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WAGNER MARCELO POMMER Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 1ª edição Edição do autor SÃO PAULO 2013

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WAGNER MARCELO POMMER

Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico:

Uma abordagem didático-epistemológica.

1ª edição

Edição do autor

SÃO PAULO

2013

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WAGNER MARCELO POMMER

Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico:

Uma abordagem didático-epistemológica.

SÃO PAULO

2013

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE LIVRO ELETRÔNICO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E ENSINO, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Catalogação

POMMER, Wagner Marcelo.

Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-

epistemológica. 50 p. ils.: Tabs

ISBN 978-85-914891-2-1

1. Ensino e Aprendizagem 2.Educação Matemática.

3. Equações Diofantinas Lineares 4. Estratégias.

5. Problemas 6. Competências.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 07

CAPÍTULO I: Equações Diofantinas Lineares: Os diversos contextos das competências 09

I.1- Um breve mapeamento das concepções envolvendo a ideia de competência ............. 10

I.2- O contexto do didático: O recurso a resolução de situações-problema ....................... 12

I.3- O contexto da linguagem ............................................................................................. 14

I.4- O contexto da heurística e das estratégias ................................................................... 16

I.5- O contexto Qualitativo versus Quantitativo ................................................................ 18

I.6- Os diversos âmbitos de competências mobilizados pelas Equações Diofantinas

Lineares ....................................................................................................................... 19

CAPÍTULO II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 25

II.1- A Abordagem pelo Método da Tentativa e Erro .............................................................. 25

II.2- A abordagem pelo método pictórico .................................................................................. 29

II.3- A Abordagem pelo método cartesiano ............................................................................... 30

II.4- A Abordagem utilizando conceitos da teoria dos Números ............................................ 32

II.5- A Abordagem através da Análise Diofantina .............................................................. 39

II.6- A abordagem das Equações Dofantinas Lineares através do algoritmo ...................... 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS 45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 47

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APRESENTAÇÃO

O tema das Equações Diofantinas Lineares é usualmente introduzido num curso de Teoria dos

Números, na licenciatura ou no bacharelado dos cursos de Matemática. A proposta de discussão deste

assunto no ensino básico pode causar estranheza e indignação ao leitor.

Inicialmente, destacamos a equação diofantina como “[...] uma equação algébrica com uma

ou mais incógnitas e coeficientes inteiros, para a qual são buscadas soluções inteiras. Uma equação

deste tipo pode não ter solução, ou ter um número finito ou infinito de soluções” (COURANT;

ROBBINS, p.59, 2000).

Em particular, neste livro serão consideradas situações-problema envolvendo implicitamente a

busca de soluções inteiras da forma ax + by = c, com a, b, c ε Z, conhecida como equação

diofantina linear a duas incógnitas.

Diante deste contexto matemático, as questões que podem ser levantadas são: O tema das

Equações Diofantinas Lineares não seria mais um assunto a onerar o escasso tempo da sala de aula?

Há relevância e pertinência na abordagem de Equações Diofantinas Lineares no ensino básico? Se

houver, quais os parâmetros a serem considerados para tal discussão?

Um primeiro ponto para a argumentação a favor da exploração do tema das Equações

Diofantinas Lineares se faz com relação às novas formas propostas de avaliação por competências

propostas pelo ENEM, Brasil (2009).

Este documento ressuscitou antigas polêmicas: Qual o papel do Ensino Médio na formação do

estudante? Seria exclusivamente informativo e propedêutico para continuidade dos estudos

universitários? Ou estes pressupostos são exclusiva competência do Ensino Fundamental I e II?

Seria possível conciliar conteúdos e competências, no limitado tempo disponível em sala de aula?

Estas questões naturalmente recaem em uma discussão sobre quais as reais possibilidades e

contribuições de cada disciplina para o desenvolvimento de competências no ensino básico.

A importância de trabalhar tal enfoque por competências ficou publicamente evidenciada pela

divulgação a matriz de referência divulgada pelo ENEM, Brasil (2009). As mudanças propostas em

tal documento propiciam o rebuscar de alternativas, que já haviam sido estudadas e publicadas por

diversos pesquisadores. Este documento propõe que os alunos devam fazer uso das várias

linguagens matemáticas, enfrentar situações-problema, através da seleção, organização e

interpretação de informações, representando-as de diferentes formas e tomando decisões, em

situações concretas, de modo a construir argumentação consistente.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 8

Certamente, o desenvolvimento de competências e conhecimentos se articula com um

pressuposto fundamental da escolaridade básica: colocar o aluno num papel ativo e construtivo

frente a situações de ensino e de aprendizagem. A proposta construtivista de Piaget&colaboradores,

assim como Vygotsky pressupõe que o trabalho de sala de aula deve permitir que o aluno adquira

recursos para conquistar e promover a aprendizagem.

A ideia principal é que é viável a construção de conhecimentos e o desenvolvimento de

competências. Machado (2002) pondera que no ensino básico o principal desafio é priorizar a

articulação entre conhecimento e competência, considerando-se que os conteúdos são meios para se

permitir o desenvolvimento de competências.

Acreditamos que é possível desenvolver competências e conhecimentos de modo

concomitante, colocando o aluno num papel ativo, através da seleção e inclusão de tópicos

matemáticos que propiciem a reutilização de temas do atual currículo do ciclo básico.

Um dos meios para se favorecer tal intenção se faz com a seleção e inclusão de temas

articuladores que propiciem a utilização de conhecimentos presentes no próprio currículo do ciclo

básico. Tal proposta se insere na preocupação de renovação temática do currículo, por meio da

exploração de assuntos próprios da matemática, que estejam impregnados de conexões intra e

interdisciplinares.

Um estudo envolvendo a natureza do conhecimento envolvendo o tema das Equações

Diofantinas Lineares revela a possibilidade de exploração de diversas estratégias de resolução, que

possibilitam ao aluno a mobilização de competências essenciais.

A aquisição de um repertório de estratégias através de situações-problema tematizadas nas

Equações Diofantinas Lineares, permite ao aluno compreender o papel da escrita algébrica como

agente otimizador, desenvolver no aluno a capacidade de negociar significados aos conhecimentos

matemáticos. Esta possibilidade representa outra proposta de superar a difícil articulação

Aritmética&Álgebra.

Em síntese, este livro pretende destacar como o tema das Equações Diofantinas Lineares se

insere dentro das prerrogativas essenciais da Matemática do ciclo básico, ao possibilitar a expressão

e argumentação do aluno em diferentes linguagens dentro da própria Matemática (natural,

numérica, algébrica, gráfica e pictórica), ao permitir-lhe enfrentar situações-problema

contextualizadas e tomar decisões que extrapolem a capacidade do âmbito original, examinando e

vislumbrando outros modos de encaminhamentos, abrindo caminhos para explorar outros pontos de

vista sobre o tema.

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CAPÍTULO I: Equações Diofantinas Lineares: Os diversos contextos das competências

Neste capítulo descrevemos as contribuições que o tema das Equações Diofantinas Lineares

pode propiciar ao ensino básico, não em termos de uma inclusão curricular, mas sim na possibilidade

de viabilizar ao aluno o aprimoramento de competências essenciais, conforme destacam Perrenoud

(2002;2010), Macedo (2006) e Machado (2009).

Perrenoud (2002;2010) nos relembra que o foco da escola básica não deveria ser nos

conteúdos, mas preparar os alunos para a vida em uma sociedade moderna. Para o autor, o quadro

de obstáculos para o trabalho didático com as competências está ancorado em duas constatações.

A primeira tendência apontada por Perrenoud (2010) é que a escola não valoriza essa prática,

por simples hábito. O esforço das escolas ainda se situa na acumulação dos saberes, com uma

tendência de somente esbarrar nas referências às situações da vida, sem maiores vínculos.

Devemos relembrar que até pouco tempo:

[...] a grande questão escolar era a aprendizagem – exclusiva ou preferencial - de

conceitos. Estávamos dominados pela visão de que conhecer é acumular conceitos;

ser inteligente implicava articular logicamente ideias, estar informado sobre grandes

conhecimentos, enfim, adquirir como discurso questões presentes principalmente em

textos eruditos e importantes. Nesses termos, dar aula podia ser para muitos

professores um exercício intelectual muito interessante. O problema é que muitos

alunos não conseguem aprender nesse contexto, nem se sentem estimulados a pensar,

pois sua participação nesse tipo de aula não é tão ativa quanto poderia ser

(MACEDO, 2005, p. 17).

A questão pontuada por Macedo (2005) não significa, obviamente, que o domínio de

conceitos e de conteúdos deixou de ser importante.

Com tão bem formulou Cesar Coll (1996), na sala de aula torna-se também necessário o

domínio dos conteúdos procedimental, que remetem a ordem do saber como fazer. Para este autor:

Fatos, conceitos, princípios correspondem ao compromisso científico da escola:

transmitir o conhecimento socialmente produzido e que, atualmente, melhor

corresponde à nossa necessidade de explicar leis da natureza ou da vida social. [...]

Atitudes, normas e valores correspondem ao compromisso filosófico da escola:

promover aspectos que nos completam como seres humanos, que dão uma

dimensão maior, que dão razão e sentido para o conhecimento científico.

Procedimentos, isto é, estratégias e outras formas de ação articulam esses

conteúdos no triângulo – objetivos, resultados e os meios de alcançá-los – fora da

qual nenhuma aprendizagem da criança será alcançada (MACEDO, 1996, p. 13).

Perrenoud (2002) complementa que não se trata de abrir mão de ensinar os conhecimentos

disciplinares, mas de fazer com que eles contribuam para as competências que, até certo ponto, os

transcendem.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica.

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Partimos do pressuposto que as disciplinas precisam servir as pessoas e a escola deve se re-

organizar, promovendo espaços e condições na sala de aula para o desenvolvimento de

competências essenciais.

As matérias a serem estudadas não constituem um fim em si mesmo: elas são apenas

um meio necessário para que a escola realize sua função de formação pessoal. A

finalidade da Educação, em qualquer situação, sempre será a formação de pessoas e

de profissionais competentes para a vida em sociedade e para a atuação no universo

de trabalho (MACHADO, 2009, p. 13).

Nesse sentido, os PCNEM, Brasil (1998), propõem um ensino preocupado no domínio de

competências básicas pelos alunos, através do apoio a contextualização e interdisciplinaridade do

conhecimento escolar, bem como no incentivo do raciocínio do aluno e de sua capacidade em

aprender a aprender. No nível básico, deve-se valorizar:

[...] a formação geral, em oposição à formação específica; o desenvolvimento de

capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a

capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de

memorização (BRASIL, 1998, p.6).

Neste ponto, situamos um segundo obstáculo, apontado por Perrenoud (2010), que a dinâmica

de ensinar por competências exige: torna-se necessário uma conscientização dos diversos fatores

que compõem a abordagem integrada de conteúdos e competências.

I.1- Um breve mapeamento das concepções envolvendo a ideia de competência.

Diante da tarefa a que nos propusemos, passamos a esboçar um breve quadro sobre as

concepções sobre o termo competência.

Para Perrenoud (2002;2010), competência se refere a faculdade ou capacidade de um

indivíduo em mobilizar um conjunto de recursos cognitivos para enfrentar e solucionar com

pertinência e eficácia uma série de situações. O autor acrescenta que o termo competência evoca

tipos de situações que se situam em determinado domínio, levando-se em consideração os recursos

mobilizados, os conhecimentos teóricos e metodológicos envolvidos, assim como os esquemas de

percepção, de avaliação, de antecipação e de decisão correlacionados as operações de pensamento.

Para Macedo (2005), o termo competência apresenta um aspecto interrelacional, que se

caracteriza como um tipo de “[...] equilíbrio entre dois opostos complementares. A competição,

como fim buscado (necessidade), e a concorrência como repertório (disponibilidade)” (p. 20).

O autor apresenta a acepção etimológica de competir, que quer dizer pedir junto. No quadro

de necessidade (pedir junto), num ambiente complexo como a sala de aula, a disponibilidade não

ocorre de modo integral (não é possível atender igualmente a todas as condições), pois existem

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CAPÍTULO I- Equações Diofantinas Lineares: Os diversos contextos das competências. 11

múltiplas tarefas que um professor deve gerir. Macedo (2005) destaca que no sentido de

concorrência, a competição refere-se a um contexto de escassez e de limitação, o que segue: quais

as prioridades e quais decisões tomar?

Em síntese, para Macedo (2005), competência é “[...] a qualidade relacional de coordenar a

multiplicidade (concorrência) à unicidade (competição)” (p. 21). Deste modo, o professor

competente precisa ter um repertório de estratégias para lidar ao mesmo tempo com a diversidade e

a unidade.

No contexto de complementaridade, “[...] competência é o modo como fazemos convergir

nossas necessidades e articulamos nossas habilidades em favor de um objetivo ou solução de um

problema, que se expressa num desafio, não redutível às habilidades, nem às contingências em que

certa competência é requerida” (p. 21).

Competência também está associada à capacidade que um indivíduo possui, desenvolve e

mobiliza para aprender e compreender um objeto. Machado (2007) destaca que a noção de

competência fica demarcada na dimensão do indivíduo e se constitui em um atributo das pessoas.

Deste modo, um determinado indivíduo é competente em um âmbito bem delimitado, o que requer

a capacidade de mobilização de recursos em uma conjuntura social, exigindo a capacidade de

abstrair e mobilizar conteúdos.

Segundo Machado (2009), a competência está associada ao interesse, a motivação e ao desejo,

que são bens preciosos que devem ser continuamente cultivados na escola. De modo mais amplo, o

autor concebe competência como a(s) capacidade(s) que uma pessoa disponibiliza, mobiliza e

desenvolve para atingir objetos que a pessoa idealiza.

Competências estão ligadas a diversos contextos, como os sociais, culturais e profissionais. A

escola se preocupa mais com certas competências, como as ligadas às operações lógicas e

estruturais, e bem menos em expandir o rol dos contextos. Durante a escolaridade básica, aprende-

se a ler, a escrever, a contar, mas a escola também deve proporcionar situações onde se dinamizem

a capacidade de raciocinar, conjecturar, explicar, resumir, observar, comparar, expressar, pesquisar

e muitas outras capacidades gerais.

Para colocar em sinergia as competências nas situações complexas de ensino e de

aprendizagem, recai na figura do professor a apropriação de referenciais teóricos e metodológicos

para gerir situações apropriadas de ensino e de aprendizagem1.

1 No tema das Equações Diofantinas Lineares, há propostas de situações de ensino em Pommer (2008). Nos manuais

escolares encontramos problemas em Pueri Domus Escolas Associadas (2003), Iezzi et al. (2004) e Dante (2005).

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica.

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Alguns pesquisadores da Didática da Matemática Francesa propõem a necessidade de

discussão do contexto da epistemologia dos saberes. Na área de Matemática, como tratar os

conhecimentos de forma não axiomática, de modo a promover a construção de conhecimentos por

parte dos alunos?

Passamos, a seguir, a delimitar os principais contextos ou domínios relacionados às

competências necessárias para situar o aprendizado de Matemática.

Lacasa (1994) define contexto como uma relação entre algum objeto e um entorno ou um

conjunto de relações que se entrelaçam. Esta autora recorre ao verbo contextuar, cuja raiz latina é

contextere, que significa ‘entreter juntos’. A autora remete ao dicionário Oxford, onde contexto é

designado como o todo inter-relacionado que permite dialeticamente dar coerência às partes

constituintes do todo.

Nesse texto, nos aproximando do que sugere Lacasa (1994), assumimos pelo termo contexto

um conjunto de domínios em que algo existe ou ocorre, permitindo condições de identificar e dar

significado a um objeto. No caso das competências a serem mobilizadas em situação de ensino na

aula de matemática, foco deste trabalho, passaremos a delimitar os contextos ou domínios onde

pode se efetivar as competências discentes.

I.2- O contexto do didático: O recurso a resolução de situações-problema.

A modelagem2 e a resolução de problemas se situam no mapa de competências designado pelo

ENEM, Brasil (2009). A denominada competência 5, presente neste documento, se caracteriza e se

vincula com a resolução de problemas, uma forma didática de trabalho em sala de aula que poderia

ser mais freqüente no tratamento de dados, informações e para o desenvolvimento de conteúdos

conceituais.

Os PCNEM, Brasil (1998) reiteram a necessidade do trabalho com a resolução de problemas,

que objetiva a busca de regularidades, pois além do conhecimento conceitual, o ensino deve

estimular o conhecimento procedimental. Aprender Matemática, no ensino básico “[...] deve ser

mais do que memorizar resultados dessa ciência e que a aquisição do conhecimento matemático

deve estar vinculada ao domínio de um saber fazer Matemática e de um saber pensar matemático”

(BRASIL, 1998, p. 41).

Também, há artigos enfocando o assunto em Rocque; Pitombeira (1991), Universidade de Minho (2003), Famat (2005),

Groenwald, et al. (2005), Pereira; Watanabe (2005), Schin (2005), Wielewski (2005), dentre outros materiais. O Artigo

de Capilheira e Doerin (2012), intitulado ‘Equações Diofantinas Lineares: uma proposta para o ensino médio’, traz a

proposta do jogo ‘Escova Diofantina’. 2 Segundo D’Ambrosio (2006), a modelagem se caracteriza pela natureza dos parâmetros envolvidos, sendo estes

quantificáveis e sujeitos a um tratamento matemático.

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CAPÍTULO I- Equações Diofantinas Lineares: Os diversos contextos das competências. 13

Para tanto, há de se definir o que se entende por problema. Echeverría e Pozo (1998)

definem problema como uma situação nova, diferente, difícil ou surpreendente, um verdadeiro

obstáculo entre a proposição e a solução, onde o indivíduo reconhece que precisa ou deseja

resolver, porém ainda não dispõe de um caminho rápido e direto que permita uma diversidade de

soluções, exigindo uma investigação e tomada de decisão.

Porém, para diferenciar um problema de um simples exercício para obter uma resposta

imediata, estes autores ponderam que um problema pode tornar-se um simples exercício rotineiro,

se a situação exijir um mínimo de recursos cognitivos.

Para Echeverría e Pozo (1998) a resolução de problemas com situações abertas ou novas

exigem uma demanda cognitiva e motivacional maior que resolver exercícios, possibilitando ao

aluno a aprendizagem de procedimentos e atitudes adequadas. Ainda, essas situações abertas ou

novas permitem um modo de se ativar determinados conteúdos conceituais, mobilizando uma

inversão no modo habitual que inicialmente expõe os conhecimentos conceituais, para

eventualmente se desenvolver competências.

Tanto os problemas abertos como as situações-problema possibilitam situar o aluno em

posição análoga à do matemático no exercício da profissão, pois “[...] o aluno deve, diante desses

problemas, realizar tentativas, estabelecer hipóteses, testar essas hipóteses e validar seus resultados”

(BRASIL, 2006, p.84). A veiculação a alunos de problemas baseados em situações abertas e

sugestivas exige:

[...] dos alunos uma atitude ativa e um esforço para buscar suas próprias respostas,

seu próprio conhecimento. O ensino baseado na solução de problemas pressupõe

promover nos alunos o domínio de procedimentos, assim como a utilização de

conhecimentos disponíveis para dar respostas a situações variáveis e diferentes

(POZO, 1998, p. 9).

Conseqüentemente, isto exige uma investigação e tomada de decisão, demanda cognitiva e

motivacional maior do que resolver exercícios ou problemas fechados, possibilitando ao aluno a

aprendizagem de procedimentos e atitudes adequadas, a partir de estratégias já conhecidas.

Neste ponto, destaco em Echeverría e Pozo (1998) pesquisas indicando que a semelhança entre

os contextos escolares e os contextos sociais permitem viabilizar um melhor encaminhamento para a

solução de situações-problema.

Assim:

Embora não se trate de reduzir os problemas escolares ao formato das tarefas e

situações cotidianas, [...] para [se caracterizar] as tarefas escolares como verdadeiros

problemas é necessário que elas tenham relação com os contextos de interesse dos

alunos ou, pelo menos, adotem um formato interessante no sentido literal do termo.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica.

14

Parece, então, imprescindível ampliar o âmbito dos problemas escolares, tanto na sua

natureza, incluindo problemas abertos [...] como no seu conteúdo, abrangendo

também alguns dos problemas e situações que causam inquietação nos alunos

(ECHEVERRÍA; POZO, 1998, p. 42).

O processo de resolução de uma situação-problema naturalmente perpassa a necessidade de

registros: traçar uma representação mental do mesmo através de esquemas, desenhos ou símbolos, a

explicitação oral ou escrita com linguagem textual ou matemática, elementos representativos de

uma linguagem.

I.3- O contexto da linguagem.

Já o contexto da linguagem envolve inúmeros fatores, que tem profunda relação com os

fatores sócio-histórico-culturais. A linguagem desenvolvida na Matemática constitui fonte para a

mediação entre o objeto de conhecimento e o aluno.

A importância da linguagem e a relação com o pensamento foi delineada por Vygotsky (2001,

1ª edição em russo de 1934). O autor coloca que existem dois tipos de elementos mediadores: os

instrumentos, que são externos ao indivíduo e os signos, instrumentos ou ferramentas auxiliares da

atividade humana, internalizados pelos indivíduos no processo de inserção sóciocultural.

Para Vygotsky (2000;2001), ao longo do desenvolvimento de um indivíduo, o processo de

internalização é conseqüência da transformação das marcas exteriores em processos de mediação

internos ao mesmo. Nesse processo, formam-se signos internos que são representações mentais

substituindo os objetos, situações e eventos reais.

A linguagem é o sistema simbólico básico de representação da realidade da humanidade. É

esta linguagem que atua como mediadora permitindo ao homem perceber e ordenar o real, filtrando

as possibilidades da relação homem/objeto, através do estabelecimento de códigos inerentes a

determinados grupos, formando a cultura do grupo.

Vygotsky (2000;2001) coloca que a dimensão sóciocultural fornece ao indivíduo um ambiente

estruturado com elementos possuidores de significado. Vygotsky (2000;2001) explicou

satisfatoriamente o termo significado, de modo científico. Este pesquisador colocou que o

significado é um fenômeno onde a própria palavra pode ser dissecada e observada em seu aspecto

interior, onde “[...] toda generalização, toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais

autêntico e mais indiscutível de pensamento” (VYGOTSKY, 2001, p. 398). Como conseqüência, o

pensamento se realiza na palavra e passa a existir através dela, pelas possíveis transformações que

pode sofrer.

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CAPÍTULO I- Equações Diofantinas Lineares: Os diversos contextos das competências. 15

Vygotsky (2000;2001) considera o significado das palavras como assim a união entre

pensamento e linguagem.

O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e

da linguagem, que fica difícil dizer se trata de um fenômeno da fala ou de um

fenômeno do pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio; o

significado, portanto, é um critério da ‘palavra’, seu componente indispensável

(VYGOTSKY, 2000, p.150).

Marina (1995) argumenta que a criança nasce à espera da linguagem, que seria um dos

esquemas inatos, visto que ela possui uma extrema capacidade de aprender rapidamente a língua

materna. O autor descreve que é através da linguagem que a criança acelera o processo de dar

significado às coisas, pois a criança alia a experiência própria dela com a do mundo adulto, numa

função comunicativa. Além disso, a linguagem permite criar significados livres, ao favorecer a

criança a conversar consigo mesma, num ato de autoregulação das ações.

Segundo Marina (1995), a percepção é um dos modos que permite a criança adentrar-se no

mundo dos significados. Para o autor, o perceber é uma arte de confecção, permitindo selecionar

(colher informação), identificar (reconhecer a informação), distinguir, unificar e agrupar em

unidades, o que leva a conceitualização, que remete a origem dos significados. Deste modo, o

mundo é concebido como a totalidade dos significados que uma pessoa concebe.

Para Marina (1995), outro modo de se atribuir significados é o uso. Ao trabalhar objetos, o ser

humano descobriu utilidades, categorizou os objetos, criou as ferramentas, mobilizou esquemas de

assimilação e reconhecimento dos objetos. Assim, criam-se esquemas, que é uma matriz

assimiladora e produtora de informação, possibilitando o reconhecimento, podendo gerar

significado, tendo por base a ação.

No campo da Matemática, os diversos modos de registros e representações são condição

essencial para a aquisição do conhecimento e a maneira como se processa a aprendizagem.

Conforme Raymond Duval (2003), a aprendizagem matemática é uma atividade cognitiva e

necessita da utilização de sistemas semióticos de representação. Para o autor, as representações

semióticas são manifestações externas e conscientes ao sujeito. Duval (2003) identifica dois

aspectos: a forma (representante) e o conteúdo (representado). Cada objeto matemático possui

vários modos de registros de representação, como a linguagem natural, a linguagem numérica, a

escrita algébrica, o modo gráfico, dentre outras. Para que ocorra o aprendizado, é necessária pelo

menos a conversão entre duas formas de registros de representação semióticas.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica.

16

As considerações tecidas reforçam a necessidade do desenvolvimento e da exploração de

situações de ensino que explorem a diversidade da riqueza da linguagem matemática. Isto não

somente favorece a aprendizagem de matemática, mas ajuda a construir uma cultura de sala de aula.

Um primeiro motivo relaciona-se a aquisição dos modos como os alunos podem aprender, que

faz instaurar um conjunto de normas de ação, de interação entre pares, de interação com os

conhecimentos, que incentiva e apóia o envolvimento do aluno com o estudo, constituindo-se num

um elemento fundamental de uma prática de ensino.

Um segundo motivo se faz com a inserção e valorização do modo de produção matemática ao

longo da história, que revela as dificuldades surgidas no desenvolvimento do conhecimento, que

muitas das vezes se constituem num guia para antecipar os obstáculos que os alunos possam ter para

adquirir um determinado conhecimento. Ainda, a aquisição de uma multiplicidade de linguagens,

permite traçar uma rede de relações com várias outras áreas do conhecimento, enriquecendo os

canais de comunicação interdisciplinar, ampliando o espectro da cultura de sala de aula.

I.4- O contexto da heurística e das estratégias.

No ensino, Gómes-Granell (1997) ressalta que a linguagem matemática se prende mais a

aspectos sintáticos que semânticos. Assim, na Matemática há uma predominância na linguagem

simbólica, em termos de valorização e uso nas práticas educacionais em sala de aula. Ou seja, há

mais ênfase na aplicação de algoritmos e regras do que em aspectos ligados à compreensão e ao

significado.

Os aspectos de compreensão e significado estão correlacionados as heurísticas.

Etimologicamente, segundo Aurélio (2003), o termo heurística provém do latim heuristica e do

grego heuristiké, significando um conjunto de regras e métodos que conduzem a arte da descoberta,

da invenção e de encontrar respostas à situações-problema.

É muito conhecida a palavra heureca (εύρηκά), pronunciada por Arquimedes ao ter a ideia da

força de empuxo. Por isso, heurística, no contexto científico, se refere à área da ciência que objetiva

a descoberta de fatos e conhecimentos, provendo o pesquisador de orientações ou até de um método

de investigação baseado na aproximação progressiva de problemas.

No contexto educacional, a heurística está diretamente ligada aos processos de aprendizagem,

onde o aluno se torna um pesquisador, testando hipóteses, conjecturando, formulando e validando

ideias, propiciando entorno de constituição de significados ao saber, o que remete necessariamente

aos atos criativos de um ser.

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CAPÍTULO I- Equações Diofantinas Lineares: Os diversos contextos das competências. 17

Nesse sentido, heurística pode ser definida como a arte de inventar e de fazer descobertas,

permitindo a aquisição de um conjunto de estratégias ou táticas de resolução de situações-problema.

Segundo Pozo (1998), procedimentos heurísticos ou estratégias são os planos e metas

desenvolvidos pelos alunos que os guiam, de forma global, à busca de solução de problemas.

Jurkiewickz (2002) acrescenta que as heurísticas são métodos que necessariamente não garantem o

fornecimento de soluções ótimas, mas que pelo menos possam produzir boas soluções.

Em oposição, os procedimentos algorítmicos são baseados em regras e operações pré-

determinadas, que viabilizam a solução de forma direta e específica. Os algoritmos podem ser

caracterizados por uma rotina, processo ou procedimento de cálculo ou de resolução de um grupo

de problemas semelhantes, em que se estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais

para a obtenção do resultado ou a solução do problema.

Dentro desses fenômenos didáticos, Brousseau (1996) discute a relação entre a heurística e a

didática, ou seja, como entender o algoritmo como instrumento de solução dos conflitos didáticos.

A heurística é uma arte de resolver problemas, que não se reduz a um método, pois é imprevisível e

demanda criatividade na busca de soluções.

Para Brousseau (1996), se o professor reduzir a heurística a informar os algoritmos para a

resolução dos problemas, evitará conflitos didáticos, mas tornará automática e repetitiva a solução,

exatamente ao contrário do que a didática almeja, pois o ganho cognitivo é nulo. Neste caso, as

situações-problema se transformam em simples exercício de rotina, para treino da teoria aprendida,

algo muito usual no ensino atual.

Conforme Bosco (2005), estudar matemática requer uma postura heurística de experimentar,

intuir, elaborar conjunturas, reconhecer metáforas, usar analogias e modelar. Esta concepção fica

atrelada a possibilidade de ocorrer o erro, de realizar aproximações, de avaliar e de tratar os saberes

como possibilidades, que podem evoluir, mas não fica vinculada a fechamentos herméticos e

prontos.

A atividade heurística, definida como um esquema psíquico através do qual o homem cria,

elabora e descobre a resolução de um problema, é o eixo central dos estudos sobre como o ser

humano pensa, iniciados em Polya (2006, 1ª edição de 1944), e que fundamentam a resolução de

problemas, um eixo fundamental para o trabalho didático em sala de aula.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica.

18

Uma característica apontada por Pozo (1998) é que nos problemas nem sempre o aluno

consegue verbalizar ou descrever os procedimentos utilizados, tipificado num saber-fazer

instrumental. Gómes-Granell (1997) acrescenta que determinadas situações, em problemas onde os

alunos não conheciam ou não lembravam o algoritmo convencional, a autora revela que os alunos

foram capazes de resolver as situações quando utilizaram as próprias estratégias.

I.5- O contexto Qualitativo versus Quantitativo

Bruner (1987) menciona que atualmente existem muito mais fatos concretos a falar a respeito

do pensamento analítico, porém que seria altamente desejável um equilíbrio e complementaridade

entre o pensamento intuitivo e analítico, ou ainda, entre os aspectos quantitativo e qualitativo.

De modo geral, segundo Aurélio (2003), a qualidade se refere às propriedades intrínsecas,

condição das coisas ou de pessoas, que permite determinar a natureza de um objeto ou distinguí-lo

dentre outros.

Além da parte quantitativa do conhecimento matemático, a Matemática compõe uma parte

qualitativa. A compreensão qualitativa tem tido pouca atenção e compreensão por parte dos

matemáticos. Um exemplo disso é a intuição, algo imensamente desejável a profissionais de vários

níveis, desde cientistas a artistas. É através do pensamento intuitivo que o:

[...] poderá, muitas vezes, chegar a soluções para problemas que não conseguirá

alcançar de modo algum ou, quando muito, só lentamente, através do pensamento

analítico. Uma vez conseguidas, por métodos intuitivos, essas soluções deverão, se

possível, ser verificadas por métodos analíticos, sendo ao mesmo tempo respeitadas

como hipóteses válidas para tal verificação (BRUNER, 1987, p. 54).

Brolezzi (1996) argumenta que os aspectos qualitativos estão relacionados com o

desenvolvimento da linguagem natural. Vale destacar que a linguagem natural, na Matemática e no

ensino desta, necessita ter seu contexto mais especificado.

Conforme destaca Pedemonte (2002 apud Boavida, 2003), a natureza dialética da

argumentação em Matemática tem um caráter diferenciado do cotidiano, no sentido em que esta

forma de linguagem matemática não conduz necessariamente a conclusões verdadeiras, mas parte

de princípios ou axiomas que são considerados premissas verdadeiras para quem argumenta. Dentre

a gama de possibilidades que caracterizam este tipo de linguagem, na Matemática, destacam-se a

indução, a dedução, a analogia, a metáfora, textos de história da matemática, narrativas, a

argumentação lógica-matemática aristotélica, dentre outras.

A seguir, passamos a delimitar alguns espaços ou contextos que podem efetivar a mobilização

das competências e dos conhecimentos no ensino de Teoria Elementar dos Números.

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CAPÍTULO I- Equações Diofantinas Lineares: Os diversos contextos das competências. 19

I.6- Os diversos âmbitos de competências mobilizados pelas Equações Diofantinas Lineares.

A matriz de Referência de Matemática e suas Tecnologias do ENEM, Brasil (2009) apresenta

três eixos cognitivos (Domínio de linguagens, Compreender fenômenos e enfrentar situações-

problema), associado a um quadro de sete competências em matemática.

Dos três eixos cognitivos, as Equações Diofantinas Lineares permitem o trabalho com

diversas linguagens, o que contribuição para aprimorar o ‘domínio de linguagem’, assim como

apresentar o assunto por meio da metodologia de problemas, o que contribui para o eixo cognitivo

‘enfrentar situações-problema’.

Na competência da área 1 (Construir significados para os números naturais, inteiros, racionais

e reais), as contribuições do tema das Equações Diofantinas Lineares se fazem pela oportunidade de

explorar a dialética presente entre a Matemática Discreta (referência aos números inteiros) e a

Matemática do Contínuo (referência aos números reais), conforme propõe Brolezzi (1996).

Brolezzi (1996) aponta que o par discreto/contínuo se refere, respectivamente, a duas ações

fundamentais da Matemática, quais sejam: contar e medir. Assim, para introduzir a caracterização do

par discreto/contínuo, faço menção ao estudo etimológico presente no trabalho desse autor.

De modo geral, discreto é aquilo que exprime objetos distintos, que se revela por

sinais separados, que se põe à parte. Vem do latim discretus, particípio passado do

verbo discernere (discernir), que significa discriminar, separar, distinguir, ver claro.

[...] Já contínuo vem de com-tenere (ter junto, manter unido, segurar). Contínuo é o

que está imediatamente unido à outra coisa (BROLEZZI, 1996, p. 1).

Porém, no decorrer da escolaridade, o que ocorre é uma diminuição do trabalho com a

Matemática Discreta. Jurkiewicz (2004) esclarece esta tendência, explicando que o processo de

apropriação de temas para o Ensino Básico tem sido acarretado mais por fatores sócio-econômicos do

que acadêmicos, culminando no estabelecimento do currículo de Matemática de forma seqüencial e

cumulativo3. Um aspecto crucial para entender o atual desequilíbrio em favor do contínuo no

currículo atual de Matemática da escola básica, se deve ao papel histórico desencadeado pelo

surgimento do Cálculo Diferencial e Integral.

A seqüência números naturais; números inteiros; números racionais; números reais

[...] aponta de forma decisiva para uma matemática do contínuo. [...] O programa é

claro, explícito e bem sucedido. A quantidade e a qualidade dos resultados de

matemática do contínuo possibilitou ao mundo ser o que é hoje. Essa matemática

soube responder, com louvor, aos desafios pela ciência dos séculos XIX e XX.

(JURKIEWICZ, 2004, p. 2-3).

3 Por seqüencial e cumulativo, o autor credita o currículo montado de modo que o aluno da Escola Básica percorra

passo a passo o desenvolvimento das idéias matemáticas desenvolvidas ao longo da linha do tempo, que aumenta à

medida que a sociedade acumula mais conhecimentos.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica.

20

No âmbito da ciência, Jurkiewicz (2004) aponta que a era pós-industrial do século XX como

um momento de retomada da Matemática Discreta, essencial para o desenvolvimento das ciências da

computação, assim como na modelagem, permitindo a resolução de problemas logísticos

imprescindíveis para a administração de recursos e serviços da sociedade como um todo.

O autor propõe a inclusão de tópicos de Matemática Discreta na sala de aula, que proporcionam

problemas de compreensão acessível, complementando os de concepção mais clássica, abordados

pela Matemática do Contínuo.

Nesse sentido, autores como Campbell&Zazkis (2002) e Ferrari (2002) apontam algumas

contribuições presentes na Teoria dos Números4. Para os autores, esta área apresenta questões

interessantes e de simples compreensão pelos alunos, pela sua natureza essencialmente numérica, no

âmbito dos inteiros. Isto possibilita o entendimento e desenvolvimento de conceitos matemáticos,

principalmente ligados a explorações da resolução de problemas no campo dos números inteiros.

Esta opção didática facilita a mobilização do aluno para o desenvolvimento de várias

estratégias de cálculo e de resolução de problemas, sem necessariamente recorrer à aplicação de

algoritmos, o que favorece a interpretação dos enunciados e potencializa o desenvolvimento de

habilidades como interpretar, conjecturar, argumentar e deduzir, o que incentiva a busca de

heurísticas5 que não necessariamente necessitam do recurso algorítmico.

A possibilidade da busca de soluções inteiras contrapõe a tendência do atual ensino em

privilegiar temas no âmbito dos números Reais. Vale lembrar que a resolução no âmbito dos

números Inteiros permite aflorar características próprias que permitem destacar importantes

conceitos e propriedades do campo da Aritmética, geralmente tratados no começo do Ensino

Fundamental e depois gradualmente minimizadas em situações de ensino no ciclo médio.

Com relação à competência da área 5, as contribuições do tema das Equações Diofantinas

Lineares se fazem pela oportunidade de exploração de situações-problema que mobilizam diversas

estratégias de resolução, a partir das estratégias mais elementares. As Equações Diofantinas

Lineares se enquadram na possibilidade de reutilização de tópicos do currículo do ciclo básico:

conceito de paridade, o algoritmo da divisão, o conceito de fração, o conceito de múltiplo e divisor

de um número inteiro e máximo divisor comum.

4 Campbell e Zazkis (2002) consideram como Teoria Elementar dos Números a restrição de temas abordando somente

os números inteiros. 5 Segundo Pozo (1998), procedimentos heurísticos ou estratégias são planos e metas desenvolvidas pelos alunos que os

guiam, de forma global, à busca de solução de problemas. Em oposição, procedimentos algorítmicos são baseados em

regras e operações pré-determinadas, que viabilizam a solução de forma direta e específica.

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CAPÍTULO I- Equações Diofantinas Lineares: Os diversos contextos das competências. 21

Estas ponderações estão em conformidade com os PCNEM, Brasil (1998), que enfatizam a

necessidade de contemplar estudos matemáticos envolvendo os números, suas operações e

propriedades, tanto na Aritmética como na Álgebra.

Para os PCNEF, Brasil (1997), as atividades algébricas deverão ser abordadas e ampliadas

através da resolução de situações-problema, que permite ao aluno reconhecer os vários aspectos da

Álgebra, dentre os quais se destaca o estabelecimento de relação entre duas grandezas e

generalização da aritmética.

Lorenzato; Vila (1993), em seu artigo Século XXI: qual Matemática é recomendável? A

posição do The National Council of Supervisors of Mathematics, expõe como este importante órgão

antevê o pensamento algébrico como uma habilidade imprescindível aos estudantes do nosso atual

século.

Porém, autores como Fiorentini, Miorim e Miguel (1993), Ponte (2005) e Tinoco et al. (2008)

destacam a necessidade de estudos com relação à Aritmética e Álgebra, campos que assumem

explicitamente um papel de relevo no Ensino Fundamental, mas que se eclipsam como área de

estudos no Ensino Médio e passam a se constituir como ferramental para apoio em áreas como, por

exemplo, a Geometria Analítica e as Funções.

Ponte (2005) destaca que os alunos de ensino básico, em geral, têm grandes dificuldades no

campo dos Números e suas operações. Para este autor, mesmo aqueles que conseguem um nível de

desempenho razoável neste campo deparam-se posteriormente com grandes dificuldades na

aprendizagem da Álgebra.

Ponte (2005) destaca que o uso excessivo e inadequado de algoritmos, sem o necessário

trabalho com os significados das operações:

[...] leva a uma mecanização sem compreensão, que se traduz não só em fracos

desempenhos como também numa atitude de rejeição da Matemática. Para

promover uma aprendizagem significativa, muitos autores recomendam que se

estimulem os alunos a inventar os seus próprios algoritmos. No entanto, não é

muito claro em que momento e de que modo devem ser introduzidos os algoritmos

usuais nem qual o nível máximo de complexidade nos algoritmos a realizar pelos

alunos (PONTE, 2005, p. 11).

Para Ponte (2005), algumas das principais dificuldades dos alunos na passagem da Aritmética

para a Álgebra parecem associadas ao desenvolvimento do pensamento algébrico. O autor destaca o

currículo de Portugal, que propõe o uso de estratégias úteis de manipulação dos números e das

operações e a exploração de problemas envolvendo padrões numéricos envolvendo propriedades

dos números, como os múltiplos e os divisores.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica.

22

A pesquisa de Groenwald, et al. (2005) também verificou que os alunos encontram

dificuldades em aplicar tópicos da Teoria dos Números, como o máximo divisor comum, o mínimo

múltiplo comum, divisibilidade e equações diofantinas na resolução de problemas.

Ainda, Groenwald, et al. (2005) afirmam que os professores de Matemática da Escola Básica

tem dificuldade em propor atividades didáticas adequadas envolvendo os conceitos aritméticos

focados na pesquisa, devido à própria característica destes temas em sua não-redutibilidade a

fórmulas e algoritmos, bem como a existência de poucas atividades didáticas aplicáveis nos

manuais de Educação Básica.

O trabalho de Groenwald et al. (2005) é mais um indício da importância da Teoria Elementar

dos Números e do recente olhar dos acadêmicos para propor boas atividades deste tema que possam

ser utilizadas para promover a aprendizagem dos alunos.

Os diversos temas da Teoria dos Números naturalmente apresentam uma articulação e

complementaridade com a Álgebra, permitindo explorar a escrita da forma algébrica das condições

dadas no enunciado, a resolução de equações e sistemas de equações indeterminadas de 1° grau,

além de sua associação a função discreta de 1° grau. Esta abordagem possibilita que se formulem

questões cuja solução completa requer manejo de conceitos de forma integrada.

Para Fiorentini, Miorim e Miguel (1993), as concepções usuais de Educação Algébrica tomam

como ponto de partida a existência de uma álgebra simbólica já constituída. A redução do ensino da

Álgebra ao transformismo algébrico desconsidera a dialética presente no par pensamento e

linguagem, destacava em Vygotsky (2000;2001).

Essa relação de subordinação do pensamento algébrico à linguagem algébrica

desconsidera o fato de que, tanto no plano histórico quanto no pedagógico, a

linguagem é, pelo menos a princípio, a expressão de um pensamento (FIORENTINI;

MIORIM; MIGUEL, 1993, p.85).

Os referidos autores propõem que a construção do pensamento algébrico e da linguagem pode

se efetivar se realizadas atividades propiciadoras de significados, que permitam ao aluno pensar

genericamente, perceber e expressar matematicamente regularidades entre grandezas.

A forma de expressão do pensamento algébrico pode se efetivar de várias formas: através de

linguagem natural, linguagem aritmética e linguagem algébrica. Porém, a verdadeira expressão do

pensamento algébrico ocorre somente na medida “[...] que, gradativamente, o estudante desenvolve

uma linguagem mais apropriada a ele” (FIORENTINI; MIORIM; MIGUEL, 1993, p. 89).

No desenvolvimento progressivo do aluno ao longo da sua educação algébrica, o papel

desempenhado pela linguagem simbólica determina:

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CAPÍTULO I- Equações Diofantinas Lineares: Os diversos contextos das competências. 23

[...] um papel fundamental na constituição do pensamento algébrico abstrato, uma

vez que ela fornece um simbolismo conciso por meio do qual é possível abreviar o

plano de resolução de uma situação-problema, o que possibilita dar conta da

totalidade e da estrutura da organização (FIORENTINI; MIORIM; MIGUEL,

1993, p. 89).

Os referidos autores propõem que uma primeira etapa do trabalho a ser desenvolvido no ciclo

básico deve se sustentar em situações-problema, de modo a garantir o funcionamento dos elementos

caracterizadores do pensamento algébrico.

No quadro delineado, passamos a delinear considerações que ponderem e encaminhem como

abordar as Equações Diofantinas Lineares num contexto de desenvolvimento de competências.

Nesse sentido, associado à resolução de problemas, as Equações Diofantinas Lineares, do tipo

ax + by = c, pela própria concepção epistemológica, admite nenhuma, uma, várias ou infinitas

soluções. Ainda, tal tema possibilita o uso de diversas estratégias de solução, a partir da tentativa e

erro, pois perpassa dois enfoques:

- o enfoque aritmético: a condição necessária e suficiente para que exista solução para esse

tipo de equação é que o máximo divisor comum de a e b divida c;

- o enfoque algébrico: a representação algébrica desse tipo de equação permite desenvolver o

pensamento algébrico e a representação de uma linguagem generalizante, viabilizado pelo uso da

escrita algébrica como condição otimizadora das condições dadas no enunciado. Este modus

operandi possibilita o manejo de conceitos de forma integrada, no ensino básico, estabelecendo

uma natural transição entre a Aritmética e a Álgebra, conforme destacam Maranhão; Machado;

Coelho (2005).

O uso do tema das Equações Diofntinas Lineraes permite o trabalho com situações-problema:

[...] que permitam mais de uma solução, que valorizem a criatividade e admitam

estratégias pessoais. Essa valorização didática do problema fundamenta-se na crença

de que seja possível, mesmo através de uma modesta solução, o aluno sentir uma

verdadeira motivação pela busca do conhecimento. O trabalho com problema

redefine assim os valores educativos da Educação Matemática. O desenvolvimento

dessas habilidades o capacita a melhor enfrentar os desafios do mundo

contemporâneo (PAIS, 2002, p. 30).

A importância do uso de estratégias diversificadas foi apontada por Amerom (2003). A autora,

ao pesquisar meios didáticos que capacitassem o estudante a realizar uma transição propícia da

Aritmética para a Álgebra, aplicou uma seqüência didática a duas classes de alunos na faixa de 10 a

12 anos. Amerom (2003) constatou que a busca pelos alunos de estratégias próprias, informais por

natureza, permitiram uma evolução e o uso do equacionamento para estruturar o problema,

facilitando a transição para a Álgebra.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica.

24

Em síntese, o tema Equações Diofantinas Lineares se insere dentro de uma meta essencial na

matemática do ciclo básico, ao possibilitar a expressão e argumentação do aluno em diferentes

linguagens dentro da própria Matemática (natural, numérica, algébrica, gráfica). Também, tal tópico

apresenta diversas situações-problema contextualizadas, que possibilitam ao aluno agir, formular e

tomar decisões que extrapolam a capacidade do âmbito original, favorecendo o surgimento de

múltiplas possibilidades de encaminhamentos e exploração de diversos pontos de vista.

O uso de situações-problema é um recurso didático que possibilita a ação para a construção de

conhecimentos e o desenvolvimento de competências essenciais6, conforme Machado (2009):

capacidade de argumentação e de tomar decisões ao desenvolver ferramentas (mobilizar estratégias e

conhecimentos anteriores para a busca mais eficiente de soluções), capacidade de compreensão (nas

habilidades de leitura e interpretação de texto) e de expressão (habilidade de conjecturar), para a

busca de significado.

Assim, através da busca de soluções inteiras das situações-problema, o aluno utilizará como

estratégias o processo da tentativa e erro (a mais básica), cálculos aritméticos mentais, uso de

propriedades dos números naturais, o conceito de múltiplo ou divisor, ou mais particularmente, do

conceito de máximo divisor comum, ou até o uso da escrita algébrica como ferramenta. De acordo

com Machado (2009), isto permite estabelecer uma rede de relações que atribuem significado ao

conhecimento visado, considerando-se que o conhecimento não fica associado a ‘posse’ de fatos,

mas a articulação e exploração das informações, permitindo conceber relações antes insuspeitadas,

ampliando-se o processo de conhecimento acerca dos diversos temas do currículo envolvidos.

6 Neste ponto, assumimos a posição de Machado (2009), que ressalta o favorecimento de situações em que se

desenvolvam competências essenciais. O termo competência é entendido como a capacidade de uma pessoa tem, em

determinado âmbito, em mobilizar recursos próprios para realizar algo.

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CAPÍTULO II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica

Para colocar em prática as ponderações expressas no capítulo 1, nossa escolha recaiu na

proposição de uma série de situações-problema, que naturalmente podem ser resolvidas por várias

estratégias. Relembramos que uma boa articulação entre os campos da Aritmética e da Álgebra

pode ser realizada pelo uso de problemas que incentivem o aluno a busca diversas estratégias.

A análise que realizamos no capítulo anterior destacou que o tema das Equações Diofantinas

Lineares pode ser abordado pelo uso de estratégias mais básicas, como a da tentativa e erro, até as

mais sofisticadas. Este modo de condução permite a exploração de diversas estratégias, mobilizando

aquelas que solicitam o uso de propriedades e conceitos dos números, assim como a escrita

algébrica, otimizadora dos processos matemáticos por natureza.

Devemos relembrar que muitos alunos não conseguem manipular, de início, a estratégia

algébrica. Cabe aos professores conceber um rol de situações que permitam que os objetos a serem

estudados façam sentido ao aluno, o que pode ser estabelecido pelo desenvolvimento de um bom

repertório heurístico.

Na parte metodológica, estaremos utilizando o referencial da Engenharia Didática1, proposta

pela linha da Didática da Matemática Francesa, realizando uma análise a priori. Nesse sentido,

destacamos as variáveis didáticas, como forma de regular o uso de determinadas estratégias. A

variável didática corresponde às escolhas do professor para fazer alcançar os objetivos propostos.

De acordo com Gálvez (1996), a escolha adequada dos intervalos destas variáveis deve estimular

nos alunos, de forma controlada, a necessidade de busca por novas estratégias para a resolução das

situações-problema, fomentando condições para surgir o conhecimento almejado.

A seguir, apontamos as características dessas estratégias, através de exemplificações com

problemas, e discutimos as possíveis interrelações entre estratégias.

II.1- A Abordagem pelo Método da Tentativa e Erro

Ferrari (2002) aponta que dentre as diversas possibilidades, é importante o uso da estratégia da

tentativa e erro, como iniciadora da ação do aluno viabilizada por cálculos numéricos (mentais ou

por escrito).

1 A Engenharia Didática foi descrita em Artigue (1996).

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 26

Ore (1988) e Pozo (1998) retratam a estratégia da tentativa e erro como a mais básica e a mais

utilizada pelos povos antigos e medievais. Neste período histórico, a linguagem algébrica ainda

estava em fase de formação. A estratégia da tentativa e erro tem valor didático para iniciar um

processo de participação do aluno na resolução de problemas. Esta estratégia consiste em se adotar

um valor qualquer inteiro para uma das incógnitas de x (ou de y) e encontrar o corresponde valor de

y (ou de x), por mera substituição.

A seguir apresentamos o ‘Problema do sorvete’, que favorece a abordagem da tentativa e erro.

Problema 1: ‘O Problema do sorvete’

Duas pessoas resolveram comprar sorvete. Chegando a uma confeitaria, havia duas opções de

sorvetes de palito: frutas (R$ 2,00 cada unidade) e yogurte especial (R$ 4,00 cada). Existem muitos

sabores disponíveis para os pedidos do sorvete de frutas e de yogurte especial.

(a) Se as duas pessoas dispõem de R$ 12,00, qual o número máximo de sorvetes que podem

comprar? (b) E o mínimo? (c) Qual é o número de opções que estas duas pessoas dispõem para

fazer a compra?

Este problema apresenta uma situação simples e cotidiana, numa abordagem que envolve um

número de soluções em quantidade discreta (quatro).

No item (a) o aluno deve interpretar que a compra exclusiva de sorvetes de frutas permite a

compra do número máximo de sorvetes ao mobilizar a operação de divisão 62

12 sorvetes de fruta.

No item (b), de modo similar, os alunos devem encontrar o valor 34

12 sorvetes de yogurte.

Quanto ao número de opções, a organização poderá ocorrer na forma de uma tabela ou

utilizando linguagem natural. A organização dos dados está indicada na tabela 1.

Tabela 1: As quatro soluções discretas do problema do sorvete

x (quantidade de sorvetes de frutas) 0 2 4 6

y (quantidade de sorvetes de yogurte) 3 2 1 0

Problema 2: ‘O Problema dos ingressos de cinema’

O valor da entrada de um cinema é R$ 24,00 por adulto e R$ 12,00 por criança, em todas as

sessões. O gerente do cinema (com lotação para 100 pessoas) sabe que há prejuizo se a renda por cada

sessão for inferior a R$ 480,00. (a) Qual é o menor número de pessoas que podem assistir a uma sessão

de maneira que a bilheteria não tenha prejuízo? (b) Qual o maior número de pessoas que podem

assistir a uma sessão de maneira que a bilheteria não tenha prejuízo? (c) Se uma determinada sessão

tiver vendido 5 entradas para crianças e 28 para adultos, haverá lucro ou prejuízo? Explique. (d) Ajude

o gerente a organizar uma tabela de acordo com a quantidade de ingressos adquiridos de adulto e

criança, para que seja feito um controle sobre o lucro ou prejuízo de determinada sessão.

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Capítulo II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 27

No item (a) o aluno deverá interpretar que o menor número de pessoas mobiliza a operação de

divisão 2024

480 adultos.

No item (b), de modo similar, os alunos devem encontrar o valor 4014

480 crianças. Vale

destacar que dificilmente as crianças poderão entrar sozinhas no cinema.

Este ponto de vista, de um ponto de vista não-matemática, invalida esta possibilidade e torna

esta possibilidade nula.

O item (c) envolve o cálculo 5.12+28.24 = R$ 732,00, que descarta o prejuízo.

No item (d), para organizar uma tabela, os alunos deverão ordenar os resultados da menor

quantidade de adultos e crianças, determinando o corresponde valor para completar os R$ 480,00,

conforme expresso na tabela 2.

Tabela 2: As vinte e uma soluções discretas do problema dos ingressos no cinema.

x 20 19 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0

y 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40

Índices: x (quantidade de ingressos para adulto) e y (quantidade de ingressos para crianças)

O número de soluções (21) apresenta uma dificuldade maior, pela introdução de valores

numéricos que demandam uma interpretação e um tipo de organização de dados.

Problema 3: ‘Ingressos para o jogo de Xutbol’

Um campeonato de Xutbol dispõe de dois tipos de ingresso: R$ 20,00 para a arquibancada e

R$ 50,00 para o setor numerado. Um torcedor fanático por Xutbol disponibiliza, todo mês, R$ 250,00

para ir aos números jogos deste controverso jogo. O torcedor tem muito tempo para ir aos jogos e não

faz preferência por nenhum clube.

(a) Em quanto jogos o torcedor pode ir?

b) Organize todas as possibilidades de ida ao estádio por mês.

Neste problema, o próprio aluno deverá organizar o meio, ou seja, determinar o número de

ingressos nos casos extremos (comprar somente ingressos de R$ 20,00 ou comprar somente

ingressos de R$ 50,00), assim como interpretar o padrão de regularidade presente na situação.

No caso, não é possível comprar somente ingressos de R$ 20,00 e é possível comprar 550

250

ingressos de R$ 50,00.

Tabela 3: As três soluções discretas do problema dos ‘Ingressos para o jogo de Xutbol’.

x (quantidade de ingressos de R$ 20,00) 0 5 10

y (quantidade de ingressos de R$ 50,00) 5 3 1

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 28

Apesar de somente existirem três soluções, este problema apresenta uma dificuldade maior nas

tentativas, o que permite ao aluno as buscas para compor um quadro de conjecturas.

Problema 4: ‘Qual sua escolha: CD ou DVD?’ [Adaptado de Stiglitiz e Walsh (2003)].

Considere a seguinte situação: Uma aluna, Bianca, fã de música, reserva num certo mês

70,00 R$ para a compra de CDs ou DVDs. Um CD custa R$ 12,00 e um DVD R$ 16,00. Quais são as

várias possibilidades de aquisição destes dois bens, gastando-se exatamente R$ 70,00?

As variáveis didáticas são:

- o valor a ser gasto na compra de CDs ou DVDs: R$ 70,00;

- os valores dos preços dos CDs (R$ 12,00) e dos DVDs (R$ 16,00), números naturais de fácil

manuseio em cálculos mentais ou escritos e compatíveis com valores de mercado;

- o número de soluções previstas: nenhuma solução.

As possíveis estratégias de solução para o gasto de exatamente R$ 70,00 são:

E1: O sujeito ensaia várias possibilidades, utilizando estimativa (cálculos mentais), não encontrando

solução e não questiona os dados.

E2: O sujeito utiliza cálculos explícitos, através da tentativa e erro, porém não consegue encaminhar

critério válido para decidir pela inexistência de solução, questionando os dados.

E3: O sujeito equaciona o problema explicitamente como sendo 12c + 16d = 70, ou sua equivalente,

6c + 8d = 35 e a utiliza para demonstrar a inexistência de solução, como, por paridade.

A citação do método de tentativa e erro é raramente encontrada nos manuais de Teoria dos

Números. Usualmente, nos manuais incentivam o uso da escrita algébrica logo no início da

exposição da resolução. Em termos matemáticos, a escrita algébrica é o meio mais eficaz. Porém,

conforme destacamos no capítulo anterior, diversos alunos tem dificuldade na escrita e uso da

Álgebra. Deste modo, o uso da estratégia da tentativa e erro se faz na medida em que o aluno pode

realizar tentativas, interagindo com o problema de acordo com as possibilidades. Porém, a sequência

de problemas deverá incentivar o descarte da tentativa e erro, mas de modo que o próprio aluno

perceba as grandes limitações deste recurso, como, por exemplo, nos problemas com solução vazia

(problema dos CDs e dos DVDs).

Ressaltamos que raramente encontramos menção sobre este tipo de estratégia. Citamos o

breve parágrafo, como observação final após a resolução de um exercício, onde o autor pondera que

para “[...] resolver equações como a acima, não é necessário usar toda a técnica [algébrica] que

desenvolvemos, pois os números envolvidos são suficientemente pequenos para que seja viável

achar as soluções por inspeção” (HEFEZ, 2005, p. 73).

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Capítulo II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 29

II.2- A abordagem pelo método pictórico.

Wielewski (2005), em tese de Doutorado do Programa de Educação Matemática da PUC/SP,

aplicou pesquisa a alunos do curso de licenciatura em Matemática, analisando aspectos do

pensamento matemático na resolução de problemas.

Neste trabalho, é apresentado um problema envolvendo implicitamente as Equações

Diofantinas Lineares, cujo enunciado é dado por:

Problema 5: “Dados um jarro de 3 litros e outro de 5 litros (sem qualquer marcação), é possível

obter exatamente 1 litro de água? Se sim, como? Se não, por quê? (AVERBACH; SCHEIN, 2000,

p. 117-118 apud WIELEWSKI, 2005, p. 252)”.

Uma das resoluções se destaca pelo uso do registro pictórico, conforme expresso na figura 1.

Figura 1: Representação do problema dos jarros [Fonte: WIELEWSKI (2005, p. 252)].

O aluno A fez o registro do encaminhamento da solução pictórica:

Encher o jarro de 3 litros com água e esvaziá-lo no jarro de 5 litros. Encher

novamente o jarro de 3 litros e usar parte de seu conteúdo para encher o jarro de 5

litros (que já continha 3 litros). Isso deixa 1 litro no jarro de 5 litros (e 5 litros no

jarro de 5 litros, que podem ser jogados fora) (WIELEWSKI, 2005, p. 252).

Wielewski (2005) propõe uma estratégia: contabilizar ‘+1’ toda vez que um jarro é preenchido

completamente e ‘-1’ para a operação de esvaziar integralmente.

No caso da presente resolução do aluno A, o jarro de 3 litros contabilizaria ‘+2’ e o jarro de 5

litros ‘-1’. No caso de identificar as variáveis ‘x’ como o número de vezes que o jarro de 3 litros foi

preenchido completamente com água e por ‘y’ como o número de vezes que o jarro de 5 litros foi

preenchido completamente com água, tem-se x = +2 e y = -1, uma solução particular do problema.

A autora propõe a escrita algébrica do problema ( 1),5y 3x que representa uma Equação

Diofantina Linear, onde os coeficientes da equação representam os volumes dos dois jarros.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 30

Outro aluno conseguiu escrever a equação e percebeu a importância da generalização e do

equacionamento algébrico para a resolução da Equação Diofantina Linear neste problema.

A vantagem da representação algébrica é que ela propicia a generalização, e isso

facilita o estudo de diferentes possibilidades, sem precisar executar

experimentalmente as ações, nem por desenho, caso a caso (WIELEWSKI, 2005, p.

271).

Esta pesquisa de Wielewski (2005), envolvendo uma Equação Diofantina Linear, confirmou

que a resolução de problemas pelo método da tentativa e erro é muito comum entre os alunos de

licenciatura do Ensino Superior. Porém, alguns alunos conseguem articular a escrita algébrica e

perceber a importância desta como otimizadora na resolução de problemas.

Encontramos alguns jogos com estrutura similar a proposta por Wielewski (2005), que também

recaem em uma equação diofantina linear.

Problema 6: (‘Poção mágica’) Para transformar uma bruxa em uma velhinha que levará uma maça para a Branca de Neve, foi feita a seguinte prescrição: - utilizar dois frascos, um de 4 litros e outro de 9litros. - um caldeirão bem grande, que poderá ser utilizado para encher ou esvaziar os dois frascos onde a poção é fervida. Os frascos não têm graduação, devem ser utilizados somente os dois frascos mencionados, o caldeirão e a poção. Pode-se aproveitar o resultado de um item para se chegar ao resultado de outro item posterior. É recomendável se seguir a seqüência dos itens. A solução mais elegante é aquele que tem menor número de passos para sua execução. Procure criar uma representação gráfica seqüencial das etapas da solução. Como proceder para ficar em um dos frascos com uma poção de: a. 5 litros; b. 1 litro; c.6 litros ; d. 2 litros ; e. 7 litros; f. 3 litros g. 8 litros Problema 7: (Os dois amigos) Dois amigos bêbados compraram 8 litros de vinho. Eles estavam caminhando, e na metade do caminho, decidem separar-se, repartindo antes o vinho igualmente. Para realizar as medidas há um barril de 8 litros (onde está o vinho), uma vasilha de 5 e outra de 3 litros. Como eles podem fazer para repartir igualmente o vinho?

II.3- A Abordagem pelo método cartesiano.

Os problemas que envolvem uma equação diofantina linear com solução não vazia podem ser

analisados sob a perspectiva gráfica, representando um conjunto de pontos no plano cartesiano.

“Podemos interpretar a resolução da equação diofantina [linear] como o problema de determinar os

pontos da reta que têm ambas as coordenadas inteiras” (MILIES;COELHO, 2003, p. 98).

Este tipo de solução necessita de uma organização para se determinar alguns pares ordenados

numa seqüência que permita a visualização das soluções em R2. Assim, a representação gráfica está

associada ao uso de uma tabela para organizar algumas soluções com valores de ‘x’ em ordem

crescente (ou decrescente), que serve de suporte para uma generalização de propriedades, através da

observação do padrão de crescimento ou decrescimento dos valores de x ou dos valores de y.

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Capítulo II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 31

Um primeiro entrave para este tipo de solução é sua limitação de capacidade de representação

em R2 dependendo da quantidade de soluções de uma Equação Diofantina Linear. Um segundo

entrave do método gráfico é a falta de generalidade, própria da escrita matemática desta forma.

Porém, a visualização das soluções na forma gráfica pode propiciar elementos para a procura de

padrão de formação para a procura de soluções da Equação Diofantina Linear e também permitem

explorar a associação com uma função discreta de 1° grau, através do conceito de taxa de variação e

do coeficiente linear.

Assim fazendo, o aluno poderá efetuar as transposições de representação numérica, gráfica e

algébrica, dando um maior significado ao objeto de estudo matemático e até podendo ser suporte para

o amadurecimento de um método de resolução para uma equação diofantina.

Não foram encontrados nos livros didáticos do ciclo básico e do ensino superior de Matemática

situações envolvendo o recurso gráfico para resolver uma equação diofantina linear. Porém, alguns

livros de Microeconomia apresentam temas que utilizam o recurso gráfico, associado à escrita

algébrica para esclarecer o conceito a ser apresentado. Isto propicia um contexto adequado e acaba

permitindo a exploração e articulação no desenvolvimento de ideias matemáticas.

Retomamos aqui uma das situações já comentadas, adaptadas no Problema 4, ‘Qual sua

escolha: CD ou DVD?’, cujo enunciado é:

Considere a seguinte situação: Uma aluna, Michele, fã de música, reserva num certo

mês R$ 120,00 para a compra de CDs ou DVDs. Um CD custa R$ 10,00 e um DVD

R$ 15,00. Quais são as várias possibilidades de aquisição destes dois bens,

gastando-se exatamente R$ 120,00? (STIGLITIZ;WALSH, 2003, p.27).

x y

0 8

3 6

6 4

9 2

12 0

Figura 2: Solução do ‘problema da Michele’

[Fonte: Stiglitiz e Walsh (2003)]..

O conceito associado a esta situação é denominado pela Microeconomia de ‘Restrição

Orçamentária’, que implicitamente revela a equação diofantina linear ,120.15.10 yx onde ‘x’

e ‘y’ representam, respectivamente, as quantidades de CDs e DVDs possíveis que Michelle poderá

adquirir.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 32

A representação cartesiana das soluções deste problema aproxima ideias matemáticas

importantes, contrapondo o caráter discreto das incógnitas envolvidas no problema. O autor deste

problema corretamente elabora o gráfico representando as cinco soluções, não unindo os pontos

com uma reta, como é usualmente encontrado em livros didáticos de Economia.

Ainda, a concepção vigente em tratar os inteiros como subconjuntos dos números reais conduz

a simplificações que desprezam aspectos fundamentais dos números inteiros. Então, a situação

acima permite refletir o entendimento de questões ligadas às quantidades discretas.

Às vezes, obviamente, nem todos os pontos do gráfico são significativos do ponto de

vista econômico. É impossível comprar meio DVD ou meio CD. Na maioria dos

casos ignoramos essas considerações ao plotar gráficos; consideramos que qualquer

ponto da restrição orçamentária é possível (STIGLITIZ; WALSH, 2003, p.36).

Neste sentido, existe um desequilíbrio no programa da escola básica entre a Matemática

Discreta e a Matemática do Contínuo, apresentando predominância na abordagem de situações

com números reais. Assim, há a necessidade de explorar nesta faixa de ensino a elegante e

complementar interação entre essas duas correntes, conforme destaca Brolezzi (1996).

Observa-se a riqueza no desenvolvimento da resolução destes problemas, articulando as

várias linguagens e possibilitando o uso de várias competências. Localizamos como limitante da

utilização do método da tentativa e erro e no método gráfico, na resolução de uma Equação

Diofantina Linear, os casos que possuem infinitas soluções naturais ou então, nenhuma solução. A

seguir, serão apresentadas abordagens que permitem o encaminhamento nestas situações.

II.4- A Abordagem utilizando conceitos da teoria dos Números

Abordamos, a seguir, algumas situações-problema que permitem explorar a ideia de múltiplos

e paridade, propriedades presente no estudo epistemológico das Equações Diofantinas Lineares.

Problema 8: ‘Saques nos caixas eletrônicos’

Usualmente, um caixa eletrônico de banco pode dispor de cédulas (notas) para atender eventuais

solicitações de saques. Suponha que todos os caixas possuam suficientes cédulas para emissão.

(a) Um usuário deseja fazer um saque e decide utilizar um caixa eletrônico que emite somente

cédulas de R$ 5,00 ou R$ 10,00. Consulta o seu saldo e verifica que possui em sua conta, no

momento, R$ 61,00. Indeciso, resolve efetuar um saque, mas não deseja zerar o saldo. Ajude-o,

organizando todos os possíveis saques que poderiam ser realizados pelo usuário.

As variáveis didáticas presentes nesta situação são:

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Capítulo II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 33

- o valor limite do saque (R$ 61,00), que permite cálculos rápidos para a determinação das

soluções, assim como possibilita ao aluno formular hipóteses;

- a relação entre os valores das cédulas disponíveis no caixa eletrônico e o valor do saque

em Reais, expressa pelo m.d.c. (5,10) = 5, que possibilita ao aluno a percepção do múltiplo

de cinco como ferramenta facilitadora para a resolução da situação-problema;

- o número de soluções previstas: doze possíveis valores de saques;

- a representação das respostas em forma de tabela, que permite ao aluno organizar as

respostas, visualizar as soluções e elaborar conjecturas.

As possíveis estratégias, indicadas por Ei, para i = 1,2, são:

E1: Utilização de propriedades dos múltiplos ou divisores, obtendo doze soluções,

representados na seqüência (5,10,15, 20, 25, 30, 35, 40, 45, 50, 55, 60).

E2: Por tentativa e erro, o sujeito ensaia várias possibilidades, organizadas ou não, para a

busca das doze soluções, utilizando cálculos numéricos mentais ou explícitos.

Esperava-se que, com as vivências das situações anteriores, os alunos utilizassem os

múltiplos ou divisores como ferramenta, não necessitando testar um-a-um os valores, de modo a

promover uma passagem para modos mais eficazes de resolução de problemas.

(b) Um segundo usuário entra no banco e decide utilizar um caixa eletrônico que emite somente

cédulas de R$ 10,00 ou R$ 20,00. O cliente quer sacar exatamente R$ 1000,00. É possível? Se sim, de

quantas maneiras?

As variáveis didáticas presentes nesta situação são:

- o valor limite do saque (R$ 1000,00), valor que necessita de cálculos simples para a

determinação das soluções, assim como possibilita ao aluno formular hipóteses;

- a relação entre os valores das cédulas disponíveis no caixa eletrônico (R$ 10,00 ou R$

20,00) e o valor do saque (R$ 1000,00), expressa pelo m.d.c. (10,20) = 10, que possibilita

ao aluno a percepção do múltiplo de dez como ferramenta facilitadora para a resolução da

situação-problema;

- o elevado número de soluções previstas: cinqüenta e um possíveis valores de saques;

- a representação das respostas em forma de tabela, que permite ao aluno organizar as

respostas, visualizar as soluções e elaborar conjecturas.

Tabela 4: As 51 soluções discretas do problema do saque nos caixas eletrônicos.

x 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 .......

94 96 98 100

y 50 49 48 47 46 45 44 43 42 41 40 3 2 1 0

x: quantidade de cédulas de R$ 10,00; y: quantidade de cédulas de R$ 20,00.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 34

As possíveis estratégias, indicadas por Ei, para i = 1,2, são:

E1: Utilização de propriedades dos múltiplos de 10 como possível evolução, de modo a

organizar os dados das cinqüenta e uma soluções, representados na sequência.

E2: Por tentativa e erro, o sujeito ensaia várias possibilidades, organizadas ou não, para a

busca das 51 soluções, utilizando cálculos numéricos mentais ou explícitos.

O elevado número de soluções (51) é um convite ao aluno para abandonar a estratégia de

tentativa e erro, para a busca de propriedades aritméticas mais eficazes.

(c) Um terceiro usuário entra no banco e deseja sacar exatamente R$ 10.030,00. Os três caixas

disponíveis estão indicados na tabela abaixo. É possível? (Sim ou Não). Justifique a resposta para

cada caixa eletrônico.

Notas emitidas pelo caixa eletrônico

É possível ? (Sim ou Não)

R$ 5,00 e R$ 10,00

R$ 10,00 e R$ 20,00

R$ 20,00 e R$ 50,00

As variáveis didáticas são:

- os valores das cédulas, representados por R$ 5,00, R$ 10,00, R$ 20,00 e R$ 50,00, que

permitem cálculos mentais e com m.d.c. entre eles igual a 5 ou 10;

- o alto valor do saque R$ 10.030,00, que reforça a busca de uma estratégia mais eficiente;

- a combinação das possíveis cédulas, perfazendo três possibilidades;

- o número de soluções possíveis e previstas: duas soluções possíveis, de modo a verificar se é

possível efetuar ou não é possível efetuar o saque de R$ 10.030,00. ;

- a representação em forma de tabela, de modo a organizar as respostas, permite ao aluno a

elaboração de conjecturas.

As possíveis estratégias, indicadas por Ei, para i = 1, 2, 3, são:

E1: A utilização de propriedades dos múltiplos como ferramenta facilitadora para encontrar as

soluções.

E2: Por tentativa e erro, o sujeito ensaia várias possibilidades, utilizando cálculos mentais ou

explícitos.

E3: A percepção do m.d.c. entre os valores das cédulas emitidas e sua relação com o valor do saque

como fator determinante da solução.

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Capítulo II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 35

Esta atividade objetiva que o aluno utilize o múltiplo ou divisor como estratégia preferencial

para a tomada de decisão em relação à possibilidade de saque solicitado2, assim como estabeleça

relações entre as cédulas emitidas e o valor do saque, de modo a perceber que não é possível o saque

com as cédulas de R$ 20,00 e R$ 50,00.

Problema 9: Dinarlândia

DINARLÂNDIA (Parte I)

Em um reinado distante, de regime monarquista parlamentarista, existem cédulas de 1, 2, 5, 10, 20, 50 e

100 dinares, que permitem pagar e receber troco nas transações monetárias mais usuais (em dinares).

O rei, excêntrico por natureza, resolveu, por decreto, extinguir as cédulas existentes, retirando-as de

circulação. Então, instituiu operações de pagar e receber troco, somente com novas cédulas de 4 e 6

dinares.

a) O primeiro-ministro argumenta com o rei que a utilização de cédulas de 4 e 6 dinares é

matematicamente imprópria.

Cada grupo deve escrever uma declaração, embasada em algum argumento, de preferência matemático,

mostrando se o grupo concorda ou discorda do primeiro-ministro.

Argumento:

A seguir, cada grupo deverá expor seu argumento ao adversário. Terminada a exposição, cada grupo terá

que apresentar um veredicto quanto ao argumento do adversário:

( ) Argumento correto. ou

( ) Argumento incorreto

(se assinalou argumento incorreto, descreva abaixo o motivo)

Motivo: _________________________________________________________

Esta atividade visa que o aluno utilize a paridade, o múltiplo ou o divisor como estratégia

preferencial para a tomada de decisão em relação a possibilidade de solução, assim como favoreça o

levantamento de conjecturas envolvendo a relação entre os valores das cédulas deste ‘reinado’ e as

possíveis operações monetárias do dia-a-dia.

2 Isto se viabilizou pela mudança da variável de comando representada pelo aumento na ordem de grandeza do valor pré-

fixado do saque, que pretendia impedir definitivamente o uso da tentativa e erro pelo aluno.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 36

As variáveis didáticas são:

- as cédulas de 1, 2, 5, 10, 20, 50 e 100 dinares, anteriores ao decreto do rei;

- as novas cédulas de 4 e 6 dinares, estabelecidas por decreto-lei, números pares, que

impossibilitam o pagamento de quantias ímpares;

- a escolha de situação-problema desafiadora, que permite ao aluno interpretar os dados

relevantes, expor e ouvir os argumentos dos adversários, para a tomada de decisão. Para o aluno

perceber quais valores não podem ser pagos deverá encontrar contra-exemplos que mostrem que a

medida é imprópria, seja através da reflexão sobre propriedades das operações com números

inteiros, seja através de cálculos;

- a situação hipotética do enunciado em relação às duas cédulas, pois em geral um país não

apresenta esta quantidade de cédulas para as transações comerciais;

As possíveis estratégias, indicadas por Ei, para i = 1, 2, são:

E1: A utilização da propriedade de paridade ou múltiplo de 2 como ferramenta facilitadora.

E2: Por tentativa e erro, o aluno ensaia várias possibilidades, para a busca de possíveis valores de

pagamento, utilizando cálculos mentais ou explícitos.

Nesta 1ª parte ‘Dinarlândia’ é solicitada a justificativa escrita seguida de exposição do

argumento, o que visa permitir ao aluno a exploração de conjecturas sobre as possíveis operações

monetárias envolvendo as excêntricas novas cédulas propostas pelo rei.

A escolha destas cédulas permite que somente possam ser efetuados pagamentos e transações

comerciais envolvendo números pares, pois a adição ou subtração de dois pares resulta par, assim

como qualquer combinação envolvendo os múltiplos destas cédulas.

Na situação-problema, ao questionar os valores destas cédulas através do primeiro-ministro,

fica possibilitado ao aluno refletir sobre a quantidade mínima de cédulas que podem ser utilizadas

por um país em operações bancárias de ‘dar’ e ‘receber’ troco.

Não cogitamos valores com ordem de grandeza elevada para a formulação da situação-

problema, pois em atividades cotidianas normalmente um indivíduo não transporta dinheiro em

quantias elevadas.

Esta situação torna possível aos prever a impossibilidade das cédulas propostas pelo rei,

comprovando que o primeiro-ministro está certo.

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Capítulo II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 37

A situação-problema Dinarlândia, parte 2, considerou o seguinte texto:

b) O rei, descontente com seu primeiro-ministro, mas não podendo demiti-lo por causa disso, resolve estabelecer um duelo a nível nacional para resolver a questão de quais deveriam ser as duas moedas nacionais, achando que este concurso o ajudaria a desacreditar o primeiro-ministro, comprovando o mérito de seu decreto.

O rei assim proclama:

“Hoje e somente hoje, abro inscrições para os súditos reais que desejam colaborar com o Tesouro Nacional. Será paga a quantia de cem mil dinares ao(s) súdito(s) que me mostrar(em) quais são as maneiras são as maneiras que podem ser estabelecidas as duas cédulas necessárias para dar ou receber qualquer quantia monetária em dinares. Ainda, dentre as várias maneiras, o(s) súdito(s) deverá(ão) argumentar qual seria a mais cabível dentre todas, de modo a promover o bem estar monetário da nação. A regra única é que as cédulas deverão ser números naturais menores que 7. A única exceção desta regra é a impossibilidade de emissão de cédula de 1 dinar”.

Cada súdito está convocado a procurar e achar a solução.

Neste desafio, cabe aos alunos a busca das duas cédulas que permite efetuar todos os

pagamentos, utilizando propriedades de paridade, múltiplos ou divisores como estratégia

preferencial para a tomada de decisão.

Assim, as variáveis didáticas são:

- os valores das cédulas possíveis, menores que 7 dinares, que visa restringir os cálculos para

facilitar as reflexões acerca das possíveis combinações;

- a escolha de uma situação hipotética, pois em geral um país não apresenta somente duas

cédulas para as transações comerciais;

- a proposta de um desafio, que estimule nos alunos a reflexão para o levantamento de

hipóteses, a tomada de decisão e o debate, utilizando propriedades dos números;

- a escolha de uma história, que propicie ao aluno uma situação fictícia e que o desvincule do

usualmente estabelecido, possibilitando um repensar desta realidade;

- o número de soluções previstas para as quatro rodadas: quatro soluções.

As possíveis estratégias de solução, indicadas por Ei, com i = 1, 2, são:

E1: A utilização de propriedades dos números inteiros.

E2: Por tentativa e erro, o aluno ensaia várias possibilidades, para a busca de possíveis soluções

utilizando cálculos mentais ou explícitos.

Inicialmente, os alunos devem decidir quais combinações de cédulas podem ser utilizadas:

- ambas pares: que não resulta em pagamento de quantias ímpares;

- uma par e a outra ímpar, ou ambas ímpares, que permitem pagar em dinheiro qualquer

quantia.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 38

As combinações possíveis de notas (em dinares) são: 2 e 3; 2 e 5; 3 e 5; 4 e 5. A parte 2 da

Dinarlândia propicia ao aluno oportunidade de reflexão de um contexto muito familiar – as cédulas

que são utilizadas em operações monetárias diárias – permitindo o desenvolvimento de operações de

pensamento como opinar, debater e questionar sobre as ‘escolhas’ de pessoas ou organismos que

regulamentam a emissão de cédulas numa nação.

Esta atividade utiliza o conceito de paridade3, o múltiplo ou o divisor como estratégia

preferencial para a tomada de decisão em relação à possibilidade de solução. Assim, este desafio

possibilita um breve momento de reflexão em relação a quantidade mínima de cédulas que podem

ser utilizadas por um país em operações bancárias de ‘dar’ e ‘receber’ troco, assim como favorece o

levantamento de conjecturas envolvendo a relação entre os valores das cédulas deste suposto

‘reinado’ e as possíveis operações monetárias do dia-a-dia.

A escolha de um desafio na forma narrativa, ambientado numa situação hipotética que esteja

desvinculada do usualmente estabelecido (um país não apresenta somente duas cédulas para as

transações comerciais), visa permitir que o aluno desenvolva autonomia, estimule a reflexão e o

debate para o levantamento de hipóteses, a tomada de decisão, possibilitando um repensar desta

realidade.

O uso da narrativa se constitui em importante elemento de composição de atividades, sendo

uma competência necessária na ação do professor, através da utilização dos conhecimentos

matemáticos envolvendo as propriedades dos números e os significados associados a temas, neste

caso articulando-se com aspectos básicos de composição do sistema monetário, que pode se

constituir em pequena contribuição para favorecer aspectos de formação da cidadania.

Outras situações podem ser abordadas no ciclo básico utilizando-se conceitos como paridade,

advindos da teoria dos Números.

Problema 10: Encontramos na Revista da Olimpíada de Matemática do Estado de Goiás um

problema das Olimpíadas de Matemática de Goiás, cujo enunciado traz um contexto econômico:

Camila possui R$ 500,00 depositados num banco. Duas operações bancárias são

permitidas, retirar 300 e depositar 198. Essas operações podem ser repetidas quantas

vezes Camila desejar, mas somente o dinheiro inicialmente depositado pode ser

usado. Qual o maior valor que Camila pode retirar do banco? (REVISTA DA

OLIMPÍADA DE MATEMÁTICA DO ESTADO DE GOIÁS, p. 13, 2003).

3 A escolha das cédulas na 1ª parte permite que sejam efetuados pagamentos e transações comerciais envolvendo

números pares, pois a adição ou subtração de dois pares resulta par. Na 2ª parte, as combinações possíveis de notas (em

dinares) são quatro: 2 e 3; 2 e 5; 3 e 5; 4 e 5.

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Capítulo II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 39

Na modelação, surge a equação diofantina linear 500,300y -198x onde ‘x’ é a quantidade

de depósitos e ‘y’ a quantidade de retiradas, cuja resolução inicial pode empregar a fatoração do

primeiro membro da equação. Assim, 198x - 300y= 6.(33x-50y), o que garante que o resultado

procurado dever ser múltiplo de 6. A partir de 500, que não é múltiplo de 6, encontra-se facilmente

498, que representa o maior valor que Camila pode retirar do banco.

Problema 11: Encontramos um outro ‘probleminha’ sobre idades, na Revista do Professor de

Matemática:

João pediu a Pedro que multiplicasse o dia de seu aniversário por 12 e o mês

do aniversário por 31 e somasse os resultados. Pedro obteve 368. Qual é o

produto do dia do aniversário de Pedro pelo mês de seu nascimento? (RPM,

2005, p. 54) (PEREIRA; WATANABE, 2005, p. 54).

A solução apresentada na RPM foi a seguinte:

“Suponhamos que Pedro nasceu no dia x, 311 x do mês y, .121 y

Pelo enunciado, .3683112 yx Observa-se que 4 é um divisor de 12 e de

368 e, como 31 e 4 são primos entre si, 4 tem que ser um divisor de y. Os

possíveis valores de y são 4, 8 e 12. Somente y = 8 resultará um valor inteiro

para x, no caso x = 10. O aniversário de Pedro é no dia 10 de agosto. O produto

pedido é 80” (PEREIRA; WATANABE, 2005, p. 54).

Problema 12: A seguir, retomamos um problema apresentado anteriormente, ‘Quantos CDs

ou DVDs?’, com a seguinte variação:

Uma aluna, Bianca, fã de música, reserva num certo mês uma certa quantia para a

compra de CDs ou DVDs. Se um CD custa R$ 12,00 e um DVD R$ 16,00, quais são

as várias possibilidades de aquisição de um deles ou de ambos, gastando-se

exatamente R$ 70,00? E qual a equação que representa este problema? (POMMER,

2008, p. 62).

Este problema não apresenta solução, sendo tal fato observado a partir da escrita algébrica

12x + 16 y = 70, que simplificada resulta: 6x + 8y = 35. O primeiro membro somente poderá resultar

num número par, diferindo em paridade4 com o segundo membro.

II.5- A Abordagem através da Análise Diofantina.

Nos problemas resolvidos por Diofante, no seu livro Arithmetica, pesquisadores perceberam

uma metodologia comum, que apesar de não ter sido explicitada por Diofanto, é atualmente

denominada Análise Diofantina.

4 Dois números inteiros têm mesma paridade, quando são ambos pares ou ambos ímpares.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 40

100519001995

100

200020100

100

10005,05

yxyx

zyx

zyx

zyx

zyx

Ao se deparar com a Equação Diofantina Linear ,,,, Zcbacomcbyax o método consiste

inicialmente em se isolar, à esquerda da equação, o termo com menor coeficiente. Supondo que

,ba então ficaríamos com: .. ya

b

a

cxbycax

Em um manuscrito árabe, copiado em cerca de 1200 d.C., mas supostamente com origem

anterior a esta data, propõe o seguinte problema 13: “One duck may be bought for 5 drachmas, one

chicken for 1 drachma, and 20 starlings for 1 drachma. You are given 100 drachmas and ordered to

buy 100 birds. How many will there be each kind?”5 (ORE, 1988, p. 121).

A abordagem para a procura de soluções recai na modelagem x+ y + z = 100 e 5x + y +z/20=

100 (1), onde x, y e z são os valores de patos, galinhas e estorninhos.

(1)

Na Análise Diofantina, inicialmente estabelecem-se as condições de contorno, que são: (a) os

valores inteiros das incógnitas (ou naturais, caso deste problema); (b) seja conhecido o domínio de

pelo menos uma das incógnitas.

O primeiro passo é isolar a incógnita de menor coeficiente: y = 100 – 5x

Como não há coeficientes fracionários, a partir da parametrização elementar y = t e x = 100 -5 t,

estuda-se o domínio. Como y ≥ 0, em y = 100 – 5x, então: 100 - 5x ≥ 0 e x ≤ 20, o que delimita os

valores de x: 0 ≤ x ≤ 20. Na tabela 1 encontram-se as 21 soluções.

Tabela 1: As vinte e uma soluções do problema 1

x 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

y 100 9 95 90 85 80 75 70 65 60 55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

Este problema é propício de abordagem no ciclo básico pela quantidade de soluções que

restringe o uso da estratégia da tentativa e erro, muito utilizada pelos alunos. Além disso, a proposta

deste problema a luz da Análise Diofantina fica viabilizada pela escolha das variáveis didáticas, que

restringe o grau de dificuldade, que consideramos adequada para um primeiro contato do aluno com

tais tipos de problema.

5 Problema 1: Um pato pode ser comprado por 5 dracmas, uma galinha por 1 dracma, e 20 estorninhos por 1 dracma.

Você possui 100 dracmas e deseja comprar 100 aves. Quantas aves de cada tipo você pode adquirir?. [Um dracma é

uma moeda ou peso da Grécia antiga, e equivalente a 1,772 g].

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Capítulo II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 41

Se as parcelas c/a e b/a não forem inteiras torna-se necessário a separação das frações não

inteiras em duas partes, sendo uma inteira e a outra não inteira. A parte não inteira seria obtida com o

denominador igual ao resto da divisão da fração estudada pelo denominador em questão. Tal

abordagem esta exemplifica no problema abaixo.

Problema 2: Um lavrador do século passado gastou mil escudos na compra de cem

animais de três espécies diferentes. Cada vaca custa cem escudos, cada porco trinta

escudos e cada ovelha cinco escudos. Supondo que o lavrador comprou pelo menos

um animal de cada espécie, quantos animais de cada espécie ele comprou? (RENIZA,

2006).

Denominando o número de vacas por ‘x’, o de porcos por ‘y’ e o de ovelhas por ‘z’, teremos

duas equações de 1° grau a três incógnitas:

100zyx

10005z30y100x

Dividindo a primeira por 5 obtém-se o sistema::

100zyx

200z6y20x.

Subtraímos a primeira equação da segunda, obtendo-se: 100.5y19x

Utilizando o algoritmo de frações contínuas, procurara-se primeiramente isolar o termo com o

menor coeficiente à esquerda, ficando com: 19x.-1005y → x.5

19-20y

Neste caso, o coeficiente 5

19

a

b, não sendo inteiro, deve ser separado, obtendo-se:

x,5

4 -3x -20 y onde ‘3’ é o quociente da divisão de ‘19’ por ‘5’ e ‘4’ é o resto.

Utilizando-se agora a condição que o número de porcos é inteiro, então o número de vacas

deve ser múltiplo de 5, isto é, 5nx , onde n é inteiro.

Poderíamos tomar o caso trivial em que o lavrador não comprou nenhuma vaca, onde n = 0, o

que implica x = 0. Daí resulta y = 20 e z = 80.

Tomando o outro caso, fazendo n = 1, resulta x = 5, y = 20-15-4 =1 e z = 94. Portanto, uma

solução seria 5 vacas, 1 porco e 94 ovelhas. Tomando n=2, resulta 0-18y e 10x , o que é

inaceitável. Portanto, existem duas soluções.

O método da Análise diofantina utiliza elementos da teoria dos Números, como o algoritmo da

divisão, o conceito de fração, o conceito de múltiplo de um número inteiro; da Álgebra: escrita da

forma algébrica das condições dadas no enunciado, resolução do sistema de equações; e de função

discreta de 1° grau: variáveis inteiras; cálculo de valor numérico de uma função.

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 42

A abordagem das Equações Dofantinas Lineares através do algorítmo.

Retomamos a forma algébrica conhecida da equação diofantina linear a duas incógnitas

ax + by = c, com a, b, c ε Z e soluções inteiras.

Uma discussão inicial se faz com relação as soluções triviais, que surgem no contexto

propiciado pela atribuição de valores .00 boua Se 0, b e 0 a então existe solução se b

divide c e, nesse caso a solução geral é dada por x qualquer e y=c/b. Analogamente, se 0, b e 0 a

então existe solução se a divide c e a solução será obtida por c/a x e y qualquer

(UNIVERSIDADE DE MINHO, 2003, p. 26)

Para os casos não-triviais existem vários tipos de possíveis abordagens, o que será

encaminhado a seguir, dentro de uma abordagem em situações-problema contextualizadas.

Inicialmente, propõe-se o seguinte teorema, que se refere ao máximo divisor comum entre dois

números, que fornece uma condição necessária e suficiente para a existência de solução inteira em

uma equação diofantina linear.

Teorema 1 (T1): “Sejam a, b e c inteiros [não ambos nulos], e d = m.d.c. (a,b). A equação

diofantina cbYaX [nas incógnitas inteiras x e y] tem soluções se e somente se c"/d (MILIES;

COELHO, 2003, p. 98).

Uma condição equivalente ao Teorema 1 é apresentada pelo Corolário abaixo:

Corolário 1 (C1): “Se m.d.c. (a,b) =1, isto é, se a e b são relativamente primos (ou primos entre

si), então a equação cbyax sempre tem soluções inteiras, qualquer que seja c” (ROCQUE;

PITOMBEIRA, 1991, p. 42).

A utilização do Corolário para a resolução de uma Equação Diofantina Linear (E.D.L) do tipo

cbYaX , com ,,, Zcba onde m.d.c. (a,b) = 1, “equivale a encontrar inteiros ‘r’ e ‘s’ tais que

1. bs ar (...) Um modo de se chegar a eles é obtido através do algoritmo de Euclides6, ou

algoritmo das divisões sucessivas, para o cálculo do m.d.c. (a,b)” (ROCQUE; PITOMBEIRA, 1991,

p. 42-43).

Ao se aplicar o Algoritmo de Euclides para se encontrar os valores de r e s equivale a resolver a

equação 1, bs ar ou seja, ao se determinar o par ordenado (r,s), podemos considerar esta como

sendo uma solução inteira particular da Equação Diofantina Linear c.bYaX Denominando-se r =

6 Neste texto não será estudado a resolução de Equações Diofantinas Lineares pelo Algoritmo de Euclides, que apesar

de ser tema curricular, não é usualmente abordado na escola básica.

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Capítulo II: Equações Diofantinas Lineares: Uma Análise Didático-Epistemológica 43

x0 e s= y0, então a solução particular (x0;y0) será utilizada para se determinar as soluções da referida

equação, de acordo com o teorema (T2):

Teorema 2 (T2): “Se (x0;y0) for uma solução da equação diofantina c,bYaX com

m.d.c.(a,b)=1, então (x1,y1) será uma solução da equação se, e somente se, existir um inteiro k tal que

b.k x x 01 e kayy .01 ” (ROCQUE; PITOMBEIRA, 1991, p. 42-43).

Existe uma resolução alternativa, também baseada no algoritmo de Euclides. Esta forma,

também utiliza a condição do termo c ser divisível pelo m.d.c. (a,b), porém prescinde de se utilizar o

Corolário 1. Então, este processo alternativo utiliza o teorema:

Teorema 3 (T3): “Sejam a, b e c inteiros tais que b)(a, m.d.c.d divide c. Escrevendo-se

sb, ra d com Z s r, , temos que d

csy

d

cr .;.x 00 é uma solução da equação

c.bYaX Toda outra solução é da forma: .,..;..x Ztcomtd

a

d

csyt

d

b

d

cr E

reciprocamente, para todo Zt os valores ‘x’ e ‘y’ dados pelas fórmulas acima são soluções da

equação” (MILIES; COELHO, 2003, p. 99).

Exemplificando, seja a seguinte situação: “Suponhamos que só existiam moedas de 15 escudos

e de 7 escudos e que eu queria pagar (em escudos) uma certa quantia. Será que é sempre possível? E

se só existirem moedas de 12 e 30 escudos”? (UNIVERSIDADE DE MINHO, 2003, p. 25).

O problema deixa em aberto a quantia total disponível que poderá ser paga. Isto requer a

interpretação, que qualquer que seja esta quantidade, ela será possível se pagar 1 escudo. Assim

sendo, o problema recai na Equação Diofantina Linear ,1715 yx sendo ‘x’ e ‘y’ as notas de 15 e

7 escudos a serem operadas.

Para a primeira pergunta, referente as moedas de 15 e 7 escudos, é sempre possível obter uma

solução com quantidades inteiras, pois na troca de moedas, o ato de pagar pode se associar a

operação de adição e o ato de receber a operação de subtração.

Uma primeira solução é dada por pagar uma moeda de 15 escudos e receber de volta duas

moedas de 7 escudos, pagando 1 escudo. A solução geral das infinitas soluções é dada por:

Ztcomttd

bxx ,71.0 e .,152.0 Ztcomtt

d

ayy

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 44

No caso da segunda pergunta, referente à utilização de moedas de 12 e 30 escudos, recaí-se na

Equação Diofantina Linear ,63012 yx sendo ‘x’ e ‘y’ as notas de 12 e 30 escudos a serem

operadas. Nesta nova situação, a possibilidade recai no fato da quantia de escudos a ser paga poderá

somente ser múltipla de 6, garantida pela condição de existência de solução dada pelo m.d.c. dos

coeficientes da Equação Diofantina Linear, ou seja, m.d.c. (12, 30) = 6.

Uma possível solução, encontrada por inspeção simples, é dada através do pagamento de 1

moeda de 30 escudos e o recebimento de duas moedas de 12 escudos, ou seja, x0 = -2 e y0 = 1.

Assim, a solução geral é dada por:

Ztcomtttd

bxx ,52.

6

302.0

e .,.216

121.0 Ztcomttt

d

ayy

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção deste livro foi fazer uma abordagem dos principais tipos possíveis de estratégias

de resolução de uma Equação Diofantina Linear.

O leque de possibilidades para abordar o tema das Equações Diofantinas Lineares enriquece o

repertório dos alunos do ciclo básico para a resolução pela mobilização de diferentes linguagens

(numérica, algébrica, gráfica e natural). Conforme sugere Duval (2003), é através da mudança de

registros de representação semióticos que diferentes conteúdos, envolvendo o mesmo tópico, podem

ser desenvolvidos e possibilita a aprendizagem.

Deve-se também lembrar que o objetivo da abordagem desses tipos de problemas é significar

o algoritmo, pela valorização dos conteúdos procedimentos, em articulação com o desenvolvimento

de conhecimentos.

Brousseau (1996) afirma que a resposta inicial baseada em conhecimentos anteriores não

permitirá ao aluno responder a questão. Ocorre, então, um desequilíbrio, que impulsionará o aluno a

buscar modificações na estratégia inicial, através de acomodações em seu sistema de conhecimentos,

onde as modificações provocadas pela situação serão o motor de sua aprendizagem.

Um papel do professor está em assumir uma epistemologia, pois, “[...] ao mesmo tempo que

ensina um saber, o professor recomenda como usá-lo” (BROUSSEAU, 1996, p. 59). Implicitamente

e inconscientemente, o aluno se apropria desta concepção muito rapidamente. A concepção

epistemológica do professor interfere na qualidade da aprendizagem dos conhecimentos dos alunos.

O professor, ao assumir o ensino priorizando o desenvolvimento de um repertório de estratégias,

estará proporcionando uma vivência que enriquece o repertório do aluno para um modo de conduzir

e gerir as situações no campo da competência profissional.

Vale a lembrança que os algoritmos podem ser esquecidos, porém um procedimento bem

articulado pode ser relembrado em outras ocasiões e possibilitar compreender e rememorar o

algoritmo. O contexto do ensino se situa no pressuposto que:

[...] é preciso tornar os alunos pessoas capazes de enfrentar situações e contextos

variáveis, que exijam deles a aprendizagem de novos conhecimentos e habilidades.

Por isso, os alunos que hoje aprenderem a aprender estarão, previsivelmente, em

melhores condições de adaptar-se às mudanças culturais, tecnológicas e

profissionais que nos aguardam na virada do milênio (POZO, 1998, p. 9).

A exploração em sala de aula referendada pela gênese e evolução dos conhecimentos

envolvendo as equações diofantinas lineares, associados à exploração numa rede de significados,

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Equações Diofantinas Lineares no Ensino Básico: Uma abordagem didático-epistemológica. 46

proporciona oportunidade ao aluno no desenvolvimento de competências essenciais defendidas pelo

ENEM, Brasil (2009).

Assim, ao permitir ao aluno enfrentar situações-problema num âmbito de contextualização, este

exercita a capacidade de compreensão, incentiva a autonomia para a mobilização de estratégias

variadas que permitem expressar e articular conhecimentos matemáticos presentes no próprio ciclo

básico. Assim, a elaboração de situações de ensino que permitam ao estudante reconstruir em parte

este caminho pela gênese das equações diofantinas lineares permite dar significado ao objeto

matemático, mostrando que com o passar do tempo vai ficando clara a verdadeira posição dos

conhecimentos e como se situam uns em relação aos outros.

Endossando a posição de Machado (2009), acredito que é possível abordar outros assuntos nas

aulas de Matemática, desde que devidamente mapeadas, respeitando-se o âmbito do projeto de ensino

do professor e da escola. Isto enriquece as relações possíveis dentro dos temas usuais do currículo de

Matemática e o desenvolvimento de competências.

Por último, abrimos algumas questões: Podemos hierarquizar a heurística? O critério de

classificação fica definido pela evolução de estratégias, mas quais seriam os critérios? Quais os tipos

de estratégias matemáticas mobilizadas pela articulação Aritmética&Álgebra?

Com base na proposta que realizamos, entendemos que a hierarquização é bem complexa, e

não deveria ser o foco. Acreditamos que é possível estabelecer alguns critérios de comparação e

determinação do âmbito de eficácia e pertinência, tanto para fins imediatos (resolver a situação),

quanto para a formação de competências.

O quadro abaixo indica sinteticamente estes critérios.

Quadro 01: Indicadores para estratégias

- capacidade de generalizar uma situação ou um contexto mais amplo;

- economia de tempo e espaço;

- mobilizar um maior número de conteúdos conceituais;

- mobilizar um maior número de registros de representação semiótica;

- permite extrapolar para situações limites ou condições de contorno;

- permitir o desenvolvimento de níveis de abstração mais avançados;

- ser funcional (eficaz).

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