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O agregador do marketing. www.briefing.pt Entrevista Dezembro de 2010 35 “A linguagem da publicidade tem de mudar. Temos de voltar às grandes ideias, mesmo com pouco dinheiro”, afirma Susana de Carvalho, 48 anos, ceo da JWT e presidente da APAP, acrescentando: “Estamos numa fase de defesa e de pouco risco, o contrário do que deveria. Dizem os manuais que, quando se entra em crise, deve-se arriscar mais” Voltar às grandes ideias mesmo com pouco dinheiro susana de Carvalho, presidente da APAP Briefing | é cinzenta a fase que se vive no mercado da publici- dade e comunicação? susana de Carvalho | Estamos numa fase de defesa e pouco risco, o contrário do que deveria. Dizem os manuais que, quando se entra em crise, deve-se arris- car mais. A criatividade, que é o nosso negócio, deve ser factor de diferenciação e potenciador de negócios nestas alturas. Não é isso que está a acontecer. Para além da retracção no investimen- to, existe uma efectiva falta de ideias. Briefing | Retrato assustador… sC | Pragmático. É um dos pon- tos do programa da Associação Portuguesa das Empresas de Pu- blicidade e Comunicação, a que gostaríamos de dar atenção, que é a atracção e retenção de ta- lentos. Vivemos essencialmente de talento. Se a nossa indústria não vê grandes ideias, premiadas ou faladas, significa que menos gente está interessada em vir para esta área e as pessoas que Ramon de Melo >>> Cristina Arvelos jornalista

Entrevista com Susana de Carvalho, presidente da APAP

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Entrevista com Susana de Carvalho, presidente da APAP

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O agregador do marketing.

www.briefing.pt Entrevista

Dezembro de 2010 35

“A linguagem da publicidade tem de mudar. Temos de voltar às grandes ideias, mesmo com pouco dinheiro”, afirma Susana de Carvalho, 48 anos, ceo da JWT e presidente da APAP, acrescentando: “Estamos numa fase de defesa e de pouco risco, o contrário do que deveria. Dizem os manuais que, quando se entra em crise, deve-se arriscar mais”

Voltar às grandes ideias mesmo com pouco dinheiro

susana de Carvalho, presidente da APAP

Briefing | é cinzenta a fase que se vive no mercado da publici-dade e comunicação?susana de Carvalho | Estamos numa fase de defesa e pouco risco, o contrário do que deveria. Dizem os manuais que, quando se entra em crise, deve-se arris-car mais. A criatividade, que é o nosso negócio, deve ser factor

de diferenciação e potenciador de negócios nestas alturas. Não é isso que está a acontecer. Para além da retracção no investimen-to, existe uma efectiva falta de ideias.

Briefing | Retrato assustador…sC | Pragmático. É um dos pon-tos do programa da Associação

Portuguesa das Empresas de Pu-blicidade e Comunicação, a que gostaríamos de dar atenção, que é a atracção e retenção de ta-lentos. Vivemos essencialmente de talento. Se a nossa indústria não vê grandes ideias, premiadas ou faladas, significa que menos gente está interessada em vir para esta área e as pessoas que

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Cristina Arvelosjornalista

O agregador do marketing.36 Dezembro de 2010

www.briefing.ptEntrevista

“As fronteiras estão a esbater-se e não se consegue ter tudo em casa.

Essencialmente pela questão dos custos.

Às agências de publicidade cabe o papel de serem

integradoras de todas as disciplinas e de recorrer a serviços

especializados. As agências

especializadas vão ter de abrir”

são muito boas podem ponderar sair desta área e ir para outras. A criatividade é algo que todos os negócios precisam, mas o nosso ainda mais, porque vivemos de ideias.

Briefing | Não há também uma falta de reconhecimento dos empresários em relação à cria-tividade?sC | Tem a ver com prioridades, sendo que as opções não estão a ser as mais correctas. Cada vez mais se pensa no curto prazo, na eficácia e no retorno, mas para-doxalmente tem-se medo em ar-riscar em novas ideias. Isso aca-ba por dar origem a uma situação morna. Não conseguimos pôr na rua as ideias que têm grande im-pacto e são faladas.

Briefing | Há portugueses ge-niais a emigrar. Portugal está a ficar um país sem espaço para a criatividade?sC | Não está a acontecer dessa forma nesta área. Acontece mais noutras áreas. Mas é possível que venha a acontecer também nesta.

Briefing | ser presidente da APAP, nesta altura, é um traba-lho árduo?sC | Também por isso acaba por ser mais interessante. Os portu-gueses nunca foram dados ao as-sociativismo. Mas nas situações mais difíceis, as pessoas têm a tendência de se juntar. Passam a ter objectivos macro, o que nos torna a todos mais fortes. Con-seguimos reunir uma série de pessoas, algumas nem se conhe-ciam, e ter a representatividade do mercado. Costumo dizer que na direcção da APAP, neste mo-mento, temos a melhor agência, com todas as áreas da comunica-ção representadas.

Briefing | Deveriam ser assim as agências? sC | A publicidade abriu frontei-ras. Passamos de uma situação em que as agências, chamadas de publicidade, congregavam todos os serviços, o que deu ori-gem a uma outra de especializa-

ção. Voltamos agora a ter alguma integração e a ter uma postura de colaboração, que vai ser o futuro. As fronteiras estão-se a esbater e não se consegue ter tudo em casa. Essencialmente pela ques-tão dos custos. Às agências de publicidade cabe o papel de se-rem integradoras de todas as dis-ciplinas e de recorrer a serviços especializados. As agências es-pecializadas vão ter de abrir. Se mantiverem o seu negócio estrito, acabarão por ficar redutoras. To-dos temos que ter uma visão mais integradora do negócio.

Briefing | O que a levou a can-didatar-se à Direcção da APAP?sC | Adoro pessoas, a minha pai-xão é a comunicação e este lugar dá-me mais mundo. Ainda: gosto de fazer coisas, projectos e de combinar pessoas. Gosto da di-versidade. Achei que fazendo isso estava a dar um contributo para a indústria no nosso mercado, que sendo pequeno, tinha muita coisa para fazer.

Briefing | Quais são os princi-pais objectivos da APAP para 2011?sC | Em 2011 continuaremos a ter como prioridade conseguir o respeito e a valorização do que fazemos. Temos também objecti-vos na área de formação, com te-mas relevantes para formar novos quadros e pessoas com mais ex-periência. Temos ainda a área da propriedade intelectual, hoje mais premente do que nunca, e a que diz respeito aos concursos.

Briefing | As agências matavam-se quase para ganharem os con- cursos… sC | Os concursos foram sempre um flagelo na nossa actividade. Fazer um concurso aberto a 20 empresas significa trabalho extra e um desperdício gigante de re-cursos. De uma forma simples e pragmática, fizemos um guia, que conseguimos pôr de pé com a APAN (Associação Portuguesa de Anunciantes) e que foi assinado em Março do ano passado e do qual já começamos a ver resultados.

“Cada vez mais se pensa no curto prazo, na eficácia e no retorno, mas paradoxalmente tem-se medo em arriscar em novas ideias. Isso acaba por dar origem a uma situação morna. Não conseguimos pôr na rua as ideias que têm grande impacto e são faladas”

“A criatividade, que é o nosso negócio,

deve ser factor de diferenciação e potenciador de negócios nestas

alturas. Não é isso que está a acontecer.

Para além da retracção no investimento,

existe uma efectiva falta de ideias”

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O agregador do marketing.

www.briefing.pt Entrevista

Dezembro de 2010 37

Briefing | Regulamentaram os concursos… sC | Este guia é uma ferramenta importantíssima, que veio melho-rar o mercado. Quando foi anun-ciada a crise em 2008, aconteceu o que não queríamos: muitos concursos especulativos, apenas para baixar remunerações. Com o guia, os processos ficam bali-zados e implicam bom senso das partes. Mas há ainda mais para conquistar.

Briefing | Por exemplo? sC | A questão da propriedade intelectual que implica também a forma como se remunera a nos-sa actividade. Disse uma vez, em público para provocar a plateia, que o sistema de fee fixo puro, a prazo, era um suicídio. O sis-tema de remuneração das agên-cias evoluiu das comissões de agências para a remuneração de horas, por pessoas, por equipas, por funções. Mas eu posso ter uma ideia em três horas, em duas semanas ou num mês. Uma assi-natura, que um anunciante utiliza durante anos, tem um valor para além do número de horas que levou a ser criada. É a este valor que não conseguimos atribuir um preço.

Briefing | A comunicação e a publicidade ainda são oportu-nidades de negócio?sC | Há oportunidades, algumas estão precisamente nas mãos dos gestores e dos empresários. Se as coisas mudaram, também têm de mudar nos nossos negó-cios. Há uma enorme fragmenta-ção dos media – essa é a grande preocupação dos anunciantes – há uma enorme evolução do consumidor e há que adequar as estruturas a estas realidades. É verdade que há demasiadas em-presas, mas a maior parte delas tem estruturas muito débeis.

Briefing | O que quer dizer com débeis: pouca gente ou gente pouco preparada?sC | As duas coisas. A reestru-turação tem passado por um corte nas pessoas. Mas o traba-

lho não desapareceu. Em 2010 houve crescimento de trabalho. Só que se está a trabalhar mais por menos. Isso significa que se mandam pessoas embora, conti-nuando com o mesmo trabalho. Significa também que se vai bus-car gente nova, que até é talento-sa, mas leva mais tempo a fazer o trabalho. Significa ainda que gen-te experiente fica desempregada e acaba por abrir uma empresa ao lado. Acabamos por ter muitas microestruturas e o bolo é o mes-mo. Há também muitas fusões do lado dos anunciantes. Por cada uma, há menos uma marca para trabalhar. As fusões já não acontecem do lado das agências, onde penso que seria oportuno acontecerem.

Licenciada em Comunicação Social pela Universi-dade Nova de Lisboa, Susana de Carvalho, 48 anos, é mãe de dois filhos já crescidos, foi bolseira do AFS/American Field Service na Medfield High School, USA. Preside desde 2006 à Associação Portuguesa das Empresas de Publicidade e Comunicação. Eis o seu currículo não oficial, escrito por ela e especial-mente cedido ao Briefing (onde não refere os seus três vícios mais assumidos: ler, ser ingénua e fumar): - Aprendeu que na vida não vale a pena fazer pla-nos porque eles tratam de fazer esse trabalho por nós e normalmente sempre ao contrário do que era suposto. Foi assim na vida académica, na activida-de profissional e até na dimensão dos afectos. As rupturas e as mudanças de rumo sempre no limite. E aí, percebeu que a única coisa irreversível é mesmo deixar de existir. Quis ser enfermeira, tenista profis-sional, advogada criminal, repórter de campo e aca-bou publicitária – mas sabe que ainda vai ser outra coisa qualquer. Estudou Turismo e Comunicação Social ao mesmo tempo, enquanto servia às mesas de um restaurante ou fazia um jornal semanal ou um estágio na RTP.- Entrou na publicidade devido a uma fila de espera no Governo Civil para renovar o passaporte. Trocou umas férias na América do Sul por um estágio numa

agência, tendo crescido sem saber o que era publi-cidade pois era proibido lá em casa. Quando fez o seu primeiro anúncio teve que ir à vizinha do lado pedir para assistir ao bloco publicitário na TV.- Mudou várias vezes de agência, sentindo-se uma mercenária ainda que involuntária, mas os convites seguiam-se e os desafios aumentavam. - É uma apaixonada pela comunicação. Voltou à universidade para aprender mais sobre o planeta porque precisava de encontrar respostas e inspi-ração para mudar, melhorar e continuar a inspi-rar e a motivar, pois sente que este é um tempo de transição para algo que vai nascer de novo e quer definitivamente fazer parte activa dele. Acre-dita em utopias, pois o mundo precisa delas para avançar. Ainda mais quando aprendeu que, na sua origem, a palavra significa “o que ainda não tem lugar, mas pode vir a ter” (ou seja, a possibilidade). Com o grupo certo de pessoas e com a poderosa ferramenta da comunicação para a tão necessária mudança de comportamentos, a todos os níveis: da política, às empresas, ao consumidor cidadão. Continua a não se atrever a fazer planos pelo que a experiência lhe tem demonstrado, mas acorda todos os dias pronta para ouvir “o que o universo tem para lhe dizer”.

Susana de Carvalho vê-se ao espelhoRETRATO

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“Sou uma mente inquieta, com um dia-a-dia frenético. Preciso de fazer

várias coisas ao mesmo tempo. O meu problema é que adoro tudo”

“Os concursos foram sempre um flagelo na

nossa actividade. Fazer um concurso aberto a 20 empresas significa trabalho extra e um

desperdício gigante de recursos”