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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO - UNIGRANRIO PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PROPEP Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas - PPGLCH Mestrado Acadêmico em Letras e Ciências Humanas MARCELOS DE CARVALHO CALDEIRA ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE: A ARQUITETURA MODERNA E A ERA VARGAS (1930-1945) Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Letras e Ciências Humanas da Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras e Ciências Humanas. Orientadora: Profª Dra. Jacqueline de Cassia Pinheiro Lima Duque de Caxias – Outubro de 2010

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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO - UNIGRANRIOPRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PROPEP

Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas - PPGLCHMestrado Acadêmico em Letras e Ciências Humanas

MARCELOS DE CARVALHO CALDEIRA

ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE: A

ARQUITETURA MODERNA E A ERA

VARGAS (1930-1945)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Letras e Ciências Humanas da Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras e Ciências Humanas.

Orientadora: Profª Dra. Jacqueline de Cassia Pinheiro Lima

Duque de Caxias – Outubro de 2010

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MARCELOS DE CARVALHO CALDEIRA

ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE: A

ARQUITETURA MODERNA E A ERA

VARGAS (1930-1945)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Letras e Ciências Humanas da Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras e Ciências Humanas.

Orientadora: Profª Dra. Jacqueline de Cassia Pinheiro Lima

Aprovado em ___ de __________ de _____.

Banca examinadora:

______________________________________________Professora Doutora Jacqueline de Cássia Pinheiro Lima

Universidade do Grande Rio

______________________________________________Professora Doutora Angela Maria Roberti Martins

Universidade do Grande Rio

______________________________________________Professora Doutora Lia CalabreFundação Casa de Rui Barbosa

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A Lize, Camila e Guilherme, o porto sempre seguro.

A Edison e Maria José pelo exemplo de vida e pelos princípios transmitidos.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar à minha família, incluindo os recém-chegados Pedro e

Marina, pelo apoio, paciência e tolerância nos momentos de ausência.

Aos amigos do Colégio Pedro II, especialmente aos professores Anderson

Ribeiro, Denise Mattos, Eunice Couto, Oscar Halac, Leonardo Bueno e Walber

Carvalho Melo pelo apoio em todos os momentos, especialmente naqueles mais

difíceis.

Aos professores do Curso de Mestrado da UNIGRANRIO pelo carinho, pela

acolhida, pela compreensão, por tudo que ensinaram e pela forma como ensinaram.

Às funcionárias da Secretaria do Mestrado, prestativas e pacientes, mesmo

com a nossa correria de sempre.

Aos amigos Ana Lucia, Davidson, Denise, Luciana, Obertal, Sonia e

Terezinha, que conheci no curso e partilhei as dificuldades e angústias, mas onde

também encontrei apoio para seguir adiante.

À Professora Jacqueline de Cássia Pinheiro Lima, pelo incentivo e pela

orientação atenta, paciente e cuidadosa.

Ao Paulo Seabra, amigo fraterno de muitas caminhadas percorridas e outras

que ainda virão.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar a relação entre arquitetura e

monumentalidade durante as reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro, então

Distrito Federal, durante a Era Vargas, especialmente no período do Estado Novo

(1937-1945). Foram escolhidas algumas obras simbólicas pela sua

monumentalidade: a Avenida Presidente Vargas e os novos edifícios do Ministério

da Educação e Saúde, do Ministério da Guerra (Palácio Duque de Caxias) e da

Estrada de Ferro Central do Brasil. Serão analisadas as disputas entre as diversas

correntes pela hegemonia no campo da arquitetura naqueles anos e o papel do

Estado ao utilizar as reformas como meio de erguer símbolos arquiteturais do poder,

que se constituíram em legados à memória coletiva.

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura, Memória, Modernismo, Monumentalidade,

Positivismo, Trabalhismo.

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ABSTRACT

The objective of my work is to understand the relation between architecture

and monumentality during the urban reforms in the city of Rio de Janeiro, then

Federal District, during the Age Vargas, especially in the period of the New State

(1937-1945).

I will analyze the disputes between diverse chains for the hegemony in the

field of the architecture in those years and the paper of the State when using the

reforms as half to raise architectural symbols of the power, that if had constituted in

legacies to the collective memory.

Some symbolic workmanships for its monumentality had been chosen: the

Avenue President Vargas and the new buildings of the Ministry of the Education and

Health, the Ministry of the War (Palace Duke of Caxias) and of the Central Train

Station of Brazil.

KEYWORDS: Architecture, memory, modernism, monumentality, positivism,

labourism.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA TÍTULO PÁGINA

1 - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (1936) 34

2 - AEROPORTO SANTOS DUMONT (1938) 34

3 - A AVENIDA CENTRAL NA DÉCADA DE 1920 37

4 - A AVENIDA CENTRAL NA DÉCADA DE 1920 37

5 - EXEMPLAR DO ESTILO ECLÉTICO NA EXPOSIÇÃO DE 1922 – PAVILHÃO DE SÃO PAULO 39

6 - IMAGEM ATUAL DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL 40

7 - IMAGEM ATUAL DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL 40

8 - O EDIFÍCIO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE NA DÉCADA DE 1940 57

9 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - AFRESCOS DE CÂNDIDO PORTINARI 58

10 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - MURAIS EM AZULEJOS NA FACHADA DO TÉRREO 59

11 - MONUMENTO À JUVENTUDE BRASILEIRA 62

12 - MONUMENTO À JUVENTUDE BRASILEIRA 62

13 - PONTE DOS MARINHEIROS (1924) 64

14 - O CAIS DOS MINEIROS NO INÍCIO DO SÉCULO XX DIAS ATUAIS 65

15 - O CAIS DOS MINEIROS – O QUE RESTOU NOS DIAS ATUAIS 65

16 - RUAS SENADOR EUZÉBIO E VISCONDE DE ITAÚNA – TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A PRAÇA ONZE

68

17 - ABERTURA DA AVENIDA PRESIDENTE VARGAS – TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A CANDELÁRIA (14 DE AGOSTO DE 1940)

71

18 - ABERTURA DA AVENIDA PRESIDENTE VARGAS – TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A CANDELÁRIA (28 DE AGOSTO DE 1944)

71

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19 - PRAÇA ONZE DE JUNHO (DÉCADA DE 1910) 73

20 - IGREJA DE SÃO PEDRO DOS CLÉRIGOS 74

21 - PRAÇA DA REPÚBLICA NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1930 76

22 - EDIFICIO DO JORNAL “A NOITE” - PRAÇA MAUÁ (RJ) – DÉCADA DE 1930 77

23 - CINEMA ICARAÍ, EM NITERÓI (RJ), NA DÉCADA DE 1940 78

24 - TEATRO CARLOS GOMES – FACHADA 78

25 - TEATRO CARLOS GOMES – INTERIOR (HALL) 78

26 - O PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS DURANTE A SUA CONSTRUÇÃO 80

27 - VISTA ATUAL DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS 80

28 - CROQUI DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS 81

29 - EDIFÍCIO DA CHANCELARIA DURANTE O III REICH 82

30 - PROJETO PARA O MEMORIAL AOS SOLDADOS 82

31 - ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO 83

32 - SALÃO NOBRE DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS 84

33 - PAINEL “REPÚBLICA” 84

34 - PROJETO ORIGINAL DO NOVO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL 86

35 - CONSTRUÇÃO DO NOVO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL 87

36 - TRANSEUNTE DIANTE DA TORRE DO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL 88

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LISTA DE TABELAS

TABELA TÍTULO PÁGINA

1 PARTICIPAÇÃO ELEITORAL, 1872-1945 12

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda.

DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público.

IBESP – Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política.

ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros.

ENBA – Escola Nacional de Belas Artes.

IUP – Institute D’Urbanisme de Paris.

MES – Ministério da Educação e Saúde.

ABI – Associação Brasileira de Imprensa.

SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do

Brasil.

ECEME - Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

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SUMÁRIO

Pg.

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO 1 – O POSITIVISMO E A ERA VARGAS1.1) o positivismo e o movimento republicano ..................................................... 7

1.2) A Revolução de 1930 e a retomada do projeto positivista ............................ 14

1.3) Populismo ou Trabalhismo? .......................................................................... 20

CAPÍTULO 2 – A ARQUITETURA MODERNA2.1) A origem e a ascensão da arquitetura moderna ........................................... 30

2.2) Arquitetura moderna e monumentalidade ..................................................... 43

CAPÍTULO 3 – A ERA VARGAS E AS REFORMAS NO RIO DE JANEIRO3.1) Os monumentos do progresso ...................................................................... 49

a) O Ministério da Educação e Saúde .................................................................. 49

b) A Avenida Presidente Vargas .......................................................................... 63

3.2) Os monumentos da ordem............................................................................. 75

a) O Palácio Duque de Caxias ............................................................................. 79

b) O Novo Prédio da Estrada de Ferro Central do Brasil ..................................... 85

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 89

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 93

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INTRODUÇÃO

Esse trabalho foi amadurecido após um longo caminho, com algumas

correções de rumo.

Desde os tempos de graduação na Universidade Federal Fluminense, entre

1984 e 1988, a problemática urbana me despertava interesse.

Naqueles anos ocorriam intensas discussões sobre o tema, proporcionando

trabalhos que trouxeram uma notável contribuição para melhor conhecermos as

transformações por que passou o Rio de Janeiro, especialmente nas primeiras

décadas do século XX. A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro financiou os

volumes que constituíram a Coleção Biblioteca Carioca1; o Instituto de

Planejamento Municipal do Rio de Janeiro (IPLANRIO) patrocinou a publicação

Evolução Urbana do Rio de Janeiro, de Maurício de A, Abreu; a Universidade

Federal Fluminense, em parceria com outras instituições lançou os quatro volumes

da Revista Rio de Janeiro, entre 1985 e 1986.

Entretanto, apesar do meu entusiasmo pelo assunto, não pude ao concluir a

graduação dar prosseguimento a uma pesquisa acadêmica. As necessidades

pessoais me levaram a buscar oportunidades no magistério tanto em escolas

particulares como em públicas, onde sucessivamente lecionei nas Redes Municipal,

Estadual e Federal no Rio de Janeiro. No Colégio Pedro II trabalho desde 1992, e,

desde o ano passado, respondo pela direção da Unidade Escolar Descentralizada

Niterói, a primeira a ser criada fora do município do Rio de Janeiro.

Durante todos esses anos, lecionando todos os dias úteis da semana, a

maioria das vezes em três turnos, e utilizando o pouco tempo livre para dar uma

atenção prioritária à família, me vi afastado dos debates acadêmicos.

Em 2008, Paulo Seabra, amigo desde os tempos da UFF e colega do Colégio

Pedro II, onde ingressamos no mesmo concurso, me deu a notícia da abertura do

1 Algumas obras importantes desta coleção foram: A era das demolições, de Oswaldo Porto Rocha e Lia de Aquino Carvalho; Pereira Passos: um Haussmann tropical, de Jaime Larry Benchimol; Avenida Presidente Vargas: uma drástica cirurgia, de Evelyn Furquim Werneck Lima; Dos trapiches ao porto, de Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão.

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Mestrado Acadêmico em Letras e Ciências Humanas na Universidade do Grande

Rio – UNIGRANRIO. Mais uma vez, juntos, decidimos enfrentar um novo desafio.

Ao iniciar o primeiro semestre do mestrado, o interesse pela pesquisa foi

reforçado quando cursei as disciplinas Os Conceitos de Memória, ministrada pela

Professora Ângela Maria Roberti Martins, e Cidade, Cultura e Transformação

Urbana, ministrada pela Professora Jacqueline de Cássia Pinheiro Lima, que viria a

me orientar nesta dissertação.

Na primeira, as discussões dos trabalhos de Pierre Nora, Jacques Le Goff,

Maurice Halbwachs e Ecléa Bosi foram muito úteis para entender a relação entre

memória e monumentalidade.

Na segunda, as leituras e discussões dos trabalhos de Antony Giddens,

Georg Simmel, Manuel Castells, Barbara Freitag e Richard Sennett se revelaram

fundamentais para o caminho que escolhi para pesquisar.

Inicialmente, meu objeto seria as reformas urbanas realizadas em Niterói

durante o período em que era administrada pelo interventor Ernâni do Amaral

Peixoto, genro de Getúlio Vargas, que governava o Brasil com plenos poderes no

período de 1937 a 1945. Pretendia fazer um paralelo entre elas e as que ocorriam

ao mesmo tempo na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República. Porém,

encontrei dificuldades que se revelavam dificílimas de serem transpostas no tempo

que tinha para realizar a dissertação. Niterói não possui um núcleo organizado de

documentação ou de memória da cidade. Apenas na década de 1990 foi criado o

Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural da cidade. Nem mesmo o

jornal “O Fluminense”, o mais antigo em circulação na cidade, possui um acervo

para consulta sobre aquele período da história.

Ao constatar essas dificuldades, resolvi fazer uma correção no objeto da

pesquisa. Decidi trabalhar com as reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro

durante a Era Vargas (1930-1945)2 relacionando-as ao surgimento e afirmação da

“escola carioca” da arquitetura moderna. Ao mesmo tempo, mostrar que as ações

do governo, incluindo as obras monumentais, foram fortemente influenciadas pelo

2 Adoto nessa pesquisa a denominação utilizada na maioria dos livros que tratam do assunto, quando distinguem a Era Vargas (1930-1945) do outro período, de 1951 a 1954, quando chegou à presidência através de uma eleição direta.

2

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positivismo, que, como discutiremos, exerceu forte influência em Getúlio Vargas

desde a sua juventude.

A arquitetura moderna e o legado da Era Vargas são temas que até hoje

geram estudos e debates, demonstrando o quanto sua influência foi marcante na

História recente do Brasil.

A arquitetura moderna, surgida ainda na década de 1920, se afirmou na

década seguinte, criando uma “escola” até hoje influente e ativa, realizando projetos

importantes em diversas cidades, alguns dos quais se tornando marcas da sua

identidade. É o caso, por exemplo, do Museu de Arte Contemporânea, em Niterói.

Inaugurado em 2 de setembro de 1996, o museu tornou-se o principal símbolo da

cidade, ilustrando inclusive a logomarca da Prefeitura Municipal, deixando em

segundo plano a estátua de Araribóia, situada na Praça Martim Afonso, em frente à

Estação das Barcas.

A denominada Era Vargas iniciou-se a Revolução de 1930, movimento que

marcou o colapso da República oligárquica e a redefinição do papel do Estado

brasileiro, que assumiu a função de um agente impulsionador de um projeto

“modernizador”.

Esse período, considerando-se as transformações político-institucionais, é

dividido em três etapas: Governo Provisório (1930-1934); Governo Constitucional

(1934-1937); e Estado Novo (1937-1945). Foi exatamente nesta última, onde

Getúlio governou com poderes ditatoriais, que aquele novo papel do Estado pôde

ser plenamente posto em prática.

Ao nível político, todos os partidos foram suprimidos e a censura à imprensa

e às manifestações culturais tornou-se cada vez mais rígida. Ao Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP), criado logo após o golpe que instituiu o regime, foi

atribuída a tarefa de fiscalizar e controlar os meios de comunicação e a produção

cultural, estabelecendo um rigoroso controle ideológico. Era também atribuição do

DIP a elaboração de uma “propaganda oficial”, visando a reforçar os laços entre o

“chefe da nação” e o “seu povo”.

Foi durante o Estado Novo que se consolidou a imagem de Vargas como o

“pai dos pobres” em função de uma legislação trabalhista que, se por um lado

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garantiu determinadas conquistas para os trabalhadores, por outro, devido ao

“sindicalismo oficial”, atrelou os trabalhadores ao Estado por meio da ação do

Ministério do Trabalho.

Ao controle social dos trabalhadores somou-se, no plano econômico, um

expressivo avanço no campo industrial pela forte presença do Estado (modelo

nacionalista, industrializante e estatizante).

Uma das marcas desse período foi a criação de empresas estatais, como a

Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e a Fábrica

Nacional de Motores, entre outras. O governo Vargas entendia que esses setores

estratégicos da economia deveriam estar sob controle do Estado, reduzindo

gradualmente a presença do capital estrangeiro nessas áreas fundamentais ao

desenvolvimento do país, em nome da “soberania nacional”.

Verificou-se assim, não apenas um grande avanço do setor industrial, mas

também uma mudança qualitativa deste, com o surgimento de indústria de base no

país.

A Era Vargas, constituiu-se naquilo que muitos historiadores conceituaram

como modernização conservadora, na medida em que Getúlio, ao lado da

modernização econômica, estabeleceu um rígido autoritarismo político, e,

paralelamente às conquistas de direitos, como a legislação trabalhista, a população

foi obrigada a conviver com a repressão e a censura.

A Era Vargas continua despertando polêmicas até a atualidade. Durante a

década de 1990, quando o neoliberalismo desfrutava de enorme influência após a

queda dos regimes socialistas do Leste europeu, a presença do Estado na

economia e a legislação trabalhista foram duramente criticadas como obstáculos ao

desenvolvimento por reduzirem a competitividade da economia nacional. Não por

acaso, Fernando Henrique Cardoso, ao vencer a eleição presidencial de 1994,

anunciou que iria que iria encerrar a Era Vargas. Por outro lado, o movimento

operário desde aquela década até os dias atuais continua mobilizado para manter

os direitos trabalhistas implantados naquele período.

Neste sentido nossa pesquisa tem como objeto a relação entre as reformas

urbanas empreendidas na cidade do Rio de Janeiro durante aquele período de

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intensas transformações da Era Vargas e a arquitetura moderna, discutindo os

aspectos coerentes e contraditórios dessa relação.

Paralelamente, pretendemos discutir outro aspecto aparentemente

contraditório da Era Vargas, especialmente durante o Estado Novo (1937-1945).

Durante o regime ditatorial daqueles anos, construíram-se sedes ministeriais com

estilos arquitetônicos tão diversos, ao mesmo tempo em que se abriam espaços na

administração - especialmente no Ministério da Educação e Saúde, chefiado por

Gustavo Capanema -, a intelectuais com uma formação ideológica distinta da

ideologia oficial. Portanto, ao menos no que se refere à arquitetura e à

monumentalidade o regime não foi caracterizado pelo monolitismo.

Mostraremos que essa contradição na verdade é apenas aparente, na

medida em que as ações de Getúlio Vargas no governo foram em grande parte

inspiradas em sua formação intelectual positivista. Nessa linha, as grandes obras

(Avenida Presidente Vargas, Edifício-sede da Estrada de Ferro Central do Brasil,

Palácio Duque de Caxias) foram idealizadas como símbolos que deveriam transmitir

uma mensagem para os que os olhassem ou deles tomassem conhecimento. E para

simbolizar o que o regime queria – a estabilidade, o progresso, a ordem, a disciplina

e a eficiência – encontrou o meio de fazê-lo recorrendo à monumentalidade, onde

os projetos dos arquitetos modernos revelaram-se bastante adequados.

A dissertação está dividida em três capítulos, seguidos de uma conclusão.

No primeiro, “O positivismo e a Era Vargas”, será apresentado as bases

teóricas que orientaram a pesquisa, discutindo a influência daquela corrente

filosófica na formação intelectual de Getúlio Vargas – o que explicará em grande

parte o seu estilo de governar. Por outro lado, será feito uma análise crítica do

conceito de populismo, mostrando minhas restrições a ele e explicando porque

adotei o conceito de trabalhismo na formulação de Ângela de Castro Gomes como

mais adequado para entendermos aquele período da História do Brasil.

No segundo capítulo será tratado especificamente da arquitetura moderna:

seus fundamentos teóricos, seu amadurecimento e as razões que levaram esse

grupo a conquistar a hegemonia diante de outras correntes. Além disso, será feita

uma discussão entre a arquitetura moderna e a monumentalidade.

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No terceiro capítulo, relacionaremos as “partes” abordadas nos dois outros

capítulos, mostrando o significado simbólico de algumas obras monumentais

erguidas naqueles anos, destacando como a arquitetura de algumas delas

representariam o ideal da “ordem” e outras do “progresso”, sendo que foi

exatamente nestas últimas que os projetos dos arquitetos modernos mais se

destacaram.

Na conclusão realizaremos um balanço das reformas, destacando os projetos

que foram bem e mal sucedidos, assim como as contradições entre a utopia e a

realidade no legado deixado pela arquitetura moderna.

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CAPÍTULO 1 – O POSITIVISMO E A ERA VARGAS

1.1) O positivismo e o movimento republicano

O positivismo foi uma das correntes filosóficas mais influentes na Europa

durante o século XIX e início do XX, quando o capitalismo alcançava um

extraordinário desenvolvimento: a siderurgia com máquinas cada vez mais

complexas elevavam de forma crescente a produtividade das indústrias; a

navegação à vapor e as ferrovias interligavam os mercados, além de aproximar a

cidade e o campo; o telégrafo e o telefone, ao facilitavam as comunicações, abriam

oportunidades para novos negócios (HOBSBAWN, 1983).

Paralelamente às transformações econômicas, a ciência em geral também

alcançava avanços importantíssimos. Multiplicavam-se museus e escolas

politécnicas, introduziu-se o ensino regular da ciência. Charles Darwin publicava a

Teoria da Evolução das Espécies; Johann Friedrich Miescher anunciava a

descoberta da molécula de DNA; na Física, os resultados mais significativos

ocorreram no campo da óptica, da teoria do calor e da eletricidade; e muito

importante para nossa pesquisa, em 1848, a invenção do concreto armado por

Joseph Monnier serviu de base para novas mudanças na arte da construção.

Nesse contexto que o Positivismo surgiu e foi largamente difundido nos meios

acadêmicos. Seu fundador e principal teórico foi o francês Augusto Comte (1789-

1857). Segundo ele, no desenvolvimento do espírito humano existiria uma lei

fundamental, denominada Lei dos Três Estados, que é a base de sua explicação

da História: o estado teológico, que tem diferentes fases (fetichismo, politeísmo e

monoteísmo) e em que o espírito humano explica os fenômenos por meio de

vontades transcendentes ou agentes sobrenaturais; o estado metafísico-abstrato,

onde os fenômenos são explicados por meio de forças ou entidades ocultas e

abstratas; e o estado positivo-científico, no qual se explicam os fenômenos,

subordinando-os às leis experimentalmente demonstradas. O estado positivo

seria, pois, o estágio definitivo em que o espírito humano encontraria a ciência,

concluindo a evolução dos indivíduos e da sociedade.

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A obra de Augusto Comte constituiu-se, outrossim, em uma tentativa de

síntese geral dos conhecimentos de seu tempo, cujo programa fundamental era

unificar as duas culturas – a humanística e a científica – num novo humanismo,

fundado na ciência3.

Os avanços científicos e tecnológicos do século XIX, aos olhos dos

seguidores de Augusto Comte, pareciam confirmar a chegada do estado positivo.

No Brasil, a influência de doutrinas políticas e filosóficas surgidas na Europa

esteve presente em diversos movimentos importantes de sua História. Porém, a

circulação dessas idéias limitava-se aos membros ilustrados da classe senhorial,

muitos dos quais realizaram seus estudos na Europa, fazendo com que as idéias

fossem reinterpretadas à luz dos seus interesses, o que acarretou inúmeras

contradições.

Um exemplo foi a Conjuração Mineira, primeiro movimento, embora regional,

a propor a separação de Portugal. Suas lideranças inspiravam-se no iluminismo,

utilizando o lema “liberdade e igualdade” para contestar o domínio português sobre

o Brasil, mas em nenhum momento a defesa desses princípios se ampliou ao ponto

de defender o fim da escravidão no novo país que pretendiam construir (MOTA,

2008). Importante destacar que, à exceção de Tiradentes, todas as outras

lideranças pertenciam a famílias abastadas da sociedade mineira.

Tempos depois, durante o processo que conduziu à emancipação política do

Brasil, várias lideranças brasileiras que se articularam com D. Pedro I, utilizaram-se

do liberalismo para contestar as medidas recolonizadoras aprovadas pelas Cortes

portuguesas a partir da Revolução do porto de 1820, porém como afirma Emília

Viotti da Costa:

As elites brasileiras que tomaram o poder em 1822 compunham-se de fazendeiros, comerciantes e membros de sua clientela, ligados à economia de importação e exportação e interessados na manutenção das estruturas tradicionais de produção cujas bases eram o sistema de trabalho escravo e a grande propriedade. Após a Independência, reafirmaram a tradição agrária da economia brasileira; opuseram-se às débeis tentativas de alguns grupos interessados em promover o desenvolvimento da indústria nacional e resistiram às pressões inglesas visando abolir o tráfico de escravos. Formados na ideologia da Ilustração,

3 Coleção “Os pensadores” – COMTE. São Paulo: Abril Cultural, 1978.8

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expurgaram o pensamento liberal das suas feições mais radicais, talhando para uso próprio uma ideologia essencialmente conservadora e antidemocrática. A presença do herdeiro da Casa de Bragança no Brasil ofereceu-lhes a oportunidade de alcançara Independência sem recorrer à mobilização das massas. Organizaram um sistema político fortemente centralizado que colocava os municípios na dependência dos governos provinciais e as províncias na dependência do governo central. Continuando a tradição colonial, subordinaram a Igreja ao Estado e mantiveram o catolicismo como religião oficial... (COSTA, 1999, p. 9).

Com a doutrina positivista não foi diferente. Sua influência foi crescente no

Brasil nas três últimas décadas do século XIX, exercendo forte atração em

profissionais liberais, intelectuais e – especialmente após a Guerra do Paraguai –

na oficialidade do Exército.

Militares e civis tinham em comum o fato de terem sido seduzidos pela doutrinação positivista. A influência exercida por esta filosofia nos meios militares foi decisiva para que ocorresse a aproximação com os civis. A idéia de cientificidade a permear toda a explicação dos fenômenos sociais, distanciando-se dessa maneira das filosofias impregnadas de subjetivismos e reducionismos metafísicos, exerceu uma forte atração junto aos oficiais jovens e cultos, levando-os a se situarem mais comodamente no campo deste postulado doutrinário. Além disso, a explicação positivista de que a república era superior à monarquia, posto que ela simbolizava o ingresso a uma etapa superior reclamada pelo progresso humano, conduziu finalmente a corporação a aderir ao republicanismo e, particularmente, aos ideólogos deste movimento. (PENNA, 1997, p. 46)

O líder que melhor representou esse alinhamento militar foi sem dúvida

Benjamin Constant4. Repudiando as ações violentas, acreditava que as agitações

não conduziriam à república e sim à “anarquia”, à destruição da sociedade. Já

estava claro em seu pensamento, portanto que o progresso só ocorreria

paralelamente ao desenvolvimento da ordem.

Lideranças como Benjamin Constant e outras, especialmente militares e

profissionais liberais que militavam no movimento republicano, acreditavam que a

República seria, portanto, uma etapa fundamental em direção ao progresso humano

4 BENJAMIN Botelho de Magalhães CONSTANT (1836-1891) foi um dos principais articuladores e ideólogos do movimento que conduziu à proclamação da República em 15 de novembro de 1889. Engenheiro formado pela Escola Militar, combateu na Guerra do Paraguai e posteriormente dedicou-se ao magistério. Foi ministro da Guerra no primeiro governo republicano, quando remodelou as escolas militares. Passou depois para o Ministério da Instrução Pública, onde fez o mesmo com todo o ensino no país. Em 1890, alcançou o posto de general do Exército brasileiro.

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e social no Brasil, aquele momento apontado por Comte como o estágio positivo da

humanidade.

No entanto, esse idealismo republicano positivista encontrava obstáculos

dentro do próprio Partido Republicano, onde o componente civil mais importante do

movimento era a oligarquia cafeeira do denominado Oeste paulista. O interesse

desse grupo residia fundamentalmente na superação do unitarismo do Império pelo

federalismo republicano – na verdade, antes de republicanos, eram federalistas. O

que desejavam era a concessão de uma ampla autonomia administrativa e

financeira para os estados, o que beneficiaria diretamente São Paulo, que já se

destacava como o pólo mais dinâmico da economia brasileira. Assim, a defesa da

República atendia muito mais aos seus interesses particulares do que propriamente

a interesses verdadeiramente republicanos. É o que podemos perceber no trecho

da primeira edição do jornal “A República”, em 03 de dezembro de 1870:

Para nós, a República não estará fundada senão quando cada província for um verdadeiro Estado senhor de seus destinos, podendo dispor de todos os seus recursos sem dependência de tutela da capital. Para nós a república é – federação. Sem federação no Brasil, não há república. (PENNA, 1997, p. 34)

Após a vitória do movimento republicano, em 1889, pouco a pouco as

oligarquias regionais lideradas pelos Partidos Republicanos Paulista e Mineiro

foram conquistando hegemonia no controle do Estado, afastando aqueles grupos

que tinham uma identificação mais forte com o projeto positivista.

Muito embora a contribuição da Escola Militar tenha sido bastante importante para a unidade da corporação, ela não conseguiu produzir uma estratégia clara e definida com relação à República da qual os militares tiveram uma participação decisiva. Instalados no poder ressentiram-se de um projeto político a partir do qual pudessem imprimir tudo aquilo que mais os unia: promover o progresso na ordem. Diante da constatação de que careciam de um programa que viabilizasse este intento, foram forçados a se submeterem de imediato aos representantes do setor cafeeiro. Esta oligarquia paulista possuía engrenagens que facilitavam a adoção de uma política de alianças voltada principalmente aos interesses regionais dispersos no território nacional. Esta coalizão conservadora unia a oligarquia rural e o Estado, enfraquecendo a representação dos demais setores da sociedade que, excluídos antes, assim permaneceram mesmo após a transição da monarquia à República. (PENNA, 1997, p. 49).

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O controle das diversas instâncias de poder pelas oligarquias, especialmente

a partir do governo Campos Sales (1898-1902), conduziu a república para um

caminho bem diferente daquele idealizado pelos positivistas.

Do ponto de vista econômico, não ocorreram mudanças estruturais

significativas. Fora alguns limitados “surtos industriais” – como o que ocorreu no

período da I Guerra Mundial -, a economia continuou ancorada na agricultura de

exportação, com uma dependência excessiva da cafeicultura, o que deixava o país

em uma situação de grande vulnerabilidade, como ficou demonstrado com os

efeitos devastadores da Quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.

Além disso, a industrialização brasileira nessa fase esteve subordinada ao

capital cafeeiro. Cafeicultoras paulistas, principalmente, interessados em diversificar

seus investimentos, passaram a destinar uma parte do seu capital às indústrias de

bens de consumo não-duráveis, como tecidos, vestuário e alimentos, produtos com

baixo valor agregado e tecnologia limitada. As indústrias de base e bens de

produção praticamente inexistiam naquele momento.

Os dados apresentados pelo primeiro Censo nacional de produção, realizado no país em 1920, demonstram como era nossa estrutura industrial no período; as indústrias alimentícias constituíam 30,7% do valor produzido; as indústrias têxteis, 29,3%; as fábricas de bebidas e cigarros, 6,3%; e apenas 4,7% representam as indústrias metalúrgicas e mecânicas. (MENDONÇA, 1995, p. 18)

Portanto, o progresso prometido pelo movimento republicano, ocorreu, na

prática, de forma muito limitada.

Na organização política, o progresso foi tão ou mais limitado quanto na

ordem econômica, apesar da Constituição promulgada em 1891, inspirada na norte-

americana, promover mudanças institucionais importantes, como a implantação do

federalismo e a separação e independência entre os Poderes Executivo, Legislativo

e Judiciário, eliminando definitivamente o Poder Moderador, um dos principais

instrumentos do unitarismo imperial e alvo de duras críticas por parte dos

republicanos, como podemos constatar no Manifesto Republicano de 1870:

A centralização, tal qual existe, comprime a liberdade, constrange o cidadão, subordina o direito de todos ao arbítrio de um só poder, nulifica de fato a soberania nacional, mata o estímulo de

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progresso local. O regime de federação, [ao contrário, está] baseado na independência recíproca das províncias, e é aquele que adotamos no nosso programa, como sendo o único capaz de manter a comunhão da família brasileira. (PESSOA, 1976, p. 39).

Prometia-se a liberdade, a cidadania e o fim do arbítrio, no entanto, na

prática ocorreu uma grande distância entre a lei e a realidade. O sistema eleitoral

instituído pela República substituía o voto censitário pelo universal, mas as

exigências para qualificação dos eleitores eram tantas – mulheres e analfabetos,

por exemplo, não tinham direito de votar -, que o percentual de participação eleitoral

da população pouco mudou em relação ao Império.

TABELA 1PARTICIPAÇÃO ELEITORAL, 1872-1945(porcentagem de pessoas que votavam)

Ano Votantes % da população total

1872 1.097.698 10,8 (13,0)*

1886 117.022 0,8

1894 290.883 2,2

1906 294.401 1,4

1922 833.270 2,9

1930 1.890.524 5,6

1945 6.200.805 13,4

*Excluindo a população escrava.

Fonte: CARVALHO, 2007, p 395

Mais grave foram as práticas políticas nada democráticas ou progressistas,

como as inúmeras e frequentes fraudes eleitorais e a ação truculenta e clientelista

dos chamados “coronéis”, grandes proprietários que controlavam a política em seus

municípios, atores políticos fundamentais num período em que o eleitorado rural

pesava mais que o urbano.

Entretanto, setores importantes aos poucos manifestavam sua insatisfação

com os rumos da República. A classe média urbana ressentia-se do fato de sua

influência política ser limitada, não só devido à predominância do eleitorado rural,

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mas principalmente por ser no campo onde ocorriam as maiores fraudes eleitorais e

desmandos (LEAL, 1978).

O movimento que melhor expressou esse descontentamento foi o tenentismo,

organizado pela jovem oficialidade do Exército e iniciado a partir do episódio

conhecido como o “Movimento dos 18 do Forte de Copacabana”. Ainda que os

tenentes não apresentassem um programa claro de reformas econômicas e

políticas, a crítica presente em todas as suas manifestações era dirigida às fraudes

eleitorais e à corrupção em geral, cuja culpa era atribuída aos políticos civis.

Uma demonstração deste descontentamento é o depoimento de um militar

positivista, Ximeno de Villeroy, autor de uma biografia sobre Benjamin Constant,

publicada em 1928, exatamente no período em que a República Oligárquica vivia

seus momentos difíceis.

Duas causas principais concorrem para esta aflitiva situação cujo termo parece-nos afastado, uma de ordem geral e outra especial. Esta última consiste essencialmente no imoral predomínio dessa casta de politiqueiros profissionais que fez da política a arte de bater moeda; e aquela, na desordem permanente, na indisciplina geral em que vive o povo brasileiro... (COSTA, 1999, p. 405)

Embora os movimentos tenentistas fracassassem, ficava claro que o poder

oligárquico atravessava um período de intenso desgaste que encontrará seu ponto

culminante a partir da Quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.

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1.2) A Revolução de 1930 e a retomada do projeto positivista

Em 1930 estava marcada a eleição para escolher o novo Presidente da

República. A partir do Governo Campos Sales, constituiu-se um pacto para a

disputa da presidência conhecido como política do café-com-leite, uma aliança

envolvendo os partidos que representavam os estados com maior eleitorado, ao

mesmo tempo em que se constituíam nos maiores produtores de café, o Partido

Republicano Mineiro e o Partido Republicano Paulista. Pelo acordo, os dois partidos

caminhariam unidos nas eleições presidenciais, revezando-se na indicação do

candidato à presidência. Esse pacto foi muito bem sucedido, o que pode ser

constatado pelo fato de que essa aliança não perdeu uma eleição sequer ao longo

da República Velha (FAUSTO, 2008).

Essa situação mudou na eleição de 1930. Como apontamos anteriormente,

durante a década de 1920 o questionamento ao controle político das oligarquias era

crescente, especialmente entre a classe média urbana. Por outro lado, dentro das

próprias oligarquias já começavam a ocorrer divisões. Havia um descontentamento

crescente das oligarquias do Nordeste e do Sul em relação aos privilégios

concedidos aos cafeicultores, na medida em que quanto mais o Governo Federal

socorria os cafeicultores, menos recursos eram destinados às outras regiões.

Desde o início do século XX, a cafeicultura começava a apresentar sinais de

desequilíbrio entre oferta e procura, já que a produção de café no Brasil e em outras

partes do mundo crescia a um ritmo muito mais acelerado do que a expansão dos

mercados consumidores. Para evitar uma crise no setor, os governadores dos três

principais estados produtores (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro)

assinaram um acordo em 1906, conhecido como Convênio de Taubaté,

determinando que o Estado compraria os excedentes da produção de café sempre

que houvesse um desequilíbrio entre a oferta e a procura. Esse acordo deixava

claro o quanto os estados cafeicultores tiravam proveito de sua maior influência na

política nacional para obterem um privilégio que não era estendido a nenhum outro

setor da economia.

Essa situação chegou a um ponto insustentável com a Quebra da Bolsa de

Nova Iorque em 1929, que atingiu duramente a economia brasileira, demonstrando

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o quanto era frágil o tradicional modelo primário-exportador do país, especialmente

pela sua dependência da exportação de um produto que não pode ser considerado

essencial – o café. A consequência disso foi que nosso comércio internacional

despencou, até porque nosso maior consumidor era justamente os Estados Unidos,

que vivia o período da Grande Depressão. Paralelamente, o governo brasileiro teria

que socorrer os cafeicultores num nível muito maior do que qualquer outra crise.

Foi nesse contexto que teve início a campanha eleitoral de 1930. De acordo

com a política do café-com-leite, o candidato oficial deveria ser indicado pelo

Partido Republicano Mineiro, que substituiria o Presidente em exercício,

Washington Luís, que na eleição anterior fora indicado pelo Partido Republicano

Paulista. Porém, a oligarquia paulista temendo que um presidente mineiro não

suportasse a pressão contra os privilégios concedidos à cafeicultura, decidiu romper

o pacto e indicar outro candidato do Partido Republicano Paulista à Presidência,

Júlio Prestes. Como resposta, a oligarquia mineira iniciou as articulações com

outras oligarquias descontentes com as ações do governo - especialmente as

oligarquias gaúcha e paraibana - para a formação de uma chapa de oposição,

denominada Aliança Liberal, resultando na indicação de Getúlio Vargas como

candidato à Presidência.

A eleição ocorreu em 1º de março de 1930, marcada por fraudes

generalizadas dos dois lados, mas ao final da apuração Júlio Prestes e o Partido

Republicano Paulista saíram vitoriosos. Inicialmente, Getúlio Vargas e outras

lideranças da Aliança Liberal demonstraram conformidade com o resultado.

Todavia, jovens lideranças das oligarquias dissidentes5 e do movimento tenentista

iniciaram uma forte pressão sobre os dirigentes da Aliança Liberal para a

organização de um movimento armado que deveria ser desencadeado antes da

posse do novo presidente, o que acabou por ocorrer vitoriosamente em outubro de

1930, quando Washington Luís foi deposto e Getúlio Vargas assumiu a presidência,

de onde só sairá 15 anos depois. Para entendermos melhor as profundas mudanças

pelas quais o Brasil passará nesse período, é importante lembrar resumidamente a

trajetória anterior do líder gaúcho.

5 Entre eles destacamos Osvaldo Aranha, João Batista Luzardo, João Neves da Fontoura, Virgílio de Melo Franco, Artur Bernardes Filho, Caio e Carlos de Lima Cavalcanti.

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Getúlio Vargas (1882-1954) nasceu no município de São Borja, zona rural e

interiorana do Rio Grande do Sul, fronteiriça com a Argentina. Bacharelou-se em

Direito em 1907, trabalhando em seguida como promotor público em Porto Alegre,

para logo depois iniciar uma bem sucedida carreira política. Em 1909, elegeu-se

para deputado pelo Partido Republicano Riograndense para a Câmara de

Representantes (atualmente Assembléia Legislativa) do seu estado. Em 1923, foi

eleito deputado federal, deixando o cargo em 1926 para ocupar o Ministério da

Fazenda no governo Washington Luís, onde ficou até o ano seguinte, quando

renunciou para concorrer vitoriosamente ao governo do Rio Grande do Sul.

A formação intelectual de Getúlio desde a juventude foi fortemente marcada

pela influência positivista, doutrina que transitava com muita intensidade naquela

região de fronteira, como apontaram LOVE (1975) e PAIM (1980 e 1984). O pai,

estancieiro, foi militante no Partido Republicano Riograndense, sendo um fiel

seguidor de seu líder, Júlio de Castilhos (1860-1903). Este último constituiu-se em

personagem central da política gaúcha durante o movimento republicano e no início

do novo regime, tendo ocupado a Presidência do estado e redigido a maioria dos

artigos da Constituição riograndense, aprovada em 1891.

Para Castilhos, a República seria o regime da virtude, da moralidade e da

competência. Esses princípios legitimariam suas ações autoritárias, especialmente

no que se refere a pouca importância atribuída à vida parlamentar. Era como se o

valor da ordem e da virtude estivesse acima da participação. Também podemos

observar nas ações de Castilhos o princípio de que a democracia econômica e

social deveria ser privilegiada em relação à democracia política, o que se

constituiria em outra justificativa para ações autoritárias.

Foi dentro dessa tradição positivista autoritária que Getúlio Vargas constituiu

sua formação política e intelectual, o que nos ajuda a compreender em parte muitas

ações de seu governo, especialmente durante o Estado Novo (1937-1945). A forte

ligação de Getúlio com o castilhismo pode ser notada quando foi escolhido, ainda

cursando a faculdade de Direito, para ser o orador no funeral de Júlio de Castilhos,

em 1903, e na sua militância na Juventude Castilhista, onde manteve vínculos de

amizade com vários jovens da elite do estado que o apoiariam futuramente na

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Revolução de 1930, entre eles João Neves da Fontoura e Joaquim Maurício

Cardoso.

Em trabalho onde analisa o pensamento político de Getúlio Vargas ao longo

de sua trajetória, FONSECA (2001) destaca que em sua juventude, no início de sua

carreira política, seus discursos revelavam a influência positivista tanto no

vocabulário utilizado (evolução, etapas, progresso, ordem, ciência), como nos

autores citados (Comte, Stuart Mill, Spencer), assim como já anunciavam sua visão

contrária ao liberalismo econômico. Em um debate travado com um adversário

durante uma sessão da Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande

do Sul (Assembléia Legislativa), em 1919, Vargas afirmava:

(...) permita-me dizer que V. Exa. está filiado à velha teoria econômica do ‘laissez faire’, teoria essa que pretende atribuir unicamente à iniciativa particular o desenvolvimento econômico ou industrial de qualquer país, deixando de lado a teoria da nacionalização desses serviços por parte da administração pública, amplamente justificada pelas lições da experiência, não levando V. Exa., em linha de conta, que nos países novos, como o nosso, onde a iniciativa é escassa e os capitais ainda não tomaram o incremento preciso, a intervenção do governo em tais serviços é uma necessidade real. (FONSECA, 2001, p. 107)

Portanto, o estilo e as ações de Getúlio Vargas na Presidência da República

representaram, em linhas gerais, uma retomada do projeto positivista do início da

República. Entre 1930 e 1945 buscou-se promover o progresso econômico, tendo

como um pré-requisito fundamental a manutenção da ordem. Porém, a grande

novidade introduzida no período reside na compreensão de que o progresso

material e econômico só seria alcançado e garantido ao mesmo tempo em que

promovesse a valorização do trabalho e da melhoria das condições de vida dos

trabalhadores em todos os aspectos: salário, moradia, educação e saúde.

Já durante a campanha eleitoral, a Aliança Liberal anunciava um ambicioso

programa de reformas para a época: no campo social, previa o reconhecimento por

lei dos direitos trabalhistas, tais como o direito de aposentadoria, a regulamentação

do trabalho do menor e do da mulher e o direito ao gozo de férias, e, no campo

político, condenava o abuso do poder, a corrupção, a interferência oficial na escolha

dos sucessores. Pregava a defesa das liberdades individuais, o voto secreto, a

instituição da justiça eleitoral, anistia (visando atrair os ''tenentes") e a reforma 17

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política, com o objetivo de estabelecer eleições que expressassem a verdadeira

vontade do povo.

Ao assumir o governo, Getúlio tratou de por em prática alguns dos

compromissos assumidos na campanha eleitoral, além de paulatinamente tomar

medidas que garantissem o PROGRESSO e a manutenção da ORDEM 6.

Na avaliação do novo governo, o PROGRESSO seria alcançado através de

um amplo programa de industrialização fomentado pelo Estado, na medida em que

inexistia no Brasil uma classe empresarial forte e organizada, com acumulação de

capital suficiente para conduzir esse projeto. Ao mesmo tempo, a própria

administração pública deveria ser totalmente reformulada através de uma

profissionalização crescente, para atender ao novo papel que o estado deveria

representar no desenvolvimento econômico 7.

Além disso, para esse progresso econômico ser alcançado seria fundamental

a melhoria das condições de vida e trabalho da população. Esse bem estar social

seria garantido pela paulatina concessão das leis trabalhistas. Assim, a questão

social deixava de ser um “caso de polícia” para ser uma questão a ser solucionada

pelo Estado, que assume o papel de provedor e protetor da classe trabalhadora.

Portanto, o progresso que se pretendia alcançar deveria trazer não apenas o

desenvolvimento econômico, mas também a melhoria das condições de vida da

classe trabalhadora através da concessão de direitos. Por outro lado, o pré-requisito

para o progresso econômico e social era a manutenção da ORDEM. Para isso, o

governo criou diversos mecanismos para controlar e disciplinar a classe

trabalhadora: a propaganda oficial, a criação de uma estrutura sindical

corporativista, submetendo os sindicatos à tutela do Estado, ou através da

repressão policial aplicada sobre os elementos ameaçadores da ordem,

especialmente os comunistas.

6 Para a análise da evolução política e econômica da Era Vargas (1930-1945) tomei como referência o CD ROM A Era Vargas - 1º tempo - dos anos 20 a 1945", lançado pelo CPDOC em 1997. Seu conteúdo também está disponibilizado na página Navegando na História no portal do CPDOC.7 Diretamente subordinado ao Presidente da República, o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) foi criado pelo Decreto-Lei n.º 579, de 30/07/1938, com o objetivo de profissionalizar a dar maior eficiência à máquina administrativa federal.

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Entendo que aí estaria a gênese para a compreensão da conduta de Getúlio

no poder. Levando-se em conta que os positivistas primavam pela ciência e pela

técnica como meio de construir uma sociedade melhor, era natural que esses

princípios estivessem acima das diferenças e interesses político-partidários. Da

mesma forma, a influência positivista pode nos ajudar a compreender também a

composição heterogênea dos ministros, assessores e quadros administrativos

recrutados durante seu período na presidência. Onde o fundamental era a

manutenção da ORDEM, a escolha de pessoas com um perfil conservador e

autoritário – foi o caso de Góis Monteiro, Ministro da Guerra entre 1934 e 1935 e,

em seguida, chefe do Estado-Maior do Exército, e de Francisco Campos, Ministro

da Justiça. Por outro lado, para cuidar da EDUCAÇÃO E DA SAÚDE, fundamentais

para a construção do PROGRESSO, a escolha de pessoas como Gustavo

Capanema, que monta uma equipe composta por intelectuais com um perfil

claramente progressista, muitos influenciados pelo modernismo, comprometidos

com o projeto de construção do “homem novo” para o Brasil.

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1.3) Populismo ou Trabalhismo?

No meio acadêmico, durante muito tempo era amplamente aceita a tese de

que a Era Vargas seria o marco inicial da formação do populismo na política

brasileira, um “estilo de governo e política de massas” que se perpetuaria até o

Golpe Militar de 1964.

Nos dias atuais, o conceito de populismo é muitas vezes, a maioria talvez,

utilizado de forma generalista e depreciativa. É comum ouvirmos “tal político é um

populista”, insinuando que ele foi eleito devido à sua capacidade de manipular e de

enganar o povo. Considera-se, assim, o eleitorado despreparado e destituído de

discernimento político, tornado-se vulnerável à ação de políticos carismáticos e

manipuladores.

Mas, afinal, quem são os populistas? Difícil saber, pois depende do lugar político em que o personagem que acusa se encontra. Para os conservadores, populismo é o passado político brasileiro, são políticas públicas que garantam os direitos sociais dos trabalhadores... O populista, portanto, é o adversário, o concorrente, o desafeto. O populista é o Outro. Trata-se de uma questão eminentemente política e, muito possivelmente, político-partidária, que poderia ser enunciada da seguinte maneira: o meu candidato, o meu partido, a minha proposta política não são populistas, mas o teu candidato, o teu partido e a tua proposta política, estes, sim, são populistas. Populista é sempre o Outro, nunca o Mesmo. (FERREIRA, 2001, p. 124).

Não concordamos com essa análise e, tomando como referência os trabalhos

de FERREIRA (2001) e GOMES (1988), apresentaremos nosso ponto de vista

destacando em primeiro lugar como surgiu e em que contexto foi criado o conceito

de populismo no Brasil.

A origem da formulação do conceito encontra-se em agosto de 1952, quando

um grupo de estudiosos começou a se reunir periodicamente no Parque Nacional

de Itatiaia, entre Rio de Janeiro e São Paulo, para realizar estudos e debates

acerca dos grandes problemas relacionados ao desenvolvimento nacional – esse

grupo ficou conhecido, por esse motivo de “Grupo de Itatiaia”. Alguns meses depois,

já em 1953, ele levaria à criação do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e

Política - IBESP, responsável, entre 1953 e 1956, pela edição de cinco volumes dos

Cadernos de Nosso Tempo. A importância do IBESP e dos Cadernos é que eles

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contêm, no nascedouro, toda a ideologia do nacionalismo, que ganharia força cada

vez maior no país nos anos subseqüentes, e serviriam de ponto de partida para a

constituição do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).

Um dentre os principais problemas divisados na agenda deste grupo é o do

surgimento do populismo na política brasileira. Ele pode ser sugestivamente

exemplificado, por um pequeno ensaio, sem autor identificado, intitulado: Que é o

Ademarismo? (FERREIRA, 2001, p. 23). Publicado durante o primeiro semestre do

ano de 1954, portanto antes do suicídio do presidente Vargas, o artigo tem como

preocupação e motivação imediata a projeção do político paulista, Adhemar de

Barros, como candidato à sucessão presidencial de 1955.

Resumidamente, de uma forma bem esquemática, pode-se dizer que o

ensaio aponta duas condições fundamentais para a emergência/caracterização do

populismo. Atuando como variáveis histórico-sociais, elas terão longa carreira em

inúmeras formulações posteriores, integrando-se ao esforço coletivo empreendido

no campo das ciências sociais.

Em primeiro lugar, o populismo é uma política de massas, vale dizer, ele é um

fenômeno vinculado à proletarização dos trabalhadores na sociedade complexa

moderna, sendo indicativo de que tais trabalhadores não adquiriram consciência e

sentimento de classe: não estão organizados e participando da política como

classe. As massas, interpeladas pelo populismo, são originárias do proletariado,

mas dele se distinguem por sua inconsciência das relações de espoliação sob as

quais vivem.

Em segundo lugar, o populismo está igualmente associado a uma certa

conformação da classe dirigente, que perdeu sua representatividade e poder de

exemplaridade, deixando de criar os valores e os estilos de vida orientadores de

toda a sociedade. Em crise e sem condições de dirigir com segurança o Estado, a

classe dominante precisa conquistar o apoio político das massas emergentes.

Finalmente, satisfeitas estas duas condições mais amplas, é preciso um terceiro

elemento para completar o ciclo: o surgimento do líder populista, do homem

carregado de carisma, capaz de mobilizar as massas e controlar de forma

centralizada o poder.

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O que importa aqui destacar é a seleção das pré-condições para a

construção do modelo, bem como o perfil dos atores que o integram: um

proletariado sem consciência de classe; uma classe dirigente em crise de

hegemonia; e um líder carismático, cujo apelo subordina instituições e transcende

fronteiras sociais.

As características acima serviram de referência para inúmeros estudos

posteriores, mas para nossa análise crítica ao conceito iremos tomar como base a

obra clássica O populismo na política brasileira, de Francisco Weffort, sem

dúvida o principal teórico do populismo no Brasil.

Analisando a origem e a evolução do populismo, Weffort afirma que:

O populismo, como estilo de governo, sempre sensível às pressões populares, ou como política das massas, que buscava conduzir, manipulando suas aspirações, só pode ser compreendido no contexto do processo de crise política e de desenvolvimento econômico que se abre com a revolução de 1930. Foi a expressão do período de crise da oligarquia e do liberalismo, sempre muito afins na história brasileira, e do processo de democratização do Estado que, por sua vez, teve que apoiar-se sempre em algum tipo de autoritarismo, seja o autoritarismo institucional da ditadura Vargas (1937-45), seja o autoritarismo paternalista ou carismático dos líderes de massas da democracia do pós-guerra (1945-64). Foi também uma das manifestações das debilidades políticas dos grupos dominantes urbanos quando tentaram substituir-se à oligarquia nas funções de domínio político de um País tradicionalmente agrário, numa etapa em que pareciam existir as possibilidades de um desenvolvimento capitalista nacional. E foi sobretudo a expressão mais completa da emergência das classes populares no bojo do desenvolvimento urbano e industrial verificado nestes decênios e da necessidade, sentida por alguns dos novos grupos dominantes, de incorporação das massas ao jogo político. (WEFFORT, 1978p. 61)

O autor também constata que a classe trabalhadora não tem consciência de

classe e, assim, desorganizada, torna-se facilmente suscetível ao apelo de um líder

carismático.

Se baseados na tradição européia de luta de classes, entendemos como participação política ativa aquela que implica uma consciência comum dos interesses de classe e na capacidade de auto-representação política, caberia concluir que todas as classes sociais brasileiras foram politicamente passivas nos decênios posteriores à revolução de 1930. (WEFFORT, 1978, p. 71)

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A partir dessa análise, o conceito de populismo tem sido usado de forma um

tanto quanto generalizada e destituída de historicidade. Assim, políticos com perfis

e projetos tão diversos como Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Adhemar de

Barros, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart, entre outros foram

tachados de populistas.

Detendo-me na Era Vargas (1930-1945), período escolhido para essa

pesquisa, prefiro optar por outro caminho, tomando como referência os trabalhos de

dois autores: Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira.

Acompanhando os autores acima, não considero adequadas algumas das

conclusões do trabalho de Weffort. Ao invés de considerar as “massas” como

manipuladas por um líder messiânico e carismático, entendo que na verdade elas

foram tão pragmáticas quanto os governos ditos populistas e seus líderes. Se estes

pretendiam modernizar o Brasil implantando um modelo industrializante com forte

conotação nacionalista, tentando promover a transição para um modelo avançado

de capitalismo, acredito que a classe trabalhadora das cidades apoiou esse projeto

ao obter de forma crescente benefícios na forma de leis trabalhistas.

Como afirma Ângela de Castro Gomes,

...o processo de produção do consentimento não se sustenta somente em apelos ideológicos, tendo uma explícita dimensão sócio-econômica. Isto é, ele está fundado em procedimentos que asseguram a existência de vantagens materiais efetivas para os grupos dominados. A legitimidade de um arranjo institucional não advém simplesmente da manipulação e/ou repressão políticas, deitando raízes em práticas que incorporam — em graus muito variados — interesses e valores concretos dos que estão excluídos do poder. (GOMES, 1999, p. 56).

A crítica que os autores citados acima fazem ao conceito de populismo

refere-se à sua utilização para explicar a política brasileira, como também à maneira

como os trabalhadores alcançaram a cidadania social. Destacam que foi após a

Revolução de 1930 que ocorreu o processo em que os assalariados tiveram acesso

aos direitos sociais e, após 1945, aos direitos políticos. Enquanto na experiência

européia os trabalhadores, primeiro, tiveram acesso aos direitos de votar e ser

votado para, mais adiante, alcançarem os direitos sociais, no caso brasileiro,

ocorreu o processo inverso. Ou seja, no Brasil, os trabalhadores se tornaram 23

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cidadãos não pelo direito de votar e ser votado, mas com a obtenção de seus

direitos sociais: regulamentação da jornada de trabalho, férias, descanso semanal

remunerado, pensões, aposentadorias, etc. Isso teria marcado a cultura política

brasileira.

... o “mito” Vargas não foi criado simplesmente na esteira da vasta propaganda política, ideológica e doutrinária veiculada pelo Estado. Não há propaganda, por mais elaborada, sofisticada e massificante, que sustente uma personalidade pública por tantas décadas que beneficiem, em termos materiais e simbólicos, o cotidiano da sociedade. O “mito” Vargas expressava um conjunto de experiências que, longe de se basear em promessas irrealizáveis, fundamentadas tão-somente em imagens e discursos vazios, alterou a vida dos trabalhadores. (FERREIRA, 2001, p. 88)

Nesse sentido, os trabalhadores, a partir dos anos de 1930, tiveram acesso à

cidadania com leis sociais e reconheceram o papel do Estado naquele processo. A

partir de 1945, parcelas significativas do eleitorado identificaram seus direitos

sociais com a pessoa de Getúlio Vargas e, consequentemente, com o Partido

Trabalhista Brasileiro e o trabalhismo. Mas isso é um processo de reconhecimento,

resultado de experiências vividas pelos próprios trabalhadores – e não de

manipulação. Os trabalhadores, nesse sentido, fizeram suas escolhas. Estado e

trabalhadores interagiram um com o outro. Contudo, na ótica do populismo, tudo

não teria passado de manipulação das massas.

O Estado Nacional do pós-1937, por seu ideal de justiça social, voltava-se para a realização de uma política de amparo ao homem brasileiro, o que significava basicamente o reconhecimento de que a civilização e o progresso eram um produto do trabalho...

O ideal de justiça social ia sendo explicitado como um ideal de ascensão social pelo trabalho, que tinha no Estado seu avalista e intermediário. O ato de trabalhar precisava ser associado a significantes positivos que constituíam substantivamente a superação das condições objetivas vividas no presente pelo trabalhador. A ascensão social, principalmente em sua dimensão geracional, apontava o futuro do homem como intrinsecamente ligado ao “trabalho honesto”, que devia ser definitivamente despido de seu conteúdo negativo. O trabalho era civilizador.... (GOMES, 1999, p. 58-9)

Portanto, entendemos que com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder o

projeto de desenvolvimento voltado para o progresso econômico tornou-se

prioridade fundamental para o governo, mas com uma novidade em relação ao

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discurso oficial durante o período da República Velha: a incorporação e a

valorização do trabalho e dos trabalhadores como parte desse projeto de

desenvolvimento.

Durante a República Velha a questão social era tratada como um caso de

polícia. Enquanto na Europa o movimento operário vinha conquistando desde a

segunda metade do século XIX avanços progressivos na legislação trabalhista, no

Brasil os operários ainda trabalhavam em condições não muito diferentes dos seus

pares europeus do século XVIII. Insensíveis a esses problemas, os sucessivos

governos da República Velha ocupara-se apenas com a repressão às greves e aos

sindicatos, prova disso foi a aprovação da Lei Celerada, em 1927, durante a

presidência de Washington Luís. Na tentativa de conter as greves essa lei dava ao

Executivo o direito de intervir em sindicatos e criminalizar qualquer manifestação

dos operários, além de permitir o fechamento de qualquer instituição que não

seguisse as diretrizes do governo. Como consequências imediatas dessa lei, o

Partido Comunista Brasileiro foi posto na ilegalidade e sindicatos trabalhistas e

clubes militares foram fechados.

Esse descaso com a condição da classe trabalhadora começou a ser revisto

a partir da Revolução de 1930, especialmente durante o período do Estado Novo,

quando houve o entendimento de que a questão social era um problema a ser

solucionado e não reprimido pelo Estado. Dentro desse contexto, o regime utilizava

um discurso de legitimação através de uma “ideologia política de valorização do

trabalho e de ‘reabilitação’ do papel e do lugar do trabalhador nacional” (GOMES,

1999, p. 53).

Operários do Brasil: No momento em que se festeja o ‘Dia do Trabalho’, não desejei que esta comemoração se limitasse a palavras, mas que fosse traduzida em fatos e atos que constituíssem marcos imperecíveis, assinalando pontos luminosos na marcha e na evolução das leis sociais do Brasil.Nenhum governo, nos dias presentes, pode desempenhar a sua função sem satisfazer as justas aspirações das massas trabalhadoras. (Muito bem; palmas.)Podeis interrogar, talvez: Quais são as aspirações das massas obreiras, quais os seus interesses? E eu vos responderei: a ordem, e o trabalho! (Muito bem; palmas prolongadas.)Em primeiro lugar, a ordem, porque na desordem nada se constrói: porque, num país como o nosso, onde há tanto trabalho a realizar, onde há tantas iniciativas a adotar, onde há tantas possibilidades a

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desenvolver, só a ordem assegura a confiança e a estabilidade. (Muito bem.)O trabalho só se pode desenvolver em ambiente de ordem. Por isso, a Lei do Salário Mínimo, que vem trazer garantias ao trabalhador, era necessidade que há muito se impunha. Como sabeis, em nosso país, o trabalhador, principalmente o trabalhador rural, vive abandonado, percebendo uma remuneração inferior às suas necessidades. (Muito bem.)No momento em que se providencia para que todos os trabalhadores brasileiros tenham casa barata, isentos dos impostos de transmissão, torna-se necessário, ao mesmo tempo, que, pelo trabalho, se lhes garanta a casa, a subsistência, o vestuário, a educação dos filhos. (Muito bem; palmas prolongadas.)O trabalho é o maior fator da elevação da dignidade humana.Ninguém pode viver sem trabalhar; (Muito bem.) e o operário não pode viver ganhando apenas o indispensável para não morrer de fome! (Muito bem; aplausos prolongados.) O trabalho justamente remunerado eleva-o na dignidade social. Além dessas condições, é forçoso observar que num país como o nosso, onde em alguns casos há excesso de produção, desde que o operário seja melhor remunerado, poderá, elevando o seu padrão de vida, aumentar o consumo, adquirir mais dos produtores e, portanto, melhorar as condições do mercado interno.Após a série de leis sociais com que tem sido amparado e beneficiado o trabalhador brasileiro, a partir da organização sindical, da Lei dos Dois Terços, que terá de ser cumprida e que está sendo cumprida, (Muito bem; palmas prolongadas.) das férias remuneradas, das caixas de aposentadoria e pensões, que asseguraram a tranqüilidade do trabalhador na invalidez e a dos seus filhos na orfandade, a Lei do Salário Mínimo virá assinalar, sem dúvida, um marco de grande relevância na evolução da legislação social brasileira. Não se pode afirmar que seja o seu termo, porque outras se seguirão.O orador operário, que foi o intérprete dos sentimentos de seus companheiros, declarou, há pouco, que a legislação social do Brasil veio estabelecer a harmonia e a tranqüilidade entre empregados e empregadores. É esta uma afirmativa feliz, que ecoou bem no meu coração. (Muito bem; palmas.) Não basta, porém, a tranqüilidade e a harmonia entre empregados e empregadores. E preciso a colaboração de uns e outros no esforço espontâneo e no trabalho comum em bem dessa harmonia, da cooperação e do congraçamento de todas as classes sociais. (Muito bem; prolongados aplausos.) O movimento de 10 de novembro pode ser considerado, sob certos aspectos, como um reajustamento dos quadros da vida brasileira. (Muito bem; palmas.) Esse reajustamento terá de se realizar, e já se vem realizando, exatamente pela cooperação de todas as classes. O governo não deseja, em nenhuma hipótese, o dissídio das classes nem a predominância de umas sobre as outras. (Muito bem.) Da fixação dos preceitos do cooperativismo na Constituição de 10 de novembro deverá decorrer, naturalmente, o estímulo vivificador do espírito de colaboração entre todas as categorias de trabalho e de produção. Essa colaboração será efetivada na subordinação ao sentido superior da organização

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social. Um país não é apenas um conglomerado de indivíduos dentro de um trecho de território, mas, principalmente, a unidade da raça, a unidade da língua, a unidade do pensamento nacional. (Muito bem; palmas.)E preciso, portanto, para a realização desse ideal supremo, que todos marchem unidos, em ascensão prodigiosa, heróica e vibrante, no sentido da colaboração comum e do esforço homogêneo pela prosperidade e pela grandeza do Brasil! (Muito bem, muito bem; aplausos vibrantes.)8

Durante o Estado Novo, o governo entendeu também que a pobreza era um

problema que entravava o desenvolvimento nacional, estando associada à

ignorância e à doença. Dessa forma, houve a compreensão da necessidade de

políticas públicas que enfrentassem esses problemas, elevando a condição social

do trabalhador brasileiro, tornando-o um “homem novo”.

Promover o homem brasileiro, defender o desenvolvimento econômico e a paz social do país eram objetivos que se unificavam em uma mesma e grande meta: transformar o homem em cidadão/trabalhador, responsável por sua riqueza individual e também pela riqueza do conjunto da nação. (GOMES, 1999, p. 55)

Partindo do princípio de que o trabalho era civilizador, ele deveria ser

humanizado e apresentado ao trabalhador como o meio fundamental de melhorar

sua condição social. Ao mesmo tempo em que o Estado utilizava o controle dos

meios de comunicação para veicular esse discurso, por outro lado decretava

progressivamente uma legislação trabalhista, que, comparando com a situação da

República Velha, continha avanços bastante significativos.

Juntamente com a legislação trabalhista, complementavam as políticas

públicas para a transformação do homem brasileiro em “cidadão-trabalhador”, os

investimentos na medicina social, na educação e nas habitações populares. . Não

por acaso uma das inovações da Era Vargas foi a criação do Ministério da

Educação e Saúde, fundindo duas áreas que, acreditava-se, estavam intimamente

relacionadas.

No próprio interesse do progresso do país, deviam-se vincular estreitamente as legislações social e sanitária, já que o

8 VARGAS. Getúlio. Discurso no Palácio Guanabara, 1º de maio de 1938. Citado em Biblioteca da Presidência da República, acessado através de www2.gestao.presidencia.serpro.gov.br/area-presidencia/pasta.2008-10-08.1857594057/pasta.2008-10-08.9262201718/pasta.2008-12-17.8067491282/pasta.2009-08-04.8476074125/07.pdf, em 13/março/2010.

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objetivo de ambas era construir trabalhadores fortes e sãos, com capacidade produtiva ampliada. (GOMES, 1999, p. 60)

Isso não significa que o governo deve ser isentado de utilizar meios de

coerção e propaganda para se legitimar junto à sociedade e particularmente aos

trabalhadores.

...Por outro lado, a produção de uma ideologia política, ao mesmo tempo que atinge a finalidade de articulação de informações e ideais legitimadores — o que se garante por sua função de propaganda —, assume conotação repressiva, na medida em que exclui e combate a veiculação de mensagens anti-regime — o que se verifica por sua função de censura.

Assim, tanto as regras legais como a ideologia política podem ser pensadas como mecanismos organizadores do consentimento e controladores do conflito social, através de formas diferenciadas do exercício da coesão e da coerção. Suas relações precisam ser percebidas para que a própria configuração de um projeto político seja captada mais perfeitamente dentro de determinada conjuntura. (GOMES, 1999, p. 56)

Por tudo o que foi exposto, considero mais correto e melhor relacionado ao

meu objeto conceituar a ideologia oficial da Era Vargas como trabalhismo,

envolvendo ao mesmo tempo coerção e consenso com a classe trabalhadora. Não

há dúvidas quanto ao caráter autoritário do regime, assim como não podemos negar

que demandas importantes da classe trabalhadora pela primeira vez no Brasil foram

colocadas na ordem do dia.

***

Portanto, no que se refere ao contexto histórico da Era Vargas (1930-1945)

nossa pesquisa se orienta pelos seguintes princípios:

1 – A Era Vargas representou uma retomada do projeto positivista do início

da República, pretendendo modificar estruturalmente o país e alcançando o

PROGRESSO econômico, deixado de lado durante a República Oligárquica.

2 – Fazia parte dessa concepção de progresso o atendimento das demandas

da classe trabalhadora, na medida em que essa classe era considerada um ator

fundamental, juntamente com a indústria, para o desenvolvimento econômico.28

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Passou a época dos liberalismos imprevidentes, das democracias estéreis, dos personalismos inúteis e semeadores da desordem. À democracia política substitui a democracia econômica, em que o poder, emanado diretamente do povo e instituído para defesa do seu interesse, organiza o trabalho, fonte do engrandecimento nacional e não meio de fortunas privadas. Não há mais lugar para regimes fundados em privilégios e distinções; subsistem, somente, os que incorporam toda a Nação nos mesmos deveres e oferecem, eqüitativamente, justiça social e oportunidades na luta pela vida.(Discurso de Getúlio Vargas, proferido a 11 de junho de 1940, citado

em Getúlio Vargas, As Diretrizes da Nova Política do Brasil, Rio de Janeiro, José Olímpio, s/d)

3 – O apoio da classe trabalhadora ao governo não deve ser entendido

apenas como uma mera manipulação, mas também como uma atitude pragmática

diante de um governo com o qual ela em grande parte se identificava por ter

encaminhado a solução de problemas sociais que tradicionalmente estiveram

relegados ao esquecimento pelas autoridades.

4 – Para alcançar o progresso, o governo estabeleceu diversos mecanismos

garantidores da ORDEM, como construção de um eficiente aparato repressivo

policial, mas também através da manipulação da sociedade através da censura e da

repressão.

5 – As ações de Getúlio Vargas no poder demonstram uma linha de

coerência com a sua formação política positivista desde a juventude no Rio Grande

do Sul.

Foi nesse contexto que os arquitetos modernos, mais especificamente sua

vertente “carioca”, encontraram espaços dentro da administração pública para se

projetarem e aos poucos conquistarem a hegemonia perante outras correntes.

Porém, apesar de se apresentassem como um grupo de vanguarda disposto a

colocar a arquitetura a serviço de uma sociedade mais justa e democrática, veremos

que na prática esse projeto incorreu em fortes contradições, embora a nova

linguagem trazida por sua arquitetura exerça forte influência até a atualidade.

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CAPÍTULO 2 – A ARQUITETURA MODERNA

2.1) A origem e a ascensão da arquitetura moderna

a nova arquitetura se converte... em um ponto de chegada que supera todas as buscas anteriores, as das vanguardas e a do neocolonial, ambas representativas, para [Lucio] Costa, de realidades parciais do Brasil que agora se deseja uno, materializando na arquitetura uma velha aspiração dos intelectuais recém-compartilhada, a partir de 1930, pelo Estado: a construção da identidade nacional capaz de romper com o particularismo dos poderes regionais da República Velha. (GORELIK, 2005, p. 45)

No início da década de 1930, havia em alguns setores políticos e intelectuais

um sentimento de que o Brasil era um país com uma nação ainda por construir, um

Brasil sem identidade nacional. Ainda no século XIX, o professor de Botânica

Auguste de Saint-Hilaire tinha chegado a mesma conclusão, quando, entre 1816 e

1822, percorreu os territórios dos atuais estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo,

Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em

um de seus livros observou que “...havia um país chamado Brasil; mas

absolutamente não havia brasileiros...” (SAINT-HILAIRE ,1974, p. 213).

Esse mesmo sentimento também era compartilhado pelos mesmos setores

em outros países latino-americanos. Ernesto Sabato, em seu romance Sobre

héroes y tumbas, ambientado em Buenos Aires, o expressa através de um dos

seus personagens:

...nossa desgraça era que não tínhamos terminado de construir uma nação quando o mundo onde ela se originara começou a rachar e depois a desmoronar, de modo que aqui não tínhamos nem sequer esse simulacro de eternidade que na Europa, ou no México, ou em Cuzco, são as pedras milenares. Aqui... não somos Europa nem América, mas uma região fraturada, um lugar de fratura e dilaceração instável, trágico e transtornado. De modo que aqui tudo era mais transitório e frágil, não havia nada sólido em que se agarrar, o homem parecia mais mortal, e sua condição, mais efêmera. (SABATO, 2002, p. 309).

A arquitetura moderna começou a se constituir e se afirmar no Brasil na

década de 1930, paralelamente à revolução de 1930 e aos anos da Era Vargas

(1930-1945), quando o regime então instaurado pretendia superar o “atraso” da

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economia nacional com um arrojado conjunto de reformas dirigidas pelo Estado,

como vimos no capítulo anterior. Por outro lado, o novo regime também considerava

como parte integrante e essencial desse projeto de desenvolvimento, a construção

de um sentimento de unidade nacional, buscando assim criar uma identidade entre

a sociedade e o modelo econômico nacionalista. Para alcançar esses objetivos, o

governo investiu fortemente nos meios de comunicação, especialmente no rádio,

além de apoiar manifestações culturais que exaltassem o Brasil e os brasileiros9.

Essa preocupação com a identidade nacional era partilhada com setores do

meio intelectual e acadêmico que se projetavam naqueles anos. Nas décadas de

1930 e 1940, intelectuais com formações teóricas distintas se debruçaram sobre o

tema, o que resultou em algumas obras que são referências até os adias atuais:

Casa Grande e Senzala (1933), de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil (1936), de

Sérgio Buarque de Holanda; Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio

Prado Júnior

O movimento de surgimento e ascensão da arquitetura moderna teve como

marco inicial a nomeação de Lúcio Costa como diretor da Escola Nacional de Belas

Artes (ENBA), em 1930 pelo então Ministro da Educação e Saúde, Francisco

Campos. Em entrevista concedida em dezembro daquele ano, Lúcio Costa

anunciava claramente seus objetivos:

Embora julgue imprescindível uma reforma em toda a Escola, aliás, como é pensamento do governo, vamos falar um pouco de arquitetura. Acho que o curso de arquitetura necessita uma transformação radical. Não é só o curso em si, mas os programas das respectivas cadeiras e principalmente a orientação geral do ensino. A atual é absolutamente falha. A divergência entre a arquitetura e a estrutura, a construção propriamente dita, tem tomado proporções simplesmente alarmantes. Em todas as épocas as formas estéticas e estruturais se identificam... Fazemos cenografia, “estilo”, arqueologia, fazemos casas espanholas de terceira mão, miniaturas de castelos medievais, falsos coloniais, tudo, menos arquitetura. (AZEVEDO, 2003, p. 3).

9 Uma das manifestações culturais surgidas naqueles anos que alcançou grande popularidade foi o “samba-exaltação”, gênero musical que se caracterizava pelo ufanismo, exaltando as qualidades do país e do seu povo. O principal representante desse estilo foi Ary Barroso que em 1939 compôs “Aquarela do Brasil”, a canção mais simbólica desse estilo, apresentada pela primeira vez no musical Joujoux e balangandans, espetáculo beneficente patrocinado por Darcy Vargas, a então primeira-dama.

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Para acelerar a renovação do ensino de arquitetura na ENBA, Lúcio Costa

contratou novos professores identificados com esse projeto, destacando-se Gregori

Warchavchik, precursor do modernismo em São Paulo, Attílio Correa Lima, recém-

chegado do doutoramento no IUP de Paris, que introduziu a disciplina urbanismo no

curso e Affonso Eduardo Reidy, ocupando a cadeira de Composição de Arquitetura

(AZEVEDO, 2003, p. 3).

A renovação no ensino de arquitetura provocou reações e

descontentamentos no corpo docente da Escola, onde predominavam duas outras

correntes: os acadêmicos, adeptos dos estilos neoclássico e eclético, e os

neocoloniais ou tradicionalistas. José Mariano Filho, defensor do estilo

neocolonial e antecessor de Lúcio Costa na ENBA, articulou junto à reitoria sua

demissão depois de um período de nove meses (8 de dezembro de 1930 a 18 de

setembro de 1931) no cargo. Entretanto, as bases da arquitetura moderna estavam

lançadas recebendo ampla aceitação entre os alunos naquele período - prova disso

foi a greve estudantil que se seguiu à demissão de Lúcio Costa -, e, nos anos

seguintes, pouco a pouco os modernos foram ganhando hegemonia perante seus

adversários.

Esse período coincide com uma valorização profissional crescente dos

arquitetos. Em 11 de dezembro de 1933, pelo Decreto-Lei nº 23.569 da Presidência

da República a profissão de arquiteto foi regulamentada. Entre 1930 e 1939 o

número de formandos na ENBA atingiu trezentos e quarenta e quatro, um

crescimento altamente significativo se levarmos em conta que os formandos entre

1890 e 1900 foram apenas três, e entre 1901 e 1929, trinta e sete.

Em 1932, Affonso Eduardo Reidy tornou-se arquiteto-chefe da Diretoria de

Engenharia da prefeitura do Distrito Federal, projetando inúmeros edifícios públicos

de linhas modernas como o edifício-sede da Polícia Municipal do Distrito Federal e

o Albergue da Boa Vontade. Em Pernambuco, o mineiro Luiz Carlos Nunes de

Souza, líder da greve contra o afastamento de Lucio Costa da Direção da ENBA,

esteve à frente da Secretaria de Obras Públicas a partir de 1934, durante o governo

de Carlos de Lima Cavalcanti.

Entretanto, o passo decisivo para a conquista dessa hegemonia foi a

nomeação de Gustavo Capanema para o Ministério da Educação e Saúde, em julho 32

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de 1934, fazendo deste órgão do governo a porta de entrada para diversos

intelectuais alinhados com as propostas inovadoras do modernismo. Assessorado

por seu chefe de gabinete, o poeta Carlos Drummond de Andrade, cercou-se de

uma equipe diversificada, integrada, entre outros, por Mário de Andrade, Cândido

Portinari, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos, Cecília Meireles, Vinícius de Morais,

Afonso Arinos de Melo Franco e Rodrigo Melo Franco de Andrade.

O Ministério da Educação e Saúde preocupava-se não apenas com a

educação, mas principalmente, com a formação desse novo homem que pretendia

moldar, adotando uma séria de iniciativas que iam ao encontro das preocupações

nacionalistas do governo.

Era preciso “elevar” o nível das camadas populares, sendo necessário para isso “desenvolver a alta cultura do país, sua arte, sua música, suas letras”. Órgãos oficiais como a revista Cultura Política veiculavam artigos insistindo na inexistência de um povo brasileiro e na premência de forjá-lo. Para a gigantesca tarefa de formar a nacionalidade, necessário seria tornar o país homogêneo, aplainando as distinções regionais e raciais que distinguiriam, negativamente, o Brasil. (CAVALCANTI, 1999, p. 180).

Em artigo onde compara a atuação dos intelectuais nos governos de Juan

Domingo Perón e Getúlio Vargas, FIORUCCI (2004) destaca as inúmeras

realizações ocorridas quando o líder brasileiro decidiu “convidá-los” a participar da

construção do seu projeto de nação, através do ministro Capanema: a inauguração

dos Museus Nacional de Belas Artes, Imperial, da Inconfidência; o Serviço de

Radiodifusão Educativa; o Instituto Cayru (depois Instituto do Livro) e o Instituto de

Cinema Educativo. Também foram reformadas a Biblioteca Nacional, a Casa Rui

Barbosa e o Museu Histórico Nacional.

Aproveitando a oportunidade, os arquitetos modernos foram conquistando

cada vez mais espaço e influência, o que pode ser comprovado pelo fato de que

inúmeras edificações estatais foram erguidas com base em seus projetos, como o

Aeroporto Santos Dumont, a nova sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI),

a Estação de Hidros e, especialmente, do Ministério da Educação e Saúde. Ao

mesmo tempo sua ação se estendeu à abertura das largas avenidas e aterros,

demolindo quadras e criando novos espaços que modificaram substancialmente a

feição da cidade.

33

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FIGURA 1

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (1936)

Extraído de www.almanaquedacomunicacao.com.br, em agosto de 2010

FIGURA 2

AEROPORTO SANTOS DUMONT (1938)

Extraído de www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.

Nesse aspecto, encontramos uma especificidade da arquitetura moderna no

Brasil, na medida em que esta se afirma principalmente através de encomendas

estatais, ao contrário do ocorrido na Europa. Assim, não foi por acaso que alguns

34

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arquitetos europeus, sem oportunidades em um continente afetado pela crise

econômica do período entre-guerras, manifestaram interesse em trabalhar no Brasil,

onde se abria uma espécie de mercado de obras públicas (CAVALCANTI, 2006, p.

46).

Outra demonstração da supremacia dos arquitetos modernos ocorreu quando

em 1937 o grupo foi convidado para fundar e dirigir o Serviço de Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). O controle desse órgão teve uma

importância estratégica na medida em que o grupo passaria a ter poder de decisão

sobre o que deveria ser preservado e sacralizado e o que poderia ser removido.

Em 1936, com a escolha para a construção da sede do MES e para constituírem a equipe do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, logram os modernos serem considerados os mais aptos a erigir os novos monumentos do Estado, assim como são considerados “dignos” pelo Estado para tornarem “digna”, em seu nome, a produção do passado que será por ele protegida para a posteridade. Na implantação do “modernismo” como dominante de uma política cultural, conseguem realizar o sonho de todo revolucionário: deter as rédeas da edificação do futuro e da reconstrução do passado... (CAVALCANTI, 1999, p. 182).

Durante a Era Vargas, como já assinalamos, o Estado pretendia alavancar o

desenvolvimento econômico e ao mesmo tempo construir um sentimento de unidade

nacional. Os arquitetos modernos acreditaram que seus princípios de vanguarda

adequavam-se a esses objetivos, mas foram além, pretendendo com seus projetos

construir uma sociedade mais justa e democrática.

Aproveitando as oportunidades criadas pelo governo com as inúmeras obras

públicas, criaram monumentos que projetavam o futuro, e, ao controlarem a direção

do SPHAN, também selecionavam o que deveria ser conservado como parte

integrante da memória nacional. Detinham, em aliança com o governo, os

instrumentos de construção da memória, da identidade e do projeto, como assinala

Gilberto Velho (VELHO: 2003, p. 97-105).

O projeto e a memória associam-se e articulam-se ao dar significado à vida e às ações dos indivíduos, em outros termos, à própria identidade. Ou seja, na constituição da identidade social dos indivíduos, com particular ênfase nas sociedades e segmentos individualistas, a memória e o projeto individuais são amarras fundamentais. São visões retrospectivas e prospectivas que situam

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o indivíduo, suas motivações e o significado de suas ações, dentro de uma conjuntura de vida, na sucessão das etapas de sua trajetória. (VELHO, 2003, p. 101)

Ao controlarem o SPHAN, com o firme apoio de Gustavo Capanema, o órgão

passou a ter uma ação ao mesmo tempo dinâmica e inovadora. Isso pode ser

constatado quando observa-se a política de preservação em outros países no

mesmo período, quando os bens culturais eram tratados isoladamente

(monumentos, museus, arte popular etc.). No Brasil, pelo contrário, buscava-se

sempre tratá-la de forma ampla, abrangendo os diversos bens culturais em conjunto

(FONSECA, 2005, p. 118-119). Além disso, enquanto em outros países os

responsáveis pela preservação normalmente eram escolhidos entre intelectuais

identificados com uma concepção nostálgica e conservadora da cultura, no Brasil os

modernos sempre buscavam fundamentar seus pareceres após rigorosos estudos

técnicos e históricos, almejando a criação de um elo entre a tradição e a

modernidade.

(...) para muitas pessoas menos informadas, cabe ao Serviço de Patrimônio apenas a restauração de obras históricas. Daí as freqüentes acusações que recebemos, quando um prédio de reconhecido valor histórico tem a aparência de um “pardieiro” (esta é a expressão mais comumente usada por aqueles que nos censuraram). Mas não é a aparência que importa. Ao contrário, o mais importante é a conservação da integridade do monumento, isto é, a proteção das características primitivas, do ambiente adequado. (ANDRADE, 1987, p. 39)

Não por acaso, seus maiores opositores eram personalidades com um perfil

ultraconservador, como Gustavo Barroso e José Mariano Filho, de quem voltaremos

a comentar mais à frente.

Fica claro, portanto, que na década de 1930 a arquitetura moderna se

consolidou como o estilo hegemônico. Mas, que razões explicariam essa ascensão

tão rápida em detrimento de outras correntes que até então gozavam de grande

influência? Antes da resposta, vejamos com mais detalhes as principais correntes

opositoras dos modernos.

O grupo dos acadêmicos, defensores do estilo eclético, viveu seu apogeu na

primeira década do século XX, especialmente durante a abertura da Avenida

Central, inaugurada em 15 de novembro de 1905. Naquele tempo, em que 36

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pretendia-se transformar o Rio de Janeiro em uma Paris nos trópicos, o estilo

eclético pareceu mais adequado para equiparar a capital do Brasil à capital da

França. Mais que isso, a capital, porta de entrada do país, transmitiria a todos,

especialmente aos estrangeiros, uma nova imagem do Brasil, culto e civilizado,

libertado do passado colonial que simbolizaria o atraso.

Uma prova incontestável do predomínio dos acadêmicos ocorreu quando foi

lançado o concurso público para as edificações da nova avenida, ficando a disputa

restrita aos arquitetos-engenheiros formados pela ENBA, onde os acadêmicos

desfrutavam de ampla hegemonia, que perduraria mais alguns anos.

FIGURAS 3 e 4

A AVENIDA CENTRAL NA DÉCADA DE 1920

Extraídasde www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.

Na década seguinte, começou a se fortalecer outra corrente, os neocoloniais

ou tradicionalistas, especialmente quando José Mariano Filho assumiu a direção

da ENBA. Embora não fosse engenheiro ou arquiteto por formação, tornou-se uma

espécie de mecenas, utilizando sua fortuna pessoal para patrocinar os estudos dos

jovens arquitetos e propagar o seu estilo. Lucio Costa, antes da conversão ao

modernismo, foi um dos que se beneficiou de sua ajuda (CAVALCANTI, 1999, p.

180).

O grupo neocolonial começou a ganhar evidência em 1922, quando foi

realizada a Exposição Internacional do Centenário da Independência, quando

executaram vários projetos para as edificações construídas especialmente para o

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evento, que pretendia transmitir aos brasileiros e ao mundo mais uma vez a imagem

de um país em sintonia com o progresso, porém orgulhoso de sua cultura e

criatividade.

A Exposição não teria somente o caráter de uma vitrine dupla, onde os visitantes do exterior conheceriam a riqueza e as potencialidades do país e onde os brasileiros teriam a oportunidade de tomar contato com as maravilhas do estrangeiro; o espaço tomado ao mar e ao Castelo deveria ser também um espelho, onde a cidade e a nação pudessem buscar a imagem que verdadeiramente queriam e deveriam projetar, a imagem do progresso, da civilização, da higiene e da beleza. (KESSEL, 2001, p. 61)

Naquele evento, o governo inspirou-se nas Exposições Universais da

segunda metade do século XIX, onde a arquitetura desempenhou um papel

fundamental na criação de cenários monumentais, sendo um dos fatores

fundamentais de atração e de sucesso destes eventos. Símbolos de progresso e

modernidade, as exposições buscavam mostrar a ousadia das novas tecnologias.

Na exposição brasileira, o ecletismo europeu continuava presente, mas

dividiria espaço com as manifestações em busca das raízes nacionais, através do

movimento neocolonial10. Nesse ponto, é importante lembrar que o nacionalismo

ganhava ímpeto na Europa, especialmente com a ascensão de Benito Mussolini na

Itália, cujas idéias despertavam a admiração em uma parte importante do meio

artístico, intelectual e político no Brasil.

A exposição ocorreu no último ano da presidência de Epitácio Pessoa, que

não escondia sua admiração pelo líder fascista italiano, como podemos observar no

trecho da entrevista concedida por ele ao jornal Il Popolo d’Italia no final de 1922,

quando já havia deixado a presidência:

...a personalidade energica e voluntariosa do Presidente Mussolini me dispertou profunda sympathia. Admiro e comprehendo a sua forte concepção de Governo, realizada com vontade inflexível, que sempre considerei virtude necessaria e inestimável fortuna para o Governo dos povos, hoje mais que nunca, dado o estado de crise e de perturbações em que se encontra o mundo inteiro. (ROCHA, 2009, p. 17-18)

10 Dos pavilhões construídos no estilo colonial, o que ganhou mais destaque foi o das Grandes Indústrias, de Archimedes Memória e F. Cuchet, que atualmente abriga o Museu Histórico Nacional.

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Apesar de dividir o espaço com o estilo eclético, as edificações neocoloniais

atraíram a atenção das autoridades, obtendo o apoio oficial para se afirmarem nos

anos seguintes. Governo, arquitetos e artistas relacionavam a comemoração da

independência com o surgimento de um símbolo da emancipação artística, como

testemunhou o prefeito Carlos Sampaio:

... [meu] principal objetivo naquela Exposição que consegui que fosse Internacional foi fazer ver ao Mundo Civilizado não só que nós tínhamos arquitetos de valor, mas que também tínhamos uma arte nacional que podia ser devidamente apreciada por nacionais e estrangeiros... esse objetivo foi atingido... a nossa Exposição, não envergonhou o nosso país e constituiu uma prova da alta capacidade e do gosto artístico dos nossos arquitetos. (KESSEL, 2001, p. 61)

FIGURA 5

EXEMPLAR DO ESTILO ECLÉTICO NA EXPOSIÇÃO DE 1922 – PAVILHÃO DE SÃO PAULO

Extraído de www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.

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FIGURAS 6 e 7

IMAGENS ATUAIS DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, QUE NA EXPOSIÇÃO DE 1922 ABRIGOU O PALÁCIO DAS GRANDES INDÚSTRIAS, CONSTITUINDO-SE EM UM DOS PRINCIPAIS EXEMPLARES DA ARQUITETURA NEOCOLONIAL.

Extraído de www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.

Dessa forma, ao iniciar a década de 1930, os grupos que iriam disputar a

hegemonia no campo da arquitetura apresentavam-se da seguinte forma: os

acadêmicos, vivendo um período de decadência, os neocoloniais, fortalecidos com

pelo controle da ENBA, e os modernos, um grupo de jovens arquitetos com sólida

formação técnica e intelectual em busca de espaços e oportunidades para se

projetarem.

Portanto, o principal enfrentamento que se daria nos anos seguintes seria

entre as correntes neocolonial e moderna.

Voltemos, então, às razões da vitória dos modernos. Esta ocorreu

principalmente porque sua arquitetura adequava-se ao projeto de nação proposto

durante a Era Vargas e também pela sua formação teórica e técnica superior aos

seus opositores.

Ao elaborarem projetos para a edificação de ministérios e órgãos públicos,

eles se apresentavam adequados ao modelo econômico que se pretendia implantar,

articulando indústria e nacionalismo. Influenciados pelo arquiteto franco suíço Le

Corbusier, mas desenvolvendo uma linguagem própria, planejavam seus prédios

como indústrias: pragmáticos, austeros, funcionais e racionais.

A eliminação de ornamentos desnecessários e a simplicidade do mobiliário

também cumpria uma função social ao reduzir a necessidade de empregados

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encarregados da faxina, disponibilizando mão-de-obra para as tarefas intelectuais e

produtivas mais adequadas à era da industrialização, símbolo do progresso.

Os arquitetos modernos relacionavam os “trabalhos domésticos” à

escravidão, maior símbolo da opressão social e do atraso econômico. Lúcio Costa

considerava a casa moderna um instrumento de liberação dos trabalhadores:

A máquina de morar ao tempo da Colônia dependia do escravo... O negro era esgoto, era água corrente quente e fria; era interruptor de luz e botão de campainha. (CAVALCANTI, 2006, p. 14)

As críticas mais duras aos seus projetos partiram dos representantes da

corrente neocolonial, especialmente José Mariano Filho, que, na ausência de

argumentos técnicos bem fundamentados, suas críticas foram deslocadas do campo

da arquitetura para o político-ideológico e até racial, referindo-se aos modernos

como “literatos extremistas”, “derrotistas universais”, “judeus sem pátria”,

“antinacionalistas mulatos” (CAVALCANTI, 2006, p. 103).

Por outro lado, a criação do SPHAN esvaziou a Inspetoria de Monumentos

Nacionais do Museu Histórico Nacional,dirigido por Gustavo Dodt Barroso, antigo

militante integralista e defensor entusiástico do arianismo:

Pode-se dizer que o característico moral da raça branca é o altruísmo. Daí sua monogamia quase geral,sua sociabilidade e sua vocação para os apostolados... Com essa força, a raça ariana, cujo símbolo será o Carneiro, Áries, motivo heráldico determinado por motivos astronômicos, entrará na História e construirá o maior dos Impérios, não sobre o sangue e as angústias dos povos esmagados mas sobre as bases eternas do Espírito. (CAVALCANTI, 2006, p. 100)

Gustavo Barroso e José Mariano Filho uniram-se na crítica à gestão dos

modernos no SPHAN com o argumento, sem nenhuma prova concreta, de supostas

irregularidades na gestão dos recursos públicos. Mais uma vez, ficava demonstrada

a ausência de argumentos técnicos diante de rigorosos e abrangentes trabalhos de

pesquisa realizados pelos modernos, organizados especialmente por Mário de

Andrade. Como assinalou Ítalo Campofiorito:

Vê-se logo que o nacionalismo é outro. Escolhendo-se, entre tantos, um volume referente a 1942, dos Anais do Museu Histórico

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Nacional, basta percorrer os títulos. A heráldica dos Vice-Reis. A louça blasonada (dos barões, Condes, Marqueses etc.) no museu. O culto da Virgem Maria na numismática, e daí por diante... A sua fundação em 1922 teria respondido a um artigo de Gustavo Barroso, empossado como primeiro (e quase vitalício) diretor que rezava: ‘ O Brasil precisa de um museu onde se guardem objetos gloriosos... – espadas, canhões, lanças.’ O mesmo autor, no mesmo volume, considera como uma das tarefas de nossas forças armadas ‘destruir focos de fanatismo e desordem’. Em comparação, já se vê o quanto o SPHAN era aberto e progressista. (CAMPOFIORITO, 1985, p. 6).

A materialização de inúmeros projetos dos arquitetos modernos durante a Era

Vargas, como veremos com mais detalhes no próximo capítulo, assim como a

permanência de Lúcio Costa no SPHAN até sua aposentadoria em 1972, atestam a

hegemonia conquistada pelo grupo, cuja influência será marcante na formação de

várias gerações de arquitetos.

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2.2) A arquitetura moderna e a monumentalidade

Em seu trabalho Documento/Monumento, Jacques Le Goff aponta as

origens etimológicas dessas duas palavras e mostra as maneiras como os

historiadores têm usado esses conceitos:

A palavra latina monumentum remete para a raiz indo-européia men, que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O verbo monere significa “fazer recordar”, donde “avisar”, “iluminar”, “instruir”. O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os actos escritos. Quando Cícero fala dos monumenta hujus ordinis[...], designa os atos comemorativos, quer dizer; os decretos do senado. Mas desde a Antiguidade romana o monumentum tende a especializar-se em dois sentidos:

1) uma obra comemorativa de arquitetura ou de escultura: arco de triunfo, coluna, troféu, pórtico, etc.;

2) um monumento funerário destinado a perpetuar a recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é particularmente valorizada: a morte. (LE GOFF, 1996, p. 526).

Acompanhando Le Goff, consideramos como monumentos as obras

arquiteturais, esculturais, artísticas, mas também documentos escritos e

iconográficos que expressem a atividade e o pensamento social de uma época.

O monumento traz consigo uma determinada intencionalidade, tornando-se

um símbolo para ser ao mesmo tempo registrado pelos testemunhos

contemporâneos como também um legado às gerações futuras.

É essa intencionalidade do monumento que dá origem à monumentalidade.

Se o monumento é algo concreto como uma estátua, um quadro ou uma edificação,

a monumentalidade relaciona-se ao seu caráter abstrato, simbólico, a mensagem

que se deseja transmitir aos contemporâneos e às gerações futuras. Em outras

palavras, o monumento é uma categoria concreta, palpável. Porém, a simbologia, a

mensagem nele embutida, é o que consideramos como monumentalidade. Por isso,

ele nunca é neutro:

...É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver; talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento e uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento [...] que ele traz

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devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro voluntária ou involuntariamente determinada imagem de si próprias... (LE GOFF, 1996, p. 537-538)

Ao longo da História monumentos foram erguidos como transmissores de

ideologias dominantes. Monumentos, configurados sobretudo em obras

arquitetônicas ou esculturais, falam por uma minoria, especialmente pelo grupo que

dirige o Estado, para uma maioria dominada, da qual se espera como resposta o

respeito, a admiração, a fé e até o medo. É a afirmação do poder por intermédio da

arquitetura.

Tomando como referência Jacob Burckhardt, Aldo Rossi destaca o diálogo

entre a história, a arte e os monumentos:

...de que modo a história fala mediante a arte? Isso acontece, antes de mais nada, através dos monumentos arquitetônicos que são a expressão voluntária do poder, seja em nome do Estado, seja em nome da religião. (ROSSI, 1995, p. 198)

A íntima relação entre arquitetura, espaço e poder também foi estudada pelo

filósofo e professor francês Michel Foulcault:

Seria preciso fazer uma “história dos espaços” ― que seria ao mesmo tempo uma “história dos poderes” ― que estudasse desde as grandes estratégias da geopolítica até as pequenas táticas do habitat, da arquitetura institucional, da sala de aula ou da organização hospitalar; passando pelas implantações econômico-políticas. (FOULCAULT, 1982, p. 212)

Sobre a utilização da arquitetura por alguma forma de poder instituído,

Foulcault aponta as diferenças qualitativas entre a sociedade estruturada em

relações feudais com a sociedade capitalista. Segundo ele, o poder exercido até o

século XVIII tinha como base principal a relação soberano-súdito, onde o poder

soberano articulava-se com o poder eclesiástico. Naquele tempo, configurou-se

uma arquitetura que:

(...) respondia sobretudo à necessidade de manifestar o poder, a divindade, a força. O palácio e a igreja constituíam as grandes formas, às quais é preciso acrescentar as fortalezas; manifestava-se a força, manifestava-se o soberano, manifestava-se

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Deus. A arquitetura durante muito tempo se desenvolveu em torno destas exigências. (FOULCAULT, 1982, p. 211)

A arquitetura monumental daquele tempo foi erguida para transmitir a todos a

representação de dois poderes incontestáveis – o rei absoluto e a Igreja – porque

emanavam da vontade de Deus.

No século XVIII, com a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, a

afirmação da ordem capitalista promoveu “a invenção de uma nova mecânica de

poder, com procedimentos específicos, instrumentos totalmente novos e aparelhos

bastante diferentes, o que e absolutamente incompatível com as relações de

soberania” (FOULCAULT, 1982, p. 187). O poder soberano dava lugar a um novo

poder, um poder disciplinar, estruturado não como propriedade ou privilégio pessoal

de um governante ou classe social. A arquitetura, acompanhando essas mudanças,

torna-se mais específica, mais funcional, quando “(...) no final do século XVIII.

começa a se especializar, ao se articular com os problemas da população, da

saúde, do urbanismo (...) trata-se de utilizar a organização do espaço para alcançar

objetivos econômico-políticos” (FOULCAULT, 1982, p. 211).

Não por acaso a nova ordem industrial capitalista gerou nos séculos

seguintes as necessidades de uma nova ordenação do espaço urbano, que

garantissem ao mesmo tempo, oportunidades crescentes para os negócios como

também mecanismos de controle sobre a sociedade que assegurassem a segurança

para os investimentos. Esse foi o caso, por exemplo, das grandes reformas urbanas

em Londres e Paris no século XIX.

Em suas origens, na Europa durante a década de 1920, o movimento

moderno na arquitetura rejeitava a monumentalidade por considerá-la um

instrumento do poder autoritário, possivelmente por considerar que os monumentos

buscavam transmitir às pessoas uma concepção estática do mundo, sem lugar para

transformações que ameaçassem a estrutura social (CAVALCANTI, 2006, p. 136).

Partindo do princípio de que o monumento no passado foi um instrumento

ideológico conservador, os arquitetos modernos entendiam que seu trabalho

deveria afastar-se das construções dedicadas aos soberanos e a Igreja para serem

dirigidas a outros propósitos sociais, como escolas, fábricas e habitações

populares.45

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Dessa forma, os arquitetos modernos europeus apresentavam um discurso

de rompimento com a arquitetura conservadora e repressora do passado, rejeitando

uma possível utilização ideológica ou simbólica de seus projetos, ambicionando

torná-los instrumentos de construção de uma nova era de liberdade e progresso

social. Para os modernos, portanto, o monumento e a monumentalidade tornavam-

se coisas do passado, não tendo mais lugar em um mundo onde avançavam as

práticas democráticas e que os interesses coletivos se sobrepunham às ambições

pessoais.

Esse posicionamento começou a ser revisto durante a década de 1930 e foi

aprofundado na década de 1940. Em 1943, o arquiteto José Luis Sert, o historiador

Siegfried Giedon e o pintor Ferdinand Léger lançaram o manifesto intitulado Nove

Pontos sobre a Monumentalidade, defendendo a elaboração de uma nova

monumentalidade para as cidades. Destacamos seis desses pontos:

1. Os monumentos são marcos humanos que os homens criaram como símbolos de seus ideais, objetivos e atos. Sua finalidade é sobreviver ao período que lhes deu origem e constituir um legado às gerações futuras. Enquanto tais, formam um elo entre o passado e o futuro.

2. Os monumentos são a expressão das mais altas necessidades culturais do homem. Devem satisfazer à eterna exigência das pessoas, que desejam ver sua força coletiva transformada em símbolos. Os monumentos mais vitais são aqueles que expressam o sentimento e as idéias dessa força coletiva ― o povo;

3. Os últimos cem anos testemunharam a desvalorização da monumentalidade. Isto não significa que exista ausência alguma de monumentos formais ou exemplos arquitetônicos que pretendam servir a essa finalidade; com raras exceções, porém, os chamados monumentos dos últimos tempos transformaram-se em fachadas vazias. De modo algum representam o espírito e o sentimento coletivo dos tempos modernos;

4. O declínio e o mau uso da monumentalidade são a principal razão pela qual os arquitetos modernos deliberadamente abandonaram a idéia de monumento e se revoltaram contra ele;

5. Um novo passo está à nossa frente. As mudanças do pós-guerra em toda a estrutura econômica das nações podem trazer consigo a organização da vida comunitária na cidade, que foi praticamente ignorada até o presente momento;

6. As pessoas querem que os edifícios que representam sua vida social e comunitária proporcionem algo além da mera satisfação funcional. Devem atender e expressar os seus

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desejos por monumentalidade, alegria, orgulho e excitação. (FRAMPTON, 1997, p. 270)

Ao analisar o documento, podemos observar que para os autores não deveria

existir distinção entre arquitetura e urbanismo. Além disso, a nova monumentalidade

(moderna) serviria aos interesses comunitários e democráticos, projetando uma

sociedade mais justa no futuro, simbolizando uma força coletiva e popular.

É provável que esse novo sentido à monumentalidade defendido pelos

arquitetos modernos seja uma resposta aos modelos de arquitetura praticados na

Itália fascista e na Alemanha nazista, utilizados como instrumentos de poder e de

dominação. Também é possível que eles estivessem preocupados com os impactos

econômicos, sociais e culturais provocados pela II Guerra Mundial (1939-1945),

marcada pela destruição maciça das cidades e pela mortalidade nunca vista antes -

especialmente entre civis - em um conflito militar. Nesse sentido, os autores do

manifesto dão ênfase à questão da identidade e do vínculo do habitante com a

cidade, cuja arquitetura deve restabelecer e/ou reforçar o sentimento de

coletividade.

Essa proposta de uma nova monumentalidade foi amplamente aceita pelos

arquitetos modernos no Brasil, e aplicada em inúmeros projetos de moradia coletiva

popular como o do Pedregulho (São Cristóvão, Rio de Janeiro), de Affonso Eduardo

Reidy; Monlevade (MG), de Lucio Costa; e a Cidade dos Motores (Xerém, RJ), de

Attilio Corrêa Lima.11

Em depoimento a Lauro Cavalcanti em 1989, Oscar Niemeyer assume a

procura da emoção na monumentalidade dos seus projetos:

Uma pessoa pode até não gostar de um projeto meu, mas não consegue ficar indiferente; a arquitetura deve surpreender e criar emoções. O que nos ficou do Egito não foram as casas do dia-a-dia, mas as grandes realizações. (CAVALCANTI, 2006, p. 226)

Entretanto, a grande contradição dos arquitetos modernos no Brasil na

década de 1930 - quando o movimento estava na fase de afirmação perante outras

correntes -, foi que para alcançarem seus objetivos, isto é, utilizar a arquitetura

11 Enquanto o Conjunto do Pedregulho foi concluído e até hoje é bastante estudado nas faculdades de arquitetura, os dois últimos não saíram do papel. Para uma análise desses projetos, consultar: CAVALCANTI, 2006, p. 134-144.

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como meio de promover uma sociedade mais justa e democrática, associaram-se a

um regime nada democrático.

Um traço igualmente distintivo do modernismo brasileiro é que, desde os seus primórdios, ele se constitui com o apoio e o patrocínio do Estado. Há uma coincidência dos princípios modernos com os de correntes intelectuais do Ministério da Educação, encarregadas de estabelecer os parâmetros artísticos de um Estado que se queria novo e que pretendia “fundar” um país. (CAVALCANTI, 2006, p. 228)

A principal demonstração dessa contradição está no fato de que sua obra

mais simbólica, o novo edifício do Ministério da Educação e Saúde, que

analisaremos no próximo capítulo, foi construído exatamente durante o Estado

Novo.

Dessa forma, o movimento moderno conquistou progressivamente a

hegemonia no campo da arquitetura no final da década de 1930 e durante a década

de 1940 ao construir grandes obras para o Estado Novo. O estilo moderno de fazer

monumentos conseguia conciliar economia, simplicidade e imponência, além de

transmitir às pessoas uma mensagem de confiança no progresso do Brasil.

Estabelecia-se, assim, uma união, no que se refere ao aspecto pedagógico,

entre a arquitetura moderna e o discurso estadonovista. Ao mesmo que o governo

buscava impor um modelo de nacionalidade – e de civilização - aos brasileiros, os

arquitetos modernos através dos seus projetos buscaram reeducar os hábitos e criar

uma identidade entre a população e nova estética monumental.

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CAPÍTULO 3 – OS MONUMENTOS DA ORDEM E DO PROGRESSO

3.1) Os monumentos do Progresso

a) O Ministério da Educação e Saúde

Vitoriosa a revolução de 1930, Getúlio Vargas organizou o novo governo e

tomou uma série de medidas que apontavam seus grandes objetivos a longo prazo:

tornar o Brasil um país moderno e industrializado, constituindo um capitalismo com

forte componente nacionalista.

No entanto, para tal finalidade, o governo entendeu que duas pré-condições

eram fundamentais. Em primeiro lugar, na ausência de capital privado forte o

suficiente para levar à frente esse projeto, o Estado assumiria o papel de principal

indutor do desenvolvimento. Para isso, o Estado deveria ser reinventado de forma

que rompesse com os vícios do passado e administração pública passasse a ser

norteada pela qualidade e eficiência tanto na sua estrutura como nos seus quadros

funcionais.

Em segundo lugar, essa busca pela modernização deveria incluir a classe

trabalhadora como agente e beneficiária desse processo. O governo entendeu que

operários saudáveis, tecnicamente preparados e, seguros quanto ao futuro, com o

amparo da legislação trabalhista, iriam aderir com entusiasmo às mudanças pelas

quais o país passaria. Não por acaso, ainda em novembro de 1930, logo no início

do governo, foram criados dois emblemáticos ministérios: o do Trabalho e o da

Educação e Saúde (MES).

O trabalho e a indústria se complementariam representando o presente, o

ponto de partida para o Brasil moderno. Porém, para esse projeto ter continuidade,

era necessário cuidar da educação e da saúde das gerações futuras. Portanto, a

educação e a saúde projetariam o futuro, a garantia da caminhada do progresso do

país. Não por acaso, em seu discurso de posse no MES Francisco Campos

afirmava “sanear e educar – eis o primeiro dever da Revolução”. (BUENO, 2005, p.

140)

Inicialmente dirigido por Francisco Campos (1930-1932), o MES sem dúvida

viveu sua fase mais ativa durante a gestão de Gustavo Capanema (1934-1945). A 49

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vinculação da educação com o progresso e o futuro, bem como a preocupação com

o novo homem brasileiro que o Estado pretendia moldar fica explícita quando, em

carta ao Presidente Vargas, Capanema afirma que “o Ministério da Educação e

Saúde se destina a preparar, a compor, a aperfeiçoar o homem do Brasil. Ele é

verdadeiramente o Ministério do Homem” (LISSOVSKY e SÁ, 1996, p. 224-225).

Comentamos no capítulo 2 as preocupações do governo e alguns

representantes da elite intelectual do país quanto a inexistência de um sentimento

de nacionalidade entre os brasileiros. Especialmente durante o Estado Novo, o

governo empenhou-se em forjá-lo, acreditando que essa ação era parte integrante

do projeto de desenvolvimento em curso no país. Além disso, o desenvolvimento

econômico deveria caminhar ao lado do desenvolvimento intelectual do povo

brasileiro. Portanto, o MES naqueles anos adquiria uma atenção e importância

estratégica para o governo, atuando como “civilizador” da sociedade.

Se a tarefa educativa visava, mais do que a transmissão de conhecimentos, a formação de mentalidades, era natural que as atividades do ministério se ramificassem por muitas outras esferas, além da simples reforma do sistema escolar. Era necessário desenvolver a alta cultura do país, sua arte, sua música, suas letras; era necessário ter uma ação sobre os jovens e sobre as mulheres que garantisse o compromisso dos primeiros com os valores da nação que se construía, e o lugar das segundas na preservação de suas instituições básicas; era preciso, finalmente, impedir que a nacionalidade, ainda em fase tão incipiente de construção, fosse ameaçada por agentes abertos ou ocultos de outras culturas, outras ideologias e nações 12.

Ao entender o MES como instrumento fundamental para a formação do

homem e da nacionalidade, da renovação e da vanguarda, Gustavo Capanema

durante a sua gestão apoiou uma série de ações pedagógicas através da música,

da educação física, cinema, rádio e habitação. Para isso, convidou para integrar ou

participar dos quadros do ministério intelectuais importantes que se projetavam

naquele período, muitos deles claramente identificados com o modernismo13.

12 In: http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema/capit3.htm#_1_1, acessado em agosto de 2010.13 Entre os colaboradores com órgãos do MES, estavam Gilberto Freyre, Joaquim Cardoso, Abgar Renault, Emílio Moura, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Prudente de Morais Neto e Afonso Arinos de Melo Franco.

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Porém, para atingir objetivos tão ambiciosos, o ministério necessitava de uma

nova sede, ampla o suficiente para centralizar todos os órgãos que estavam sob

sua direção. O ministério, dessa forma, reproduziria a concepção de administração

pública implantada durante a Era Vargas, especialmente após a instituição do

Estado Novo: a centralização como instrumento da racionalidade, da eficiência e da

modernização.

Inicialmente, a escolha do projeto seria feita através de concurso, cujo edital

foi publicado em 23 de abril de 1935 no Diário Oficial da União e nos principais

jornais da capital. O júri era constituído por Eduardo Sousa Aguiar, engenheiro,

superintendente do Setor de Obras e Transportes do MES; Salvador Duque Estrada

Batalha, indicado pelo Instituto Central de Arquitetos; Adolfo Morales de Los Rios

Filho, representado a ENBA; Natal Palladini, engenheiro e representante da Escola

Politécnica da Universidade Técnica Federal e o Ministro Capanema, na condição

de presidente, com direito a voto somente no caso de desempate (CAVALCANTI,

2006, p. 34).

O concurso foi realizado em duas etapas. A primeira levaria em conta a

adequação dos projetos às posturas municipais. As limitações impostas por elas

levaram à desclassificação de 33 projetos, restando apenas três para a segunda e

última etapa.

Em 1º de outubro de 1935 foi realizada a reunião para a escolha dos

premiados no concurso. Ao final, o projeto vitorioso foi o de Archimedes Memória,

planejando uma “sede misturando estilo neoclássico e elementos decorativos

alusivos a uma fictícia civilização marajoara que teria existido durante a

Antiguidade, na região norte do Brasil” (CAVALCANTI, 2006, p. 40).

Archimedes Memória era diretor da ENBA e membro da Câmara dos

Quarenta, órgão máximo da Ação Integralista Brasileira. Seu projeto “marajoara”

guardava coerência com o nacionalismo radical que constava dos princípios

daquela agremiação política, como pode ser comprovados ao observarmos parte

dos seus estatutos, apresentados em 1937 no seu Manifesto-programa às eleições

presidenciais, que não chegaram a acontecer devido ao golpe que instituiu o Estado

Novo:

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A “Ação Integralista Brasileira”, como sociedade civil, de fins culturais, objetiva, de uma maneira imediata, de conformidade com os seus Estatutos:

• a formação de uma consciência nacional de grandeza da Pátria e dignidade do Homem e da sua Família;

• o desenvolvimento do gosto pelos estudos na mocidade brasileira, objetivando a criação de uma cultura nacional própria, nas grandes expressões das atividades intelectuais, como sejam a filosofia, a ciência, a literatura, as belas-artes;

• a eugenia da raça, pela prática metodizada do atletismo da ginástica, dos esportes;

• a assistência social, às mães, às crianças, aos sertanejos e operários desamparados, assistência essa que não será apenas material, porque procurará criar uma consciência espiritual e uma consciência nacional nas massas brasileiras;

• o combate ao comunismo por uma educação sistematizada14.

Para Capanema, que desejava um prédio que representasse uma ação

voltada para o futuro e a formação do novo homem brasileiro, o projeto vitorioso

representava exatamente o contrário.

Ainda durante o concurso, ele já demonstrava sua insatisfação com os rumos

que as escolhas caminhavam. Prova disso foi que, na penúltima reunião do júri,

quando seriam classificados para a última etapa os anteprojetos que recebessem

votação igual ou superior a três votos, foi devido ao voto de Capanema que o

projeto de Gérson Pinheiro, único dos concorrentes que possuía - ainda que tímidas

-, feições modernas, conseguiu ser classificado. Ao final, esse projeto ficou em

terceiro lugar.

Decepcionado com resultado final, em 11 de fevereiro de 1936 Capanema

enviou carta ao Presidente Vargas expondo sua opinião acerca da inadequação do

projeto vitorioso e propondo a contratação de Lúcio Costa para a realização de um

novo projeto:

Nenhum desses projetos premiados me parece adequado ao edifício do Ministério da Educação. Não se pode negar o valor dos arquitetos premiados. Mas exigências municipais tornaram difícil a execução de um projeto realmente bom. Julguei de melhor alvitre mandar fazer novo projeto. Solicito verbalmente a sua autorização. E pedi à prefeitura municipal que dispensasse as exigências, que impediam a realização de uma bela obra arquitetônica. Não quis

14 http://integralismope.blogspot.com/2009/12/manifesto-programa-da-aib.html, acessado em agosto de 2010.

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abrir novo concurso... Encarreguei, assim, o arquiteto Lucia Costa da realização do trabalho. Este arquiteto chamou a colaborar consigo outros arquitetos de valor. E entraram a executar o serviço que já está bem adiantado. É preciso, porém, que se faça um contrato de honorários. A proposta feita pelos arquitetos foi julgada razoável pelo técnico deste Ministério, como consta deste processo. Venho, pois, solicitar a V Excia. que me autorize a fazer os contratos, nos termos da minuta junta, salvo uma ou outra alteração da data para a entrega do trabalho. (CAVALCANTI, 2006, p. 40)

Para conquistar o aval político, Capanema buscou argumentações técnicas

para rejeitar o projeto vencedor, solicitando pareceres ao embaixador Maurício

Nabuco, ao engenheiro Saturnino de Brito e ao inspetor de engenharia sanitária do

MES, Domingos da Silva Cunha. Todos condenaram o projeto. Este último, em seu

despacho, foi categórico:

Penso que o edifício projetado não deverá ser concluído se o governo quer, realmente, além de satisfazer perfeitamente às suas necessidades de administração, possuir uma notável obra de arquitetura, digna de nossa cultura artística. (CAVALCANTI, 2006, p. 41)

Tanto Capanema como Domingos Cunha justificam suas opiniões com

argumentando as necessidades administrativas, mas também a preocupação com a

monumentalidade - “bela obra arquitetônica”; “notável obra de arquitetura”.

Todos os argumentos acabaram por convencer o presidente. Em 25 de março

de 1936, Capanema convida oficialmente Lúcio Costa para elaborar o novo projeto.

Em seguida, este procede à formação de uma equipe composta por alguns dos

representantes mais importantes da arquitetura moderna naquele tempo: Affonso

Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcelos e Oscar Niemeyer.

Ao receber a notícia de que seu projeto não seria executado, Archimedes

Memória reagiu de forma veemente através de uma carta enviada diretamente ao

Presidente Getúlio Vargas. Destituído de qualquer embasamento técnico, Memória

ataca a equipe convidada apelando com argumentos repletos de preconceitos:

O que acabamos de narrar tem, no presente momento, gravidade não pequena, em se sabendo que esse arquiteto é sócio do arquiteto Gregori Warchavchik, judeu russo de atitudes suspeitas .... Não ignora o sr. ministro da Educação as atividades do arquiteto Lucio Costa, pois pessoalmente já mencionamos a S. Excia. vários nomes dos filiados ostensivos à corrente modernista

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que tem como centro o Club de Arte Moderna, célula comunista cujos principais objetivos são a agitação no meio artístico e a anulação de valores reais que não comungam no seu credo. Esses elementos deletérios se desenvolvem justamente à sombra do Ministério da Educação, onde têm como patrono e intransigente defensor o sr. Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do ministro. Expondo aos olhos de V. Excia. esses fatos, esperamos que V. Excia., defendendo o Tesouro Nacional e a honorabilidade de vosso governo do país, alente a arte nacional que ora atravessa uma crise dolorosíssima, próxima do desfalecimento. (CAVALCANTI, 2006, p. 43-44)

Em maio de 1936, Lucio Costa apresentou o primeiro resultado do trabalho

ao ministro e sugere o convite ao arquiteto franco-suíço Le Corbusier para prestar

consultoria ao grupo. Provavelmente acreditava que sua participação no projeto

daria maior legitimidade trabalho. Capanema, então, convidou Lucio Costa para

uma audiência com o Presidente da República para encaminharem a sugestão. Ao

final da reunião, Vargas concordou com os argumentos e autorizou a contratação de

Le Corbusier.

Após ser contactado e examinar o projeto, Corbusier aceitou com entusiasmo

o convite, não só pela admiração que o trabalho lhe causou, mas também por

encontrar nele uma oportunidade que era cada vez mais limitada na França durante

o período entre-guerras, onde o campo da arquitetura era dominado pela tradicional

Escola de Belas Artes, refratária à arquitetura moderna (CAVALCANTI, 2006, p. 45).

A aproximação de Lucio Costa e outros arquitetos brasileiros com as idéias

de Le Corbusier teve início em 1929, quando arquiteto visitou o Brasil para ministrar

um ciclo de palestras (HARRIS, 1987).

Uma das bases do pensamento de Le Corbusier que atraiu Lucio Costa foi a

proposta de que a arquitetura moderna traduzisse em seu campo uma ruptura com

a sociedade anterior. A modernidade estaria situada na indústria e na máquina, em

oposição ao trabalho artesanal. Le Corbusier defendia que a casa deveria ser uma

“máquina de morar”, com economia e eficiência industriais, eliminando os

ornamentos desnecessários, simplificando e racionalizando as construções. O

arquiteto acreditava que dessa forma o novo estilo aboliria as fronteiras nacionais e

de classes, formando uma comunidade democrática universal (CORBUSIER, 1981).

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A consultoria de Le Corbusier aliada à sólida formação técnica e intelectual

do grupo, propiciou aos modernos a vitória em um longo embate iniciado em 1935,

ano da realização do concurso de projetos para a nova sede do MES, e concluído

em 1945, data da inauguração no prédio. A sede do MES havia se transformado em

uma das principais arenas da disputa entre neocoloniais e modernos. Afinal,

“tratava-se obra monumental, da sede do ministério encarregado de traçar as

diretrizes ‘culturais’ da nação; o aval estético governamental é, portanto, disputado

palmo a palmo” (CAVALCANTI, 2006, p. 48).

O debate girava em torno de três elementos: passado, vínculo com o Brasil e

futuro. Cada corrente reivindicava para si a primazia sobre eles. Ao contrário dos

modernos, os neocoloniais cultuavam a tradição colonial, de onde brotaria o futuro,

que para eles é basicamente restaurador (e não inovador), como defendia José

Marianno Filho:

A única estrada que nos conduzirá à verdade é a estrada do passado...A volta ao espírito tradicional da arte brasileira não significa uma homenagem fetichista ao passado esquecido, mas a volta ao bom senso... Qualquer monumento colonial representa um esforço muito maior do que as arapucas do cimento armado, diante das quais nos extasiamos. (CAVALCANTI, 2006, p. 48)

Os modernos, pelo contrário, alegavam que a leitura neocolonial do passado

era superficial, enquanto a arquitetura moderna estabelecia fortes ligações com os

princípios estruturais da arquitetura colonial. Uma arquitetura que projetava o futuro,

conciliando a tradição com a modernidade.

Apontavam semelhanças estruturais entre as casas “tradicionais” sobre estacas e o pilotis, a estrutura em madeira das casas coloniais era comparada ao esqueleto de concreto armado e relacionavam-se as grandes extensões caiadas da arquitetura “tradicional” à pureza do novo modo de construir. Dessa forma a arquitetura moderna brasileira, embora característica de condições técnicas e sociais novas, se proporia a reinterpretar , através de uma leitura estrutural e de técnicas de seu tempo, a tradição construtiva brasileira. (CAVALCANTI, 2006, p. 49)

Além disso, os pressupostos teóricos da arquitetura moderna iam ao encontro

dos princípios estabelecidos pela vanguarda literária daquela época, o que pode ser

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constatado com o minucioso trabalho de Mário de Andrade no SPHAN, ao conciliar

o erudito com elementos tradicionais e populares.

Os modernos venceram a disputa do MES, etapa fundamental para sua

supremacia no campo arquitetônico, apresentando o argumento de que suas

construções eram ao mesmo tempo inovadoras, nacionais e estruturalmente ligadas

ao passado.

Após a vitória no campo das idéias, restava aos modernos provarem a

funcionalidade do projeto, bem como a adequação de sua monumentalidade à

imagem que o ministério deveria transmitir à população.

Em artigo publicado em 1935 na Revista da Diretoria de Engenharia, editada

pelo Ministério da Educação e Saúde, Affonso Eduardo Reidy demonstra como as

novas técnicas proporcionariam ao mesmo tempo funcionalidade e versatilidade:

Uma das maiores conquistas da técnica construtiva moderna é a estrutura livre, isto é, independente das paredes do edifício. A estrutura livre permite a standartização dos elementos estruturais e flexibilidade quanto à utilização dos espaços, de forma a que em qualquer época possam ser modificadas as divisões internas do edifício sem prejuízo para as boas condições de estabilidade e aspecto da edificação. (CONDURU, 2005, p. 25)

Testemunho importante dessa preocupação com a funcionalidade foi o de

Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do Ministro, ao registrar seu

primeiro dia de trabalho (22/07/1944) no gabinete da sede recém construída.

Dias de adaptação à luz intensa, natural, que substitui as lâmpadas acesas durante o dia; às divisões baixas de madeira, em lugar de paredes; aos móveis padronizados (antes obedeciam às fantasias dos diretores ou ao acaso dos fornecimentos). Novos hábitos são ensaiados... (CAVALCANTI, 2006, p. 56)

Portanto, a luz natural, intensa em uma cidade tropical como o Rio de

Janeiro, propiciaria a economia de energia. O mobiliário padronizado, sem luxos

(fantasias) despersonalizaria a administração pública.

A monumentalidade foi preocupação dominante no projeto da sede do MES.

A produção da obra monumental começa na própria ocupação do prédio, criando

enorme praça com amplo espaço de circulação no centro do Rio de Janeiro, de

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forma a abrir espaço para a contemplação da obra. Tal efeito é obtido com a

verticalização do prédio em 14 pavimentos e a utilização de amplo pilotis. O bloco

do auditório, portaria e sala atravessa por baixo da estrutura vertical, fazendo com

que o espaço entre as colunas, embaixo desse grande bloco, funcione como parte

aberta do jardim público, utilizando espécimes da flora nacional, criado pelo

paisagista Burle Marx. Os dois blocos transmitem uma representação de leveza,

idealizados para parecerem desprovidos de peso ao sustentarem-se sobre o pilotis.

FIGURA 8

O EDIFÍCIO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE NA DÉCADA DE 1940

Extraído de http://www.maxpressnet.com.br/e/iphan/iphan_17-10-08.html, em agosto de 2010

Mais uma vez podemos constatar a influência de Corbusier sobre a equipe

brasileira, quando observamos a plena aplicação dos Cinco pontos da Nova

Arquitetura, propostos pelo arquiteto franco-suíço no início de sua carreira em

1926.

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1. Pilotis, liberando o edifício do solo e tornando público o uso deste espaço antes ocupado, permitindo inclusive a circulação de automóveis;2. Terraço jardim, transformando as coberturas em terraços habitáveis, em contraposição aos telhados inclinados das construções tradicionais; 3. Planta livre, resultado direto da independência entre estruturas e vedações, possibilitando maior diversidade dos espaços internos, bem como mais flexibilidade na sua articulação; 4. Fachada livre, também permitida pela separação entre estrutura e vedação, possibilitando a máxima abertura das paredes externas em vidro, em contraposição às maciças alvenarias que outrora recebiam todos os esforços estruturais dos edifícios; e5. A janela em fita, ou fenêtre en longueur, também conseqüência da independência entre estrutura e vedações, se trata de aberturas longilíneas que cortam toda a extensão do edifício, permitindo iluminação mais uniforme e vistas panorâmicas do exterior. 15

Buscando articular a técnica com a arte, Portinari foi contratado para realizar

um grande afresco sobre os principais ciclos econômicos da história brasileira na

sala de reuniões anexa ao gabinete do ministro, além dos murais em azulejos azuis

e brancos na fachada do térreo e nos pilotis.

FIGURA 9

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - AFRESCOS DE CÂNDIDO PORTINARI

Extraído de http://blogillustratus.blogspot.com/2010/05/candido-portinari.html, em agosto de 2010

15 Os Cinco pontos da Nova Arquitetura são o resultado das pesquisas realizadas nos anos iniciais da carreira de Le Corbusier, sendo publicados em 1926 na revista francesa L’Esprit Nouveau. Para mais detalhes ver: MACIEL, Carlos Alberto. Villa Savoye: arquitetura e manifesto (1). In: Revista arquitextos 024.07, ano 02, mai 2002. http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.024/785. Acessado em agosto de 2010.

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FIGURA 10

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - MURAIS EM AZULEJOS NA FACHADA DO TÉRREO

Extraído de http://www.ceramicanorio.com/conhecernorio/portinarigcapanema/portinarigcapanema em agosto de 2010.

Ainda no que se refere à monumentalidade e ao papel pedagógico que todo o

conjunto deveria transmitir à sociedade, merece uma análise o debate acerca da

construção da escultura O Homem Brasileiro.

Em carta ao Presidente Vargas, em 14 de julho de 1937, o ministro apresenta

com entusiasmo a obra, que seria a principal na área externa ao prédio:

...a principal delas será a estátua do homem, do homem brasileiro... O homem estará sentado num soco. Será nu, como o Penseur de Rodin. Mas o seu aspecto será o da calma, do domínio, da afirmação. A estátua terá cerca de 11 metros de altura... A concepção, parece-me, é grandiosa. Há, na obra planejada, qualquer coisa de parecido com os colossos de Memon, em Tebas, ou com as estátuas do templo de Amon, em Karnak... A estátua ficará localizada numa grande área, em frente ao edifício. O edifício e a estátua se completarão, de maneira exata e necessária. (KNAUSS, 1999, p. 30)

O MES, como já assinalamos, seria o “ministério do homem”, ou melhor, do

novo homem brasileiro que o Estado deveria moldar. Não por acaso, Capanema

afirmava que “o edifício e a estátua se completarão, de maneira exata e

necessária”.

Para a execução da obra, o ministro convidou o escultor Celso Antônio, que

em 1931 já havia ministrado cursos na ENBA, quando ela ainda era dirigida por

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Lucio Costa, o que já apontava um alinhamento do escultor com o movimento

modernista.

No entanto, quando Celso Antônio apresentou o esboço do monumento,

caracterizando um homem com feições sertanejas, barrigudo e com um tipo físico

nada atlético, a decepção do ministro ficou evidente. Não seria aquele o tipo de

homem brasileiro projetado para o futuro.

Enquanto o escultor insistia em dar ao seu “homem” as feições “brasileiras”

de um caboclo, o ministro desejava que ele o executasse segundo rigorosos

cálculos antropométricos que antecipassem as feições cientificamente mais

prováveis do “homem brasileiro” do futuro. Consulta sobre o assunto alguns

representantes importantes da elite intelectual daqueles anos16, enviando cartas

com as seguintes perguntas: “Como será o corpo do homem brasileiro, do futuro

homem brasileiro, não do homem vulgar ou inferior, mas do melhor exemplar da

raça? Qual sua cultura? O seu volume? A sua cor? Como será sua cabeça? A forma

do seu rosto? A sua fisionomia?” (CAVALCANTI, 2006, p. 51)

Todos respondem que deverá ser um homem branco, acreditando que essa

era a evolução natural da espécie humana. Roquete Pinto, em pequeno bilhete

posterior, acrescenta uma advertência ao ministro: “Penso que o homem brasileiro

deve ser representado na posição de quem marcha. Sentado? Nunca” (KNAUSS,

1999, p. 33).

Nada mais coerente com um Estado que valorizava o trabalho na propaganda

oficial. O homem sentado representaria o conformismo e a preguiça, uma imagem

do homem comum, meditando sobre um destino incerto – nada parecido com “os

colossos de Memon” -, enquanto o homem marchando representaria a confiança e a

disciplina, projetando uma nação trabalhadora e integrada ao modelo de

desenvolvimento em curso no país.

Como Celso Antônio rejeitou a intromissão em sua obra, seu projeto foi

descartado definitivamente em dezembro de 1937. Em seguida, Capanema solicitou

a Mario de Andrade que procurasse Victor Brecheret para uma nova encomenda:

Venho pedir a você um favor. Tudo confidencialmente. O

16 Entre eles estavam Oliveira Vianna, Rocha Vaz e Roquete Pinto.60

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trabalho que está sendo, aqui, elaborado, para a ereção da estátua do homem brasileiro, não me parece que chegará a bom termo... E julgo que terei que começar o trabalho de novo. Abrir concurso foi a primeira idéia. Mas concurso não tem dado certo aqui no Ministério... Você diga ao Brecheret, como coisa sua, que não faça trabalho estilizado nem decorativo. Seguir o rumo dos grandes escultores de hoje: Maillol, Despian etc. O homem estará sentado e deverá ser uma figura sólida, forte, de brasileiro. Nada de rapaz bonito. Um tipo moreno, de boa qualidade, com o semblante denunciando a inteligência, a elevação, a coragem, a capacidade de criar e realizar. Você imagine outras coisas que devam, ainda, ser ditas ao Brecheret e lhe dê o meu recado, sem lhe mostrar esta carta. (KNAUSS, 1999, p. 35)

Não há registros quanto a alguma resposta de Brecheret, o que pode

significar seu desinteresse quanto ao projeto ou pelo fato do escultor estar ocupado

com a construção do Monumento às Bandeiras, em São Paulo17

O projeto da estátua do Homem Brasileiro acabou sendo substituído pela

construção do Monumento da Juventude Brasileira, construído pelo escultor

Bruno Giorgi e custeado pelo Sindicato dos Educadores e pelo Movimento da

Juventude Brasileira18

Em outubro de 1943, no programa de rádio Hora da Juventude, a locutora

Lucia Magalhães, em outubro de 1943, anunciava o projeto de construção do novo

monumento, convocando uma mobilização para a arrecadação de fundos para

realizá-lo. Segundo ela, a estátua seria definida como:

...uma expressão de confiança no futuro da raça, (..) é o que deve ser esse monumento (...). Eu muitas vezes disse, através deste microfone, que a atual geração da Juventude Brasileira era predestinada. Confirmando essa intuição, é preciso ver mais um signo de predestinação nesse momento que perpetuando no bronze toda a Juventude da nossa terra, a que amanhã surgirá para tomar das mãos dos seus maiores o facho da civilização (...). É esse sentimento, fator precioso e unificador da Pátria, que o Monumento da Juventude Brasileira quer perpetuar. (...) Entrego aos meus ouvintes da Hora da Juventude a missão honrosa de propagar a fé no futuro de seus próprios destinos. (KNAUSS, 1999, p. 37)

17 Em 1923 o governo do Estado de São Paulo encomendou-lhe a execução do Monumento às Bandeiras, ao qual Brecheret viria a se dedicar nos vinte anos seguintes.18 Criado em março de 1940, o Movimento da Juventude Brasileira tinha um caráter cívico, voltado para o culto dos símbolos nacionais, com uma ação oposta àquela realizada pela combativa União Nacional dos Estudantes, fundada em11 de agosto de 1937.Para uma análise mais detalhada desses movimentos, consultar o CD ROM A Era Vargas - 1º tempo - dos anos 20 a 1945". Seu conteúdo também está disponibilizado na página Navegando na História no portal do CPDOC.

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Ao final, portanto, ergueu-se um monumento simbolizando o futuro projetado

pela ação do Estado, especialmente através do MES. Caberia à predestinada

juventude cumprir a missão de unificar a pátria. Era a comunhão da juventude com o

governo. Não por acaso, no dia 1º de fevereiro de 1944, quando foi lançada a pedra

fundamental do movimento, o discurso do professor Frederico Ribeiro,

representando o Sindicato Nacional dos Estabelecimentos de Ensino Secundário e

Primário, afirmou que o movimento buscava “perpetuar na pedra e no bronze os

sentimentos de afeto e respeito da juventude brasileira pelo Presidente Getúlio

Vargas” (KNAUSS, 1999: 38). Nesse mesmo discurso, como homenagem ao

Presidente, decidiu-se instituir o Dia da Juventude na mesma data de aniversário de

Getúlio Vargas.

FIGURA 11 e 12

O MONUMENTO À JUVENTUDE BRASILEIRA, VISTO DE DOIS ÂNGULOS

Extraído de: http://www.csvp.g12.br/fotoartes8a/804/14_804.htm, em agosto de 2010.

Os objetivos da equipe dos arquitetos que projetaram o MES, vislumbrando

um futuro otimista de progresso aliado à justiça social ficam evidentes na carta

enviada por Lucio Costa a Gustavo Capanema, em outubro de 1945, ao ver a obra

concluída. Segundo ele, foi efetivamente naquele edifício onde:

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... pela primeira vez, se conseguiu dar corpo, em obra de tamanho vulto, levada a cabo com esmero de acabamento e pureza integral de concepção, às idéias mestras porque, já faz um quarto de século, o gênio criador de Le Corbusier se vem batendo com a paixão, o destemor e a fé de um verdadeiro cruzado (...) Neste oásis circundado de pesados casarões de aspecto uniforme e enfadonho, viceja agora, irreal na sua limpidez cristalina, tão linda e pura flor - flor do espírito, prenúncio certo de que o mundo para o qual caminhamos inelutavelmente, poderá vir a ser, apesar das previsões agourentas do saudosismo reacionário, não somente mais humano e socialmente mais justo, senão, também, mais belo. 19

b) A Avenida Presidente Vargas

Quando iniciativas municipais relacionam-se a necessidades denunciadas pela população e a propostas discutidas, há muitas influências, muitos motivos, inclusive motivos acidentais. Mas quando a câmara municipal não representa a vontade popular (como em Paris, entre 1831 e 1871), como não pôr em primeiro plano as idéias de estética, de higiene, de estratégia urbana, de prática social de um indivíduo ou de poucos indivíduos no poder? Desse ponto de vista, a configuração atual de uma grande cidade será como a superposição da obra de certos partidos, de certas personalidades, de certos soberanos; assim, planos diversos se sobrepuseram, se misturaram, se ignoraram... (ROSSI, 1995, p. 216)

O projeto de abertura de uma grande avenida ligando a Ponte dos

Marinheiros ao Cais dos Mineiros já existia há muito tempo. Segundo LIMA (1992),

a primeira idéia foi de Grandjean de Montigny, ainda no século XIX. Porém, aos

poucos, algumas intervenções caminharam nesse sentido desde o início do século

XX.

19 Extraído de http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema/capit3.htm#_1_1, em agosto de 2010.63

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FIGURA 13

PONTE DOS MARINHEIROS (1924)

Próxima à estação ferroviária da Leopoldina, era uma ligação muito importante na época entre a Zona Sul/Centro e a Zona Norte. Atualmente neste local há um conjunto enorme de viadutos.Fotografia de Malta, extraída de http://www.fotolog.com.br/luiz_o/87163817, extraída em agosto de 2010

Durante a gestão de Pereira Passos, foi feita a canalização do Mangue e o

alargamento da Rua Estreita de São Joaquim, atual Rua Marechal Floriano. Em

1920, na administração de Carlos Sampaio (1920-1922), foi apresentado um novo

projeto prevendo a abertura da Avenida da Independência, ligando a Avenida Rio

Branco à Praça da República. Porém, tal projeto também não foi levado adiante.

Entre 1926 e 1930, o urbanista Alfred Agache foi contratado para elaborar o

primeiro plano diretor para a capital, que ficou conhecido como Plano Agache.

Dentre as várias intervenções previstas, previa-se novamente a idéia da abertura da

avenida.

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FIGURAS 14 e 15

O CAIS DOS MINEIROS, NO INÍCIO DO SÉCULO XX E O QUE RESTOU DELE NOS DIAS ATUAIS20

Fonte: Coluna Rio Antigo, de Paulo Pacina, no JB on line.Extraída de http://www.jblog.com.br/rioantigo.php?itemid=16668, em agosto de 2010

Contratado na administração Prado Jr., último prefeito do Distrito Federal da

República Velha, o plano foi abandonado pelo sucessor, Pedro Ernesto. Com a

decretação do Estado Novo em 1937 e a nomeação de Henrique Dodsworth para o

cargo de interventor na capital, o projeto finalmente foi executado.

Observando o contexto político e econômico podemos identificar dois fatores

que contribuíram para a execução da obra. Em primeiro lugar, a economia brasileira

já se encontrava em plena expansão após se recuperar da crise decorrente da

quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Como já assinalamos, na década de

1930 o Estado realizou uma intervenção crescente na economia como forma de

superar a crise e promover o desenvolvimento da indústria nacional. Dessa forma,

sendo o Estado o grande agente investidor naquele modelo econômico, tornava-se

necessária a criação e a expansão de diversos órgãos e repartições públicas,

especialmente na capital. Por isso o centro da cidade do necessitavam se adequar

à nova conjuntura vivida no país. Paralelamente, também se abriam novas

oportunidades de negócios ao capital privado, especialmente no setor de serviços.

Em segundo lugar, com a decretação do Estado Novo, o governo não apenas

aprofundaria a intervenção na economia, mas também teria plenos poderes para

controlar a sociedade, especialmente os movimentos sociais e os meios de

20 O Cais dos Mineiros situava-se aproximadamente entre a Rua da Alfândega e o Arsenal de Marinha (hoje o 1º Distrito Naval), e recebeu esse nome por ter se tornado na segunda metade do século XVIII um importante escoadouro do ouro proveniente de Minas Gerais.

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comunicação. Portanto, qualquer manifestação contra os atos do governo poderia

ser abafada pela repressão, pela censura e pela propaganda oficial.

Iniciativas desse tipo, articulando desenvolvimento econômico e controle

social, já tinham sido implementadas em outros países capitalistas desenvolvidos, e

de certa forma, serviram de referências para outras intervenções no espaço urbano

em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil.

É o que podemos constatar a partir da análise de SENNET (1997) sobre a

revolução urbana passada nas metrópoles de Londres e Paris na segunda metade

do século XIX.

Segundo ele, a profunda reforma implantada nas duas cidades foi um dos

reflexos do triunfo do capitalismo em sua fase monopolista, quando a Inglaterra e a

França comandavam a corrida imperialista, impondo seu domínio sobre uma grande

parte da África e da Ásia.

As intervenções na estrutura e na organização nas duas cidades fizeram com

que o espaço urbano fosse recortado em grandes corredores, onde o deslocamento

das pessoas da residência para o trabalho e vice-versa seria feito com rapidez

crescente, atendendo não só as necessidades das atividades capitalistas em

expansão – rendimento e produtividade -, mas também ao interesse do Estado em

desarticular grupos sociais “ameaçadores à ordem”, mantendo-os sob controle e

vigilância, lembrando que no mesmo período, o movimento operário mostrava-se

melhor articulado para lutar por suas reivindicações, além de estar influenciado por

ideologias que defendiam abertamente o fim do capitalismo, como o socialismo

marxista e o anarquismo.

Uma das consequências da revolução urbana foi a desconexão entre as

pessoas e o espaço. Assim, os indivíduos, cada vez mais dispersos e isolados,

atentos apenas à rapidez do ir e vir teriam cada vez menos contato entre si, o que

dificultaria a ação de grupos organizados ou a sua formação.

... As cidades planejadas do século XIX pretendiam tanto facilitar a livre circulação das multidões quanto desencorajar os movimentos de grupos organizados. Corpos individuais que transitam pela cidade tornam-se gradualmente desligados dos lugares em que se movem e das pessoas com quem convivem

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nesses espaços, desvalorizando-os através da locomoção e perdendo a noção de destino comum. (SENNETT, 1997, p. 216)

As reformas naquelas metrópoles se assemelharam a atos cirúrgicos, onde

as cidades eram tratadas como um corpo humano, cujas veias e artérias (ruas e

avenidas) deveriam ser desobstruídas e alargadas para facilitar a circulação. Uma

obra emblemática desse período foi a construção do metrô de Londres, que

cumpriria uma dupla função, como artéria e veia da cidade. Além disso,

Com o transporte barato, pelo menos parte daqueles 50% que tinham acesso a 3% da riqueza nacional puderam procurar domicílio em algum lugar melhor. Graças ao capital fornecido por cooperativas habitacionais, por volta de 1880, a maré urbana começou a refluir. Quem conseguia juntar dinheiro mudava-se para a tão sonhada casa própria, ao norte do centro da cidade, em South Bank, ou nos distritos de Camden Town... (SENNETT, 1997, p. 272)

É importante ressaltar que essas melhorias, ainda que limitadas, das

condições de habitação e transporte, não pode ser atribuída a alguma política oficial

de reduzir as desigualdades sociais naqueles dois países. Se o Estado pôde de

alguma forma compensar os efeitos perversos das reformas, é porque dispunha de

abundantes recursos decorrentes da expansão imperialista na África e na Ásia.

Portanto, as tímidas melhorias das condições da classe trabalhadora em Londres e

Paris foram alcançadas às custas de uma brutal espoliação de africanos e asiáticos.

Outros aspectos importantes da revolução urbana foram a estética das novas

construções e o novo ordenamento urbano que foi imposto. Deslocando as fábricas

e as habitações populares para bairros distantes das áreas centrais, estas deram

lugar a sedes de bancos, da administração de grandes empresas e, evidentemente,

dos órgãos da administração pública, situados nas grandes e arborizadas avenidas,

próximas a grandes parques, muito bem simbolizados pelo conjunto Regent's Park e

Regent Street, em Londres. Nessa nova “ordem”, não havia lugar para as ruas

estreitas da malha medieval e da renascença, cujo patrimônio foi duramente afetado

pelas intervenções.

Podemos concluir, portanto, que a revolução urbana em Londres e Paris no

século XIX, ao mesmo tempo em que promoveu o embelezamento e o saneamento

das cidades, possibilitou o deslocamento acelerado das pessoas, atingindo dessa

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forma a outros importantes objetivos da elite dirigente: a dispersão da classe

trabalhadora e o seu insulamento em bairros afastados do centro das metrópoles,

ao mesmo tempo em que a disciplinava politicamente.

No Brasil, pensamento semelhante influenciou a elaboração do projeto de

abertura da Avenida Central na gestão do prefeito Pereira Passos e mais ainda da

Avenida Presidente Vargas, um dos objetos de nosso estudo.

Em 1938, o projeto foi apresentado com a denominação Avenida Dez de

Novembro - aludindo à data do golpe que instituiu o Estado Novo – prevendo a

eliminação de quadras inteiras para a sua realização, como pode ser observado na

fotografia a seguir, onde aparece delimitado o trecho entre a Praça Onze, na parte

superior, e a Praça da República, na parte inferior. As ruas marcadas eram Senador

Euzébio e Visconde de Itaúna:

FIGURA 16

RUAS SENADOR EUZÉBIO E VISCONDE DE ITAÚNA – TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A PRAÇA ONZE

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.

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Apesar do Brasil estar sob um regime ditatorial, as autoridades do governo se

esforçaram para convencer o empresariado e os meios de comunicação acerca dos

benefícios que a obra traria para o desenvolvimento da cidade. Foi o que fez, por

exemplo, o engenheiro Edison Passos, Secretário de Viação, ao defender o projeto

em palestra realizada na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em 10 de

dezembro de 1940:

Sob o ponto de vista urbanístico, a abertura da Avenida Presidente Vargas concorrerá, outrossim, para melhorar a massa edificada da cidade, levando para a zona que atravessa e dela tributária, novos conjuntos arquitetônicos e gabaritos de maior altura. Ela será elemento de valorização e pesará favoravelmente na transformação urbana. (LIMA, 1992, p. 33)

A expectativa quanto às oportunidades de negócios pode ser observada

quando foi decidido que o gabarito liberado para a construção de prédios era de 22

andares até a Rua da Quitanda. Dali até o mar o gabarito seria de 12 andares,

prevendo nesse trecho uma grande praça em torno da Igreja Nossa Senhora da

Candelária, o que aponta o interesse do governo em não encontrar oposição por

parte da Igreja Católica. Essa perspectiva racional e simbólica da Avenida

Presidente Vargas fica mais uma vez realçada na citada palestra do Secretário da

Viação na ABI: “Da Avenida Rio Branco às Docas da Alfândega ela dará realce

monumental à Igreja da Candelária, desafogando o centro bancário” (LIMA, 1992, p.

32).

A monumentalidade da obra e seu papel didático junto à população podem

ser observados através do discurso enaltecedor a Getúlio Vargas realizado pelo

prefeito Henrique Dodsworth durante a cerimônia de inauguração do primeiro trecho

da avenida, não por acaso no dia 10 de novembro de 1941:

“Exmo. Sr. Presidente da República: É de tradição que os presidentes atravessem os eixos das avenidas rasgadas em benefício do progresso da cidade. Esta tradição esteve interrompida por mais de duas décadas e hoje V. Exa, retoma-a, percorrendo trecho inicial da avenida que menos um decreto do que a aclamação dos seus compatriotas denominou Av. Presidente Vargas.

Permita que V. Exa, que eu guarde desta cerimônia apenas lembranças de nela ter tido a honra de ser o intérprete do governo de V. Exa nos agradecimentos e louvores devidos aos operários de todas as categorias e ofícios dessa obra, que enaltece o valor da engenharia brasileira e do trabalhador nacional.

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Exceção feita da maquinaria, tudo que aqui nos rodeia é brasileiro. Os projetos da nova urbanização da cidade são da autoria dessa maravilhosa floração de engenheiros que trabalham na Prefeitura e que alvorecem para as responsabilidades dos largos públicos, técnicos, escritórios, capital e mão-de-obra brasileiros.

Depois de quatro anos ininterruptos de atividades de restauração administrativa e financeira, a Prefeitura do Distrito Federal deu início a esse empreendimento. Não se trata de um espetáculo de aformosamento da cidade, mas de realização de um programa que procura resolver problemas econômicos de tráfego e do saneamento da cidade.

Convidando V. Exa Sr. Presidente, a percorrer o trecho inicial da avenida, solicito que V. Exa incorpore estas obras que, resolvendo os problemas apontados irão por igual transformar a Cidade Maravilhosa na Cidade das Maravilhas.” (LIMA, 1992, p. 32)

Nota-se no discurso a preocupação do prefeito em destacar o nacionalismo,

um dos principais traços da política econômica getulista, e em enaltecer os

trabalhadores que participaram da obra, em sintonia com a ideologia trabalhista.

Ao mesmo tempo ele equipara em importância a obra com as reformas

executadas durante a administração de Pereira Passos, afirmando que estava

retomando uma tradição progressista interrompida por mais de duas décadas.

A construção da avenida representava, portanto, o progresso e o

desenvolvimento, propiciando maior eficiência e dinamismo nas atividades

econômicas praticadas no Centro da cidade, maior rapidez nos meios de transporte

e na circulação das mercadorias. Ao mesmo tempo, simbolizava a “nova” classe

trabalhadora que o regime pretendia criar: disciplinada e dedicada ao seu ofício.

Ao observarmos os prédios construídos ao longo da avenida, fica evidente a

influência da arquitetura moderna. Edificações funcionais, sem grandes

preocupações estéticas, onde os extensos pilotis se projetavam sobre as largas

calçadas, facilitando o rápido deslocamento dos trabalhadores e dificultando as

aglomerações, que na visão das autoridades, era um estímulo à “desordem”.

Portanto, a avenida propiciava ao mesmo tempo melhor aproveitamento da força de

trabalho, que perderia menos tempo para começar seu ofício, como também criava

obstáculos para manifestações.

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FIGURA 17

AV. PRESIDENTE VARGAS - TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A CANDELÁRIA (14 DE AGOSTO DE 1940)

Nesta fotografia, destacam-se os quarteirões das ruas General Câmara e de São Pedro, entre a Praça da República e o Cais da Alfândega, demolidos para a abertura da avenida, vendo-se em primeiro plano a Escola Rivadávia Correia (ainda existente) e o Palácio da Prefeitura; no alto a Igreja da Candelária.Fonte: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.

FIGURA 18

AV. PRESIDENTE VARGAS - TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A CANDELÁRIA (28 DE AGOSTO DE 1944)

A avenida, pouco antes da sua inauguração, já aberta e em fase de finalização de sua implantação viária, expõe sua escala monumental, totalmente diversa das acanhadas ruas, de gênese colonial, daquela parte da cidade na qual se inseriu.Fonte: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.

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Cumpre ainda destacar que a avenida também traduzia outro aspecto

importante do modelo político-econômico vigente. Da mesma forma que o Estado

não tinha limites institucionais para intervir na economia e controlar a sociedade,

também não haveria nenhum obstáculo ao progresso que não pudesse ser

transposto por ele. Assim, diversos marcos importantes do contexto urbano-

arquitetônico carioca foram sumariamente eliminados – o Paço Municipal e as

Igrejas de São Pedro dos Clérigos, do Bom Jesus do Calvário, de São Domingos e

de N. Sra. da Conceição - ou drasticamente alterados – Campo de Santana e Praça

Onze.

Como assinala Evelyn Furquim Werneck Lima:

É típico dos governos autoritários o processo de demolição dos centros históricos, as inchações dos bairros periféricos, geralmente com o prejuízo das camadas sociais de menor poder aquisitivo, que perdem sua moradia e seu habitat natural. Isto ocorreu na Paris de Napoleão III, na Itália, na Alemanha, na Rússia na década de 1930 e acabou também ocorrendo no Rio de Janeiro durante o regime de exceção do Estado Novo. (LIMA, 1992, p. 15)

A intervenção na Praça Onze é especialmente simbólica. Área de intenso

comércio e grande diversidade social21 e cultural, com a ocorrência das famosas

rodas de samba, especialmente as da casa da tia Ciata. Com o fortalecimento das

instituições carnavalescas, a cultura da cidade cresceu também em vibração e

prestígio popular.

A praça, ao lado de tantas atividades, constituía um centro de animado

carnaval de rua, cantada em versos por poetas e compositores musicais. Em 9 de

fevereiro de 1932 o Jornal do Brasil noticiava:

A Praça Onze de Julho, tradicional pelos seus folguedos, tipicamente característicos, manteve ainda este ano galhardamente os seus foros de reduto inexpugnável da genuína festa da cidade.

O que ali se viu anteontem e ontem, das primeiras horas da tarde às últimas da madrugada, vale como um atestado do quanto aquela gente se reúne, sabe se divertir.

O que a Praça Onze de Julho mostrou ao carioca excedeu a qualquer previsão e foi ainda uma nota inédita, porque teve aspectos diferentes dos que se apreciam em outros pontos da cidade.

21 A Praça Onze constituía uma área plural, onde conviviam harmonicamente árabes, judeus, italianos, portugueses, negros e mulatos.

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O Carnaval da Praça Onze é privativo da Cidade Nova e por isso tem atrativos e motivos exclusivamente seus. Um sucesso, um grande sucesso o carnaval da Praça Onze. (LIMA, 1992, p. 15)

A abertura da avenida também trouxe consigo também o desaparecimento de

exemplares importantíssimos do patrimônio histórico da cidade, como foi o caso da

Igreja de São Pedro dos Clérigos, situada na Rua São Pedro, que depois se

transformou em pista lateral da Avenida Presidente Vargas.

Construída em 1773, foi possivelmente a primeira igreja do continente

americano com traçado curvilíneo. Segundo Lima (1992), um apelo por sua

preservação foi enviado pelo SPHAN22, através de Rodrigo de Melo Franco, porém,

a Prefeitura ignorou o pedido, alegando que o prédio não estava ligado “a nenhum

acontecimento político ou social do país que lhe desse lustro histórico (...), nem sua

construção era tão sólida quanto parecia à primeira vista, nem tão valiosa” (LIMA,

1992, p. 42). O progresso sobrepunha-se ao patrimônio.

FIGURA 19

PRAÇA ONZE DE JUNHO (DÉCADA DE 1910)

A praça situava-se, aproximadamente, onde hoje está a área circundada pelo monumento a Zumbi dos Palmares. Na parte superior, vemos a Escola São Sebastião, onde o D. Pedro II havia estudado. Com a proclamação da República, seu nome foi trocado para Benjamim Constant. Por trás dela iniciava-se o Canal do Mangue.Foto de A. Malta, extraída de http://receitadesamba.blogspot.com, em agosto de 2010.

22 Órgão controlado por simpatizantes do modernismo, como vimos no capítulo anterior.73

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FIGURA 20

IGREJA DE SÃO PEDRO DOS CLÉRIGOS

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em setembro de 2010.

A grande intervenção urbanística projetada na gestão de Henrique Dodsworth

promoveu a demolição de quarteirões inteiros da Praça Onze, alterando

substancialmente a paisagem local e empurrando seus moradores para outras

localidades, como os morros próximos ao Centro ou os bairros do subúrbio, que

cresciam às margens da Estrada de Ferro Central do Brasil. Era o símbolo do

progresso (a larga avenida) e do trabalho se sobrepondo ao símbolo da cultura

popular espontânea, associada pelas autoridades à desordem ou à malandragem.

O governo federal dessa forma realizava uma das mais profundas

intervenções na capital, constituindo uma nova linguagem urbanística - de

inspiração modernista –, racional, sem preocupações estéticas especiais, cuja

monumentalidade buscava transmitir a imagem de um país que avançava em

direção ao progresso.

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3.2) Os monumentos da ordem

A Avenida Presidente Vargas, como já assinalamos, foi projetada como um

monumento ao progresso, associada ao desenvolvimento econômico e industrial

que o Brasil passava naquele período da Era Vargas, especialmente o Estado

Novo.

Idealizada como uma grande artéria, atravessaria uma região importante do

centro do Rio de Janeiro, estabelecendo um entroncamento com outra grande

artéria - a Avenida Rio Branco -, abrindo novas oportunidades de negócios e

investimentos.

Quem percorre a avenida até os dias de hoje (local de bancos e escritórios

públicos e particulares no trecho entre o Campo de Santana e a Candelária)

observa o ritmo apressado das pessoas atravessando rapidamente a avenida. A

arquitetura não transmite ou estabelece um diálogo com os transeuntes, que,

circulando sob os largos pilotis não têm como observar sequer a fachada dos

prédios. A única preocupação é transpassá-la para chegar rapidamente ao trabalho.

Observamos que não existe nesse trecho nenhum ponto que facilite a

aglomeração, vista pelas classes dominantes como um instrumento da desordem.

Tomando como referência Monique Seyler, LIMA (1992) destaca que:

Desde sua invenção,a avenida, reta e larga, é antes de mais nada um espaço que permite o desfile e a marcha triunfal das tropas (...). Delimitada por construções bastante parecidas entre si, numa ordem lógica, clara e ventilada. A avenida desemboca em um monumento... a arquitetura não prevê mais locais para a reunião das pessoas, porém perspectivas para serem contempladas. O cidadão, de ator que era, torna-se um passivo expectador da parada do poder: o do Estado e do Dinheiro; tanto um quanto o outro nos olhando alto do calçamento. (LIMA, 1992, p. 12)

Porém, se nas edificações erguidas ao longo da avenida fica evidente a

preocupação em garantir às pessoas o abrigo para um deslocamento rápido ao

trabalho, por outro lado, foram criados na avenida alguns importantes símbolos

arquiteturais do poder, utilizando a expressão de LIMA (1992, p. 56).

São esses símbolos, situados exatamente em um dos poucos pontos

possíveis de aglomeração que foram erguidas edificações que, pela sua 75

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monumentalidade, transmitiam a quem passasse a mensagem da ordem, da

disciplina e da hierarquia. Foi o caso do Palácio Duque de Caxias e o novo prédio

da Central do Brasil.

Na fotografia abaixo, do final da década de 1920, podemos ter uma dimensão

geral da profunda intervenção no tecido urbano que passou a Praça da República

durante o Estado Novo.

FIGURA 21

PRAÇA DA REPÚBLICA NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1930

Áreas afetadas pelas reformas:1. Área do Campo de Santana, removida para a abertura da Avenida Presidente Vargas.2. Praça Onze de Junho, à esquerda.3. Antigo prédio da Central do Brasil.4. Antigo Quartel-Geral, cuja ala principal, à esquerda, também será removida. No local, situa-se atualmente o Pantheon do Duque de Caxias.Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010

Ao contrário do que ocorreu no edifício do MES, o estilo escolhido para a

construção dessas duas obras foi o Art Déco.23

Lançado oficialmente em 1925 na Exposição Internacional de Artes

Decorativas e Industriais Modernas de Paris, o Art Déco foi um movimento que se

23 Uma boa descrição sobre a aplicação do estilo Art Déco no Brasil é encontrada em: CORREIA, Telma de Barros. Art déco e indústria: Brasil, décadas 1930 e 1940. São Paulo: Anais do Museu Paulista, v. 16, n. 4, p. 47, jul-dez 2008.

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manifestou na arquitetura, nas artes plásticas, no design gráfico, e no design

industrial, ganhando força na década de 1930 na Europa e nas Américas.

Os edifícios projetados pela arquitetura Art Déco utilizavam o concreto

armado e possuíam fachadas com rigor geométrico e ritmo linear, com fortes

elementos decorativos em granito e mármore. No interior, as esculturas, jóias e

móveis também são geometrizados, com ornamentos em bronze, mármore, prata

marfim e outros materiais nobres.

Inúmeros projetos neste estilo foram aplicados a partir da década de 1930 no

Brasil, como repartições públicas, cinemas, teatros e sedes de emissoras de rádio.

Muitos desses edifícios existem até os dias de hoje e fazem parte da paisagem

urbana de várias cidades brasileiras, como podemos observar nos exemplares

abaixo:

FIGURA 22

EDIFICIO DO JORNAL “A NOITE” - Praça Mauá (RJ) – década de 193024

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010

24 Construído em fins dos anos 20, com a nova tecnologia do concreto armado, é considerado o introdutor da arquitetura em estilo Art Decó no Brasil, além de ser o primeiro arranha céu da capital.

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FIGURA 23

CINEMA ICARAÍ, em Niterói (RJ), na década de 1940, pouco após sua inauguração

Extraído de http://blogandoarte.blogspot.com, em agosto de 2010

FIGURAS 24 e 25

TEATRO CARLOS GOMES – FACHADA E INTERIOR (HALL)

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010

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a) O Palácio Duque de Caxias

A construção do Palácio Duque de Caxias foi realizada entre 07/09/1937 e

28/08/1941, e sua ocupação definitiva foi concluída em 1944. Portanto, a obra

coincidia tanto com o período do Estado Novo como com as obras de abertura da

Avenida Presidente Vargas.

O projeto foi de Cristiano Stockler das Neves, arquiteto com escritório em São

Paulo e com larga experiência com a construção de prédios em concreto armado,

sendo autor do projeto do primeiro arranha-céu da capital paulista, o Edifício

Sampaio Moreira, inaugurado em 1924. Designou-se uma comissão composta

pelos engenheiros militares Major Raul de Albuquerque e Capitão Rubens

Rousado Teixeira para executar a obra. Toda a estrutura de concreto foi calculada

pela comissão. Portanto, a construção do edifício ficou todo o tempo

supervisionada pelo Exército, que poderia providenciar as modificações ou

adaptações que fossem consideradas necessárias.

A construção do edifício foi feita na área afastada vinte metros do antigo

quartel, este demolido após a conclusão das obras da nova sede, como podemos

observar na figura 26. As alas, respectivamente voltadas para a Praça Cristiano

Otonni e para o Palácio Itamaraty, foram, no entanto, conservadas sem alteração.

Em termos de área construída, foi o maior edifício público administrativo de

seu tempo, com 86 mil metros quadrados de área e 23 andares, destacando a

monumentalidade do projeto. Seu imponente embasamento e pórtico de entrada

foram executados em granito vermelho-escuro e preto. Com mármore oriundo do

Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais, foram executados os pisos da ala

principal. No saguão de entrada, que abrange dois andares, vê-se ao fundo um

vitral de 13 metros de altura representando o “Duque de Caxias em Itororó”, de

autoria de Alcebíades Miranda Júnior.

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FIGURA 26

O PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS DURANTE A SUA CONSTRUÇÃO, COM O ANTIGO QUARTEL-GERAL AINDA À FRENTE

Fonte: Acervo Histórico do Exército. Extraído de www.ahex.ensino.eb.br, em agosto de 2010.

FIGURA 27

VISTA ATUAL DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS

Extraído de http://img716.imageshack.us/img716/1452/conjunto.jpg, em agosto de 2010

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A obra transmite robustez e estabilidade, impondo a quem passa uma

sensação de submissão e obediência diante do monumento. Ela atemoriza quem se

aproxima, se apresentando como um espaço hermético, inacessível a quem não faz

parte da instituição.

O pavimento térreo, tal como um gigantesco rodapé, revestido em granito

vermelho-escuro, aparenta uma barra de proteção, como se fosse uma área de

transição entre os pavimentos superiores e os pedestres que circulam abaixo: o

poder e o povo. Ao que tudo indica, o projeto também teve a preocupação de

transmitir a disciplina do poder militar. LIMA (1992) observou que a simetria entre o

corpo central, destacando as alas laterais, parece associar à imagem de um general

à frente de suas divisões.

FIGURA 28

CROQUI DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS

Fonte: LIMA, 1992, p. 66.

Como afirma Robert Goodman:

A essência da arquitetura hierárquica é reforçar visualmente as estruturas políticas, também hierárquicas. Quanto mais majestosos e monumentais forem os locais públicos oficiais, mais

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trivial parece ser o ambiente de vivência pessoal do cidadão. (LIMA, 1992, p. 92)

Podemos encontrar algumas semelhanças da edificação com algumas obras

executadas ou projetadas pelo arquiteto Albert Speer25 na Alemanha nazista.

FIGURAS 29 e 30

EDIFÍCIO DA CHANCELARIA DURANTE O III REICH

PROJETO PARA O MEMORIAL AOS SOLDADOS

Extraído de http://germanhistorydocs.ghi-dc.org, em setembro de 2010

Extraído de http:// aen.com.sapo.pt/mundial/Berlim, em setembro de2010.

O Memorial aos Soldados nunca saiu do papel, mas a nova chancelaria foi

inaugurada em 1939, constituindo a sede do governo da Alemanha até sua

destruição pelos ataques aliados em 1945. A arquitetura do edifício manifestava o

estilo que Hitler e os seus seguidores pretendiam dar ao Reich, demonstrando a

força a pujança e o poder do "Império Alemão".

Outras edificações militares construídas durante o Estado Novo

acompanharam o mesmo estilo e transmitiam a mesma mensagem. Foi o caso da

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), localizada na Praia

Vermelha (Rio de Janeiro) e inaugurada em 1940.

25 Albert Speer (1905-1981) foi ministro do Armamento e arquiteto-chefe do Terceiro Reich, sendo responsável por alguns dos mais importantes projetos arquitetônicos do regime nazista.

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FIGURA 31

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO (ECEME)

Fonte: Acervo Histórico do Exército. Extraído de : www.ahex.ensino.eb.br, em setembro de 2010.

Na fachada principal do Palácio Duque de Caxias, na altura do terceiro e

quarto andares, foi aposta uma ornamentação em bronze com os temas “A Glória

Militar” e “Apoteose à Bandeira”, de autoria do escultor Hildegardo Leão Veloso. A

escolha dos artistas foi feita pelos mesmos membros da Comissão Construtora,

liderada pelo Professor Pedro Calmon, diretor da Faculdade Nacional de Direito da

Universidade do Brasil entre 1938 e 1948.

Um das áreas mais imponentes do Palácio Duque de Caxias é o salão nobre

de recepções no 10º pavimento, onde sobressaem os diversos ornamentos e,

principalmente, os painéis em forma de vitrais localizados no teto.

A confecção desses painéis ficou a cargo do pintor acadêmico Armando

Martins Viana, vencedor do concurso realizado para a obra. Nota-se nesses painéis

a imagem de um nacionalismo nostálgico e heróico, com o estilo bem diferente

daquele proposto pelos arquitetos modernos. Essa visão do passado pode ser

demonstrada pelos próprios títulos dos vitrais: “A Batalha de Guararapes”, “A

Defesa das Fronteiras”, “Batalha do Avaí”, “República” e “A Pátria Brasileira”.

Curiosamente no painel “República” são retratados importantes personagens

do movimento republicano, como Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Benjamin

Constant, e Quintino Bocaiúva, mas não há qualquer referência a Silva Jardim,

possivelmente por representar a corrente mais radical e democrática do Partido

Republicano.

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FIGURA 32

SALÃO NOBRE DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS

Fonte: Acervo Histórico do Exército. Extraído de: www.ahex.ensino.eb.br, em agosto de 2010.

FIGURA 33

Painel “REPÚBLICA”

Fonte: Acervo Histórico do Exército. Extraído de: www.ahex.ensino.eb.br, em setembro de 2010

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Portanto, dentro do espírito conservador e autoritário das forças armadas, foi

adotado um estilo artístico e arquitetônico que impõe a quem passa a mensagem da

ordem: obediência, hierarquia e disciplina.

b) O Novo Prédio da Estrada de Ferro Central do Brasil

O desenvolvimento econômico acelerado na década de 1930 foi

acompanhado por uma série de investimentos estatais na infraestrutura do Brasil,

incluindo os serviços de transportes.

As ferrovias ainda se constituíam no principal meio de transporte de carga e

passageiros do Brasil, embora o transporte rodoviário estivesse se multiplicando. A

antiga estação da Estrada de Ferro Central do Brasil mostrava-se insuficiente para

atender as necessidades de transporte, além de obsoleta diante de um serviço cuja

eletrificação exigia altíssimos investimentos.

O projeto original foi elaborado em 1936 por Roberto Magno de Carvalho,

arquiteto formado pela ENBA em 1921 e funcionário de carreira da Estrada de Ferro

Central do Brasil. Porém, no início das obras, verificou-se que ele precisava ser

revisto e ampliado. Em primeiro lugar, porque se constatou que ele não se

adequava ao terreno proposto. Em segundo lugar, o governo decidiu que o novo

prédio deveria abrigar todos os setores da administração da ferrovia, que se

achavam dispersos em imóveis alugados em várias partes da cidade. Novamente,

aplicava-se a um órgão estatal o modelo centralizador que norteava a administração

pública em geral naquele período, visto como instrumento para promover maior

racionalidade e eficiência da burocracia.

As modificações no projeto foram feitas pelos arquitetos húngaros Adalberto

Szillard e Geza Heller, contratados para substituir Roberto Magno de Carvalho que

tinha falecido pouco antes do início efetivo dos trabalhos, em 1937.

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FIGURA 34

PROJETO ORIGINAL DO NOVO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL APRESENTADO POR ROBERTO M. DE CARVALHO

Fonte: LIMA, 1992, p. 89.

Interessante observar que a ditadura do Estado Novo ainda não tinha sido

instaurada quando foi lançada a pedra fundamental do prédio, em 28 de março de

1936. Porém, as modificações no projeto original, executado já no período

autoritário, demonstram não apenas a preocupação com a funcionalidade, mas

também a maior atenção à monumentalidade, adequando-a aos interesses do

governo. Não é por acaso que a mudança que ganhou mais destaque foi a torre e o

relógio, que foram substancialmente ampliadas em comparação com o projeto

original.

Inaugurada em 29 de março de 1943, a estação é o único ponto de

concentração popular ao longo da Avenida Presidente Vargas. Como as elites

tradicionalmente associavam as aglomerações à desordem, era necessário criar

mecanismos de controle e disciplina.

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FIGURA 35

CONSTRUÇÃO DO NOVO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL, TENDO À FRENTE AINDA O ANTIGO PRÉDIO DA ESTAÇÃO

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.

Assim, não é por acaso que em frente à estação estava o Palácio Duque de

Caxias, sede do Ministério da Guerra, maior símbolo do poder militar. Importante

destacar também que durante o Estado Novo, a Estrada de Ferro Central do Brasil,

subordinada ao Ministério de Viação e Obras Públicas, também era dirigida por um

militar, o Coronel João de Mendonça Lima.

Por outro lado, o que mais se destaca no prédio da Central do Brasil é o

gigantesco relógio situado no alto de uma torre de 135 metros de altura, como que

estivesse disciplinando o horário da chegada dos trabalhadores aos seus

escritórios, o que pode ser observado na emblemática figura 36, de 1963:

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FIGURA 36

TRANSEUNTE DIANTE DA TORRE DO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL

Extraído de http://img34.imageshack.us/img34/9914/centraldobrasil1963.jpg, em agosto de 2010.

Como bem lembrou LIMA (1992, p. 92), “a torre, desde as épocas mais

remotas sempre representou um signo de poder mítico, em que a verticalidade faz

crer que a matéria atinge espíritos superiores, toca o firmamento”. No caso da torre

da Central do Brasil, ela representa um poder concreto e disciplinador sobre os

trabalhadores, que ao desembarcarem na estação, se deparavam com duas

“sentinelas do poder” impondo a eles a disciplina e a obediência ao trabalho

(relógio) e à autoridade (Estado).

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CONCLUSÃO

A própria cidade é a memória coletiva dos povos; e como a memória está ligada a fatos e a lugares, a cidade é o ‘locus’ da memória coletiva. Essa relação entre o ‘locus’ e os citadinos torna-se, pois, a imagem predominante, a arquitetura, a paisagem; e, como os fatos fazem parte da memória, novos fatos crescem juntos na cidade. (ROSSI, 1995, p. 198)

Realizar uma pesquisa cujo objeto é a relação entre a Era Vargas e a

arquitetura moderna foi uma tarefa árdua, por serem assuntos permanentemente

envolvidos em debates e discussões no meio acadêmico. Ao finalizar, quero

esclarecer que não tive a pretensão de esgotar o tema, mas apresentar uma

contribuição, ainda que modesta, ao debate.

Demonstrei que Getúlio Vargas, ao chegar ao poder, em 1930, buscou

progressivamente implantar um novo modelo de desenvolvimento econômico ao

Brasil. Fazia parte dessas mudanças uma ampla reforma na administração pública,

capacitando a burocracia para o novo papel que o Estado desempenharia como

principal agente indutor do desenvolvimento.

A centralização política e administrativa chegou ao ápice com a decretação

do Estado Novo em 1937. Essa articulação entre centralização político-

administrativa e intervenção estatal na economia como instrumento que alavancaria

o desenvolvimento econômico era uma crença que Getúlio Vargas alimentava

desde a juventude, quando sua formação intelectual foi decisivamente influenciada

pelo positivismo.

O crescimento do aparelho estatal com a criação ou ampliação de ministérios

e órgãos públicos gerou a necessidade de construir edifícios que abrigassem uma

burocracia que não parava de crescer. Essas mudanças permitiram que fosse

aberto uma espécie de mercado de obras públicas, oferecendo oportunidades aos

profissionais da arquitetura, carreira que testemunhou um crescimento notável na

década de 1930.

Ao mesmo tempo, toda essa produção arquitetônica teve que obedecer aos

interesses do governo que pretendia que os novos prédios fossem, ao mesmo

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tempo, funcionais e monumentais, transmitindo mensagens de confiança e

otimismo, mas também de obediência ao Estado.

Esse programa de obras públicas proporcionou uma disputa entre as

principais “escolas” de arquitetura daquele tempo: de um lado, os acadêmicos e os

neocoloniais; de outro, os modernos.

Observamos como os modernos aproveitaram melhor as oportunidades,

iniciando uma trajetória onde progressivamente foram conquistando a hegemonia no

campo da arquitetura. Entre as razões dessa conquista estão a sua melhor

fundamentação técnica e intelectual, o apoio que tiveram do Ministro Gustavo

Capanema e o controle do SPHAN.

Por outro lado, mesmo com a influência crescente dos modernos,

constatamos que a postura do governo Vargas com relação às escolas

arquitetônicas, não teve uma orientação monolítica, variando principalmente entre a

arquitetura moderna e o Art-Déco, sem excluir outros estilos que, embora em menor

grau, também estivessem presentes, como o neoclássico, utilizados nos Ministérios

do Trabalho e da Fazenda.

Essa ambiguidade não constitui, como pode parecer a princípio, uma

contradição. Na verdade, essa atitude do governo Vargas, especialmente durante o

Estado Novo, demonstra o quanto a influência positivista ainda estava presente no

pensamento do presidente. O Estado patrocinava as obras, mas definia de forma

autoritária o estilo que seria utilizado: a arquitetura moderna apresentava-se mais

adequada aos monumentos que representariam o PROGRESSO, enquanto os

outros estilos, especialmente o Art-Déco, mostravam-se mais adequados à

mensagem da ORDEM.

A contradição ficou por conta dos modernos, na medida em que propunham

com sua arquitetura contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e

democrática. Porém, seus grandes projetos, ao serem encomendas estatais,

acabaram por fortalecerem um regime autoritário, do qual se beneficiaram.

Importante aqui lembrar o episódio do MES, quando o Ministro Capanema, com

autorização de Getúlio Vargas, decidiu não executar o projeto vencedor do

concurso organizado para aquele fim. Provavelmente, se o Brasil não estivesse

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vivendo um regime de exceção, tal atitude geraria muito mais contestações e

polêmicas do que aquelas que ocorreram na época.

Podemos concluir afirmando que a arquitetura moderna na Era Vargas ficou

em um ponto intermediário entre a utopia e a realidade. Por um lado, inovaram

criando uma nova linguagem na arquitetura marcada pela funcionalidade, leveza e

despojamento. Por outro, a contribuição de sua arquitetura como instrumento da

democracia e justiça social foi muito limitada.

Nos anos que se seguiram ao fim do Estado Novo, a arquitetura moderna

afirmou-se cada vez mais ao ponto de ser considerada por muitos o gênero nacional

por excelência, estando à frente de grandes projetos estatais, seja para sede de

órgãos públicos ou de moradias populares. Porém, as contradições entre a utopia e

a realidade continuaram acompanhando seus projetos.

Affonso Eduardo Reidy, ao projetar o Conjunto Residencial do Pedregulho,

destinado aos funcionários de baixa renda da Prefeitura do Distrito Federal,

acreditava na ação reformadora da arquitetura, que desempenharia forte papel na

mudança social. O projeto constituiu em uma das primeiras tentativas de construir

conjuntos habitacionais no país deixando clara a opção de oferecer uma maior

dignidade à classe trabalhadora, compreendendo blocos de habitação, mercado,

posto de saúde, creche, escola, ginásio, piscina, campos de jogos e lavanderia

mecânica. Porém, a realidade ficou bem distante daquilo que projetou. A obra,

iniciada em 1946, demorou quinze anos para ser concluída. Além disso,

A demora na construção de unidades residenciais, embora estrategicamente correta, ocasionou um problema. As pessoas originalmente recenseadas raramente se beneficiaram dos apartamentos e, em muitos casos, sua situação familiar e necessidades modificaram consideravelmente com o correr dos tempos. Por outro lado, freqüentemente a mudança para o Pedregulho correspondia a uma ascensão que não era acompanhada por melhoria efetiva de vida, como emprego melhor, remuneração condizente etc. Dessa forma, os moradores se viram diante de espaço que exigia um aumento de repertório econômico-social que não havia ocorrido. Passaram a habitar, como "estrangeiros", organizações espaciais que pressupunham hábitos e modos de vida totalmente distintos dos seus. Algumas vezes, tal fato gerou inadaptações e mau uso de equipamentos. (CAVALCANTI, 1999, p. 138)

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Brasília está completando 50 anos em 2010. Inaugurada em 1960,

certamente se constitui no maior símbolo da arquitetura modernista no Brasil. No

plano de Lucio Costa, as ruas foram eliminadas da nova capital, substituídas por

pistas, vias, passeios, eixos etc., acreditando que dessa forma eliminar-se-ia o caos

das cidades tradicionais. O setor residencial buscava criar novas formas de

convivência, rejeitando as divisões por classes dos bairros das cidades

convencionais. Os apartamentos, de propriedade pública, deveriam ser distribuídos

por moradores de diferentes origens sociais.

No entanto, mais uma vez a realidade suplantou a utopia. Os espaços da

capital democrática acabaram proporcionando aquilo que Lauro Cavalcanti

denominou de positivismo espacial, onde o convívio é basicamente entre iguais: as

elites nos clubes à beira dos lagos e os mais pobres nas proximidades da rodoviária

ou nas cidades-satélites. Ironicamente, um dos poucos espaços de convívio

relativamente “democrático” são os shopping-centers, que crescem no trecho

intermediário entre o plano-piloto e as cidades-satélites.

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