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ENTRE O GARANTISMO PENAL E O …professormoreno.com.br/new/anexos/garantismo_penal.doc · Web viewPara alguns, a tutela penal deve minimizar seu alcance, ocupar-se apenas da proteção

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ENTRE O GARANTISMO PENAL E O MOVIMENTO DA LEI E ORDEM. A REFLEXÃO DE UM JUIZ   CRIMINAL. A ciência criminal, nos dias atuais, encontra duas tendências diametralmente opostas e doravante destacadas de forma mais que resumidas.

Para alguns, a tutela penal deve minimizar seu alcance, ocupar-se apenas da proteção de bens jurídicos essenciais. Ademais, esses postulados de política criminal devem orientar, sobretudo, o legislador; mas não podem ser ignorados pelo aplicador do Direito caso aquele se desgarre dessas orientações garantistas. Garantismo penal, aqui, entendido como a intervenção minimamente necessária do Estado nas liberdades públicas.

De outro giro, sustenta-se que a intervenção estatal, por meio do Direito Penal, é instrumento fundamental que dispõe o Estado para assegurar a convivência pacífica na sociedade. A hipertrofia da tutela criminal hodiernamente é o meio eficaz de conter a crise de valores da sociedade, coagindo as pessoas a internalizarem as normas de conduta e evitando a autofagia.

Esse dualismo recai, sobretudo, sobre a consciência do Juiz de Direito, aplicador das leis criminais. Com efeito, um magistrado preocupado com as conseqüências individuais e coletivas das suas decisões não escapa ileso a esse dilema. Dos mais experientes aos novatos, certamente todos já dedicaram ou ainda dedicam boa parte do seu tempo com essa reflexão.

O discurso do garantismo penal é sedutor e teoricamente muito bem estruturado. Mas o cotidiano da sociedade preocupa. Encampar os postulados do Direito Penal Minimalista implicaria, na realidade nacional, hoje, deixar de punir inúmeros delitos enquanto o aspecto social ainda é deficitário. Não se investe em prevenção delituosa, não há educação, lazer, projetos sociais etc.

Então deixar-se ia de punir quando o Estado sequer previne o delito? Qual será, nesse passo, o futuro da sociedade? Fomentar uma criminalidade generalizada capaz de tomar conta do Estado?

Será mesmo que atrofiando a tutela estatal criminal conseguiremos reduzir o problema da delinqüência? Qual será o caminho para isso, traçado pelos adeptos do garantismo penal?

Não se nega que vários dos postulados do Direito Penal Mínimo encontram amparo na realidade social. Como por exemplo o fato de a tutela penal ser essencialmente seletiva e recair, por regra, sobre as pessoas da base da pirâmide social. Assim como a raiz da criminalidade estar na formação da personalidade do indivíduo e dos estímulos externos que recebe do meio em que vive e das pessoas com quem convive.

Todavia, desse quadro social é possível que passemos a compreender os autores de delito como vítimas da sociedade? Tutelando-os e desamparando, agora, as suas vítimas? Onde isso terá um fim?

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Já li algures que esta seria a solução. Permita que o convívio social torne-se caótico e insuportável. Nesse momento o Estado será obrigado a se remodelar e pensar nas suas prioridades, o investimento no aspecto social e preventivo do crime.

Mesmo admitindo tal hipótese. E enquanto isso? Vítimas e mais vítimas terão que nascer da criminalidade? E se o Estado não se readequar? Tantas são as incertezas. Não seria um preço caro demais?

Ou há outra solução à luz do garantismo penal? Data venia, seria de bom alvitre que outra houvesse. Os doutrinadores daquela linhagem preocupam-se em expor os ideários garantistas, mas poucos se ocupam desta problemática. Qual a solução imediata e mediata para a criminalidade em expansão?

Simpatizo sobremaneira com a escola garantista em termos teóricos. Não tenho dúvidas de que seria a melhor opção à luz do “dever ser”. Mas a realidade social, o problema imediato da criminalidade, assim como a falta de exposição dos meios de solução da delinqüência, dificultam a adoção indistinta dessa orientação dogmática no âmbito penal.

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Movimento da Lei e Ordem: sua relação com a lei dos crimes hediondos

Ivo Rezende Aragão,

Resumo: Em meio a uma crise do sistema criminal, é imprescindível que tenhamos conhecimento da adoção pela Constituição Federal e por lei infraconstitucional de um novo sistema punitivo que supra eficazmente a demanda populacional. Pois com a cultura do medo há insegurança social e, conseqüentemente, uma comoção social brotando pelo Estado inúmeros movimentos com o intuito de amenizar a criminalidade de forma imediata, dentre os quais o Movimento de Lei e Ordem que deu origem à Lei dos Crimes Hediondos. Para que haja uma superação do banditismo a que assola nossa sociedade. Enfim neste artigo abortaremos de forma crítica a relação entre o Movimento de Lei e Ordem com a Lei dos Crimes Hediondos. *

Palavras-Chave: Medo. Comoção social. Imediata. Movimento de lei e ordem. Crimes hediondos.

Abstract: In the midst of a crisis in the judicial system, it is essential that we have knowledge of adoption by the Federal Constitution and by law infraconstitucional of a new punitive system that effectively above the demand population. Now with the culture of fear there are social insecurity and, consequently, a commotion sprouting by the many social movements in order to alleviate the immediate form of crime, among them the Movement of Law and Order, which led to the Law of Crimes Heinous. To be an overrun of banditry that devastates our society. Finally in this article to critical discuss the relationship between the Movement of Law and Order with the Law of Crimes Heinous.

keyword: Fear. Commotion company. Immediate. Movement of law and order. Heinous crimes.

Sumário: Introdução; 1. Movimento de Lei e Ordem; 2. Lei dos Crimes Hediondos e sua Constitucionalidade; 3. Movimento de Lei e Ordem sua Relação com a Lei dos Crimes Hediondos no Brasil; 4. Conclusão. Referências.

 INTRODUÇÃO

Com o avanço decorrente de todas as revoluções que a humanidade tem passado, o mundo ainda procura alternativas para dirimir a criminalidade nas grandes cidades. É inegável que não é por falta de propostas para a mudança do direito penal.

No nosso Direito Penal temos uma mescla de políticas criminais que vai desde o princípio da intervenção mínima, em que limita ao cerceamento da liberdade do criminoso a crimes desprezíveis à sociedade, não deixando que sejam isolados aquele que podem produzir em favor da sociedade pagando ao mesmo tempo o crime

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cometido; até  políticas criada em meio a alta carga emocional vivida pela sociedade de determinado momento como o caso da ideologia repressiva da Lei e Ordem. “Assim é que, ao mesmo tempo em que vivemos a descriminalização, descarcerização e despenalização, vivemos momentos de radicalização e intensa intervenção penal”[1].

Em face disso, nas palavras de Beccaria, "proibir grande quantidade de ações diferentes não é prevenir delitos que delas possam nascer, mas criar novas", percebemos então que o Direito Penal apenas deve interferir em casos graves, quando outros ramos do direito não conseguirem resolver e que apenas ele seja capaz de ser eficaz, sendo no entanto a ultima ratio.

Enfim, este artigo tem o intuito de analisar o movimento de lei e ordem que surgiu nos EUA na década de 70 (setenta) e de acordo com o seu conceito observar se há alguma ligação com a lei dos crimes hediondos. Em que tentaremos esclarecer os motivos pelos quais estes temas têm sido largamente discutidos no meio acadêmico e também por aquelas pessoas que se envolvem, de alguma forma, mais intimamente com o Direito

2 MOVIMENTO DE LEI E ORDEM

O Movimento de Lei e Ordem é uma política criminal que tem como finalidade transformar conhecimentos empíricos sobre o crime, propondo alternativas e programas a partir se sua perspectiva.  O alemão Ralf Dahrendorf foi um dos criadores deste movimento.

Na década de 70 (setenta) nos Estados Unidos ganhou amplitude até hodiernamente, com a idéia de repressão máxima e alargamento de leis incriminadoras. “A pena, a prisão, a punição e a penalização de grande quantidade de condutas ilícitas são seus objetivos”[2].

“Um dos princípios do "Movimento de Lei e Ordem" separa a sociedade em dois grupos: o primeiro, composto de pessoas de bem, merecedoras de proteção legal; o segundo, de homens maus, os delinquentes, aos quais se endereça toda a rudeza e severidade da lei penal. Adotando essas regras, o Projeto Alternativo alemão de 1966 dizia que a pena criminal era "uma amarga necessidade numa comunidade de seres imperfeitos". É o que está acontecendo no Brasil. Cristalizou-se o pensamento de que o Direito Penal pode resolver todos os males que afligem os homens bons, exigindo-se a definição de novos delitos e o agravamento das penas cominadas aos já descritos, tendo como destinatários os homens maus (criminosos). Para tanto, os meios de comunicação tiveram grande influência (Raul Cervini, Incidencia de la "mass media" en la expansión del control penal en Latinoamérica, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1994, 5: 36), dando enorme valor aos delitos de maior gravidade, como assaltos, latrocínios, sequestros, homicídios, estupros, etc. A insistência do noticiário desses crimes criou a síndrome da vitimização. A população passou a crer que a qualquer momento o cidadão poderia ser vítima de um ataque criminoso, gerando a idéia da urgente necessidade da agravação das penas e da definição de novos tipos penais, garantindo-lhe a tranquilidade”[3].

Definitivamente, questiona a distinção entre o direito e política sócio-econômica. Vê no direito a exata noção da lei, em que concilia comportamentos aceitos ou não pela sociedade, não sendo aceitos se aplica de forma máxima e absoluta a lei. Não podendo

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ser argüido este inadequamento social devido a política sócio-econômica do governo que gerou essa pobreza, desemprego, etc., posto que nenhum tribunal é competente para abolir tais mazelas, o que irá implicar é se houve atos ou conjunto de ações que deturparão ou não a lei.

Os adeptos do Movimento de Lei e Ordem vêm neste a única solução para diminuir crimes como os terrorismos, homicídios, torturas, tráfico de drogas, etc., é com o endurecimento das penas, e a melhor das penas para eles é a de morte e a prisão perpetua. Pois assim, além de está tirando do meio do convivo social das “pessoas de bem”, estará também fazendo justiça à vitima.

Essa doutrina sofreu uma ramificação,em meado de 1991, e ficou conhecida também como Tolerância Zero. Originou-se em Nova York, no governo do então prefeito Rudolph Giuliani, e assim como o Movimento de Lei e Ordem é também político-criminal.

Na obra de Manhattan Institute fica bem claro qual a verdadeira faceta ideológica da Política de Tolerância Zero, em que há uma vulgarização a “teoria da vidraça quebrada” que se baseou no ditado popular: “quem rouba um ovo, rouba um boi”, essa teoria acredita que com a punição de qualquer conduta mesmo as mais leves, como a de pular por cima da catraca do ônibus para apresentar exemplos e sensação de autoridade[4].

Na realidade a política de tolerância zero, surgiu não com o intuito primordial de diminuir a criminalidade, mas de refrear a insegurança das classes altas e médias da sociedade, tirando os “excrementos humanos” de suas vista recriminando severamente delitos menores tais como embriaguez, a jogatina, a mendicância, segundo Kelling[5].

Com a adoção da política de tolerância zero, que virou febre nos Estados Unidos e na Europa,

“o momento histórico tem reafirmado a gravidade do problema da punição. Atualmente, os EUA contam com uma das maiores taxas de encarceramento do mundo (680 por 100.000 habitantes). Para se ter uma idéia do que isso representa, comparada com a taxa brasileira, que já é considerada altíssima (168 por 100.000), corresponde a quase sete vezes mais. Em termos de número total de encarcerados o contraste é mais gritante: mais de 2 milhões de pessoas presas, contra 380.000 no Brasil.”[6]

Loïc Wacquant tem feito inúmeras críticas ao alastramento dessa política, explanando sua preocupação ao chamar essa de “tendência de Ventos Punitivos vindo do outro lado do Atlântico”[7], que está ameaçando até mesmo a Europa.

Em suma, percebemos que este movimento desabrochou devido classes mais favorecidas da sociedade clamarem por segurança, mas realidade se pretende a dizimação dos pobres das ruas das grandes cidade, colocando todos atrás das grades, longe da vista da sociedade para que o Estado os tranque e “jogue a chave fora”. Pois em decorrência de pequenos delitos são adotadas penas de crimes hediondos, para dar exemplo e demonstrar sensação de segurança à esta pequena parte da sociedade.

3 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS E SUA CONSTITUCIONALIDADE

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A Lei dos crimes hediondos surgiu junto com a Constituição de 1988 para viabilizar a aplicação de temas polêmicos. O constituinte originário deixou na Constituição Federal de 1988 competência á legislação infraconstitucional, por meio de leis complementares e ordinárias, para editar leis sobre o assunto. O art. 5º, inciso XLIII da CF/88, versa: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. Em que a Lei n. 8.072/90 foi criada visando não apenas regulamentar ou adequar á norma Constitucional à norma Penal, mas para também acolher ordem jurídico-social.

Em meados de 1990 se instalou no Brasil um surto de seqüestros, em que a maioria das vítimas eram de classes bem favorecida economicamente da sociedade, dentre esses o empresário Abílio Diniz e o publicitário Roberto Medina que ficou no poder dos seqüestradores cerca de 16 dias. Em meio a atmosfera de insegurança a sociedade brasileira começou a clamar por leis e penas mais severas, até pena de morte e prisão perpétua, para quem cometesse estes tipos de crimes.

O governo brasileiro vendo a comoção social, para satisfazer as expectativas, a paz social e a pseudo-segurança da sociedade, editou de imediato a Lei dos Crimes Hediondos – Lei n. 8.072/90, retirando das pessoas processadas ou condenadas, por algum dos dispositivos contidos na Lei, benefícios agregados ao direito penal, direito processual penal e à execução penal, sem analisar as particularidades de cada caso e pessoa. Diante disso podemos perceber que o legislador não tomou nenhum cuidado com o princípio da individualização da pena. Enfim, o cuidado do legislador foi em editar uma Lei para repreender de forma severa os fatos apavorantes que estavam acontecendo naquele momento, no país[8].

Eis que surge o Direito Penal simbólico em meio a comoção social, devido a prática de crimes violentos e repugnantes, de pessoas públicas (famosos),  com repercussão na mídia, sendo geralmente reprimidos com o máximo de rigor, acabando por ser ineficaz faticamente devido haver meros símbolos de rigor excessivos, caindo no abandono, perante sua inaplicabilidade efetiva.

Hodiernamente o país perpassa por um processo, em que o legislador infraconstitucional está cada vez mais preocupado em caprichar nas leis penais simbólicas. Pois essas leis simbólicas trazem para a sociedade um alívio, uma segurança e a vivacidade dos governantes em resolver os problemas da forma em que a sociedade espera com mãos de ferro para os criminosos. No entanto, a população está sendo vedada pelo Estado, por meio de uma pseudo-segurança.

“O interesse geral não se funda apenas em que sejam praticados poucos crimes, porém ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam o menos comuns. Os meios de que se utiliza a legislação para obstar os crimes devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais freqüente. Deve, portanto, haver proporção entre os crimes e os castigos... Se os cálculos exatos pudessem ser aplicados a todas as combinações obscuras que levam os homens a agir, seria necessário buscar e estabelecer uma progressão de penas que corresponda à progressão dos delitos. O quadro dessas duas progressões seria a medida da liberdade ou da escravidão da humanidade ou da maldade de cada país (...). Bastará, pois, que o

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legislador sábio estabeleça divisões principais na distribuição das penalidades proporcionadas aos crimes e que, especialmente, não aplique os menores castigos aos maiores delitos”[9].

Compartilhando do mesmo pensamento de Beccaria, em 23 de fevereiro de 2006, por seis votos a cinco os ministros do STF, em meio a gama de princípios constitucionais achou no princípio da individualização da pena os argumentos ideais para decidir pela inconstitucionalidade do parágrafo 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos. Em que, de acordo com o inciso XLVI, do artigo 5º, da Constituição da República: “A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: privação ou restrição de liberdade; perda de bens; multa; prestação social alternativa; suspensão ou interdição de direitos”.

“O assunto foi analisado no Habeas Corpus (HC) 82959 impetrado por Oséas de Campos, condenado a 12 anos e três meses de reclusão por molestar três crianças entre 6 e 8 anos de idade (atentado violento ao pudor).

Na prática, a decisão do Supremo, que deferiu o HC, se resume a afastar a proibição da progressão do regime de cumprimento da pena aos réus condenados pela prática de crimes hediondos. Caberá ao juiz da execução penal, segundo o Plenário, analisar os pedidos de progressão considerando o comportamento de cada apenado – o que caracteriza a individualização da pena”[10].

Observa-se, ademais, que o princípio da individualização da pena estar intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República e da própria Democracia (art. 1º, inciso III, da CF). Ao ignorar a individualização da pena, portanto, atenta-se contra o princípio da dignidade da pessoa humana e, conseqüentemente, insulta-se o próprio Estado Democrático e Constitucional de Direito[11].

“Todavia, com a nova redação dada ao § 2º. do art. 2º. da Lei nº. 8.072/90 pela Lei nº. 11.464/07, os níveis para a progressão de regime em crimes tidos como hediondos serão diferenciados: 2/5 se o apenado for primário e 3/5 se reincidente. Dessa forma, a progressão de regime para crimes não-hediondos continua tendo como critério objetivo o cumprimento de pelo menos 1/6 da pena; já a progressão de regime para crimes hediondos passa a apresentar como critérios objetivos o cumprimento de ao menos 2/5 da pena (40% dela) se o condenado for primário, ou 3/5 da pena (60%) se o apenado for reincidente”[12]. 

Enfim, podemos perceber que na medida em que a situação vai se tornando insustentável, como em qualquer emergência, costuma-se deixar de lado alguns problemas para que se contorne a crise o mais rápido possível[13]. E na pressa de respostas ao fenômeno emergente, percebemos que há, o que a muito se percebe, uma fraqueza da norma diante da crise da legitima adoção de medidas excepcionais.

4 MOVIMENTO DE LEI E ORDEM SUA RELAÇÃO COM A LEI DOS CRIMES HEDIONDOS NO BRASIL

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Como já podemos perceber, o movimento de lei e ordem surge trazendo a idéia de repressão à criminalidade de forma implacável e com o total apoio da sociedade, principalmente daquela que está passando por momentos de insegurança.

Em meados de 1989, os brasileiros começaram a sofrer com crimes, ou melhor, não os que estavam “acostumados”, mas com crimes que causavam pânico, como o seqüestro, principalmente a pessoas de alta aquisição econômica.

Com isso, a sociedade brasileira começou a clamar por segurança, leis mais severas às pessoas que cometessem estes tipos de crime, e assim o legislador constituinte o fez, dispondo no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição Federal de 1988 que trata de forma especial crime de maior gravidade à sociedade.

Indiscutivelmente, no art. 5º, inciso XLIII, o legislador constituinte se apoiou na política criminal da lei e ordem, em que a Lei 8.072/90 regulamenta sobre os crimes hediondos, seguiu seu mesmo vetor ideológico. Sendo incessantemente tratado neste trabalho o pensamento deste movimento, que transformou delitos pequenos em crimes gigantescos com falta de acesso à liberdade.

Miotto traz em sua obra a relação que o sistema penal brasileiro, desde a promulgação da República, possui com o sistema penal norte-americano. Pois após a promulgação da Republica o país precisava de um novo modelo de leis penais, pois o que possuía não condizia mais com a realidade vivida a partir de então. Assim, com urgência foi criado o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Isso se deu pelo mau costume que o Brasil possui de querer ser mais adiantado, mais moderno do que realmente equivale[14].

Hodiernamente, assim como historicamente, o Brasil também adotou a política de tolerância zero que surgiu na cidade note americana de New York. Esta política aqui é adotada com o nome de crimes hediondos, tendo como conseqüência prática para o sistema penal, o aumento da pena de todos os crimes a que se refere a Lei n. 8.072/90.

Ao analisarmos a relação da Lei dos crimes hediondo com o movimento de lei e ordem, percebemos nos dois a desconsiderado dos princípio:

“do mínimo potencial ofensivo que estabelece ao direito penal a proteção de bens jurídicos apenas de crimes com relevante potencial lesivo à vida em sociedade, atuando como última ratio do ordenamento jurídico; da individualização da pena que estabelece a imposição e o cumprimento da pena de acordo com cada individuo a partir da culpabilidade e do comportamento do sentenciado; da dignidade da pessoa humana se reveste de suma importância, pois é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem desde o direito a vida,que estabelece a dignidade como fonte ética para os direitos, as liberdades e as garantias pessoais e os direitos econômicos, sociais e culturais; da humanidade “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral". O próximo inciso do mesmo artigo assevera que: "às presidiárias são asseguradas as condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período da amamentação". Ainda mais enfatizante é o inciso XLVII, do citado artigo, que dispõe: "não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.”

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Que são valores constitucionais penais com o intuito de fazer do direito penal um poderoso instrumento de proteção aos bens jurídicos relevantes socialmente. Entretanto, o que percebemos na lei dos crimes hediondos e no movimento de lei e ordem é a indiferença a estes princípios. Pois, para qual quer conduta típica, não importando sua relevância sócia, culpabilidade do sentenciado, a dignidade e a moral dos presos.

“A proliferação da torelância zero no sistema político-criminal brasileiro, somente somará na derrocada final de qualquer tentativa de sucesso no combate aos delitos. Impressiona, nessa ascensão, o papel de antítese que a imprensa nacional exerce, como já nos referimos. Manchetes sensacionalistas, discussões sobre a menoridade penal, diálogos em novelas (“pôxa, como o Rio está violento..”), entre outros, criam o ambiente perfeito para o chamado “processo social de idiotização”, onde repetimos frases feitas, chavões que interessam a poucos”[15].

E assim, percebemos por meio da política de tolerância zero, implementada pela lei dos crimes hediondosa, a banalização do direito penal, em que "proibir grande quantidade de ações diferentes não é prevenir delitos que delas possam nascer, mas criar novas", percebemos então que o Direito Penal apenas deve interferir em casos graves, quando outros ramos do direito não conseguirem resolver e que apenas ele seja capaz de ser eficaz, agindo no entanto em ultima ratio.

“Induvidosamente, ciências que tocam tão de perto a cidadania como o Direito Penal e o Direito Processual Penal tendem a assumir as feições do povo ao qual pertencem seus professores e estudiosos. Assim, é quase inevitável que se faça, no Brasil, um Direito Penal tipicamente brasileiro. Nisso não vai nenhum mal, até porque se ele tem de ter algum rosto, melhor que tenha o nosso, pois o alemão e o italiano são bons precisamente na Alemanha e na Itália. O mal nasce e medra se o Direito Penal assume a pior faceta, o pior ângulo da face desse povo. É trabalho que compete aos estudiosos, que de diferente do povo têm apenas o fato de poderem ver um palmo adiante do nariz procurarem simplesmente a melhor parte da "alma  popular" para seus Direito Penal e Processual Penal. Um aspecto da personalidade do povo latino que, induvidosamente, influenciou o Direito Penal, é o de enfrentar as agressões emocionalmente, através de contra-ataques virulentos, na procura constante de uma arma suficientemente potente para enfrentá-las, como se a potência fosse garantia de eficiência. Esse procedimento muito tem de estratégia militar, sendo que a emoção prejudica, induvidosamente, a visão tranqüila. Assim nasceu e vicejou, lamentavelmente, o Direito Penal do Terror", que não é expressão nossa, mas que vem sendo cada vez mais utilizada para designar a paranóia que tomou conta da experiência penal. Quais são suas características? Muitas, embora se possa obter consenso sobre as principais, a saber: criação de um clima de guerra, em que o criminoso é visto como um inimigo a ser alvejado, sanções penais violentas, discurso penal marcado pela demagogia, criação de tipos penais sem critério que não a necessidade contingente e, por vezes, falsa ou tendenciosa, de obter, da população, condutas ou omissão de condutas etc”.[16]

Enfim, percebemos que o Brasil historicamente costuma adotar o mesmo sistema penal dos Estado Unidos, e agora não ia ser diferente, sem fazer algum estudo sobre qual sistema criminal melhor se aplica no Brasil. Pois, cada lugar é um lugar, cada país possui dificuldades sócio-econômicas diferentes. Mas o Brasil é como aquele “guri que amarrava no pescoço uma gravata do pai, e saía jactancioso, sentindo-se adulto, igual ao pai...”[17]

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5 CONCLUSÃO

No presente trabalho, procuramos discorrer sobre a relação existente entre o Movimento norte americano de Lei e Ordem e a Lei de Crimes Hediondos do Brasil, das ideologias paralelas à de acabar com a descriminalização, que seja o de exterminar com os excrementos humanos que causam poluição visual aos olhos das pessoas que preferem esquecer que no mundo fora de seus bonitos e luxuosos carros e casas há uma briga pela sobrevivência. E por conta de diversos fatores sócio-econômico-estruturais existem diversas pessoas desempregas e por conta disso gera diversas mazelas como a mendicância, o tráfico de drogas, roubos, furtos, etc.

Concluímos que na sociedade atual, não há em se falar na política de tolerância zero, pois essa política não traz alguma estabilidade social, a não ser que falemos em estabilidade momentânea, no que chama Vera Andrade de espetácularização midiática, apenas para acalmar o estado de insegurança da sociedade, servindo como um calmante em que as pílulas são de farinha, falsas.

Pois passados aproximadamente 18 anos da edição da Lei dos Crimes hediondos – Lei n. 8.072/90 – não demonstrou eficácia, já que estudos estatísticos comprovam que não inibiu os crimes desta Lei, diga-se de passagem possuem as maiores penas de reclusão da legislação brasileira.

Diante de tudo isso, faço das minhas palavras as de Neto[18]: “já sem tempo, é  hora de adotarmos um Direito Penal equilibrado, em prol de uma sociedade mais justa e harmoniosa, com a mínima coerção e com a máxima efetividade”.

 

ReferênciaBARROS, Rodolfo A. L. Punishment and modern society. Disponível em: <http://www. espacoacademico.com.br/047/47res_garland.htm#_ftnref6>. Acesso em: 03 de junho de 2008. 14:25h BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de GUIMARÃES, Torrieri. São Paulo: Hermus,1983.GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. Niterói: Impetus, 2005.JESUS, Damásio E. de. Sistema Penal Brasileiro: execução das penas no Brasil. Disponível em: <http://campus.fortunecity.com/clemson/493/jus/m01-003.htm>. Acesso em: 03 de junho de 2008. 11:23hMIOTTO, Arminda Bergamini. Temas penitenciários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.NETO, João Baptista Nogueira. A sanção administrativa aplicada pelas agências reguladoras: instrumento de prevenção da criminalidade econômica. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/1884/729/1/jo%C3%A3o%20batista_final.pdf>. Acesso em: 01 de junho de 2008. 19:12hNETO, Napoleão Bernardes. Nova disciplina legal para a progressão de regime em crimes hediondos. São Paulo:Revista Jurídica, 2007.NOGUEIRA, Sandro D'amato. O STF, os crimes hediondos e a in(constitucionalidade) do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 –  tratamento jurídico igual para os desiguais?. Disponível em:

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<http://www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos/Artigo+84.htm>. Acesso em: 01 de junho de 2008. 12:06hPINHEIRO, Jorge. Tolerância Zero. Disponível em: <http://profjorgepinheiro.blogspot.com/ 2007/11/in-tolerncia-zero.html>. Acesso em 04 de junho de 2008. 14:55hSANCHEZ, Cláudio José Palma. Princípios constitucionais penais: perspectivas dos princípios constitucionais no campo penal. Disponível em: <http://professoraliza.spaces. live.com/blog/cns!2E6E79D93F50580F!228. entry>. Acesso em 04 de junho de 2008. 11:42hSANTOS, Simone Moraes dos. A coerção penal no âmbito da Lei dos Crimes Hediondos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4690>. Acesso em: 01 de junho de 2008. 09:12hWACQUANT, Löic. As prisões da miséria. Tradução por: TELLES, André. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em Busca das Penas Perdidas. 5°ed. São Paulo:Revan, 2001. Notas:* Paper apresentado à disciplina de Direito Penal Especial III, ministrada pela Prof.ª Maria do Socorro.[1] NETO, João Baptista Nogueira. A sanção administrativa aplicada pelas agências reguladoras: instrumento de prevenção da criminalidade econômica. p. 7.[2] NETO, op. cit.. p. 33. [3] JESUS, Damásio E. de. Sistema Penal Brasileiro: execução das penas no Brasil.[4] WACQUANT, Löic. As prisões da miséria. p. 25.[5] Idem. p. 17.[6] BARROS, Rodolfo A. L. Punishment and modern society.   [7] WACQUANT, Luïc. As prisões da miséria. Pp 77[8] SANTOS, Simone Moraes dos. A coerção penal no âmbito da Lei dos Crimes Hediondos.[9] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. p.61-62.[10] NOGUEIRA, Sandro D'amato. O STF, os crimes hediondos e a in(constitucionalidade) do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 –  tratamento jurídico igual para os desiguais?[11] NETO, Napoleão Bernardes. Nova disciplina legal para a progressão de regime em crimes hediondos. p. 92.[12] op. cit. p. 93-94.[13] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em Busca das Penas Perdidas. p. 12.[14] cf. MIOTTO, Arminda Bergamini. Temas penitenciários. p. 64.[15] PINHEIRO, Jorge. Tolerância Zero.[16] RAMOS apud NETO, João Baptista Nogueira. A sanção administrativa aplicada pelas agências reguladoras: instrumento de prevenção da criminalidade econômica. p. 32-33.[17] MIOTTO, Arminda Bergamini. Temas penitenciários. p. 64-65.[18] NETO, João Baptista Nogueira. A sanção administrativa aplicada pelas agências reguladoras: instrumento de prevenção da criminalidade econômica

    

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     O Direito Penal e o Processo Penal que conheci eram clássicos. Naquele tempo, por volta de 1956, os professores indicavam e adotavam as obras de Nélson Hungria, Magalhães Noronha, Bento de Faria, Basileu Garcia e Heleno Cláudio Fragoso. No Processo Penal, estudávamos em Walter Acosta e Espínola Filho. O Direito Penal, naquela época, tinha uma feição tutelar, fragmentária e de intervenção mínima. De acordo com os conceitos que aprendi naqueles manuais, a norma penal incriminadora visa a proteger os bens jurídicos fundamentais da sociedade. Não, porém, de forma absoluta. Resguarda somente os bens considerados os mais relevantes, como a vida, a incolumidade física, a honra, etc. E em relação aos interesses mais importantes, não os ampara de todas as condutas ofensivas, incriminando exclusivamente as de maior gravidade. Esse caráter fragmentário do Direito Penal o conduz ao seu âmbito de incidência. Pretende-se que seja de intervenção mínima e subsidiária, cedendo às outras disciplinas legais, como o Direito Civil, o Comercial, o Administrativo, etc.

         A tutela imediata dos valores primordiais da convivência humana, atuando somente em último caso (ultima ratio). Dadas as suas características, só deve agir quando os demais ramos do direito, os controles formais e sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa tutela (Nilo Batista, Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora Revan, 1990, pág. 84).

         Tivemos, entretanto, no final deste século e milênio, a introdução de um novo Direito Penal brasileiro, já atuante em outros países: simbólico, promocional, excessivamente intervencionista e preventivo, com fundamento na infusão do medo na população e na sugestão da suposta garantia da tranquilidade social. A difusão incontrolada de fatos aterradores, como latrocínios, estupros, homicídios, chacinas, etc. produz na população uma sensação de total insegurança. Valem-se disso os partidários do Movimento de Lei e Ordem, advogando medidas repressivas de extrema severidade.

         Preventivo, o Direito Penal de hoje descreve normas incriminadoras relacionadas a um sem-número de setores da atividade humana, pouco importando a natureza do fato, seja eleitoral, ambiental, referente ao consumo, Informática, etc. Atribui-se-lhe a tarefa de disciplinar os conflitos antes mesmo de serem regulamentados pelas disciplinas próprias dessas áreas. Com isso, perde o caráter de intervenção mínima e última, adquirindo natureza de um conjunto de normas de atuação primária e imediata. A sanção penal, por força disso, passa a ser considerada pelo legislador como indispensável para a solução de todos os conflitos sociais (Alberto Silva Franco, Crimes Hediondos, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 3ª ed., 1994, pág. 36 e nota 4). É o remédio para todos os males. Os políticos, como não têm projetos de impacto na área econômica e social, bandeiam-se para os lados do Direito Penal e Processual Penal, pugnando por medidas repressivas cada vez mais severas. Não é raro encontrarmos sobre o mesmo tema uma dúzia de projetos de leis, todos com o mesmo formato: repressivo e aterrador.

         Essa nova fisionomia da legislação criminal brasileira produz efeitos negativos. A natureza simbólica e promocional das normas penais incriminadoras, num primeiro plano, transforma o Direito Penal na mão avançada de correntes extremistas de Política Criminal. É o que está acontecendo no Brasil, onde movimentos de opinião partidária do princípio de lei e ordem pressionam o Congresso a elaborar leis penais cada vez mais severas. Sob outro aspecto, esse movimento faz com que o Direito Penal e o Direto Processual Penal percam a forma. Quanto ao estatuto penal, os tipos passam a ser

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descritos com a inclusão de normas elásticas e genéricas, enfraquecendo os princípios da legalidade e da tipicidade. Novas leis são incessantemente editadas, o que Juary C. Silva denomina "inflação legislativa" (A Macrocriminalidade, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1980, pág. 259) e Alberto Zacharias Toron, "esquizofrenia legislativa". Entram em vigor, "na mesma data de sua publicação", leis a granel, umas sobre outras, malfeitas, sem técnica, formando um emaranhado confuso e contraditório. No campo do processo penal, encurta-se a distância entre a investigação e o procedimento instrutório, desaparecendo o limite entre as fases investigatória e judicial. É o que acontece na vigência da Lei nº 9.034/95 (Lei do Crime Organizado), que, no art. 2º, regula meios de prova e procedimentos investigatórios "em qualquer fase de persecução criminal".

         É o império do "Movimento de Lei e Ordem", responsável pela perda da finalidade precípua do Direito Penal e da atuação disforme do Direito Processual Penal.

A pena passa a ser exclusivamente castigo e retribuição. Exemplo desse caráter retributivo da pena se encontra no art. 59 do Código Penal, que, disciplinando a individualização judiciária, determina sua dosagem de acordo com o que seja "necessário" para a "reprovação do crime". Mantém-se a reprimenda como castigo e expiação.

         A pena, segundo os princípios de lei e ordem, deve ser severa e duradoura. Foi o que ocorreu com a Lei dos Crimes Hediondos, que agravou as penas dos crimes de estupro, atentado violento ao pudor, latrocínio, etc. (art. 6º da Lei nº 8.082, de 25 de julho de 1990).

A execução da pena criminal, para a lei e ordem, deve ser de extrema severidade. A Lei dos Crimes Hediondos, atendendo a esse discurso, determinou o cumprimento da pena privativa de liberdade, nos crimes que considerou, em estabelecimentos penais de segurança máxima (art. 3º), proibindo a progressão nos regimes (art. 2º, § 1º).

         A prisão provisória, segundo os ditames de lei e ordem, deve ser ampliada. Nesse campo, a Lei dos Crimes Hediondos proibiu a fiança e a liberdade provisória (art. 2º, II), tendo ampliado o prazo da prisão temporária (art. 2º, § 3º). E a Lei do Crime Organizado, além de também impedir a liberdade provisória (art. 7º), fixou o seu termo máximo em cento e oitenta dias (art. 8º). Na fase recursal, proibiu a apelação em liberdade (art. 9º).

         O juiz, na fase de individualização e execução da pena, nos termos dos considerandos do Movimento de Lei e Ordem, deve ter menor poder. Durante o cumprimento da pena o controle deve ficar a cargo, quase que exclusivamente, das autoridades penitenciárias. Nesse aspecto, a Lei dos Crimes Hediondos impediu a individualização judicial na fase de cumprimento da pena, proibindo a progressão executória para regime menos rígido (art. 2º, § 1º), o mesmo ocorrendo com a Lei do Crime Organizado (art. 9º da Lei nº 9.034/95).

         Um dos princípios do "Movimento de Lei e Ordem" separa a sociedade em dois grupos: o primeiro, composto de pessoas de bem, merecedoras de proteção legal; o segundo, de homens maus, os delinquentes, aos quais se endereça toda a rudeza e severidade da lei penal. Adotando essas regras, o Projeto Alternativo alemão de 1966

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dizia que a pena criminal era "uma amarga necessidade numa comunidade de seres imperfeitos". É o que está acontecendo no Brasil. Cristalizou-se o pensamento de que o Direito Penal pode resolver todos os males que afligem os homens bons, exigindo-se a definição de novos delitos e o agravamento das penas cominadas aos já descritos, tendo como destinatários os homens maus (criminosos). Para tanto, os meios de comunicação tiveram grande influência (Raul Cervini, Incidencia de la "mass media" en la expansión del control penal en Latinoamérica, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1994, 5: 36), dando enorme valor aos delitos de maior gravidade, como assaltos, latrocínios, sequestros, homicídios, estupros, etc. A insistência do noticiário desses crimes criou a síndrome da vitimização. A população passou a crer que a qualquer momento o cidadão poderia ser vítima de um ataque criminoso, gerando a idéia da urgente necessidade da agravação das penas e da definição de novos tipos penais, garantindo-lhe a tranquilidade. E essa pressão alcançou os legisladores.

         Da aceitação dos princípios do "Movimento de Lei e Ordem" temos como exemplos recentes a Lei dos Crimes Hediondos e a Lei do Crime Organizado, respectivamente, Lei nº 8.072/90 e Lei nº 9.034/95.

         A Lei nº 8.072/90, com fundamento no Direito Penal simbólico, ao tempo do crescimento entre nós da prática do crime de extorsão mediante sequestro, resultou da pressão social sobre o fenômeno, derivando o agravamento da pena e o tratamento severo dos delinquentes, como a proibição da prisão provisória, graça e anistia, imposição do cumprimento integral da pena em regime fechado, restrição ao livramento condicional, etc. Isso causou um descompasso entre os delitos por ela tratados e os outros crimes, regidos ainda pelo Direito Penal clássico.

         Em 1994, por causa do homicídio de uma artista de televisão e da chacina de menores delinquentes por grupos extremistas, o legislador brasileiro editou a Lei nº 8.930, de 7 de setembro, incluindo no rol dos crimes hediondos o homicídio simples cometido em ação típica de grupo de extermínio e o homicídio qualificado. De péssima redação, o texto apresenta enorme dificuldade de interpretação.

         A Lei do Crime Organizado constitui nosso mais recente exemplo de normas simbólicas e promocionais. A Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995, que na verdade não trata do fenômeno do crime organizado e, sim, disciplina a produção de prova e procedimentos investigatórios, permite o "flagrante esperado retardado" em face de mera "suposição" da autoridade policial da existência de atividade criminosa de quadrilha ou bando (art. 2º, II). Não se exige nem indícios de autoria e materialidade do crime para o início das investigações. Além disso, desconhecendo nosso processo penal acusatório, atribui ao juiz a missão de pessoalmente colher provas, previsão de atuação judicial absurda e inconstitucional, estreitando os limites entre as fases de investigação criminal e de instrução processual.

         E esse pensamento tem chegado à jurisprudência, que tem admitido, nos delitos societários, o recebimento da denúncia carente de descrição da conduta dos acusados, bastando a narração genérica do fato (Supremo Tribunal Federal, Revista Trimestral de Jurisprudência, 101:563 e 114:228; Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus 3.335, 5ª Turma, DJ 07.08.95, pág. 23050). Transforma-se a instrução criminal em

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procedimento de coleta de dados, tornando tênue o limite entre a fase investigatória e a judicial instrutória, orientação muito nos moldes da "lei e ordem".

         Enfrentamos a falsa crença de que somente se reduz a criminalidade com a definição de novos tipos penais, o agravamento das penas já cominadas, a supressão de garantias do acusado durante o processo e a acentuação da severidade da execução das sanções, posição mundialmente generalizada, como expõe Hassemer (Fundamentos del Derecho Penal, 1984, pág. 94). Na palavra de Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini, "duas vêm sendo as premissas básicas dessa política puramente repressiva no Brasil: a) incremento de penas (penalização); b) restrição ou supressão de garantias do acusado" (Crime organizado, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, pág. 28). A sanção detentiva é cominada para delitos de grande e de pequeno poder ofensivo, sendo de pouca aplicação as penas alternativas, de modo que encontramos cumprindo pena privativa de liberdade, muitas vezes sem separação celular, infratores de intensa periculosidade e condenados que poderiam estar submetidos a medidas sancionatórias não-detentivas.

         Hoje, está desacreditada a idéia de que o delito é um comportamento anormal do homem e, por isso, deve ser combatido com princípios rígidos da lei da ordem. Nos tempos modernos, considera-se o crime como uma atitude, infelizmente, "normal", atingindo a humanidade de forma integral no tempo e no espaço, nos planos horizontal e vertical. O delito sempre existiu e sempre existirá. Ocorre em todos os países, em todas as civilizações, sejam quais forem os seus costumes, alargando-se no campo horizontal, tendo o dom da ubiquidade. Na vertical, praticado por homens bons e maus, atinge todas as camadas sociais, do mais humilde agrupamento humano ao mais desenvolvido socialmente. É impossível extingui-lo. Isso não quer dizer que o aceitamos. Pode-se, entretanto, reduzi-lo a níveis razoáveis e toleráveis (Antonio Garcia – Pablos de Molina, La prevención del delito en um estado social y democrático de derecho, in Estudios penales y criminológicos, 15:183 e ss.).

         O Direito Penal brasileiro se apresenta em péssimas condições, com respingos de poucas reações corajosas em alguns setores. O Governo Federal, que em alguns momentos parece claramente intencionado no sentido de impor um sistema criminal moderno e justo, outras vezes rende-se à pressão do movimento repressor. Incursionando no rumo da "Corrente de Lei e Ordem", a legislação criminal está colhendo o fracasso dos frutos de seus princípios. Além de não conseguir baixar a criminalidade a índices razóaveis, gerou a sensação popular da impunidade, a morosidade da justiça criminal e o grave problema penitenciário. O Processo Penal, que o executa, segue-lhe os passos: confuso e casuísta, não é aplicado de modo a tornar célere a resposta penal. Suas disposições mais severas, por falta de suporte estrutural, não são aplicadas, enquanto o juízes, acertadamente, fazem largo uso das que contêm benefícios. Na maioria das vezes para impedir que o réu ou condenado enfrente um sistema prisional desumano. O resultado é uma descrença total na Justiça: esta não funciona e, quando o faz morosamente, tropeça na falta de recursos, mau pagamento de seus funcionários, etc.

         A pena privativa de liberdade, como sanção principal e de aplicação genérica, está falida (Cézar Roberto Bitencourt, Falência da Pena de Prisão, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993). Manoel Pedro Pimentel, em 1977, já dizia que nesse campo "nosso insucesso é total" (O Estado de S. Paulo, edição de 1º de julho de 1977,

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declaração recordada e mencionada por Virgílio Donnici, A criminalidade no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1984, pág. 98). Urge que a prisão seja imposta somente em relação aos crimes graves e aos delinquentes de intensa periculosidade. Nos outros casos, deve ser substituída pelas medidas e penas alternativas e restritivas de direitos, como multa, prestação de serviço à comunidade, limitação de fim de semana, interdições de direitos, sursis, etc. (Jason Albergaria, Das penas e da Execução Penal, Belo Horizonte, Del Rey, 1995, pág. 38, 5.3). A aplicação irrestrita da pena de prisão e seu agravamento, como vem acontecendo no Brasil, não reduzem a criminalidade. Prova disso é que não conseguimos diminuí-la após o advento da Lei dos Crimes Hediondos e da Lei nº 8.930/94, esta incluindo algumas formas de homicídio no rol da Lei nº 8.072/90. Em outro plano, a imposição da pena privativa de liberdade sem um sistema penitenciário adequado gera a superpopulação carcerária, de gravíssimas consequências, como temos visto nas sucessivas rebeliões de presos, fenômeno que vem ocorrendo em todos os países.

         Essa é a posição das Nações Unidas e que deverá constituir o rumo do legislador penal no próximo milênio. No 9º Congresso da ONU sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente, realizado no Cairo (abril-maio de 1995), recomendou-se a utilização da pena detentiva em último caso, somente nas hipóteses de crimes graves e de condenados de intensa periculosidade; para outros delitos e criminosos de menor intensidade delinquencial, medidas e penas alternativas. A orientação não é nova. As Resoluções nºs 8 e 10 do 6º Congresso da ONU (Caracas, 1980), em caráter prioritário, encareceram a urgência dessas medidas. E a Resolução nº 1/83 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (Brasil) recomendou a aplicação daquelas duas Resoluções. Com isso, desafoga-se a Justiça e o sistema penitenciário, podendo aquela tratar com mais cuidado dos delitos mais graves. Desta forma, restaura-se o valor preventivo da justiça penal e da sanção criminal. Nesse congresso, ao qual comparecemos como representante brasileiro, tomamos conhecimento durante quase duas semanas de dezenas de depoimentos dos 1.600 delegados de 160 países a respeito do fracasso da pena de prisão. E os documentos que nos foram distribuídos são no mesmo sentido: a cadeia fracassou, devendo ser reservada para casos especiais. Dado importante está nas estatísticas: a reincidência é maior em relação aos condenados que cumpriram pena privativa de liberdade; menor, no tocante aos submetidos a medidas alternativas, como o sursis e a probation, ou a penas substitutivas ou alternativas, como a prestação de serviço à comunidade, que tem a preferência da comunidade mundial. E essas informações não constituem novidade. Há duas décadas que nos Estados Unidos a reincidência do egresso prisional varia de 40 a 80%; na Espanha, chega a 60% (Cézar Roberto Bitencourt, op. cit., pág. 149). No tocante a quem cumpriu pena ou medida alternativa, como o sursis, a reincidência não supera 25%.

         É, pois, crença errônea, arraigada na consciência do povo brasileiro, a de que somente a prisão configura a resposta penal. A pena privativa de liberdade, quando aplicada genericamente a crimes graves e leves, só intensifica o drama carcerário e não reduz a criminalidade. Com uma agravante: a precariedade dos estabelecimentos prisionais no Brasil, permitindo a convivência forçada de pessoas de caráter e personalidade diferentes. Por isso, como diz Raul Eugênio Zaffaroni, "devemos estar convencidos de que a pena privativa de liberdade é o recurso extremo com que conta o Estado para defender seus habitantes das condutas antijurídicas de outros" (Política Criminal Latinoamericana, Buenos Aires, Editorial Hammurabi,1982, pág. 29, d).

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         No próximo milênio, a sociedade que nos tem ouvido, porém não nos dá a devida atenção, afinal entenderá que o sistema criminal em que o Brasil tem insistido por mais de meio século deve ser abandonado, que o Direito Penal e o Processo Penal possuem a missão de preservar os direitos mais relevantes do homem, e não de resolver todos os problemas sociais. Nesse tempo, viveremos mais em paz e o Direito Criminal terá alcançado a sua meta.