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8 ENTREVISTA Marcelo Pereira de Carvalho fala da evolução e tendências do setor de lácteos no Brasil. Pereira de Carvalho é engenheiro agrônomo, formado pela ESALQ/USP em 1992, com mestrado em Ciência Animal e Pastagens pela ESALQ/USP em 1998. MBA Executivo Internacional pela FIA – Fundação Instituto de Administração em 2005. É sócio-fundador e diretor-executivo da AgriPoint, que opera os sites MilkPoint, CaféPoint e FarmPoint, sendo coordenador do MilkPoint. A rede AgriPoint possui mais de 210.000 pessoas cadastradas, de 55 países. Foi membro do Comitê Assessor Externo da Embrapa Gado de Leite e do Conselho Administrativo da Láctea Brasil. É membro do Comitê de Política Econômica da Federação Internacional de Lácteos (FIL-IDF), International Milk Promotion Group e fundador e gestor do Global Dairy Economists Group. Tem participado de eventos nacionais e internacionais do setor lácteo, muitos dos quais como palestrante, especializado em mercado, marketing de lácteos e tendências de consumo. Revista Indústria de Laticínios Nos últimos anos, a evolução da indústria do leite e demais produtos lácteos no Brasil foi significativa. Em quais pontos da cadeia produtiva essa evolução foi mais significativa? Marcelo Pereira de Carvalho A evolução tem vin- do principalmente pela expansão do mercado interno que, entre 2000 e 2009, cresceu a uma taxa de 5,6% ao ano, em volume, quando consideramos a produção inspecionada oficialmente. Se não é uma taxa chinesa de crescimento, é quase uma indiana. De 2000 a 2008, a produção inspecionada cresceu quase dez vezes mais do que a chamada produção informal. Entre os produ- tos que vêm tendo forte crescimento, destacam-se os refrigerados, principalmente iogurtes funcionais e, mais recentemente, queijos, refletindo o aumento da renda e a sofisticação dos hábitos de consumo. Houve também modernização de fábricas e investimentos em indústrias de secagem, visando à exportação, que até agora não se consolidou em função de vários fatores, entre eles a relação cambial desfavorável. Outra mudança importan- Retrato do setor lácteo te foi o início do processo de consolidação na indústria, que ainda é muito fragmentada. Por fim, o processo de granelização do transporte e resfriamento do leite que vêm ocorrendo ao longo dos últimos 15 anos, sem dúvida, representaram uma evolução importante. RIL Em que pontos ela poderia ser mais efetiva? Marcelo Pereira de Carvalho Acredito que a ino- vação é um dos aspectos que precisa ser explorado de melhor forma pelas indústrias. Em trabalho que realizamos com consumidoras de leite em 2009, ficou evidente que o consumidor anseia por novidades e que a inovação é parte importante desse processo. Acho que a indústria nacional de lácteos inova relativamen- te pouco. Qual é o investimento médio das empresas em pesquisa e desenvolvimento? Como se dá a apro- ximação entre institutos de pesquisa e universidades em relação aos laticínios, no desenvolvimento de novos produtos e soluções? Estas são algumas das questões que precisamos analisar. Nos Estados Unidos, o Dairy

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Marcelo Pereira de Carvalho fala da evolução e tendências do setor de lácteos no Brasil. Pereira de Carvalho é engenheiro agrônomo, formado pela ESALQ/USP em 1992, com mestrado em Ciência Animal e Pastagens pela ESALQ/USP em 1998. MBA Executivo Internacional pela FIA – Fundação Instituto de Administração em 2005. É sócio-fundador e diretor-executivo da AgriPoint, que opera os sites MilkPoint, CaféPoint e FarmPoint, sendo coordenador do MilkPoint. A rede AgriPoint possui mais de 210.000 pessoas cadastradas, de 55 países.Foi membro do Comitê Assessor Externo da Embrapa Gado de Leite e do Conselho Administrativo da Láctea Brasil. É membro do Comitê de Política Econômica da Federação Internacional de Lácteos (FIL-IDF), International Milk Promotion Group e fundador e gestor do Global Dairy Economists Group.Tem participado de eventos nacionais e internacionais do setor lácteo, muitos dos quais como palestrante, especializado em mercado, marketing de lácteos e tendências de consumo.

Revista Indústria de Laticínios Nos últimos anos, a evolução da indústria do leite e demais produtos lácteos no Brasil foi significativa. Em quais pontos da cadeia produtiva essa evolução foi mais significativa? Marcelo Pereira de Carvalho A evolução tem vin-

do principalmente pela expansão do mercado interno que, entre 2000 e 2009, cresceu a uma taxa de 5,6% ao ano, em volume, quando consideramos a produção inspecionada oficialmente. Se não é uma taxa chinesa de crescimento, é quase uma indiana. De 2000 a 2008, a produção inspecionada cresceu quase dez vezes mais do que a chamada produção informal. Entre os produ-tos que vêm tendo forte crescimento, destacam-se os refrigerados, principalmente iogurtes funcionais e, mais recentemente, queijos, refletindo o aumento da renda e a sofisticação dos hábitos de consumo. Houve também modernização de fábricas e investimentos em indústrias de secagem, visando à exportação, que até agora não se consolidou em função de vários fatores, entre eles a relação cambial desfavorável. Outra mudança importan-

Retrato do setor lácteo

te foi o início do processo de consolidação na indústria, que ainda é muito fragmentada. Por fim, o processo de granelização do transporte e resfriamento do leite que vêm ocorrendo ao longo dos últimos 15 anos, sem dúvida, representaram uma evolução importante.

RIL Em que pontos ela poderia ser mais efetiva? Marcelo Pereira de Carvalho Acredito que a ino-

vação é um dos aspectos que precisa ser explorado de melhor forma pelas indústrias. Em trabalho que realizamos com consumidoras de leite em 2009, ficou evidente que o consumidor anseia por novidades e que a inovação é parte importante desse processo. Acho que a indústria nacional de lácteos inova relativamen-te pouco. Qual é o investimento médio das empresas em pesquisa e desenvolvimento? Como se dá a apro-ximação entre institutos de pesquisa e universidades em relação aos laticínios, no desenvolvimento de novos produtos e soluções? Estas são algumas das questões que precisamos analisar. Nos Estados Unidos, o Dairy

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Management Inc, que gerencia o fundo de promoção de leite e derivados, hoje investe a maior parte de seu capital no desenvolvimento de novos produtos, que são licenciados para as empresas. É válido lembrar que inovação não é só em produto, mas em canal de distri-buição, embalagem, comunicação etc.Acho também que há poucas iniciativas pré-competiti-vas no setor. Não há uma associação forte, com pre-sença suficiente para representar o setor como um todo. Sei de algumas pessoas ligadas à indústria que compreendem essa realidade e entendem a importân-cia de ser bem representado, inclusive com orçamento suficiente. Veja o exemplo da UNICA, a associação que reúne 160 indústrias do setor sucro-alcooleiro. Além de participar ativamente em todas as discussões do setor, ela trabalha com uma agenda de longo prazo, visando aumentar o mercado e a competitividade se-torial. Para isso, é preciso ter dinheiro para contratar bons profissionais. Acho que o setor lácteo ainda che-gará lá, mas hoje essa me parece uma limitação. Não conseguimos ainda, por exemplo, viabilizar uma ação pré-competitiva que, em tese, interessaria a todos e que poderia ser colocada de pé sem um investimento

significativo: a defesa do leite e derivados. A Láctea Brasil, por exemplo, está fechando as portas. Com pouco dinheiro das indústrias, seria possível participar de fóruns internacionais, acompanhando o que se faz em relação à promoção de leite e derivados; ter uma estrutura de relações públicas bastante efetiva e fazer um trabalho com formadores de opinião. Não estou falando em fazer propaganda em horário nobre da televisão, mas sim de ações mais estratégicas, que poderiam gerar mídia espontânea.

RIL Quais os fatos mais importantes que interferiram para a evolução do leite no Brasil. Que fatos foram determi-nantes para esse progresso? Marcelo Pereira de Carvalho É evidente que o maior

crescimento da produção de leite, nos últimos anos, acompanhou o crescimento da economia e da renda da população, principalmente das classes C, D e E. Analisando individualmente, acredito que esse fator foi o que gerou o crescimento que tivemos nos últimos anos. Nosso consumo per capita pulou de 124 kg para 159 kg, de 2000 a 2010. Isso quer dizer que cada brasilei-ro consumia em 2010, cerca de 35 kg a mais de lácteos

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em comparação a 2000. Analisando o período entre 2000 e 2008, a substituição das importações e o início das exportações foram fatores que também colabo-raram, ao permitir que a produção nacional suprisse uma parcela maior da demanda interna. Para isso, contamos com dois fatores exógenos: desvalorização do real e aumento dos preços no mercado internacio-nal de lácteos. Hoje, com a valorização da moeda e com cotações não tão altas, esse cenário mudou e coloca em risco nosso potencial exportador. Outro fator que colaborou foram medidas de proteção adotadas pelo governo, como as tarifas anti-dumping, tarifa externa comum do Mercosul e cotas de importação. Pode-se argumentar que tais medidas criam uma artificialida-de que, no longo prazo, irá prejudicar o setor – com o que concordo – mas, analisando a pergunta, de fato essas medidas contribuiram para que o setor não sofresse tanto as oscilações e influências vindas do exterior. O setor tem sido bastante efetivo em seus pleitos junto ao governo – só não o é, em meu modo de ver, para criar uma agenda de longo prazo e trabalhar no sentido de cumprí-la. Do ponto de vista da produção, chama a atenção o desenvolvimento da produção na região Sul, que cresceu 95% de 1999 a 2009. A produção na região Sul sem dúvida foi um fator que contribuiu para que o potencial de aumento se tornasse realidade.

RIL As indústrias evoluíram na aplicação de tecnologias, seja em equipamentos ou ingredientes. A produção no campo acompanhou esse progresso? Em caso positivo, quais regiões evoluíram mais para atender as indústrias? Marcelo Pereira de Carvalho A produção brasileira é

muito heterogênea e faltam dados oficiais que permi-tam uma análise correta da situação. Se analisarmos os dados oficiais, constataremos que a mudança foi, até agora, muito lenta. Porém, minha impressão é que esta-mos passando por um processo de grande transforma-ção, em que o módulo de produção mudará muito nos próximos anos. Os custos mais altos da mão-de-obra e o custo de oportunidade da terra forçarão um aumen-to não só da produção por produtor, mas também da produtividade da terra e automação nas fazendas. Se considerarmos e acreditarmos que o Brasil continuará crescendo como economia, o que devemos ter é cada vez menos produtores produzindo um volume cada vez maior de leite. Isso é ruim? Eu acho que não. Causará exclusão? Em parte, sim, e essa é uma questão social que o governo precisa lidar. Mas acho que o problema é menor do que se imagina. Conheço produtores com 20, 30 vacas cujos filhos não irão continuar produzindo

simplesmente porque há outras oportunidades de tra-balho mais interessantes, em uma economia que cresce 4-5% ao ano e se moderniza. Fizeram faculdade na cidade e vão em busca de outras oportunidades. A Índia tem 70 milhões de produtores, com 5 litros/dia cada um – isso é bom? Em que contexto? Por outro lado, há novos projetos surgindo, muitos de grande porte, bem geren-ciados. Claro que essa não é uma realidade geral; no Sul do país, dado o perfil de pequena propriedade, questões culturais, cooperativismo e outros fatores, a mudança será mais lenta, mas mesmo esse pequeno produtor incorporará tecnologias como manejo intensivo de pas-tagens, suplementação, inseminação e genética adequa-da à exploração. Já está incorporando.

RIL A legislação para o setor teve parte de contribuição para a melhoria do leite ou acredita mais que foram os próprios produtores que perceberam a necessidade de se alinhar a outros segmentos do mercado de alimentos, que deram uma alavancada em qualidade e diversificação de produtos? Marcelo Pereira de Carvalho Acho que a legislação

tem sua importância, ainda que nenhum produtor tenha sido punido pelas autoridades por não se ade-quar a IN 51. À medida em que se discute, se debate a respeito dela, cria-se a consciência de que é preciso caminhar nesse sentido, ainda que não da forma linear como muitos gostariam. Até pela própria caracterís-tica não punitiva da normativa, acho que ela por si só não mudará o cenário. Quem deverá liderar o processo é a indústria, provavelmente motivada pelo consumidor, seja interno ou externo. Na realidade, é um processo ainda em curso, tanto que poucas empresas remune-ram por qualidade. O que temos é um mercado com-prador, em que a escassez de leite é um potencial pro-blema para os laticínios, muitos deles com capacidade ociosa em suas indústrias. É difícil pensar em um salto grande de qualidade em um cenário caracterizado por ausência de exportações, que normalmente implicam em maiores exigências; consumidor brasileiro ávido por comprar e tendo pouca ligação com a realidade produtiva e industrial; indústrias ociosas e dificuldades de fiscalização.

RIL As fusões que ocorreram recentemente trouxeram mais benefícios ou prejuízo aos produtores do campo? Marcelo Pereira de Carvalho Essa é uma questão

complexa e que apresenta nuances que não podem ser analisadas individualmente. Em tese, acho que o fortalecimento das empresas é importante, pois assim conseguirão ter escala, negociar melhor, investir mais

Chegou o momento da indústria se aproximar do produtor, conhecer melhor seu fornecedor e estabelecer relacionamentos de mais longo prazo.

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Não me surpreenderia se viermos a ter algum novo grupo estrangeiro entrando no país.

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em pesquisa e desenvolvimento, exportar. Se o bolo for maior, há mais para ser distribuído ao produtor. Se isso ocorrerá, vai depender de outros fatores, como a importância estratégica do fornecedor para o laticínio, da presença de cooperativas fortes, ajudando a balizar o preço, da força associativista dos produtores e, even-tualmente, da ação do governo, embora pessoalmente eu prefira o governo como normatizador e fiscalizador, não como agente atuante nas relações setorais.Porém, acredito que as fusões, até agora, trouxeram mais prejuízos e incertezas. O que houve é que muitos grupos que lideraram os processos de fusão na indús-tria láctea passaram por dificuldades, em alguns casos deixando produtores sem receber pelo produto entre-gue. Em outros casos, algumas empresas não tiveram ainda o resultado esperado no setor. Há uma curva de aprendizado quando empresas de fora do setor entram em lácteos, que não é um setor fácil. As mar-gens dos produtos mais “commoditizados” são baixas. A aquisição de matéria-prima tem suas particularidades. Em resumo, acho que o processo de fusões e aquisições está apenas começando e continuará, mas de forma gradativa.

RIL Quais alternativas os produtores têm para valorizar sua produção como fornecedores de grandes fabricantes? Marcelo Pereira de Carvalho Acho que isso depende

muito mais da sinalização da indústria do que do produ-tor. Aliás, acho que chegou o momento da indústria se aproximar do produtor, conhecer melhor seu fornece-dor e estabelecer relacionamentos de mais longo prazo. Com a valorização da moeda e aumento os custos, a ineficiência na produção finalmente apareceu. Se as in-dústrias quiserem garantir suprimento de matéria-pri-ma e preservar o mercado, terão de ajudar o produtor a evoluir, fazer o trabalho que a extensão rural oficial, por vários motivos, não conseguiu fazer em ampla es-cala. Mas esse processo ainda é muito tímido no Brasil. Programas de assistência técnica, treinamento técnico e gerencial, compra coletiva de insumos, sistemas de ge-renciamento de rebanho, financiamentos, contratos de longo prazo com bases transparentes, pagamento por qualidade e por boas práticas de produção, são todos fatores que poderiam ser trabalhados nesse sentido, mas cabe à indústria liderar.

RIL Acredita que a fase de grandes fusões no setor acabou ou ainda veremos novas parcerias nesse setor? Marcelo Pereira de Carvalho Continuará, e não me

surpreenderia se viermos a ter algum novo grupo es-trangeiro entrando no país. O mercado interno conti-

nuará crescendo e empresas globais, para ter acesso pleno a ele, precisam estar aqui, como precisam estar na Índia, na China e em outros emergentes.

RIL O que impede que o Brasil tenha uma produção maior de leite e que atenda à demanda de consumo, já que ainda importamos um volume razoável do produto? Marcelo Pereira de Carvalho Outra questão comple-

xa e que não tem resposta única. Um aspecto impor-tante, principalmente na realidade do Centro-Oeste e do Sudeste, é a concorrência com outras atividades agrícolas e alternativas de renda. Em 2003, por exem-plo, o arrendamento de cana em São Paulo valia US$ 180/ha; em 2010, esse valor tinha subido para US$ 625/ha. Esse é o ganho que um produtor rural pode ter ao arrendar sua terra para cana-a-de-açúcar, tendo quase nada de trabalho. Não por acaso, São Paulo é o estado cuja produção decresceu nos últimos 15 anos. Esse processo está ocorrendo em Minas Gerais, Goiás e, em menor grau, Paraná, e ajuda a explicar porque a produção não cresce tanto nessas regiões. Estive em Goiás, recentemente e, nos últimos 2 anos, a produção tem caído também, à medida que alternativas como cana-de-açúcar se estabelecem. Assim como a terra, o aumento do custo de oportunidade do trabalho é outro fator importante.Acredito que o ambiente de negócios no leite seja outro fator relevante. O produtor não tem instru-mentos para monitoramento e gerenciamento de seu risco. Não há ainda mercados futuros, as negociações entre produtor e indústria não são transparentes como em outros setores, os indicadores são ainda insuficientes. Isso afugenta investimentos. Leite é uma atividade de ciclo longo, em que o produtor só irá investir se tiver alguma segurança a respeito da rentabilidade futura. Não há muito horizonte de longo prazo, até porque me parece que a indústria láctea nacional passa por uma crise de identidade: se prepa-rou para exportar, em um ambiente de preços exter-nos elevados e dólar mais valorizado, mas a realidade mudou e, hoje, nosso produto é menos competitivo. Acho que estamos ainda vivendo essa “ressaca”, tanto na produção como na indústria.

RIL Quais são as possíveis alternativas para aumentar a produção do País e, diferente do que ocorre agora, tenhamos uma exportação expressiva de leite e demais produtos lácteos? Marcelo Pereira de Carvalho Creio que melhorar o

ambiente competitivo é uma delas, conforme colocado na questão anterior. Creio, também, que é necessário

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se debruçar sobre os sistemas produtivos e identificar aqueles de maior eficiência em cada região, criando for-mas de disseminação das boas práticas. Os trabalhos realizados com custos de produção, por exemplo, mos-tram grande discrepância mesmo entre produtores de uma mesma região. Isso indica que o leite está ainda longe da padronização e da profissionalização obtida em outros setores. Talvez o conceito mais importante seja que, enquanto nosso potencial continue existindo, com área, água e insumos; temos de fazer a lição de casa para que o leite seja competitivo externamente, contra o produto importado e internamente, contra outras atividades. Nesse aspecto, devemos também nos debruçar sobre o custo dos insumos para produção, muitas vezes mais altos do que em outros países devido a impostos de importação e outros aspectos.No que se refere à exportação propriamente dita, é claro que o câmbio atual é uma limitação; a principal limitação. De uma forma mais ampla, reduzir o custo--Brasil, melhorar a qualidade e atuar de forma mais contundente nos acordos sanitários são pontos que passam a ser importantes caso voltemos a ter compe-titividade, seja pelo câmbio, pela pelos preços externos ou – analisando um cenário de bem mais longo prazo – pela redução dos custos.

RIL Em todos os segmentos da alimentação fala-se da im-portância de exportar produtos com valor agregado e não apenas a matéria-prima. Com tantos países fazendo ma-rketing de seu leite, queijos etc., acredita que o Brasil, que não adquiriu força nesses segmentos, tenha condições de colocar com sucesso esses produtos no mercado externo? Marcelo Pereira de Carvalho O conceito de agre-

gação de valor é usado de forma generalizada, mas normalmente equivocada: confunde-se com sofisticação. Se uma empresa, como a Vale, produz minério de ferro a um custo baixo e vende esse produto a um preço bem maior no mercado, não está agregando valor só porque é um produto com baixo desenvolvimento tecnológico? Será que a Fonterra, ao produzir leite a baixo custo na Nova Zelândia, não agrega valor ao vender o leite em pó à China? Agrega, sim. Dito isso, concordo que é preciso agregar valor, no sentido que normalmente é usado: investir em novos produtos, novos formatos, novos clientes. O foodservice é um caminho interessante, por exemplo, mas normalmente envolve um amplo conheci-mento do cliente, pois as soluções podem ser personali-zadas. Os principais laticínios do mundo, como Fonterra, Arla, FrieslandCampina, Lactalis e outros produzem uma enorme variedade de produtos lácteos, a partir do leite. Temos que evoluir muito.

Leite é uma atividade de ciclo longo, em que o produtor só irá investir se tiver alguma segurança a respeito da rentabilidade futura.

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RIL Como está posicionado o Brasil na América Latina diante de produtores reconhecidos, como Argentina e Uruguai? Marcelo Pereira de Carvalho Temos uma indústria

forte, um ambiente institucional favorável e potencial de crescimento. A Argentina tem grande potencial de crescimento, com solos de alta qualidade e tradição em lácteos, mas o fato é que nos últimos 10 anos nós crescemos “uma Argentina” em produção, e eles pra-ticamente não cresceram nada, fruto principalmente da política. Mas é um país que pode ser muito competi-tivo, aliado, evidentemente, a uma moeda cuja cotação favorece hoje as exportações. O Uruguai também tem potencial, mas ainda a se realizar: hoje, produz menos do que Santa Catarina, o quinto maior estado produtor brasileiro. Onde estamos piores? Nosso custo de produ-ção é mais elevado, mas é preciso cautela ao se analisar esse aspecto, pois o Brasil é um país de grandes dimen-sões e diferentes realidades.

RIL Quais as perspectivas do Brasil nesse setor? Quais desafios ainda precisamos superar para aumentar e melhorar produção de leite e de produtos lácteos indus-trializados? Marcelo Pereira de Carvalho Acredito que as pers-

pectivas continuam favoráveis. O Brasil é um dos países com a melhor combinação de fatores para a produção se desenvolver. Tem terra, tem água, tem fotossíntese, tem insumos, tem tradição no agronegócio. Também, tem um mercado interno muito grande e que irá crescer. O que precisamos, no entanto, é transfor-mar esse potencial em realidade, ou melhor, continuar transformando-o. A valorização da moeda e o aumento dos custos são o outro lado do desenvolvimento do país, fazendo com que os chamados recursos naturais não sejam mais suficientes para que o potencial vire rea-lidade. Teremos de fazer a lição de casa, aumentar a eficiência da cadeia, inovar. Esse é o grande desafio que temos.

RIL Como vê o Brasil no panorama mundial do setor de leite no futuro? Marcelo Pereira de Carvalho Só com bola de cristal,

já que são muitos os fatores envolvidos, muitos deles exógenos, não controlados pelo setor. Acredito que em um espaço de 10 anos, continuaremos praticamente autossuficientes, mas sem grande presença no mer-cado mundial. Mas isso vai depender de tantos fatores que acredito ser mais frutífero analisarmos o contexto atual e dos próximos anos.

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