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O agregador do marketing. www.briefing.pt Entrevista Fevereiro de 2011 25 fátima Sousa jornalista fs@briefing.pt “Sintra é um produto valioso. É história, é património, é paisagem, é gastronomia, são as gentes. É tudo. Não sou concorrente de Lisboa, Cascais, Oeiras ou Mafra. Somos complementares. Ganhando uns, ganham os outros. Quem julga que ganha tudo, ganha muito pouco. Eu ganho com os outros. Preciso de trazer pessoas a Sintra, mas não quero que deixem de visitar Lisboa, Cascais ou Mafra”, afirma Fernando Seara que, em nove anos, reconverteu a vila e o concelho - e criou a marca “Sintra, capital do romantismo” Sintra é um produto valioso e complementar dos vizinhos fernando Seara, presidente da Câmara Municipal de Sintra Briefing I Preside à câmara de Sintra desde as eleições de 2001. Nessa altura era deputado. O que o motivou a candidatar-se a uma autarquia? fernando Seara I Costumo dizer que não sou presidente da câmara, estou presidente da câmara. E es- tou presidente da câmara por aquilo a que, em Ciência Política, se pode designar um equívoco eleitoral. Não me candidatei para ganhar. Candi- datei-me para perturbar a maioria absoluta do Partido Socialista, en- tão liderado em Sintra por Edite Es- trela. E candidatei-me porque na di- recção do partido (PSD) estava, na altura, um amigo de universidade, o José Manuel Durão Barroso, que me convenceu a concorrer a Sintra. E convenceu-me com base em son- Ramon de Melo >>>

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Entrevista com Fernando Seara

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O agregador do marketing.

www.briefing.pt Entrevista

Fevereiro de 2011 25

fátima Sousajornalista

[email protected]

“Sintra é um produto valioso. É história, é património, é paisagem, é gastronomia, são as gentes. É tudo. Não sou concorrente de Lisboa, Cascais, Oeiras ou Mafra. Somos complementares. Ganhando uns, ganham os outros. Quem julga que ganha tudo, ganha muito pouco. Eu ganho com os outros. Preciso de trazer pessoas a Sintra, mas não quero que deixem de visitar Lisboa, Cascais ou Mafra”, afirma Fernando Seara que, em nove anos, reconverteu a vila e o concelho - e criou a marca “Sintra, capital do romantismo”

Sintra é um produto valiosoe complementar dos vizinhos

fernando Seara, presidente da Câmara Municipal de Sintra

Briefing I Preside à câmara de Sintra desde as eleições de 2001. Nessa altura era deputado. O que o motivou a candidatar-se a uma autarquia?fernando Seara I Costumo dizer que não sou presidente da câmara,

estou presidente da câmara. E es-tou presidente da câmara por aquilo a que, em Ciência Política, se pode designar um equívoco eleitoral. Não me candidatei para ganhar. Candi-datei-me para perturbar a maioria absoluta do Partido Socialista, en-

tão liderado em Sintra por Edite Es-trela. E candidatei-me porque na di-recção do partido (PSD) estava, na altura, um amigo de universidade, o José Manuel Durão Barroso, que me convenceu a concorrer a Sintra. E convenceu-me com base em son-

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“Sou o primeiro presidente em todo o século XX a ser

eleito para um terceiro mandato em Sintra. Não o digo com um

sentimento de elogio fácil, mas é um facto”

dagens que eram tão peremptórias, tão peremptórias quanto à derrota, que eu aceitei. Mas o povo decidiu eleger-me e a partir de Janeiro de 2002 vivi Sintra como se fosse uma paixão permanente. Durante uns dois meses ainda tentei compati-bilizar a câmara com as aulas, mas constatei que o IC19 era impossível para cumprir horários e que os alu-nos não podiam estar à espera de um professor que chegava 10, 15 ou 30 minutos atrasado. Dediquei- -me então em exclusividade a Sin-tra, tendo consciência de que nos primeiros tempos tinha de apren-der a ser presidente de câmara, conhecer a realidade do concelho e perceber duas coisas essenciais: porque é que o PS tinha perdido e as razões por que eu tinha ganho. Briefing I E chegou a resolver essa equação?fS I Sim, cheguei a perceber. A aná-lise política é sempre a análise de que não se ganha per si, ganha-se porque uma eleição é uma competi-ção e uma competição é o resultado de uma relação entre governantes e governados. Tive de saber como é que a equação se desequilibrou para um lado e se equilibrou para o outro. E tanto assim que percebi que sou o primeiro presidente em todo o século XX a ser eleito para um terceiro mandato em Sintra. Não o digo com um sentimento de elo-gio fácil, mas é um facto.

Briefing I Tudo começou então como um desafio…fS I Estou em Sintra em razão de um desafio e continuo em Sintra já como um desafio pessoal. Na vida, quando somos confrontados com grandes desafios, temos de tentar perceber se temos força e convic-ção para os ultrapassar. É o que te-nho feito.

Briefing I Mas era, de certa forma, um convite para perder… Estava preparado para governar o con-celho?fS I Nós, os que damos Direito e que já tivemos responsabilidades na es-fera do poder executivo, temos uma certa noção de que conhecemos o Estado, mas a realidade municipal

é diferente. Quem diz que chega a uma câmara e conhece tudo não diz a verdade. Uma câmara tem um conjunto de dificuldades para as quais não estamos preparados. Eu voltei a estudar. Cada dia preparava a aula para o dia seguinte. Levava papéis para casa, fazia num post-it amarelo as minutas dos despachos, pedia a colaboração de quem já es-tava na câmara. Fui estudando, fui vendo a prática, fui-me adaptando. Foram cinco, seis meses de apren-dizagem sistemática.

Briefing I é diferente como?fS I Implica, por exemplo, às nove da manhã, depois de passar pelo leão de pedra da entrada da câ-mara, subir a escadaria e encon-trar ao cimo a dona Ermelinda, de Almargem do Bispo, que tem uma questão concreta: a fossa da casa para limpar. No esquema tradicio-nal português, e bem, esta é a po-lítica de proximidade. Ela olha para mim e diz ‘ó Dr. Fernando, a fossa rebentou’. Isto às nove. Às 10, nes-ta sala, está um investidor inglês, acompanhado de consultores de dois bancos ingleses, que quer investir em Sintra cem milhões de euros. Entre a dona Ermelinda e o investidor inglês tenho de mudar o chip, mas não mudo, nem poderia mudar, a forma de relacionamento. Os graus de responsabilidade são equivalentes, ambas as situações cabem nas competências de presi-dente da câmara. Só a responsabi-lidade financeira é diferente nesses 60 minutos.

Briefing I Que concelho encon-trou? fS I Percebi, desde logo, que havia necessidade de elevar a auto-esti-ma do concelho. Na altura, Sintra tinha uma percepção externa de muito betão, muito betão, e era preciso mostrar para além disso. Depois constatei que quem vinha de Lisboa para Sintra demorava uma hora, uma hora e um quarto a chegar. Foi a consciência das (não) acessibilidades. A terceira nota era que Sintra estava isolada, não era pensada numa lógica integradora com os concelhos limítrofes. O que me propus foi mudar a realidade do

“Para chegar a Sintra havia quatro faixas de estrada. Para Cascais havia oito ou dez. Lutei pelo alargamento do IC19 e pela construção da A16 e da A30. Havia que fazer a ligação rápida ao Taguspark como elemento de atractividade. O resultado foi conseguir 12 faixas de acesso a Sintra”

“Estou presidente da câmara por aquilo a que, em Ciência Política, se pode

designar um equívoco eleitoral. Não me

candidatei para ganhar. Candidatei-me para perturbar a maioria

absoluta do PS, então liderado em Sintra por

Edite Estrela”

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concelho a partir da identificação destas questões.

Briefing I Comecemos pelas (não) acessibilidades. Em que medida prejudicavam o concelho e o que fez para as melhorar?fS I As acessibilidades são funda-mentais. Quando cheguei à câmara vigorava, porventura, a economia dos espaços. Havia uma lógica

competitiva entre os concelhos li-mítrofes sem se dar a entender que eram competitivos, era a chamada simulação da não competitividade. Mas hoje em dia vivemos numa economia de fluxos, cada vez mais o mundo está em rede, e eu tinha a percepção de que, sem aumentar as acessibilidades, não era com-petitivo e sem ser competitivo não tinha capacidade de reconverter

Fernando Seara está a meio mandato de deixar a presidência da câmara de Sintra. O fim de uma etapa, porque não há outra autarquia que ambicione. No seu horizonte está, isso sim, regressar às aulas. E “voltar a sujar” o gabinete de advogado, “limpinho” há nove anos. Tem saudades da barra como tem saudades de um anfiteatro cheio de alu-nos. Mesmo quando esses alunos o recebem com um sorriso matreiro na manhã seguinte a uma derrota do Benfica. “Já viu o que é entrar às oito da manhã no anfiteatro n.º 1 do ISCSP e olhar para os alu-nos e ver que a primeira coisa que fazem é mostrar um jornal desportivo com a derrota espalhada?” No Porto ainda era pior. É uma meada sem fim, a das estórias que tem para contar das quintas-feiras de aulas na Lusía-da. Perder frente ao FC Porto, como aconte-ceu uma vez por 4-0, dava azo a piadas com sotaque de Rio Tinto: “Ó professor, então o indicativo de Lisboa mudou para 04?”. Quem assim o desafiava não ficava sem resposta e o mais provável era ouvir um “prepara-te bem para a oral porque te vou perguntar quantas vezes já foste campeão”… O Benfica é uma paixão. Capaz de o fazer perder a cabeça. O suficiente para dar con-sigo numa invasão de campo, contra o “não comportamento amigável” do árbitro. Tinha uns 13 anos. De então para cá, é noutros campos que faz a defesa do seu clube. Na televisão, agora na TVI 24, depois de uma passagem pela SIC Notícias e pela RTP. A estreia aos microfones aconteceu na Rádio Renascença, com “Os factos e os protago-nistas” a cada sábado. Sempre convivendo com “pessoas amigas” e assumindo que “cada discussão não é a última discussão”. Pessoas como o portista Pôncio Monteiro, seu parceiro de debate no programa “Pro-

longamento”, falecido a 21 de Dezembro último.” Foi uma grande perda. Era, acima de tudo, um amigo. E quando se perdem os amigos fica-se pobre, tão pobre”. Pes-soas como Eduardo Barroso, cirurgião de reputação tão grande como a paixão pelo Sporting: “É extraordinário como consegue fazer um transplante, que é uma operação tão exigente, e duas horas depois se abs-trai e entra na defesa, por vezes totalmente exagerada, de um penálti que todos vimos que não foi penálti…” Ou como Dias Ferrei-ra, outro sportinguista com quem esgrimiu argumentos no programa “O dia seguinte” e ao lado de quem assistiu ao discurso de vitória de Cavaco Silva nas eleições de 23 de Janeiro. As rivalidades clubísticas são pormenores, ainda que seja bom assumir a diferença, o confronto. Aos que não assumem o que são – “é um problema português” – Seara reco-menda que leiam António Damásio e per-cebam que “as emoções são fundamentais para as estabilidades”. Que Fernando Seara assume as suas emoções não fica dúvida ao ouvi-lo falar. Com entusiasmo. De Sintra ou dos seus tempos de aluno no Colégio Militar, onde ingressou aos 10 anos. Aprendeu cedo a disciplina, mas também a solidariedade. Mesmo quando, por vezes, uma se sobre-punha à outra. Como acontecia às quartas, dia de jogo na Luz. Já então era ferrenho e iludia a ronda em nome do espectáculo que desfrutava do terceiro anel. “Aquela equi-pa”: Eusébio, Jaime Graça, Mário Coluna, José Augusto, Torres, Simões… “Se fôsse-mos apanhados estávamos desgraçados”: eram noites inolvidáveis, a comer queijadas de Sintra – “Veja o que é isto, aos 12 anos a comer queijadas e passados tantos anos presidente de Sintra… Nunca sonhei”.

Inolvidáveis eram também as viagens até Vi-seu, a terra natal. A primeira, em Dezembro de 1966, sozinho, com um bilhete de com-boio e 25 tostões no bolso. No Sud-express: “Comi das melhores chouriças, do melhor queijo e da melhor marmelada da minha vida. As famílias dos emigrantes tinham pena de mim e ofereciam-me comida. Passei viagens de oito, nove horas extraordinárias”. Foi um Portugal que o marcou, esse de 1966 a 1971: “Temos obrigação de não esquecer. Era um Portugal que tinha auto-estima no meio da desgraça”.A auto-estima que hoje rareia: “Falta a muita gente andar de comboio aos dez anos… Não há mal nenhum em comer uma chouriça vin-da de uma mão que não se conhece e que se agradece”.O Colégio Militar chegou-lhe por influência de uma ala da família. O curso de Direito por influência da outra. Lisboa foi novamente o destino, ditado pelo entendimento de que o escritório de advocacia da família em Viseu carecia de alguém que aprendesse numa faculdade que começava a ganhar peso em matéria de Direito Público, por via de discí-pulos de Marcelo Caetano como Freitas do Amaral ou Jorge Miranda. De aluno, passou a assistente. Não ocupou o lugar que lhe es-tava reservado no escritório do pai. Já Viseu mantém um lugar de eleição na sua vida: “Sou viseense de coração. As minhas raí-zes estão em Viseu, nunca deixarão”. Seara acredita que “no mesmo berço se nasce e se morre”.Verdade que as raízes têm pesado nas suas escolhas. Na da política também. Com um bisavô deputado e outro senador na I Repú-blica, está-lhe no sangue. E é um bichinho, que se entranha. O regresso está, pois, em aberto…

Saudades da barra e dos anfiteatros cheios de alunosVIDA

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“Quem diz que chega a uma câmara e conhece tudo não diz a verdade. Uma câmara tem um

conjunto de dificuldades para as quais não

estamos preparados. Eu voltei a estudar”

a marca de Sintra. Costumava di-zer que para chegar a Sintra havia quatro faixas de estrada, enquanto que para chegar a Cascais havia oito ou 10. Era claro! A minha luta foi alargar o IC19, por fases, e ar-ranjar mais saídas, de modo a evitar estrangulamentos. Depois lutei pela construção da A16 e da A30, que multiplicavam as entradas em Sin-tra. Havia que fazer a ligação rápida

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Convidámos o presidente da câ-mara a traçar o roteiro de um dia bem passado em Sintra. É um roteiro com paragem num boca-dinho de tudo o que a vila tem para oferecer, para ir uma vez e regressar:“Nada como começar logo de manhãzinha com uma fantásti-ca viagem no velhinho eléctrico de Sintra, verdadeiro património centenário, a partir do qual se pode desfrutar das mais belas paisagens.Depois, proporcionar aos mais pequenos uma visita pedagógica, mas divertida, ao Museu da Ciên-cia Viva de Sintra. Bem perto, e agora dirigido aos mais cresci-dos, um salto até ao Museu de Arte Moderna. “A Mãe das Mães” é uma exposição a não perder.Depois de alimentado o espírito, é hora de alimentar o corpo. Em Sintra, a escolha é difícil! A seguir é necessário queimar as calorias adquiridas com a deli-ciosa gastronomia sintrense com uma visita à Quinta da Regaleira ou à Pena ou ainda a Monserrate. Ali bem perto, um encontro com a história no palácio mais medie-val de Portugal: o Palácio da Vila. Como é necessário voltar a repor energias, impõem-se as queija-das e os travesseiros de Sintra. Imperdíveis!!! Ou, então, pode- -se sempre optar por jantar mais cedo e depois terminar o dia com um espectáculo no Centro Cultu-ral Olga Cadaval. Para os mais noctívagos, a oferta de bares bem animados em Sin-tra é variada.Mas, um dia não é suficiente para conhecer a verdadeira essência de Sintra. O melhor mesmo é vi-rar costas ao IC19 (que diferen-ça!!) e pernoitar por cá! Porque acordar em Sintra é inspirador para mais um dia em grande. Em Sintra, claro!!!”

As escolhas do presidenteROTEIRO

Começar de manhãzinha com uma fantástica viagem no velho eléctrico

A guanapada tem muito a aprender no Museu da Ciência Viva O Palácio da Pena proporciona uma experiência única aos visitantes

Cheia de símbolos maçónicos, a Quinta da Regaleira é óptima para fazer a digestão

A praia da Maçãs pode não ser grande, mas é muito bem feitinha…

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“Tive consciência de que Sintra tinha de se integrar numa lógica de promoção e competitividade com os concelhos que

lhe são próximos: Lisboa e Cascais, sem ignorar os eixos de proximidade

com Oeiras e Mafra”

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ao Taguspark como elemento de atractividade. O resultado foi conse-guir 12 faixas de acesso a Sintra. E isso é importante porquê? Para que os vários sítios do concelho tenham capacidade competitiva. Vir do ae-roporto a Sintra em 25 minutos faz toda a diferença. Ainda nos falta, nesta luta, que se termine o fecho da CRIL. E convencer a Força Aérea e algumas forças da Administração Central de que a Base de Sintra pode ser interessante para as com-panhias low-cost.

Briefing I Quando fala no isola-mento de Sintra fala, de quê?fS I Não se pode pensar Sintra só por si. Tive consciência de que Sin-tra tinha de se integrar numa lógica de promoção/competitividade com os concelhos que lhe são próximos. Quais? Os que têm a ver com a identidade das procuras contempo-râneas: Lisboa, a capital, Cascais, sem ignorar os eixos de proximida-de com Oeiras e Mafra. Era impor-tante deixar de pensar Sintra como uma ilha e integrá-la no produto tu-rístico das múltiplas ofertas da Área Metropolitana Norte de Lisboa. Só a partir desse elemento integrador desenvolvemos mecanismos de di-ferenciação que culminaram com a marca “Sintra, capital do romantis-mo”. Deixou-se de namorar no IC19 e já se pode vir namorar com tempo nos parques, palácios e hotéis de Sintra…

Briefing I Desenvolveu, com consciência, uma estratégia de marketing ou acabou por ser ine-rente à concretização dos seus objectivos para Sintra?fS I O marketing pressupõe a iden-tificação da marca e a acessibilida-de da marca aos diferentes níveis. E um deles (essencial) é a própria acessibilidade. Foi determinante pa- ra que, hoje, Sintra tenha múltiplas buscas. Fui aprendendo vendo os outros. Sempre que saía em viagem particular ia a livrarias de cada lugar para perceber quais eram os ele-mentos de identificação desse des-tino. E cheguei à conclusão de que Sintra tinha tudo para atrair os no-vos turistas, aqueles que não que-rem apenas sol e praia, querem um

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Nada melhor que um espectáculo no Olga Cadaval para rematar o dia

O Palácio da Vila é o mais medieval de Portugal

Os jardins do Palácio de Monserrate são encantadores

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bocadinho de tudo, de história, de cultura, de gastronomia. E fui-me apercebendo de que Sintra tinha uma característica única - ser patri-mónio da Humanidade. Sintra tem o privilégio de ter sido a primeira paisagem cultural da UNESCO na Europa. E que já poucos poderão ter, porque a UNESCO restringiu o acesso à classificação. Havia que aproveitar este privilégio e desen-cadear os mecanismos de multipli-cação da atractividade.

Briefing I Como é que fez valer esse trunfo na promoção de Sin-tra?fS I Com muita persistência. Com equipas de excelência. Investindo no património, também investindo em publicidade e marketing. Multi-plicando a nossa presença nos fó-runs onde a capacidade de atracti-vidade se repercute. Foi, aliás, essa presença que nos levou a ganhar a organização, em Novembro deste ano, do congresso das cidades pa-trimónio mundial.

Briefing I Que conceito está na origem dessa estratégia promo-cional?fS I O que queremos é trazer os turistas a Sintra e fazer com que tenham vontade de cá voltar. Ve-nham uma vez e regressem. Por-que queremos voltar a tê-los em Sintra. Estamos preparados para os ter cá. Esse é o conceito.

Briefing I E quais são os elemen-tos de atractividade para os dife-rentes públicos?fS I A nossa estratégia passa por aproveitar o que temos para mul-tiplicar o que mostramos. Aposta-mos numa defesa sistemática da combinação entre o histórico e o contemporâneo, para responde a um novo turista que exige conhe-cer. O que queremos, como já dis-se, é que o turista venha e volte. E procuramos dar-lhe sempre novos motivos. O ano passado inaugurá-mos o Museu de História Natural; estamos a recuperar, no âmbito da empresa Parques de Sintra – Mon-te da Lua, e vai ser inaugurado este ano, o chalet da condessa d’Edla, trazendo à memória os amores de

D. Fernando II. Propomos a revisi-tação da Quinta da Regaleira, uma visita aos elementos emblemáticos do Palácio da Pena, a reconstrução de Monserrate… São bibelots em qualquer parte do mundo, nós é que não temos noção. Podia ainda falar do Museu do Brinquedo ou do Museu do Ar, um espaço único na Europa com verdadeiras relíquias da aviação. Há muitos motivos para visitar Sintra, seja o turista interno, seja o externo. Os espa-nhóis, franceses e italianos são o nosso principal público europeu, mas começamos a ter um sector russo bastante interessante que vem à procura de história. E temos de nos preparar para receber os turistas chineses que, dentro de 10 ou 15 anos, serão como os japone-ses ou os sul-coreanos.

Briefing I A marca existe. E o pro-duto?fS I O produto é valioso. É história, é património, é paisagem, é gas-tronomia, são as gentes. Já viu? É tudo. É um prazer múltiplo. Vai- -se à Pena e é romântico, vai-se ao travesseiro e à queijada e são ca-lorias, passa-se pela Volta do Du-che e pela Sapa e relembra-se “Os Maias”, vai-se a Monserrate e são as famílias inglesas, vai-se ao Cabo da Roca e vê-se o fim do mundo, olha-se para cima e vê-se o monte da Lua. Sintra é isto.

Briefing I A reputação é um ac-tivo que, a prazo, constitui uma fonte de riqueza. Aconteceu as-sim em Sintra?fS I Sintra está em terceiro lugar no indicador de desenvolvimen-to municipal, só atrás de Lisboa e Coimbra. Temos importância no potencial demográfico e no dina- mismo económico. E estamos no top 5 daquilo que se chama a capacidade de influenciar o exte-rior. Eu identifico Sintra como um BRIC: tal como os chamados pa-íses emergentes contemporâne-os (Brasil, Rússia, Índia e China) tinham população e território, nós também temos. A área de Sintra é igual ao somatório das áreas de Lisboa, Cascais, Oeiras, Odivelas, Amadora e quase um terço de Lou-

“O marketing pressupõe a

identificação da marca e a acessibilidade da marca aos diferentes

níveis. E um deles (essencial) é a própria

acessibilidade”

“Sintra tem tudo para atrair os novos turistas, aqueles que não querem apenas

sol e praia, querem um bocadinho de tudo, de história, de cultura, de gastronomia. E uma característica única:

o privilégio de ter sido a primeira paisagem cultural da UNESCO

na Europa”

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res. Temos quatro vezes mais área do que Lisboa, sem as pessoas se aperceberem. São dois mil quiló-metros de estradas municipais. E temos população. Temos meio milhão de pessoas e um território imenso para o conjunto das áreas dos concelhos limítrofes. Ter área é importante porque significa que ainda temos sítios onde pode-mos crescer, nos novos tipos de desenvolvimento contemporâneo.Para além da regeneração urbana, nos próximos anos vão-se colocar questões importantes como a sus-tentabilidade das populações. Vão ser necessários locais para desen-volvimento de uma agricultura de proximidade, por exemplo, quer devido às alterações climáticas, quer devido ao aumento do pre-ço dos combustíveis, quer mesmo devido à carestia de produtos es-senciais. Temos de ter noção das mudanças do mundo.

Briefing I Com população e ter-ritório, ainda assim a sede do município é uma vila. Nunca am-bicionou ser cidade?fS I Sintra tem essa característica de ser uma vila sede de um muni-cípio com duas cidades de mais de cem mil habitantes. Sintra co-meça em Queluz, que tem cem mil habitantes, continua no Cacém, que tem outros cem mil, e chega a Algueirão-Mem Martins, que é a maior freguesia da Europa, com 90 mil habitantes. Explicar esta reali-dade administrativa a alguns presi-dentes de câmara que me visitam é quase impossível, mas é interes-sante. É mais uma singularidade de Sintra. Sintra não quer ser cidade, quer continuar a ser vila e tem mui-to orgulho em ser vila romântica.

Briefing I Ainda a propósito do território e dos fluxos, como é que Sintra se diferencia dos con-celhos vizinhos?fS I A diferenciação é natural, exis-te à partida. Não sou concorrente de Lisboa, não sou concorrente de Cascais, nem de Oeiras, nem de Mafra. Somos todos complemen-tares. Ganhando uns, ganham os outros. Não posso querer ganhar tudo. Aliás, quem julga que ganha

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Edição vídeo desta entrevista

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“Não se pode pensar Sintra como uma ilha. Tivemos de integrá-la no produto turístico

da Área Metropolitana Norte de Lisboa. Só a partir desse

elemento integrador, desenvolvemos mecanismos de

diferenciação que culminaram na marca

‘Sintra, capital do romantismo’”

“Deixou-se de namorar no IC19 e já se pode vir

namorar com tempo nos parques, palácios e

hotéis de Sintra…”

tudo ganha muito pouco. Eu ganho com os outros. Preciso de trazer pessoas a Sintra, mas não quero que deixem de visitar Lisboa, nem de ir a Cascais ou Mafra. Não te-nho essa visão exclusivista.

Briefing I Uma das questões que identificou, há nove anos, foi a necessidade de elevar a auto- -estima dos sintrenses como ele-mento essencial da reconversão da marca. Conseguiu-o? Como?fS I Conseguiu-se. Fomos mos-trando Sintra com sinais positivos, como um espaço de múltiplas vi-sitas, de múltiplos encontros. Nes-se processo, uma das coisas mais interessantes é o sucesso dos ro-teiros queirosianos, que esgotam com meses de antecedência. Tra-zem a Sintra jovens e menos jovens que percorrem os sítios referencia-dos na obra de Eça de Queirós. Em Sintra passaram e viveram nomes fantásticos da literatura nacional e mundial, e da música mundial. E, se passaram por Sintra e escreve-ram o que escreveram, e cantaram o que cantaram e tocaram o que tocaram, nada disso se apagou. Apenas somos uma ponte entre um passado que respeitamos, e admiramos e um futuro que esta-mos a construir. Temos de olhar para os nossos avós e ter orgulho, e para os nossos filhos e dizer-lhes que têm a obrigação de continuar. Aos meus alunos explicava que a teoria do utilitarismo de Stuart Mill se baseia em duas realidades: o prazer e a dor. E aos sintrenses digo que tenham prazer em Sintra e diminuam a dor sobre Sintra.

Briefing I Agora que está a meio do terceiro mandato, diria que a sua estratégia tem dado resulta-dos?fS I Quando se fala em Sintra tem--se vontade de ir a Sintra. E de re-gressar!

Briefing I “falar bem de Sintra” era, aliás, o lema da sua primeira campanha. Com que objectivo?fS I Foi o princípio da identificação da auto-estima. A busca na com-petição política é como na compe-tição empresarial: é o assumir da

diferença (perante os concorren-tes) e o assumir dos elementos de identificação e agregação. A ques-tão essencial é ‘porque é que tu vens comigo’ ou ‘porque é que tu vais a’. E a mensagem tem de ser ‘vem porque vale a pena’; no caso de Sintra ‘vem porque tens histó-ria, tens paisagem, tens um espa-ço que é único porque é património mundial’.

Briefing I Essa mensagem pare-ce mais virada para o exterior do que para os eleitores…fS I Uma pessoa só consegue ter capacidade agregadora olhando pa-ra fora. Num espaço imenso como Sintra tem de se olhar para fora.

Briefing I Este é o seu último mandato. O que é lhe falta fazer?fS I Nos próximos tempos tenho de ser tão realista, tão realista para que, perante a crise económica, não fique minimamente perturbada a auto-estima que ajudei a cons-truir nos últimos anos. Se não tiver-mos auto-estima não temos sen-tido de pertença; se não tivermos sentido de pertença não temos valor; se não tivermos valor não te-mos desenvolvimento; se não tiver-mos desenvolvimento não temos competitividade; se não tivermos competitividade não temos atrac-tividade; se não tivermos atractivi-dade não temos auto-estima. E a auto-estima é suscitar emoção in-terior, é interiorizar que vale a pena e multiplicar externamente esse sentimento de que vale a pena.

Briefing I Sintra é uma marca com a sua marca?fS I Não quero ser lembrado com o meu nome nas placas de inaugu-ração – só está numa, porque fui enganado… Quero ser lembrado por duas coisas: por ter multiplica-do as acessibilidades e por ter con-tribuído para elevar a auto-estima de Sintra. Quero que as pessoas digam que são de Sintra. E ser de Sintra é ser sintrense, das múltiplas Sintras que Sintra tem.

Briefing I Sente-se de Sintra?fS I Sou sintrense adoptivo. Não fui adoptado. Eu que é me adoptei.

“A nossa estratégia passa por aproveitar o que temos, para multiplicar o que

mostramos. Apostamos numa defesa sistemática da combinação entre o histórico e o contemporâneo, para

responder a um novo turista que exige conhecer”