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Revistcentrevista

Entrevista com Kamila Fernandes, dia 02 de outubro de 2014.

Ana Maria - Kamila, nós conversamos comua irmã (Karolina Fernandes) e ela nos con-ou que vocês foram educadas para estudar

e se tornarem mulheres independentes. Elambém nos falou que vocês não tiveram lu-

os durante a infância. De que forma os paise vocês agiam para que vocês tivessem essa

educação e estudassem para vocês se torna-em mulheres trabalhadoras e independentes?

Kamila - A gente estudava em escolaública, mas era uma boa escola. Não tinhama situação de vida confortável, mas não

faltavam as coisas. Tinha, mas não era so-brando. Não era algo que chamasse nossaatenção, que a gente pensasse: "Ai, eu que-ria isso, mas não posso". A gente não tinhaessa mentalidade, nem eu nem ela. Mas, nanossa infância, meu pai (Martinho Fernan-des), aos poucos, foi se jogando na bebida.Ele virou alcoólatra e brigava muito com aminha mãe ... Minha mãe (Maria AparecidaBossato Fernandes) foi quem conduziu esseesforço para que a gente se tornasse mu-heres independentes. Como somos só nós

duas ... Então, era realmente uma cobrançamuito pesada. Eu era ótima aluna, minhairmã também. A gente só tirava nota alta. Àsvezes, eu chegava superfeliz porque tinhasido a única a tirar um dez... E minha mãevirava e falava assim: "Não fez mais que suaobrigação" (fala de forma ríspida). Na épocaeu ficava chateada (ênfase), mas hoje em diaeu entendo porque ela tava construindo isso,essa busca por entender que a gente tinhade se esforçar.

Com 15 pra 16 anos, eu já comecei a traba-lhar, mas mesmo assim continuei estudando.Karolina também começou a trabalhar cedo.Enfim, fomos trilhando um caminho pensan-do que a gente tinha de vencer. Não financei-ramente, mas vencer profissionalmente. Teruma profissão, sermos pessoas ... Eu já tinhaum viés mais crítico, político. Era envolvidacom luta estudantil na escola, coisa bem pe-quena, mas gostava. E, com esse olhar, achavaque esse era o caminho, porque eu via minhamãe presa naquele mundo. Ela reclamava quenão podia sair daquela situação, daquele ca-samento, mesmo infeliz com relação ao meupai ... Depois ele parou de beber, ainda bem, eudo melhorou. Mas foram muitos anos ruins,

uma crise pesada. Ela ficava naquela situaçãoporque não tinha uma profissão, não tinha es-

tudado e falava: "Não! Vocês não vão passarpor isso. Vocês vão ser independentes. Vocêsvão ter a vida de vocês". E a gente incorporouisso pra nossa vida.

Oavid - A gente observa que vocês tiveramesse senso de responsabilidade desenvolvidodesde cedo, então tem a ver não só com aquestão financeira, mas também com os pro-blemas da família ...

Kamila - Eu acho que sim. Eu tava atéfalando outro dia com meu marido, Fábio(Fábio Freitas Marques, jornalista), que eusempre tive medo porque minha filha (AnaClara Fernandes) sempre teve a vida muitofácil, com a família estruturada ... Eu me se-parei do pai dela, mas não foi nada que aafetasse muito intensamente ... Existe muitoessa situação de gente que tem a vida mui-to fácil e depois fica desestimulado, não vaiadiante, não cresce. Eu acredito que, às ve-zes, os problemas ajudam a nos levar prafrente. Você quer superar, sair daquilo e viveruma vida melhor, então isso o motiva. Masse você não tem uma motivação, o que omotiva? Pode ser uma família boa. O Fábiosempre (teve) uma família boa e estruturada,então eu falo: "Meu, é uma esperança". (ri-sos)

Também era um momento diferente doPaís,com a volta à democracia (Período da re-democratização no Brasil, que se inicia como governo Ernesto Geisel, de 1974 a 1979, etermina com a eleição indireta de TancredoNeves, em 1985), toda essa discussão afeta-va a gente também. Depois, quando o Collor(Fernando Col/or de Me//o - ex-presidente doBrasil, de 1990 até 1992) tomou a poupança ...Meu pai na época ficou meio mal, pensandonessas coisas de dinheiro. E a gente foi toman-do uma consciência mais precoce, mas semdeixar de ser criança. Eu brincava de boneca,tinha minha Barbie. Tinha ideia da minha ida-de, tinha ideia da situação, de tudo que eu ti-nha de passar. Não me achava adulta. Era algoque eu achava natural. (Sou) filha de portu-guês. Meus pais começaram a trabalhar muitocedo, meus avós (também). Eu achava naturalter esse percurso.

Ana Maria - A sua irmã nos falou tambémque você a chamava de "Lili" e a protegia,dava a mão quando vocês iam atravessar arua... Como era o relacionamento de vocês?

Kamila - Ela é só um ano e oito meses mais

KA ItA FER A DES 35

Kamila Bossato Fernan-des nasceu em 25 de abrilde 1978 na cidade de SãoPaulo (SP). Foi registradano cartório de Guarulhos(SP). por isso consta que éguarulhense. Tem uma irmãchamada Karolina, um anoe oito meses mais nova,que mora em São Paulo.

o pai de Kamila - Mar-tinho Fernandes - gostada letra "K", por isso osnomes das duas filhas co-meçam com essa letra. Elee a mãe de Kamila - MariaAparecida Bossato Fernan-des - também moram emSão Paulo.

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Kamila mora em Fortale-za desde 2002 e tem doisfilhos: Ana Clara de 13anos e Benício de três. Elaé casada com o jornalistaFábio Freitas Marques hátrês anos e meio.

Kamila ficou muito emo-cionada e com os olhosmarejados quando foiconvidada para ser umadas entrevistadas da Re-vista Entrevista. Sorrindomuito, ela disse à dupla deprodução: "Nunca penseique fosse ser convidada.Achava que só quando ti-vesse mais velha".

nova que eu, então nós crescemos juntas. Agente era muito grudada, mesmo na infância.Eu (a) chamava de "Lina", depois de "Lita" (gar-galhada) e depois Lili. Até hoje eu a chamo de"Li". (risos). Só eu que a chamo assim. Tudoque eu aprendia na escola eu ensinava pra ela.Era a forma de eu estudar: ensinando pra Ka-rolina. Quando chegava à escola, ela não que-ria aprender nada ... Ela ficava conversando ea professora (falava): "Karolina, você tem deestudar". (E a Karolina falava) "Mas eu já sei.Eu já sei". A professora passava o exercício eela realmente sabia (risos). Não é porque elaé gênia, era porque eu ensinava (gargalhada).Era uma relação muito legal.

Mas chegou a adolescência e os nossosinteresses viraram totalmente diferentes. Eufiquei meio "riponga" (estilo hippie), meio "es-querda" e ela ficou mais roqueira, quase góti-ca tKemile ri e todos riem depois). Ela gostavada Courtney Love (cantora de rock estaduni-dense) e eu gostava de Pearl Jam (banda derock alternativo dos Estados Unidos). Nada aver (Kamila continua rindo). A gente odiava osamigos uma da outra, então a gente se afas-tou na adolescência. Hoje a gente se reapro-ximou, mas temos muitas diferenças. A gentese dá bem porque tá longe .. Porque nós temospensamentos muito diferentes... Na criaçãodos filhos, na condução da vida mesmo. Masse fosse todo dia, acho que não ia dar certo(risos).

Oavid - Kamila, partindo para o lado da suavida profissional, o que foi mais significativopara você escolher a carreira de jornalista?

Kamila - Nessa história de pensar a vida (ri-

"Eu acredito que, àsvezes, os problemasajudam a nos levar

pra frente. Você.quer superar, sair

daquilo e viver umavida melhor, então

isso te motiva."sos), eu acho que desde sempre eu tive inte-resse. Na morte do Tancredo Neves, em 1985,eu fiz minha mãe comprar a revista Manchete(revista publicada semanalmente de 1952 a2000 pela Bloch Editores) porque eu queria acobertura completa (ênfase) da morte do Tan-credo e ficava vidrada na televisão (faz umaexpressão de extrema atenção) querendo sa-ber tudo o que tava acontecendo. Então, as-sim, sempre me interessou. Meu pai é feirantee teve uma época que ele não trabalhava nafeira e a gente ia com ele todo domingo prafazer compras. A gente ia com ele - eu e mi-nha irmã - e na saída ele sempre comprava oEstadão (Jornal O Estado de S. Paulo).

Oavid - (interrompendo). .. Pra ti ou pra ele?Kamila - Ele comprava o Estadão pra casa,

mas sempre quem lia era eu (risos). Eu gosta-va do Luís Fernando Veríssimo (escritor), dascrônicas dele. Adorava! Achava espetacula-res, o máximo! E eu queria ser médica, maseu comecei a perceber que eu gostava maisde escrever. Uma professora de Português da5a à 8a série foi muito importante no início. Elaincentivava, elogiava as minhas redações eisso foi fundamental. Logo depois de não que-rer ser mais médica, eu queria ser jornalista, eeu fui construindo isso. Mas, lógico, na véspe-ra do vestibular eu queria ser cantora, artistaplástica, cientista social ... Tudo (ênfase), e jor-nalista. (risos) Na hora de preencher o formu-lário, eu (pensava): "Ai, meu Deus! O que eufaço? Sei lá, vou fazer qualquer coisa (risos).Vou fazer Artes Plásticas, vou fazer Artes Cê-nicas, vou virar cantora de barzinho, qualquercoisa." É muito foda! De todo jeito aparecemas dúvidas, mas fui construindo isso ao longoda adolescência: "Eu quero ser jornalista".

Jadiel- Você parece que decidiu bem cedoe começou a trabalhar bem jovem também,com 15, 16 anos, em jornal de bairro ...

Kamila - É, foi muita sorte. Porque eu faziaum curso técnico no Ensino Médio - Técnicaem Mercadologia, que é tradução de marke-

REVISTA ENTREVISTA I 36

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- . Primeiro eu fiz um estágio numa consul-_ ia de marketing, mas logo depois eu fiz um

giozinho numa agência de publicidade,e eu aprendi a diagramar, a mexer no Ma-osh, no Photoshop, no Pagemaker. Depois

=... caí num jornalzinho de bairro perto da mi-a casa pra ser diagramadora.Era um casal - olha só, gente, os negócios

e as pessoas montam - que tinha um jornalanal, basicamente de anúncios de imobi-

- ia, mas tinha as matérias também pro pes-I ter alguma coisa pra ler. Folha da Zona

rte (o nome do jornal). E eu fazia uma dia-_-amação tosquíssima, era horrível! Mas saía:: eles gostavam. Fiquei uns dez meses lá, já

ha 17 anos.Oavid - Kamila, sobre a tua relação com

a cidade de São Paulo e Guarulhos (locaisnde nasceu e morou), o que isso representae modo mais significativo na formação daa personalidade?Kamila - Quando eu tava só lá (em São

~ulo), eu tinha cabeça de paulista, que era "ocentro do mundo é aqui", ou o centro do Bra-sil, no mínimo. Achava que ali era o lugar maisimportante que o resto é tudo, menos impor-tante. Mas eu tive a sorte (ênfase) de cair numcanto chamado Agência Folha (agência de no-tícias do jornal Folha de São Paulo) e isso mefez conhecer o Brasil de um modo muito dife-rente. Comecei a perceber essa limitação dopaulista de enxergar o resto do Brasil. Hoje euvejo São Paulo como um lugar muito impor-tante ... Foi muito importante pra minha exis-tência, enfim, minha família tá lá... Mas eu nãosinto falta da cidade, pelo contrário. Quando

IJLá (em São Paulo),a gente só enxerga

estigmatizadomesmo. JAh,

floresta, Amazônia ...Sertão, pobreza,

miséria'."eu estou lá, eu já começo a ficar agoniada prair embora, porque é uma pressa muito gran-de. As pessoas têm de se sentir agonia das,têm de se sentir apressadas, têm de se sen-tir ... Pressionadas (ênfase). Têm de se sentirprodutivas ... Sendo que nem sempre a genteprecisa se sentir assim.

Oavid - Esse teu início precoce de trabalhartem a ver talvez com essa realidade paulista?

Kamila - Talvez tenha. Todo mundo tem deter essa pressa de tudo. O tempo todo as pes-soas estão apressadas, saem correndo. Tudobem né, porque é foda mesmo! É tudo lotado.É muito tempo no trânsito ... Você fica estres-sado com aquilo, mas nem tudo precisa serassim.

Eu chegava à redação lá na Folha e achavaque aquilo (a pressa) era normal... Chegava àredação e ninguém cumprimentava ninguém ...Vai pra sua mesa, pro seu computador, vai tra-balhar e não tem "bom dia" ou "boa tarde".

KAMILA FERNANDES I 37

Semanas depois do con-vite, Kamila encontrou o pro-fessor Ronaldo Salgado emum dos corredores do Centrode Humanidades 11da UFC eperguntou: "O que vocês vãoaprontar comigo, hein?"

Todos os nove entre-vistadores foram alunosde Kamila nas disciplinasde Introdução às TécnicasJornalísticas . módulo detelevisão e Telejornalismo I.

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Chloé Leurquin, a fotó-grafa da entrevista, parti-cipou da edição n? 32 daRevista Entrevista e tam-bém foi aluna de Kamila.Chloé estava um pouconervosa e falou várias ve-zes que é muita respon-sabilidade fotografar prauma edição da revista.

Para prepararem o ma-terial de produção da en-trevista, Ana Maria e Oavidentrevistaram seis pes-soas que são do convíviopessoal e profissional deKamila, entre elas, FábioMarques (marido) e Karoli-na Fernandes (irmã).

Graças a Deus aqui no (jornal) O Povo eu vique não é assim.

Oavid - Kamila, a gente conversou como Fábio e ele falou que existiam, para alémdo trabalho, outros motivos para você tervindo pra Fortaleza e tinha a ver com a sualibertação. É isso mesmo? Tinha a ver comsua independência?

Kamila - Como eu falei, a minha vida fami-liar não era fácil, não era uma vida tranquila efeliz. Nessa época quando eu vim, meu pai játinha parado de beber, mas ainda não era umasituação tranquila e feliz ... (para e pensa umpouco) Havia muito conflito pelos posiciona-mentos que eu queria ter, que ele queria ter,enfim, interferências em demasia. E eu achoque de outra forma eu não sairia tão cedo decasa. Ia ficar lá porque minha família é tradi-cional, de "só vai sair casada". Ter conseguidouma vaga fora pelo jornal era uma maneira ...

do sozinha. Talvez se eu não fizesse isso, euentraria naquele ciclo vicioso e ia acabar coma minha vida. Ia entrar numa vibe que nãoera o que eu queria. Se voltasse no tempo,faria tudo de novo. Então, acho que foi umaescolha correta. Pra crescer, perceber que eupoderia construir uma família de uma formadiferente, que eu poderia ter uma vivênciadiferente e até pra valorizar minha família deuma forma diferente. Porque à distância arelação melhorou muito. Isso fez com que agente se aproximasse também. Hoje em diasou até a mediadora, às vezes. Fico tentandoresolver mesmo que por telefone.

Amanda - Logo no começo a gente faloudessa sua criação pra ser independente, suae da irmã. Como que seus pais viram isso dedeixar tudo e vir pra Fortaleza trabalhar, sendotão jovém?

Kamila - Foi um choque. Minha mãe cho-

Mas isso eu não formulei naquele momento.Eu tinha um objetivo de vida: queria sair logode casa. E de repente foi o caminho mais fácil.Ir pra longe a ficar perto. Pra ter paz, pra tera vida que eu queria ... Poxa, é tão difícil falarnisso! Eu não faço terapia (gargalhada), entãose eu fizesse talvez fosse mais fácil. Mas erauma vivência muito cheia de conflitos. O tem-po todo brigando e aquilo não me agradava.Eu não queria viver naquilo.

Nathanael - Em algum momento você sesentiu egoísta em deixar sua família?

Kamila - (Eu) Me senti, me senti. E assim,acho que até hoje passa um pouco pela mi-nha cabeça isso. Porque, bem ou mal, eu tôaqui confortável e tranquila e minha irmã fi-cou lá tendo de administrar um pouco a situa-ção que até hoje não é tranquila. Mas, enfim,foi uma escolha. Não dá pra carregar o mun-

rava ... Ficou bem chateada, ao mesmo tempofeliz porque é como se fosse um reconheci-mento do jornal. Então, eu estava sendo pro-movida. Eu não vim numa situação precária.Vim com a carteira assinada, tudo certo. Osalário realmente melhorava um pouco. Masela ficou muito chateada, com certeza. Meupai não externou muito, ele me parabenizou ...Aparentemente ficou tranquilo, ficou feliz.Mas eu percebo que ele sente saudades, sem-pre que eu tô lá ele fica muito carinhoso, sentemuita falta dos meus filhos. Mas eu acho quetoda relação à distância tem essa dimensão.Acho que é normal.

Se fosse a minha filha - vai chegar esse mo-mento - e falasse: "Eu tô indo morar fora" ... Eujá até comecei a me preparar psicologicamen-te para isso (risos), porque pode acontecer. E agente, pai e mãe, tem de estar preparado mes-

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pra isso, pro bem do filho.Hélio - Kamila, como ocorreu esse proces-

- de transição entre São Paulo e Ceará?Kamila - Começou lá na Agência Folha,

e é esse setor da Folha de São Paulo. Éa área voltada para os estados onde não

-" sucursais estruturadas. A Folha tem su-rsais bem formadas, com equipe, em São

:::Iaulo,que é a sede; no Rio de Janeiro; e em3 asília. O resto do Brasil é coberto pela Agên-a Folha, que tem a estrutura em São Paulo

e alguns correspondentes pelo Brasil. Então,uando eu entrei, entrei pra ficar em São Pau-

o mesmo, e eles dividiam os repórteres de lá- a gente fazia reportagens, a maioria por te-efone e por computador - para cuidar de unsês estados. Eu cuidava de Goiás, Maranhão

e... Não lembro o outro ... Sergipe ... Sei lá. Maseu era muito desesperada (ênfase) e ficavaolhando os jornais de vários estados, caçandopauta. A partir daí, cheguei a fazer pautas aquino Ceará quando eu tava lá ainda. Fiz pautasem Santa Catarina, Goiás, Tocantins, MinasGerais, Maranhão, um bocado de canto, e foiassim o início.

Quando eu entrei lá, comecei a descobrir

cei a encher o saco do meu chefe na época, oNilson Oliveira (jornalista, editor da Folha deSão Paulo), e ele me adorava. O apelido deleera "Trator", porque ele era o "cão chupandomanga". Ele dava bronca, era muito, muito ri-goroso, bruto também. Mas eu era a foca dafoca (a palavra "foca" é usada para designarjornalistas recém-formados e em formaçãocontratados nas redações), era empolgadae ele me adorava. Quando eu chegava (e fa-lava): "Chefe (bate as mãos), eu quero fazeruma pauta em tal lugar." (fala de modo empol-gado) E ele já começava a rir (todos riem). "Vaiser superlegal, tem isso aqui, tem isso aqui ...",Já mostrava pra ele, já vendia (a pauta) e eucomecei a falar da história das férias do PauloMota: "Chefe (bate as mãos), o Paulo Mota vaitirar férias. E eu queria muito ir pra Fortaleza.Eu quero ir, quero ir!". E eu ficava lembrando:"E aí, já tá decidida as férias do Paulo Mota?Como vai ser?" Chegou um momento que elefalou: "Té bom, vai".

E era muito bom na época porque eu vinhacom passagem paga, ficava num hotel, rece-bia diária, tudo pago pelo jornal. Então era umsonho. Eu fiquei aqui os 40 dias das férias do

"Eu nem tava interessada tanto emjornalismo político (...). O Ceará é que

me levou a me interessar pelo jornalismopolítico."

o Brasil ... Eu nem imaginava que Fortaleza eratão desenvolvida. Nem imaginava todas asquestões que envolvem certas localidades.Lá (em São Paulo), a gente só enxerga estig-matizado mesmo. "Ah, floresta, Amazônia ...Sertão, pobreza, miséria". Quando comeceia perceber o contrário, isso iluminou minhacabeça. Fiquei (pensando): "Cara, quero sercorrespondente." Mas sem perspectiva ne-nhuma. Eu era estudante e não sabia quandoia acontecer.

Fiquei, na época, muito amiga de várioscorrespondentes, entre eles o da Bahia, o deMinas e o daqui de Fortaleza, o Paulo Mota(jorneliste. Trabalhou por 14anos na Folha deSão Paulo), e ele é muito amigo do Xico Sá(jornalista e escritor ceerense), de quem eu fi-quei muito amiga na época, lá em São Paulo. Eele (Xico Sá) me passava pautas do Ceará. Euachava o máximo.

O Paulo Mota ia tirar férias, isso no finalde 1999, e ele falou assim: "Olha, Kamila, ficaesperta! Porque quando o correspondente saide férias, o jornal manda alguém pra substituir.Então, vê se fala aí que você tá afim". Come-

Paulo Mota. Passei o Natal e o Ano Novo aqui.Era período de dezembro, começo de janeiro.Foi um espetáculo! Tava me sentindo assim ...Ah, uma alegria! Pra vocês terem noção, euconheci tanta gente nessa época: conheci aÂngela Borges (1947-2004, publicitária, foi re-pórter no jornal O Povo na década de 1970),pessoal do Fernando Costa (publicitário cee-rense da agência Verve Comunicação) ... Foi aÂngela Borges que me convidou pra passar oreveillón num apartamento na (avenida) Beira--Mar de uma ricaça e lá estava, entre os con-vidados, o José Simão (jornalista e colunista),o Lino Villaventura (estilista) ... Um monte degente famosa. Então, foi uma chegada muito,muito bacana. Mas tive de voltar pra São Pau-lo. Já tava tristinha ... (Pensando) "Ôh vida ...".

Mas o Paulo Mota decidiu ir pra São Pau-lo fazer mestrado. Passou no mestrado econseguiu a vaga pra continuar na Folha eia ficar na política. E abriu a vaga (de corres-pondente em Fortaleza). Já tinha mudado ochefe. Era a Fernanda Cirenza (jornalista, ex--editora da Folha de São Paulo). Eu falei praela: "Fernanda, eu quero ir, eu já fui, eu já

KAMILA FERNANDES I 39

Ana Maria e David fi-zeram uma pré-entrevistacom Kamila que teve maisde uma hora e meia deduração, quase o mesmotempo destinado à entre-vista para sair na revista(duas horas).

Enquanto pesquisavaminformações sobre Kami-Ia na Internet, Ana Ma-ria e David encontraramvárias fotos de Kamilaquando criança no perfildo Facebook de Karolina,a irmã dela.

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Ana Maria e David tam-bém planejaram entrevis-tar Ana Clara, filha maisvelha de Kamila. No entan-to, não conseguiram mar-car a entrevista. Kamila atécomentou algo que AnaClara poderia dizer: "Elavai dizer que eu brigo mui-to com ela".

Na entrevista com o fo-tógrafo Jarbas Oliveira,ele repetiu várias vezesque Kamila é uma pessoamuito tranquila com quemtrabalhar. "Ela é uma pes-soa muito leve, muito tran-quila, muito dada com aspessoas."

"Urna coisa que euacho importante:

abrir portas. Porqueàs vezes você tá

num ambiente, numcampo que não te

faz mais feliz."conheço. Conheço todo mundo lá, vou meadaptar superbem. Me deixa ir, me deixa ir!"(fala muito empolgada). E ela me deixou ir.Geralmente se abre uma seleção pra isso,mas nem abriram, e eu vim direto.

Breno - Kamila, o Erick Guimarães (jorna-lista e diretor-adjunto do jornal O Povo) disseque você, quando chegou a trabalhar no OPovo, era uma mulher de fora, mas já chegoucomo (se fosse) cearense. E o Guálter George(jornalista e chefe do núcleo de Conjuntura dojornal OPovo), disse que você tinha uma capa-cidade de adaptação muito grande. Como foichegar ao Ceará, interessada por jornalismopolítico, e se adaptar a esse ambiente?

Kamila - Eu nem tava interessada tantoem jornalismo político na época. O Ceará éque me levou a me interessar pelo jornalismopolítico, por incrível que pareça. Na época,quando eu cheguei em 2000, tinha aqui doispré-candidatos a Presidente: Tasso Jereissatitpotitico cearense fíliado ao Partido da SocialDemocracia Brasileira - PSDB) e Ciro Gomes(advogado e político fíliado ao Partido Repu-blicano da Ordem Social - PROS), e foi essaa recomendação que eu recebi: "Fique deolho nesses dois". E eu foquei nisso a partirde então.

Eu não sabia nada da política local. Fuiestudar. Eu passei (no vestibular) na Univer-sidade Federal do Ceará (UFC) e procureiaproveitar o curso pra isso também. Entãoeu fiz uma disciplina nas Ciências Sociais so-bre a política cearense. A disciplina era bemespecífica, dos Accioli (A partir do governode Antônio Pinto Nogueira Accioli, de 1896até 1912) até o Tasso (Primeiro mandato degovernador, de 1987 a 1991). Comprei o livrodo professor e fui pra disciplina.

Na faculdade (de Jornalismo), eu já tinhafilha recém-nascida. Minha filha nasceu emabril de 2001 e eu comecei a faculdade emjunho, julho. Ela era pequena e eu trabalha-va, então eu só ia pra faculdade para assistiraula. Mas minimamente fiquei conhecendoalgumas pessoas, fui me aproximando e foi

bem importante ... Eu só fui pro O Povo em2009, ou seja, passei um tem pão só sendo daFolha, mas encontrando as pessoas na rua...Eu encontrei o Erick (Erick Guimarães) em co-bertura, ele era repórter; conheci o Érico (Éri-co Firmo, jornalista e colunista de Política dojornal O Povo) na faculdade, estudou comigoe se formou comigo; o Guálter (Guálter Ge-orge) eu não conhecia. Foi muito engraçadoporque, em 2009 - aliás, final de 2008 - , eusoube que ia acabar a sucursal em Fortalezae eu tinha ainda um período sabático pra ti-rar que era de três meses de licença. Depoismeu chefe me deixou decidir se eu queria irpra Minas, porque eles estavam apostandono Aécio Neves (político mineiro fíliado aoPSDB) como candidato a Presidente em 2010,e acabou nem sendo. Também tinha Salvador(Bahia). Eram essas duas opções. Eu tava fa-zendo o mestrado aqui, eu tinha minha vida,eu tinha minha filha aqui, enfim, e eu falei:"Meu, eu vou criar problema pra minha vidase me mudar agora e começar tudo de novo.Me deixa quieta aqui mesmo. Valeu, obriga-da". (Eles) Me demitiram.

No dia seguinte eu mandei um e-mail praum amigo e falei: "Olha, eu vou ficar desem-pregada. Se aparecer alguma coisa ..." Nessemeio tempo, o Érico me ligou, perguntandose eu não tava interessada em trabalhar lá(no jornal O Povo), mas era pra ser repórter.O salário ... Metade do que eu ganhava. E eu(pensava): '~i meu Deus do céu! O que queeu faço?" Eu tendo filho pra criar e tendo deme virar só, não era uma boa perder renda.Mas eu já ia aceitar e tava pensando em alter-nativas, pegar freelas e dar um jeito de ter umcomplemento. De repente, o Guálter me liga.Ele foi lá na minha casa e não me conhecia.Ele falou: "Tem uma vaga de editor". E eu fa-lei: "Editor? Eu nunca fui editora. Só fui repór-ter. Não tenho experiência de editora". "Mas agente conhece seu trabalho, a gente confia eacha que você dá conta. Pode ser?" "Então tá,bora! Vamos lá, eu aprendo". Já melhorava osalário (risos). E antes de terminar meu sabá-tico na Folha eu comecei lá no O Povo. Logode cara, me deram uma Páginas Azuis (seçãode entrevistas do jornal O Povo publicada àssegundas-feiras) pra fazer. E eu: "Ai meu Deusdo céu! Estão querendo me explorar". (garga-lhada) Não era beleza, foi foda! A confiançaque o Guálter deu ...

Mariângela - (interrompendo) ... Kamila,como você já mencionou, além de trabalhar,você estudava e tinha a Ana Clara. Como con-ciliava tudo aquilo e o que a motivava a darconta de tudo?

Kamila - Eu tenho amigos - amigos não,pessoas que eu conheço - que começaram atrabalhar ainda na faculdade, depois abando-

REVISTA ENTREVISTA I 40

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- -arn a faculdade e conseguiram o registro-ecério de profissional. Eu não queria isso'ã mim. Eu queria ser formada. Eu acho que

:: mportante ter o diploma. Achava que tinha:3 ser assim.

Quando eu cheguei (em Fortaleza), não ti-- a vaga de transferência, então eu tive de fa-=:: o vestibular e lá na Pontifícia Universidade- ólica de São Paulo (PUC-SP) eu já tava no_ 'mo ano, faltavam só dois semestres, porém:: ui a grade curricular era diferente, então fal-- a um bocado de coisa pra fazer. Lá na PUC

= ....não tive acesso a disciplinas muito teóricas,:'ãm mais práticas, voltadas pro mercado, e:: ui me deu outra visão.

Mas o que eu fazia: eu levava a Ana Clara~'ã creche e ia resolver minha vida. O traba-

o na Folha era principalmente à tarde, justa-ente no horário da faculdade (risos), então

:3U tentava fazer o máximo que eu podia deisciplinas de manhã e à noite, o que aparecia.uando eu tinha de fazer à tarde, eu tentava

adiantar ao máximo tudo o que eu podia deanhã. No final das aulas, geralmente, eu sen-

cava num canto, finalizava o que precisava, ouentão no meio da aula, no intervalo, ligava praquem tivesse de ligar pra apurar mais algumacoisa, enfim, dava um jeito. À noite - pegavaAna Clara - e lia quando ela dormia. Minhamonografia eu fiz assim, de madrugada, e fizem um semestre só.

Breno - Kamila, na pré-entrevista vocêfalou que a atividade jornalística tem muitosaltos e baixos. Em 1998, você chegou a fazervestibular para Ciências Sociais, na USp, talvezpensando em desistir da atividade jornalística.

No que de fato você se apegou para não de-sistir da carreira?

Kamila - Altos e baixos, cara, acho que emtoda profissão deve ter. Acho que é natural. Épior no caso de pessoas que são muito ide-alistas. Eu me considero uma pessoa idealis-ta. Eu ouvia muito, quando eu era mais nova,que isso era coisa de "foca", coisa de genteinexperiente, mas eu continuo com o mesmosentimento e acho que não vai passar. Con-tinuo sendo idealista e vou ser "foca" então.Foda-se! Quando as coisas não acontecemda forma como você acha que devem, issodesestimula, bota pra baixo. Por exemplo,cobertura das eleições daqui de 2004, a elei-ção da Luizianne (Luizianne Uns, jornalista,ex-prefeita de Fortaleza e política filiada aoPartido dos Trabalhadores - PT). Cara, eu játava percebendo na época o potencial da Lui-zianne, eu percebi a besteira que o Partido dosTrabalhadores (PT) tava fazendo de renegar acandidatura e apoiar o Inácio (Inácio Arruda,político cearense filiado ao Partido Comunistado Brasil - PC do B}. Sabia o efeito que aquiloia ter. E eu produzia muita pauta, mandava assugestões e mandava as matérias.

Mas, no dia seguinte, saía uma lasquinha,uma tripinha, (indica o tamanho pequeno damatéria com as mãos) ou não saía. E eu fica-va tão chateada com isso. Esse foi o momen-to de, em muitos dias, acordar e falar: "Nãovou mandar nada! Vão se catar". Mas eu fazia,mesmo assim eu fazia. E houve casos mesmode não sair nada, mesmo com uma baita deuma apuração boa. Isso na Folha, imagina nojornal O Povo que tem um "poder de fogo"

KAMILA FERNANDES 141

No dia da entrevista, fo-ram necessários três car-ros para levar todo mun-do para a casa da Kamila.Ronaldo Salgado sabia ocaminho e foi na frente nocarro dele para guiar AnaMaria e Chloé Leurquin(fotógrafa) que dirigiamos outros dois carros.

Havia alguns pontos deengarrafamento no cami-nho e Ana Maria estavaficando preocupada emchegar atrasada apesar deterem saído com mais deuma hora de antecedência.

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Quando já estavam maisperto da casa da Kamila,Ronaldo resolveu parar eperguntar onde ficava aRua Jatobá, que é a ruaonde Kamila mora. Depoisde encontrarem o local, AnaMaria observou que haviamchegado adiantados.

A casa vizinha à de Ka-mila estava em obras e elaficou preocupada que issopudesse atrapalhar a entre-vista. Apesar do pouco ba-rulho da obra, a entrevistaaconteceu tranquilamente.

menor. Além da falta de reconhecimento, fal-ta de diálogo com o chefe. São vários os mo-mentos de desestímulo. Mas quando algo dácerto, você fica feliz. Você faz (e fala): "Cara,que massa! Deu certo. Minha pauta ficou lin-da! Deu repercussão". Ainda mais quando épolítico que fica bravo (fala empolgada e bateas mãos). Tá com ódio de mim ... É preciso en-tender que há ciclos e você tem de lidar comisso.

Mas uma coisa que eu acho importante:abrir portas, construir outras saídas também.Porque às vezes você tá num ambiente, numcampo que não te faz mais feliz. Eu fui procu-rar isso na Universidade mesmo. Fiz uma es-pecialização, depois fiz um mestrado, enfim,fui buscando essas saídas. Se você não abreessas portas, você não tem pra onde correr.Você vai fazer o que depois? Tem de buscarcaminhos, nem que seja se especializando.Buscar melhorar, se capacitar pra não ficarpreso num canto.

Oavid - Conversando com o Jarbas Olivei-ra (fotógrafo), ele comentou da tua seguran-ça, mesmo sendo uma "repórter precoce". Deonde vinha essa segurança?

Kamila - Eu acho que é da formação

mila imita o Ciro Gomes falando). (E eu falava"Como 'não fala com a Folha'? Fale com osoutros que eu pego dos outros e vou fazer domesmo jeito" (Kamila fala mais alto). Eu bri-guei com ele, briguei com o Cid (Cid Gomes,político cearense e governador do Estado noperíodo 2006-2014). Enfim, você briga, masvocê cumpre seu papel. Então tem de botaristo na cabeça: o jornalista acaba tendo de li-dar muito de perto com esses outros camposque são muito encantadores, muito sedutores.Quando você trata com política é tudo muitoencantador. Chega num ponto que a sua vidafica pública, quase. Pública na boca dos políti-cos. Mas é preciso saber separar as coisas. Fazparte do trabalho, às vezes, almoçar com es-ses caras, ir às festas, entrevistar esses caras otempo todo, ter o celular deles ... Mas você nãoé amigo deles.

Jadiel - Sobre a postura do jornalista, ten-do em vista a diferença em fazer uma entre-vista em profundidade e uma entrevista comocolunista, como que deve ser tal postura?

Kamila - Começa se preparando bem, temde saber o que você vai perguntar. Isso é fun-damental. Você tem de estar dominando o as-sunto e entender o contexto em que as coisas

IITem que buscar caminhos, nem que sejase especializando. Buscar melhorar, se

capacitar pra não ficar preso num canto."mesmo, dessa visão crítica que eu fui tendoe construindo. Era bem fácil, bem fácil mes-mo ficar deslumbrada. Você chega num can-to onde todos os políticos conhecem o seunome e vinham falar comigo. Quando minhafilha nasceu, o assessor do Tasso mandouum presentinho. Logo na primeira coberturaeleitoral - não esqueço =, em 2000, da PatríciaGomes (política cearense, ex-esposa de CiroGomes) - que virou Saboya, mas na época eraGomes - lá no comitê dela, cobrindo, com to-dos os jornalistas, vem o Ciro pra falar comi-go. Dar informações exclusivas às vezes. Masfoi essa coisa da formação que me ajudou aperceber que só tinha esse tipo de tratamen-to pela posição que eu estava ocupando, pelafunção que eu estava cumprindo. Não era algopor causa da minha pessoa, da minha lindeza,não. Eu sempre fiquei com o pé no chão porcausa disso. Foi muito bom, porque no mo-mento que eu tinha de ir pra cima, eu ia, semmedo, sem (pensar) 'Ai! Vou perder a fonte".Não! Eu estava cumprindo meu papel.

Da mesma forma que eu podia ser adula-da, eles podiam ficar putos. O Ciro em outrosmomentos (dizia): "Não falo com a Folha" (Ka-

acontecem. Principalmente nesse caso dospolíticos. É bem facinho eles o desmontaremse você não tiver seguro com a sua pergunta.E tem de buscar desde jovem, se especializare estudar. Você tem de ler o jornal todo, sabero que tá acontecendo no geral.

A segunda coisa é ter muita clareza doseu papel. Qual é o objetivo da sua pauta, oque você vai buscar. Quando eu era da Fo-lha, geralmente, ia a entrevistas coletivas comum objetivo. A partir dali eu já traçava minhaestratégia (risos), então, "eu vou deixar essapergunta muito ruim mais pro final pra eu nãoatrapalhar muito a coletiva", mas eu não dei-xava de fazer. Quando eu ia numa entrevistasozinha era a mesma coisa. Se você tivessea chance hoje de fazer uma entrevista como Paulo Roberto Costa (engenheiro e ex-di-retor da Petrobres), o cara da Petrobras quetá delatando todo mundo (Kamila se refereà operação Lava Jato da Polícia Federal quedesmontou, no começo de 2014, um esque-ma de lavagem de dinheiro que, segundo aPF, movimentou cerca de R$ 10 bilhões. Pau-lo Roberta Costa é um dos envolvidos no es-quema), o que você vai perguntar pra ele? (faz

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ma pausa) Tem de saber (risos). É a perguntae vai lhe dar a maior informação, o "furo"

termo usado que significa notícia divulgada- um veículo antes dos demais publicarem),_ a coisa que ninguém sabe, que não saiu= canto nenhum.

O que eu aprendi muito na Folha e foi rnui-'mportante: a postura crítica. Você ser mala,ê ser ruim, "cri cri", você ir ali no calo. Não

_ or nada não, mas é o papel do jornalismo.ão é alisar não, não é passar a mão na cabe-

- ha não, principalmente quando é ente ou:'"gão público, quando é um gestor. Você teme ir no problema. Quando não tem o proble-

+a. dificilmente tem a pauta. Pra falar de coisaa é muito difícil, às vezes. O pessoal até re-

: ma: 'J\h, jornalismo é muito negativo, né]"as infelizmente nós somos esses vigilantes

poder público, nós fazemos essa vigilância.Orielle - Kamila, na pré-entrevista você

sse: "Sou muito bocuda" e, por ser jorna-s a de política, com certeza já deve ter tido

:::guma situação complicada. Qual a situa-::.30 mais complicada e constrangedora que

aconteceu com você?Kamila - Eu tive algumas (Kamila ri e todos

riem. Nesse momento, Kamila olha pro Ronal-do e continua rindo). Uma vez quase apanheilá em Santana do Acaraú (município do interiorcearense localizado a 228 km de Fortaleza). Eufui fazer apuração de várias denúncias de cor-rupção levantadas pela Controladoria Geral daUnião (CGU). O prefeito na época tava se filian-do ao PSDB, mas eu fui lá fazer a apuração dosdesvios, escutar o "outro lado", coisa que todomundo tem a obrigação de fazer. No dia, tavaacontecendo a filiação do prefeito. Tava toda araça de tucano - o Tasso, o Lúcio (Lúcio A/cân-tara. Governador do Ceará entre 2003 e 2007),o Luiz Pontes. (Um deles pergunta) "O que vocêtá fazendo aqui?" E eu: "Tô aqui pra apurar essemonte de corrupção relacionada ao prefeito.Vocês não estão sabendo?" (Um deles respon-de) "Não, não". E o Tasso: "Luiz Pontes, veja aí,veja aí" (fala como se fosse o Tasso). O Lúcio erao governador na época, o Tasso era senador.Eles foram embora e o prefeito ficou lá. Era uma

festa num clube. Tava eu, o Jarbinhas (JarbasOliveira) e o motorista da locadora.

Eu sei que fui entrevistar o prefeito, tavacom o gravador na mão, já tinha feito toda aapuração e ele - (era um homem) bem bai-xinho - começou a responder, mas depoisparou e os jagunços dele ao redor começa-ram (a falar): "Prefeito, não responda não.Essa imprensa é comprada, golpista" (falagritando). Aí de repente o prefeito sumiu eeu comecei a sentir os caras me xingando,me cercando e me empurrando. "Mentirosa!Jornalista comprada!". E eu xingando: "Ban-do de covardes!" (fala gritando e começa arir em seguida). E o Jarbinhas atrás de mim:"Varnbora!" (todos riem) "Vambora senão agente vai apanhar!" E eu comecei a xingar:"Seus bando de filho da puta!" .

A gente saiu de lá e foi pra Câmara de Ve-readores. Comecei a ligar pra tudo quanto eragente que eu conhecia no governo. Liguei proassessor do Lúcio, que na época era o Edval-do Filho (jornalista cearense) e falei: "Edvaldo,eu não quero nem saber, se vire aí, eu quero

proteção pra sair dessa cidade, senão eu voumorrer aqui. Eles podem me matar!" (O Edval-do disse) "Não, não vai acontecer nada não ..."(Kamila fala) "Não vai acontecer nada o quê?!"(risos). Essa foi uma.

A outra ... Com o Ciro mesmo. O Ciro umavez - teve duas que eu lembro - ele tava dan-do uma entrevista e eu cheguei meio atrasada.Ele tava dando entrevista pra vários colegasno Centro de Eventos do Ceará. Eu fiz umapergunta e ele falou: "Eu não falo pra Folha". Eeu falei: "Como é que não fala pra Folha? Vocênão está falando só pra mim, aqui é uma cole-tiva, você não tá percebendo?" (Ciro fala) "Eunão falo com a Folha. Folha golpista". Aí eu co-mecei a bater boca com ele: "Tudo bem. En-tão não fale com a Folha". Passei as perguntaspra uma colega e na saída eu fiquei batendoboca com o Egídio Serpa (jornalista do Diáriodo Nordeste), que era o assessor dele.

Em outro momento o Ciro foi a um even-to onde tava o Aécio, em uma palestra sobreeconomia. Na saída, eu perguntei alguma coi-

KAMILA FERNANDES I 45

Essa foi a primeira vezem que Kamila esteve naposição de entrevistada.Ela sempre entrevistoupessoas. Por conta disso,antes do inícío da entrevis-ta ela contou que estavamuito nervosa.

Assim que todos entra-ram na casa, apareceu acachorrinha de estimaçãoda filha de Kamila, AnaClara. O nome da cachor-rinha é Maggie Lovato.O sobrenome "Lovato" éem homenagem à cantorapop dos Estados UnidosDemi Lovato.

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Todos ficaram encantadoscom a doçura de Maggie, emespecial Amanda Matos, quecomentou que iria levar a ca-chorrinha para casa dentroda bolsa dela.

Enquanto todos se aco-modavam nas cadeiras,Maggie ficava caminhan-do e chamando a atenção.Por várias vezes, ela se dei-tou de barriga para cima eficou recebendo carinhodos alunos na barriga.

sa para o Ciro, questionando a fala dele. Eledisse: "Essa imprensa do Sul é boca de umaorelha só ..." Me esculhambou. (Kamila fala) "Osenhor está negando o que disse? Eu só re-peti o que o senhor disse!" Mas o bicho é tãobipolar (risos) que depois, enquanto eu tavaentrevistando o Aécio, o Ciro veio (e disse):"Não ficou brava comigo, né?" (Kamila fala)"Mas o senhor fica me xingando!" (risos) Àsvezes eu sou muito esquentada, não me se-guro. Mas eu tento me basear em argumen-tos racionais, minimamente (risos). Tento sera dona da verdade. E nunca deu problema de-pois disso. O único que realmente me odeiaé o Cid por causa do caso do voo da sogra(episódio em que Cid Gomes deu carona emum jatinho pago com dinheiro público para asogra viajar a Europa, em 2008). É uma coisaque você não pode fazer, entendeu? Foi umescândalo levantado a partir do Heitor Ferrer(Deputado Estadual cearense filiado ao PDT) e.depois saiu no Jornal Nacional. Eu dei a notíciatambém. Logo no dia seguinte saiu na Folha,e todo mundo estava dando. Mas a imprensalocal deu a notícia superpequena, com medodo Cid. O Jornal Nacional é que deu a notíciade maneira maior, em um primeiro momento.Nisso o Cid passou uns dois ou três dias semfalar, sem responder nada. Então, ele marcouuma data para dar uma declaração na Assem-bleia Legislativa do Ceará. Ele ia chegar lá, leruma carta e ir embora. Quando ele acabou, eufiquei bem posicionada e comecei a pergun-tar. Comecei a perguntar, comecei a pergun-tar... Ainda surgiu o Cláudio Teran e o CarlosSilva, dois (jornalistas) de rádio que começa-ram a fazer mais perguntas também. Mas deresto, todo mundo (ficou) calado. Então tem

"Foi essa coisa da(minha) formaçãoque me ajudou aperceber que só

tinha esse tipo detratamento pela. -posiçao que eu

estava ocupando."de perguntar, não ter medo. Porque o Cid co-meçou sendo machão, mas depois começou ater de reconhecer que não podia fazer aquilo.Assim, ele não reconheceu. Mas começou ater de baixar um pouco a bola. Mas esse povoé esc roto. Eles querem te desmoralizar tam-bém. "Se você tivesse aqui na Assembleia e oLouro Maia (filho do jornalista Fernando Maia,sempre presente na Assembleia) pedisse umacarona para você, você não daria?" (imitandoo Ciro Gomes falando). Eu disse: "Pera aí, Go-vernador, o senhor está falando de duas coisasdiferentes. Quantos cearenses tem a chancede ir para a Europa uma vez na vida e de jati-nho então?" (Cid responde): 'f\h, é que tinhauma vaga no avião e eu achava que não tinhanada demais". Não pode! É dinheiro público!Por mais que não fosse gerar outro gasto, elenão podia fazer isso. Não podia. Não é assim,faz o que quiser. Mas ele se acha dono do Es-tado. Então, começou uma discussão foda. Foi

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ncada aquele dia. Ele me odeia por causao, acho.

Nathanael- Kamila, você sempre teve essastura de ser uma jornalista "cricri", Você

:: redita que o Ceará é carente de jornalistasesse perfil?

Kamila - Não é carente. O pessoal daqui,:JOrcausa da situação das empresas, às vezestem muitos vínculos com o poder, por neces-sidade mesmo ou por interesses outros. Maso pessoal fica com medo e aí se reprime. Há

ma autocensura e não chega aonde tem dechegar. Como eu falava para os meus repór-teres lá no O Povo: "Meu, faça as perguntas.Se não puder sair, não vai sair, tudo bem. Masaça. Não se censure. Faça". Porque na Folha

mesmo tinham histórias do Serra e do Pauloaluf (político, engenheiro e empresário bra-

sileiro) ligarem e pedirem cabeça. E que eusaiba ninguém caiu por causa disso, enten-deu? No O Povo também acontece de pedi-rem cabeça. Eu não sei se a minha cabeça foipedida lá. Mas eles não vão demitir por causade uma crítica bem embasada, bem apurada,um material bem feito ... No máximo você vaiser alertado para não mexer mais naqueleassunto. Mas eu acho que não pode ter au-ocensura. Tem de perguntar o que tem de

ser perguntado. Às vezes os repórteres per-guntam: "Eu gostaria que o senhor falassedo projeto". Também por pouco estudo daspautas. Não estudam, não leem. Às vezes orepórter tem de fazer muitas matérias e o tra-balho fica precarizado.

São essas duas coisas que eu acho. Omedo e às vezes a falta de tempo, a falta deinteresse por estudar um pouco mais aqueleassunto para chegar com perguntas mais bem

formuladas. Mas tem gente boa também. Euacho que o Erick Guimarães era um ótimorepórter. Ele era "cricri", era mala, bem chatomesmo (risos). Pena que ele virou editor. Penanão, que bom! Tem a questão salarial tambéme infelizmente é um fato. A pessoa é um ótimorepórter, mas para melhorar o salário tem devirar editor. Infelizmente.

Oavid - Na pré-entrevista você falou queàs vezes fazia algumas críticas nas colunas(Kamila foi colunista de Política no jornal OPovo) que sabia que não iriam sair. O que fa-zia você acreditar que essas críticas não iriamser publicadas?

Kamila - As relações aqui são muito assim.Como que fala? Bate e assopra, né? Então,tem uma época de bater e outra época de nãobater. Tem ciclos. O jornal O Povo foi o mes-mo que denunciou o escândalo dos banheiros(desvio de verbas do Governo do Estado doCearápara a construção de kits sanitários, em2011). Quando aconteceu isso eu não estavamais lá, mas eu vibrei. "Caramba, que massa!

110 jornalista acabatendo de lidar muitode perto com esses

outros camposque são muito

encantadores, muitosedutores."

KAMILA FERNANDES I 47

Após a entrevista tercomeçado, Maggie anda-va e de vez em quandoficava em pé, colocandoas patas dianteiras na per-na de Ana Maria, Amanda,Mariângela ou Drielle.

As cadeiras e o tabla-do onde Kamila sentouestavam dispostos cir-cularmente no terraçoda casa. No fim da entre-vista, Maggie deitou nomeio do círculo "obser-vando" a entrevista.

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Quando perguntada so-bre a relação com a irmã,Karolina, Kamila se emocio-nou um pouco e sorriu altoao mesmo tempo enquan-to falava os apelidos pelosquais chamava a irmã.

o bom humor de Kami-Ia ficou presente durantetoda a entrevista. Em vá-rios momentos ela sorriue soltou uma gargalhadabem alta, que é quase umamarca registrada dela.

Que escândalo foi esse? É um espetáculo!"Muito bem apurado. Mas outras histórias depeso, com potencial tão grande quanto, nãosaíram por conta dessas relações. O jornal temde sobreviver, infelizmente essa é a realidade.Mas o que eu fazia? Eu me comportava comocolunista assim como eu me comportavacomo repórter. Não me censurava.

Teve uma censura que eu fiquei bem cha-teadinha. Logo depois do voo da sogra, teve ovoo da primeira-dama para a Europa. Foi tam-bém um escândalo que algum jornal (de âm-bito) nacional publicou. Ela voou de primeira--classe, junto com uma assessora, que viajouna classe econômica. E aí o gasto foi três ve-zes maior, só com passagem, para a bichinhanão ficar tortinha na cadeira (risos). Saiu essahistória e depois disso, fazendo as minhasvasculhas no Diário Oficial da União (DOU), eu

Mariângela - Kamila, o núcleo de políti-ca do O Povo era um local muito masculinoQue desafios e dificuldades você encontravapor ser mulher naquele local?

Kamila - Eu fui a primeira a assinar a colu-na política. Era a única editora mulher e depoisque eu saí continuou sendo só homem. A gen-te tem essa dificuldade no jornalismo de ummodo geral. As mulheres ainda são maiorianas redações, mas são minoria em cargos dechefia, em cargos de comando. Lá no O Povoainda tem as chefes. Tem a Fatinha (Fátima Su-dário, ex-diretora-executiva do Jornal O Povo)e a Ana Naddaf (atual diretora-executiva doJornal O Povo). Você ainda tem alguns setorescom mulheres chefiando. Mas é minoria per-to dos homens. A gente tem de superar issocom postura, de lidar de igual para igual, nãoter medo. Ficar se embrenhando nas históriasmais difíceis, sabe? Eu acho que esse lance deser "bocuda", ser atrevida, ser meio rebelde,ajuda nesse aspecto porque as pessoas res-

110 que eu aprendimuito na Folha e foimuito importante:a postura crítica.

Você ser mala, vocêser ruim, "cri cri"(...) é o papel do

jornalismo."

peitam. Mas não é rebeldia sem causa. Não étipo: "Não vou fazer isso!" (grita). É fazer. Vocêfaz mas tenta subverter um pouquinho ali, umpouquinho aqui. Fazer de um jeito que colo-que o seu ponto de vista. Porque depois, paradesfazerem, é mais difícil. E, se num embatecom a chefia você acha que está certo, nãobaixe a cabeça. Mantenha a sua postura, man-tenha a sua posição.

Já bati de frente com a Fatinha (Fátima Su-dário) em algumas situações por não concor-dar com o posicionamento dela. Muita gentenão faz isso, mas tem quem faça. E todos quefaziam eram respeitados por ela. Por quê? Por-que você está se colocando no mesmo nível.A partir daí você é visto como alguém capazde estar liderando também, alguém em quemse pode confiar. Se acha que algo está errado,você fala. Essa postura é importante. A sub-serviência só leva pra baixo. Eu acho que terchegado a postos de chefia me fez ver que

REVISTA ENTREVISTA I 48

verifiquei que ela tinha voltado a viajar para aEuropa, mas dessa vez de classe econômica.E eu coloquei isso na coluna. Era uma notinha,bem pequenininha. Mas meu, censuraram acoluna! E eu: "Oh meu Deus, eu estou só fa-zendo uma referência boa, positiva!" (risos). (Eme disseram:) "Entende só, o jornal está emum momento de negociação com o Gover-no ... Semana que vem, sai! Tá bom?" Aí eubotei de novo, na semana seguinte! (risos).E então, de novo: "Karnila, tira, não vai sairessa nota. Tira essa nota". (Kamila questiona):"Mas por quê?" "Não vai sair, tira!" Mas eunão me censuro. Falei de tudo que eu achavaque tinha de falar. A maioria das colunas saiusem problemas. Eu acho que a postura é essa.Quem tem de cortar não sou eu, é o editor. Eleque decide lá.

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e aspecto é superimportante. Tudo bem, écargo de confiança e eu tenho de respeitar

regras e uma decisão editorial, por exem-. Mas eu posso questionar. Eu posso falar

e não concordo. O Jocélio Leal, que foi meu_ 'mo chefe no O Povo, ele ... Mais capitalista

e ele, não existe! Ele vinha passando umasutas pró-empresa, pró-empresa... E cadêsocial? Cadê o meio-ambiente? E eu dizia:

<..ara,eu discordo". E ele: uÉ, já vem você devo dizer que discorda". "É, discordo mes-o. Isso aqui não tá legal. A gente tem de fa-

zer por um caminho diferente". E aí conseguia gumas coisas.

Lá a gente emplacou pauta sobre (as obraso) Centro de Eventos que dificilmente sairiaão fosse uma insistência, uma chatice minha.

Era uma (matéria) sobre o aumento do custoo Centro de Eventos. A gente verificou que a

obra foi feita em um prazo curtíssimo e não ti-nha motivo para aumentar os gastos. Mas tan-to aumentou quanto não foi feito tudo o quetinha sido prometido. A fachada era outra, nãoera aquela coisa horrorosa. Era meio matéria--denúncia, com viés crítico. As histórias doaquário ... Nossa! O Jocélio odeia o pessoaldo "Ouern Dera Ser Um Peixe" (movimentocontra obra de aquário oceânico em Fortale-za) e eu propondo pauta de aquário (risos). Eleme odiando por causa disso, mas ao mesmotempo gostando, pois tinha alguém ali paradiscutir, para confrontar, para questionar. Mas,enfim, chegava num meio termo. Entravamalgumas matérias contra o aquário, outras afavor. Mesclavam.

Oavid - Kamila, em relação aos políticos,existia alguma visão estigmatizada por você

ser uma mulher cobrindo política?Kamila - As coisas que eu fiquei sabendo,

né? Estigmatizado não, mas o que aconteceno mundo da política ... É um mundo mascu-lino pra caramba e um mundo de poder. Ummundo onde esses caras acham que podemtudo. Então, imaginem uma repórter paulis-tinha com 21 anos chegando num ambientetotalmente novo. Logo de cara já me vieramhistórias de que fulaninho falou que tinha saí-do comigo. Às vezes eu também percebia. Eunão vou falar os nomes porque não interessa eeu nunca cheguei para eles para falar, porquese eu tivesse me dirigido a eles ... Mas eles fa-ziam uns "óiâo" pra cima de mim. Me poupe,né? E você fica sabendo lá dentro, talvez fossementira, sobre histórias de repórteres que sa-íam com políticos. As histórias são amplas ese multiplicam. Isso vai de ano a ano, político

a político. Eu acho que tudo é questão da pos-tura. Você não pode se misturar, nem misturaras coisas. Não pode, não pode, não pode ... Énão achar que você é amiguinha do cara, queo cara é legal ... '~h, vou me aproximar paraconseguir mais informações", tipo House ofCards (série norte americana de drama políti-co) (risos). Não, eu não fazia isso. Depois esseprimeiro momento acaba e vão lhe tratar nor-mal. Você já tem um respeito.

Oavid - Existe muita pressão de vários la-dos nesse campo da política. Houve algummomento em que você percebeu essa pres-são de maneira mais direta?

Kamila - Tem uma história que eu queriacontar. É um registro, é importante. Eu tenhoum amigo que tem essa interface com as pes-soas do governo. Ele me falou que algumas

KAMILA FERNANDES I 49

Um desses momentosfoi quando ela comentousobre a morte de Tancre-do Neves. Ela falou aosrisos para os entrevista-dores: "Vocês nem ima-ginam (o que foi aquilo).Vocês não eram nem em-brião de bebês (risos)".

A monografia de Ka-mila tratou da ascensãoe queda de Roseana Sar-ney como pré-candidataà Presidência nas elei-ções de 2002 a partir daanálise do discurso dosjornais O Globo e O Esta-do de São Paulo.

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Sobre o período deprodução da monografia,Kamila contou aos risos:"Fiz em um semestre só.Vocês têm a moleza de fa-zer em dois, eu fiz em umsemestre só".

Após 40 minutos de en-trevista, Ronaldo interveioe comentou com os alunosque retomassem a ordemda pauta para dar mais flui-dez na entrevista e facilitar oprocesso de edição.

questões das minhas colunas estavam inco-modando "lá". Mas, enfim, foda-se, né? Tônem aí. Mas também não era nada demais.Eram só umas análises, entendeu? Não eramdenúncias. Teve um dia que o Arialdo Pinho(chefe da Casa Civil do Governo do Estado doCeará) chamou pessoas do jornal para um jan-tar na casa dele. Dando nomes: o Guálter Ge-orge, o Cláudio Riberio, eu, o Fábio Campos ...A gente até teve de fechar mais cedo o jornalpara ir pra lá. Tudo bem que às vezes acontecede os políticos quererem se aproximar e issojá tinha me acontecido. Mas achei muito estra-nho ele ter chamado o grupo do O Povo paraa casa dele. E estávamos lá, conversando. Derepente ele pergunta: "O que vocês achamdos carros da polícia, das Hilux?" Parte come-çou a falar bem, parte começou a falar mal.E eu soltei: "Eu só não concordo como achoque seja desnecessário que toda a polícia es-teja equipada com Hilux. É mais estético queefetivo, porque você tá gastando muito dinhei-

110 pessoal daqui(...) às vezes temmuitos vínculos

com o poder, pornecessidade mesmo

ou por interessesoutros. (...) Há uma

autocensura."

..-..",ro para um carro que vai acabar". E tá acaban-do, os da primeira e da segunda leva já foram,né? Enfim, eu dei a minha opinião. "Eu achoque o gasto com manutenção é excessivo ebeneficia uma empresa específica." (Aria/dofala) "Mas não se preocupa não, você vai ver.Agora não é só Hilux, vão ter os Trollers tam-bém e eles vão ficar lindos com as cores doGoverno, circulando pelas dunas. Lindos!" Eeu falei: "As Hilux já não eram pra andar emduna? Por que agora vai ter de comprar Trol-ler? Qual o sentido disso?"

Depois disso, esse meu amigo que temessa interface falou que o jantar tinha sidopara me ... Enquadrar! Aí eu: "Té falando sé-rio? Não tem sentido isso. Pra me enquadrar?"Ele disse: "É, pra te deixar com algum temor.Para você saber que eles estão acompanhan-do e não estão gostando". A coisa estranha éque poucos meses depois eu saí da política efui para a televisão. Foi muito estranho essemovimento para mim pois eu não era da tele-visão, não era algo que ... Sei lá. Mas ao mes-mo tempo eu recebi como um presente, comoalgo bom. Mas eu desconfio que tenham metirado para me controlar mais, sabe? Para fazeruma coisa que não fosse focada em política.As coisas ali acontecem de uma forma quenão chega tudo pra gente, não dá pra saber.Então, é uma desconfiança.

Hélio - Hoje, levando em consideraçãotoda a sua bagagem, tanto como profissionalativa no jornalismo quanto como professora,como você analisa o cenário de jornalismo po-lítico aqui no Ceará?

Kamila - A gente tem um problema mui-to sério em uma editoria de política do jornalDiário do Nordeste, que impede que o jornalse desenvolva e tenha um perfil mais com-

REVISTA ENTREVISTA I 50

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liA gente tem essadificuldade no

jornalismo de ummodo geral. Asmulheres ainda- ..sao rnarona nas

re~açc?es, mas sãorrunona em cargos

de chefia."etitivo em relação ao O Povo. Eu faço essa

análise do jornalismo impresso, pra começar.= realmente uma limitação. Talvez mude. Es-

era que mude. Mas o jornal O Povo conse-gue em muitos momentos realizar um bomiornalisrno político. Realmente faz a diferençae tem um papel superimportante. Tambémem suas limitações. Você tem uma demanda

que ele não vai suprir. As televisões também-ião são fortes nessa área. As emissoras queêm um pouco de política acabam evitando as

polêmicas. Fazem de conta que as coisas nãoexistem, que não acontecem e fica por issomesmo. Só quando tem uma matéria nacio-nal é que sai alguma coisa aqui, no local. Euacho muito estranho isso. Não gosto disso. Édesnecessário esse medo. A Jangadeiro entranessa, mas com um viés muito pró-Tasso, né?Você assiste e já sabe que ele vai falar mal dequem estiver contra ele. Não importa o moti-vo. Isso é muito triste, né? E na internet a gen-

te tem algumas coisas que acontecem, mas émuito "copiar e colar". Tá faltando um pouqui-nho dessa análise, né? Hoje o principal analistapolítico do Ceará é sem dúvida o Érico Firmo(jornalista do O Povo). E o Fábio Campos (jor-nalista do O Povo) continua sendo importantetambém. Acho que tem a relevância dele. Masé pouco. Poderia ter mais gente trabalhandoe fazendo a diferença nessa área. Acho queprecisa. Precisa porque a gente tem aqui umacomplexidade muito interessante. E tem leitu-ras novas que não estão sendo feitas, que euestou sentindo falta. Essa relação mesmo doRoberto Cláudio com os outras partidos ... Emum nível local, na época do Juraci Magalhães(ex-prefeito de Fortaleza, entre 1990 - 1993, e1997 - 2005), eu conseguia fazer essa leitura.Agora, na era do Roberto Cláudio, eu não te-nho essa leitura clara. O próprio governador(Cid Gomes), com esse rompimento com o PTda Luizianne, mas com uma aproximação comum outro PT, e o rompimento com o PMDB ...Isso, de certa forma, o Érico trabalha, mas po-dia ser melhor. Tem de ser mais esmiuçado.Eu não sei até que ponto isso vai.

Hélio - Você acha que existe algum veícu-lo de outro lugar ou estado que execute essetipo de atividade melhor do que a gente? Al-gum modelo melhor?

Kamila - O problema é que a nossa im-prensa é muito contaminada por interesses deum viés político. É um olhar muito pequeno--burguês. Muito neoliberal. A cobertura ficamuito contaminada. Acaba que se define oque é o certo e o errado, o que é o bom e oque é o mal e pronto, navegam nessa área. In-felizmente as nossas revistas estão com isso,até de uma forma criminosa. (Elas) se vendemmesmo. Eu acho que os jornais impressos nãose vendem, mas têm essa contaminação mui-

KAMILA FERNANDES I 51

Kamila e o maridobrincam com os filhos,veem televisão e dese-nhos animados para nãofalarem só de jornalis-mo. "É um negócio quevai te abduzindo, pareceque você tá em um uni-verso paralelo, o univer-so dos jornalistas".

Com a entrevista fi-nalizada, Ana Maria agra-deceu Kamila por teraceitado o convite e pelaentrevista. Kamila, surpre-sa, perguntou aos risos:"E tem quem recuse umconvite desses? O pessoaldeve estar é pedindo praser entrevistado."

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Na foto final da entrevista,uma personagem importanteda entrevista também apare-ce: Maggie. Amanda e AnaMaria fizeram questão que elatambém aparecesse na foto.

Kamila serviu um lan-che para todos após aentrevista. Ela contouque foi convidada paralanchar em várias maté-rias que fez ao longo dacarreira e resolveu fazer omesmo porque consideraum gesto bonito.

legais, coisas chatas ... E eu enxergo que foio caminho do telejornalismo que me trouxepara a universidade. Foi a luz no fim do túnel(risos). O destino costurou pra dar certo, sabe?Eu agradeço demais ao Grupo O Povo, umacasa que eu admiro e gosto profundamen-te. Acolheram-me de uma forma incrível, mederam chances. Confiaram em mim, mesmoquando fui rebelde. Sempre vou me referir aesse grupo com muito carinho, mesmo sa-bendo dos defeitos e tudo, mas é um grupoque eu admiro muito.

Oavid - Quando houve essa transição doimpresso de cobertura política para a televi-são de cobertura cultural, você não se sentiudesloca da?

Kamila - Não, eu adorei. Foi uma oxigena-ção, foi um respiro. Eu comecei substituindoa Isabel Andrade (jornalista e apresentadora)no Viva, que era um programa cultural. Eu ti-nha de ser mulherzinha, de estar todo dia comcabelo lindo, toda maquiada, roupa até curta,às vezes... Fora a preocupação com a estéticatinha a preocupação com os temas culturais.Eram várias coisas que eu não conhecia. Ouàs vezes eu conhecia, mas só de ouvir falar.A chance de fazer essas conversas com essaspessoas ... Poxa! Foi espetacular! Eu adorei!

Quando virei editora-chefe de jornalismo,já não tinha essa pegada de cultura. Tinhapegada de cotidiano e um pouco de políti-ca, que eu ainda trazia para o estúdio. O pri-meiro programa foi com a Luizianne. A gentesempre trazia políticos pra falar. De vez emquando também trazia um artista. Fazia umpouquinho dessa frescurinha, que eu nãosou contra. Não sou contra essa aproxima-ção do jornalismo com um pouco de entre-tenimento, uma pegada ... Menos séria, me-nos sisuda. Tirar um pouco dessa sisudez ecolocar na televisão uma fluidez mais ... Maisinformal, mais do cotidiano, mais conversa,mas também de mais opinião e análise. Umprograma que tem política mas mistura com

to forte. Eu gosto da Folha como jornal queé atrevido, mas é pequeno-burguês. É capita-lista, neoliberal. Por ele tudo seria privatizado.Enfim, você tem um olhar claro em relaçãoa isso. Não tem um pensamento social mui-to forte. Eles odeiam o MST (Movimento dosTrabalhadores Sem Terra). Odeiam índio. Temalguns setores que os chefes odeiam. Isso eudigo, pois ouvi de chefe ao propor pautas."Pauta de índio? Ah, eu odeio índio!" (imitan-do um dos chefes). Mas tem algumas figurasque fazem a diferença. Você tem FernandoCanzian, apresentador do TV Folha, que temum olhar crítico e com um viés social muitointeressante. Gosto dele. É a qualidade da pes-soa que faz a diferença.

Hélio - Como foi esse processo de tran-sição do impresso para a televisão de ummodo geral?

Kamila - Foi muito louco! Eu não tive tantoproblema, pois eu fui correspondente, entãotrabalhava com assuntos gerais. Mas com te-levisão foi totalmente uma novidade. Eu tivede aprender a linguagem da tevê, os jargões,tudo. Aprendi tudo na prática. Foi uma situ-ação muito rica. Deu pra experimentar, praerrar, pra fazer tudo e mais um pouco, coisas

110 que acontece nomundo da política ...

E um mundomasculino pra

caramba. (...) Ummundo onde essescaras acham que

podem tudo."

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,JJE um olhar muitopequeno-burguês.Muito neoliberal.

A coberturapolítica) fica muito

contaminada."~ pouco de cultura atrai olhares. Atrai umaessoa que gosta de cultura, mas, de repen-

- vai ter acesso a um conteúdo de políti-ca. E aquilo de repente vai servir pra ela, vai- regar ao ter acesso a um melhor conteú-

. Isso ainda tem de ser mais bem trabalha-

. Não é só uma questão de frescurinha, der uma risadinha. Tem de ter conteúdo. E a

cente tentou fazer isso e ficou legal. Mas era~ 'ícil. A infraestrutura geral era pequeninís-s ma na TV O Povo, mas foi uma escola.

Breno - Kamila, você falou na pré-entre-sta que no telejornalismo você encontrouretorno do público que não existia na mes-a dimensão enquanto você trabalhava nornalismo impresso. Esse foi um fator queotivou você a se adaptar nessa nova área

o telejornalismo?Kamila - É, tudo motivou, eu acho. Essa

coisa de aprender alguma coisa nova, né?as essa parte do público é muito interes-

sante mesmo. Quando eu fui pra TV O Povoeu achava: 'Ah, ninguém assiste, né?" (risos).Ainda mais o Viva que passava às dez e meiada noite. Mas assistiam. Quando eu passavana rua ou estava em um restaurante, com meuentão namorado - que na época eu comeceia namorar o Fábio -,as pessoas vinham falarcomigo. Elogiavam e eu achava isso legal. Éuma coisa que satisfaz. Você fica: "Poxa, quelegal! Estão vendo o que eu estou fazendo.Finalmente alguém está me dando um retor-no". Antes eu só tinha retorno dos políticos,praticamente. Quem lia o jornal. .. A Folha? Po-líticos! Jornal O Povo também ... Na coluna eutinha alguns leitores - como todos os colunis-tas - que ficam mandando opinião. Repercutiamais que reportagem. Mas me motivou todoessa questão de aprender e estar tendo de li-dar com uma linguagem diferente. A fase deadaptação foi difícil!

Hélio - Kamila, a gente falou de seus gran-des momentos no jornalismo político. Se vocêtivesse de elencar o seu grande momento natelevisão, qual seria?

Kamila - Sei lá! Agora me pegou ... (pensaum pouco). Eu gostei de um material que eufiz ... Ainda no Viva mesmo, de entrevistas nas

casas de algumas pessoas relevantes. A gentefez uma série especial. A equipe foi na casado Adauto Bezerra (político, ex-governador doCeará de 1975 a 1978), na casa do Nirez (Mi-guel Ângelo de Azevedo, jornalista, coleciona-dor, pesquisador), na casa do Estrigas (Nilo deBrito Firmeza, 1919-2014, artista plástico), nacasa do José Albano (fotógrafo cearense) ... Eespecialmente a do Estrigas foi, pra mim, algoespetacular. Uma oportunidade que eu nuncatinha tido. Então, tinha uma equipe de produ-ção que fazia todo o levantamento, mas eu fa-zia todo o planejamento. E era tudo gravadoao vivo. E depois, lá na tevê, sempre dava paraentrevistar muita gente bacana e interessante.Eu acho que era o principal.

Mas fiquei pouco tempo. Não foi um tem-po tão grande que eu possa elencar tanta coi-sa. Mas tive acesso a essas pessoas especiais,pois eu só cobria coisa ruim ... E você começaa cobrir coisas boas, de arte e cultura, vocêconversa com pessoas e começa a pensarum pouquinho outros aspectos da vida, nãosó coisas ruins ... PÔ, foi a minha chance.

Mariângela - Kamila, você gostaria de vol-tar para a redação?

Kamila - É... Até há pouco tempo eu es-tava me sentindo como jogador recém-saídode campo, que vira comentarista (risos e gar-galhadas). Eu me sentia como um peixe forad'água. Mas agora já acalmou. Eu não tenhomais nenhuma condição de voltar para a re-dação. Não tenho mais vontade. Acho que épra juventude mesmo. Eu tô muito ranzinzapra isso. Acho que tô meio chata mesmo. Não

KAMILA FERNANDES I 53

Na entrevista com YuriFirmeza, Jadiel levou umatangerina e dividiu com AnaMaria, Mariângela e Davidno caminho de volta. Dessavez, ele levou tangerina eum cacho de uvas e acres-centou ao lanche oferecidopor Kamila.

Ronaldo ficou observandoo jardim da casa e encontrouvárias flores. Ele começou atirarfotos e uma delas (no diaseguinte à entrevista) foi paraa tradicional postagem noFacebook desejando "bonsdias" a todos os amigos.

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Ronaldo também tirouuma foto da hora do lan-che e no mesmo dia pos-tou no Facebook. Entreos comentários estavao de Kamila: "Belo mo-mento que, com certeza,jamais vou esquecer!Obrigada, gente, pelocarinho ao se disporem aouvir minhas histórias!"

Na hora de ir embora,todos sentiram a falta de8reno e Jadiel. De brin-cadeira, David falou queeles estavam lavando aslouças usadas no lanche.E aconteceu exatamenteisso. Os dois "sumiram" eforam lavar as louças paraajudar Kamila.

IINão SOU contra. -essa aproxrrnaçaodo jornalismo

com um pouco deentretenimento,uma pegada ...

Menos séria, menossisuda."

seria bom e acho que saí na hora certa. Co-mecei a ficar muito ... Chateada. Achando quenada ia funcionar, nada ia dar certo, as pautas·não dão em nada, ninguém lê, ninguém assis-te, ninguém percebe ... Mas tudo aconteceu nahora certa. Não voltaria não. Vou ver se mais lápra frente eu começo um projeto de audiovi-sua I, de produção de documentá rios. Eu sintofalta de alguma coisa prática. Mas não voltariapra redação.

Amanda - Kamila, apesar de não ter maisvontade de voltar para a redação, você falacom muita paixão sobre o que viveu tanto noimpresso quanto na tevê. O que foi que, na-quele momento, a fez prestar o concurso paraa universidade e sair da redação?

Kamila - Eu já estava traçando esse cami-nho paralelo. Eu já tinha feito mestrado e tavatraçando um caminho para iniciar na Universi-

dade. Mas eu tava feliz na redação e tudo ta -indo bem. Não tinha uma perspectiva de sai'tão cedo. Até que acabou o meu programae eu fui tirada da televisão. Foi uma situaçãomuito ruim porque ... Naquele momento ta-vam discutindo - e eu tava participando dasdiscussões, já que eu era uma das chefes,uma das editoras - uma reestruturação datelevisão. Mas nunca tinham citado em aca-bar com o jornalismo. Tinham citado mudaro horário, de coisas boas, inclusive. Quandode repente o chefe me avisa: "Olha, nós deci-dimos acabar com o programa e a gente nãovai mais precisar de você aqui. Tem uma vagade economia no jornal O Povo. Se você qui-ser, é sua". E eu fiquei extremamente chate-ada com isso, porque ... Houve uma mentira,né? Eu tava trabalhando com uma perspectivade mudança quando era totalmente outra. Eutava motivando a minha equipe, falando queiam ter mudanças, mas não era nada ruim.Então, eu menti pra minha equipe por causadessa mentira inicial. E eles ainda queriam queeu voltasse lá e falasse: "Fiquem calmos quenada vai acontecer". Eu disse: "Não vou falarisso. Vocês mentiram pra mim e eu vou voltare falar mentira?" "Não, mas pode ter certezaque ninguém vai ser demitido". Pouco tempodepois um bocado de gente foi demitida. Eufiquei muito puta com isso!

Voltei pro jornal O Povo como editora--adjunta de economia e entrei lá decidida asair. Comecei a procurar as pessoas que euconhecia. Procurei o Gomide (Marcos Go-mide, diretor de jornalismo e esporte) na TVVerdes Mares, a Isabela (Isabela Martin, di-retora de jornalismo do Sistema Jangadeiro

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- omunicação) na Jangadeiro. Ela já tinha:: o erecido um trabalho e eu ia sair. Tinha

ado trabalhar no portal da Jangadeiro ea sair. Avisei ao Arlen (Arlen Medina, di-

- ,. de jornalismo do grupo de Comunica-- O Povo): "Olha, tô saindo, certo? Quero

eçar daqui a duas semanas. Estou pe-o demissão". No mesmo dia me liga a

c, ~etária da Luciana Dummar, dona do jor-:= 'A Luciana quer falar com você, urgente.

- anhã, na hora que você chegar, suba para- :r com ela". Eu fui falar com a Luciana. (A

ana disse:) "O que aconteceu? O que éai? Por que você quer sair?" Eu conteiação da tevê, que eu tava muito, mui-uito amargurada com aquilo. Ela tentou

== o que remediar a situação, me motivar.- ente precisa de você. A gente tem planos

" você aqui dentro. Não quero que vocêa. você é nossa. Você não pode sair paraa coisa pior. Você tem de ficar aqui. Por-

e aqui é uma casa séria, uma casa de jor-- sta, a sua casa". É foda, é difícil falar não_ ela (risos). É muito difícil! Eu sei que foi

a longa conversa e eu falei: "Tudo bem,- DOm, eu vou ficar". Desfiz lá essa história

angadeiro e continuei. Mas eu continuei~ sando: "Quando aparecer alguma coi-

á tinha aparecido algum tempo antes con-- -so para o curso de jornalismo na UFC do

- iri, E eu podia ter tentado, mas, na época,inha um grande amigo que tentou e pas-, inclusive. Mas eu não fui por causa da Anaa (filha). Eu achei que ela não ia se adaptar

_ por lá. Então pensei: "Ir pra querer voltar,:: não vou. Deixa que o tempo vai ..." Aí eu

ia dos concursos novos da UFC para For-=: eza, todos pra doutor, e eu não tinha douto-.:::o. Uma pena! Eu sei que esse meu amigo

e avisou que uma das pessoas que tinham- ado concurso pra doutor e não passou era

Cariri. E ninguém tinha sido aprovado nes-

JJEununca me sentiuma jornalista

totalmente pronta,sempre me senti

meio "foca",Acho que comoprofessora talvez.seja a mesma

coisa."

se primeiro concurso. (O amigo de Juazeiroavisa:) "Cara, começa a estudar porque vai terconcurso pra mestre!" E eu falei: "Não acredi-to, não acredito!" Então ficou tudo ao mesmotempo. Eu continuaria no jornal por mais al-gum tempo. Mas tipo, surgiu o concurso. Es-tudei mesmo. Fui atrás de me preparar e deutudo certo, passei. Cara, sem dúvida, foi umailuminação na minha vida. E realmente foi nahora certa, na hora que eu tinha ficado mais,mais, mais chateada em todos os tempos coma redação. Então acho que foi isso, tudo tem ahora certa, às vezes. Mas por quê? Porque euestava abrindo as portinhas. Eu já tinha meumestrado. Se eu não tivesse ...

Ana Maria - O Jarbas contou que a últi-ma matéria que você fez como jornalista debatente foi com ele, na cobertura do ENEM2012. Quais eram os sentimentos, naquelemomento, às vésperas de assumir o cargona universidade?

Kamila - O Jarbas, cara, é um grande par-ceiro! Ele me ajudou muito. Nós fizemos mui-tas, muitas matérias juntos. Viajando mesmopelo interior não só do Ceará, mas do Piauí. Eo Jarbas é um grande fotógrafo. Essa últimaeu tava fazendo um freela pro UOL (UniversoOnline), pra complementar os vencimentos dabichinha, né? Porque no O Povo, como edito-ra, eu ganhava menos do que eu ganhava naFolha. A Folha me pagava melhor como re-pórter que O Povo, para ser editora. Então eufazia uns freelas. Como jornalista, tem de ralar,tem de ser dois ou três pra dar conta. Você

KAMILA FERNANDES I 55

Ana Maria e Davidaproveitaram o feriado dodia 15 de outubro - dia doProfessor - para continu-ar a edição da entrevista.Foi um processo compli-cado reduzir de 40 para25 páginas.

Para transcrever a segun-da metade da entrevista, Da-vid utilizou um programa nocomputador que desaceleraa velocidade do áudio parapoder compreender melhoras respostas de Kamila. AnaMaria não sabia da existên-cia desse programa.

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z: Comuniceçéo) na Jangadeiro. Ela já tinha'" oferecido um trabalho e eu ia sair. Tinha::: ado trabalhar no portal da Jangadeiro e

a sair. Avisei ao Arlen (Arlen Medina, di-_ r de jornalismo do grupo de Comunica-3 O Povo): "Olha, tô saindo, certo? Quero

eçar daqui a duas semanas. Estou pe-do demissão". No mesmo dia me liga a

: retária da Luciana Dummar, dona do jor-- : uA Luciana quer falar com você, urgente.

- anhã, na hora que você chegar, suba para=- ar com ela". Eu fui falar com a Luciana. (A

ciana disse:) "O que aconteceu? O que ée foi? Por que você quer sair?" Eu contei

=: situação da tevê, que eu tava muito, mui-muito amargurada com aquilo. Ela tentou

+eio que remediar a situação, me motivar.gente precisa de você. A gente tem planos

a você aqui dentro. Não quero que você- 'a, você é nossa. Você não pode sair para_ a coisa pior. Você tem de ficar aqui. Por-

e aqui é uma casa séria, uma casa de jor-alista, a sua casa". É foda, é difícil falar nãora ela (risos). É muito difícil! Eu sei que foi

.•ma longa conversa e eu falei: "Tudo bem,ts bom, eu vou ficar". Desfiz lá essa história

a Jangadeiro e continuei. Mas eu continueiensando: "Quando aparecer alguma coi-

SéI ... "

Já tinha aparecido algum tempo antes con-urso para o curso de jornalismo na UFC do

Cariri, E eu podia ter tentado, mas, na época,eu tinha um grande amigo que tentou e pas-sou, inclusive. Mas eu não fui por causa da AnaClara (filha). Eu achei que ela não ia se adaptarbem por lá. Então pensei: "Ir pra querer voltar,eu não vou. Deixa que o tempo vai ..." Aí eusabia dos concursos novos da UFC para For-aleza, todos pra doutor, e eu não tinha douto-

rado. Uma pena! Eu sei que esse meu amigome avisou que uma das pessoas que tinhamentado concurso pra doutor e não passou era

do Cariri. E ninguém tinha sido aprovado nes-

"Eu nunca me sentiuma jornalista

totalmente pronta,sempre me senti

meio "foca",Acho que comoprofessora talvez.

seja a mesmacoisa."

se primeiro concurso. (O amigo de Juazeiroavisa:) "Cara, começa a estudar porque vai terconcurso pra mestre!" E eu falei: "Não acredi-to, não acredito!" Então ficou tudo ao mesmotempo. Eu continuaria no jornal por mais al-gum tempo. Mas tipo, surgiu o concurso. Es-tudei mesmo. Fui atrás de me preparar e deutudo certo, passei. Cara, sem dúvida, foi umailuminação na minha vida. E realmente foi nahora certa, na hora que eu tinha ficado mais,mais, mais chateada em todos os tempos coma redação. Então acho que foi isso, tudo tem ahora certa, às vezes. Mas por quê? Porque euestava abrindo as portinhas. Eu já tinha meumestrado. Se eu não tivesse ...

Ana Maria - O Jarbas contou que a últi-ma matéria que você fez como jornalista debatente foi com ele, na cobertura do ENEM2012. Ouais eram os sentimentos, naquelemomento, às vésperas de assumir o cargona universidade?

Kamila - O Jarbas, cara, é um grande par-ceiro! Ele me ajudou muito. Nós fizemos mui-tas, muitas matérias juntos. Viajando mesmopelo interior não só do Ceará, mas do Piauí. Eo Jarbas é um grande fotógrafo. Essa últimaeu tava fazendo um freela pro UOL (UniversoOnline), pra complementar os vencimentos dabichinha, né? Porque no O Povo, como edito-ra, eu ganhava menos do que eu ganhava naFolha. A Folha me pagava melhor como re-pórter que O Povo, para ser editora. Então eufazia uns freelas. Como jornalista, tem de ralar,tem de ser dois ou três pra dar conta. Você

KAMILA FERNANDES I 55

Ana Maria e Davidaproveitaram o feriado dodia 15 de outubro - dia doProfessor - para continu-ar a edição da entrevista.Foi um processo compli-cado reduzir de 40 para25 páginas.

Para transcrever a segun-da metade da entrevista, Da-vid utilizou um programa nocomputador que desaceleraa velocidade do áudio parapoder compreender melhoras respostas de Kamila. AnaMaria não sabia da existên-cia desse programa.

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Durante a entrevista, Ka-mila citou nomes de váriaspessoas (políticos, jorna-listas, empresários ... ). Porconta disso, Ana Maria eDavid passaram uma tardeinteira pesquisando parafazer as referências corre-tas a todas essas pessoas.

Muitos ex-alunos e alu-nos de Kamila ficaramempolgados ao saberemque ela seria uma das en-trevistadas da edição 33da Revista Entrevista. Al-guns a chamam de "divada comunicação".

aprende a escrever rápido. Mas foi um traba-lho chato o do ENEM, porque a gente tinha demandar de minuto em minuto. Foi muito bompor causa do Jarbas, sabe? A gente foi almo-çar junto. Em todo canto que a gente ia, eledizia: "Vamos ver onde a gente vai comer?"(risos). O Jarbas adora comer! E eu também.A gente brinca: ganha mal, mas se diverte. Éverdade, se diverte.

Breno - Kamila, quais são os seus ideaiscomo professora de jornalismo? Como vocêpassa o que você aprendeu?

Kamila - Olha, eu tô aprendendo ainda,viu? Eu tô aprendendo a ser professora. Nãosei se um dia os alunos vão deixar de ser co-baias. Talvez um dia deixem (risos). É engra-çado! Eu nunca me senti uma jornalista total-mente pronta, sempre me senti meio "foca".Acho que como professor talvez seja a mesmacoisa. Mas é porque é uma busca mesmo pormelhorar. Por achar que aquilo não tá bom epode melhorar. Eu tento me atualizar, estudar,assistir ao que eu posso e não posso de tele-jornalismo. E tô tentando, a partir das minhaspesquisas, começar uma interface maior comos estudos nessa área de audiovisual. Não sótelevisivo, mas de um modo geral. Produçãode notícias por vídeo. Tô tentando fazer isso,mas ainda tá muito embrionário.

Hoje eu tento trazer as minhas experiên-cias, o meu olhar como profissional e o quese tem de bibliografia para embasar as aulas.

Um viés mais prático, mas também crítico, tra-zendo essa discussão crítica pra sala de aulaEnfim, se cada um de nós tiver uma posturadiferente, aquela matéria que tá falando sobreum problema social grave não vai sair estig-matizando a pessoa. Vai sair com um questio-namento, com uma reflexão crítica. Acho queo principal é isso: é despertar nos alunos queeles têm capacidade de fazer algo com conte-údo mais crítico, não só reproduzindo o quetodo mundo faz.

Jadiel - Você acha que, nesse caso, pesamais a linha editorial ou a formação do própriocomunicador nesse processo de abrir pers-pectivas nas abordagens do jornalismo?

Kamila - As duas coisas pesam. Mas a for-mação do profissional, a capacidade dele detransgredir algumas situações conta muito.Lógico que a linha editorial pesa. Se você estáem um telejornal, um desses policiais que esangue e vai mostrar ... Há uma tendência na-tural a uma espetacularização e tudo. Mas.dependendo da formação do repórter, ele nãovai estar expondo as pessoas da forma comose faz. Não vai chegar enfiando o microfone nacara da pessoa, desrespeitosamente, achandoque a pessoa tem a obrigação de falar quan-do o filho dela acabou de morrer. A posturaé muito relevante e, aí, vai fazer uma diferen-ça. Vai fazer a pauta lá pro jornal policial, masnão pra sair desse jeito, escrachado. Agora, oproblema é que as pessoas acabam concor-dando com esse tipo de abordagem e repro-duzem sem questionar. E isso vai virando umabola de neve, vai ficando cada vez pior. É umburaco profundo em busca da audiência. Secada um procurar fazer diferente, a coisa vaimudando, porque não vai depender do chefe.O chefe vai pensar no lucro, na audiência e noquanto isso está rendendo. Mas você, na suapontinha, pode fazer a diferença. É você quemestá lidando com o conteúdo. A abordagem évocê quem faz.

Amanda - Kamila, em relação a essa suamudança pra academia e sobre a visão que

,JlE muito difícil

conseguir construirum bom jornalismose você não tiveressa capacidademais ampla, um

olha plural, diversoe crítico."

REVISTA ENTREVISTA I 56

Page 27: repositorio.ufc.brrepositorio.ufc.br/bitstream/riufc/36797/1/2015_art_kbfernandes.pdf · Entrevista com Kamila Fernandes, dia 02 de outubro de 2014. Ana Maria - Kamila, nós conversamos

USou muitorealizada mesmo.

Eu acho que aminha vida nesseaspecto tem sidoincrível e eu vejo

um caminho muitobom, muito positivona universidade."

ocê falou da postura do jornalista. Você achaque o seu ponto de vista mudou? Você vê ojornalismo hoje diferente de quando você viaantes, como ele é feito na prática?

Kamila - Não, não vejo. Mantenho a visão.E, às vezes, a crítica aumenta um pouco nosentido de achar que ainda há uma deficiêncianessa formação para fortalecer esse espíritomais crítico. Mas eu vejo da mesma forma. Apostura é essa e o bom jornalismo tem de serpor aí. É muito difícil conseguir construir umbom jornalismo se você não tiver essa capa-cidade mais ampla, um olha plural, diverso ecrítico. Se não tiver isso, você não conseguefazer um bom jornalismo, seja da área que for.Eu fico muito feliz. Meu marido é de jornalismode cultura. E ele consegue dar esse diferencialno Caderno 3 (Jornal Diário do Nordeste). Eletem pautas muitas vezes bem críticas. Levantadiscussões muito boas que geram um debateno campo da cultura. Fico muito satisfeita eadmiro muito por isso. Porque às vezes no jor-nalismo cultural é muito oba-oba, que fala deuma mostra, de um show, e não é só isso. Tema política cultural. Tem toda a estrutura dessecampo que depende muito do Estado, das po-líticas públicas. Ele tem esse olhar. Tem de serassim, no campo que for. O cara do esportetem de ter essa cabeça. Conheço vários jor-nalistas de esporte que têm essa cabeça e euacho ótimo. Não é só cobrir jogo. Ou "vamoslá cobrir o treino do Fortaleza". E, cara, tá tudoali. O treinador do Fortaleza é o Osmar Baquit,político, deputado. Por quê? O do Ceará, Evan-dro Leitão, também é político. Cara, olha só,vamos entender essas relações. Então eu nãomudei não. É a mesma coisa.

Mariângela - Kamila, depois de todas es-sas mudanças e reflexões, você se sente rea-lizada, tanto profissionalmente quanto na suavida pessoal?

Kamila - Muito realizada, muito realiza-

da mesmo. Eu já me acho uma pessoa mui-to sortuda. Passei por um bocado de coisa eeu falo ... Às vezes, as pessoas acham que ...Ouem entrava na Folha só por 0.1., que é o"Ouem Indica", né (risos)? O que eu não tive.Foi tudo pelo esforço, por aproveitar as opor-tunidades e ser um pouco ousada. Essas últi-mas (ousadias) de mudar do jornal impressopra televisão e depois de mudar do jornal prauniversidade acho que foram dois movimen-tos ousados que eu fiz. Acho que foi bem ... (ri-sos). Eu pensei: "PÔ, aprender tudo de novo,começar tudo de novo". Mas eu acho que éisso aí. Eu sou extremamente feliz. Acho quefiz a escolha certa da profissão. Não poderiaser outra coisa e isso é muito bom. A pessoaque chega nesse ponto - eu tenho 36 anos,eu não sou tão velha - e achar. que escolheuo caminho errado e ter de começar realmentetudo de novo é muito ... Chato, difícil. Porquecom família e com todas as obrigações que agente tem, todas as prestações Prestaçõesda casa, do carro, do cachorro Não, do ca-chorro não (risos). Eu sou muito realizadamesmo. Eu acho que a minha vida nesse as-pecto tem sido incrível e eu vejo um caminhomuito bom, muito positivo na universidade.Tenho muitos planos. Primeiro, claro, fazero doutorado e depois ter projetos lá dentroque incrementem essa discussão sobre aprodução audiovisual. E aos poucos eu acho

KAMILA FERNANDES I 57

Durante a diagrama-ção da revista, GleydsonMoreira pediu para a du-pla de produção elaborarmais duas janelas. AnaMaria e David ficaram de-sesperados porque nãotinham mais ideias.

Era necessário que adupla de produção es-colhesse duas fotos paracompor a capa. Ana Mariae David fizeram a escolhaà distância porque AnaMaria estava no intercâm-bio, em Portugal.