua espanhola e as artes como a

literatura – Don Quijote de Cervantes e Piñata de Isol – , a pintura – Goya e Diego Rivera

– , e as discussões entorno da geografia e da história, assim como da filosofia e da

sociologia, são exemplos das diversas áreas abordadas nas propostas aqui relatadas.

A pesquisa interdisciplinar somente torna-se possível onde várias

disciplinas se reúnem a partir de um mesmo objeto, porém é necessário

criar-se uma situação-problema no sentido de Freire (1974), onde a ideia

de projeto nasça da consciência comum, da fé dos investigadores no

reconhecimento da complexidade do mesmo e na disponibilidade destes

em redefinir o projeto a cada dúvida ou a cada resposta encontrada. Neste

caso, convergir não no sentido de uma resposta final, mas para a pesquisa

do sentido da pergunta inicialmente enunciada. (FAZENDA, 2008, p. 22)

A pesquisadora Ivani Fazenda afirma que “Na interdisciplinaridade escolar a

perspectiva é educativa” (2008). Assim sendo, o uso de brincadeiras tradicionais de outros

países como uma ferramenta de ensino e aprendizagem de língua espanhola no Ensino

Fundamental – relatadas nesse estudo – comprovam que é possível promover dentro do

ambiente escolar ações que estimulam o desenvolvimento cognitivo dos alunos em

consonância com sua formação pessoal. Atitudes que devem sempre estar ancoradas no

apreço aos novos saberes, na valorização cultural e principalmente na tolerância e respeito

ao próximo.

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