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Introdução O predomínio da esfera financeira na socie- dade brasileira gera uma dinâmica cultural engen- drada no atrito entre aqueles que a apóiam e os que a rejeitam sistematicamente. O ponto de par- tida deste artigo é discutir a formação do “pluto- crata”, figura típica que expressa aquela tensão. Se a dominação financeira é um fenômeno mais amplo do que o simples controle econômico da sociedade, a exploração da dinâmica e da polisse- mia na qual o “plutocrata” nasce e se desenvolve pode ser uma boa entrada para a análise socioló- gica. Evidentemente, esse caminho não pre- tende esgotar a compreensão científica de tal configura- ção, mas apenas chamar a atenção para uma das facetas desse fenômeno até agora pouco explora- do. 1 O principal material empírico colhido para a análise vem da CPI dos Correios de 2005-2006. Ela se constituiu uma janela excepcional, na qual se expuseram personagens pouco propensos a apari- ções públicas, em especial o banqueiro Daniel Dantas, em torno do qual se construiu uma ima- gem que lembra a figura do “plutocrata”. O mundo gira e os símbolos vão e voltam no tempo e no espaço. O Brasil contemporâneo criou uma série de figuras públicas semelhantes ao “plutocrata”. Pode-se dizer que esse tipo se configurou na segunda metade do século XIX na ENTRE A PLUTOCRACIA E A LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO FINANCEIRA* Roberto Grün Artigo recebido em agosto/2006 Aprovado em dezembro/2006 RBCS Vol. 22 nº. 65 outubro/2007 * Agradeço ao CNPq e à Fapesp pelos auxílios à pesquisa nos quais levantei os dados e realizei as análises que resultaram no presente artigo. Agradeço também aos colegas do Nesefi/UFSCar e da rede de pesquisas reunida em torno do CRBC/EHESS, bem como aos pareceristas anôni- mos da RBCS pelas críticas e comentários que me ajudaram a dar a forma final ao texto.

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Page 1: ENTRE A PLUTOCRACIA E A LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO … · ENTRE A PLUTOCRACIA E A LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO FINANCEIRA* Roberto Grün Artigo recebido em agosto/2006 Aprovado

Introdução

O predomínio da esfera financeira na socie-dade brasileira gera uma dinâmica cultural engen-drada no atrito entre aqueles que a apóiam e osque a rejeitam sistematicamente. O ponto de par-tida deste artigo é discutir a formação do “pluto-crata”, figura típica que expressa aquela tensão. Se

a dominação financeira é um fenômeno maisamplo do que o simples controle econômico dasociedade, a exploração da dinâmica e da polisse-mia na qual o “plutocrata” nasce e se desenvolvepode ser uma boa entrada para a análise socioló-gica. Evidentemente, esse caminho não pre- tendeesgotar a compreensão científica de tal configura-ção, mas apenas chamar a atenção para uma dasfacetas desse fenômeno até agora pouco explora-d o .1 O principal material empírico colhido para aanálise vem da CPI dos Correios de 2005-2006. Elase constituiu uma janela excepcional, na qual seexpuseram personagens pouco propensos a apari-ções públicas, em especial o banqueiro DanielDantas, em torno do qual se construiu uma ima-gem que lembra a figura do “plutocrata”.

O mundo gira e os símbolos vão e voltamno tempo e no espaço. O Brasil contemporâneocriou uma série de figuras públicas semelhantesao “plutocrata”. Pode-se dizer que esse tipo seconfigurou na segunda metade do século XIX na

ENTRE A PLUTOCRACIA E ALEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO FINANCEIRA*

Roberto Grün

Artigo recebido em agosto/2006Aprovado em dezembro/2006

RBCS Vol. 22 nº. 65 outubro/2007

* Agradeço ao CNPq e à Fapesp pelos auxílios àpesquisa nos quais levantei os dados e realizei asanálises que resultaram no presente artigo.Agradeço também aos colegas do Nesefi/UFSCar eda rede de pesquisas reunida em torno doCRBC/EHESS, bem como aos pareceristas anôni-mos da RBCS pelas críticas e comentários que meajudaram a dar a forma final ao texto.

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Europa e nos Estados Unidos, e desde os anos de1930 passou a freqüentar nosso imaginário , apartir do trabalho ideológico da extrema direita.Entre as personalidades que compõem tal catego-ria, podemos citar Horácio Lafer, personagemprincipal da sinagoga paulista de Barroso (Maio,1992); antes dele, durante a crise do encilhamen-to, o próprio Ruy Barbosa, candidato a essa“honra” (Diniz, 1996). Recentemente, segundo aexposição pública observada na mídia, pudemosobservar uma galeria de indivíduos para os quaissetores da sociedade tentam atribuir esse papelem diversas variantes: Naji Nahas, Benjamin Stein-bruch, Armínio Fraga e Daniel Dantas.

Os plutocratas aparecem na esfera públicaem episódios que de alguma forma chocam a sen-sibilidade social a respeito do funcionamento daeconomia ou da política. Mormente em escânda-los, ainda que para que um indivíduo assumaesse papel ele tenha de ser “preparado” antes,para que, uma vez deflagrado o evento, as aten-ções se dirijam ao indigitado. Por outro lado, po-demos olhar os escândalos como parte obrigató-ria da história das finanças, na medida em queeles fazem a sociedade, em especial seus sistemasde representação política e de regulação econô-mica, romperem a inércia de cooperação quaseautomática com agentes econômicos específicos,que pode ser prejudicial ao sistema econômicocomo um todo.

Um caso recente, e de extrema relevância, éa lei Sarbanes-Oxley, o aperfeiçoamento das leisde governança corporativa que foram rapidamen-te concebidas e votadas nos Estados Unidos, naesteira do escândalo da Enron (Blair, 2003a e b) ecuja promulgação provocou transformações nosmercados financeiros do mundo inteiro (Gates,2003). As diversas inovações introduzidas naque-la rodada já estavam disponíveis no arcabouço desoluções jurídicas norte-americano, mas, segundofontes jornalísticas, as várias relações “promís-cuas” que setores do Legislativo e do Executivodaquele país entretinham com agentes e interes-ses particulares do mundo financeiro acabavamimpedindo que elas fossem promulgadas (DavidE. Sanger e Richard A. Oppel, 2002; Labaton,2002; Coffee, 2002). Podemos, assim, inferir oparadoxo de que os escândalos são parte inte-grante da regulação do capitalismo contemporâ-

neo (De Blic, 2005). Dessa forma, seu estudo re-veste-se de uma importância muito maior do quea simples exploração de momentos idiossincráti-cos da história (Mackenzie, 2006).

A formação da imagem dos plutocratasvaria, evidentemente, com os arcabouços cultu-rais disponíveis e mobilizáveis pela mídia e pelocampo político em determinados lugares emomentos. Nos casos anteriores, o termo “pluto-crata”, então em sintonia com a imprensa e aspregações internacionais, era usado também noBrasil. Depois da derrota dos fascismos europeus,ele entrou para a galeria dos arcaísmos. Mas oconteúdo parece se manter, ao menos em parte.O poder do dinheiro, conseguido por arrivistassem vínculo com o mundo da produção, é usadocontra os interesses populares e da nação. Umindivíduo ou um pequeno grupo de financistasmanipula os espaços econômicos e corrompe ospolíticos segundo seus interesses, graças ao poderdo dinheiro e da sua desfaçatez. O resultado desituações e processos que não seguem de acordocom os desfechos esperados pelos que os denun-ciam é imputado aos plutocratas, que passam,assim, a encarnar os males da época. O plutocra-ta tradicional da Europa costuma ser judeu,oriundo do mundo das finanças, e sua evocaçãofaz parte normalmente do repertório retórico daextrema direita fascista ou próxima (Birnbaum,1979). Nos Estados Unidos, ele pode ser confun-dido com os robber barons, como os Rockfellersou Andrew Carnegie, que monopolizaram setoresindustriais considerados vitais para a economiados Estados Unidos. Não eram judeus, ainda quefossem representados graficamente como tais,brandidos principalmente pelo movimento popu-lista (McGerr, 1986, 2005).

O ponto que singulariza a situação brasileirado final do século XX e início do XXI, tanto emrelação ao nosso passado como à cena interna-cional, é a seqüência de “candidatos” ao posto deplutocrata e a aparente estabilização desse perso-nagem na construção elaborada a partir da figurade Daniel Dantas.2 As hipóteses que se depreen-dem dessa configuração são: 1) que a procura deum plutocrata denota um mal-estar da sociedadebrasileira em relação ao sistema financeiro; 2) quea figura de Daniel Dantas se reveste de caracte-rísticas necessárias para pensar e transmitir esse

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incômodo; 3) que tais necessidades simbólicasdenotam, simultaneamente, a gestação e a oposi-ção a uma configuração simbólica e econômicaque podemos chamar de “modo de dominaçãofinanceiro”.

O mar das ambigüidades e a galeriados personagens

À primeira vista, os termos “mal-estar” e“incômodo” parecem excessivamente frouxos paras e r v i rem de base a uma hipótese científica.E n t retanto, tal frouxidão, a ambigüidade de senti-dos, é parte essencial tanto da configuração cultu-ral que dá base às disputas econômicas que ocor-rem na sociedade brasileira atual, como condiçãopara a eficácia social dos “totens” erigidos parasimbolizá-las (Darnton, 1986; Bourdieu, 1997).

Na seqüência que proponho, Naji Nahasaparece inicialmente como um “mega-especula-dor”, cujas manobras ousadas e heterodoxas te-riam manchado a reputação da Bovespa e, assim,comprometido o desenvolvimento do mercado deações brasileiro. Por causa disso, ele foi formal-mente banido desse espaço e continua “purgandoseus pecados” (Attuch, 2004). A partir de então,aparecem alguns elementos iniciais da trama: a) oespaço das finanças não goza de legitimidadeautomática na sociedade brasileira, precisandocontrolar seus membros a ponto de ter de sacrifi-car um indivíduo importante; b) subsidiariamente,temos que a trama específica que provocou a suaevicção opôs Nahas, um “libanês naturalizadobrasileiro”, ao então presidente da Bovespa, Edu-ardo da Rocha Azevedo, que ostenta um sobre-nome brasileiro tradicional – índice importante derespeitabilidade que, conforme veremos adiante,tem valor nesse espaço (“Ministro Rocha Azevedoé o nome de uma rua importante da cidade deSão Paulo, situada nos “Jardins”). De qualquermaneira, diante do perigo representado pelo indi-víduo que a linguagem corrente chama de“turco”, o mercado recompõe a sua imagem insti-tucional, evitando que ele adquira perenemente aimagem de “plutocrata”, ainda que a imprensa epolíticos tenham flertado com essa possibilidade.

Nossa galeria segue com a figura deBenjamin Steinbruch. Protagonista destacado do

processo de privatização das companhias estataisempreendido nos governos FHC, esse persona-gem é de origem judaica, o que é uma caracterís-tica importante para a qualificação de plutocrata,abrindo amplas possibilidades simbólicas paraseus detratores. Afinal, o “tipo-ideal” de plutocra-ta na tradição européia é um judeu mais ou me-nos identificado à família Rothschild, quer dizer:de origem asquenaze, com braços da família atu-ando internacionalmente, de maneira a caracteri-zar implicitamente a falta de ligação com a pátria(Marrus, 1985; Pinçon, 1998; Schor, 1992). Mas,ainda que essa saliência tenha sido brandidaesporadicamente, esse nosso personagem tam-bém não parece reunir as melhores condiçõespara ganhar esse cetro duvidoso. A origem do seugrupo econômico é industrial e ele jamais deixoude se identificar nessa rubrica. Como veremos, talcaracterística também pesa na trama.

Armínio Fraga, presidente do Banco Centraldurante o segundo mandato de FHC, pode serconsiderado o candidato seguinte à função deplutocrata.3 Nesse caso, a principal associação foisua condição anterior de gerente de fundos deinvestimentos pertencentes ao “plutocrata interna-cional” (e judeu) Georges Soros. Nesse enquadra-mento, tentou-se inserir a figura de Fraga na estei-ra da imagem de seu associado. Esforços per-sistentes nesse sentido foram realizados por diver-sos atores situados na esquerda do espectro polí-tico, pretendendo, assim, demonstrar a submissãodo governo federal da época ao braço mais agres-sivo, e já estigmatizado, das finanças internacio-nais (Guilhot, 2004). Mas, mais uma vez, a ima-gem não se manteve. A figura de Fraga apareciafreqüentemente oposta à de Gustavo Franco,anterior presidente da mesma instituição, tidocomo muito mais ortodoxo do que ele e respon-sável pela crise cambial do final de 1998. Alémdisso, ele foi incensado por parte da imprensa co-mo um modelo de refinamento “despojado”, e asua figura pública não se associou diretamente aoprocesso de privatização.

Voltemos, então, a Daniel Dantas, que com-pleta (provisoriamente) nossa galeria. Sua figuraparece ser a mais adequada para ocupar o papeldo plutocrata. Ele foi protagonista ativo do pro-cesso de privatização, é banqueiro conhecido pe-la agressividade de sua estratégia e pelo cresci-

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mento vertiginoso do banco, bem como o suces-so público de suas empreitadas de maneira geral,que coincidem com a privatização das empresaspúblicas e a “financeirização” de muitos ambien-tes de trabalho. Além disso, a postura econômicaque esse ator encarna é facilmente vista como ummicrocosmo da violência que as finanças exercemsobre as sociedades mediante a arbitragem –monitoramento e ataque impiedoso dos mercadosfinanceiros internacionais contra os países queousam adotar políticas econômicas que não este-jam de acordo com os “fundamentos sadios” pro-palados pelo senso comum produzido naqueleespaço (Guex, 2003; Grün, 2004a).

Os bons símbolos e o símbolo ótimo

Um primeiro ponto a ser destacado dessaseqüência de nomes é a sua própria constituição. Ameu ver, ela indica que a sociedade brasileira pre-cisa e procura incessantemente um símbolo bompara pensar a predominância das consideraçõesfinanceiras sobre outros arrazoados, o que pare c eser flagrante nos últimos anos. Assim, a dinâmicacultural faz com que diversos indivíduos vire msuportes materiais para a construção desse totemm o d e rno. Mas, não servindo integralmente parare p resentar e discutir a ordem financeira, eles desa-p a recem e/ou são substituídos por outros mais ade-quados. É assim que Dantas, cujo processo de sim-bolização já estava em gestação na década de 1990,p a rece estabilizar-se no papel social do “plutocra-ta”, esmaecendo a imagem dos outros “candidatos”.

O histórico de sua notoriedade pode serfacilmente aferido na pesquisa das menções aoseu nome nos jornais e revistas desde a década de1990. Mais recentemente, diversos episódios emtorno da crise do “mensalão”, ocorrida em mea-dos de 2006, dão cor à sua imagem. O novo ban-queiro foi pintado como um demiurgo, uma espé-cie de diretor do teatro de marionetes, no qual ospolíticos e demais participantes do problema se-riam meros títeres, por ele manipulados (Leite,2005). Como revelam as manchetes de diversosperiódicos, estariam a seu serviço desde as ban-cadas do PT, passando por peemedebistas eoutros menos votados, até as do PFL: “O orelhu-do tá nessa: as conexões entre Daniel Dantas,Marcos Valério, integrantes do PT e o depoimen-

to da secretária” (Lírio, 2005), “O Sinhozinho:Heráclito Fortes agride repórter do Piauí que quissaber sobre seu apoio a Dantas” (Carta Capital,2005), “Deputado do PFL ‘clona’ ação a favor doOpportunity” (Souza e Alencar, 2005) e “Brigaempresarial ajudou a pôr Dirceu e Gushiken emcampos opostos” (Helena Chagas, 2005).

Vemos, assim, a imagem do nosso plutocratase robustecendo pro g ressivamente. Sua consolida-ção recente, associada ao papel que lhe imputamno escândalo do “mensalão”, inicia-se em rumore se s i t e s próximos ao grupo dirigente re s p o n s á v e lpelas dificuldades que a crise provocou no PT.A p a rece na revista Carta Capital, publicação niti-damente fora do centro do jornalismo nacional(Lírio, 2005) e caminha daí para o centro, re p re-sentado pelos jornais O Globo (Peña, 2005), Va l o rE c o n ô m i c o ( R o m e ro, 2005) e Folha de São Paulo(Souza e Alencar, 2005). O trajeto da versão namídia indica nele mesmo a formação de um con-senso de que a explicação em torno de Dantasm e rece alguma credibilidade entre os fazedore sde opinião. Afinal, em caso contrário a mídia nãop roduziria essa pauta, não veicularia a versão desua culpabilidade nem de sua inocência.4

Podemos pensar o encadeamento da forma-ção da imagem do plutocrata em dois planos deanálise distintos. O primeiro é interno à questãosimbólica. É evidente que as descrições de nossospersonagens nos fazem prestar atenção ao sub-conjunto das características que confirmam a ima-gem de plutocrata, lembrando que tal imagem jáfaz parte do repertório político das sociedades o-cidentais e, assim, ela acaba se tornando umaespécie de taked for granted. As associações e asseqüências mnemônicas têm uma aparência natu-ral e familiar que contribuem para criar verossi-milhança. Por isso, dificilmente elas seriam ques-tionadas (Ginzburg, 1992). Estamos, portanto, di-ante de um arquétipo que viaja no tempo e noespaço, ainda que destituído de seu nome próprioconsagrado na historiografia.5 A estrutura sim-bólica que suporta essa migração cultural não éperfeitamente clara, mas nem por isso a evidênciadeve ser descartada. Salta aos olhos o fato de o“mensalão” ser um artefato cultural próximo aochéquard do escândalo do canal do Panamá dofinal do século XIX e que a imagem pública de“Marcos Valério” lembra o personagem Stavisky

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da França que precedeu o Front Popular(Agulhon, 1990). Assim, a migração de conteúdos(ou estruturas) culturais pode e deve ser objetode uma minuciosa pesquisa histórica que de-monstre o trajeto percorrido e os suportes físicose simbólicos que conduzem a sua difusão(Ginzburg, 1989). Mas, embora essa empreitadaseja, evidentemente, importante e instigante, nãome ocuparei dela no momento.

O outro plano diz respeito de qual re a l i d a-de se trata e as razões situadas da estabilizaçãodo nosso suporte simbólico. Parafraseando Lévi-Strauss, a pergunta é refeita: Quais característicassingularizam Daniel Dantas diante dos outro scandidatos para, a partir dele, a sociedade brasi-leira construir um totem “m e l h o r para pensar” asua relação com o mundo das finanças?

A resposta permite também delinear o pro-cesso de legitimação do nosso modo de domina-ção financeiro. Os eventos ocorridos em torno dodepoimento de Daniel Dantas na CPI concentra-ram a atenção do sistema político e da mídiasobre o personagem, o que nos ajuda a respon-der a questão.6 Em primeiro lugar, o parlamentodividiu-se entre aqueles que o atacavam e os queo defendiam, todos com ardor e belicosidade, oque já de saída denota a importância do caso(Peña, 2005). Para seus apoiadores, nele se con-centrava todas as características que um empreen-dedor moderno deveria possuir. Muito além dasprosaicas justificativas de “proteção aos nossosfinanciadores” ou “portador de segredos quepoderiam embaraçar os partidos responsáveispelo governo FHC”, Dantas apareceu na CPIcomo um herói a ser preservado a qualquer custoda sanha acusatória dos passadistas “estato-latras”e corporativos ligados ao PT. Para os petistasmainstreamers, ligados aos sindicatos, ele apare-cia como o grande inimigo no espaço financeiro.À medida que os sindicatos passaram a disputar ocontrole dos fundos de pensão, eles encontraramuma justificativa para essa atuação, arvorando-seem defensores dos interesses dos trabalhadores edo desenvolvimento econômico sadio no seio domercado financeiro – os “domadores do capitalfinanceiro” (Jardim, 2005). Esse grupo tem apre-sentado um discurso que parece abraçar a velhatese do commerce doux do século XVII, recupe-rada por Hirschman (1992). Nesse contexto, Dan-

tas representa a encarnação mesma da fera a serenfrentada. Para os petistas não comprometidoscom o mercado financeiro (provavelmente aque-les oriundos dos movimentos sociais de origemreligiosa), ou para os atores políticos que aban-donaram recentemente o partido, Dantas repre-senta tal mercado em geral. Ele é temido e rejei-tado in totum (Cariello, 2006). Nas palavras dasenadora Heloísa Helena (PSOL-AL):

Durante toda a minha militância no PT, eu sem-pre ouvi falar sobre V. Sª. Era meio como oLúcifer, o gênio do mal, alguém preparado paratodas as piores coisas, ardilosas, para tudo aquiloque, na minha opinião, é da essência do capita-lismo: a chantagem, o suborno, a espionagem, acorrupção. Só que a imagem que eu tinha de V.Sª é a mesma que eu sempre tive – e tenho – doSr. Henrique Meirelles também. Então, o que paramim é a expressão da excrescência do capitalis-mo é a mesma coisa: o Sr. Henrique Meirelles,indicado pelo Presidente Lula como Presidentedo Banco Central... Para mim, é tudo a mesmacoisa (Senado, 2005b, disponível no site http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Comissoes).

Um totem polissêmico

Como vemos, produzindo pelo menos trêsimagens, Daniel Dantas tornou-se um símboloainda mais amplo do que Janus, o deus das duasfaces. Essas ambigüidades seriam pro b l e m á t i c a spara a construção social do símbolo da dominaçãofinanceira sobre a sociedade brasileira? A re s p o s t aseria afirmativa somente se essa nova ordem atraís-se ou a adesão ou a repulsa geral, o que é prati-camente impossível numa sociedade complexa.Como se trata de uma evolução controvertida dasociedade, as ambigüidades acabam se torn a n d ouma solução para o problema da sua re p re s e n t a-ção (Hacking, 1983; Ginzburg, 1991; Bourdieu,1997; Goody, 1997). Dantas é, evidentemente, umtotem polissêmico, que pode ser utilizado pordiversos atores e estratégias retóricas, estruturandoraciocínios econômicos e políticos diferentes, emesmo antagônicos. É assim que, ao contrário deseus pre d e c e s s o res, sua imagem apareceu, cre s c e ue se mantém na cena midiática dos últimos anos.Para o bem ou para o mal, seu protagonismo és e m p re reconhecido. E se alguém ainda pudesse

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duvidar da importância desse personagem, bastarialembrar que sua ausência no relatório da CPI pro-vocou a formação de uma frente suprapartidáriapara incluí-lo (Marques, 2006).

Tal sucesso, comparado à pouca aderênciados outros “candidatos”, pode servir de algoritmopara entendermos as peculiaridades da configura-ção, inextricavelmente simbólica e econômica,que ganha corpo no Brasil contemporâneo. Cami-nhando, assim, de trás para frente, podemos com-parar Dantas e Nahas. Enquanto este é visto comdesconfiança, como um outsider completo, emesmo um arrivista sem ramificações na socieda-de, operando apenas nos mercados financeiros epara sua própria fortuna, aquele é nomeadocomo descendente do Barão de Jeremoabo (Gas-pari, 2006) e entra no circuito financeiro por inter-médio de Mario Henrique Simonsen (Leite, 2005).Trata-se, assim, de um patrício com plenos direi-tos, digno de freqüentar as elites e de obter a boa-vontade governamental para suas empreitadas.Seu banco serve a grandes investidores, e a açãode deputados e senadores oriundos do grupo quesustentava FHC durante o depoimento de DanielDantas na CPI tira quaisquer dúvidas a respeitode seu entrosamento na ordem financeira defini-da durante os anos do governo FHC (Peña, 2005).Surge daí uma outra constatação importante: se aordem financeira é um espaço do patriciado,quem não se encaixa nesse figurino, ou em algu-ma variante dele, tem de pagar um enorme preçopara tentar legitimar-se, e o corolário é que qual-quer erro nesse sentido faz o processo de legiti-mação retroceder. No espaço internacional, osnovos financistas “metecos” pagam uma significa-tiva taxa de adesão, bem como são compelidos aalimentar continuamente a sua imagem, trocandovultuosas doações filantrópicas por legitimidadesocial (Guilhot, 2004, 2006). No Brasil, observa-mos, entre outros exemplos, a família Safra invo-cando uma tradição secular de atividade bancáriano Oriente Médio, na Europa e nos Estados Uni-dos, e Edemar Cid Ferreira, ex-dono do Banco deSantos, tornando-se um patrocinador de alta visi-bilidade no terreno das artes visuais. Assim, porcaminhos diversos, os dois grupos ensaiam pavi-mentar seu caminho rumo ao patriciado (Car-valho, 2006a e b).

A “prova de contraste” seguinte opõe Dantas

a Benjamin Steinbruch. Segundo a tradição euro-péia, este ator de origem e nome indisfarçavel-mente judaicos deveria ser um forte candidato aoposto de primeiro plutocrata no Brasil. Nesse sen-tido, a comparação servirá também para eviden-ciar algumas peculiaridades brasileiras sobre ofenômeno. Podemos constatar diversas tentativasde colar o rótulo neste personagem, como porexemplo um livro publicado por uma editora per-tencente a jornalistas de alto perfil midiático ecom prefácio de Paulo Pereira, o Paulinho daForça, que foi presidente, também de grande visi-bilidade, daquela importante central sindical(Tiezzi, 2006). Entretanto, ainda que não faltemempreendedores morais ensaiando criar tal asso-ciação, ela pode até ter uma forte repercussãolocal, mas não se difunde na sociedade. A origemindustrial da saga econômica de Benjamin Stein-bruch parece protegê-lo de qualquer associaçãoinfamante. Mas é interessante que sua trajetóriaprepondere sobre uma possível vinculação destepersonagem ao mundo financeiro, mesmo queele já tenha sido membro do Banco Fibra.7 Comefeito, o anti-semitismo não parece ter deitadoraízes profundas na sociedade brasileira: mesmonuma conjuntura favorável para acionar aquelerepertório, ele não funciona.8

Uma outra comparação recai sobre a figurade Armínio Fraga, que também foi objeto de inten-so bombardeio moral, ao ser acusado de tentarganhar proveito de sua relação com Soros, consi-derado o grande vilão para os inimigos atuais dasfinanças. Na época da ascensão de Fraga ao postode presidente do Banco Central, Soros estava noc e n t ro de uma polêmica com o então PrimeiroM i n i s t ro da Malásia, Mahathir Mohamad, que oacusava pela crise que seu país atravessara entre1997 e 1998 (The Economist, 1997a e b). O grandeespeculador teria deflagrado uma corrida contra amoeda desse país, e as acusações chegaram até aflexionar o repertório do anti-semitismo, quandoMahathir Mohamad discursou na Conferência dosPaíses Islâmicos (Cohen, 2002). Havia, assim, umhalo de verossimilhança para produzir a associa-ção. Mas Fraga não serviu ao estereótipo. Isso por-que, de um lado, grande parte da imprensa e dosanalistas de mercado contrastaram sua “flexibilida-de” à “ortodoxia” de Gustavo Franco, de outro, eleobteve uma cobertura mundana muito favorável,

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destacando a sua origem patrícia e seu re f i n a m e n-to ascético (Dias, 2000). Por fim, diversas notíciasdavam conta de tratativas para mantê-lo no carg ode presidente do Banco Central no início do gover-no Lula, denotando um reconhecimento ampliadode seu desprendimento patriótico (Gaspari, 2002;Época Online, 2002; Traumann, 2002).

Vale destacar também que o personagemA rmínio Fraga parece ter passado ao largo do pro-cesso de privatização, não se envolvendo assim,ao menos publicamente, com a questão mais con-t roversa do período. Posteriormente, já no gover-no Lula, Fraga aparecerá como gestor indepen-dente de fundos de investimentos e uma espéciede herói das novas gerações do espaço financeiro ,indicando não só as boas estratégias de negócios,como também um art de vivre legítimo para osm e m b ros desses grupos. Já Daniel Dantas nãop a rece ter realizado nenhum investimento de legi-timação perante o grande público. Muito pelocontrário, ele é sido acusado de ter escolhido ocaminho inverso no sentido de manter o contro l edas situações delicadas por que passam seusnegócios mediante a espionagem de seus even-tuais adversários, alimentando, assim, o estere ó t i-po do plutocrata (Michael, 2004; Helena Chagas,2005). E mais do que isso, ele foi, talvez, a figura,que vinha do setor privado, mais saliente do pro-cesso de privatização e também dos re a r r a n j o ssocietários que o seguiram.

É possível entender, assim, por que DanielDantas tornou-se “favorito” para assumir o papelsocial do plutocrata. De um lado, a confirm a ç ã odos atributos mais ou menos gerais que compõemtal papel: ele manipularia indivíduos, instituições eagendas para promover seus interesses particula-res; disporia de recursos para isso e não hesitariaem usá-los, inclusive acaparando fundos das em-p resas que administra como delegado (Mendes,2006). De outro lado, ao se tornar o grande “demi-u rgo” da privatização, ele interferiria dire t a m e n t enuma esfera da vida econômica e social que deve-ria ser autônoma relativamente às finanças. Nessecaso, notemos que sua presença na configuraçãotem efeito social diferente daquele que poderíamosesperar em relação a Steinbruch ou AntônioE rmírio de Moraes, que, por terem vindo da ordemindustrial, têm suas presenças legitimadas no pro-cesso de privatização.

Mundo das finanças e mundo das artes

A esfera política abre outros caminhos analí-ticos: vimos na CPI diversos atores atacarem Da-niel Dantas de pontos de vista que claramenteindicam o mundo financeiro visto pelo ângulodos fundos de pensão; vimos também aquelesque, ao inquirir Dantas, lançavam um anátema atodo o sistema financeiro; e ainda aqueles quedefendiam esse personagem, procurando resgatarsua “positividade”. Temos, assim, dois contencio-sos sobrepostos: um interno ao campo financeiroe outro opondo o espaço financeiro a represen-tantes imputados de outros setores da sociedade.No primeiro, há um claro jogo interno ao campodo poder. Schumpeter, nos primórdios da socio-logia das finanças, já havia observado que asestruturas sociais das finanças são a ossatura dasestruturas mais gerais das elites sociais e que seuscontenciosos revelam justamente as disputas noseio das elites (Schumpeter e Swedberg, 1991, p.101). Durante os oito anos da presidência deFHC, os “novos” banqueiros, dos quais Dantas éo exemplo mais acabado, gozavam de uma enor-me boa-vontade do governo federal e de suasagências reguladoras e de fomento, à custa dosdirigentes de fundos de pensão e dos agentes tra-dicionais do mercado financeiro. No governo Lu-la, a gangorra inclinou-se um pouco mais para es-ses dois últimos grupos. O desvelamento dosepisódios de espionagem empresarial e de diri-gentes governamentais que têm Dantas e Krollcomo acusados são a face visível desse conten-cioso, que envolveu o comando e a propriedadede empresas privatizadas no governo anterior(Vieira, 2003; Folha Online, 2006). Num primeiromomento, tudo indicava que o governo Lula favo-receria a inversão total do jogo. Posteriormente,parece que se chegou a alguma acomodação(Romero, 2005). Afinal... vivemos no paraíso daconciliação das elites.

Mas este exemplo permite avançar a análiseno sentido de constatar uma componente cons-tante da estrutura social brasileira. Se olharmos amorfologia social da disputa, percebemos queDantas exemplifica um grupo que poderíamoschamar de “vanguarda financeira”. Há, de fato,uma homologia entre a posição das nossas recém-

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denominadas vanguardas financeiras no campoeconômico e as vanguardas literárias e visuais nocampo da arte: de um lado, na produção de ino-vações no espaço em que atuam e nas condiçõessociais que permitem tal ousadia;9 de outro, nalibido que impulsiona tais práticas. No campoartístico, os interesses materiais têm de ser dene-gados para compor com as formas de legitimaçãodo espaço (Bourdieu, 1992). Acontece o contráriono campo financeiro. Para serem legitimados, osinteresses não econômicos têm de ser denegadose expressos pela retórica econômica da racionali-dade. Uma vez que o campo financeiro é parte docampo do poder, a libido dominandi é a base daeconomia pulsional mais geral do espaço, aindaque apareça envolvida pela retórica da necessida-de e do interesse econômicos (Rieder, 1990;Lordon, 2002).

A atuação de Dantas pode ser entendidacomo uma postura vanguardista no espaço econô-mico e financeiro: ele leva ao extremo a tendênciaà financeirização dos espaços econômicos e usa osinstrumentos financeiros, em especial a “alavanca-gem”, de maneira muito mais ampla do que opadrão até então aceito nesse espaço.1 0 A s s i m ,como uma espécie de tipo-ideal de postura finan-ceira, seu grupo utiliza mais capitais de terc e i ro sdo que o habitual; as empresas que ele administrautilizam também com maior intensidade e amplitu-de tanto a terceirização de trabalho e de atividadescomo os recursos das empresas que atua comore p resentante para realizar as finalidades específi-cas do seu grupo.1 1 Seus antecessores ou não pen-saram nas alternativas trilhadas por Dantas, ouconsideraram-nas excessivas. Mas uma vez postasem uso, elas passam a fazer parte do arsenal de“ferramentas” aceitas, ao menos parcialmente, pelom e rcado. Afinal, a concorrência obriga os demaisagentes a levar em conta a p e rf o rm a n c e das van-guardas, inclusive porque os clientes passam a exi-gir níveis de rentabilidade equivalentes. Dessa ma-neira, ou ele revoluciona o espaço em que atua,obrigando outros atores a alterar suas práticas oua c e i t a rem a perda de espaço, ou seus adversáriosconseguem impugnar suas ousadias.

As transformações do espaço financeiro eeconômico no Brasil seguem em grande parte umpadrão internacional. Num primeiro plano, as ino-vações surgem de uma dinâmica social impulsio-

nada por um contencioso geracional. Thompson(1997a e b) mostra esse padrão fazendo valer asua força nas transformações da City londrina lon-drinas depois do Big Bang financeiro dos anos de1980. Mackenzie (2006), por sua vez, mostracomo o desenvolvimento recente do mercado deopções nos Estados Unidos foi o resultado daação de verdadeiros empreendedores morais, mo-vidos por uma libido identitária que dificilmentepoderia ser reduzida a um prosaico apetite finan-ceiro, podendo mesmo ser contraposta a ele. Porfim, Galbraith (1993) lembra que a memóriafinanceira é excepcionalmente curta, pois asnovas gerações atuantes naquele espaço tendemsistematicamente a subestimar os riscos da “ala-vancagem” (como manifestação do conservadoris-mo de seus antecessores), o que produz um efei-to sistêmico de conduzir periodicamente o mun-do das finanças a situações de crise.

Inferimos, então, que o desabrochar e anecessidade de controle das novas gerações sãotraços permanentes do campo financeiro. É assimque, nesse início do século XXI, Dantas personi-fica as “novas gerações” para o público externo.Para o público interno, tudo indica que ArmínioFraga seja a principal referência (D’Ávila, 2004).Ambos cultivam o anonimato e a ascese, que osdistingue de “arrivistas salientes” como Nahas (ouEdemar Cid Ferreira, não oriundo de “naçãocomerciante”, mas de origem social modesta) eque, dessa forma, realça suas condições de patrí-cios. Mas Fraga consegue evitar a cena pública,exceto em condições propícias para afirmar seupatriotismo quando, por exemplo, disserta sobreos rumos da política monetária ou cambial semanatemizar o governo Lula. Já Dantas parece bemmais avaro no que diz respeito a manifestaçõesque revelem seu interesse público. Suas disputasempresariais são excepcionalmente salientes peloardor com que defende seus interesses exclusi-vos, levando a lógica financeira ao seu extremo.Em analogia ao campo artístico, ele faz o papeldo enfant terrible, odiado por muitos e admiradopor alguns. O futuro dirá se estamos diantede apenas de um simples narcisista (ou avaro) oude um verdadeiro inovador da prática financeira.Mas, ainda que não exista uma prova nesse senti-do, o episódio de seu depoimento na CPI mostraque ele é defendido com ardor por um conjunto

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grande de representantes públicos, o que denotaque sua atuação pode ser justificável na esferapública (Senado, 2005b).

As responsabilidades sociais

O relevo do campo financeiro re v e l a - s e ,assim, mais rico e complexo. As diversas posturase formas de legitimação indicam indivíduos eposições diferentes em concorrência, cujas intera-ções diretas e indiretas dinamizam esse espaço e,dada a sua centralidade para a economia brasilei-ra atual, acabam influenciando o espaço socialcomo um todo. O conjunto dos grandes bancosc o m e rciais, que à primeira vista parece distantedos nossos personagens, tem aplicado políticassistemáticas de “responsabilidade social” e, maisrecentemente, de “sustentabilidade”, no sentido det o rná-los atores legítimos da ordem social brasilei-ra, apesar dos juros e s p re a d s estratosféricos queaplicam e cobram de seus clientes (Cruz, 2006).Diante da constatação dessa prática, eles alegam aexcepcionalidade do momento vivido pela econo-mia brasileira, corroída pela incerteza pro v o c a d apor ações governamentais desastrosas. Uma vez“solucionadas” essas tendências, os bancos volta-riam a seu papel tradicional de fornecer liquidezpara os ciclos comerciais e de investimento, aban-donando o papel de cre d o res bem re m u n e r a d o sda dívida pública (Tro s t e r, 2004). Mesmo que ovolume de aplicação e de lucro seja incompara-velmente maior do que o dos novos agentes,ainda que sejam os principais clientes da novaelite financeira, da qual solicitam a administraçãode carteiras de investimentos para atender suasclientelas mais sofisticadas (D’Ambrosio, 2003,2004; Pavini, 2005), eles não personificam omundo das finanças, como fazem nossos pro t a g o-nistas “de vanguarda”.

A responsabilidade social e a sustentabilida-de podem ser consideradas novas tecnologias deintervenção privada em questões sociais eambientais. Em primeiro lugar, elas elevam o pata-mar de efetividade da gestão da imagem pública eda legitimação de um número cada vez maior dee m p resas que as adotam (Sartore, 2006). Emsegundo, re p resentam um novo espaço social, umlugar neutro, propício para a convergência das eli-

tes. Elites empresariais encontram-se e põem-se deacordo com os re p resentantes de ONGs encarre-gadas de operacionalizar as questões a serem ata-cadas, assim como com as lideranças sindicais pre-sentes nos fundos de pensão que tambémcoonestam esse desenvolvimento (Grün, 2005b).Por meio desse congraçamento, os setores estabe-lecidos restauram o balanço de re c i p rocidade so-cial que a crise do Estado assistencialista levou deroldão ou as novas demandas que ele não conse-gue tratar. Nesse passo, restaura-se a hierarq u i asocial apropriada para conferir deferência aosp a t ronos das ações e estabilidade para sua pro e-minência. Mas não é só isso: a libido que pedeesse tipo de atuação corresponde a um h a b i t u sh i e r á rquico alheio, até agora, aos nossos novosfinancistas. Nessa chave explicativa, não é sur-p reendente que Dantas e demais financistas pou-co façam, ao menos publicamente, para pre e n c h e ras novas funções do papel de dirigente de empre-sas estabelecido e re s p o n s á v e l .

A oposição entre Dantas e os dirigentes dosfundos de pensão também pode ser exploradapelo lado das articulações em dois extremos doespaço financeiro. Mais do que qualquer outro e-vento, a ida de Lula à Bovespa, em 2002, jogouluzes na conexão que existia entre dirigentes dosfundos de pensão e setores menos dinâmicos domercado financeiro, como os operadores tradici-onais da Bolsa de Valores. De um lado, Lulaensaiava uma aproximação com os setores susce-tíveis a apoiar suas propostas, objetivando evitara intensificação da corrida contra o real, quepoderia decretar um verdadeiro aborto de suaspretensões presidenciais ou de seu futuro gover-no (Murphy, 2002; Ripardo, 2002). De outro, osnovos financistas claramente jogavam pela derro-ta do candidato do Partido dos Trabalhadores,“alertando” a população contra os riscos de elaousar um voto rebelde, principalmente por inter-médio de Soros, então convertido em seu ventrí-loquo (Gosman, 2002; Marques, 2002; Alencar,2002; The Economist, 2002 ). No momento em quea eleição de Lula virou fato consumado, a neces-sidade (e a capacidade) de acomodação dosdiversos atores passou a se fazer mais presente.Dantas e seus companheiros estavam mais com-prometidos com o espírito do período anterior, eprovavelmente também foram mais diretamente

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beneficiados do que outros atores. Dessa forma,para eles, o caminho da conciliação seria maislongo, mas nem por isso impossível ou impalatá-vel (Valor Econômico, 2006; Recondo, 2006;Romero, 2005; Racy, 2006). Desvela-se aí maisuma característica do espaço financeiro. O habi -tus local tende a conduzir a uma neutralização depaixões que possam pôr em risco as posiçõeseconômicas. Ainda que as paixões mexam com osindivíduos, os mecanismos locais forçam-nos arelevá-las. Para o indivíduo que habita o espaçofinanceiro, o homo œconomicus não é simples-mente uma abstração heurística eficiente ou umafalácia empírica, mas sim um modelo de condutalegítima a ser perseguido. Porém, como qualqueridentidade formada em tempos complexos, elenão opera livre e desimpedindo, mas se chocadiferencialmente com a libido dominandi, quenesse contexto funciona como uma espécie de“lado negro da força”;12 e também com as novassensibilidades, parcialmente legitimadas, de res-ponsabilidade social e sustentabilidade, que, porsua vez, entram em tensão com a filantropia ful-gurante promovida por atores como Soros.

Uma nova elite?

Outra característica do espaço aparece nalocalização geográfica dos nossos personagensnotórios: tanto Fraga como Dantas mantêm a sedede seus negócios no Rio de Janeiro, invertendouma tendência anterior de ver São Paulo como ocentro das finanças do país, principalmente dosbancos comerciais, o setor “estabelecido” dasfinanças (D’Ávila, 2004; D’Ambrosio, 2004). Partedessa situação pode ser explicada pela localiza-ção no Rio de Janeiro das escolas de economiamais identificadas com o pensamento ortodoxo(PUC-RJ; EPGE-FGV) (Loureiro, 1997) e tambémpelos investimentos correlatos em legitimaçãocultural da ordem financeira realizados por mem-bros dessa nova elite.13 Afinal, os operadores fi-nanceiros dessa vanguarda são recrutados em suamaioria entre os economistas formados no Rio deJaneiro (e que passaram pela administração finan-ceira do governo federal) do que entre os admi-nistradores e economistas formados nas “grandesescolas” paulistas da FGV e da USP, de alguma

forma contaminados pelo espírito industrial doperíodo anterior e mais presente na região.14 Essaseparação geográfica torna mais fácil a diferencia-ção de padrões de sensibilidade e de atuação eco-nômica e financeira, acrescentando maior com-plexidade ao campo do poder em âmbitonacional. Uma manifestação recente de forçadesse novo agrupamento foi justamente a passa-gem obrigatória de diversos aspirantes a adversá-rio de Lula pela Casa das Garças (Balthazar, 2005;Cotta, 2006). Esse fato tornou evidente o papel degatekeeping que esse novo grupo de financistas-economistas exerce na relação entre o espaçofinanceiro internacional e o campo político brasi-leiro.

Na relação entre economia e tecnologia apa-rece outro traço marcante da visão de mundo donovo grupo e da atuação social que dela sedepreende. Os anos de 1970 e 1980 foram mar-cados pela versão de que as economias industriaisjaponesa e alemã seriam arranjos sociais mais efi-cientes do que os anglo-saxões, fundamentalmen-te por causa da “concertação” de atores que elasensejavam, permitindo a colaboração harmoniosade esforços patronais, laborais e governamentaisem torno de estratégias mais ou menos consen-suais. Essa visão de excelência econômica ficoucomprometida nos anos de 1990, quando osEstados Unidos passaram por um forte período decrescimento, ao lado da estagnação das duasoutras economias. A primeira interpretação paraeste fato faz menção à liderança norte-americanade novas tecnologias na área de informática de-senvolvidas no período. Os Estados Unidos domi-navam a produção dos softwares e demais ele-mentos da infra-estrutura informática e telemática– daí sua primazia. Essa versão foi questionadapor outra, de fundo financeiro, segundo a qual asuperioridade norte-americana residiria na maiorcapacidade de governança nos Estados Unidospor causa de seu mercado de capitais mais desen-volvido do que em outros países (The Economist,1994). Não por acaso, essa versão foi encampadapor nossos novos financistas, que passaram a ad-vogar o desenvolvimento de um mercado decapitais brasileiro mais próximo do exemplode sucesso norte-americano (Agestado, 2000). Deum lado, seus investimentos culturais os predis-põem a acatar tal versão; de outro, a expansão do

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mercado de capitais é, evidentemente, a situaçãosocial que melhor lhes convém para rentabilizarde modo mais efetivo o fundo de comércio jáestabelecido. Uma conseqüência direta da predi-leção econômica e cultural é o tipo de estratégiaque esse gênero de ator tende a empregar na ges-tão de empresas, em especial aquelas vistas comoineficientes, das quais as empresas estatais recém-privatizadas são o exemplo marcante.

Retomando a questão da re s p o n s a b i l i d a d esocial, pode-se fazer uma outra analogia com ocampo artístico. As vanguardas costumam apre-s e n t a r-se como o grupo que realmente cultiva eleva às últimas conseqüências os valores intern o sdo meio, sem se deixar levar por compro m i s s o sespúrios. No caso da arte, a grande questão re s i d eno compromisso entre o desenvolvimento da lógi-ca especificamente estética, de discernimento difí-cil para atores fora desse ambiente, como a clien-tela e os governos, e uma arte menosc o m p rometida com a vanguarda. No nosso espa-ço mais prosaico, a questão da re s p o n s a b i l i d a d esocial, adotada decididamente pelos bancos tradi-cionais, aparece como um compromisso entre alógica econômica e financeira e a necessidade dere c i p rocidade social que emerge das tarefas delegitimação geral da atividade financeira perante asociedade. Compromisso necessário para aquelesque têm de se justificar para o mundo extern o ,mas uma atividade filosoficamente questionávelpara quem acredita nas virtudes sociais da e n d u -r a n c e p roduzida pela atividade econômica e vê nofuncionamento desimpedido das leis da economiaa melhor forma de regulação social possível.1 5

Na esfera internacional, essa questão é dis-cutida num longo artigo publicado em 2005 na re-vista The Economist, em que o autor questiona aidéia de responsabilidade social em nome da vi-são econômica tradicional, segundo a qual a fun-ção da empresa é gerar lucros (Crook, 2005). Umavez que os lucros são taxados pelos governos,que empregam esses recursos nas necessidadessociais segundo critérios mais abrangentes do queos que poderiam ser tirados do discernimento doscapitalistas, a alocação da reciprocidade seriamais bem realizada no âmbito governamental. Aousadia dessa revista, ao publicar um artigo quedesafia uma tendência social já legitimada e a-poiada por arautos muito fortes, foi retrucada por

uma impressionante barragem de críticas, oriun-das de profissionais da área de responsabilidadesocial, mostrando o enraizamento de “nossoenxerto” na paisagem social.16 Ficar de fora dissopode sair caro em termos de uma política inclusi-va, mas representa um constrangimento identitá-rio dificilmente evitável para o tipo de virtude queemana de ambientes como aquele em que se criaa nossa vanguarda financeira. Trata-se, assim, deum efeito de campo sociologicamente provávelesperar que a vanguarda financeira se mantenhadistante da responsabilidade social. Ao verificar-mos a possível adesão de indivíduos ou empresasa esse tipo de atividade, talvez signifique sua “do-mesticação” pelo ambiente social inclusivo – aprosaica ascensão dos “indigitados” ao papelsocial de “estabelecidos”.

Uma acusação constante, no tempo e noespaço, contra o mundo financeiro, associa essaatividade a jogos de azar. Como vimos, os ban-queiros estabelecidos encontraram recentementena responsabilidade social uma nova ferramentapara lidar com a questão da legitimidade; já asnovas gerações tendem a usar nessa direção a tec-nicidade ou profissionalismo de sua atividade(Mackenzie, 2006). Em termos da posição que o-cupa cada um desses grupos, essa divisão fazsentido, já que os primeiros lidam muito mais fre-qüentemente com o grande público, ao passo queos últimos estão confinados ao pequeno mundodos grandes investidores e das autoridades mone-tárias, os quais precisam ser convencidos darazoabilidade das complexas operações financei-ras que nossa vanguarda propõe. No espaço dasações de benemerência que trazem legitimidade aseus protagonistas, observamos uma tendênciainternacional por parte dos titulares das novasgrandes fortunas em adotarem posturas agressivase individualistas, não por acaso análogas àquelasque empregam em seus negócios de origem. So-ros é, mais uma vez, o exemplo flagrante, masobservamos um padrão análogo em outras“jovens fortunas”, não necessariamente oriundasdo setor financeiro (Strom, 2006; Miller, 1997;Guilhot, 2004, 2006). Vale lembrar que essas ini-ciativas, inusitadas e potencialmente controversasquanto ao objeto (por exemplo, doação de 1bilhão de dólares de Ted Turner para a desacre-ditada ONU) e ao tipo de apoio (por exemplo,

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combate às posturas internacionais do presidenteBush patrocinado por Soros), passam ao largo dopadrão do setor já constituído da responsabilida-de social empresarial, o qual, em geral, patrocinacausas que o bom-senso julga consensuais – cer-tamente as causas defendidas por Soros e demaistycoons provocam tensões com o pólo estabeleci-do do setor (Miller, 1997; Blumenfeld, 2003).

Não havíamos observado esse padrão noBrasil, mas o exemplo internacional indicava queele poderia apare c e r. O depoimento de Dantas naCPI revelou que ele e seu grupo também desen-volvem projetos na área da educação. Res-pondendo sobre seus contatos com integrantes dog o v e rno Lula, afirmou que seu interlocutor maisf reqüente foi:

O Ministro Cristovam Buarque. Estávamos levan-do a ele um projeto que fizemos para a Educação,que era um projeto basicamente para tentar apro-veitar um pouco da tecnologia gerencial privada etentar desenvolver práticas de custo mais baixopara que fosse possível educar a um custo menor.Na verdade, de qualquer jeito, mesmo que hajaverbas suficientes para a educação, se for possívelgastar menos, é sempre melhor. Temos um insti-tuto de desenvolvimento de práticas onde foidesenvolvido um programa em que basicamentehá um pagamento, uma remuneração por cadaaluno – aprovado numa prova feita pelo Estadoou por um órgão independente – mas quemganha é o pro f e s s o r. E o professor ganha poraluno aprovado. Isso criou uma grande motiva-ção; o conteúdo de educação é um conteúdo pre-parado, um conteúdo de alto conteúdo didático.Você não precisa de proficiência, do ponto devista dos pro f e s s o res (Senado, 2005a).

Independentemente da qualidade intrínsecada solução que ele aponta para problemas edu-cacionais, este iconoclasta atenta contra as formasestabelecidas de remuneração e de motivação deprofessores, propondo incentivos típicos do uni-verso financeiro. Podemos ser contra ou a favorda forma e do conteúdo da intervenção de Dantasna esfera educacional, mas temos de reconhecerque ela é controversa, aproxima seus patrocina-dores do “padrão Soros” e, conseqüentemente,afasta-os do estilo “bom-moço” das ações de res-ponsabilidade social padronizadas. Vemos, assim,o habitus tycoon agindo no Brasil contemporâneotambém na esfera da benemerência.

O campo financeiro

As tensões internas do espaço financeiro, aolado das cooperações diretas e indiretas, mostrama existência de um espaço em que as estratégiase os valores (monetários, sem dúvida, mas, comovimos, também simbólicos) são comparados eretroalimentados. Mais uma vez em analogia como campo artístico, vale lembrar que os produtosda atividade financeira estão longe de obteremvalor consensual na sociedade. Assim como a o-bra de arte, eles dependem de uma alquimiasocial complexa para ganharem verossimilhança(Mackenzie, 2001). Alquimia esta produzida pri-meiro no próprio espaço financeiro – talvez resi-da aí a principal fonte de solidariedade interna,que predispõe a maioria dos players a coonestaros artefatos produzidos pelos colegas/concorren-tes, e praticamente obriga todos agentes a nãoficarem indiferentes às obras dos outros, seja paraaceitá-las, seja para refutá-las. O alargamento re-cente desse espaço, propiciado pela entrada daselites não-financeiras, tornou o processo aomesmo tempo mais complexo e mais eficiente:um investimento ou instrumento financeiro utili-zado por um fundo de pensão torna-se maisverossímil, assim como um projeto industrial oude intervenção social endossados por uma ONGpré-legitimada por atuações conhecidas pelo pú-blico. A conquista das adesões de agentes exter-nos à ordem e à lógica financeiras é um processode negociação custoso, mas parece representaruma tendência irreversível na cena atual (Camba,2005). Como nas gravuras japonesas, os produtosfinanceiros passam por uma cadeia de endossosque lhes fornece o selo de qualidade; é difícilconseguir mais endossos, mas cada novo atesta-do, investindo o capital simbólico do endossante,acrescenta qualidade e segurança ao produto. Éassim que, corroborando essa tendência, aparece-ram recentemente não só o Índice deSustentabilidade Empresarial – ISE, como tambémum novo produto, qual seja, a gestão de risco decarteiras administradas pelos novos gestores, efe-tuada pelos grandes bancos estabelecidos (Vieira,2006). Em planos bem distintos, as duas evolu-ções ajudam a soldar a cada vez mais longa ca-deia de construção recíproca de verossimilhançase de interdependência que produz a legitimaçãoda ordem financeira.

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Mas os endossos também não custam barato.Os endossantes tensionam suas posições em seusrespectivos universos de origem. As ONGs cre s c e-ram em grande parte a partir de opções de mili-tância esquerdista, e o pragmatismo de alguns con-tinua sendo repudiado por outros. No caso re c e n t edo ISE, vimos o Instituto Brasileiro de AnálisesSociais e Econômicas – Ibase sair da comissão queo estava estabelecendo por discordar da inclusãode empresas que produziam produtos considera-dos nocivos, como, por exemplo, tabaco (Pavini,2005). Para os sindicalistas gestores dos fundos depensão, é sempre audível a voz daqueles que oslembram que vários dos empreendimentos em queinvestem não são exemplo de boas práticas traba-lhistas ou que, mais doutrinariamente, condenam osistema de aposentadoria por capitalização, pro-movido pelos fundos.1 7 Em ambos os casos, os ato-res que aceitaram jogar o jogo da legitimação cru-zada respondem dizendo que a sua pre s e n ç anaqueles universos possibilita a “domesticação dastendências agressivas do capital”. E como essa con-figuração é recente, as conseqüências ainda nãoforam provadas: nos empreendimentos apoiadospelos fundos de pensão ou coonestados pelo ISE,por exemplo, não ocorreu ainda nenhum escânda-lo trabalhista ou ambiental, mas isso não quer dizerque não tenha já ocorrido fatos que mereceriam orepúdio da sociedade. A calmaria tanto pode sig-nificar o cumprimento da promessa de domestica-ção, como a incapacidade dos militantes contráriosà convergência de criar um clamor público neces-sário para fazer a sociedade conhecer eventos esituações que atentariam contra a moral dominan-te na sociedade ou no seu espaço de atuação par-t i c u l a r.1 8

Talvez encontremos aí outro ponto que ali-mente nosso argumento em relação a DanielDantas. Até onde as informações públicas indi-cam – e nessa rubrica são elas que contam –, elenão participa do circuito longo de legitimaçãoque aparece para o público externo. Ademais, seucontencioso com os fundos de pensão e com ogoverno Lula, além de produzir estragos na ima-gem do setor financeiro como um todo – por tor-nar uma disputa comercial pública e cheia deingredientes de novela policial –, ajuda a douraro brasão dos representantes dos trabalhadoresnos fundos, sugerindo que sua ação “domestica-

dora” está sendo efetivamente realizada. No cerneda justificação apregoada pelos dirigentes dosfundos de pensão, a imagem de plutocrata ligadaa Daniel Dantas é um suporte ideal para referen-dar a idéia de que eles funcionam efetivamentecomo controladores do potencial destrutivo dosmercados financeiros, não só no espaço econô-mico, mas também na esfera cívica. Nas palavrasde Fernando Ferro (PT-PE):

V. Sª [referindo-se a Daniel Dantas] faz parte deum grupo que, no Governo Fernando Henrique,junto com os Mendonça, Pérsio Arida e ElenaLandau, constituiu um núcleo político e ideológi-co para se apropriar de uma parcela do Estadobrasileiro. O processo de privatização foi umainvestida no patrimônio do País para atender gru-pos de que V. Sª faz parte. E para fazer isso, usou-se dos expedientes políticos da interferência, dasações políticas, da pressão do Presidente daRepública, de aliados, até da (Inaudível.), que nofinal foi utilizada para esse tipo de ação política(Senado, 2005b).

Assim, querendo ou não o indivíduo decarne e osso que lhe dá suporte, o nosso “totem”adquire uma força simbólica ainda maior. Suaface “maligna” é invocada sistematicamente pelossindicalistas e políticos inseridos no circuito finan-ceiro que se justificam como promotores do com -merce doux redivivo. Mas a polissemia está sem-pre presente, fertilizando nosso símbolo, pois háaqueles que acreditam que os fundos de pensãonão passam de um braço disfarçado do execra-do corporativismo getulista. Nessa chave, o mes-mo papel dos fundos de pensão é visto negativa-mente, e Dantas ganha o status de herói civiliza-dor, que ousa manter a luta contra o que seuscultuadores julgam ser um anacronismo queteima em manter-se vivo no mundo globalizado.19

Nas palavras do senador César Borges (PFL-BA),também expressas no depoimento em 21/9/2005:“É um empresário de sucesso. E, hoje, acho queele é até mais que um empresário, passa a ser ummito, em nível nacional, diante dos seus negócios,e a controvérsia sobre muito desses negócios”.

Quando inquirido sobre as fontes de seusucesso empresarial, em especial, sobre o quê jus-tificaria ser ele o operador do processo de priva-tização, Daniel Dantas, além de proverbialmenteomitir as respostas sobre as condições sociais de

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seu sucesso (pergunta feita muito claramente porGastão Vieira – PMDB-MA), qualifica-se afirman-do que

[...] na época que montei o Opportunity, tínhamoso fundo mais rentável do mundo. O Opportunitytinha ganho quase todos os prêmios por ter sidoum fundo extraordinariamente rentável. Eu játinha passado por várias experiências na área deinvestimento: fui diretor do Bradesco, fundei oBanco Icatu, tínhamos uma empresa de participa-ções, já tinha passado por muitos negócios.

Sobre a inovação que estaria trazendo à eco-nomia brasileira, ele afirma:

Eu, em conjunto com os representantes doCitibank, fomos ao Governo brasileiro, inicial-mente ao Presidente Fernando Henrique Car-doso, e pedimos e sugerimos que, se fosse possí-vel, criar uma linha e uma estrutura que pudesseapoiar esse tipo de iniciativa. Fizemos uma pri-meira explanação do que se tratava esse tipo defundo, que, em inglês, chama-se um fundo deprivate equity, mas, como acho melhor usar otermo em português, se pudesse arriscar uma tra-dução, um fundo de participações privadas. Hoje,nos países desenvolvidos, esse talvez seja a gran-de mola do capitalismo inovador nos EstadosUnidos e na Europa. Existe mais ou menos US$1trilhão investidos nesses fundos. Toda a costaoeste americana é povoada de iniciativas que sãofomentadas por esse tipo de estruturas, que sãoespecializadas em captar recursos institucionais eaplicar recursos fomentando empreendedores,empresas, quer viabilizando novas iniciativas,quer mudando a equação gerencial de iniciativasjá existentes, ou seja, reestruturando operaçõesque já existiam (Senado, 2005b).

A “mãe das novidades”?

Voltando à análise geral do campo financei-ro, é interessante notar que os “fundos de privateequities” são realmente considerados uma inova-ção importante, tendo sido inclusive “apadrinha-dos” pelos órgãos financeiros internacionais comoum dos principais instrumentos que as economiasem desenvolvimento devem se dotar para acele-rar virtuosamente o seu crescimento. Não é assimpor acaso que o governo brasileiro assinou acor-do com o FMI comprometendo-se a estabeleceruma legislação específica para regulamentar essa

novidade (Valor Econômico, 2003). Vejamos: deum lado os agentes financeiros privados propõema inovação para resolver a questão do financia-mento das privatizações, o que resolveu um dosmaiores problemas do governo anterior; do outro,os órgãos internacionais insistem no estabeleci-mento das condições institucionais para criar ummercado mais seguro, ajudando na generalizaçãodo novo produto financeiro, do qual nossos agen-tes privados são os especialistas confirmados.

Num outro plano, de história das idéias,notemos que a lógica que rege os “fundos de pri -vate equity” representa uma forma de acumulaçãode recursos e de repartição de lucro e risco jáconhecida desde os primórdios do capitalismo,tendo sido usada, por exemplo, pelos armadorespara financiar as grandes navegações. No Brasil,grupos étnicos, religiosos e elites locais promove-ram diversos empreendimentos a partir desseprincípio, em especial a construção de edifícios.Mas essas empreitadas, baseadas numa lógicasocial da confiança “pré-capitalista”, estão limita-das aos espaços sociais protegidos dos quais e-mergiram. Os inovadores financeiros dos temposatuais são capazes de produzir as condições insti-tucionais (de início, como vemos, as estritamentejurídicas; resta saber se também no plano dataked-for-granted-ness) que generalizam e norma-lizam aquelas práticas.

Assim, ao falarmos de “inovação” no setorque estamos analisando, é importante ter emmente que uma boa parte do jogo se trava naesfera política, reforçando a idéia de que o campofinanceiro é uma parte do campo do poder. E aíaparece outra característica desse mundo das fi-nanças: as habilidades sociais necessárias para osagentes financeiros trafegarem eficientemente noespaço político não são enunciadas como tais,nem suas idéias como políticas. Pelo contrário, aoinvestirem sobre o campo político, eles aparecemcomo empreendedores e suas idéias como umaespécie de “senso comum” da modernidade.Assim, eles “não fazem política” no sentido pejo-rativo que a atividade ganhou nos últimos tem-pos. Ao contrário, para seus partidários, elesmerecem ser celebrados porque conseguem ven-cer as barreiras que o mundo da política impõe àsociedade, ajudando-a a evoluir. Para muitos deseus inimigos, como vimos na CPI, eles encarnam

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Lúcifer. Aí aparece outro ardil da dominaçãofinanceira. Enquanto os detratores atacam os ato-res da estirpe de Daniel Dantas acusando-os denão só fazerem política como também de cor-romper profundamente aquele espaço cívico, asua defesa se organiza em torno do argumento deque eles não só não são políticos, mas encarnan-do a racionalidade econômica, eles são o própriomotor do progresso da sociedade. Assim, a bata-lha cultural das representações se concentra emtorno da aceitação, ou não, da atuação dos finan-cistas como política ou econômica. A vencer aprimeira, eles teriam complicações à frente. Aocontrário, se prevalece a segunda interpretação,sua ação ganha espaços ilimitados.

Conclusão

À primeira vista, o espaço das finanças pare-ce um universo fechado, impenetrável para a aná-lise sociológica. Creio que nossas apro x i m a ç õ e sem torno de certas figuras, produzidas pela re l a ç ã otensa existente entre aquele universo e a socieda-de, tenham ajudado a diminuir tal impressão. Combase apenas em fontes públicas, parte do espaçose torna visível e sociologicamente compre e n s í v e l .A parcialidade dessa compreensão é evidente, massó poderá ser realmente avaliada quando confro n-tada a outras tentativas de objetivação sociológicadesse espaço. Seriam nossos “plutocratas” re a l-mente uma boa entrada para um universo de prá-ticas e hábitos tão esotéricos? Ou seriam apenasepifenômenos que mascaram as tendências maisimportantes? Outros pontos de vista, outras ferra-mentas teóricas e outras fontes matizariam (ouinvalidariam), provavelmente, a presente análise,estimulando pesquisadores e estudantes a investi-gar esse espaço tão vital para a sociedade, mas tãopouco estudado pela sociologia.

Neste artigo, tentei “abrir a caixa preta” dasfinanças, procurando encontrar algumas das fon-tes sociais de sua dinâmica interna e de suas re l a-ções com outros universos. Obviamente existeuma complexidade muito maior do que deixae n t rever a fresta que explorei aqui. Alguns estu-diosos procuram entender, de maneira sistemática,a lógica da eficácia dos instrumentos financeiro sm o d e rnos, em geral com base teórica nos Estudos

Sociais sobre as Ciências (Mackenzie, 2001; Knorr-Cetina e Bruegger, 2002; Beunza e Stark, 2004).Outras contribuições, geralmente trazidas por pes-q u i s a d o res que antes se ocupavam da sociologiadas organizações, tentam dar conta sociológica donovo ramo da economia financeira, que transfor-mou significativamente o escopo da área econô-mica, fazendo do economista um especialista emarbitragens a partir da exploração de “falhas dem e rcado”, e também apontam para o intere s s a n t ecaráter perf o rmático dessa ciência social, que ficacada vez mais evidente conforme a transform a ç ã op rofissional vai se aprofundando (Perrow, 1990;Fligstein e Friedland, 1995; Grün, 2004a e b;Mackenzie, 2006). Esses veios riquíssimos podem(e precisam) ser explorados de diversas form a snessas terras povoadas por Chicago Boys. Apenase n t revi essa possibilidade na apresentação suma-ríssima das private equities. A “construção social”da verossimilhança e do mercado dessa nova (evelha) entidade aparece muito nítida e, dada a suacentralidade na montagem das operações finan-ceiras que re c o n s t roem a paisagem econômicacontemporânea, torna-se necessário conhecer adinâmica da qual ela é produto e que, por sua vez,é capaz de deflagrar ou apro f u n d a r.

Um outro tema que apareceu em diversospontos da análise é o da “responsabilidade socialdas empresas” e de sua relação com as formas deintervenção social e de construção de legitimida-de inspirada pelos enfants terribles das finanças edemais setores dinâmicos da economia. As duasatividades costumam ser vistas no mesmo bloco,com base na diferenciação referente à tradicionalação social sob controle direto dos Estados.Contudo, esta análise mostra que se trata de pólosantagônicos, já que funcionam a partir de lógicasdiferentes e concorrentes. É necessário, portanto,observar as fontes de tensão causadas pela coe-xistência desses dois fenômenos, apenas parcial-mente recobertos pela mesma rubrica. Afinal,mesmo que eles não atinjam diretamente umaparcela muito relevante da paisagem social, éindisfarçável sua pretensão de influir na açãogovernamental de maneira direta ou, pelo menos,causar algum efeito sobre as estratégias de políti-cas públicas.

Os nossos “plutocratas” tornam-se figuraspúblicas a partir do que, provisoriamente, chama-

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mos de “escândalos”.20 Segundo os estudiosos quese ocupam das técnicas de “escandalização”, amelhor maneira de medir o sucesso dos empreen-dedores morais que se utilizam do escândalocomo forma de fazer avançar seus propósitos é oimpacto produzido na cena pública, alterando, ounão, procedimentos, leis, hábitos e costumes.Periodicamente, a sociedade brasileira ensaia “es-candalizar-se” com algumas conseqüências dadominação financeira, como, por exemplo, oslucros e as margens do sistema bancário, maspouco se faz efetivamente para alterar o preço daintermediação financeira. Seguindo essa lógica,poderíamos dizer que os protestos antifinanceirossão produzidos por uma coalizão de empresários,sindicalistas e intelectuais tradicionais que se in-surgem contra o que consideram ser o maiorimpedimento ao desenvolvimento econômico dopaís. Mas eles são neutralizados pelos empreen-dedores morais da “causa financeira” – economis-tas mainstreamers e pelo establishment –, que osridicularizam, esvaindo qualquer possibilidade deprotesto mais eficiente. Novos anúncios sobre osresultados financeiros dos bancos, o acaso dapublicação de algum estudo sobre o spread ban-cário, ou, ainda, uma tentativa de criar ou de es-vaziar algum escândalo ligado a problemas finan-c e i ros, quaisquer desses fenômenos re p ro -duziriam a discussão anterior. Previsivelmente,elas também seriam enquadradas pelos novosguardiões da racionalidade societária. Duas possi-bilidades podem ser extraídas dessa aparenteabulia: a primeira, mais concreta, é que a socie-dade brasileira já naturalizou a dominação finan-ceira; qualquer abalo nessa ordem simbólica seriarapidamente controlado pelos “intelectuais da or-dem”. A segunda, menos evidente, indica queesse movimento periódico das marés está produ-zindo um novo formato da estrutura simbólica dasociedade, criando categorias para expressar assensibilidades antifinanceiras.

Notas

1 Este artigo tem por base análises mais micrositua-das de como o mundo fabril se dobra ao pre-domínio financeiro (Grün, 1999); do espaço orga-nizacional e da transformação da sua relação com

o mercado de capitais (Grün, 2003a, 2005a e b]);algumas relações internas ao mercado financeiroe suas conseqüências no espaço político (Grün,2004a e b). Dessa forma, a possibilidade de ensa-iar uma análise específica da dinâmica cultural dadominação financeira nutre-se do conhecimentosobre o espaço das finanças, seus instrumentosde ação econômica e social e de suas relaçõescom outros setores.

2 Evidentemente, o que interessa para a análisesociológica da cultura financeira é a imagem e opersonagem Daniel Dantas, e não o indivíduo.

3 Segundo uma biografia oficial, Armínio Fraga foipresidente do Banco Central do Brasil de marçode 1999 a dezembro de 2002. Anteriormente,ocupou durante seis anos o cargo de DiretorGerente da Soros Fund Management LLC emNova York. Entre 1991 e 1992, Fraga foi Membroda Junta de Diretores e Diretor do Departamentode Assuntos Internacionais do Banco Central doBrasil. Também trabalhou em Salomon Brotherem Nova York e no Banco de Investimentos Ga-rantia, no Brasil, e foi professor na Escola de As-suntos Internacionais da Universidade de Co-lúmbia, na Escola Wharton e na UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro. Atualmente, ministracursos na Escola de Pós-graduação em Economiada Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro,.Doutor em Economia pela Universidade dePrinceton, Fraga formou-se como bacharel e fezmestrado em Economia na Universidade Católicado Rio de Janeiro em 1981. Além disso é membrode prestigiosas organizações internacionais, comoo Grupo dos Trinta, o Conselho de RelaçõesInternacionais, a Junta de Assessores ao Pre-sidente do Foro de Estabilidade Financeira, aJunta Assessora de Pesquisas do Banco Mundial,o Diálogo InterAmericano e a Junta de Diretoresde Pro-Natura (Estados Unidos).

4 A partir desse momento, um caminho analíticoparalelo leva em conta a mídia enquanto campo,suas relações com outros espaços sociais, como oda política e do Judiciário, e as razões internas decada um deles na formação desse “totem”. Aí, ofoco são os constrangimentos internos de cadaespaço – a competição e a colaboração entreprofissionais, entre empresas, as relações entre osprimeiros e os segundos, bem como a com-petição e a colaboração entre a mídia e outrossubespaços que compõem o que Bourdieu (1989)chama de campo do poder. A esse respeito, verGrün (2006).

5 Nomes costumam migrar mais facilmente do queconteúdos estruturados, já que permitem flexões

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locais de sentido que afetam pouco a legitimi-dade do rótulo importado. Dessa forma pudemosobservar a importação recente da “ferramenta”governança corporativa no Brasil, um rótulo legí-timo e poderoso no mundo empresarial e finan-ceiro, mas que aqui serve para “consertar” situ-ações diferentes daquelas que aparecem na cenaoriginal estadunidense.

6 A transcrição taquigráfica do evento foi acessadaem 23/8/2006 no site http://www.senado.gov.br/s f / a t i v i d a d e / C o m i s s o e s / c o n s C o m C P I . a s p ? c o m = 1 335. A sessão também foi integralmente filmadapela TV Senado, disponível sob pedido (Senado,2005b). A observação das posturas do depoente,seu séqüito e dos parlamentares durante o depoi-mento possibilita uma socioanálise das formasverbais e gestuais de se fazer importante nosespaços financeiro e político e seus efeitos soci-ais. Uma das manifestações mais eloqüentes dodesvelamento da estrutura social que ocorreu noepisódio foi a fala de Zulaié Cobra (PSDB-SP): “Aminha pergunta, Sr. Daniel Dantas – eu já vi queDaniel Dantas é como todo rico: fala baixo. Eupreciso ser um pouco mais rica e falar baixo.Gente pobre fala muito alto. É uma desgraça! Voufazer um curso para falar baixo (Senado, 2005a).

7 Na mesma chave, constatamos que imagempública do grupo Votorantin – sempre lembradocomo o mais importante conglomerado industrialbrasileiro – não é enfocada por sua presença nomundo financeiro, , apesar da grande importân-cia que tem o Banco Votorantin no portfólio dogrupo. Não é à toa que seu dirigente mais con-hecido, Antônio Ermírio de Morais, é visto e fes-tejado como “campeão” da indústria brasileira.

8 D e p a rei-me com esse traço da sociedadebrasileira num outro objeto completamente dife-rente: as formas como políticos de origem judaicase inserem no espaço do seu ofício (Grün, 1994).O que une os dois espaços é o fato de ambosserem espaços públicos, onde os agentes sociaisacionam, e testam, os diversos recursos retóricosdisponíveis na sociedade. A soma das evidênciasdá segurança à afirmação do caráter poucoimportante do anti-semitismo no Brasil.

9 Não significa que a ousadia seja apanágio de indi-víduos de origem “patrícia”, mas que estes pagampreços menores por ela não só na legitimação deseus atos mas também no custo de eventuais fra-cassos.

10 O volume de recursos mobilizado por Nahas nasações bursáteis também denota o uso extremo da“alavancagem”, mas num contexto em que sualegitimidade era mais precária, fragilizando o per-

sonagem e, muito provavelmente, levando-o àderrocada.

11 É justamente nesse ponto que seus concorrentesintervêm na esfera jurídica, impugnando o usoque Daniel Dantas faz dos recursos que adminis-tra como delegado (Mendes, 2006). O desfechodesse contencioso pode ser entendido como umaprova de laboratório da aceitação social ou dare p rovação das práticas “vanguardistas” noespaço econômico.

12 Lordon (2002) explora sistematicamente a dispu-ta por controle entre os grandes bancos france-ses. A variação das justificativas de cada um mos-trou a plasticidade da “lógica” econômica, cla-ramente transformada em uma retórica compla-cente e subsumida pela libido dominandi. Nonosso espaço empírico, as constantes acusaçõessobre os atos de espionagem de DD/Kroll podemser catalogadas como essa libido dominanditransfigurada em “necessidade de conhecer ospróximos passos de nossos adversários”.

13 O mais interessante é o Instituto de Estudos deEconomia Política, conhecido como a “Casa dasGarças” (ver site http://iepecdg.com/DISK 1/pag-inaquemsomos.html). Não por acaso, os can-didatos a adversário de Lula nas eleições de 2006passaram pela “sabatina” do grupo (Gois, 2006a eb).

14 Evidentemente, a gênese desse “efeito de aglom-eração” merece uma explicação em si mesma.Ainda que não comprovada, é sedutora a hi-pótese de que estejamos diante de algum tipo decontinuidade do padrão da economia pré-indus-trial, em que a produção agrícola era efetuada nointerior de São Paulo, enquanto as operaçõesfinanceiras correlatas (opções de futuro, emprés-timos e adiantamentos etc.) eram realizadas noRio de Janeiro ou em Santos. Mas, de qualquermaneira, creio ser lícito inferir que a continuidadedo predomínio financeiro na economia e nasociedade tenderá a alinhar o ensino de econo-mia e administração de São Paulo com a novarealidade.

15 Sobre a lógica mnemônica do raciocínio que faznascer a virtude a partir da rigidez econômica, verLakoff ( 1996).

16 Para as críticas e as discussões em torno dessaquestão, ver o site http://www.economist.com/surveys/displaystory.cfm?story_id=3574392.

17 Na “capitalização”, cada participante do sistematem uma conta particular que acumula suasprestações, as do seu empregador e os rendi-mentos delas (a capitalização), e o montante que

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ele receberá quando aposentado será calculado apartir dos resultados financeiros dessa acumu-lação individual. Na “repartição”, os trabal-hadores de uma geração “X” pagam as aposenta-dorias dos seus antecessores (geração “X-1”), quesão atribuídas por critérios de justiça social eesperam que seus sucessores no mercado de tra-balho (geração “X+1”) façam o mesmo emrelação a eles. Esse sistema é considerado maiseficiente em termos de manter a coesão social, aopasso que o primeiro é considerado melhor parainduzir o desenvolvimento econômico, pois gera-ria excedentes em posse de particulares paraserem investidos em negócios lucrativos. A quasetotalidade dos atores contemporâneos considera-dos especialistas no tema é partidária da “capitali-zação”, embora haja uma oposição, em geraladvinda do catolicismo social europeu, que cor-robora a crítica que muitos sindicalistas fazem dosistema (Nikonoff, 1999). Mais recentemente, aevidência de sérias crises em fundos de pensãotradicionais parece estar alterando a “doxa” pró-capitalização para posicionamentos mais nuança-dos (Virard, 2006; Olmos, 2003; Grün, 2005).

18 Os estudos sobre mobilização mostram que para“criar um escândalo” é necessário capacidade etecnologia específicas –“saber e poder” – querefletem as assimetrias na distribuição de capitaissocial e cultural (Champagne, 1984; Garrigou,1993; Neveu, 1996) . Dessa forma, o fato de nãohaver escândalos pode indicar não só, ou sim-plesmente, a complacência moral da sociedadeem relação ao evento em questão, mas também oenfraquecimento daqueles que se sentem inco-modados por ele (De Blic, 2005).

19 Além da atuação recente da “bancada DanielDantas” no Congresso Nacional, manifestações deintegrantes do governo FHC mostraram quemuitos agentes daquela constelação partilham daidéia, ainda que os fundos sejam consideradoscidadãos de pleno direito da república interna-cional das finanças (Futema, 2002; Grün, 2003a).

20 Os escândalos produzem ondas de choque quevão bem além das intenções de seus defla-gradores e expressam as próprias dinâmicas cul-turais e sociais a que estamos submetidos. Nocaso do “mensalão”, vimos surgir algo inespera-do: a reprovação social ao processo de privatiza-ção das empresas estatais, empreendido durantea presidência de Fernando Henrique Cardoso. Aesse respeito, ver Grün

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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 167

ENTRE A PLUTOCRACIA E ALEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃOFINANCEIRA

Roberto Grün

Palavras-chave: Sociologia finan-ceira; Escândalos financeiros; Pluto-cracia.

À primeira vista, o universo finan-ceiro parece opaco para a análisesociológica. Uma maneira de adentraresse importante espaço da realidadebrasileira atual é por meio do registroda atuação de algumas de suas fig-uras públicas e dos embates internose externos que essas aparições susci-tam. Este artigo mostra algumas car-acterísticas desse “campo” de atua-ção, em especial as que o dinami-zam internamente, e sua relação coma sociedade inclusiva.

BETWEEN PLUTOCRACY ANDTHE LEGITIMATION OF FINAN-CIAL DOMINATION

Roberto Grün

Keywords: Financial Sociology; Fi-nancial scandals; Plutocracy.

At a first sight the financial universeseems opaque for a sociological a-nalysis. One of the ways of enteringthis important space in the currentBrazilian reality is by registering theperformance of some public figuresand the internal and outside shocksthat such appearances cause. Thisarticle shows some characteristics ofthis “field,” especially those thatinternally dynamize it, as well as itsrelation with the inclusive society.

ENTRE PLOUTOCRATIE ET LEGI-TIMATION DE LA DOMINATIONFINANCIÈRE

Roberto Grün

Mots-clés: Sociologie financière;Scandales financiers; Ploutocratie.

L’univers financier semble, à pre-mière vue, opaque à l’analyse soci-ologique. Une manière de pénétrercet espace important de la réalitébrésilienne actuelle est par le regis-tre de la performance de certainesde ses personnalités publiques etdes heurts internes et externes queces apparitions suscitent. Cet articlemontre quelques caractéristiques dece “domaine” de représentation, enparticulier celles qui le dynamisentinternement, et leurs rapports avecla société inclusive.