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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade Pollyanna Viana Lima Envelhecer com dependência funcional: memória de idosos longevos Vitória da Conquista Fevereiro de 2016

Envelhecer com dependência funcional: memória de … prof. Dr. Joselito Santos, que muito me incentivou na seleção de mestrado, me dando apoio, indicando leituras e contribuindo

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  • Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB

    Programa de Ps-Graduao em Memria: Linguagem e Sociedade

    Pollyanna Viana Lima

    Envelhecer com dependncia funcional:

    memria de idosos longevos

    Vitria da Conquista

    Fevereiro de 2016

  • i

    Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB

    Programa de Ps-Graduao em Memria: Linguagem e Sociedade

    Pollyanna Viana Lima

    Envelhecer com dependncia funcional:

    memria de idosos longevos

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Memria: Linguagem e Sociedade, da

    Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

    Campus de Vitria da Conquista, como requisito

    parcial e obrigatrio para obteno do ttulo de

    Mestre em Memria: Linguagem e Sociedade.

    rea: Multidisciplinaridade da Memria.

    Linha de Pesquisa: Memria, Discursos e

    Narrativas.

    Orientadora: Prof Dr. Luciana Arajo dos Reis

    Vitria da Conquista

    Fevereiro de 2016

  • ii

    L732e

    Lima, Pollyanna Viana Lima Memrias do envelhecer com dependncia funcional: histria oral

    de idosos longevos; orientadora Prof DSc Luciana Arajo dos Reis, - Vitria da Conquista, 2016. 116f.

    Dissertao (mestrado em Memria: Linguagem e Sociedade). - Programa de Ps-Graduao em Memria: Linguagem e Sociedade

    Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 2016.

    1. Memria. 2. Idoso longevo. 3. Envelhecimento. 4. Longevidade 5. Atividades Cotidianas. I. Reis Arajo dos, Luciana. II. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. III. Programa de Ps Graduao em Memria: Linguagem e sociedade IV. Envelhecer com Dependncia Funcional: Memria de idosos longevos.

    CDD

    Ttulo em ingls: Aging with Functional Dependence: elderly memory oldest

    Palavras-chaves em ingls: Memory. Elderly. Aging. Longevity. Daily Activities.

    rea de concentrao: Multidisciplinaridade da Memria

    Titulao: Mestre em Memria: Linguagem e Sociedade.

    Banca Examinadora: Profa. Dra. Luciana Arajo dos Reis (orientadora); Profa. Dra. Lvia

    Diana Rocha Magalhes (titular); Prof. Dr. Jos Patrcio Bispo Jnior (titular).

    Data da Defesa: 17 de fevereiro de 2016

    Programa de Ps-Graduao: Programa de Ps-Graduao em Memria: Linguagem e

    Sociedade.

  • iii

  • iv

    minha filha Lvia Fernanda

    A meu esposo Vilmar Carvalho

    minha me Alvair Viana Lima.

  • v

    AGRADECIMENTOS

    Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, porque cada pessoa

    nica e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida

    passa sozinha e no nos deixa s porque deixa um pouco de si e leva um

    pouquinho de ns. Essa a mais bela responsabilidade da vida e a prova de

    que as pessoas no se encontram por acaso.

    Charles Chaplin

    A realizao deste trabalho, que sintetiza a minha dedicao nos ltimos dois anos ao

    mestrado, no teria sido possvel sem a magnnima colaborao de algumas pessoas, mas

    tambm instituies a quem venho agora prestar meu agradecimento.

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), pela bolsa durante

    todo o mestrado, mas tambm pelo apoio financeiro no auxlio dissertao. Obrigada por

    acreditar no potencial desse estudo e possibilitar meus estudos em tempo integral!

    Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, pela oportunidade de aperfeioamento

    profissional.

    Profa. Dra. Luciana Arajo dos Reis, por sua orientao, dedicao, confiana,

    infinita disponibilidade, afeto, escuta, amizade ao longo do curso, humanidade e por ser a

    maior incentivadora da superao dos meus limites.

    s coordenadoras do Colegiado do Programa de Ps-graduao Stricto Sensu em

    Memria: Linguagem e Sociedade, Profa. Dra. Lvia Diana Rocha Magalhes e Profa. Dra.

    Maria da Conceio Fonseca-Silva pela dedicao e empenho para que o programa mantenha

    a excelncia.

    Profa. Dra. Lvia Diana Rocha Magalhes e o Prof. Dr. Jos Patrcio Bispo Jnior

    pelas contribuies na banca de qualificao.

    Ao prof. Dr. Joselito Santos, que muito me incentivou na seleo de mestrado, me

    dando apoio, indicando leituras e contribuindo com seus conhecimentos.

    Aos meus orientadores das graduaes Prof. Dr. Jnio Santos e Prof. Dr. Stnio

    Fernando Pimentel Duarte, por terem plantado sementinhas de incentivo e conhecimentos

    durante a graduao.

    Aos meus colegas do grupo de estudo pelo apoio de todas as horas, por nossas

    discusses, mas tambm nossas conversas informais que nos descontraam e reduziam as

    tenses.

  • vi

    colega e amiga Tatiana Dias Casemiro Valena, verdadeira companheira de

    pesquisa e estudo por seu apoio, amizade e incentivo em todas as horas.

    A todos os colegas e professores da Ps-Graduao em Memria: Linguagem e

    Sociedade pelo convvio e aprendizado, em especial ao professor Dr. Cludio Flix e o colega

    Elton Quadros.

    Aos funcionrios do Colegiado do Programa de Ps-Graduao em Memria:

    Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em especial a

    Andria, Vilma e Tmara pela dedicao e apoio.

    minha me, sempre amorosa, companheira, generosa, que abdicou boa parte do seu

    tempo para cuidar da sua netinha para que eu pudesse me dedicar ao mestrado de forma

    integral. Meu infinito agradecimento. Te amo muito!

    Ao meu esposo por ser to importante na minha vida, por sempre acreditar em minha

    capacidade, sempre estar ao meu lado, me dando foras e me fazendo acreditar que posso

    mais que imagino. Seu companheirismo, amizade, pacincia, compreenso, amor

    possibilitaram a efetivao do meu mestrado. Obrigada por ter feito do meu sonho o nosso

    sonho!

    minha pequena princesa, a ela devo uma enorme gratido por ter, na sua inocncia

    de criana, entendido minha ausncia por muitas vezes durante esses dois anos e, mesmo

    assim, me recebia sempre com o sorriso e carinho, o que em muito me fortaleceu e me fez

    mais forte. Te amo! Essa conquista dedico a voc.

    A minha irm Valria, meu cunhado Carlos Alberto e seus filhos, meus queridos

    sobrinhos pelo apoio e pelo carinho de sempre.

    minha amiga Ldia e seu namorado Rennan, que me deram muito apoio e incentivo

    na seleo do mestrado.

    Aos idosos, participantes do estudo e mesmo aqueles que no participaram at a fase

    final e aos seus familiares pela calorosa recepo e disponibilidade. Meu eterno

    agradecimento!

    Finalmente a Deus por me amparar nos momentos difceis, me dar fora interior para

    superar as dificuldades, me suprir em todas as minhas necessidades e por ter colocado pessoas

    to especiais a meu lado, sem as quais certamente no teria dado conta.

  • vii

    Idoso toda famlia tem algum.

    Com um brilho especial nos olhos.

    Nos lbios sbios conselhos.

    Na voz a soma da cultura acumulada, muitas vezes desprezada.

    Toda famlia tem algum que conspira com o universo, oraes pelos que ama.

    Tm braos de msculos cansados, mas... Que no negam o conforto de um longo abrao.

    Tm os ombros cansados, mas... No negam um carinho e mais um fardo.

    Tm os ossos frgeis, mas... No negam um colo.

    Precisam de ateno, de amor e compreenso.

    E esto atentos a tudo, amam como ningum,

    Sempre tentando compreender os filhos e netos.

    Heloisa Abranho

  • viii

    RESUMO

    Com o envelhecimento da populao, h aumento da prevalncia das chamadas doenas

    crnico-degenerativas, que exigem cuidados e tratamento contnuo. Essas doenas tornam o

    idoso mais susceptvel a desenvolver a dependncia funcional, que se inicia com o surgimento

    de um dficit no funcionamento corporal ou psicolgico, e, consequentemente, provoca

    limitaes nas atividades dirias com interferncia na independncia e autonomia. A pesquisa,

    que consistiu em um estudo exploratrio descritivo, com abordagem qualitativa,

    fundamentado na Teoria da Memria, tomada como recurso analtico, visou analisar o

    envelhecer com dependncia funcional a partir da memria de idosos longevos. A pesquisa foi

    realizada em uma unidade de sade da famlia do municpio de Vitria da Conquista/BA,

    cujos participantes foram cinco idosos com idade igual ou superior a 80 anos, de ambos os

    sexos, que apresentavam dependncia funcional e condies mentais preservadas para

    responder entrevista. Ressalta-se que a delimitao dos idosos seguiu o princpio de

    saturao dos dados. Para a coleta, foi feita uma entrevista semiestruturada com base em um

    roteiro predefinido e, para a anlise, foi utilizada a anlise de contedo temtico-categorial,

    segundo Laurence Bardin, com auxlio da ferramenta computacional de suporte para anlise

    dos dados qualitativos NVivo, verso 11.0. Do material emprico analisado, emergiram trs

    categorias temticas: Memria do viver/envelhecer antes da dependncia funcional; Memria

    do viver/envelhecer aps a dependncia funcional; e Repercusses psicossociais do

    envelhecer com dependncia funcional: construindo estratgias de enfrentamento. Os

    resultados analisados demonstraram que a memria do tempo vivido e experienciado de todos

    os idosos foi reconstruda em uma coletividade, mediante a experincia do presente.

    Constatou-se que as memrias dos idosos antes da dependncia funcional se concentraram em

    um perodo de plenitude; em contrapartida, as memrias aps a dependncia se agruparam em

    momentos de limite relacionados ao binmio envelhecimento-dependncia funcional,

    evidenciando que a vida dos idosos vem sendo construda em dois momentos extremamente

    distintos: as memrias do viver/envelhecer antes da dependncia funcional estavam

    concentradas predominantemente nas relaes que envolvem o trabalho, sendo o grupo

    familiar uma referncia fundamental para a reconstruo desse passado; e as memrias dos

    idosos aps a dependncia funcional estavam carregadas de negatividade, sendo para eles a

    finitude uma realidade prxima. Verificou-se ainda que a negatividade est relacionada aos

    problemas que os idosos vm enfrentando, como as doenas, a dependncia, o medo, a

    tristeza, a solido, a depresso e a reduo das relaes sociais e de apoio. Mas, por outro

    lado, foram percebidas algumas estratgias de enfrentamento a esses problemas, como a

    resilincia, a f, a espiritualidade e o apoio da famlia. Conclui-se, diante dos resultados, que

    as memrias do envelhecer com dependncia funcional esto mais relacionadas a aspectos

    negativos da vida, decorrentes das perdas e da presena de sintomas fsicos ou emocionais. A

    dissertao est vinculada rea de concentrao Multidisciplinaridade da Memria e linha

    de pesquisa Memria, Discursos e Narrativas. Fazendo parte do Projeto de Pesquisa

    Memria, Envelhecimento e Dependncia funcional do Programa de Ps-Graduao em

    Memria: Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, sob a

    orientao da Profa. Dr. Luciana Arajo dos Reis.

    Palavras-Chave: Memria. Idoso. Envelhecimento. Longevidade. Atividades Cotidianas.

  • ix

    ABSTRACT

    With the population aging, there is an increase in the prevalence of the so-called chronic and

    degenerative diseases, which require constant health care and treatment. These diseases make

    the elderly more likely to develop functional dependence, which starts with the onset of a

    deficit in the bodily or mental functioning, and then it provokes limitations in daily activities

    with interference on independence and autonomy. The research, which was a descriptive and

    exploratory study, with a qualitative approach, underpinned by the Memory Theory, taken as

    analytical resource, aimed to analyze the aging with functional dependence from the memory

    of long-lived elderly. The research was held at a family health unity of the city of Vitria da

    Conquista/BA, whose participants were five elderly aged 80 or over, both men and women,

    who had functional dependence and mental conditions preserved to respond to the interview.

    It is highlighted that the delimitation of the elderly complied with the principle of data

    saturation. In order to perform the collection, it was performed a semi-structured interview

    based on a predefined script and, to analyze the data, it was used the thematic-categorical

    content analysis, according to Laurence Bardin, with the aid of the supportive electronic tool

    for analysis of qualitative data NVivo, version 11.0. The analysis of the empirical material

    gave rise to three thematic categories: Memory of living /aging before the functional

    dependence; Memory of living/aging after the functional dependence; and Psychosocial

    repercussions of the aging with functional dependence: building combative strategies. The

    analyzed results have demonstrated that the memory of the lived and experienced time of all

    elderly was rebuilt in a collectivity, through the experience of the present. It was found that

    the memories before the functional dependence were concentrated in a period of fullness; in

    contrast, the memories after the dependence were grouped in limit moments related to the

    aging-functional dependence binomial, thereby indicating that the lives of the elderly have

    been built on two extremely different moments: the memories of living/aging before the

    functional dependence were predominantly concentrated in relations that involve the job, and

    the family group was a fundamental reference for the rebuilding of that past; and the

    memories after the functional dependence were filled with negativity, and, for them, the

    finiteness is an imminent reality. Moreover, it was found that negativity is related to the

    problems that the elderly are facing, such as diseases, dependence, fear, sadness, loneliness,

    depression and decreased social relationships and support. Nevertheless, on the other hand,

    some combative strategies were realized in relation to these problems, such as resilience,

    faith, spirituality and family support. In light of the results, it is concluded that the memories

    of the aging with functional dependence are more related to negative aspects of life, which

    arise from the losses and the presence of physical or emotional symptoms.

    Keywords: Memory. Elderly. Aging. Longevity. Daily Activities.

  • x

    LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 - Distribuio etria da populao por sexo Brasil, 1980 .......................................... 20

    Figura 2 - Distribuio etria da populao por sexo Brasil, 2010 .......................................... 21

    Figura 3 - Distribuio etria da populao por sexo Brasil, 2040 .......................................... 21

    Figura 4 - Distribuio etria da populao por sexo e grupos de idade, Bahia -

    2010/2030................................................................................................................. 22

    Figura 5 - Distribuio etria da populao por sexo, segundo o municpio Vitria da

    Conquista, Bahia - 2000/2010 .................................................................................. 23

    Figura 6 - Localizao da Bahia no Brasil ............................................................................... 33

    Figura 7 - Localizao de Vitria da Conquista na Bahia ........................................................ 34

    Figura 8 - Organizao da anlise de contedo Bardin (2011) ................................................ 40

    Figura 9 - Nuvem de palavras elaborada com base no Nvivo sobre viver/envelhecer antes

    da dependncia funcional . Vitria da Conquista BA, 2015 ................................. 45

    Figura 10 - Nuvem de palavras elaborada com base no NVivo sobre o viver/envelhecer

    aps dependncia funcional. Vitria da Conquista BA, 2015 .............................. 58

    Figura 11 - Nuvem de palavras elaborada com base no NVivo sobre as repercusses

    psicossociais do envelhecer com dependncia funcional. Vitria da Conquista

    BA, 2015 .................................................................................................................. 75

    Quadro 1 - Caracterizao dos idosos longevos, participantes do estudo. Vitria da

    Conquista/BA, 2015 ................................................................................................. 36

    Quadro 2 - Resultados da anlise de contedo temtico-categorial, Vitria da Conquista -

    BA, 2015 .................................................................................................................. 41

  • xi

    LISTA DE ABREVIATURAS

    AGA Avaliao Geritrica Ampla

    BA Bahia

    CNS Conselho Nacional de Sade

    ESF Estratgia de Sade da Famlia

    EUA Estados Unidos da Amrica

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IL idoso longevo

    n. Nmero

    PR Paran

    QSR Qualitative Solutions Research Solues para Pesquisa Qualitativa

    RN Rio Grande do Norte

    SP So Paulo

    TCC Trabalho de Concluso de Curso

    UCLA University of California, Los Angeles

    USF Unidade de Sade da Famlia

    UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

  • xii

    SUMRIO

    1 INTRODUO ............................................................................................................... 14

    1.1 CONSIDERAES INICIAIS .......................................................................................... 14

    1.3 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA DISSERTAO ............................................ 17

    2 ENVELHECIMENTO, LONGEVIDADE E DEPENDNCIA FUNCIONAL ......... 18

    2.1 ASPECTOS DEMOGRFICOS E EPIDEMIOLGICOS DO ENVELHECIMENTO

    NO BRASIL ...................................................................................................................... 18

    2.2 CONCEITOS QUE ENVOLVEM O ENVELHECIMENTO HUMANO ........................ 24

    2.3 LONGEVIDADE E DEPENDNCIA FUNCIONAL: ASPECTOS

    BIOPSICOSSOCIAIS ....................................................................................................... 26

    3 PERCURSO METODOLGICO ................................................................................. 32

    3.1 TIPO DE PESQUISA ......................................................................................................... 32

    3.2 LOCAL DE PESQUISA .................................................................................................... 33

    3.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA ................................................................................... 34

    3.4 INSTRUMENTO DE PESQUISA ..................................................................................... 36

    3.5 PROCEDIMENTOS ........................................................................................................... 38

    3.6 ANLISE E INTERPRETAO DOS RESULTADOS .................................................. 39

    3.7 MEMRIA COMO RECURSO ANALTICO .................................................................. 41

    3.8 ASPECTOS TICOS DO ESTUDO .................................................................................. 41

    4 O DESVELAR DA MEMRIA DE IDOSOS LONGEVOS COM

    DEPENDNCIA FUNCIONAL .................................................................................... 43

    4.1 MEMRIAS DO VIVER/ENVELHECER ANTES DA DEPENDNCIA

    FUNCIONAL .................................................................................................................... 44

    4.2 MEMRIA DO VIVER/ENVELHECER APS A DEPENDNCIA FUNCIONAL .... 57

    4.3 REPERCUSSES PSICOSSOCIAIS DO ENVELHECER COM DEPENDNCIA

    FUNCIONAL: CONSTRUINDO ESTRATGIAS DE ENFRENTAMENTO ............... 74

    5 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................... 84

    REFERNCIAS ............................................................................................................... 88

    APNDICES .................................................................................................................. 105

    APNDICE A - Roteiro de entrevista ............................................................................. 106

    APNDICE B - Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) ........................... 107

    APNDICE C - Instrumentos de coleta de dados ........................................................... 108

  • xiii

    APNDICE D - Caracterizao dos idosos (participantes do estudo) ............................ 109

    ANEXOS ........................................................................................................................ 111

    ANEXO A - Avaliao cognitiva (mini exame-estado mental/MEEM) questionrio

    resumido do estado mental (PFEIFFER, 1974) ............................................................... 112

    ANEXO B - Avaliao funcional (ndice de Barthel)..................................................... 113

    ANEXO C - Avaliao funcional Escala de Lawton ................................................... 114

    ANEXO A - Avaliao funcional Escala de Lawton ................................................... 115

  • 14

    1 INTRODUO

    1.1 CONSIDERAES INICIAIS

    O envelhecimento um fenmeno mundial que tem modificado a configurao da

    pirmide etria e provocado alteraes sociais e econmicas. O nmero proporcional de

    crianas, jovens, adultos e idosos forma a pirmide etria de um pas. O envelhecimento de

    uma populao relaciona-se a uma reduo no nmero de crianas e jovens e a um aumento

    na proporo de pessoas com 60 anos ou mais de idade. Assim, medida que as populaes

    envelhecem, a pirmide populacional triangular substituda por uma estrutura mais

    cilndrica (WHO, 2005).

    No Brasil, este fenmeno comeou tardiamente e, diferente do que ocorreu em outros

    pases, est progredindo de forma acelerada. Esse fato se deve em grande parte elevao

    substancial da expectativa de vida dos brasileiros e queda da fecundidade, aliadas ao

    aumento da qualidade de vida e melhorias no sistema de sade com tecnologias mais

    avanadas (IBGE, 2013).

    Com o envelhecimento da populao, h um aumento da prevalncia das chamadas

    doenas crnico-degenerativas, que exigem cuidados e tratamento contnuo (VERAS, 2009).

    Essas doenas tornam o idoso mais susceptvel a desenvolver a dependncia funcional, que

    o resultado de um processo que se inicia com o surgimento de um dficit no funcionamento

    corporal ou psicolgico e, consequentemente, provoca limitaes nas atividades dirias com

    interferncia na independncia e autonomia (SEBASTIO; ALBURQUEQUE, 2011).

    A independncia refere-se realizao de todas as atividades bsicas de vida diria de

    forma independente (MORAES, 2012), enquanto a autonomia primariamente um

    fenmeno que envolve independncia de ao, discurso e pensamento do indivduo. Ela prev

    como fundamento o alcance amplo de direitos polticos, jurdicos, civis e humanos.

    (PROCHET; SILVA, 2011).

    O comprometimento da independncia e da autonomia uma das consequncias do

    envelhecer com patologias crnico-degenerativas e implica nova ordem na vida cotidiana dos

    idosos, que devem encontrar formas de ajustes e de adaptao para conviver com essa

    condio. O envelhecer se caracteriza por transformaes importantes, que modificam as

    biografias dos idosos, exigindo que elaborem novos arranjos pessoais, fsicos, corporais,

    sociais e culturais para dar sentido s muitas histrias que devero experimentar e contar.

  • 15

    Por outro lado, o envelhecer tambm comporta a composio de um repositrio de

    eventos que se estruturam durante toda a vida. Esse repositrio fornece aos idosos um

    conjunto de experincias significativas, as quais se relacionam com as experincias de

    convvio com os demais na teia social e relacional de seus viveres individuais e coletivos.

    Nessa perspectiva se ergue a memria, um conjunto remanescente de lembranas e imagens

    que constituram sua trajetria de vida e os modelos representacionais em torno da velhice e

    da dependncia funcional.

    Partindo desse contexto, buscou-se responder seguinte questo: Como a memria

    do envelhecer concebida pelo idoso longevo com dependncia funcional?. Para responder,

    parte-se do pressuposto de que essa fase representa um perodo de mudanas corporais,

    fsicas, biolgicas, fisiolgicas e emocionais relacionadas ao bem-estar fsico e mental. O

    significado da velhice em torno dessas mudanas elaborado na conjuno dos esforos para

    manuteno da resilincia e na preservao de capacidade de manuteno da vida na condio

    de idoso. Conhecer os elementos da memria que compem esse cenrio foi a possibilidade

    de compreender como o resultado das experincias de vida dos idosos possibilita explicar o

    momento que experimentam.

    Segundo Santos e Gico (2008), diante da velhice h todo um investimento simblico

    que deve ser tomado em considerao, tendo em vista que a nfase biomdica para explic-la

    mostra-se insuficiente. Para compreenso desse fenmeno, requer considerar que as vivncias

    e experincias dos idosos os ajudam a compor a sua vida e a explic-la e que as suas

    narrativas so repertrios tradutores de suas vises de mundo e de seus significados perante a

    vida. Neste sentido, as memrias foram mobilizadas como subsdio para o estudo acerca da

    dependncia funcional no envelhecimento um fenmeno apreendido em sua dimenso

    qualitativa, considerando os aspectos socioeconmicos e culturais vivenciados pelos idosos,

    cujos valores, ideologias, crenas esto relacionados ao processo do envelhecimento.

    A estratgia de pesquisa para o estudo junto aos idosos encontrou apoio na memria

    como recurso analtico, por possibilitar a construo e a reconstituio, por meio dos relatos

    individuais ou coletivos, sob a forma de socializao de sentidos dos idosos como sujeitos de

    valor. Essa socializao, segundo Bosi (1994), pode aprimorar a construo de um lugar em

    que os idosos sejam valorizados e se valorizem e tambm pode ajudar a compreender

    amplamente a sociedade hodierna e suas mudanas no decorrer do tempo. Enfim, escutar

    relatos dos idosos foi um trabalho com memria, criador de novas possibilidades para o ser

    que envelheceu.

  • 16

    A opo por pesquisar os idosos longevos com dependncia funcional partiu do

    pressuposto de que essa fase da vida precisa ser mais explorada, pois so escassos os estudos

    sobre a temtica. Alm disso, o modo de envelhecer pode ou no garantir o envelhecimento

    saudvel e satisfatrio, o qual depende da maneira como cada indivduo organiza e vivencia

    seu curso de vida, das circunstncias histrico-culturais, dos fatores patolgicos que podem

    interferir na sua sade e dos fatores genticos e ambientais (COSTA, 2000, p. 23).

    Frente a isso, poderamos dizer que se faz necessrio a velhice ser abordada de forma

    ampla, uma vez que buscar perceb-la simplesmente segundo as caractersticas biofisiolgicas

    desconsiderar os problemas ambientais, sociais, culturais e econmicos. Para tanto preciso

    ter uma viso global do envelhecimento, como processo, e, dos idosos, como indivduos

    (PAPALO NETO, 2011).

    Diante do exposto, o estudo teve o intento de contribuir para melhor conhecimento do

    envelhecer com dependncia funcional e subsidiar a implantao de polticas pblicas

    direcionadas ao idoso longevo, com o intuito de promover uma assistncia adequada e que

    atenda s reais necessidades de sade/doena. De tal forma, a pesquisa apresenta uma

    abordagem temtica bastante relevante, haja vista se tratar de um estudo de compreenso do

    envelhecer segundo o prprio idoso longevo, de valorizao dos seus saberes, instrumento

    basilar de seu dilogo com as demais geraes.

    Importante tambm salientar que, apesar de a pesquisa dar voz a cinco idosos,

    acredita-se que o resultado seja representativo de um grupo social. Entende-se que, por causa

    desse novo olhar, os atores envolvidos, direta ou indiretamente, com os idosos (profissionais

    de sade, cuidadores, famlia, grupos sociais) possam ter uma compreenso melhor sobre o

    significado do envelhecer com dependncia funcional para os idosos longevos e, dessa forma,

    contribuir para um envelhecimento com sade, autonomia e, consequentemente, com

    qualidade de vida.

    Partindo desse entendimento e por ter vivenciado a temtica do envelhecimento, na

    Graduao em Enfermagem, na disciplina Sade do Idoso, no Estgio Prtico em uma

    instituio de longa permanncia para idosos e durante o processo de construo do Trabalho

    de Concluso de Curso (TCC) em um Grupo de Convivncia para a Terceira Idade, surgiu o

    interesse em realizar pesquisas voltadas a esse grupo da populao brasileira que apresenta

    uma complexidade diferenciada dos demais, especialmente numa perspectiva qualitativa,

    valorizando a experincia de vida dessa populao.

    Nessa perspectiva, a presente dissertao tem por objetivo geral analisar o envelhecer

    com dependncia funcional a partir dos relatos de memria de idosos longevos de uma

  • 17

    Unidade de Sade da Famlia (USF) de Vitria da Conquista. E como objetivos especficos:

    trazer a baila s memrias do viver/envelhecer dos idosos longevos antes e depois da

    dependncia funcional e examinar as repercusses psicossociais do envelhecer com

    dependncia funcional.

    1.3 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA DISSERTAO

    Para fins de organizao, esta dissertao, intitulada Envelhecer com dependncia

    funcional: memria de idosos longevos, est estruturada em quatro captulos.

    No captulo da introduo, encontra-se a contextualizao do objeto de estudo, que

    abrange, de forma sucinta, o envelhecimento e a dependncia funcional e seu entrelaamento

    com a memria. Encontram-se, tambm, a apresentao da questo norteadora, a trajetria

    para escolha da temtica, a viabilidade do estudo e a sua importncia para a comunidade

    cientfica e para profissionais de sade e, por fim, os objetivos da pesquisa. Essa parte inicial

    contribuiu para situar a temtica e as proposies do estudo.

    No segundo captulo, desenvolve-se o referencial terico e conceitual que consolida a

    pesquisa, discutindo os aspectos do envelhecimento, da longevidade e da dependncia

    funcional. Encontra-se dividido em trs subtpicos: a) Aspectos demogrficos e

    epidemiolgicos do envelhecimento; b) Conceitos que envolvem o envelhecimento humano;

    c) Longevidade e dependncia funcional: valorizao dos aspectos biopsicossociais. Esse

    captulo permite apresentar um panorama do envelhecimento no Brasil, na Bahia e em Vitria

    da Conquista e, ainda, conhecer alguns conceitos bsicos e discusses realizados nos ltimos

    anos sobre o envelhecimento humano.

    No terceiro captulo, descreve-se a metodologia, abordando o tipo, os sujeitos, com

    sua caracterizao, o local da pesquisa, a coleta das informaes, a anlise e a interpretao

    das informaes, assim como os aspectos ticos que envolvem o estudo.

    No quarto e ltimo captulo, nomeado O desvelar da memria de idosos longevos com

    dependncia funcional, so apresentados os resultados da anlise e a interpretao dos dados

    empricos. Esse captulo est dividido em trs subcategorias: a) Memria do viver/envelhecer

    antes da dependncia funcional; b) Memria do viver/envelhecer aps a dependncia

    funcional; c) Repercusses psicossociais do envelhecer com dependncia funcional:

    construindo as estratgias de enfrentamento.

    Para finalizar so apresentadas as consideraes finais, as referncias, os apndices e

    os anexos da pesquisa.

  • 18

    2 ENVELHECIMENTO, LONGEVIDADE E DEPENDNCIA FUNCIONAL

    Neste captulo, apresentam-se as discusses sobre os temas envelhecimento,

    longevidade e dependncia funcional, com intuito de fornecer, de forma sucinta, o referencial

    terico que subsidiou o estudo. O captulo est dividido em trs partes, a saber: Aspectos

    demogrficos e epidemiolgicos do envelhecimento; Conceitos que envolvem o

    envelhecimento humano; Longevidade e dependncia funcional: aspectos biopsicossociais.

    2.1 ASPECTOS DEMOGRFICOS E EPIDEMIOLGICOS DO ENVELHECIMENTO NO

    BRASIL

    Inmeros estudos demogrficos e epidemiolgicos tm demonstrado o crescente

    aumento da populao idosa no mundo e, tambm, no Brasil, de modo que a longevidade

    uma realidade do sculo XXI, com exceo de alguns pases africanos. Esse processo

    resultado das conquistas sociais e polticas e da incorporao de novas tecnologias, como

    assepsia, antibiticos, vacinas, quimioterpicos, exames complementares, entre outros

    (CHAIMOWICZ, 2013). Todavia, conforme Papalo Neto (2011), foi ainda no sculo XX

    que a longevidade apresentou uma verdadeira revoluo, mas, apesar dessa conquista da

    humanidade, no ocorreram transformaes socioeconmicas que pudessem melhorar a

    qualidade de vida dos idosos.

    O processo de transio demogrfica no Brasil comeou ainda no sculo XX. A partir

    dos anos de 1940 e 1950, houve um declnio expressivo da mortalidade, porm a fecundidade

    se manteve em nveis extremamente altos. Como resultado, a populao ficou quase estvel e

    jovem e, consequentemente, com rpido crescimento. No final da dcada de 1960, a

    fecundidade reduziu-se, provocando o processo de transio da estrutura etria, surgindo

    caractersticas de um pas envelhecido e com compasso de crescimento baixssimo

    (CARVALHO; RODRGUEZ-WONG, 2008).

    Quando um pas envelhece, suas caractersticas epidemiolgicas tambm passam por

    transformaes. A transio epidemiolgica ocorre quando uma mudana nos padres de

    morbimortalidade perceptvel, principalmente por declnio das doenas infecto-parasitrias e

    aumento das doenas crnico-degenerativas. A reduo das taxas de mortalidade tem como

    consequncia o aumento da expectativa de vida, embora esse dado sozinho no provoque o

    aumento populacional. Este fato somente ocorre se as taxas de fecundidade e natalidade

  • 19

    carem, pois, assim, a populao de adultos aumenta levemente, o grupo etrio de jovens se

    reduz e o das pessoas mais velhas aumenta em termos relativos.

    Nos pases em desenvolvimento, como o caso do Brasil, o incremento

    socioeconmico, a urbanizao e, principalmente, a introduo de antibiticos, as vacinas e

    outras conquistas da medicina foram os responsveis pela queda da mortalidade no final dos

    anos de 1940 e 1950. Entretanto, ainda nesse perodo a taxa de natalidade permaneceu alta.

    Somente a partir do final da dcada de 1960 e 1970, com a introduo dos mtodos

    anticoncepcionais e o movimento feminista, as taxas de fecundidade despencaram. O

    resultado gerou baixas taxas de natalidade e mortalidade, crescimento discreto da populao

    total e aumento progressivo da populao de idosos, com consequente envelhecimento

    populacional.

    Alm desses fatores, importante destacar que a industrializao, a migrao, as

    mudanas no estilo de vida, a introduo da mulher no mercado de trabalho pode ser tambm

    responsveis pelo envelhecimento populacional.

    Vale ressaltar que o envelhecimento um fenmeno mundial, mas ocorre

    diferenciadamente para cada pas ou regio. Nos pases desenvolvidos, houve uma transio

    demogrfica gradual em um longo perodo de tempo. Em contrapartida, nos pases em

    desenvolvimento, como o Brasil, as transformaes foram rpidas, intensas e alarmantes

    (PAPELO NETO, 2011). Esse panorama explica o fato de o desenvolvimento

    socioeconmico e cultural, para os idosos que vivem em pases desenvolvidos, ser uma

    realidade mais ntida, enquanto, no Brasil, em razo das condies em que ocorreu esse

    processo, as repercusses negativas ainda so muito grandes e nos mais diversos setores da

    sociedade.

    O Brasil tem contribudo muito para uma escala global de pas envelhecido. Sua

    populao total de 190 755 799 habitantes, sendo que desses, 20.590.597 so idosos com 60

    anos ou mais (IBGE, 2010a). Conforme a mesma fonte, pessoas de 20 a 59 anos so a

    maioria, totalizando 107.242.036 habitantes. Esse dado demonstra que esses adultos de hoje

    sero em poucos anos idosos. Dessa forma, os dados confirmam a constatao anterior de que

    o Brasil caminha para ser um pas envelhecido. Nota-se que esses dados representam um

    quadro de envelhecimento muito relevante com projees de que, em poucas dcadas, a

    populao idosa exceda a populao jovem, portanto alterar ainda mais a estrutura etria da

    populao.

    As pirmides etrias seguintes (Figuras 1, 2, 3), que compreendem os anos de 1980,

    2010 e a projeo para 2040, demonstram as transformaes pelas quais o Brasil tem passado

  • 20

    no que diz respeito ao perfil etrio da populao e projeo futura.

    Na Figura 1, apresenta-se a distribuio etria da populao brasileira por sexo em

    1980. Ao observ-la, possvel perceber que a maioria da populao de crianas e jovens, o

    que d o formato triangular ao grfico.

    Figura 1 - Distribuio etria da populao por sexo Brasil, 1980

    Fonte: IBGE, 2013a.

    A Figura 2, apresenta a distribuio etria da populao brasileira, por sexo, em 2010.

    Observa-se que a base da pirmide comea a ter um estreitamento, em especial na faixa etria

    que compreende as crianas, enquanto o topo da pirmide est se alargando. Assim, a

    pirmide vai deixando o formato triangular, apresentado na Figura 1, e vai se tornando

    levemente cilndrica. Ainda possvel inferir, ao se observar a Figura 2, que a populao

    brasileira considerada ainda jovem, porm vai se tornando adulta, visto que esta a faixa

    etria de maior crescimento populacional nesse perodo. Assim, a pirmide etria que outrora

    (Figura 1) apresentava uma base larga, consequncia de uma fecundidade elevada, passa a

    assumir um desenho diferente com o aumento da expectativa de vida da populao brasileira.

  • 21

    Figura 2 - Distribuio etria da populao por sexo Brasil, 2010

    Fonte: IBGE, 2013a.

    Como se pode ver, a Figura 3 apresenta a projeo da distribuio etria da populao

    brasileira, por sexo, em 2040. Ao observar a figura, percebe-se que a base da pirmide se

    estreitou completamente enquanto o topo est se alargando. Essas mudanas significam que a

    populao de crianas, de adolescentes e a de adultos tambm diminuiu, enquanto a de idosos

    aumentou reflexo de uma realidade brasileira na qual a taxa de fecundidade vem diminuindo

    desde a dcada de 1970 e a expectativa de vida s tem aumentado (IBGE, 2010b). Portanto,

    possvel definir que a populao do Brasil em 2040 ser considerada uma populao madura.

    Figura 3 - Distribuio etria da populao por sexo Brasil, 2040

    Fonte: IBGE, 2013a.

  • 22

    Fazendo uma anlise da evoluo etria no Brasil, representada nas trs Figuras,

    possvel constatar que, comparando os perodos de tempo, existe uma diminuio acentuada

    da populao jovem e, em contrapartida, um elevado aumento da populao adulta e idosa.

    Essa constatao fica ntida na projeo para a dcada de 1940, com base na qual se estima

    que, em vinte anos, a populao idosa triplique.

    Deve-se salientar que o quantitativo de idosos no Brasil passou de 3 milhes, em 1960,

    para 20 milhes em 2008 um aumento bastante expressivo que chega a quase 700% em

    menos de 50 anos. A cada ano, 650 mil novos idosos so introduzidos na populao brasileira

    (VERAS, 2009). Conforme projees do IBGE, a populao idosa do Brasil deve chegar a

    58,4 milhes, ou seja, 26,7% do total da populao em 2060 (BRASIL, 2012).

    Em conformidade com o que vem acontecendo no Brasil, no que tange estrutura

    etria, na Bahia (SEI, 2013), ocorrer uma mudana no perfil da pirmide etria entre 2010 e

    2030 (Figura 4), em consequncia do processo de declnio da fecundidade em conjunto com

    as mudanas na migrao e mortalidade no decorrer do perodo considerado.

    Figura 4 - Distribuio etria da populao por sexo e grupos de idade,

    Bahia - 2010/2030

    Fonte: SEI, 2013.

    Quando se concentra a anlise na cidade de Vitria da Conquista, percebe-se um

    cenrio bastante parecido com a realidade brasileira e baiana. A Figura 5 apresenta uma ntida

    inverso do crescimento da populao conquistense: enquanto em 2000, a base da pirmide,

    que representa a populao de crianas e jovens, estava mais alargada, ou seja, o crescimento

  • 23

    populacional foi maior nessas faixas etrias, no ano de 2010, a base comeou a se estreitar e

    haver um discreto aumento da populao adulta e idosa, o que caracteriza, para projees

    futuras, uma populao envelhecida, haja vista a realidade brasileira, baiana e tambm

    conquistense de reduo da taxa de natalidade e aumento da expectativa de vida ao nascer.

    Figura 5 - Distribuio etria da populao por sexo, segundo o municpio

    Vitria da Conquista, Bahia - 2000/2010

    -8,0 -6,0 -4,0 -2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0

    0-4

    5-9

    10-14

    15-19

    20-24

    25-29

    30-34

    35-39

    40-44

    45-49

    50-54

    55-59

    60-64

    65-69

    70-74

    75-79

    80-84

    85-89

    90-94

    95-99

    100 +

    Homens 2000 Homens 2010 Mulheres 2000 Mulheres 2010

    Fonte: IBGE, 2013a.

    Conforme o Censo Demogrfico (IBGE, 2010a), o municpio de Vitria da Conquista

    em 2010 tinha uma populao de, aproximadamente, 306.866 habitantes, sendo que, desses,

    30.158 eram idosos e, entre os idosos, cerca de 4.192 eram longevos, logo tinham idade acima

    de 80 anos. Esses dados reafirmam o quanto h uma proximidade entre a realidade

    conquistense, baiana e brasileira, no que diz respeito ao envelhecimento da populao.

    Esse nmero alarmante de pessoas com 60 anos ou mais um desafio para rgos

    governamentais e tambm para toda a sociedade, especialmente no que diz respeito s

    questes socioeconmicas e, em especial, de sade. Essa realidade deve, sem dvida, ser

    encarada com preocupao e ser abordada de forma ampla.

    Outro dado muito interessante o crescimento do nmero dos muito idosos, j que no

    somente est aumentando o nmero de idosos, mas esses idosos esto envelhecendo, ou seja,

    passando dos 80 anos (CAMARANO; KANSO; MELO, 2004). Essa populao de idoso

    longevo deve ser valorizada, uma vez que o grupo etrio que mais vem crescendo no Brasil

    porque a mortalidade dos idosos jovens (de 60 a 74 anos) vem caindo de maneira progressiva.

  • 24

    Estimativas consideram que, em 2030, representaro 21% dos idosos, ou 2,7% dos brasileiros,

    passando a contar, assim, com 5,5 milhes de octogenrios (CHAIMOWICZ, 2013).

    Outro dado a ser visto com importncia a expectativa de vida. Os nmeros de

    projeo do IBGE indicam que a esperana de vida ao nascer, que, em 2013, chegou a 71,3

    anos para homens e 78,5 anos para mulheres, em 2060, deve atingir 78,0 e 84,4 anos,

    respectivamente (IBGE, 2014). Esse dado refora, alm do aumento da expectativa de vida, o

    processo de feminizao da populao idosa.

    2.2 CONCEITOS QUE ENVOLVEM O ENVELHECIMENTO HUMANO

    No h uma marca exata para a transio da fase da vida que pode definir uma pessoa

    como idosa. Fala-se em [...] processos biolgicos, aparncia fsica, surgimento de doenas

    crnicas, perda de capacidades fsicas e mentais e de papis sociais, nascimento de netos,

    entre outros (CAMARANO, 2008, p. 130). No entanto, de acordo com esse autor, a

    demarcao do incio complexa, pois envolve questes sociais, econmicas, regionais,

    culturais, tnicas e de gnero.

    Conforme a Poltica Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003, 2010),

    considerado idoso o indivduo com 60 anos ou mais. uma classificao baseada na

    preconizao da Organizao Mundial de Sade, a qual institui que, para os pases

    desenvolvidos, uma pessoa idosa com 65 anos e, para os pases em desenvolvimento, como

    o Brasil, acima de 60 anos. Esse conceito baseado na idade cronolgica um tanto

    limitante, pois coloca o idoso numa homogeneidade, sem considerar as trajetrias de vida de

    cada indivduo, as condies econmicas, de gnero e raa, ou seja, no considera outras

    dimenses s quais o sujeito est exposto. Todavia, a demarcao mais usual e necessria

    pelo fato de facilitar benefcios, polticas pblicas e, tambm, pesquisas.

    Apesar de o envelhecimento ser comum a todos os seres vivos animais, no ocorre de

    forma igual para todos. O envelhecimento pode ser compreendido como um processo natural,

    de diminuio progressiva da reserva funcional dos indivduos senescncia , o que, em

    condies normais, no costuma provocar qualquer problema. No entanto, em condies de

    sobrecarga, como doenas, acidentes e estresse emocional, pode ocasionar uma condio

    patolgica que requeira assistncia senilidade (BRASIL, 2003).

    Neri (1999) vai alm desse conceito quando sugere que a velhice e o envelhecimento

    so realidades heterogneas, isto , variam conforme os tempos histricos, as culturas e

    subculturas, as classes sociais, as histrias de vida pessoais, as condies educacionais, os

  • 25

    estilos de vida, os gneros, as profisses e as etnias, entre outros aspectos que configuram as

    trajetrias de vida dos indivduos e grupos. Portanto, o processo de envelhecimento ocorre de

    maneira singular e complexa, varia para cada pessoa e depende de fatores biolgicos,

    psicolgicos e sociais (VIEIRA, 2012).

    Vrios termos vm sendo utilizados para caracterizar a pessoa que j passou dos 60

    anos de idade, entre eles se destacam: envelhecimento, velhice, terceira idade e idoso. Apesar

    de parecer de fcil explicao, esses termos so bastante complexos e requerem uma distino

    entre si, pois podem apresentar conotaes que suavizam ou agravam os efeitos na sociedade.

    Envelhecimento, conforme Manzaro (2013, p. 1), deve ser entendido como um

    processo natural da vida que traz consigo algumas alteraes sofridas pelo organismo,

    consideradas normais para esta fase. Nesse sentido envelhecemos desde o momento em que

    nascemos.

    A velhice a ltima fase do processo de envelhecer humano, pois no um processo

    como o envelhecimento, antes um estado que caracteriza a condio do ser humano

    (SANTOS, 2010, p. 1037). O termo velhice carregado de preconceito e era muito usado para

    designar as pessoas mais pobres. Era entendida como a decadncia fsica e invalidez,

    momento de descanso e quietude no qual imperavam a solido e o isolamento afetivo.

    Conforme Silva (2008, p. 161), com a introduo da expresso terceira idade, a

    velhice comeou a ser vista de outra forma:

    Passa a significar o momento do lazer, propcio realizao pessoal que

    ficou incompleta na juventude, criao de novos hbitos, hobbies e

    habilidades e ao cultivo de laos afetivos e amorosos alternativos famlia.

    Assim, a expresso terceira idade sugere a fase da aposentadoria e do envelhecimento

    com qualidade de vida. A expresso foi criada na Frana em 1962 com a introduo da

    poltica de integrao social com o intuito de transformar a imagem da velhice, promovendo

    uma separao entre os jovens velhos e os mais velhos.

    Idoso, termo mais adequado para o indivduo que j passou dos 60 anos de idade, um

    conceito que tambm foi criado na Frana, em 1962, com o intuito de substituir os termos

    velho e velhote. Nesse mesmo perodo, o estilo de vida das camadas mdias comea a se

    disseminar para todas as classes de aposentados, que passam a assimilar as imagens de uma

    velhice associada arte do bem viver (SILVA, 2008, p. 163). Logo depois, o vocbulo idoso

    foi tomado no Brasil em documentos oficiais. Assim, o idoso o sujeito do envelhecimento,

  • 26

    um termo menos estereotipado e mais apropriado para pessoas acima de 60 anos (PEIXOTO,

    1998).

    2.3 LONGEVIDADE E DEPENDNCIA FUNCIONAL: ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS

    O grupo populacional de idosos compreende uma faixa etria to extensa que preciso

    dividi-la em segmentos. Os idosos jovens so os de idade igual ou superior a 60 anos at a

    faixa etria de 69 anos; e os que passaram de 80 anos so os mais idosos ou idosos longevos

    (CAMARANO; KANSO; MELO, 2004). Na pesquisa optou-se por usar o termo idoso

    longevo.

    Concorda-se com Veras (2004) quando ele diz que difcil assinalar uma pessoa como

    idosa fazendo uso apenas da idade cronolgica. Apesar disso, utilizou-se, na pesquisa, esse

    critrio, por questes particulares, pois era preciso delimitar o corpus. Acredita-se que essa

    definio um tanto generalista, pois, como j se mencionou, o processo de envelhecimento e

    a velhice dependem dos mais diversos fatores: socioculturais, polticos e econmicos, em

    interao dinmica e permanente com a dimenso biolgica e subjetiva dos indivduos

    (ASSIS, 2004, p. 11). Assim, mesmo utilizando o critrio idade, no so desconsiderados os

    demais; pelo contrrio, necessrio assinal-los neste captulo e diluir nas discusses do

    captulo seguinte.

    Para Norberto Bobbio (2004), existem trs tipos de velhice: a cronolgica, a qual no

    leva em considerao as caractersticas do indivduo; a burocrtica, que corresponde ao acesso

    aos benefcios, como aposentadoria e passe livre; e a subjetiva, que depende do sentir de cada

    um, das caractersticas singulares de cada indivduo.

    Para Simone de Beauvoir (1990), a velhice acontece conforme o contexto social que o

    sujeito viveu ou vive; desse modo, no existe uma velhice, h, sim, velhices, ou seja, a velhice

    masculina e feminina, a dos ricos e dos pobres, a do intelectual, a do funcionrio burocrtico e

    a do trabalhador braal. Corroborando a afirmao de Beauvoir, Zimerman (2000, p. 19)

    afirma que velho aquele que tem diversas idades: a idade do seu corpo, da sua histria

    gentica, da sua parte psicolgica e da sua ligao com a sociedade. Nesse sentido, os

    aspectos sociais vo interferir de forma contundente na maneira como cada indivduo ir

    envelhecer.

    pensando nessa heterogeneidade que se salienta a complexidade de pensar o

    processo de envelhecer por outros prismas, como o social e o psicolgico. Acredita-se que

  • 27

    necessrio haver essa discusso, pois na esfera do social e do psicolgico que as

    consequncias do envelhecer sero sentidas com maior intensidade.

    Em todos os ciclos da vida, o indivduo constri saberes e experincias que so

    acumulados e do s trajetrias de suas vidas caractersticas prprias para a construo de sua

    identidade quando idoso, por isso afirma-se que os fatores sociais e psicolgicos interferem

    no processo de envelhecer do indivduo. No se quer, assim, descartar o j provado

    envelhecimento biolgico, claro e ntido, com deteriorao dos rgos, reduo de

    funcionalidades corporais, diminuio gradativa da possibilidade de sobrevivncia e

    alteraes na aparncia fsica. Deseja-se apenas salientar a importncia do social e do

    psicolgico, associados ao biolgico, para o processo de envelhecer.

    Concorda-se com Mendes et al. (2005), para quem os conflitos psicolgicos e sociais

    apressam as deterioraes relacionadas ao processo de envelhecimento e para quem a

    habilidade pessoal de encontrar significado para viver pode ter influncia nas alteraes

    biolgicas e de sade que acometem o idoso. Verifica-se, portanto, que o papel social do

    idoso de extrema importncia para o processo de envelhecimento e para a consolidao do

    significado de seu envelhecer.

    Conforme foi mencionado anteriormente o aumento da expectativa de vida uma

    realidade no Brasil, assim como o aumento da ocorrncia de doenas crnico-degenerativas.

    Essas doenas tm, na maioria das vezes, como grande consequncia, a incapacidade, o que

    torna o envelhecimento humano um tanto contraditrio, considerando que, ao mesmo tempo

    em que h o desejo de viver muito, existe a angstia de viver com doenas e dependncia

    (MINOSSO et al., 2010). Ressalte-se que Embora a velhice no seja sinnimo de doena, na

    idade mais avanada h maior risco de comprometimento da capacidade funcional, com

    consequente perda de autonomia e independncia (LEMOS; MEDEIROS, 2002, p. 892).

    Segundo estudo, existe um expressivo aumento da dependncia funcional quando o

    idoso passa dos 80 anos de idade. No que diz respeito ao Brasil, a dependncia geralmente

    aumenta em torno de 5% na faixa etria de 60 anos e, para aproximadamente, 50% para

    aqueles com 90 anos ou mais (BRASIL, 2003). Esse dado demonstra que, com o avanar da

    idade, a suscetibilidade ao desenvolvimento de incapacidades extremamente maior quando

    se compara com os idosos mais jovens.

    A dependncia est associada fragilidade, ou seja, vulnerabilidade em relao ao

    ambiente. Um idoso dependente precisa de ajuda constante para as atividades bsicas da vida

    diria. Entretanto, a dependncia no um estado irreversvel, pois tanto pode evoluir como,

    tambm, ser reduzido (PAPELO NETO, 2011).

  • 28

    Os idosos acima de 80 anos so o grupo da populao que mais tem crescido no

    mundo (LEVY, 2001) e, tambm, um grupo singular e distinto dos idosos jovens, quando

    considerada a prevalncia de doenas e o grau de dependncia funcional, fatores que

    interferem na capacidade funcional do indivduo, tornando-o mais vulnervel a agravos de

    sade e doenas (SOUZA; SKUBS; BRETS, 2007). Esses idosos apresentam caractersticas

    fisiolgicas, psicolgicas, sociais e econmicas particulares e com diferenas importantes

    dentro do prprio grupo.

    As diferenas, porm, so particulares a cada pessoa e dependem do contexto social e

    cultural em que cada idoso est inserido, assim como do grau de autonomia e independncia

    na realizao das atividades cotidianas (FERRARI, 2002). Autonomia significa liberdade e

    capacidade de o indivduo agir por conta prpria, incluindo aspectos de comportamento,

    decises e cursos de ao. Difere da independncia, que definida como a habilidade de

    executar funes relacionadas vida diria (ANSAI; SERA, 2013, p. 190).

    Estudo realizado pela University of California, Los Angeles (UCLA), evidencia que o

    estado funcional tem impacto na expectativa de vida de idosos e comprova que um idoso de

    75 anos independente tem uma expectativa de vida cinco anos maior do que o idoso da

    mesma idade com dependncia para atividades bsicas da vida diria. Essa mesma pesquisa

    sugere que a expectativa de vida de um idoso dependente de 75 anos similar de um idoso

    de 85 anos independente (IOSHIMOTO, 2010).

    Convm mencionar que, para muitos idosos, em especial os longevos, as perdas

    sucessivas de autonomia e controle provocam sentimentos de ansiedade, tristeza, medo e a

    necessidade de adaptao a um novo estilo de vida. Todavia, entende-se ainda que, com o

    envelhecimento, os sujeitos, por reaes adversas e compensatrias diante das perdas

    decorrentes do processo, constroem mecanismos de compensao. Assim, a velhice depende

    da histria de vida de cada indivduo, por isso assume um carter subjetivo (COSTA, 2000).

    Nesse mesmo sentido Neri (2001, p. 4) assim analisa:

    A incapacidade para o desempenho de atividades instrumentais de vida

    diria no significa necessariamente impedimento para a continuidade do

    funcionamento cognitivo e emocional. Alm disso, os idosos so capazes de

    ativar mecanismos de compensao para enfrentar perdas em funcionalidade,

    quer lanando mo de recursos tecnolgicos e de apoios sociais e

    psicolgicos quer valendo-se do controle exercido sobre o comportamento

    de outras pessoas.

    Portanto, o maior desafio na ateno pessoa idosa conseguir contribuir para que,

    apesar das progressivas limitaes que venham ocorrer, elas possam redescobrir

  • 29

    possibilidades de viver sua prpria vida com a mxima qualidade e autonomia possvel. Essa

    possibilidade aumenta na medida em que a sociedade considere o contexto familiar e social e

    consiga reconhecer as potencialidades e o valor das pessoas idosas. Logo, parte das

    dificuldades das pessoas idosas est mais relacionada a uma cultura que as desvaloriza e

    limita (BRASIL, 2003).

    Salienta-se que essa desvalorizao est muito relacionada a um modelo capitalista

    que fez com que a velhice passasse a ocupar um lugar marginalizado na existncia humana,

    na medida em que a individualidade j teria os seus potenciais evolutivos e perderia ento o

    seu valor social (MENDES et al., 2005, p.24). Diante dessa dinmica, Moreira (2012) afirma

    que os ambientes sociais instituem quais so as representaes exercidas pelos indivduos,

    assim a velhice est relacionada ao momento de distanciamento da vida ativa, ou seja, tempo

    de se aposentar. Nesse contexto Mendes et al. (2005), salienta que:

    Na vida do homem, a aposentadoria muitas vezes acontece como uma

    descontinuidade. H uma ruptura com o passado, o homem deve ajustar-se a

    uma nova condio que lhe traz certas vantagens, como o descanso, lazer,

    mas tambm graves desvantagens como desvalorizao e desqualificao

    (MENDES et al., 2005, p.424).

    A desvalorizao e desqualificao apontada por Mendes et al. (2005) est muito

    relacionada ao papel social do trabalho, pois este visto com uma centralidade na vida das

    pessoas e a base de sustentao scio-econmica do prprio sustento e o da famlia

    (MOREIRA, 2012). Assim, aposentar-se em uma sociedade competitiva, que valoriza a

    produo e o consumo, significa a perda de um importante papel, e tambm de um espao

    social reconhecido e valorizado. Esse fato pode levar a uma situao de desajustamento,

    isolamento e at marginalizao (FERNANDES; ZORDAN, 2012, p.7).

    Alm da viso como improdutivo o idoso perde, por vezes, a posio de comando e

    deciso. As relaes entre pais e filhos modificam-se, o filho que antes era mandado passa a

    ter um papel social de comando diante dos seus pais. Essa inverso de papis possibilita a

    dependncia do idoso diante do seu ambiente social (MENDES et al., 2005).

    Diante do brevemente exposto, fica claro que analisar o envelhecer demanda muito

    mais do que caracteriz-lo numa perspectiva puramente biofisiolgica e cronolgica como

    etapas estticas da vida. Requer uma compreenso holstica do idoso como ser social e

    tambm psicolgico. Para isso, a ateno abrangente a pessoa idosa uma vivel conduta dos

    profissionais das mais diversas reas do conhecimento que visam dar conta da complexidade

    do processo de envelhecimento, bem como a velhice como uma etapa desse processo.

  • 30

    A ateno abrangente sade da populao idosa comeou a ocorrer a partir da dcada

    de 1930 com a pesquisadora Marjory Warren, como ponto de partida para a avaliao

    multidimensional/interdisciplinar, com uma sobreposio dos limites biolgicos e maior

    importncia avaliao do estado funcional. Essa avaliao abrangente inclui a histria

    clnica, o exame fsico, uma abordagem ampla do estado funcional e mental, dos fatores

    socioeconmicos, da colaborao do paciente e da famlia (COSTA; MONEGO, 2003).

    A avaliao do idoso deve levar em conta fatores intrnsecos, como a gentica, e

    extrnsecos, como o estilo de vida. Esses fatores, sem dvida, levam a mudanas no processo

    de envelhecimento, com diminuio da manuteno do equilbrio homeosttico, da

    capacidade de reserva, de defesa e de adaptao, tornando mais vulnervel a qualquer

    estmulo, seja ele traumtico, infeccioso ou psicolgico (BRASIL, 2003). Como

    consequncia, o idoso passa a ter maior vulnerabilidade ao desenvolvimento de doenas e

    tambm alta possibilidade de mortalidade.

    Por esse raciocnio, concorda-se com a afirmao de Papelo Neto (2011) de que a

    maneira correta de avaliar um idoso a Avaliao Geritrica Ampla (AGA), que centraliza a

    ateno nos problemas, definindo o estado funcional e a qualidade de vida. Para que isso

    ocorra de forma coerente e produtiva, faz-se necessrio uma equipe interdisciplinar que

    envolva profissionais das mais diversas reas, com destaque para geriatras, enfermeiros,

    fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistente social, nutricionistas, entre outros.

    A avaliao multidimensional/interdisciplinar define deficincias, incapacidades e

    desvantagens apresentadas pelo idoso, com o intuito de planejar o cuidado e o

    acompanhamento em longo prazo (RUBESTEIN; RUBESTEIN, 1998).

    Os idosos longevos esto entre os grupos de idosos mais susceptveis a se tornarem

    dependentes. Quando vivem sozinhos, so mulheres, solteiras ou vivas, vivem isolados, ou

    moram com um cnjuge com incapacidade moderada, com limitao econmica, sem filhos,

    residem em abrigo ou casas de repouso, essa susceptibilidade aumenta ainda mais (BATISTA

    et al., 2008).

    Conforme Levy (2001), a avaliao multidimensional do idoso se inicia com a reviso

    da sade fsica, habilidade funcional, sade mental, apoio social e adequao ambiental.

    Na avaliao multidimensional, so avaliados alguns parmetros, tais como: equilbrio e

    mobilidade; funo cognitiva; deficincias sensoriais; condies emocionais (presena de

    sintomas depressivos); disponibilidade e adequao de suporte familiar e social; condies

    ambientais; capacidade funcional (atividades da vida diria e atividades instrumentais da vida

    diria), estado e risco nutricional (COSTA; MONEGO, 2003).

  • 31

    A avaliao do estado funcional esteve em destaque durante a pesquisa no momento

    de avaliao dos idosos quanto dependncia funcional. A avaliao da capacidade funcional

    consiste em avaliar a capacidade do idoso diante das atividades bsicas e complexas da vida

    diria. A primeira se relaciona a banhar-se, vestir-se, transferir-se, ter continncia e alimentar-

    se (MINOSSO et al., 2010), enquanto a segunda refere-se a usar o telefone, preparar

    refeies, fazer compras, controlar o dinheiro, arrumar a casa, tomar medicamentos, caminhar

    ou utilizar meios de transporte (LAWTON; BRODY, 1969). Idosos que necessitam de ajuda

    de outro para realizar essas tarefas de forma parcial ou total so considerados dependentes

    totais ou dependentes parciais.

    importante ressaltar que, na avaliao da capacidade funcional, devem-se levar em

    conta os desvios, principalmente aqueles relacionados ao gnero e condio

    socioeconmica, como um homem cozinhar ou um idoso usar o telefone, haja vista que essas

    duas situaes diferem de um idoso para outro, conforme a sociedade ou a condio

    econmica em que se encontram.

    Ante a heterogeneidade do processo de envelhecimento e as influncias de diversos

    fatores que podem acometer os idosos e as famlias, a avaliao da capacidade funcional um

    desafio profissional de sade a ser enfrentado. preciso suplantar a abordagem clnico-

    curativa, em benefcio de uma atuao multiprofissional e interdisciplinar, com vistas a

    manter a autonomia e a independncia dos idosos e a possibilitar o envelhecimento ativo com

    qualidade de vida e apoio das famlias e dos cuidadores (AIRES; PASKULIN; MORAIS,

    2010).

  • 32

    3 PERCURSO METODOLGICO

    Para Gil (2008, p. 49), A formulao do problema, a construo de hipteses e a

    identificao das relaes entre variveis constituem passos do estabelecimento do marco

    terico ou sistema conceitual da pesquisa. Mas, para que o problema adquira o significado

    cientfico se faz necessrio o confronto da viso terica do problema com os dados da

    realidade. Ento, preciso definir o delineamento da pesquisa, ou seja, construir uma proposta

    de pesquisa que seja vivel e adequada ao alcance dos objetivos j construdos.

    Descobrir a melhor forma para a proposta de pesquisa o primeiro ponto de partida de

    um pesquisador, o que torna instigante e, ao mesmo tempo, um desafio a ser cumprido. Pensar

    em uma metodologia que possa dar conta da problemtica ento ponderar se no final vai dar

    certo, de modo que o objetivo proposto seja alcanado. Criar um roteiro, que una o conjunto

    de etapas e informaes e, tambm, a base filosfica, que organiza a ao do pesquisador,

    uma tarefa complexa que requer uma metodologia adequada.

    Conforme Gerhardt e Slveira (2009), metodologia o estudo da organizao, dos

    passos a serem percorridos para concretizao de uma pesquisa e se preocupa com a validade

    do caminho selecionado para consecuo do objetivo da pesquisa. No se deve confundir

    metodologia com teoria, muito menos com os procedimentos, que so os mtodos e tcnicas.

    A metodologia vai alm da exposio dos procedimentos, ela sugere a escolha terica

    realizada pelo pesquisador com o intuito de abordar o objeto de estudo.

    Nos pontos que se seguem sero apresentados todos os procedimentos metodolgicos

    utilizados para a construo da pesquisa: o tipo, os sujeitos, o local, a coleta das informaes,

    a anlise e interpretao dos resultados.

    3.1 TIPO DE PESQUISA

    A pesquisa consistiu em um estudo exploratrio descritivo com abordagem qualitativa.

    Os estudos exploratrios proporcionam maior familiaridade com o tema, no intuito de

    constituir hipteses. E o estudo descritivo objetiva a descrio das caractersticas da

    populao do estudo, com vistas a levantar opinies, atitudes e crenas dos sujeitos (GIL,

    2008).

    O tipo de abordagem qualitativa foi escolhido pelo fato de priorizar o ponto de vista e

    os sentidos construdos pelos sujeitos, focalizando a realidade de maneira aberta, flexvel e

    contextualizada, alm de favorecer o acesso riqueza dos69 dados descritivos. Trata-se de

  • 33

    uma anlise de casos concretos em suas peculiaridades, utilizando expresses e atividades das

    pessoas em seus contextos locais (FLICK, 2009). Assim, a pesquisa qualitativa parte da

    noo da construo social das realidades, est interessada nas perspectivas dos participantes,

    em suas prticas do dia a dia e em seu conhecimento cotidiano em relao ao estudo

    (FLICK, 2009, p. 16).

    3.2 LOCAL DE PESQUISA

    O estudo foi realizado em uma Unidade de Sade da Famlia (USF), localizada na

    zona urbana do municpio de Vitria da Conquista Bahia. A escolha desse local para a

    realizao da pesquisa se deu em virtude de ser um espao em que possvel encontrar o

    sujeito de investigao. Alm do mais, um dos campos de estgio da Universidade Estadual

    do Sudoeste da Bahia (UESB).

    O municpio de Vitria da conquista est localizado na mesorregio do Sudoeste da

    Bahia e dista de Salvador (capital do estado) cerca 517 km, sendo essa a distncia de

    conduo (DISTNCIAS DE CIDADES, 2015). A Figura 6 permite visualizar essa

    localizao, pois destaca o estado da Bahia no Brasil; j a Figura 7 evidencia o municpio de

    Vitria da Conquista na Bahia.

    Figura 6 - Localizao da Bahia no Brasil

    Fonte: IBGE1, 2015.

  • 34

    Figura 7 - Localizao de Vitria da

    Conquista na Bahia

    Fonte: IBGE1, 2015.

    O municpio de Vitria da Conquista tem uma populao total de 315.884 habitantes.

    Dispe de 7 Unidades Bsicas de Sade; 33 Unidades Bsicas de Sade da Famlia, sendo 16

    na zona urbana e 17 zona rural. Conta ainda com 27 equipes do Programa de Sade da

    Famlia na zona urbana e 17 zona rural, totalizando 44 equipes (PMVC, 2015).

    Vale ressaltar que A Sade da Famlia entendida como uma estratgia de

    reorientao do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantao de equipes

    multiprofissionais em unidades bsicas de sade (BRASIL, 2012). A base desse programa

    est nas aes voltadas promoo da sade, preveno, recuperao, reabilitao de doenas

    e agravos mais frequentes e, ainda, manuteno da sade (BRASIL, 2012).

    3.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA

    Os participantes da pesquisa foram cinco idosos com idade igual ou superior a 80 anos

    (idosos longevos), de ambos os sexos, cadastrados em uma Unidade de Sade da Famlia da

    zona urbana do municpio. A escolha dos idosos foi independente de cor, raa e grupo social,

    porm todos tinham dependncia funcional e apresentavam condies mentais preservadas.

    Achavam-se cadastrados na USF, aproximadamente (por ser um dado no oficial, mas

    informado pelos Agentes Comunitrios de Sade), 46 idosos acima de 80 anos. Foi possvel

    visitar apenas 34 desses 46 idosos, em razo da dificuldade de acesso a eles, por motivos

    1 Disponvel em: .

    http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=293330&search=bahia|vitoria-da-conquistahttp://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=293330&search=bahia|vitoria-da-conquista

  • 35

    diversos. Entre os que foram visitados, 16 eram funcionalmente dependentes, assim definidos

    com base nos testes realizados (ndice Barthel e Escala de Lawton), e 18 apresentavam

    capacidade funcional preservada. Dos 16 idosos dependentes funcionalmente, 2 faleceram na

    semana em que foi dado incio s entrevistas, e 1 idoso faleceu aps a realizao da entrevista

    (arquivada). Restaram 13 idosos; destes, apenas 9 apresentaram condies cognitivas

    preservadas para responder entrevista com base na avaliao do Mini-exame do Estado

    Mental (pontuao 24 pontos).

    Dos 9 idosos, 1 idosa, em um primeiro momento em que foi marcada a entrevista,

    adoeceu e foi internada. Aps a alta, foi agendada nova entrevista, porm ela no apresentava

    condies para responder s perguntas, pois se encontrava extremamente debilitada. Duas

    semanas depois, foi agendada nova entrevista; porm, como o estado de sade da idosa

    piorava, foi descartada a possibilidade de agendar outro momento em razo do tempo

    disponvel para a coleta dos dados.

    Foi dado incio as entrevistas, sendo que em 5 entrevistas houve saturao dos dados,

    ou seja, apresentou-se redundncia de informaes. Segundo Thiry-Cherques (2009, p. 21),

    A saturao designa o momento em que o acrscimo de dados e informaes em uma

    pesquisa no altera a compreenso do fenmeno estudado. Desse modo, foi interrompida a

    coleta de dados quando se constatou que no estava havendo mais elementos novos para

    contribuir com a teorizao esperada, ou seja, nada de novo estava sendo compreendido nas

    entrevistas (FONTANELLA et al., 2011).

    Como critrio de incluso no estudo foram adotados: ter idade superior a 80 anos,

    possuir condies mentais, segundo a avaliao do MEEM (pontuao > 24 pontos);

    apresentar dependncia funcional de acordo com a avaliao do ndice de Barthel e a Escala

    de Lawton. J como critrio de excluso: no est presente no domiclio aps duas visitas e

    dificuldade de acesso ao domiclio.

    No Quadro 1, so apresentadas as principais caractersticas sociais, econmicas e

    epidemiolgicas dos participantes. Salienta-se que esta caracterizao no fora estabelecida

    como um dos objetivos da pesquisa, contudo, entendeu-se que, conhecendo os respondentes

    do estudo, tornava-se possvel nortear as discusses posteriores.

  • 36

    Quadro 1 - Caracterizao dos idosos longevos, participantes do estudo. Vitria da

    Conquista/BA, 2015

    PERFIL

    IDOSO SOCIOECONMICO EPIDEMILGICO

    IDL 1

    Feminino 87 anos

    Viva

    Mora com a filha

    Analfabeta

    Aposentada com um salrio mnimo

    Foi trabalhadora rural

    Catlica

    Patologias

    Hipertenso e Osteoporose

    Sequelas

    Deambulao prejudicada

    IDL 2

    Feminino 80 anos

    Casada

    Mora com o cnjuge e com a filha

    Ensino Mdio completo

    Aposentada com um salrio mnimo

    Foi professora e vice-diretora

    Evanglica

    Patologias

    Hipertenso, Osteoporose, Artrose, Problema

    de coluna e Cegueira

    Sequelas

    Deambulao prejudicada, dores constantes e

    dificuldade para enxergar

    IDL 3

    Masculino 93 anos

    Casado

    Mora com a cnjuge e a neta

    Alfabetizado

    Aposentado com um salrio mnimo

    Foi ferreiro

    Catlico

    Patologias

    Hipertenso, Cardiopatia, Doena Renal

    Crnica, Atrofia Muscular

    Sequelas

    Deambulao prejudicada e dores constantes.

    IDL 4

    Masculino 83 anos

    Vivo

    Mora com a neta

    Ensino Fundamental I completo

    Aposentado com 1 salrio mnimo

    Foi mecnico

    Esprita Kardecista

    Patologias

    Hipertenso, Trombose Pulmonar, Gastrite e

    Cncer de prstata

    Sequelas

    Deambulao prejudicada

    Dispositivo definitivo para eliminaes

    vesicais (sonda) e dores constantes

    IDL 5

    Masculino 93 anos

    Casado

    Mora com a cnjuge e a filha

    Ensino Fundamental 1 completo

    Aposentado com 1 salrio mnimo

    Foi delegado e motorista

    Evanglico

    Patologias

    Hipertenso Arterial Sistmica Cardiopatia e

    Artrose Degenerativa (h 10 anos)

    Sequelas

    Deambulao prejudicada

    Uso de marca-passo

    Dificuldade de se expressar

    Fonte: Dados da pesquisa

    3.4 INSTRUMENTO DE PESQUISA

    Os instrumentos para coleta de dados so apresentados em trs etapas. Para a primeira

    etapa, foram escolhidos trs instrumentos j validados para definir se os idosos se

    enquadravam no perfil do estudo (estado cognitivo preservado e classificado como

    dependente funcionalmente). Para tanto, foram utilizados o Mini-exame do Estado Mental

  • 37

    (FOLSTEIN; FOLSTEIN; MCHUGH, 1975), o ndice de Barthel (MINOSSO et al., 2010) e a

    Escala de Lawton (LAWTON; BRODY, 1969).

    Para avaliao do estado mental, foi aplicado o Mini-exame do Estado Mental de

    Pfeiffer (FOLSTEIN; FOLSTEIN; MCHUGH, 1975), composto por dez perguntas, o qual

    avalia quatro parmetros: memria a curto e longo prazo; orientao; informaes do

    cotidiano; e capacidade de clculo (ANEXO A). A pontuao seguiu o seguinte critrio: 30 a

    26 pontos (funes cognitivas preservadas); 26 a 24 pontos (alterao no sugestiva de

    dficit) e 23 pontos ou menos (sugestivo de dficit cognitivo). Esse Mini-exame do estado

    mental possibilitou a excluso dos idosos que no apresentavam cognio para responder s

    perguntas da entrevista.

    Para a avaliao da dependncia funcional, foi aplicado o ndice de Barthel (ANEXO

    B) e aplicada a Escala de Lawton (ANEXO C). O ndice de Barthel utilizado para avaliar a

    capacidade funcional e se compe de dez atividades: alimentao, banho, higiene pessoal,

    vestir-se, intestinos, bexiga, transferncia para higiene ntima, transferncia - cadeira e cama -,

    deambulao e subida de escadas (MINOSSO et al., 2010). Conforme o escore

    correspondente soma de todos os pontos obtidos, considerado independente o indivduo

    que atingir a pontuao total, isto , 100 pontos. Pontuaes abaixo de 50 indicam

    dependncia em atividades de vida diria (MINOSSO et al., 2010).

    A Escala de Lawton utilizada para avaliar a capacidade funcional, de modo que

    rene atividades mais complexas imprescindveis para uma vida social mais autnoma, como:

    telefonar, efetuar compras, preparar as refeies, arrumar a casa ou cuidar do jardim, fazer

    reparos em casa, lavar e passar a roupa, usar meios de transporte, usar medicao e controlar

    finanas particulares ou da casa. Nessa escala, a primeira resposta significa sempre

    independncia; a segunda, dependncia parcial ou capacidade com ajuda; e a terceira

    dependncia. Ressalta-se que a pontuao mxima de 27 pontos (LAWTON; BRODY,

    1969).

    Na segunda etapa, construda pelo prprio pesquisador, foram constitudos os dados

    sociais, demogrficos, econmicos e epidemiolgicos. Para constituir a terceira etapa, com o

    intuito de buscar compreender a memria dos idosos sobre o envelhecer com dependncia

    funcional, foi escolhida entrevista semidirigida como tcnica, considerada de excelncia na

    investigao social.

    Pode-se definir entrevista como a tcnica em que o investigador se apresenta

    frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obteno

  • 38

    dos dados que interessam investigao. A entrevista , portanto, uma forma

    de interao social. Mais especificamente, uma forma de dilogo

    assimtrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se

    apresenta como fonte de informao (GIL, 2008, p. 109).

    A apreenso das experincias dos depoentes tem como pressuposto a dimenso da

    oralidade no mbito de propiciar a aproximao do pesquisador com as memrias do

    envelhecer com dependncia funcional. Para a evocao das recordaes dos idosos, foi

    utilizada a linguagem, um instrumento extremamente coletivo e socializador da memria

    (HALBWACHS, 2006). Assim, o idoso, ao verbalizar essas recordaes, transformou a sua

    memria em uma memria social. Isso ocorre porque as recordaes dos idosos referem-se a

    acontecimentos vivenciados em contextos sociais, pois a memria, alm de ser mediada pelos

    contextos sociais, estruturada por eles Halbwachs (2006).

    3.5 PROCEDIMENTOS

    As entrevistas foram realizadas depois da confirmao da dependncia funcional, com

    base nos testes citados anteriormente, e da aceitao dos idosos longevos em participar da

    pesquisa. As entrevistas ocorreram na casa do idoso, no perodo de janeiro a maro de 2015,

    em horrio agendado, com a manuteno do silncio e total concentrao do pesquisado e do

    pesquisador.

    Todas as entrevistas foram gravadas com a autorizao prvia do pesquisado e

    ocorreram em um tempo mximo de uma hora, um tempo considerado adequado, que requer,

    do entrevistado, uma concentrao bastante relevante e, do entrevistador, uma tenso

    constante.

    Ademais vale destacar que, antes de realizar a entrevista, houve um primeiro encontro

    (informal) com o entrevistado, para que fosse construdo um esquema da entrevista. Assim,

    baseado nos elementos colhidos, elaborou-se um roteiro de perguntas (APNDICE A), sobre

    as quais o entrevistado esteve o tempo todo ciente. No decorrer da entrevista, contudo, o

    roteiro sofreu algumas alteraes, pela necessidade de avaliar se era procedente ou se seria

    preciso acrescer ou, mesmo, eliminar algum questionamento, para que o objetivo da pesquisa

    fosse alcanado (TOURTIER-BONAZZI, 2006, p. 234).

    Outra questo importante deixar claro que, mesmo em interao, as interferncias do

    pesquisador foram mnimas, pois era o momento de expresso do pesquisado, de modo que

    ele se sentisse vontade para abordar as mais diversas situaes (SILVA; BARROS, 2010).

  • 39

    Ressalte-se ainda que foi extremamente indispensvel criar uma relao de confiana entre

    informante e entrevistador (TOURTIER-BONAZZI, 2006, p. 234). Essa relao conduziu a

    um bom resultado final da pesquisa.

    3.6 ANLISE E INTERPRETAO DOS RESULTADOS

    Os depoimentos foram transcritos, posteriormente entrevista, pelo prprio

    entrevistador exatamente como foram narrados. Destaca-se que foi uma preocupao

    constante a fidelidade ao texto gravado, no sentido de dar ateno ao contedo e menos

    forma, compreendida como estilo.

    Foi aplicada a anlise de Contedo de Laurence Bardin, que um conjunto de tcnicas

    de anlise das comunicaes (BARDIN, 2011), de modo que possibilitasse a interpretao dos

    dados e que se desenvolvesse de acordo com tcnicas refinadas (FLICK, 2009). Existem

    diversos tipos de tcnicas para o desenvolvimento da anlise de contedo; optou-se pela

    temtico-categorial, que funciona com o desmembramento do texto em categorias. Realizar

    uma anlise temtica desvendar os ncleos de sentido. O critrio de categorizao nesse

    caso semntico, ou seja, valoriza o significado das palavras, frases, pargrafos, manifestados

    por meio da linguagem dos sujeitos. Ela rpida e eficaz e se aplica a significados manifestos

    e simples (BARDIN, 2011).

    Para auxiliar no manejo dos dados e na organizao da anlise de contedo temtica,

    foi usada a ferramenta computacional de suporte para anlise dos dados qualitativos NVivo,

    QSR NVivo9, verso 11.0. QSR uma sigla para Qualitative Solutions Research

    Solues para Pesquisa Qualitativa (QRS INTERNATIONAL, 2013). Vale ressaltar que todo

    o procedimento de interpretao foi exclusivo da pesquisadora, j que o software no efetua a

    interpretao.

    A organizao da anlise ocorre em torno de trs polos, que, na verdade, so as etapas

    que definem o trabalho, as quais se apresentam descritas na Figura 8:

    1. Pr-anlise a fase de organizao do material a ser analisado com o objetivo de

    torn-lo operacional. Inicialmente realiza-se uma leitura flutuante, isto , comea-se

    a conhecer o texto; em seguida, escolhe-se o documento; depois, so estabelecidas

    hipteses e objetivos; e, por ltimo, so construdas a referenciao dos ndices e a

    elaborao de indicadores.

    2. Explorao do material consiste na explorao do material com a definio de

    categorias e a identificao das unidades de registro e das unidades de contexto nos

  • 40

    documentos. Vale ressaltar que esta a fase da descrio analtica, pois diz respeito

    ao corpus submetido a um estudo aprofundado, orientado pelas hipteses e

    referenciais tericos.

    3. Tratamento dos resultados, inferncia e interpretao nesta etapa, sucedem o

    adensamento e o destaque das informaes para anlise, culminando nas

    interpretaes inferenciais. Portanto, o momento da intuio, da anlise reflexiva

    e crtica.

    Figura 8 - Organizao da anlise de contedo Bardin (2011)

    Fonte: Bardin, 2011

    O trabalho de organizao e anlise dos dados permitiu o delineamento de um quadro

    com base em categorias, com vistas a reunir elementos, ideias ou expresses (MINAYO,

    2009). importante enfatizar que os temas apresentados nas categorias no foram, em

    nenhum momento, impostos pelo roteiro de entrevista; eles foram extrados dos relatos dos

    idosos. Assim, a categorizao, no caso da pesquisa, teve como norteadores, de todo o

    processo de anlise, o objetivo geral e os objetivos especficos, mencionados na introduo

    deste texto, mas, principalmente, os dados empricos coletados na pesquisa.

    Os resultados da anlise se encontram organizados no Quadro 2, onde esto

    representadas as trs categorias encontradas.

  • 41

    Quadro 2 - Resultados da anlise de contedo temtico-categorial, Vitria da Conquista - BA,

    2015 CATEGORIZAO

    CATEGORIAS

    1. Memria do viver/envelhecer antes da dependncia funcional

    2. Memria do viver/envelhecer aps a dependncia funcional

    3. Repercusses psicossociais do envelhecer com dependncia funcional: construindo estratgias de

    enfrentamento

    Fonte: Dados da pesquisa

    3.7 MEMRIA COMO RECURSO ANALTICO

    Trs foram os campos de estudo tericos que consideramos importantes nesta

    pesquisa: envelhecimento, dependncia funcional e memria. As discusses sobre

    envelhecimento e dependncia funcional serviram como aporte terico para compreender o

    envelhecer com dependncia funcional. Em contrapartida a abordagem da memria foi

    utilizada como recurso analtico, ancorada em Maurice Halbwachs (2006), com especial

    destaque aos conceitos de memria coletiva e memria individual, tornando-se, para tanto, um

    recurso hermenutico, ou seja, se converteu em instrumento de interpretao

    (MONTESPERELLI, 2004). Atravs dos discursos produzidos pelos idosos longevos foi

    possvel mobilizar as memrias e assim alcanar o objetivo desse estudo. Desse modo, as

    recordaes dos idosos foi o fio condutor para compreender o envelhecer com dependncia

    funcional

    3.8 ASPECTOS TICOS DO ESTUDO

    Antes do incio dos procedimentos, o projeto foi submetido aprovao do Polo de

    Educao Permanente da Secretaria Municipal de Sade de Vitria da Conquista e do Comit

    de tica em Pesquisa da Faculdade Independente do Nordeste, com parecer de aprovao n

    759.441. Todos os participantes tiveram pleno conhecimento do estudo e dos objetivos,

    assinando, para tanto, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APNDICE B) de

    acordo com a Resoluo do Conselho Nacional de Sade (CNS) n. 466/12 para pesquisa com

    seres humanos (BRASIL, 2013). Aos participantes da pesquisa foi garantido em

    conformidade com as exigncias ticas para a realizao de uma pesquisa o absoluto sigilo

    quanto a sua verdadeira identidade e a total fidedignidade ao contedo das informaes

    concedidas. O nome dos participantes foi alterado para preservar o anonimato e garantir a

    confidencialidade. Os idosos foram identificados com as letras IL (idoso longevo), seguidas

  • 42

    da numerao de 1 a 5. Todo o processo de pesquisa foi descrito e todos os participantes

    foram informados do modo e local de acesso aos dados finais do estudo.

  • 43

    4 O DESVELAR DA MEMRIA DE IDOSOS LONGEVOS COM DEPENDNCIA

    FUNCIONAL

    Cada palavra e cada frase emitidas pelos idosos estavam carregadas de recordaes e

    memrias do tempo vivido e experienciado em uma coletividade. Ao relembrarem o seu

    passado, reconstruram a sua vida; porm, essa reconstruo no possibilitou reviver o

    passado da mesma maneira, pois o ponto de vista atual transformou as recordaes com a

    experincia do presente. A memria uma construo realizada no presente com base nas

    vivncias e experincias ocorridas no passado. Origina-se dos testemunhos de grupos em uma

    determinada poca (HALBWACHS, 2006).

    O ato de escutar permitiu uma reflexo sobre a trajetria de vida do idoso,

    principalmente a partir da dependncia funcional, reconstruda com a perspectiva atual, dando

    novos significados. Assim, os idosos expressaram o passado que marcou, que est vivo e que

    capaz de viver na conscincia do grupo que mantm (HALBWACHS, 2006, p. 102).

    A partir dos relatos dos idosos longevos, foi construda uma abordagem holstica da

    pessoa em sociedade, com o intuito de problematizar as questes que envolvem o

    envelhecimento e a velhice, pois se entende que o idoso tem um potencial transmissor de

    memrias; desse modo, coloca-se em posio privilegiada no compartilhamento de memrias,

    com uma funo indispensvel na compreenso de quem somos e de nossas materialidades e

    subjetividad