30
UNIVERDADE CASTELO BRANCO INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO QUALLITAS CURSO DE CLÍNICA MÉDICA EM PEQUENOS ANIMAIS EPILEPSIA EM CÃES Caren Arisio de Lacerda Porto Alegre, fev. 2009

EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

UNIVERDADE CASTELO BRANCO INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO QUALLITAS

CURSO DE CLÍNICA MÉDICA EM PEQUENOS ANIMAIS

EPILEPSIA EM CÃES

Caren Arisio de Lacerda

Porto Alegre, fev. 2009

Page 2: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

CAREN ARISIO DE LACERDA Aluna do curso de especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais

Instituto Qualittas – UCB

EPILEPSIA EM CÃES

Trabalho monográfico de conclusão do curso especialização em clínica médica de pequenos animais, apresentado à UCB como requisito parcial de avaliação, sob orientação do Prof. Alexandre Mazzanti

Porto Alegre, fev. 2009

Page 3: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

RESUMO LACERDA, Caren Arisio de Epilepsia em cães

O objetivo deste trabalho foi rever os conceitos básicos sobre a epilepsia em cães. Foram abordados aspectos relativos à fisiopatologia da convulsão e suas fases. Em seguida, foi feita uma citação das diversas causas de crises convulsivas recidivantes, evidenciando a necessidade de completos exames físico, neurológico e laboratorial para a determinação do diagnóstico diferencial de epilepsia primária e epilepsia adquirida. Finalmente foram discutidos alguns planos de tratamento emergencial e de manutenção de cães doentes. O trabalho foi baseado em uma revisão bibliográfica. ABSTRACT LACERDA, Caren Arisio de Epilepsy in dogs The subject of this report was to review the basic concepts about epilepsy in dogs. That contains aspects related to a convulsion fisiopathology and their phases. Following was presented several causes of relapse convulsive crisis, to make clear the necessity of complete physical, neurologic and laboratorial examination to determine the different diagnostic between primary epilepsy and acquired epilepsy. Finally was discussed some maintenance and emergency treatment planes to a sick dogs. This report was based in a bibliography review.

ii

Page 4: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

SUMÁRIO

Página

Resumo ........................................................................................................................... ii

Partes

1. Introdução .................................................................................................................. 1

2. Epilepsia .................................................................................................................... 2

2.1. Conceito e fisiopatologia .............................................................................. 2

2.2. Fases da crise convulsiva .............................................................................. 3

2.3. Tipos de convulsão ....................................................................................... 4

2.3.1. Crise convulsiva generalizada

2.3.2. Crise convulsiva focal

2.4. Classificação da epilepsia ............................................................................. 6

2.4.1. Epilepsia idiopática (primária)

2.4.2. Epilepsia adquirida (secundária)

2.5. Causas da epilepsia adquirida ou secundária ................................................. 8

2.5.1. Causas congênitas e de desenvolvimento

2.5.2. Causas inflamatórias e infecciosas

2.5.3. Causas metabólicas

2.5.4. Neoplasias

2.5.5. Intoxicações

2.5.6. Traumatismos

2.6. História e sinais clínicos .............................................................................. 12

2.7. Diagnóstico .................................................................................................. 13

2.8. Tratamento ................................................................................................... 15

2.8.1. Fenobarbital

2.8.2. Brometo de potássio

2.8.3. Benzodiazepínicos

2.8.4. Gabapentina

Page 5: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

2.8.5. Primidona

2.8.6. Fenitoína

2.8.7. Topiramato

2.8.8. Zonisamide

2.8.9. Felbamato

2.8.10. Levetiracetam

3. Conclusão ................................................................................................................ 23

Referências Bibliográficas ........................................................................................... 24

Page 6: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

1. INTRODUÇÃO

O trabalho a seguir pretende fazer uma revisão bibliográfica sobre a

epilepsia em cães. Inicialmente é feita uma abordagem sobre conceitos e mecanismos

fisiopatológicos da convulsão. Logo a seguir são diferenciadas as fases e os tipos de crises

convulsivas. É descrita também a classificação da epilepsia em idiopática (primária) ou

adquirida (secundária). Finalmente são colocados os métodos diagnósticos, incluindo a

história clínica do paciente, e as possibilidades de tratamento.

Page 7: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

2. EPILEPSIA

2.1. Conceito e Fisiopatologia

A epilepsia é um distúrbio cerebral caracterizado por convulsões

recidivantes de origem intracraniana. A crise convulsiva é uma descarga elétrica

paroxística, descontrolada e transitória dos neurônios cerebrais com envolvimento motor,

cuja origem pode ser intra ou extracraniana. Segundo LORENZ (2006), há um

desequilíbrio entre os mecanismos excitatórios e inibitórios que favorecem o início súbito

da excitação. Diversos neurotransmissores desempenham papéis fundamentais na

patogênese das crises. O ácido gama-aminobutírico (GABA) e o glutamato são os

principais agentes neurotransmissores inibitórios e excitatórios, respectivamente. Para cada

agente existem múltiplos receptores celulares e a inibição defeituosa dos receptores

GABA–A e GABA–B pode ter funções essenciais na patogênese da epilepsia de início

parcial. Além disso, a ativação defeituosa de neurônios GABA e o tamponamento

intracelular defeituoso de cálcio podem desempenhar papéis importantes.

O aumento na excitabilidade dos neurônios pode acompanhar defeitos na inibição

ou se originar de condições ou fatores que promovam diretamente a excitação neuronal,

conforme LORENZ (2006). Por exemplo, a ativação elevada dos receptores N-metil-D-

aspartato (NMDA), pelo glutamato, a sincronia ampliada entre os neurônios e os colaterais

excitatórios recorrentes provavelmente desempenham funções relevantes. A ativação dos

Page 8: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

receptores de NMDA pelo glutamato pode auxiliar no desenvolvimento do desvio

despolarizante paroxístico (DDP), uma reação fundamental nos focos convulsivos. A

epilepsia hereditária pode envolver alterações nos receptores ou no metabolismo do

glutamato.

Dois componentes são identificados como base para os distúrbios

convulsivos focais: o foco convulsivo e a disseminação da atividade anormal a outras áreas

do cérebro. As alterações paroxísticas no comportamento estão associadas à descarga

sincrônica excessiva em amplos agregados de neurônios: o foco convulsivo. Se a atividade

desse foco se disseminar para outras partes do cérebro, ocorre uma disritmia cerebral

generalizada, que gera a mudança de comportamento identificada como uma crise

epiléptica. Os neurônios participantes dos focos convulsivos caracterizam-se por

despolarizações de membrana prolongadas e de grande amplitude com picos explosivos de

alta freqüência associados: o DDP. Estas alterações provocam picos interictais no

eletroencefalograma (EEG). O número de neurônios epilépticos correlaciona-se com a

freqüência de crises convulsivas.

2.2. Fases da crise convulsiva

As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

CHRISMAN (1985). A primeira seria o pródromo, que se caracterizam por uma alteração

de comportamento que precede os em horas ou dias, durante o qual o animal pode se agitar

sem descanso ou de modo inseguro. A segunda fase é denominada aura, que é o

verdadeiro início da crise convulsiva e também se manifesta por alteração de

comportamento como esconder ou procurar seu dono. Em animais pode ser bastante difícil

Page 9: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

diferenciar estas duas primeiras fases, sendo muitas vezes considerada uma única etapa,

chamada pré-ictal. Logo a seguir vem a crise convulsiva propriamente dita ou icto, que

pode se manifestar de diversas formas que serão discutidas posteriormente. Esta fase

geralmente ocorre em um período de um a dois minutos, podendo chegar até dez minutos

de duração, caracterizando estado epiléptico. Após o icto, o animal pode voltar ao normal

em segundos a minutos ou ficar sonolento. Alguns pacientes podem mostrar-se inquietos,

hiperativos, andando continuamente (compulsivo), parecendo desorientados ou cegos por

horas, caracterizando o período pós-ictal. Nesta fase, o animal também pode defecar ou

urinar. Este período pode durar de alguns minutos a uma hora ou perdurar por todo o dia.

A aura e o pós-icto não apresentam nenhuma relação com a gravidade ou a causa das crises

epilépticas.

2.3. Tipos de convulsão

2.3.1. Crise Convulsiva Generalizada

A crise convulsiva generalizada é aquela em que a disfunção parece

envolver os dois hemisférios cerebrais sincronicamente desde o início. Desta forma, os

sinais apresentados também são observados por todo o corpo do animal. Estas crises

convulsivas podem ser subdivididas em leves ou graves. As crises epilépticas

generalizadas leves são também chamadas de pequeno mal ou crises de ausência e são

consideradas raras nos animais, possivelmente pela dificuldade em reconhecê-las.

Caracterizam-se por uma breve perda de contato com o ambiente sem necessariamente

ocorrer envolvimento da atividade motora. Nos humanos pode haver contração

Page 10: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

espasmódica facial, perda de tônus postural e atividade autônoma. Este tipo de crise pode

facilmente passar despercebido em cães e ser considerada apenas como perda de atenção.

As crises convulsivas generalizadas graves são também denominadas de

grande mal. Podem ser classificadas em primária ou verdadeira, caso não se consiga

determinar lesão intracraniana, em secundária ou sintomática, quando se constata qualquer

causa de origem intracraniana. Comumente nos animais, esta forma se apresenta como

crises convulsivas tônico-clônicas, segundo KORNEGAY (2006). Com freqüência o

paciente apresenta a fase de aura e em seguida se torna inconsciente, com os membros

estendidos rigidamente, muitas vezes em posição de opistótono e em apnéia. Esta é a fase

tônica que costuma durar de dez a trinta segundos e é rapidamente acompanhada por

movimentos clônicos dos membros na forma de corrida ou pedalagem. Os movimentos

mastigatórios também são comuns. A atividade autônoma pode começar na fase tônica ou

clônica do icto e pode incluir sinais de midríase, sialorréia, micção, defecação e piloereção.

A fase clônica pode alternar com a atividade tônica. Comumente, o icto dura de um a dois

minutos.

2.3.2. Crise convulsiva focal

A crise convulsiva focal, parcial ou jacksoniana, reflete a atividade de um foco

convulsivo local em uma área geradora de uma atividade motora, envolvendo apenas uma

porção tálamo-cortical. Os movimentos são restritos a uma parte do corpo, como a face ou

um membro. Com freqüência as crises parciais se propagam, resultando em uma convulsão

generalizada. As crises focais são invariavelmente adquiridas, secundárias a infecções,

traumas, alterações metabólicas ou neoplasias. Desta forma, o componente focal no início

Page 11: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

da crise é de extrema importância para o diagnóstico diferencial, descartando-se como

possibilidade a epilepsia generalizada primária. Nos animais, as crises motoras parciais são

indicativas de uma lesão no hemisfério cerebral contra-lateral. As crises convulsivas

parciais podem não ter pródromo e aura, conforme CHRISMAN (1985). O período ictal

pode ter quadros variáveis, dependendo da localização das descargas convulsivas. As

crises podem variar em duração e o período de recuperação pode ser curto. A cabeça pode

se desviar para longe da descarga focal, e apenas os músculos da face ou do membro

dianteiro contra-laterais podem ser afetados. Um comportamento anormal periódico como

desorientação, confusão ou corrida histérica, pode estar associado a descargas neuronais do

lobo temporal e sistema límbico. É importante diferenciar essas alterações de distúrbios

psicológicos. Durante a crise convulsiva os animais também podem morder os lábios,

mastigar e engolir excessivamente. O proprietário pode citar termos como “caçando

moscas” ou “contemplando estrelas” para definir períodos de alucinação do animal, que

pode estar associado a disfunções do lobo temporal ou occipital.

2.4. Classificação da epilepsia

2.4.1. Epilepsia idiopática (primária)

A epilepsia idiopática é também chamada de verdadeira, hereditária ou

primária e é caracterizada por crises convulsivas sem uma lesão estrutural identificada e

acredita-se que seja de origem genética. As primeiras crises convulsivas da epilepsia

verdadeira ocorrem normalmente entre seis meses e três anos de idade. As crises costumam

ser do tipo generalizado grave, durando cerca de 30 a 90 segundos. Alguns cães podem

Page 12: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

desenvolver crises convulsivas agrupadas denominadas cluster, ou crises convulsivas com

duração acima de cinco minutos, chamadas de estado epiléptico. Conforme CHRISMAN

(1985), os cães da raça Poodle miniatura comumente têm um tipo generalizado leve de

crise convulsiva na qual eles não perdem a consciência, mas tem tremores incontroláveis e

tentam caminhar até o dono. A epilepsia verdadeira é freqüentemente suspeita em cães de

raça pura e mais raramente em animais mestiços. Ainda segundo o autor, a epilepsia

hereditária foi estudada em cães das raças Beagle, Pastor Alemão, Tervuren Belga,

Keeshond e Setter Irlandês. Também são raças suspeitas de desenvolverem epilepsia

verdadeira, o Poodle miniatura, Golden Retriever, Husky Siberiano, Fox Terrier pêlo duro,

Cocker Spaniel e São Bernardo.

2.4.2. Epilepsia adquirida (secundária)

Uma agressão cerebral prévia infecciosa, inflamatória, metabólica,

neoplásica, tóxica ou traumática pode causar uma epilepsia adquirida, secundária ou

sintomática. Apesar do processo ativo, em alguns casos, estar resolvido, o animal continua

a ter crises convulsivas periodicamente. Suspeita-se que o foco de neurônios ou seu meio

circundante esteja bioquimicamente alterado devido à agressão e seja capaz de descarregar

espontaneamente. A epilepsia adquirida pode ocorrer em qualquer cão de raça pura ou não.

A primeira crise convulsiva pode ocorrer em qualquer idade, podendo haver um atraso de

seis meses a três anos, entre a agressão original e a primeira crise. Normalmente o tipo de

convulsão é parcial ou parcial com generalização secundária. Conforme CHRISMAN

(1985) os exames físico e neurológico na epilepsia adquirida podem ser normais. Testes

clinico-patológicos e análise do líquido cefalo-raquidiano geralmente são normais. Às

Page 13: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

vezes, a causa pode ser confirmada com estudos de imagem como tomografia

computadorizada ou ressonância magnética. O eletroencefalograma (EEG) com freqüência

é anormal. Pode ser vista atividade periódica de ondas lentas e de baixa amplitude

superpostas à atividade normal de alerta, de ondas rápidas de baixa amplitude. Suspeita-se

que a atividade residual de ondas permaneça no EEG por até três anos após encefalite. As

crises epiléticas podem ser causadas por qualquer processo que altere a função neuronal

normal.

2.5. Causas da epilepsia adquirida ou secundária

2.5.1. Causas congênitas e de desenvolvimento

Estes distúrbios podem ou não ser hereditários, mas são distinguidos da

epilepsia primária por acarretarem alterações patológicas demonstráveis no cérebro. A

hidrocefalia é o distúrbio de desenvolvimento mais comum que provoca crises convulsivas.

Também fazem parte desse grupo de patologias a lisencefalia, que é a ausência de

circunvoluções no córtex cerebral; a porencefalia que é a malformação cística do cérebro; e

as doenças do acúmulo lisossomal, que são deficiências de enzimas específicas que

induzem um funcionamento anormal da célula, acumulando metabólitos no interior dos

neurônios.

2.5.2. Causas inflamatórias e infecciosas

Page 14: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

O vírus da cinomose é, provavelmente, a causa infecciosa mais comum de crises

convulsivas em cães, conforme LORENZ (2006). As crises podem acontecer sem nenhuma

doença clínica visível ou ocorrer muito tempo depois da resolução da doença. A

toxoplasmose também é citada como causa infecciosa de crises epilépticas em cães.

A meningoencefalomielite granulomatosa (MEG) é uma causa inflamatória

comum de crises convulsivas em cães segundo CHRISMAN (1985). O diagnóstico de

doença inflamatória neurológica exige a análise do líquido cefalo-raquidiano.

2.5.3. Causas metabólicas

As crises convulsivas podem estar associadas a diversos distúrbios

metabólicos como hipoglicemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, hipóxia, alterações

hepáticas, falência renal, desequilíbrios ácido-básicos e distúrbios de osmolalidade.

Conforme CHRISMAN (1985), a hipoglicemia é a causa metabólica mais

comum de crises convulsivas em pequenos animais. Por este motivo deve ser sempre

levada em consideração no diagnóstico diferencial da epilepsia verdadeira. Diversas

alterações podem levar animais de todas as idades à queda da glicemia. Em filhotes a

infestação grave de parasitas e uma dieta inadequada costumam ser as causas mais comuns

de hipoglicemia. Anemia, hipocalcemia e desidratação podem agravar o quadro.

Normalmente com a eliminação dos parasitas e correção da dieta o animal tende a

melhorar sem seqüelas neurológicas, cessando as crises convulsivas. A hipoglicemia

também pode ocorrer pelo excesso de insulina no organismo, tanto endógena, nos casos de

insulinomas, quanto exógena, no caso de tratamento de diabéticos. A hipocalcemia pode

ser causada por lactação excessiva, hipoparatireoidismo e pancreatite aguda. Os sinais

Page 15: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

apresentados são tremores, tetania e crises convulsivas. Normalizando os níveis de cálcio

os sinais clínicos tendem a desaparecer.

Os animais que apresentam insuficiência renal podem apresentar crises

convulsivas em estágios terminais de uremia crônica. A fisiopatologia sugerida é uma

encefalopatia produzida por distúrbios hidroeletrolíticos locais e presença de metabólitos

tóxicos para os neurônios. A maioria dos fármacos anticonvulsivantes é excretada pelos

rins e mesmo em doses baixas pode ser tóxica em caso de falência renal. O prognóstico

nestes casos é sempre grave.

A disfunção hepática devido ao desvio porto-cava congênito ou a cirrose

hepática adquirida, resulta no acúmulo de substâncias tóxicas ao sistema nervoso. Disto

podem resultar alterações de comportamento e crises convulsivas.

2.5.4. Neoplasias

As neoplasias intracranianas, primárias ou metastáticas, podem provocar

alterações de comportamento e crises epilépticas. A atividade convulsiva é gerada por uma

anormalidade dos neurônios adjacentes à neoplasia, que são comprimidos e/ou distorcidos

e recebem irrigação sangüínea insuficiente. Os tumores cerebrais não são eletricamente

ativos. A neoplasia como causa de crises convulsivas é relativamente comum em cães

acima de cinco anos, e a incidência tende a aumentar em animais ainda mais velhos.

2.5.5. Intoxicações

Page 16: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

O contato direto ou a ingestão de alguns produtos químicos pode levar os

animais a crises convulsivas. O diagnóstico de intoxicação deve ser considerado quando

não há história prévia de crises epilépticas e quando há relato do proprietário de contato do

paciente com substâncias tóxicas. A confirmação se dá pela identificação da substância nos

tecidos ou conteúdo gastro-intestinal e pela resposta ao tratamento.

O chumbo é uma substância freqüentemente causadora de intoxicação em

pequenos animais, principalmente filhotes que apanham e mastigam diversos objetos

diferentes. Nestes casos as crises epilépticas estão comumente relacionadas a alterações

comportamentais. Outros sinais clínicos podem incluir depressão, tremor e ataxia, que em

algumas vezes estão ligados a sinais gastro-intestinais.

A estricnina provoca crise epiléptica tônica, exacerbada por estímulos

sonoros e luminosos. Por este motivo o paciente deve ser mantido em ambiente tranqüilo.

Os organofosforados, utilizados para controle de parasitas, podem causar

crises convulsivas em cães. Além das crises, os sinais de toxicidade podem incluir vômito,

diarréia, dispnéia, miose, sialorréia e tremores.

2.5.6. Traumatismo

As crises epilépticas podem ser observadas imediatamente após o

traumatismo craniano agudo, como resultado de uma lesão neuronal direta. As crises pós-

traumáticas podem ocorrer de semanas a anos após o dano à cabeça, conforme LORENZ

(2006). A epilepsia pós-traumática pode ser focal ou generalizada, dependendo do local da

lesão cerebral. O foco desenvolve-se secundariamente a uma cicatriz no cérebro, no local

da lesão inicial. A anormalidade focal pode ser identificada no eletroencefalograma. O

Page 17: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

diagnóstico baseia-se na correlação do histórico com o desenvolvimento das crises e a

eliminação de outras causas.

2.6. História e sinais clínicos

A história clínica do paciente é de extrema importância para a sugestão do

diagnóstico. O tipo, forma de aparecimento, evolução, freqüência e duração do distúrbio

convulsivo devem ser descritos para ajudar a determinar se há uma doença ativa afetando a

região tálamo-cortical, ou se o animal tem epilepsia verdadeira. Um início agudo de crises

convulsivas graves e freqüentes pode indicar um processo infeccioso, tóxico, nutricional,

metabólico ou neoplásico. Um distúrbio convulsivo intermitente, sem outras

anormalidades neurológicas, que vem ocorrendo há um ano ou mais, pode ser indicativo de

epilepsia idiopática ou primária. A idade do paciente também pode ajudar no diagnóstico

diferencial. Uma crise convulsiva sem história prévia de outras crises pode ser o início de

um processo de doença ativa em um animal idoso, mas pode ser um evento idiopático

isolado em um animal jovem.

O exame físico completo é tão importante quanto o exame neurológico em

casos de crises convulsivas. Sinais clínicos não neurológicos podem indicar outros

sistemas acometidos pela doença, indicando que há uma causa adjacente, como no caso das

alterações metabólicas. Da mesma forma, os exames complementares como hemograma e

perfil bioquímico podem levar à possível causa das crises convulsivas, ou por exclusão,

indicar uma epilepsia idiopática. No exame neurológico, uma deficiência relatada na

história e confirmada na avaliação, pode ser sinal de uma doença ativa do sistema nervoso,

Page 18: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

como uma infecção ou tumor. Os exames físico, neurológico e laboratorial de animais com

epilepsia idiopática geralmente não apresentam alterações.

2.7. Diagnóstico

A abordagem diagnóstica de um paciente apresentado para uma avaliação

de desordem convulsiva consiste na cuidadosa análise de sua história clínica, em exames

físico e neurológico completos, e em análises laboratoriais e radiográficas.

O clínico precisará apoiar-se na descrição do proprietário para a

diferenciação entre as crises convulsivas e outras síndromes episódicas, como síncopes,

cataplexia, miastenia grave, doença do disco intervertebral cervical, síndrome vestibular,

entre outros. Uma vez que foi estabelecida a real ocorrência de uma crise convulsiva, será

dada atenção específica aos elementos da história que possam contribuir para um

diagnóstico diferencial. A idade do paciente é um aspecto valioso, visto que as crises

convulsivas hereditárias ou congênitas usualmente têm início antes dos três anos de idade.

Pacientes geriátricos com crises convulsivas iniciando-se tardiamente, especialmente

diante de sinais neurológicos localizadores, têm maior probabilidade de sofrer de uma

lesão ocupando espaço no sistema nervoso central. Visto que determinadas raças

apresentam predisposição para certas doenças neurológicas, a informação sobre a raça

também será útil. A história geral deverá ser complementada pelas vacinações recebidas,

enfermidades anteriores não relacionadas à atual queixa de crise convulsiva, traumatismos,

evidência de doença infecciosa, e informações relacionadas ao estado de saúde dos irmãos,

pais e outros animais da casa. São também essenciais as informações sobre as condições

ambientais para a determinação de uma possível intoxicação. Haverá necessidade de um

Page 19: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

relato detalhado de todas as fases da crise convulsiva para que se classifique como focal ou

generalizada, e para a determinação de quais condições poderiam ser provocativas. É

necessário saber o comportamento e sinais que o paciente demonstra no período entre as

crises.

Um cuidadoso exame físico pode revelar a presença de infecção sistêmica,

irregularidades cardíacas, inadequação respiratória, traumatismo externo e até tumores.

Embora as crises convulsivas possam acompanhar a nefropatia ou hepatopatia avançadas, é

improvável que elas sejam o único sinal clínico. O exame ocular também é importante,

porque freqüentemente há lesões do fundo de olho associadas às diversas desordens

sistêmicas e intracranianas.

Um completo exame neurológico deve ser realizado no período interictal.

Durante a sua realização, atentar para o estado mental do paciente e das deficiências nas

reações postural, de ameaça e de sensação nasal e atentar para lesões assimétricas, pois

podem indicar doença ativa na região tálamo-cortical. A análise do líquido

cefalorraquidiano (LCR) deve ser solicitada nos casos em que são detectadas alterações no

exame neurológico e suspeita de neoplasia, meningoencefalite de origem infecciosa ou não

infecciosa. Na avaliação do LCR deve constar principalmente a determinação de proteínas

e citologia com diferencial. Devem ser realizados testes de cultura e sensibilidade quando

há mais de cinco leucócitos/mm3 ou quando há predomínio de células polimorfonucleares,

segundo KIRK (1988).

As radiografias de crânio, geralmente, têm utilidade apenas nos casos de

traumatismo craniano. Neoplasias intracranianas raramente são identificadas nestes

exames. A maior parte dos pacientes com crises convulsivas recidivantes tem radiografias

cranianas sem alterações. As radiografias torácicas podem ocasionalmente identificar

Page 20: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

neoplasias primárias ou metastáticas, sugerindo correlação com neoplasia do sistema

nervoso central.

A tomografia computadorizada e a ressonância magnética são os melhores

testes para detecção de lesões tálamo-corticais como neoplasias e infartos. Estas técnicas

são indicadas basicamente em três situações: quando o histórico e os exames clínicos

sugerem a presença de doença neurológica, quando um animal idoso sofre início súbito de

crises epilépticas ou quando as crises não são controladas com fármacos. Para pacientes

com menos de cinco anos de idade esses testes não são proveitosos, devido ao alto índice

de achados normais, ao risco anestésico e ao custo elevado para o proprietário.

2.8. Tratamento

Os pacientes que apresentam apenas uma crise epiléptica devem ser

submetidos a exames físico e neurológico completos. Caso não se encontre nenhuma

anormalidade, os proprietários devem ser orientados a observar atentamente a ocorrência

de outras crises, sem a utilização de fármacos anticonvulsivantes inicialmente, conforme

KIRK (1988). Nos pacientes com crises convulsivas recidivantes, mesmo com ausência de

achados que indiquem doenças sistêmicas de causas diversas, o tratamento com

anticonvulsivantes deve ser instaurado. Sugere-se que a terapia com medicamentos contra

a crise convulsiva deva ser iniciada em cães diante da ocorrência de mais de duas crises

isoladas em um período inferior a seis semanas, de crises agrupadas (cluster) ou em casos

de estado epiléptico. O clínico, ao iniciar o tratamento com anticonvulsivante, deverá

buscar a monoterapia. Porém, em certas situações, como nos casos das epilepsias

refratárias a um determinado fármaco, indica-se a associação.

Page 21: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

O sucesso do tratamento da epilepsia não está relacionado somente à ação

dos fármacos ou à adaptação do animal a determinado princípio ativo. A conscientização

do proprietário em relação à gravidade da doença e à necessidade de acompanhamento

veterinário constante são de extrema importância para o controle das crises. A chave da

terapia é diminuir a freqüência, duração e severidade das crises convulsivas, sendo que

para KIRK (1988), aproximadamente 20 a 50% dos cães epilépticos serão controlados com

administração de fármacos, principalmente as raças de grande porte. A administração

diária de fármacos por longos períodos faz com que muitos proprietários desistam do

tratamento, ou muitas vezes o façam com falhas.

2.8.1. Fenobarbital

O fenobarbital (FB) é o fármaco de escolha inicial para o tratamento de

crises epilépticas em cães devido a sua eficácia, ao baixo custo e à mínima toxicidade. Este

princípio ativo é um barbiturato que atua mediante a elevação do limiar de excitabilidade

elétrica e encurtamento da duração das pós-descargas na porção motora do córtex. Desta

forma, o efeito global é a supressão das descargas elétricas espontâneas e até, a prevenção

da sua disseminação a outras regiões do cérebro, conforme AHRENS (1997). Ele aumenta

o limiar convulsiógeno e diminui a atividade elétrica de focos convulsivos por

potencializar o ácido gama aminobutírico (GABA), que é um neurotransmissor inibitório

do sistema nervoso central. O fenobarbital também é indutor da enzima hepática

microssomal P450, que aumenta a biotransformação de outros fármacos, resultado na

diminuição do efeito farmacológico ao associar outras drogas, como digoxina,

glicocorticóides, fenilbutazona e anestésicos. Por outro lado, fármacos que são inibidores

Page 22: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

da enzima microssomal, como o cloranfenicol e as tetraciclinas, podem inibir o

metabolismo do fenobarbital e causar toxicidade. A dose usual de ataque é de 2,5mg/kg

por via oral, duas vezes ao dia. Alguns cães necessitam de 5mg/kg duas vezes ao dia para

atingir níveis sangüíneos terapêuticos, conforme KORNEGAY (2006). Emprega-se a

dosagem mais baixa se as crises forem eventuais e ocorrerem como episódios isolados. Se

as crises convulsivas forem freqüentes ou tiverem tendência ao acúmulo, recomendam-se

doses mais elevadas. A dosagem é ajustada de acordo com o controle das crises epilépticas,

com a presença de efeitos colaterais e com as dosagens séricas de fenobarbital. As

concentrações máximas do fenobarbital ocorrem duas a três horas após a administração

oral. Em geral, o fármaco atinge concentrações estáveis em duas semanas. Para o

monitoramento terapêutico, considera-se ideal a avaliação das concentrações declinantes

do fenobarbital uma vez a cada duas ou três semanas, até que o nível sérico esteja no limite

terapêutico de 15 a 35µg/ml. Em alguns cães podem ser necessárias dosagens de até 10 a

20 mg/kg por dia para manter estes níveis sangüíneos terapêuticos. A resposta ao

tratamento é mais relevante que a concentração sérica, mas o monitoramento dos níveis

sangüíneos do fármaco pode ajudar a determinar a causa do controle inadequado das crises

convulsivas e o efeito hepatotóxico.

Durante o tratamento pode-se empregar uma fórmula que possibilita o

ajuste da dosagem do fenobarbital:

Nova dose = dose antiga (mg) X concentração sérica de FP desejada concentração sérica de FP mensurada

Com o uso contínuo deste barbitúrico, alguns animais podem apresentar

sedação, mas geralmente desaparece na primeira semana. Em determinados pacientes os

Page 23: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

sinais de polifagia, polidipsia e poliúria podem ser observados. O quadro de

hepatotoxicidade ocorre em um pequeno número de casos, sendo menos freqüente que no

uso de outros anticonvulsivantes. A concentração de fosfatase alcalina (FA) pode estar

acima dos limites de referência, enquanto o nível de alanina aminotransferase (ALT)

costuma estar no limite normal superior. A γ-glutamil transferase (GGT) pode estar

transitoriamente elevada. A aspartato aminotransferase (AST), os ácidos biliares livres

(ABL) e a bilirrubina não são alterados. Hepatomegalia moderada também pode ser

detectada nas radiografias abdominais, mas a ultra-sonografia hepática comumente se

mostra normal. As enzimas hepáticas retornam a normalidade dentro de seis a oito semanas

após a interrupção do tratamento com o fenobarbital. Há relatos de neutropenia e

trombocitopenia com risco de vida em alguns cães tratados com este barbitúrico.

Determinados animais que recebem este fármaco podem ter alterações no funcionamento

da tireóide. Tanto a tiroxina livre (T4L), como a tiroxina sérica (T4) podem se encontrar

reduzidas em comparação a animais não tratados.

Os pacientes que não conseguem ser controlados com níveis adequados de

fenobarbital podem ser considerados refratários e deverão ser submetidos à terapia de

combinação com o brometo de potássio.

2.8.2. Brometo de potássio

O Brometo de potássio (KBr) é um anticonvulsivante seguro e eficaz em

cães. Representa a terapia alternativa de primeira escolha para o fenobarbital (LORENZ,

2006). O KBr aumenta os efeitos inibitórios do GABA, que atua no aumento do

movimento de cloretos para o interior da célula. O fenobarbital, que também aumenta a

Page 24: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

condutância de cloretos, pode atuar sinergicamente com o KBr para hiperpolarizar as

células e aumentar o limiar convulsivo. O brometo é absorvido facilmente pelo trato

gastrointestinal e com pico de absorção em 90 minutos. É eliminado pelos rins e não sofre

metabolismo hepático, podendo ser considerada a terapia de escolha para pacientes com

doença hepática pré-existente (desvio porto sistêmico). A dosagem inicial do KBr é de 30 a

40mg/kg por dia, conforme AHRENS (1997). O alcance terapêutico não costuma atingir o

nível que produz efeitos colaterais tóxicos, mas alguns animais podem apresentar sinais

como erupções cutâneas, polidipsia, alterações gastro-intestinais, sedação e fraqueza. São

necessárias duas a três semanas para atingir os níveis terapêuticos. O estado de equilíbrio é

alcançado em cerca de quatro meses. Os níveis do KBr no soro devem ser determinados 60

a 120 dias após o início da terapia. As concentrações séricas terapêuticas mínimas são de

20 a 32 mmol/l. O KBr associado ao fenobarbital tem controlado as crises convulsivas em

cães refratários ao fenobarbital isolado ou a outras terapias anticonvulsivantes. Os níveis

séricos do fenobarbital também devem ser monitorados a cada seis meses e a dosagem

reduzida em 25%, caso se verifique níveis tóxicos.

Poderá ocorrer toxicidade com o KBr se a concentração sérica exceder a

terapêutica. Os sinais observados são letargia, ataxia e delírio. Alguns animais podem

apresentar sedação nas primeiras três semanas. Outros efeitos colaterais encontrados são

poliúria/polidipsia, dermatites, conjuntivite e anorexia. Os cães tratados com brometo de

potássio não deverão sofrer variação na dieta com o cloreto de sódio (sal), visto que o Cl-

compete com o brometo nos túbulos renais, diminuindo a sua concentração terapêutica.

2.8.3. Benzodiazepínicos

Page 25: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

O diazepam é o fármaco mais comumente utilizado desta classe. Ele

aumenta a atividade do GABA no encéfalo. A sua meia-vida é muito curta (2-4 horas) e

por isso não é indicado para tratamento de manutenção nas epilepsias. Deve ser usado no

tratamento do estado epiléptico, das crises epilépticas cumulativas e das crises epilépticas

tóxicas. Também pode ser empregado como fármaco extra no tratamento de longo prazo

para a epilepsia. Pode ser feita a administração desta droga por via retal pelo proprietário

em casa, quando os animais apresentarem crises a noite ou entrarem em estado epiléptico.

A dose para utilização intra-retal é de 10 a 40mg por animal, conforme o porte. O

diazepam apresenta início de ação imediato quando administrado por via parenteral em

cães, porém a duração da ação é curta, podendo ocorrer rápido desenvolvimento de

tolerância. Por este motivo este fármaco é pouco útil para controle em longo prazo da

epilepsia nesta espécie.

2.8.4. Gabapentina

A gabapentina é utilizada em humanos como monoterapia para controle da

epilepsia. Seu efeito anticonvulsivante se dá pelo aumento da liberação e da ação do

GABA no encéfalo e por inibição dos canais de sódio e cálcio. Em cães, 30-40% da dose

administrada por via oral sofre metabolismo hepático, porém sem a indução considerável

das enzimas microssomais hepáticas. Em cães ela apresenta uma meia-vida curta, sendo

necessária administração a cada oito horas. A dose recomendada é de 30 a 60mg/kg três

vezes ao dia, iniciando-se pela dose de 10mg/kg, a cada oito horas. São observados alguns

efeitos colaterais como sedação, ataxia dos membros pélvicos, polifagia e ganho de peso.

Pode ser utilizada na epilepsia idiopática associada a outros fármacos.

Page 26: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

2.8.5. Primidona

A primidona quando metabolizada forma basicamente fenobarbital e

feniletilmalonamida (FEMA). O fenobarbital é o componente encontrado no soro e admite-

se que ele seja o principal agente ativo. Diversos estudos indicam que este fármaco

apresenta pouca ou nenhuma vantagem sobre o fenobarbital e a hepatoxicidade é mais

freqüente. Os efeitos colaterais incluem depressão, polidpsia, polifagia e necrose hepática.

2.8.6. Fenitoína

A fenitoína é utilizada em seres humanos, mas seu uso em animais é

restrito. A variabilidade nos níveis séricos e a meia-vida curta tornam a fenitoína de

pequeno benefício para a utilização em cães.

2.8.7. Topiramato

O topiramato é um fármaco de excreção renal e meia-vida longa em cães

(cerca de trinta horas). Costuma causar poucos efeitos adversos e pode ser usada de forma

associada em animais não responsivos ao fenobarbital e ao brometo de potássio. A dose

recomendada é de 2 a 10 mg/kg a cada doze horas.

2.8.8. Zonisamide

Page 27: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

Este fármaco tem indicação de uso em animais não responsivos ao

fenobarbital e ao brometo de potássio. Pode causar efeitos colaterais como alterações

gastro-intestinais, inapetência, ataxia e sedação. A dose é de 5 a 10 mg/kg por dia, sendo o

uso associado ao fenobarbital. Este deve ter sua dose reduzida em 25% após o início da

associação.

2.8.9. Felbamato

O felbamato não provoca sedação e promove um bom controle das crises

focais, porém pode induzir hepatoxicidade. A dose usada é de 20mg/kg a cada oito horas.

2.8.10. Levetiracetam

O levetiracetam pode ser utilizado como adjuvante no tratamento de

epilepsia em cães. Em pessoas e modelos animais experimentais tem demonstrado eficácia

no tratamento de crises convulsivas focais e generalizadas. Seu mecanismo de ação ainda

não está esclarecido, porém, existe alguma evidência que pode inibir canais de cálcio no

neurônio. A dose recomendada é de 5 a 30mg/kg a cada oito ou doze horas.

Page 28: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

3. CONCLUSÃO

Após esta revisão bibliográfica, conclui-se que a resenha e a anamnese do

paciente, juntamente com bons exames clínico geral e neurológico, são a base para o

encaminhamento do diagnóstico de epilepsia em cães. Exames complementares

bioquímicos e de imagem podem sugerir ou descartar causas de crises convulsivas, mas na

maioria dos casos não confirmam a origem da doença. O fármaco de escolha para o

tratamento das crises convulsivas é o fenobarbital, podendo ser associado ao brometo de

potássio em animais refratários ou que apresentam efeitos de hepatotoxicidade. É

imperativa a análise da concentração sérica do fenobarbital para ajuste da dose, controle do

efeito hepatotóxico e na decisão de associar outros anticonvulsivantes. Alguns fármacos

utilizados na medicina humana vêm sendo administrados em cães, mas ainda de forma

experimental. Em determinados casos, como na epilepsia primária idiopática, não há cura

do paciente, mas é possível o controle da doença, reduzindo ou cessando completamente as

crises convulsivas com a terapia anticonvulsivante. Nos pacientes com epilepsia secundária

o prognóstico varia de acordo com a doença primária que está causando as crises

convulsivas. O sucesso do tratamento depende da resposta do paciente ao fármaco, mas

está ligado também à disposição do proprietário do animal em seguir corretamente a

administração dos medicamentos.

Page 29: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AHRENS, Franklin A. Farmacologia Veterinária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

BAGLEY R.S. Fundamentals of veterinary clinical neurology. Iowa: Blackwell, 2005.

570p.

CHRISMAN, Cheryl L. Neurologia dos pequenos animais. 1. ed. São Paulo: Roca, 1985.

De LAHUNTA, A., GLASS, E. Veterinary neuroanatomy and clinical neurology. St

Louis: Elsevier, 2009. 540p.

DEWEY, C.W. Anticonvulsivant therapy in dogs and cats. Vet. Clin. Small Anim.

Practice., v.36, p. 1107-1127, 2006.

DOWLING, P.M. Management of canine epilepsy with phenobarbital and potassium

bromide. Can Vet J., v. 35, n.11, p. 724-725, 1994.

ETTINGER, Stephen J.; FELDMAN, Edward C. Tratado de Medicina Interna

Veterinária. 4. ed. São Paulo: Manole, 1997.

KIRK, Robert W. Atualização terapêutica veterinária. São Paulo: Manole, 1988.

LANE, S.B., BRUNCH, S.E. Medical management of recurrent seizures in dogs and cats.

J. Vet Intern. Med., v. 4, p. 26-39, 1990.

LORENZ, Michael D.; KORNEGAY, Joe N. Neurologia Veterinária. 4. ed. São Paulo:

Manole, 2006.

MORTON, D.J., HONHOLD, N. Effectiveness of a therapeutic drug monitoring service an

anid to the control of canine seizures. Vet Rec., v. 122, p. 346-349, 1988.

PLATT S.R., OLBY N.J. BSAVA Manual canine and feline neurology. 3.ed. London:

BSAVA, 2004. 432p.

TILLEY, Larry P.; SMITH, Francis W. K. Consulta veterinária em 5 minutos. 2. ed. São

Paulo: Manole, 2003.

Page 30: EPILEPSIA EM CÃESbichosonline.vet.br › wp-content › uploads › 2015 › 05 › Epilepsia-em-C… · As crises convulsivas normalmente se compõem de quatro partes, conforme

THOMAS, W.B. Seizures and narcolepsy. In: DEWEY, C.W. A practical guide to canine

and feline neurology. Iowa: Blackwell, 2003. Cap.06, p. 193-212.