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REVISTA FERROVIÁRIA | OUTUBRO/NOVEMBRO DE 2015 20 Fim da exuberância Humberto Freitas, diretor executivo de Logística e Pesquisa Mineral da Vale Terceira maior mineradora do mundo, a Vale completou este ano 73 anos. O Rio Doce ficou num passado já distante, mas a empresa continua funcionando sobre as bases de sua fundação; o tripé mina- ferrovia-porto. Nasceu em Minas Gerais, mas seu grande foco, agora, é no Norte do pais. Em Carajás e no projeto S11D, uma nova mina localizada na Serra Sul de Carajás, na direção da qual está sendo construído um ramal ferroviário de 110km, e que vai acrescentar 90 milhões de toneladas/ano à produção. Já no último relatório trimestral da companhia, fechado em setembro, a empresa anunciou que bateu seu próprio recorde e atingiu a impressionante marca de 88 milhões de toneladas de minério transportado. Ao mesmo tempo, baixou seu custo de produção de minério em 24% – para apenas 12,7 dólares por tonelada, o menor do mundo; e reduziu a menos da metade suas despesas gerais e administrativas. Avanços que a empresa foi buscar internamente para fazer frente às adversidades externas: a desaceleração da economia chinesa, que responde por mais de um terço da receita da companhia; e a queda contínua do preço do minério de ferro, que só do segundo para o terceiro trimestres deste ano baixou de U$61,5/t para U$ 56/t. Nos últimos quatro anos, a cotação do minério saiu de um pico de U$ 191/t e chegou a bater a mínima de U$ 45/t. “O tempo de exuberância do minério acabou”, sentencia Humberto Freitas, que além de quase 4 décadas de Vale, preside os conselhos da VLI e da MRS. Os ativos logísticos da Vale são divididos em sistemas. O Norte, que é a Mina de Carajás, a Estrada de Ferro Carajás e o porto; Sudeste, com as minas do quadrilátero ferrífero, a Vitória-a- Minas e o porto de Tubarão (SC); o Sul, que são outras minas do quadrilátero ferrífero e os portos do Rio, através da MRS onde a empresa não opera, mas tem 44% de participação; o sistema Centro- Oeste, que é de Corumbá – e usa barcaças pelo rio Paraná – até a Argentina. Além disso, em Moçambique, a empresa opera uma ferrovia e parte de um porto, que já existiam, e construiu uma ferrovia (passando pelo Malawi) e porto, exclusivos. Nesta entrevista, Humberto Freitas, explica as mudanças, com foco na eficiência e na simplicidade. entrevista

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REVISTA FERROVIÁRIA | OUTUBRO/NOVEMBRO DE 201520

Fim da exuberânciaHumberto Freitas, diretor executivo de Logística e Pesquisa Mineral da Vale

Terceira maior mineradora do mundo, a Vale completou este ano 73 anos. O Rio Doce ficou num passado já distante, mas a empresa continua funcionando sobre as bases de sua fundação; o tripé mina-ferrovia-porto. Nasceu em Minas Gerais, mas seu grande foco, agora, é no Norte do pais. Em Carajás e no projeto S11D, uma nova mina localizada na Serra Sul de Carajás, na direção da qual está sendo construído um ramal ferroviário de 110km, e que vai acrescentar 90 milhões de toneladas/ano à produção.

Já no último relatório trimestral da companhia, fechado em setembro, a empresa anunciou que bateu seu próprio recorde e atingiu a impressionante marca de 88 milhões de toneladas de minério transportado. Ao mesmo tempo, baixou seu custo de produção de minério em 24% – para apenas 12,7 dólares por tonelada, o menor do mundo; e reduziu a menos da metade suas despesas gerais e administrativas.

Avanços que a empresa foi buscar internamente para fazer frente às adversidades externas: a desaceleração da economia chinesa, que responde por mais de um terço da receita da companhia; e

a queda contínua do preço do minério de ferro, que só do segundo para o terceiro trimestres deste ano baixou de U$61,5/t para U$ 56/t. Nos últimos quatro anos, a cotação do minério saiu de um pico de U$ 191/t e chegou a bater a mínima de U$ 45/t.

“O tempo de exuberância do minério acabou”, sentencia Humberto Freitas, que além de quase 4 décadas de Vale, preside os conselhos da VLI e da MRS.

Os ativos logísticos da Vale são divididos em sistemas. O Norte, que é a Mina de Carajás, a Estrada de Ferro Carajás e o porto; Sudeste, com as minas do quadrilátero ferrífero, a Vitória-a-Minas e o porto de Tubarão (SC); o Sul, que são outras minas do quadrilátero ferrífero e os portos do Rio, através da MRS onde a empresa não opera, mas tem 44% de participação; o sistema Centro-Oeste, que é de Corumbá – e usa barcaças pelo rio Paraná – até a Argentina. Além disso, em Moçambique, a empresa opera uma ferrovia e parte de um porto, que já existiam, e construiu uma ferrovia (passando pelo Malawi) e porto, exclusivos.

Nesta entrevista, Humberto Freitas, explica as mudanças, com foco na eficiência e na simplicidade.

entrevista

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REVISTA FERROVIÁRIA | OUTUBRO/NOVEMBRO DE 2015 21

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A ferrovia é alma da Vale. É na ferrovia que está a eficiência. Temos 50 dólares para produzir 1.000 quilos de um produto

na mina, transportar 900 km de Carajás até o porto.

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REVISTA FERROVIÁRIA | OUTUBRO/NOVEMBRO DE 201522

Nós soltávamos o trem na linha quando estava pronto. Agora o trem só sai no horário, na tabela. Se der um

problema (...) Não amontoa trem, porque isso não adianta.

Revista Ferroviária – A vale é uma empresa tradicional no Brasil. Um gigante internacional. Sempre foi. E está tendo que se adequar a uma situação que é geral no país e podemos dizer no Mundo: acabaram os tempos de abundância. Como é isso dentro de uma empresa do tamanho da Vale? Humberto Freitas – Está sendo um desafio muito grande para nós. De 2005 até 3, 4 anos atrás, foi um período de abundância. Agora olha o que aconteceu com os preços do minério: chegou a US$ 191 no pico, em 2011, e caiu para US$ 45 no nível mais baixo. Temos na empresa um grande número de empregados - todo mundo que entrou depois de 2005 - que nunca trabalhou de forma muito aus-tera. A mudança cultural é muito pesada, muito difícil. E nós estamos falando de uma empresa que, se você somar os próprios, mais terceiros, vai a 200 mil pessoas. Temos que mudar a forma de pensar de todas essas pessoas, todas têm que estar no alinhamento da simplicidade, da auste-ridade e do avanço nessa questão. Está sendo uma expe-riência muito interessante e vemos isso pela diferença de custo que nós estamos conseguindo.

RF – Essa redução de custos tem gerado enormes ga-nhos de produtividade.HF – O custo do nosso minério, da mina até o navio, jun-tando tudo, era de 22 dólares por tonelada, no terceiro tri-mestre do ano passado. No trimestre passado foi 15,8 dóla-res por tonelada. De 22 para 16, são 6 dólares por tonelada. Seis dólares vezes 340 milhões, dá mais ou menos 2 bilhões de dólares que nós tiramos do custo em um ano. Se você me perguntar como foi isso, não poderei dizer que foi uma coi-sa, foi a soma de tudo, do VPS (Vale Production System). Diminuição de carro aqui, diminuição de luxo ali, otimiza-ção. Temos o porto batendo recordes, recordes e recordes, sem aumentar nada, só com inteligência, só com software, só com tecnologia, melhoria de eficiência energética, dimi-nuição de consumo de combustível. Se eu for ficar falando, vou falar o dia todo... é o somatório da empresa funcionando. Para dar uma ideia. A logística investia, por ano, em torno

de 900 milhões de dólares, só em investimento corrente: troca de máquinas, renovação disso, renovação daquilo. Nós estamos com 430 milhões de dólares para o ano que vem e com a garantia da Engenharia de que tudo será fei-to. O que que mudou? É a mentalidade. É a forma de ver, a forma de fazer um projeto. Outra coisa que nós fizemos, nós “primarizamos” muitas atividades. Tivemos um mo-mento em que a gente não fazia nada, só contratava. Tem o exemplo de um portão que precisava ser projetado e numa reunião eu perguntei quantos engenheiros tinham na sala. Todos levantaram a mão. Aí eu falei: “Então, por que nós precisamos contratar um técnico de engenharia para pro-jetar um portão?”.

RF – É uma mudança cultural...HF – A mudança cultural que nós estamos vivendo na Vale é impressionante. A Vale – e eu posso falar, porque estava aqui na época –, como estatal, era uma estatal diferencia-da, sempre foi. Por dois motivos: primeiro, ela só teve um ou dois presidentes, dirigentes, políticos. A maioria saía de seus próprios quadros, entendiam do assunto. E segun-do, porque o nosso mercado é o mercado mundial de mi-nério. Então, nós tínhamos que estar disputando mercado. Aí nós privatizamos e continuou essa mentalidade ainda mais ágil. Mas aí veio o problema do excesso de abundân-cia. É interessante, mas o excesso de abundância torna os gerentes piores. Antes iam 4, 5 pessoas para uma reunião. Hoje não vai. Nós fazemos por videoconferência reuniões com a mesma qualidade. As viagens caíram pela metade, em 4 meses. São cortes emblemáticos, viagem, carro, mo-torista. Não precisava pegar o ônibus porque dali há meia hora, podia pegar um táxi, a empresa pagava. Hoje somos 7 diretores executivos e não temos mais carro com moto-rista. É a terceira mineradora do mundo. Se você disser isso nas outras, eles não vão acreditar. Com isso, a em-presa começa a valorizar quem tem conhecimento e não quem tem cargo. Essa mudança de cultura que a empresa está vivendo, eu estou feliz de viver isso, eu acho que lá na frente a empresa vai ser muito melhor.

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REVISTA FERROVIÁRIA | OUTUBRO/NOVEMBRO DE 201524

Gastamos 240 milhões de metros cúbicos (de diesel) por ano. Se ganharmos 3% já estamos vencendo a fase de corte de custo e entrando na fase de tecnologia.

RF – E nas ferrovias que demandam altíssimos investi-mentos? HF – A ferrovia é alma da Vale. É na ferrovia que está a eficiência. Porque nós temos 50 dólares para produzir 1.000 quilos de um produto na mina, transportar 900 km de Carajás até o porto. Tudo tem que ser muito eficiente. Nós lutamos aqui por minuto no virador de vagão. Hoje fazemos 140/150 milhões de toneladas de minério de fer-ro por ano lá em Carajás. Isso quer dizer 33 lotes de 110 vagões por dia. São 3.300 vagões todo dia chegando no porto. Vamos chegar a 230 milhões de toneladas de capa-cidade de minério de ferro, mais 19,7 milhões de tonela-das de carga geral. Com isso serão cerca de 6.000 vagões por dia no porto. 6.000 vagões, para inspecionar e, se for o caso, trocar rodeio, se for o caso, trocar sapata de freio. Isso tudo por dia.

RF – Precisa de uma gigantesca estrutura de manutenção.HF – Nós já estamos fazendo uma expansão. Nas oficinas que nós estamos fazendo, não se separa o vagão para fazer manutenção. Aqui na Vitória-a-Minas tem o “hump yard” que faz a separação por gravidade do vagão que vai para a oficina. Lá no Norte, o lote de 110 vagões passa inteiro, no conceito de lote homogêneo. O conjunto vai andar sempre junto e para fazer a manutenção preventiva vai parar o lote inteiro. Todo junto. E essa manutenção tem que ser muito bem-feita para que não precise ficar abrindo o lote.

RF – O maior ganho é o de tempo? HF – Você ganha um absurdo de tempo. Só o tempo de você abrir o trem, tirar o vagão, separar o lote... Remontar o trem, as mangueiras, equilibrar a pressão do ar... É uma confusão. Outro exemplo de ganho é a reforma do vagão no sistema Norte. Cortar a chapa desgastada e botar nova, tudo é feito por um robô. Faz 4 vagões por dia.

RF – E nas minas também tem ganho de produtividade?HF – Na mina temos silos automáticos. O trem não para, ele passa devagar, o silo abre, põe o tanto certo, fecha e o

trem continua andando e vai embora. Nosso peso médio na EFVM passou de 77t por vagão para 82t. No Norte, nós saímos de 99t, estamos em 104t. No Sul, de 95t para 106t, bateu recorde esse mês agora. A cada uma tonelada por vagão, dá quase 2 milhões de toneladas a mais para mesmo ativo. Isso é produtividade.

RF – A busca da produtividade é ou pelo menos deve-ria ser uma vocação da ferrovia HF – Nós tivemos um ganho recente, já em nível de refi-namento. Nós soltávamos o trem na linha na hora que ele estivesse pronto. Agora o trem só sai no horário, na tabe-la. Se der um problema na linha, ela para toda do mesmo jeito. Não amontoa trem, porque isso não adianta. E nós estamos operando aqui há 60, 70 anos, e agora que o pessoal percebeu isso. Por que? Porque nós estamos num nível de número de trens que exige isso. Se você sentar na ferrovia em algum ponto, vai passar um trem a cada 15 minutos.

RF – Que tipo de sinalização de via vocês usam? HF – Tudo controlado por ATC. O trem para automatica-mente. Os trechos são divididos por circuitos de via para que um trem não ocupe o espaço de outro. Os setores da Vitória-Minas eram de 7 km. Um trem entrava no setor ocupava 7 km. Aí só quando ele saísse que podia entrar outro. Nós mudamos a sinalização e passamos isso para 3,5 km. O trem tem dois e pouco... então, nós ganhamos muito em capacidade mudando a sinalização apenas. Mas isso já foi. Ainda não existe em ferrovia, mas o ideal seria poder ter blocos otimizados, andando com o próprio trem. Se o trem é curto, não preciso guardar 3 km. Mas isso ain-da não tem no mundo, É uma coisa a evoluir. Condução automática, também é uma evolução que nós estamos, já há dois anos, em cima, forte.

RF – Melhorar os processos?HF – Processo e tecnologia. E nós estamos trabalhando muito nesse sentido. Dentro do nosso VPS, que é o Sis-

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REVISTA FERROVIÁRIA | OUTUBRO/NOVEMBRO DE 201526

Nós criamos o helper dinâmico. A locomotiva vem por trás e engata com o trem andando, sobe e desengata

com o trem andando. Não precisa parar.

tema de Produção da Vale, tem todo um trabalho das áreas otimizando seus processos e trazendo ganhos para empre-sa, eliminando desperdícios. Nós temos cortado custos em tudo o que não é essencial, com grande foco no essencial. E nós temos investido muito em tecnologia. No CCO do sistema Norte, onde ainda temos linhas singelas, temos um sistema de inteligência artificial que – imputados os dados – ele vai determinando que trem para e que trem passa. Temos carros-controle, com laser que é o que há de mais moderno, que ao final da viagem te entregam um re-latório por centímetro de linha, da situação de cada trilho, de alinhamento, de tudo. Temos um software em teste, que ainda não implantamos totalmente, que opera o trem sozi-nho, o maquinista vai junto só para acompanhar.

RF – Um sistema driverless?HF – Sim, mas é para otimizar a operação não para tirar o maquinista. Ganhamos na otimização da frenagem, da aceleração, no consumo de combustível. Nessa nova fase, temos uma gestão austera para simplificar e focar, usando a tecnologia, porque o corte de custo tem um limite. Eu não posso parar de trocar trilho, não vou parar de usar diesel. Por sinal, o maior consumo de diesel do Brasil é da Vale. Somando as minas e as ferrovias, nós estamos gastando 240 milhões de metros cúbicos por ano. Se apli-camos um sistema que ganha 3% já estamos vencendo a fase de corte de custo e entrando na fase de tecnologia, de ganhar em vários níveis. Inclusive tecnologia de arruma-ção de área, de sequência de trabalho...

RF – Como funciona esse software? HF – Tem um computador de bordo, que capta uma série de informações da sinalização, da operação com a base. Ele recebe a informação do Centro de Controle sobre trens à frente e trens atrás, circulação, todas as condições ope-racionais. Até o traçado e as condições da linha. Com base nessas informações, ele antecipa uma frenagem ou deixa de acelerar para não precisar frear, porque para frear, ele gasta sapata e gasta combustível.

RF – É uma precisão que supera a capacidade da decisão humana. HF – Nosso trem (tipo, em Carajás) tem 334 vagões. É o maior trem do mundo. As locomotivas vão espalhadas no trem para reduzir o empuxo lá na frente, se não quebraria os engates. Então você espalha para diminuir os esforços.

RF – São quantas locomotivas neste trem?HF – Em Carajás vão 4 locomotivas. Na Vitória-a-Minas – com trens de 168 (2X84) ou 252 (3X84) vagões – são 2 ou 3 locomotivas. Mas em Carajás são 3 lotes de 110, mas como cabem mais 4 vagões no pátio a gente ganha nesses 4. O trem tem 3,5 quilômetros e pode ser que uma parte tenha que acelerar para subir e a outra tenha que frear por-que está descendo o morro. Senão o trem quebra

RF – Mas é um software em cada locomotiva? HF – Não, é o locotrol que permite esse link, mas o sof-tware controla, é o sistema que fala, por rádio, com todas as locomotivas. E é um maquinista só. Outro avanço de tecnologia que conseguimos é que em Carajás tem uma subida que precisa de uma locomotiva a mais, mas como é só num pedaço, a locomotiva não vai na viagem inteira. Nós criamos o helper dinâmico. A locomotiva vem por trás e engata com o trem andando, sobe e desengata com o trem andando. Não precisa parar. Para se ter uma ideia, um trem pequeno da Vitoria-a-Minas, para parar e retomar a uma velocidade de 40km/h, gasta 160 litros de diesel. Só para sair do 0 ao 40.

RF – Além de Vitória-a-Minas e Carajás, a Vale tem outras ferrovias sob seu controle: a FCA e a concessão da Norte-Sul, que estão com a VLI, além de uma forte participação na MRS. HF – 40% das exportações brasileiras passam por nossas ferrovias e nós tomamos a decisão estratégica de sair da carga geral. Resolvemos separar e criamos a VLI, que tem contrato para passar pelas nossas duas ferrovias – Vitó-ria-a-Minas e Carajás – como OFI (Operador Ferroviário

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REVISTA FERROVIÁRIA | OUTUBRO/NOVEMBRO DE 201528

O minério de Carajás é o de maior qualidade do mundo. O minério do sistema Sul, é um minério bom (...) mas nem todas as minas têm um minério bom.

Independente). A VLI tem uma capacidade nessas duas ferrovias e todo o resto dos ativos que não operavam mi-nério, nós passamos para essa empresa: a concessão da Norte-Sul, da FCA, com o Porto de Santos e o Porto de Sergipe, e uma série de outras coisas. Nós criamos uma empresa para se dedicar à carga geral. Fizemos um pla-no de negócios de 9 bilhões de reais de investimentos e trouxemos sócios; 26% da Brookfield; 20% da Mitsui; 15,9% do fundo FGTS e nós ficamos com 37,6%. Essa separação da carga geral foi um grande salto. Havia uma desconfiança e agora ninguém pode dizer que a Vale está priorizando o minério. A Vale tem uma participação cla-ra, mas mais de 60% pertencem a outros sócios que estão lá vigiando o dinheiro deles e querendo que funcione e gere lucro. Na MRS nós estamos fazendo uma análise para fazer uma coisa semelhante. O pessoal da MRS está fazendo um estudo porque, nessa discussão que cada fer-rovia está fazendo com o governo para investir em troca de período de concessão – que eu acho que é um grande avanço que o governo está fazendo – nós temos pensado em como investir mais na MRS, como sócio participante, e uma das ideias é desenvolver um projeto de carga geral e atrair sócios para isso.

RF – O transporte de minério lá está caindo num nível acelerado.HF – O minério lá é de um tipo que fica no limite. O minério de Carajás é o de maior qualidade do mundo. O minério do sistema Sul, é um minério bom – eu diria que próximo do minério australiano – mas nem todas as minas têm um minério bom. Nós anunciamos agora o fechamento de três minas na área da MRS. Então não é uma área que vai ter muitos investimentos em minério. Ela tinha um plano de crescimento muito forte e hoje eu diria que não tem um plano. Então os dirigentes da empresa estão fazendo um estudo, a pedido do Conselho, de desenvolvimento de carga geral na MRS. Fazer um plano de desenvolvimento. E isso tudo casa com o que o governo quer: investir nas concessões atuais, trazer mais capacidade etc. Então estamos muito animados com esse

trabalho que está sendo feito lá. O período de exuberân-cia da mineração passou. Hoje, com os preços em baixa, caído, nós temos que cuidar de avanços em custos, em produtividade, em simplificação...

RF – Na visita à oficina de locomotivas aqui de Tuba-rão eu vi o trabalho que foi desenvolvido, inclusive de mexer nos processos de forma a diminuir o esforço, o desgaste humano, dos mecânicos. E tudo com propos-tas dos próprios trabalhadores envolvidos no processo de produção.HF – É um ganho triplo. Ganha dinheiro, ganha na pro-dutividade e ganha no engajamento do empregado, que fica feliz, deve chegar em casa e ter o que contar: resolvi um problema, ganhei tanto. E nós também ganhamos. Quero te falar um pouco do nosso xodó: o trem de pas-sageiros. Nós trocamos os dois trens de passageiros. É um trem que não deve nada a um trem europeu. Tem res-taurante, tem lanchonete. Nós investimos 80 milhões de dólares na Vitória-a-Minas e 56 milhões em Carajás. O grande orgulho dos dois trens foi a solução que tivemos que dar para as pessoas das comunidades que vendiam coisas nos trens. Como o trem novo não pode abrir a janela, por causa do ar-condicionado, nós fizemos um trabalho com as comunidades, com as doceiras de Tumi-ritinga, em Minas, e as bandequeiras do Norte. Quando vimos que ia fechar, nós fomos chamá-las, demos trei-namento, ajudamos a montar cooperativa, capacitamos para questões de higiene, saúde. As bandequeiras, agora, não têm mais produto para vender no trem, porque estão tão demandadas que não conseguem mais nos atender. Vendem nos supermercados, fornecem para os presídios. E foi uma solução de comunidade que a gente deu para um problema técnico, porque não podia abrir a janela. E foi ótimo! Você vê o que é necessidade. Nós tínhamos esse problema o tempo todo e nunca resolvemos porque não achávamos a solução. Quando vimos que não podí-amos abrir a janela, tivemos que resolver, porque não dava para deixar esse pessoal todo sem renda. Estaría-mos criando um outro problema.

entrevista