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ABORDAGEM TEMÁTICA NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: PROPOSTAS DESENVOLVIDAS POR PESQUISADORES1

THEMATIC APPROACH IN SCIENCE EDUCATION: PROPOSALS DEVELOPED BY RESEARCHERS

Polliane Santos de Sousa1, Roseline Beatriz Strieder2, Karine Raquiel Halmenschlager3, Roseli Adriana Blümke Feistel 4, Giselle

Watanabe-Caramello5 Simoni Tormohlen Gehlen6

1,6 Universidade Estadual de Santa Cruz/Ilhéus/BA, [email protected] 2 Universidade Católica de Brasília/Brasília/DF

3 Universidade Federal do Pampa/Caçapava do Sul/RS

4Universidade Federal de Mato Grosso/Sinop/MT 5 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo/São Paulo/SP

Resumo

Discussões sobre a organização do currículo por meio de temas vêm ganhando cada vez mais espaço no Ensino de Ciências. Ainda que haja um consenso com relação à busca por atribuição de significados para o conteúdo escolar, esse discurso é marcado por controvérsias, em especial no que se refere à organização e desenvolvimento do trabalho em sala de aula. Dessa forma, neste trabalho, investiga-se como pesquisadores em Ensino de Ciências têm desenvolvido práticas pedagógicas pautadas na Abordagem Temática, nos diferentes níveis de ensino. Os principais aspectos enfocados estão relacionados à articulação entre os temas, conteúdos e currículo escolar, bem como as ações desenvolvidas no âmbito da formação de professores. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com três pesquisadores da área de Ensino de Ciências, as quais foram analisadas por meio da Análise Textual Discursiva. Dentre os resultados, destacam-se algumas categorias como: a) contexto de desenvolvimento da abordagem de temas; c) critérios de seleção de temas e c) desenvolvimento e implementação de propostas baseadas em temas. Quanto às relações entre a Abordagem Temática Freireana e a proposta de temas, ressalta-se que na seleção de temas alguns pesquisadores adotam procedimentos semelhantes ao Levantamento Preliminar (primeira etapa da Investigação Temática); no desenvolvimento de temas na formação inicial de professores apresentam relações com a Análise Textual Discursiva; e no planejamento e desenvolvimento de temas em sala de aula adotam estratégias próximas à dinâmica dos Três Momentos Pedagógicos. Assim, apesar das iniciativas de implementação de temas estarem balizadas em distintos referenciais teóricos, apresentam aspectos comuns, principalmente, no que se refere ao estabelecimento do diálogo em sala de aula e da valorização da participação do aluno no processo de ensino e aprendizagem.

1 Apoio CNPq.

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Palavras-chave: Abordagem Temática, Ensino de Ciências, Currículo, Formação de Professores.

Abstract

Discussions about the organization of the curriculum using themes are gaining more and more space in the Science Education. Although there is a consensus regarding to the search for the attribution of meaning to the school curriculum, this discourse is marked by controversy, especially as regards to the organization and development of the work in classroom. Thus, this work investigates how researchers in Science Education have developed pedagogical practices based on Thematic Approach, at different levels of education. The main focused aspects are related to the articulation themes, content and school curriculum, as well as the actions developed in the teachers training. Semi-structured interviews were conducted with three researchers from the area of Science Education, which were analyzed by the Discursive Textual Analysis. Among the results, it is emphasized that: in the selection of themes some researchers adopt procedures similar to the Preliminary Survey (first stage of the Thematic Investigation); in the development of the themes in initial training of teachers presented relations with the Discursive Textual Analysis; and in the planning and development of themes in the classroom, they adopt strategies close to the dynamics of the Three Pedagogical Moments. Thus, despite the initiatives of implementation of themes being buoyed in different theoretical frameworks, it has common features, especially as regards to the establishment of dialogue in the classroom and of the appreciation of the student's participation in the process of teaching and learning.

Keywords: Thematic Approach, Science Education, Curriculum, Teacher Training.

Introdução

Os parâmetros curriculares e as orientações expressas nos documentos oficiais (BRASIL 2000; 2006) sugerem que é preciso rediscutir o Ensino de Ciências - sua estrutura curricular, objetivos e metodologias - a fim de proporcionar uma formação para cidadania, isto é, contribuir com a formação de um cidadão autônomo, crítico e participativo. Para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem em Ciências, os documentos oficiais propõem outra abordagem, que considere o mundo vivencial do educando e que contemple, por exemplo, aspectos relativos à dimensão científica, histórica e filosófica da Ciência.

Iniciativas preocupadas com tais questões têm sido apresentadas no contexto da pesquisa em Educação em Ciências. Dentre elas, destacam-se aquelas pautadas na abordagem de temas, a exemplo da reconstrução curricular organizada com aporte na abordagem histórico-cultural, denominada Situação de Estudo (SE) (MALDANER, 2007); dos currículos que buscam a inserção das relações Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) (SANTOS e AULER, 2011); da proposta que busca uma articulação entre a concepção freireana de educação e os pressupostos do movimento CTS (SANTOS, 2008; MUENCHEN e AULER, 2007); das Unidades de Aprendizagem, baseada nos pressuposto do Educar pela Pesquisa (FRESCHI e RAMOS, 2009); e da proposta de ensino organizada a partir de Temas Regionais (PALHETA e BRITO, 2008).

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De acordo com Strieder et al. (2011), discussões sobre a organização do currículo por meio de temas vêm ganhando cada vez mais espaço no Ensino de Ciências. Segundo esses autores, ainda que haja consenso com relação à busca por atribuição de significados para o conteúdo escolar, esse discurso é marcado por controvérsias, especialmente no que diz respeito à organização e desenvolvimento do trabalho, o que envolve a natureza do tema abordado, o critério utilizado para a seleção do tema, a relação entre tema e conteúdo, e as áreas de conhecimento envolvidas.

Nesse contexto, apresentam-se alguns resultados de uma investigação, em andamento2, que visa analisar como pesquisadores em Ensino de Ciências têm desenvolvido trabalhos centrados na abordagem de temas, em especial no que se refere à maneira com que eles têm implementado propostas sob essa perspectiva na formação inicial e continuada de professores de Ciências e na Educação Básica. Tem-se por objetivo analisar e discutir como as práticas implementadas estão articuladas aos pressupostos da Abordagem Temática Freireana (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002). Com isso, pretende-se estabelecer um diálogo maior entre os pesquisadores que se propõem a trabalhar nessa perspectiva, principalmente em relação aos limites e potencialidades de cada aporte teórico-metodológico.

Abordagem Temática Freireana

A Abordagem Temática, que configura o referencial teórico adotado no presente estudo, segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), consiste numa perspectiva curricular na qual os conteúdos de ensino são selecionados e organizados com base em temas. Nessa perspectiva, rompe-se com a lógica curricular tradicional, centrada em conceitos.

A perspectiva da Abordagem Temática foi estabelecida por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) a partir dos pressupostos freireanos (FREIRE, 1987). Contudo, destaca-se que ela não está associada apenas a este referencial, sendo adotada por outros estudos baseados, por exemplo, na perspectiva vygotskyana, no enfoque CTS, nas Unidades de Aprendizagem etc. (STRIEDER et al., 2011). De acordo com a Abordagem Temática Freireana, a organização do currículo e do trabalho pedagógico se dá a partir de Temas Geradores, obtidos por meio do processo de Investigação Temática3. Na referida proposta, os temas devem estar associados a problemas que se configuram em contradições locais (FREIRE, 1987). Ressalta-se, aqui, a importância da Redução Temática - quarta etapa da Investigação Temática - momento em que são selecionados os conteúdos e conceitos científicos, de diversas áreas do conhecimento, necessários para a compreensão do tema, que constituirão o conteúdo programático a ser trabalhado em sala de aula. Desta forma, na relação tema-conteúdo, os conceitos científicos são subordinados ao tema para a sua compreensão.

2 Esse trabalho insere-se em um projeto mais amplo, financiado pelo CNPq, que visa compreender aspectos teórico-metodológicos da abordagem de temas na Educação em Ciências, além de analisar relações entre esses estudos e a perspectiva da Abordagem Temática (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002). 3 O processo de Investigação Temática proposto por Freire (1987) para obtenção do Tema Gerador e sistematizado por Delizoicov (1991) consiste em cinco etapas: primeira (levantamento preliminar): reconhecimento do mundo vivencial do aluno; segunda (análise das situações e escolha das codificações): escolha das contradições; terceira (diálogos descodificadores): obtenção dos Temas Geradores; quarta (Redução Temática): identificação dos conhecimentos necessários para compreensão dos temas e elaboração do programa da disciplina, realizadas por um grupo interdisciplinar; e quinta (trabalho em sala de aula): desenvolvimento do programa em sala de aula.

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Para o planejamento das atividades que correspondem ao conteúdo programático de determinado tema, bem como para o seu desenvolvimento em sala de aula, Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) propõem os Momentos Pedagógicos, os quais sejam: 1) Problematização Inicial, que consiste em identificar e problematizar as interpretações que os alunos têm sobre a situação significativa abordada; 2) Organização do Conhecimento, momento em que o professor seleciona os conhecimentos científicos pertinentes para dialogar com as questões apontadas pelos alunos e pelo professor; e 3) Aplicação do conhecimento, etapa em que o aluno, de posse do conhecimento científico, faz uso deste para compreender a situação que originou a problematização e estabelecer relações com outras questões que sejam pertinentes (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002).

De forma geral, os aspectos apresentados anteriormente subsidiarão o presente estudo, em que se busca compreender algumas características da abordagem de temas utilizada por pesquisadores da área de Ensino de Ciências. Cabe enfatizar que, embora, neste trabalho, haja uma ênfase na perspectiva da Abordagem Temática Freireana, não entendemos que esta se sobressaia às demais. Como destacado anteriormente, a intenção deste trabalho é contribuir para a compreensão das aproximações e distanciamentos entre as diferentes propostas centradas em temas, balizadas por distintos referenciais teóricos. Nesse sentido, a Abordagem Temática Freireana é utilizada como referencial por balizar a perspectiva da Abordagem Temática, proposta por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) e adotada por vários pesquisadores que se propõem a trabalhar com temas nos diferentes níveis de ensino.

Aspectos metodológicos

Para o desenvolvimento da presente investigação, foram entrevistados três pesquisadores da área de Ensino de Ciências, que publicaram pelo menos um estudo em periódicos da área de Ensino de Ciências, no período de 2000 a 2009. A localização destes autores foi realizada por Strieder et al. (2011) que identificaram grupos de pesquisadores que discutem a Abordagem Temática, sob diferentes enfoques teóricos. Embora Strieder et al. (2011) tenham localizado mais grupos, num primeiro momento, optou-se em entrevistar apenas pesquisadores de três grupos. Ressalta-se que em estudo futuro as demais entrevistas serão realizadas e analisadas.

A entrevista semiestruturada foi orientada pelas seguintes questões: 1) Como a abordagem de temas tem sido organizada no contexto em que você atua? Há espaço para a implementação na Educação Básica e/ou formação inicial/continuada de professores?; 2) Que dificuldades/possibilidades são encontradas, na Educação Básica e na formação inicial e/ou continuada de professores, no processo de elaboração e implementação de propostas desta natureza? A análise das entrevistas foi realizada por meio da Análise Textual Discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2007), que pode ser descrita como: a) Unitarização: etapa em que há a desconstrução do corpus, ou seja, do conjunto de informações coletadas. Neste momento o corpus é fragmentado em elementos significativos denominados unidades de análise ou de significado; b) Categorização: processo em que as unidades de significado são agrupadas segundo as suas semelhanças semânticas produzindo as categorias temáticas; c) Comunicação: caracterizada pela elaboração de textos descritivos e interpretativos (metatextos) acerca das categorias temáticas. A partir dessa análise foi possível pontuar compreensões acerca da Abordagem Temática, em especial no

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que se refere a sua implementação no contexto da formação inicial e continuada de professores e na Educação Básica, bem como estabelecer relações com a Abordagem Temática Freireana. A identificação dos pesquisadores entrevistados deu-se pelo sistema alfanumérico P1, P2,..., Pn, resguardando-se a identidade dos mesmos. A seguir discutem-se algumas categorias que foram organizadas por meio da ATD, as quais sejam: a) Contexto de desenvolvimento da abordagem de temas; b) Critérios de seleção de temas e c) Desenvolvimento e implementação de propostas baseadas em temas.

Relações entre a abordagem de temas e a Abordagem Temática Freireana

a) Contexto de desenvolvimento da abordagem de temas

O pesquisador P1 aborda essa perspectiva na formação inicial de professores de Física por meio das disciplinas relacionadas à Prática de Ensino, em que, entre vários aspectos destacados, são apresentadas aos licenciandos as diferentes perspectivas da abordagem de temas, como retrata a fala a seguir.

Então, atualmente eu atuo, quase que exclusivamente, na Licenciatura em Física, nas disciplinas. [...] meu maior trabalho no momento é com a formação inicial [...] não tem ainda um trabalho mais consistente de formação continuada (P1).

Além dessas disciplinas, P1 cita as de Instrumentação para o Ensino, que têm sido utilizadas por ele como espaço para elaboração e implementação de propostas temáticas pelos licenciandos. Há indicativos de que é nesse contexto que P1 tem atuado de forma mais sistemática, pois segundo ele:

[...] na Instrumentação para o Ensino de Física I a ideia básica é que eles elaborem num grupo uma proposta de trabalho dentro de uma Abordagem Temática. [...] na Instrumentação para o Ensino de Física II, que é uma disciplina oferecida no semestre seguinte, eles então vão aplicar esse projeto temático (P1).

Diferente de P1, no contexto em que P2 está inserido, o currículo de um curso de Licenciatura em Ciências foi estruturado na forma de Eixos Temáticos propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), possibilitando, segundo ele, a abordagem de temas na formação inicial enquanto perspectiva de trabalho adotada pelos docentes. Nessa direção, P2 afirma que:

[...] o início do processo foi na formação inicial, [...] no curso de licenciatura plena em Ciências Naturais, que foi um curso preparado [...] já com estrutura de Eixos Temáticos. [...] a parte do conteúdo a ser tratado no nível superior para a formação desses professores de fato foi feito na forma temática (P2).

O trabalho temático teria sido desenvolvido por P2 em algumas das disciplinas relacionadas à Física, conforme demonstra em sua fala:

Nesse curso, haviam cinco disciplinas ligadas aos conteúdos de Física, [...] acabou sendo implementado [...] com o viés temático em três disciplinas que eram nitidamente para serem desenvolvidas (P2).

Já o pesquisador P3, num contexto mais abrangente em relação à P1 e P2, atua no âmbito da formação inicial e continuada de professores e, consequentemente, na Educação Básica. Na formação inicial de professores, a inserção de temas ocorre em cinco disciplinas de Estágio Supervisionado, sendo duas delas, Tutoramento em Prática Docente de Química I e Prática Docente de Química II, ministradas pelo entrevistado. Além disso, as discussões também são inseridas no programa de pós-graduação, conforme explicita P3:

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[...] eu trabalho com formação inicial em Química, e também com programa de pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática. Nós temos mestrado, nesse momento, onde também a gente trabalha com essas temáticas e quando a gente desenvolve relações com professores, por meio do PIBID, por exemplo, nós temos aqui o programa de iniciação à docência, então a gente também tem inserções desse tipo, então a gente trabalha com Unidades de Aprendizagem (P3 – grifo nosso).

P3 também chama a atenção para o papel da pesquisa no contexto em que atua: “a gente trabalha com a pesquisa na escola, pesquisa na sala de aula, nós chamamos de educar pela pesquisa”. É neste contexto que o licenciando tem a oportunidade de vivenciar este processo, compreendendo-o enquanto uma perspectiva de trabalho, além de interagir com a universidade e a escola.

Além das disciplinas de Estágio Supervisionado, P3 menciona que existem também mais duas voltadas para projetos de ensino e metodologia, em que são apresentadas outras perspectivas como a das Unidades de Aprendizagem (FRESCHI e RAMOS, 2009) e da SE (MALDANER, 2007). Já no programa de pós-graduação, P3 enfatiza a ideia de trabalhar pela pesquisa junto aos mestrandos. E, nesta esfera de atuação, P3 ministra uma disciplina denominada Seminário de Prática Docente. Salienta-se que os mestrandos a que P3 se refere são professores da Educação Básica, de forma que contribuem com a interação universidade-escola, como a transposição dos conhecimentos produzidos na academia para escola.

b) Critério de seleção de temas

Ao trabalhar com diferentes propostas de abordagem de temas, P1 dá oportunidade aos licenciandos de conhecer os principais referenciais da Abordagem Temática e de optar, dentre as diferentes perspectivas, por aquelas com que mais se identificam para elaborar suas propostas temáticas. Este aspecto fica explícito na fala em que P1 trata dos critérios que podem ser adotados pelos licenciandos para a seleção dos temas:

[...] uma possibilidade é ir numa escola, fazer uma entrevista com os alunos, ver esse tema emergindo daquela situação ou não, vocês podem tomar a iniciativa e falar esse é o tema que a gente entende (P1).

Destaca-se que, por um lado, ao exemplificar os critérios de seleção de temas, P1 apresenta aspectos relacionados à Abordagem Temática na perspectiva freireana, já que sugere uma investigação junto aos alunos para obtenção do tema. Mas, por outro lado, P1 também entende que os próprios licenciandos podem definir o tema, o que remete para o fato de que o critério de escolha do tema não representa um consenso para este pesquisador. Na perspectiva freireana, o tema necessita representar os problemas, as situações existenciais, em que vivem os sujeitos; para tanto, é essencial a realização do Levantamento Preliminar, que envolve um processo de obtenção de informações tanto de conversas informais como de dados estatísticos (FREIRE, 1987).

Há também indicativos de que o trabalho desenvolvido por P2 possui algum nível de sintonia com o referencial freireano da Abordagem Temática. Este aspecto é enunciado em sua fala quando trata do processo de definição dos temas junto aos alunos.

Em geral, foi proposição dos alunos. [...] eu orientei apenas que buscassem temas do contexto deles. Para facilitar um pouco mais a ligação com o interesse dos estudantes. Bom, meio dentro da perspectiva freireana na verdade (P2). [...] como os cursos aconteciam sempre no interior do Estado, em cinco municípios

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diferentes, todas as vezes que nós íamos iniciar o curso eu já procurava de antemão conhecer um pouco a realidade de cada local (P2).

Por meio da fala de P2, também observa-se que este busca reconhecer o contexto dos licenciandos, aspecto que pode contribuir para o Levantamento Preliminar - primeira etapa da Investigação Temática. Segundo P2, os programas das disciplinas estavam organizados em temas, previamente colocados, porém, eram consideradas, também, sugestões dos alunos.

Houve sempre composição dos temas que estavam previamente colocados com temas trazidos pelos alunos, mais ou menos uns 50% de cada origem. [...] e tem o conteúdo específico mínimo que você também pontua lá na grade curricular de modo a contemplar as necessidades para a formação (P2 -– grifo nosso).

É interessante destacar que apesar do programa da disciplina estar na forma temática, os conteúdos mínimos necessários à formação destes profissionais eram contemplados, sem que caísse numa Abordagem Conceitual (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002).

b) Desenvolvimento e implementação de propostas baseadas em temas

Ao falar sobre as práticas implementadas na formação inicial, P1 especifica como está estruturado o processo de elaboração e implementação das propostas desenvolvidas pelos licenciandos. No caso da elaboração do projeto temático, na disciplina de Instrumentação para o Ensino de Física I, o pesquisador ressalta que:

[...] eles elaboram a primeira versão desse projeto temático. Apresentam esse projeto para mim e para os outros alunos, e a gente faz uma reflexão com críticas, com apontamentos, aí depois a gente vai ter um tempo pra reelaboração dessa primeira versão, eles vão trazer uma segunda versão e, por fim, uma terceira versão (P1).

Ou seja, a proposta é colocada em discussão junto ao grupo antes de ser implementada em sala de aula. Há indicativos de que neste processo P1 estabelece um momento de construção coletiva do conhecimento pelos licenciandos, refletindo em torno das interpretações acerca da abordagem de temas.

No segundo momento de implementação da proposta, na disciplina de Instrumentação para o Ensino de Física II, P1 relata que reinicia os debates acerca da última versão do projeto temático já elaborado. Quanto ao desenvolvimento da proposta na Educação Básica, P1 explica que ela é implementada especialmente junto às turmas do Ensino Médio e dentre as possibilidades de inserção sugere que:

[...] a ideia é assim, primeiro sentar com o professor da disciplina lá na escola, na Educação Básica, e negociar com ele aquilo que é o mais interessante também do ponto de vista dele. Em algumas situações, o professor escolhe levar os alunos da turma dele lá na universidade (P1).

Essa dinâmica indica que os licenciandos discutem com o professor da escola básica aquilo que pode ser inserido, de modo que possam implementar a proposta tanto no contexto escolar quanto em um espaço alternativo dentro da universidade.

O pesquisador P2 também evidencia como é realizada a organização e abordagem do conteúdo programático. Ao explicar as etapas para o desenvolvimento da proposta temática em sala de aula, P2 revela em sua fala que estas foram construídas a partir da sua própria experiência e, como mostram os excertos a seguir, apresentam semelhanças com os Momentos Pedagógicos, propostos no âmbito da Abordagem Temática Freireana (DELIZOICOV, ANGOTTI e

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PERNAMBUCO, 2002). Em síntese, P2 organiza as suas atividades em três momentos, os quais sejam:

Nós fizemos num momento inicial a apresentação do tema, e essa apresentação, na maioria das vezes é feita com as visitas de estudo e nesse ambiente [...] surgem as curiosidades dos alunos e eles são orientados a registrar o processo que estão conhecendo para ter uma visão geral do que está envolvido naquele processo assim como as curiosidades que foram surgindo durante a visita (P2).

[...] o segundo momento que a gente chama de aprofundamento [...] tem a finalidade de fazer a ligação entre o momento inicial exploratório [...] com alguns conhecimentos científicos. [...] os alunos trazem as curiosidades e nesse momento o professor anuncia as ligações entre o senso comum, observado ali por eles, e os conhecimentos científicos. Essa ligação não é aprofundada, ela é anunciada (P2).

O terceiro momento é o de produção e avaliação. [...] como é curso de formação inicial eles que iam buscar os conhecimentos científicos para dar forma dentro daquele contexto. Então eu não tinha momento de ir para o quadro a não ser quando surgia alguma dúvida e eu sentia que era necessário, aí eu fazia alguma intervenção para esclarecer um determinado conceito. Então, eles eram orientados a fazer o seguinte, eles fariam uma breve descrição do processo, destacando os princípios físicos envolvidos (P2).

Apesar de P2 não desenvolver trabalhos na Educação Básica, há indicativos de que a implementação de propostas sob a perspectiva da Abordagem Temática no contexto de formação inicial têm influenciado os licenciandos. Segundo P2, alguns discentes têm elaborado e aplicado propostas de Abordagem Temática na Educação Básica e elaborado Trabalhos de Conclusão de Curso a partir das experiências vividas durante o curso:

[...] na verdade os temas de TCCs acabaram saindo a partir dessas experiências, eles se propuseram a formatar uma proposta pedagógica com material didático no contexto desses temas particulares que eles tinham vivenciado enquanto alunos. [...] além dos TCCs, que contribui para a gente concluir que houve uma influência grande é que muitos desses alunos acabaram, depois de formados, não perdendo o contato com a gente, experimentando nas suas classes a proposta temática (P3).

Ainda, quanto aos procedimentos para o desenvolvimento e implementação dos temas em sala de aula, evidencia-se a estratégia utilizada por P3. Segundo o pesquisador organiza em três etapas esse processo: (i) na primeira, são identificadas as dúvidas, curiosidades dos alunos acerca do tema, analisadas e categorizadas de acordo com as suas características; (ii) a segunda, denominada por P3 de “reconstrução de argumentos”, envolve a busca por informações e recursos necessários para reconstruir os argumentos anteriores dos alunos, visto que segundo P3 quando o sujeito questiona ele já possui argumentos, mas com algumas lacunas; (iii) na terceira ocorre a fase de comunicação, em que as informações encontradas pelos alunos acerca do tema são socializadas promovendo uma discussão mediada pelo professor.

Diante disso, em sintonia com os pressupostos do Educar pela Pesquisa (DEMO, 1997), P3 argumenta em favor da importância da pesquisa na escola, entendendo a educação como processo de formação na competência humana, em que o questionamento reconstrutivo configura um critério para a pesquisa. Além disso, sinaliza-se que pode haver alguma relação entre as etapas da Análise Textual Discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2007) e as etapas de desenvolvimento dos temas em sala de aula, aspecto que demanda pesquisas mais aprofundadas.

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Considerações Finais

As entrevistas com os pesquisadores revelam que eles possuem formas diferenciadas de inserir a Abordagem Temática na formação de professores e isso pode refletir na Educação Básica por meio das interações dos licenciandos com os professores e alunos. Especificamente, desenvolvendo propostas em sala de aula, no caso de P2; apresentando-a como uma perspectiva de trabalho aos licenciandos, a exemplo de P1; ou ainda, atuando das duas maneiras, como relatou P3. Além disso, salienta-se a postura dos pesquisadores em organizar as suas atividades de acordo com o seu contexto, demonstrando a importância do professor adaptar-se à realidade da qual faz parte.

Também merece destaque as ações dos pesquisadores em busca do estabelecimento do diálogo em sala de aula, promovendo discussões acerca das atividades, valorizando a participação do aluno no processo de ensino e aprendizagem, denotando o caráter dialógico da Abordagem Temática Freireana. Outro aspecto, diz respeito ao processo de seleção dos temas, que alguns pesquisadores procuram adotar elementos semelhantes ao Levantamento Preliminar (primeira etapa da Investigação Temática); relações entre a Análise Textual Discursiva e o processo de obtenção de temas, bem como adotam estratégias para o planejamento e desenvolvimento de temas em sala de aula próximo dos Três Momentos Pedagógicos.

Com base nas entrevistas foi possível identificar que pesquisadores têm desenvolvido um trabalho significativo para inserir a Abordagem Temática no processo de formação de professores, contexto em que eles atuam. Isso ocorre tanto em componentes curriculares voltadas à área específica, como nas disciplinas de Física Básica, quanto em componentes da área de Ensino (conhecimento pedagógico de conteúdo). Essas ações realizadas na formação docente, em especial as que desafiam licenciandos e professores a estabelecer articulações entre os conteúdos científicos e as temáticas, contribuem para o processo de elaboração e implementação no âmbito da Educação Básica.

Por fim, é importante lembrar que dois dos pesquisadores entrevistados eram da área de ensino de Física, o que indica que discussões acerca da Abordagem Temática estão sendo inseridas neste contexto. Em vista disso, chama-se a atenção para o fato de que algumas propostas baseadas em temas no ensino de Física também têm sido realizadas no âmbito de temas controversos, a exemplo de Pina, Silva e Oliveira (2011) que discutem incertezas e controvérsias científicas diretamente ligadas ao tema Mudanças Climáticas. Assim, a Abordagem Temática Freireana também pode contribuir na seleção e organização dos conteúdos necessários para a compreensão de temas desta natureza, aspecto que demanda de investigações futuras.

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