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11 Nota do Autor Este trabalho é baseado numa conferência realizada no Instituto de Ensino Médico Pós-Gra- duado da Faculdade de Ciências Médicas da Uni- versidade Nova de Lisboa, em Outubro de 1996. A abordagem do tema sobre esta forma, pode parecer pretensiosa, mas existem razões que justificam ple- namente este “pretensiosismo”. Realmente, foram dadas ao autor, três horas para falar sobre Equilíbrio Hidroeletrolítico e Ácido-Base. Daí o justificar-se a palestra, abordando o tema duma forma completa- mente diferente, pelas seguintes razões: 1ª - a preparação do autor sobre equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base, não é suficiente para permitir-lhe falar durante três horas sobre tal tema. 2ª - Mesmo que a tivesse, não cometeria esse erro, pois não haveria assistência alguma em todo o mundo, capaz de suportar alguém, seja quem fôr, a falar durante três horas sobre Equilíbrio Hidroeletro- lítico e Ácido-Base. Assim, só uma solução parecia viável na tenta- tiva de acabar a conferência com alguém na sala: abordar o tema duma forma tal que levasse a assistencia a não debandar ou adormecer, nem que fôsse pela curiosidade de vêr “onde é que ele quer chegar?”. Talvez por isso e só por isso (ou por cons- ideração pelo palestrante, o que não deixa de ser simpático e reconfortante!) aguentaram todos até ao fim. Gostaria agora que todos fossem capazes de lêr este trabalho na totalidade, o que duvido muito! Acta Urológica Portuguesa 2001, 18; 4: 11-47 Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base Do Big Bang ao Homem ou Do Princípio ao Princípio do Fim Edmiro Gomes da Silva* *Chefe Serviço de Urologia dos HUC Agradecimento À Professora Doutora Maria Helena Caldeira, Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, pela leitura, revisão, correcções e sujestões feitas a alguns pontos deste trabalho, quer de Física, quer do ambito geral. Ao Professor Doutor José Nuno Urbano, da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, pela revisão dos conceitos de Física contidos neste trabalho. Ao Professor Doutor António Gomes da Costa, Bioquímico da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pela revisão deste trabalho e sugestões que propôs no campo da evolução dos seres vivos. Ao Dr. José Àvila Costa, Consultor de Medicina Interna do Serviço de Medicina II dos Hospitais da Universidade de Coimbra, pela leitura de todo este trabalho, pelas correcções sugeridas, quer sobre temas médicos e não médicos. www.apurologia.pt

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Nota do Autor

Este trabalho é baseado numa conferênciarealizada no Instituto de Ensino Médico Pós-Gra-duado da Faculdade de Ciências Médicas da Uni-versidade Nova de Lisboa, em Outubro de 1996. Aabordagem do tema sobre esta forma, pode parecerpretensiosa, mas existem razões que justificam ple-namente este “pretensiosismo”. Realmente, foramdadas ao autor, três horas para falar sobre EquilíbrioHidroeletrolítico e Ácido-Base. Daí o justificar-se apalestra, abordando o tema duma forma completa-mente diferente, pelas seguintes razões:

1ª - a preparação do autor sobre equilíbriohidroeletrolítico e ácido-base, não é suficiente parapermitir-lhe falar durante três horas sobre tal tema.

2ª - Mesmo que a tivesse, não cometeria esseerro, pois não haveria assistência alguma em todo omundo, capaz de suportar alguém, seja quem fôr, afalar durante três horas sobre Equilíbrio Hidroeletro-lítico e Ácido-Base.

Assim, só uma solução parecia viável na tenta-tiva de acabar a conferência com alguém na sala:abordar o tema duma forma tal que levasse aassistencia a não debandar ou adormecer, nem quefôsse pela curiosidade de vêr “onde é que ele querchegar?”. Talvez por isso e só por isso (ou por cons-ideração pelo palestrante, o que não deixa de sersimpático e reconfortante!) aguentaram todos até aofim.

Gostaria agora que todos fossem capazes de lêreste trabalho na totalidade, o que duvido muito!

Acta Urológica Portuguesa 2001, 18; 4: 11-47

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-baseDo Big Bang ao Homem ou Do Princípio ao Princípio do Fim

Edmiro Gomes da Silva*

*Chefe Serviço de Urologia dos HUC

Agradecimento

À Professora Doutora Maria Helena Caldeira, Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra,pela leitura, revisão, correcções e sujestões feitas a alguns pontos deste trabalho, quer de Física, quer doambito geral.

Ao Professor Doutor José Nuno Urbano, da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, pelarevisão dos conceitos de Física contidos neste trabalho.

Ao Professor Doutor António Gomes da Costa, Bioquímico da Faculdade de Ciências e Tecnologia daUniversidade de Coimbra, pela revisão deste trabalho e sugestões que propôs no campo da evolução dos seresvivos.

Ao Dr. José Àvila Costa, Consultor de Medicina Interna do Serviço de Medicina II dos Hospitais daUniversidade de Coimbra, pela leitura de todo este trabalho, pelas correcções sugeridas, quer sobre temasmédicos e não médicos.

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Resumo

Salvo raras excepções, a maioria dos livros detexto sobre equilíbrio hidrelectrolítico e ácido-baseentra excessivamente em abordagens de carácterfísico-químico, relegando para segundo plano atentativa de transmitir uma imagem global e simplesdos fenómenos dinâmicos que estão na base de todoo processo. Por outro lado, talvez por constituir umaspecto bastante secundário, poucos ou nenhunsdesses livros terão abordado o problema das origensdos principais intervenientes neste processo (a água,o sódio, o cloro, o potássio, o oxigénio, o carbono, oazoto e o hidrogénio) que estão na base de toda aevolução da vida. Também só excepcionalmente seencontra num ou noutro livro uma explicação sobreas razões pelas quais o equilíbrio hidroelectrolítico eácido-base enveredou pelo caminho que hoje seconhece e não por outro qualquer. O autor tenta aqui,de uma maneira muito superficial, mas baseada emalguns dos muitos dados científicos aceites como osmais consistentes, transmitir ao leitor, os principaispassos do processo evolutivo desde os primórdios douniverso até ao homem, terminando na descrição dasbases dos seus mecanismos de defesa fase às agressõesao seu meio interno.

Numa primeira parte, aborda a origem doselementos químicos, recuando no tempo até onde afísica moderna nos pode levar. Saindo desse ponto,faz uma descrição da evolução dos acontecimentos,dando a conhecer, rudimentarmente , as razões dodomínio da matéria sobre a antimatéria, como seformaram os primeiros núcleos e átomos de hidro-génio, as galáxias e as estrelas de primeira geração.Salienta o papel destas ao traçar os caminhos maisimportantes da evolução, como responsáveis pelanucleossíntese de todos os elementos químicos databela de Mendeleev, a partir dos quais foi possível aemergência de estrelas de segunda geração orbitadaspor planetas. Daí centra a atenção sobre a Terra esobre os possíveis factores responsáveis pela origemdas bases, que levaram aos primeiros seres unicelu-lares e sublinha a importância destes, nas alteraçõesecológicas que determinaram o desenvolvimento davida assente na aerobiose em detrimento da anaero-biose.

Após a diferenciação em reino animal e reinovegetal com o aparecimento dos eucariotes, salientaa importância dos gâmetas, da reprodução sexuada econsequentes recombinações genéticas, comoresponsáveis pelas mutações evolucionárias e pelogrande salto para a diversidade e complexidade.Partindo dos seres pluricelulares mais simples, quemantêm o seu equilíbrio interno por fenómenos dedifusão osmótica, tenta descrever sumariamente o

quadro possível da evolução dos mecanismos deosmorregulação até a adaptação à vida terrestre.Numa segunda parte, aborda a dinâmica do equilíbriohidroelectrolítico do homem, assente essencialmentena resposta dos sensores orgânicos às variações dovolume e osmolaridade dos espaços, como melhorforma de preservar a homeostasia do meio interno.Nessa perspectiva, enquadra toda a dinâmica doprocesso, na hormona antidiurética como resposta àsvariações da osmolaridade e no sistema renina-angitensina-aldosterona e ANP, como resposta àsvariações de volume. Após a criação de alguns qua-dros clínicos conceptuais que expliquem as respostasfisiológicas às variações do meio interno, apresentaalguns exemplos clássicos dos desequilíbrios hidro-electrolíticos mais frequentes no homem. Finalmentedescreve o equilíbrio ácido-base, com alguns exem-plos de desequilíbrios, e termina com uma reflexão,que não é mais do que o reforço daquilo que procuradeixar subjacente ao longo de todo o trabalho: que ohomem é uma “dependência sensível das condiçõesiniciais”, o expoente máximo de entropia mínima quese conhece, mas que nem por isso ele e o seu habitatse encontram num caminho com sentido único eirreversível.

Prefácio

Os mecanismos que intervêm na regulação doequilíbrio hidro-electrolítico e ácido-base constituemo pilar fundamental da homeostasia dos organismosvivos superiores. Sem eles, a vida e a evolução dasespécies vivas não seriam possíveis. Para haver vidaduradoura, é necessária a existência de um mecanismocapaz de promover adaptações às constantes variaçõesdo meio externo. Para haver evolução, é necessárioque ocorram modificações constantes nesses meca-nismos, de forma a que estes respondam às contínuasmudanças do meio externo. Tais modificações devemter a capacidade de se perpetuar nas futuras gerações.

A história da evolução dos seres vivos demonstraque esses dois requisitos sempre existiram. Como tal,não há razões fundamentadas para acreditar que elesnão existam no presente ou deixem de existir nofuturo. Nenhuma mente, por mais privilegiada queseja, poderá prever qual o resultado da evolução daquia um milhão de anos, se nenhum acontecimentocatastrófico vier interromper o processo que teveinício há 3500 milhões de anos. Mesmo que estanoção seja falsa, o que é pouco provável, é vantajosotê-la como verdadeira. Só assim poderemos tomar aatitude que menos interfira com essa evolução, a curtoou longo prazo. Para isso há que ter em mente que,como médicos, a nossa posição deve ter, sempre quepossível, uma dupla finalidade: primeiro, contrariar,

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com as armas de que dispõe, todos os processos queviolem os princípios básicos que regem as leis danatureza. Segundo, ter sempre em mente que o médicoperante o doente, não é o mecânico diante dumamáquina de sua invenção, avariada, que necessitaduma afinação ou da substituição duma peça. Omédico diante do doente é um técnico, frente a umamáquina inteligente como ele, que demorou 3.500milhões de anos a aperfeiçoar-se através de mecanis-mos de autorregulação. Algumas vezes até dispensaráa intervenção do técnico. O importante é o técnicoaperceber-se se a máquina dispensa ou não a suaintervenção. Esta é uma das noções fundamentais quemuitas vezes fica esquecida: não raramente, a máquinareequilibra-se por si propria, assim como, não rara-mente, a máquina não volta a reequilibrar-se porqueo técnico, ao intervir, destroi, sem saber, uma peçados mecanismos de autoregulação . Salvo raras excep-ções, a maioria dos livros de texto sobre equilíbriohidroelectrolítico e ácido-base entra excessivamenteem abordagens de carácter físico-químico, relegandopara segundo plano a tentativa de transmitir umaimagem global e simples dos fenómenos dinâmicosque estão na base de todo o processo. Por outro lado,talvez por constituir um aspecto bastante secundário,poucos ou nenhuns desses livros terão abordado oproblema das origens dos principais intervenientes(hidrogénio, oxigénio, carbono, azoto, sódio, cloro,potássio, água, oligoelementos, etc.) e da forma comoeles se interligaram de modo a constituírem a base detoda a evolução da vida. Também só excepcional-mente se encontra num ou noutro livro uma explicaçãosobre as razões pelas quais o equilíbrio hidroelec-trolítico e ácido-base enveredou pelo caminho quehoje se conhece e não por outro qualquer. O autortenta aqui transmitir ao leitor de uma maneira muitosuperficial, mas baseada em alguns dos muitos dadoscientíficos aceites como os mais consistentes, osprincipais passos do processo evolutivo desde osprimórdios do universo até ao homem, terminandona descrição das bases dos seus mecanismos de defesafase às agressões ao seu meio interno. Nalguns pontoso rigor científico será sacrificado a favor da simpli-cidade descritiva sem que com isso seja prejudicadaa finalidade prática.

Introdução

“É difícil espreitar as cartas de Deus, mas não acre-dito por um só instante que Ele jogue aos dados....”.Esta terá sido a verdadeira expressão usada porEinstein1, como forma de mostrar a sua relutância emaceitar o carácter estatístico e indeterminista da

mecânica quântica. Ele terá seguramente razão, umavez mais, mas dado o êxito da teoria quântica vamosaceitar o jogo de dados – orientado pela mão de Deus,que terá usado um pequeno truque, criando as leisfisico-químicas, para que tudo não fosse apenas umaquestão de estatística. Encaremos a evolução douniverso e a emergência da vida como consequênciade um jogo de fenómenos aleatórios, de onde resul-taram ilhéus de ordem dentro da desordem. Os dadosatirados um milhão de vezes, criarão também ilhéusde ordem dentro da desordem, da mesma maneira queum macaco, batendo aleatoriamente as teclas dumamáquina de escrever durante um milhão de anos,poderá escrever um soneto de Camões. Mas outromacaco, batendo as teclas durante apenas um ano,poderá desfazer o soneto de Camões, se escrever porcima do que estava escrito, intercalando letras entreas letras, desfazendo num ano o que demorou ummilhão de anos a fazer. Salvo as devidas proporções,esta é a perspectiva sob a qual poderemos tentar vera evolução do nosso universo até à nossa realidadeactual. E essa perspectiva só justificará a abordagemdo tema que nos propomos, começando pelo princípiodo Universo, se formos capazes de lhe dar um sentidoprático. O homem dos nossos dias, e o médico nãofoge à regra, muitas vezes não revela o mínimorespeito pelas leis que regem a natureza, que numaevolução de 15000 milhões de anos, levaram à criaçãoda inteligência, na convicção de que esta suplantarátodos e quaisquer obstáculos que no futuro venhamcontrariar o processo evolutivo.

A “caologia”, ciência moderna que estuda o caos,costuma utilizar uma imagem simbólica quandopretende dar uma noção do modo como se regem osfenómenos aleatórios: o efeito de borboleta - umaborboleta que bata as asas na India, poderá provocarum tufão nas Caraíbas. Esta imagem parece nomínimo ridícula. Se o bater de asas de uma borboletapode provocar um tufão, então o que provocaria apassagem de um Boeing 747 ou uma explosão ter-monuclear? É precisamente este raciocínio preci-pitado, tomando por ridículo o que é sério, que temlevado o homem a desrespeitar as leis mais funda-mentais da natureza. O efeito de borboleta é chamadocientificamente de “dependência sensível das con-dições iniciais”. Não se observa em uma hora, umdia ou um ano. Não depende de um factor, nem demil factores, mas antes de um número imprevisívelde factores indetectáveis, que se influenciam uns aosoutros e que, de um momento para o outro, podemtornar-se notórios por um efeito de amplificação. Éuma realidade comprovada cientificamente e quepode ser tudo, menos ridícula.

1 Abraham Pais; Subtil é o senhor – Vida e Pensamento de Albert Einstein

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Ao pretender mostrar a semelhança entre aevolução do universo e um jogo de dados, como senós, seres humanos, fôssemos o produto final decombinações aleatórias, em que cada jogada signifi-cativa marcou pontos e a soma final dos pontos levouà criação de ilhéus de ordem dentro da desordem,tentando contrariar o irreversível crescimento daentropia, queremos dar-lhe uma finalidade prática:perante um doente com um desequilíbrio hidroelectro-lítico e ácido-base (ou outro qualquer), antes de qual-quer actuação, lembremo-nos do efeito de borboleta,do macaco que escreveu o soneto de Camões e domacaco que desfez o soneto de Camões.

O Big- Bang: O começo do jogo

É altura de iniciar o “jogo de dados” e comecemos,então, do nada. Aqui deve entender-se que “nada” équando nenhum acontecimento acontece. Pois terásido do “nada” que o universo terá surgido, há cercade 15000 milhões de anos – com uma incerteza demais ou menos 5000 milhões – (é aterradora a sim-plicidade com que os astrofísicos encaram estaincerteza de mais ou menos 5000 milhões de anos!)– porventura a partir de um ponto do vácuo infinita-mente pequeno, com uma densidade infinitamentegrande em que o tempo tem o valor de zero e a que osfísicos chamam de singularidade. Esse ponto, porrazões ainda obscuras-uma flutuação quântica? – teráentrado repentinamente em expansão, numa explo-são com uma energia incalculável. A essa explosãochamou-se o Big Bang e não deve ser vista à luz doconceito clássico de “explosão com onda de choquepor compressão de partículas”. O Big Bang terá sidouma expansão repentina de toda a energia contidanesse ponto, mas de uma forma homogénea, em quetodas as partículas se terão afastado igualmente umasdas outras. A física moderna nada sabe desse

momento, dado que as leis físicas não se aplicam aotempo zero. A mecânica quântica permite apenasformular teorias consistentes a partir dos primeiros10-43 segundos da contagem do tempo. Isto, porque10-43 corresponde ao Tempo de Planck, que é amínima fracção de tempo fisicamente possível, e querepresenta o tempo que um raio de luz leva a percorrero comprimento de Planck, que é de 2 x 10-33 cm.

Foi a partir deste momento que o “Deus que jogaaos dados” começou a jogar.

A partir dessa fracção de tempo do universo emexpansão, procura-se explicar os acontecimentosatravés de várias teorias físicas matematicamente con-sistentes, mas experimentalmente incomprovadas.Elas são o resultado de múltiplos trabalhos dos físicosteóricos à procura da Teoria da Grande Unificação(GUT).

Vamos, portanto, seguir a de mais fácil com-preensão sob o ponto de vista conceptual, tentandorecriar imagens do mundo real – apesar de tal serdesaconselhado pelos físicos, nos seus livros dedivulgação científica.

Nesse tempo de vida do universo, entre os 10-43

e os 10-35 segundos, a temperatura era tão elevadaque existia uma só força, essencialmente dominadapela gravidade, na qual a energia cinética das par-tículas provocada pelas altas temperaturas, nãopermitia a manifestação das forças que hoje conhe-cemos (fig. 1).

Uma das teorias admite que nessa altura sóexistiam partículas e antipartículas chamadas BosõesX a formar-se e a anular-se instantaneamente. Apesardos físicos actuais começarem a duvidar da suaexistencia, depois de vários anos de pesquisa noslaboratórios de altas energias, vamos continuar aacreditar que elas existem, pois a teoria assim o prevê.Dos Bosões X resultavam outras partículas e anti-partículas chamadas Quarks e anti-Quarks, que tam-bém se anulavam instantaneamente. Portanto, se nãofosse um pequeno erro neste processo, talvez propo-sitado pela mão do “Deus que joga aos dados”, ouniverso continuaria a expandir-se, nada resultandodaí. Seria um universo de radiação, sem nenhumacontecimento interessante. Mas tal não aconteceu,pois no universo predomina a matéria sobre a anti-matéria e como tal, algo se passou provocando umdesequilíbrio a favor da matéria. Esse foi o resultadodo pequeno erro: em cada mil milhões de Quarks eanti-Quarks que se formavam, houve um Quark quesobreviveu por não ter anti-Quark a anulá-lo. Algoidêntico ter-se-á passado com o par electrão-positrão,que também se formava nessa fase de expansão. Oconjunto destes sobreviventes (fotões, Quarks, elec-trões) permitiu a existência de tudo o que hoje conhe-cemos no universo.

Fig. 1 – A expansão e o arrefecimento originaram a decomposiçãoda força única nas três forças actuais: gravidade, nuclear forte efraca e electromagnética.

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Com a expansão e a diminuição da temperatura,os Quarks começaram a unir-se em grupos de três,através do gluão, partícula mediadora da força nuclearforte, que foi a primeira força da natureza a mani-festar-se e que permitiu a formação dos primeirosverdadeiros constituintes da matéria, os neutrões, queao serem bombardeados por outras partículas, setransformaram em protões com libertação de electrõese neutrinos. A energia cinética dos protões, duranteum curto intervalo de tempo, enquanto as altastemperaturas o permitiram, foi suficiente para permitira sua fusão, constituindo núcleos de hélio e lítio,através da força nuclear forte. Foi o primeiro processode nucleossíntese, que rapidamente se suspendeu,devido à expansão e consequente arrefecimento,explicando assim a pequena quantidade destes átomosresultantes do Big Bang. À medida que o universocontinuou a expandir-se e a temperatura a baixar, aenergia cinética das restantes partículas diminuiatambém. Os electrões e os protões, atraídos pelascargas opostas que possuiam, não eram capazes dese ligarem devido ao choque das outras partículasaltamente energéticas. Chegou, contudo, uma al-tura em que a energia cinética dessas partículas jánão era suficiente para desalojar os electrões daatracção dos protões e os dois começaram a ficarligados. Por razões práticas, aceitemos que oselectrões ficaram em órbita à volta dos protões,embora essa órbita nada tenha a ver com o conceitoclássico de órbita planetária. Surgiu a segundaforça da natureza, a força electromagnética media-da pelo fotão, e constituíram-se assim em abun-dância, os primeiros átomos da natureza – os dehidrogénio e hélio. Tinham decorrido três minutos,durante os quais a superforça se decompôs sucessiva-mente na força da gravidade, na força nuclear forte efraca, e na força electromagnética. Esta quebra desimetria foi consequência do arrefecimento do uni-verso. (fig. 2)

Porém, a expansão continuou e por razões con-troversas, deixou de ser homogénea, formando-senuvens de hidrogénio e hélio mais densas e nuvensmais rarefeitas. Os átomos de hidrogénio e algumhélio, começaram a atrair-se e a aumentar de densi-dade como consequência da acção da gravidade. Àmedida que aumentava a massa, aumentava tambéma gravidade, e mais átomos eram atraídos. Formaram-se deste modo milhares de milhões de grandes nuvensde gás, as protogaláxias (fig. 3), no interior das quaisnão existia homogeneidade.

Os átomos de hidrogénio aí existentes, foram-secomprimindo em aglomerados cada vez mais densos,em número de centenas de milhares de milhões deaglomerados em cada galáxia. Quando o núcleodesses aglomerados atingiu os doze milhões de graus

centígrados, devido à compressão, a energia cinéticados átomos de hidrogénio era tão grande, e o choqueentre eles tão violento, que a força de repulsão electro-magnética dos electrões em órbita á volta do núcleo,foi vencida, e os núcleos dos átomos de hidrogéniofundiram-se uns nos outros, devido à actuação forçanuclear forte. Isto, porque, uma vez vencida a forçade repulsão electromagnética, a proximidade dosnúcleos é tão curta, que ficam sobre a influência daforça nuclear forte, fundindo-se em grupos de quatro,formando Hélio. Acontece, contudo, que a massa deum àtomo de Hélio é menor do que a soma das quatromassas de cada átomo de hidrogénio (fig. 4).

Portanto, há uma pequena fracção de massa quese perdeu. Pela equação de Einstein (ou de Poincaré?)da relatividade restrita, há uma equivalência entremassa e energia. É precisamente o que acontece aessa pequena fracção de massa: é transformada emenergia, com libertação de calor, Raios X, raios gama,neutrinos, etc. O núcleo dessa grande massa de átomosde hidrogénio, ao fundir-se em átomos de hélio, entrouem ignição, numa explosão violenta. Esta força

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base

Fig. 2 – F. N. F. – força nuclear forte e fraca; F. E. M. – forçaelectromagnética; G. – força da gravidade. q – quark. A formaçãode maior número de quarks do que antiquarks levou aopredomínio da matéria sobre a antimatéria.

Fig. 3 – Toda a matéria contida no universo cria a força dagravidade que contraria a expansão.

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explosiva, contrariada pela força implosiva da gravi-dade, originou um equilíbrio entre as duas, durantemilhares de milhões de anos. Nasceram assim as pri-meiras estrelas, e nasceu também o que se pode cha-mar o primeiro mecanismo de retroacção, capaz de

mantê-las em actividade durante um período de tempoinversamente proporcional às suas massas. Com oconhecimento deste fenómeno nasceu também, namente doentia do homem, a ideia da Bomba H.

Quando todo o hidrogénio foi consumido até àperiferia, ficando práticamente só hélio, rompeu-senovamente o equilíbrio entre a força implosiva dagravidade e a explosiva do núcleo. A estrela, depoisde um período de expansão, voltou a colapsar-se, comaumento da temperatura do núcleo. Mas agora, sem abarreira dos doze milhões de graus centígrados, acontracção continuou até serem atingidos os cemmilhões de graus centígrados. A essa temperatura epor um mecanismo complexo, os átomos de hélio, àsemelhança do que aconteceu com o hidrogénio,começaram a fundir-se em átomos de carbono, comnova ignição do núcleo e nova libertação de energia,contrariando a implosão (fig. 5).

O ciclo voltou a repetir-se até ao consumo totaldo hélio. A partir daqui, a continuação do processodepende da massa das estrelas. As de pequena massacomo o sol, não ultrapassam a nucleossíntese docarbono e contraem-se transformando-se em “anãsbrancas”, até arrefecerem. As que têm uma massasuperior a cerca de 1,2 vezes a massa do sol, pro-longam os processos de fusão com libertação deenergia, com a nucleossíntese de elementos maispesados da tabela de Mendeleev. A transformação docarbono em oxigénio dá-se à temperatura de 700milhões de graus, e a nucleosíntese do azoto a umatemperatura ainda mais elevada.

Mas há limites para a fusão dos elementos comlibertação de energia. Quando é atingida a temperaturade 5000 milhões de graus, dá-se a nucleosíntese doferro. Mas esta, só se faz, não com libertação, massim com absorção de energia, provocando umaviolenta catástrofe, à qual se deve a vida no universo.Não há explosão do centro para a periferia. Pelocontrário, dá-se a implosão das camadas periféricasda estrela, que se abatem quase instantaneamentesobre o núcleo. A diferença de temperatura entre onúcleo e as camadas exteriores é tão grande que aestrela explode com uma energia equivalente à de milmilhões de sóis (fig. 6).

Todas as camadas exteriores são expulsas parao espaço. Nasce assim uma “supernova”. Apare-cerá repentinamente no céu uma estrela de um bri-lho fora do comum, mas de uma existência efémera.É no momento desta explosão, com uma energiaextraordinária, que se dá a nucleossíntese de todosos átomos da natureza, com peso atómico acima dodo ferro (fig. 7).

É também esta explosão que os projecta para oespaço. O núcleo da estrela, devido à grande forçagravitacional, transformou-se numa amálgama de

Fig. 5 – A fusão do hélio origina carbono, com nova ignição daestrela e libertação de energia.

Fig. 6 – A nucleossíntese do ferro faz-se com absorção de energia,originando o afundamento das camadas periféricas da estrelasobre o núcleo, seguida de explosão.

Edmiro Gomes da Silva

Fig. 4 – A implosão gravitacional provoca a fusão de 4 átomosde hidrogénio, formando hélio, com libertação de energia.

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neutrões, envolvida por uma crosta de ferro deestrutura cristalina, constituindo uma estrela deneutrões ou “pulsar”.

Para as estrelas de maior massa (>3,5 massassolares), a força da gravidade é tão grande quenenhuma outra força a pode contrariar, nem a própriaforça nuclear forte. O afundamento gravitacional vaiaté ao infinito, a densidade torna-se infinita e o tempopára. Forma-se uma “singularidade”. Nada escapa daesfera gravitacional desse ponto do espaço, nem aluz2. É um”buraco negro”.

E foram biliões destes fenómenos de umaviolência incalculável que tornaram possível tudo oque hoje conhecemos. Todos os átomos constituintesdo nosso corpo, estiveram no interior de uma fornalha,com milhares de milhões de graus centígrados e foramexpelidos para o espaço. Sem essas explosões dassupernovas, não haveria elementos químicos, nemvida no universo e, portanto, não haveria equilíbriohidroelectrolítico e ácido-base. Não existiria nada,pois não havendo observadores, a realidade nãoexistiria (embora difícil de aceitar, esta é a concepçãodecorrente da mecânica quântica e que Einstein nuncaaceitou).

Estas “poeiras”, agora com elementos pesados,dispersaram-se pelo universo, misturando-se com osátomos de hidrogénio já existentes por todo o lado,que entretanto novamente se foram adensando emmassas cada vez maiores, repetindo-se novo ciclo,com formação de novas estrelas, mas estas agora desegunda geração, contendo elementos pesados,essenciais á formação der vida. E o universo ficourepleto de centenas de milhares de milhões degaláxias, cada uma com centenas de milhares demilhões de estrelas.

Na periferia de uma dessas galáxias em forma deespiral, formou-se uma pequena estrela, que atraiupara a sua órbita densos anéis de elementos pesados(do hidrogénio ao urânio). Esses elementos foram-seagregando por atracção gravitacional e por colisõessucessivas, formando massas cada vez maiores, quepor sua vez se fundiram em corpos ainda maiores,formando protoplanetas, até restarem apenas novevolumosos corpos celestes em órbita à volta dapequena estrela. Esta terá sido a origem da Via Lactea,do sol e dos planetas, embora nada disto esteja irre-futavelmente comprovado.

Até à formação da terra como planeta indivi-dualizado, toda esta teoria de evolução a partir do10-43 segundo depois do Big Bang, é uma das muitasprováveis (mas não sem controvérsia!), baseando-seem dados físicos consistentes, embora com varia-

ções que não influenciam em muito o contextodesta evolução. Por isso nos manteremos nestalinha, para não complicar a descrição. Já o mesmonão se passa em relação ao aparecimento dasprimeiras formas de vida e a toda a evolução atéaos vertebrados superiores. Existem muitas lacunaspara completar este puzle. São mais as peças quefaltam do que as que existem. É talvez um dos ra-mos da ciência onde existem mais teorias, todasigualmente válidas, por não se possuirem os dadossuficientes para se comprovar que são falsas. E umaboa teoria que explique os fenómenos, só deixa deser verdadeira quando se provar que é falsa. Por essemotivo, adoptaremos aqui uma teoria da evolução davida que é uma das muitas possíveis. Se não é averdadeira, é pelo menos uma das possíveis, com avantagem de ser dotada duma grande beleza estru-tural.

Admite-se que a terra, há cerca de 4600 milhõesde anos, era extraordinariamente quente, quase todaem fusão, devido provavelmente à grande quanti-dade de elementos radioactivos retidos, e a impac-tos de meteoros e cometas. Essa temperatura terá sidoresponsável pela formação de moléculas impor-tantes para a vida. Os átomos isolados têm os seuselectrões em órbitas fixas, à custa de níveis ener-géticos variáveis, conforme a distância ao núcleo. Seos electrões periféricos de dois átomos partilharemuma mesma órbita há economia de energia, e cria-seuma união mais estável (este talvez seja o verdadeiroprimeiro fenómeno de simbiose!). Na terra em fusão,existiriam átomos de oxigénio e hidrogénio que,graças às temperaturas elevadas, terão partilhado assuas órbitas electrónicas periféricas, para formarmoléculas de água. Mas esta terá surgido também do

Fig. 7 – A energia libertada na explosão de uma supernova ésuficiente para originar a nucleossíntese de todos os elementosda natureza.

2 Na actualidade, com os trabalhos de Stephen Hawking, admite-se que os “buracos negros” emitam radiação, não porque consigamescapar à atracção gravitacional, mas sim por outro mecanismo.

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espaço, como consequência do impacto de cometas,cujo núcleo é muito rico em gêlo. O mesmo fenómenode união atómica, ter-se-á dado entre o carbono e ohidrogénio, entre o azoto e o hidrogénio, e entre ocarbono e o oxigénio. Com a passagem dos anos, essesprodutos retidos nas rochas evaporaram-se, envol-veram a Terra atraídos pela gravidade e constituirama atmosfera primitiva. Nela predominava o amoníaco,o metano, o vapor de água, e o anidrido carbónico(fig. 8a).

Por essa altura, a Terra seria sede de imensas tem-pestades magnéticas, originando descargas eléctricascolossais que atravessariam a atmosfera. A energiadestas, mais a energia fornecida pela radiação solar,e pelo embate de meteoros e comêtas, terão permitidoa síntese de substâncias orgânicas cada vez maiscomplexas. Não se sabe exactamente até onde chegouessa complexidade, mas experiências actuais rea-lizadas em laboratório, tentando reproduzir o mais

rigorosamente possível as condições dessa época,permitiram sintetizar aminoácidos, ácidos nucleicose até proteínas e bases (fig. 8b).

Para efeitos práticos, pouco interessa se as basesda vida tiveram origem na atmosfera primitiva, se na“sopa primitiva”, ou se vieram do espaço em meteorose cometas.3 As falhas das teorias não residem aí.Como tal, retomemos a evolução dos acontecimentos.

À medida que a terra foi arrefecendo e a atmosferasaturando, deu-se a condensação da mistura gasosaque, precipitando-se sobre a superfície rochosa, foipreenchendo todas as depressões existentes, consti-tuindo os mares primitivos (fig. 9).

O predomínio das rochas alcalinas levou à disso-lução de numerosos sais, entre os quais predominouo cloreto de sódio. E a terra ficou coberta de oceanos,ricos em moléculas orgânicas e sais, a que se chamoua “sopa primitiva” ou “caldo primordial”. Aqui, comona atmosfera primitiva, o choque entre moléculasorgânicas, provávelmente ajudado pela energiafornecida pela luz solar, pela queda de meteoros ecometas, por numerosas erupções vulcânicas eelementos catalizadores minerais, terá levado, nodecurso de milhões de anos, à formação de moléculascada vez mais complexas (fig. 10a).

Os ácidos nucleicos que até então já se teriamformado por união das bases timina, guanina,adenosina e citosina, foram-se unindo, constituindocadeias de polímeros cada vez mais longas (fig. 10b).

A partir daqui surge o grande mistério, pois faltaum elemento chave para explicar as primeirasreplicações dos ácidos nucleicos. Na célula actual,essa replicação é catalizada por fermentos. Mas osfermentos são proteínas e as proteínas só se formamno ribosoma através da informação que é fornecida

Fig. 8 a) – A evaporação das moléculas retidas na Terra em fusãooriginou a atmosfera primitiva, que recebeu energia de váriasfontes.

Fig. 8 b) – A energia fornecida por várias fontes levou à síntesede moléculas orgânicas complexas.

Fig. 9 – A saturação da atmosfera primitiva fez com que esta seprecipitasse sobre a terra, formando os mares primitivos.

3 A descoberta de numerosas moléculas organicas complexas em detritos de meteóros, e a comprovação de que os cometas são constituídosem grande parte por matéria organica, levou muitos cientistas a defender esta hipótese(C.Sagan;F.Crick; F.Hoyle,L.Orgel...)

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pelos ácidos nucleicos, em função da sequência detrês das quatro bases que compôem os ácidos nuclei-cos. Surge então a grande incógnita de se saber seapareceu primeiro o ovo ou a galinha (fig. 11).

E é aqui que surge a maior diversidade de teorias,nenhuma delas contendo os dados fundamentaisirrefutáveis que permita ascender ao estatuto de“verdade científica”. Mas como nos interessa apenascontinuar a descrição da evolução, não podemos cairnum impasse intransponível, até porque em nada iráafectar a meta que queremos atingir. Contornaremoso problema enveredando pelo caminho mais simplese evocando a “Navalha de Occam” que grosseira-mente quer dizer que, entre duas teorias igualmenteválidas, deve escolher-se a mais simples. Talvez maissimples, será a que aceita que os processos dereplicação que se conhecem na célula actual, nadaterão a ver com os processos de replicação dosprimitivos ácidos nucleicos. Assim, dentro de váriashipóteses igualmente prováveis, admitamos que asprimeiras replicações foram catalizadas por iões oumoléculas orgânicas existentes no caldo primordial.Torna-se evidente que, no momento em que umamolécula aprendeu a autoreplicar-se, deixou de estarcondicionada apenas a fenómenos de carácteraleatório e, como tal, é mais do que provável quecomeçou a predominar na sopa primitiva, precisa-mente porque entre todas, passou a ser a moléculamais estável, capaz de perpetuar-se. Mas a simplesautorreplicação não é sinónimo de vida, ou pelomenos não é vida capaz de evoluir para a complexi-dade. Um cristal mineral é capaz de autorreplicar-se,mas nunca evoluirá. A evolução implica a necessidadede síntese proteica diversificada e a possibilidade decriação de várias formas, umas mais estáveis queoutras. E isso só é possível através da informaçãocontida no D.N.A. e da possibilidade desta informa-ção ser alterada com frequência através de mutaçõesevolucionárias. Entendamos por mutações evolucio-nárias, as que originam seres, cujas alterações per-mitem uma melhor adaptação às variações do meioque os rodeia, e como tal, não se extinguem. Se assimnão fosse, a sopa primitiva ter-se-ia transformado numcaldo de ácidos nucleicos e nada mais aconteceria,pois as informações contidas nas sequências de trêsnucleotídeos de nada serviam, pois não tinhamqualquer sentido. Portanto, algo de importante sepassou, quebrando essa monotonia. Recentemente foidescoberto nas células eucariotes, um R.N.A. decadeia curta, autorreplicador, que poderá ser um restofóssil do elemento chave que permitiu a evolução.Assim, talvez esse R.N.A. autorreplicador, seja o ovoe a galinha simultaneamente. Inicialmente, essascadeias curtas de RNA ter-se-ão alongado, por uniãode várias cadeias, pois essa era uma das suas

Fig. 10 a) – O choque entre moléculas e a energia recebida devárias fontes originaram moléculas complexas na “sopaprimitiva”.

Fig. 10 b) – A evolução da complexidade das moléculas orgânicas.

Fig. 11 – Um ácido ribonucleico autorreplicador poderá teroriginado o DNA e todos os outros R. N. A.

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potencialidades. Mas as cadeias enroladas são maisestáveis que as cadeias lineares. Talvez o enrolamentodo R.N.A. sobre si mesmo, e a união entre si pelasbases cujas ligações são permitidas, tenham levado áformação dum R.N.A. de cadeia dupla (fig. 12). Coma capacidade de autorreplicar-se, de fundir cadeias ede promover a replicação doutras, o R.N.A. teráproliferado entre os aminoácidos, adquirindo a

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em que o DNA e os vários RNA foram ligando osaminoácidos para formar proteínas, estas terão ficadonuma proximidade estreita com os seus construto-res4 (fig. 14).

Estes agrupamentos a determinada altura terãosido dispersos em zonas de grande concentração delípidos, sendo envolvidos por uma vesícula lipídica,em bicamada, como é a membrana celular actual (fig.15). Esta tendência dos lípidos se disporem embicamada, tem sido reproduzida em laboratório,reforçando esta teoria.

Esta vesícula isolou o material genético, o quelhe deu mais estabilidade e possibilidades de sobre-vivência. Com a replicação do material genético eprodução de novas proteínas, esta vesícula ter-se-ádistendido, acabando por dividir-se em duas, cadaqual com a informação genética dos progenitores.Terá surgido desta maneira a divisão celular (fig. 16).

Fig. 13 – O R. N. A. terá conseguido unir os aminoácidos segundodeterminada sequência, originando proteínas.

Fig. 12 – A evolução do R. N. A. autorreplicador de cadeia curtaaté à dupla hélice.

Fig. 14 – As proteínas formadas terão ficado em estreita ligaçãocom os R. N. A. que as originaram.

4 Ou como escudo protector do material genético, ou como primeira manifestação do “gene egoísta” – construir proteínas para seupróprio benefício e não para partilhá-las com outros ácidos nucleicos.

Fig. 15 – Uma vesícula lipídica envolvendo o R. N. A. e proteínas,terá originado o primeiro ser unicelular.

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capacidade de unir estes, segundo as sequênciasditadas pelas três bases, por um mecanismo que sedesconhece. Talvez tenha sido esta cadeia deacontecimentos que tenha levado à capacidade de sesintetizarem proteínas (fig. 13), ou talvez a verdadeiracadeia de acontecimentos nada tenha a ver com isto.

Fosse como fosse, o importante é que, uma vezformadas as proteínas, já é mais fácil admitir umaevolução mais consentânea com os nossos conhe-cimentos actuais. Entre essas proteínas, com o decursodo tempo, terão surgido algumas capazes de catalizara replicação dos R.N.A. de uma forma mais rápida, epassaram elas a tomar o comando das operações. Dasmúltiplas replicações do R.N.A. terá surgido o D.N.A.(por substituição do uracilo pela timina), o R.N.A.mensageiro, o R.N.A. de transferência e os R.N.A.do ribosoma, com sequências específicas que seperpetuaram por seleção natural. A partir do momento

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A evolução nestes seres estava dependente apenasde mutações pontuais esporádicas, que levariam àformação de novas proteínas, algumas úteis para aevolução, mas seguramente a maior parte semutilidade. E a evolução foi lenta e pouca diferenciaçãose deu no decurso de milhares de milhões de anos. Aatestar este facto estão as bactérias actuais, procariotesque pouco devem diferir dos que se formaram nosmares primitivos. Mas os erros de transcrição genéticaque levavam à formação de novas proteínas,continuaram e um deles terá levado à formação deuma proteína que veio alterar todos os sistemasecológicos que prevaleciam na época e a orientarduma vez por todas a evolução num sentidoirreversível.

Por um processo complexo, e aproveitando aenergia solar para promover a mobilização deelectrões, essa proteína (talvez a própria clorofila ouum seu precursor) decompunha a água com libertaçãode oxigénio e aproveitava o hidrogénio para combinar

com o anidrido carbónico, para formar as substânciasnecessárias ao seu metabolismo (fig. 17).

O oxigénio libertado, foi difundindo nos mares ena atmosfera. Devido à acção da gravidade, acumu-lou-se à superfície da Terra, formando uma camadaque foi sempre aumentando de espessura.

A radiação solar, atravessando essa atmosfera deoxigénio (O2), fornecia a energia necessária paraformar ozono (O3), que se foi acumulando entre os15 Km e 40 Km de altitude.5

Como o ozono passou a filtrar os raios ultravioletamais energéticos, os seres unicelulares dos maresprimitivos que iam buscar energia a essa radiação,viram-se privados dela. Por outro lado, o oxigénio,que como atrás dissemos, estava a ser libertado, eratóxico para esses seres. Estes dois fenómenos levaramà sua quase extinção, enquanto que os produtores deproteína libertadora de oxigénio (clorofila?) começa-ram a invadir os mares. Foi a invasão das algas verdes--azuis (cianófitas) (fig. 18).

Porém, entre os que não produziam essa proteína(clorofila?), alguns terão ficado em zonas em que aconcentração de oxigénio era menor, e acabaram poradaptar-se a ele. A estes, talvez tenha acontecidotambém um erro de transcrição genética, que foi asua salvação. Algumas das proteínas formadas “apren-deram” a utilizar o oxigénio para fabricar os produtosnecessários ao seu metabolismo, através da energiafornecida pela transformação do adenosinotrifosfatoem adenosinodifosfato.

E esse seres unicelulares, começaram também aproliferar nos mares, juntamente com os produtoresde oxigénio. No decurso de milhões de anos, devidoà estreita convivência entre uns e outros, terão havido

Fig. 16 – A replicação e formação de novas proteínas distenderama célula originando a divisão celular.

Fig. 17 – Uma mutação terá originado a clorofila que, à custa daenergia solar, é capaz de aproveitar o hidrogénio da água e libertaro oxigénio.

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Fig. 18 – O oxigénio libertado pela clorofila difundiu-se para aatmosfera.Na periferia, formou-se uma camada de ozono, pela acção daradiação solar, que passou a funcionar como filtro.

5 Esta espessura de 25 km de camada de ozono faz-nos dar um suspiro de alívio: Afinal ainda há muito ozono para destruir! Nada deilusões – à pressão atmosférica normal (760 mm/Hg) ela fica reduzida a escassos três milímetros!

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fusões (por união simples ou por fagocitose), donderesultou uma união benéfica para os dois. E osfenómenos de simbiose celular, talvez tenham co-meçado aí. Resultaram então dois tipos de seres: unscom o material genético que já possuíam, mais omaterial genético que codifica as proteínas capazesde utilizar o oxigénio para o seu metabolismo; outros,também com o material genético que já possuíam,mais o material genético que codifica as proteínascapazes de libertar o oxigénio, servindo-se da radia-ção solar. Terão nascido assim os primeiros eucariotese a distinção entre o reino animal e o reino vegetal:seres unicelulares com núcleo e mitocôndrias e seresunicelulares com núcleo, mitocôndrias e cloroplasto(fig. 19).

Quer a célula vegetal quer a célula animal utilizamo oxigénio nos seus processos metabólicos, atravésda respiração celular. As plantas fazem-no só durantea noite, quando são privadas da energia solar.

Nos animais, este mecanismo, em que a transfor-mação do ATP em ADP constitui a principal fonte deeconomia energética, é complexo e a sua abordagemsai do âmbito deste trabalho.

Todavia, os eucariotes, se bem com uma maiorcomplexidade, não possuíam ainda os requisitosnecessários para o grande salto evolucionário. E esteterá surgido há cerca de mil milhões de anos (peloque se deduz do estudo fóssil). E passamos a umaespeculação mais atrevida, mas não destituída delógica. Talvez por intermédio de proteínas especiais,algumas destas espécies que proliferavam nos mares,terão “aprendido” a agregar o seu material genéticoem cromossomas, que duplicavam antes da divisãocelular, de modo que a descendência recebia o mesmonúmero de cromossomas que os progenitores. E umavez mais, algo poder-se-á ter passado fora dos padrõesreinantes, não se sabendo ao certo em que momentoda evolução se terá dado esse aconteci-mento. Algumas células – talvez por erro – durante asua divisão, transmitiram às filhas só metade dos seuscromossomas e elas sobreviveram. Umas eram iguais(halogamia), outras diferentes (mesogamia). Entreestas, umas eram mais volumosas e imóveis (òvulo),outras mais pequenas, dotadas dum flagelos, tinhamuma grande mobilidade (espermatozoide). Talvez porum tropismo próprio, terão começado a fundir-se entresi, misturando o seu material genético. Terão surgidoassim as células haploides e diploides e os serescapazes de se multiplicar por reprodução sexuada (fig.20).

É provável também que as células diploidestenham surgido da fusão de duas células haploides, eque até tenham existido células triploides e tetra-ploides, como melhor forma de garantir a preservaçãodo património genético, com maiores capacidadesevolutivas. Esta descrição da reprodução sexuada,como muitas outras, não tem qualquer comprovaçãocientífica e serve apenas para manter o encadeamentodo processo evolutivo dentro dum raciocínio simplese acessível. Contudo, saliente-se que existem na actua-lidade muitos protistas com estas características.

Assim, é mais fácil compreender que a evoluçãodeixou de depender apenas das mutações genéticaspontuais e passou a depender essencialmente dasgrandes variações resultantes das recombinaçõesgenéticas durante a meiose, e da mistura de materialgenético de progenitores diferentes. As células querecebiam um património genético mais adequado parase adaptar às variações do meio externo, sobreviviam.As outras extinguiam-se com as gerações. E à medidaque os mares primitivos foram sendo invadidos porestes seres unicelulares mais aptos e susceptíveis demelhorar a adaptação ao meio, a sua convivência terásido forçosamente mais estreita, provavelmenteformando colónias isoladas por afinidades estrutu-rais, que acabaram por se unir. Inicialmente terãoformado cadeias lineares que, uma vez mais, se terãoenrolado e unido pelas extremidades, à procurando

Fig. 19 – A fusão de seres unicelulares mais simples terá originadoseres unicelulares mais complexos com o núcleo e organelos.

Fig. 20 – A formação de gâmetas, permitindo recombinaçõesgenéticas, originou a diversidade e a complexidade nasdescendências.

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maior estabilidade, formando cadeias circulares queacabaram por formar microesférulas de agregadoscelulares. (fig. 21).

Actualmente, existem seres do Genero Volvox,que apresentam estas características. Ter-se-ãoformado assim os primeiros eucariotes pluricelulares,talvez por simbiose.

Não será arrojado aceitar esta evolução, uma vezque o “parasitismo” simbiótico é uma constante emtodas as espécies animais existentes hoje na Terra.Ninguém pode negar, por exemplo, que o corpohumano não è viável sem as bactérias intestinais, etodas as outras que colaboram no complexo meta-bólico responsável pelos processos vitais.

Voltemos contudo ao caminho que nos levará àmeta desejada. Os primeiros seres pluricelulares, pelassuas diminutas dimensões, como os unicelulares, nãotinham quaisquer problemas no seu equilíbriohidroelectrolítico. Faziam-no por difusão, utilizandopara isso os gradientes de pressão osmótica entre oseu conteúdo e o meio envolvente. Conteriam, talvez,proteínas de membrana para facilitar as trocas. Comotal, é óbvio que a sua osmolaridade fosse próxima àdos mares primitivos. À medida que o número decélulas de cada ser pluricelular começou a aumentar,atingiu-se um limite, a partir do qual as trocasmetabólicas já não eram mais possíveis por simplesdifusão (fig. 22).

Mas as mutações evolucionárias terão continuadoe entre esses seres esféricos, alguns terão surgido comuma invaginação à sua superfície, diminuindo adistância entre o seu interior e o meio envolvente,facilitando os fenómenos de difusão osmótica epermitindo o aumento das suas dimensões (fig. 23).

Quando as dimensões-limite foram uma vez maisatingidos, as trocas metabólicas por difusão tornar--se-íam demasiado lentas para permitir a eliminaçãorápida dos catabólitos. E novas mutações terãooriginado seres dotados de células com apêndices àsua superfície, apêndices esses com estruturas

Fig. 21 – A procura da estabilidade como pilar da evolução paraa complexidade.

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Fig. 22 – O aumento do número de células dos seres pluricelulareslimitou as trocas por difusão.

Fig. 23 – A invaginação no corpo pulricelular facilitou as trocaspor difusão.

Fig. 24 – O aparecimento de cílios e flagelos facilitou a circulaçãoda água e nutrientes no interior das invaginações.

contrácteis, capazes de provocar vibrações ondula-tórias, condição ideal para permitir a circulação daágua e nutrientes do meio envolvente no interior dasinvaginações do corpo pluricelular (fig. 24).

(Admite-se hoje que os cílios poderão ter sido oresultado de um processo de simbiose, dado que jáfoi encontrado D.N.A. no seu interior). E este subter-fúgio, acidental ou intencional, já permitiu o desen-volvimento de seres de maiores dimensões. E umavez mais atingidos os limites, começaram a surgir

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outras invaginações e invaginações dentro das inva-ginações.(como nas “esponjas do mar”) (fig. 25).

Em algumas delas surgiram por sua vez estruturascontrácteis nas paredes das invaginações que, pormovimentos ondulatórios sincronizados, eram capa-zes de fazer circular a água em extensões apreciáveis.Depois, terão surgido seres pluricelulares com célulascapazes de transmitir impulsos elétricos, coordenandouma estrutura cavitária contráctil, capaz de impulsio-nar os líquidos até grandes distâncias, até aos espaçosintercelulares delimitados pelas invaginações maislongas. Ter-se-á criado assim um sistema nervoso eum sistema cardiocirculatório rudimentar. Outras in-vaginações ter-se-ão diferenciado nos outros apare-lhos. O sistema nervoso, no decurso da evolução, teráficado em ligação com um grupo celular que reagia àluz, que com o aperfeiçoamento e a selecção natural,acabou por criar uma lente, capaz de reproduzir umaimagem do mundo exterior, que levada às célulasnervosas, permitiu que estas lhe dessem um sentido.E com o sentido da visão, surgiu uma das melhoresdefesas às agressões do meio exterior , que por estaaltura, já estaria repleto de predadores!

E no decurso de milhões de anos, por mutaçõesevolucionárias, por selecção natural e possivelmentepor processos de simbiose, os seres pluricelularesforam-se diferenciando e evoluindo, atingindo-se umsincronismo funcional quase perfeito, com oaparecimento de estruturas orgânicas autónomastrabalhando para o mesmo fim.

Como atrás referimos, esta terá sido uma dasevoluções possíveis, talvez até bastante especulativanalguns pontos. Especulativa ou não, tem a vantagemde nos dar uma visão do que poderá ter sido aevolução. E sempre è melhor ter uma visão, mesmoque imperfeita, do que não ter visão nenhuma. Aciência sempre evoluiu desta maneira.

A cronologia dos acontecimentos dá-nos umanoção mais correcta sobre a importância do apareci-

mento dos eucariotes e da reprodução sexuada. ATerra formou-se há cerca de 4.500 milhões de anos.Até à formação dos eucariotes terão decorrido cercade 3.500 milhões de anos. Após a reprodução sexuadaaté ao aparecimento dos primeiros hominídeos, terãodecorrido cerca de mil milhões de anos. Este factoparece atestar a importância da reprodução sexuadaque permitiu as permutas genéticas, capazes deoriginar saltos evolucionários.

Uma mutação que originasse um ser menosadaptado ao meio, extinguia-se. As mutaçõesevolucionárias, que criavam seres metabolicamentemais aptos para resistir às variações do meio,perpetuavam-se. Deste modo, os mares foram sendoinvadidos por uma grande variedade de seres vivos,com as mais diversas formas de manter o equilíbriohidroelectrolítico, mas sempre dentro de um padrãocomum: a água com sódio, potássio, cloro ebicarbonato entre os electrolitos; o amoníaco, a ureiae o ácido úrico, entre os produtos resultantes dometabolismo proteico. Mas uma coisa é a evoluçãopara a complexidade orgânica, por adaptações suces-sivas a variações dentro do mesmo meio ambiente, eoutra coisa é transitar de um meio ambiente para outrototalmente diferente. E esta evolução também teveque cumprir os mesmos princípios de adaptação poretapas, em que os mecanismos de retroacção terãodesempenhado um papel primordial.

Esta evolução torna compreensível a razão pelaqual a maioria dos seres vivos actuais mantêm umaosmolaridade que oscila entre os 250 e 350 mosm/l,em que o sódio e o cloro representam 80 a 90% daosmolaridade total. O nosso plasma não será mais doque uma “extensão” dos mares primitivos, que seisolou e modificou no decurso de milhões de anos.

Passemos então à transição para a vida terrestre,que se enquadra uma vez mais dentro de um mecanis-mo possível.

Desenvolveram-se três tipos de animais: os amo-niotélicos, os ureotélicos e os uricotélicos, conformeutilizassem o amoníaco, a ureia ou o ácido úrico emconjunto com os electrolitos, como pilares da manu-tenção da sua osmolaridade em relação ao meioenvolvente. E isso através de uma adaptação genéticaaos mares por três processos:

— sem osmorregulação, sendo os líquidosorgânicos isosmóticos com a água do mar –as trocas fazem-se por simples difusão, comdispêndio mínimo de energia;

— com ligeira hiperosmorregulação, sendo oslíquidos orgânicos ligeiramente hiperosmó-ticos em relação ao meio envolvente, o que éconseguido à custa de retenção de ureia. Issopermite evitar uma perda de água por osmose,ao mesmo tempo que mantém o Na plasmático

Fig. 25 – As invaginações diferenciaram-se nos vários aparelhos,no decurso de milhões de anos, em consequência de mutaçõesevolucionárias.

Edmiro Gomes da Silva

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em níveis mais baixos do que água do mar, oque representa uma economia de energia;

— com hipo-osmorregulação, sendo os líquidosorgânicos hipo-osmolares (cerca de 1/3) emrelação à água do mar. Isto exige um sistemaaltamente desenvolvido, com grande dispêndiode energia, mas só assim é possível concentra-ções de sódio e cloro tão baixas como asencontradas nos animais de água doce esalobra, e em muitas espécies marinhas.

É provável que só através do desenvolvimentodestes três tipos genéticos foi possível a evolução atéaos vertebrados terrestres, passando por muitas eváriadas formas na sua transição do mar até à terra.Em linhas gerais, poderemos dizer que a isosmola-ridade plasmática em relação ao meio, está represen-tada pelos invertebrados marinhos e pelos vertebradosmais primitivos (Hag-fish). Neles não existe osmor-regulação e as trocas iónicas são mínimas, pois oselectrólitos existem numa concentração idêntica à daágua do mar (fig. 26).

A hiperosmorregulação existirá em vertebradosjá mais evoluídos, perfeitamente adaptados ao meiomarinho, como a raia e o tubarão, em que aisosmolaridade plasmática em relação ao mar émantida à custa de acumulação de ureia, o que permiteníveis plasmáticos baixos de sódio e cloro (fig. 27).

A hipo-osmorregulação existe em animaismarinhos, como algumas enguias, em que a osmola-ridade ronda os 380 mosm/l, comparado com os 600a 1000 mosm/l da água dos mares. Nestes, o sódio eo cloro são os componentes osmoticamente maisactivos do plasma, para o que existem “bombas”metabólicas de alto consumo energético (fig. 28).

Estes três tipos genéticos não existem rigidamentedentro de cada classe de animais, como à primeiravista seria de presumir. Pelo contrário, verifica-se aexistência, dentro de cada classe, de animais quepodem usar as diversas formas de osmorregulação esó assim se compreende a diversidade e a teoriaevolucionária das espécies.

Qual o quadro provável que presidiu a esta tran-sição? Tomemos, por exemplo, um peixe, já com ór-gãos complexos, que mantivesse a sua osmolaridadeinterna à custa da ureia. Quando se aproximava doestuário de um rio, com osmolaridade mais baixa,acabaria por morrer, destruindo as suas células porabsorção de OH2 (não esquecer que na maioria dosanimais marinhos as trocas iónicas fazem-se sobre-tudo através dos tegumentos, à custa dos gradientesosmóticos entre o meio interno e o meio externo).Suponhamos agora que entre esses peixes algunsforam um produto de uma mutação, e que alguns geneslevavam a informação necessária para formar célulassensíveis às variações da osmolaridade e capazes de

sintetizar proteínas (enzimas) reguladoras da sínteseda ureia. Quando ele atingisse as zonas de menor sali-nidade, os seus “sensores” celulares seriam sujeitosa uma baixa osmolaridade, que iria levar a umadiminuição de produção dos enzimas responsáveispela formação da ureia. Com isso diminuiria a con-centração da ureia plasmática, baixando a osmolari-

Fig. 26 – Os animais marinhos mais primitivos mantêm trocasessencialmente por difusão.

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base

Fig. 27 – A evolução dos ciclos de metabolização proteicapermitiu a hiperosmorregulação à custa da ureia.

Fig. 28 – A conjugação de várias bombas metabólicas, adaptadasàs variações da osmolaridade externa, permitia a sobrevivênciaem diversos meios (mar, águas salobras, rios, pântanos) abrindoo caminho para a vida terrestre.

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dade do seu meio interno, permitindo-lhe sobrevivere perpetuar o seu património genético. Este exemplosimples pode ser transposto para todos os outrosmecanismos de adaptação: os ciclos do amónio e doácido úrico, a hormona antidiurética, a aldosterona,os mecanismos de contracorrente renais, os potenciaisde membrana, as glândulas de sal. Os mecanismos deretroacção positiva e negativa, provavelmente terãosurgido e perpetuado por este processo. Nesse sentido,é bom lembrar que quer a aldosterona quer a H.D.A.já existiam em muitos animais marinhos, que prece-deram os animais terrestres. E a sua acção exerce-senão só sobre os rins, mas também sobre as guelras,os tegumentos, a cloaca, e as glândulas de sal (a aldos-terona). Embora não seja possível um encadeamentolinear desta evolução dos animais marinhos para osanimais terrestres, ela pode deduzir-se pelo estudode várias espécies aquáticas, anfíbias e terrestres, emque se encontram vários graus de complexidade dosmecanismos metabólicos, por vezes dentro de umamesma espécie, capazes de se adaptar indiferente-mente ao mar ou à água doce, a meios secos duranteas épocas estivais e a meios aquáticos nas outrasépocas. Esse estudo, apesar de abranger um númeroreduzido de espécies, relativamente às existentes naTerra, sugere-nos que muitos animais que transitamde ambientes de maior osmolaridade, para ambientesde menor osmolaridade, ou que passam a maior partedo tempo fora de água, apresentam grandes variaçõesna taxa de ureia e amónia no seu plasma, que parecemestar em relação com um aumento ou diminuição dosenzimas responsáveis pela metabolização dos pro-dutos azotados, aumentando ou diminuindo conformeas condições do meio externo. Como é óbvio, estesmecanismos interpenetram-se com a retenção oueliminação da ureia, sódio e água pelos tubulos renais,pelas guelras, pelo intestino, pela cloaca ou pelostegumentos. Muitos anfíbios estudados, já dotados

de bolsas aéreas, alteram as quantidades de ureia ouamónia produzidas, conforme os períodos em quevivem fora de água ou dentro de água. Fora de água,produzem mais ureia para aumentar a osmolaridadee reter água. Dentro de água, produzem mais amónia,pois não necessitam de uma osmolaridade tão elevadae estão praticamente dependentes dos mecanismos dedifusão osmótica, que se faz essencialmente pelostegumentos. Parece pois evidente que a adaptaçãoterrestre e a escassez de água está relacionada comos ciclos dos produtos azotados. Muitos répteis, queincubem em meio aquático, durante o desenvolvi-mento embrionário sintetizam essa evolução: passamdo ciclo da amónia para o ciclo da ureia e finalmentepara o do ácido úrico, quando saiem para o meioexterior, com pouca água. Os reptéis terrestres, paraprevenir a desidratação, muniram-se de um tegumentoimpermeável, e excretam os produtos azotados sob aforma de ácido úrico, em cristais, pela cloaca, econo-mizando água. E a adaptação à terra foi perfeita,mesmo em condições de extrema secura (fig. 29).

É provável que todo este encadeamento demecanismos de evolução, tenha uma carga nãodesprezível de deduções especulativas, mas não serápor isso que vamos deixar de reconhecer que, alémde racional, assenta nos mecanismos de retroacção,que hoje já ninguém contesta, por estarem cientifica-mente comprovados como os principais pilares daestabilidade e da evolução dos seres vivos.

Se parece indiscutível que durante a fase de tran-sição da água para a terra, os produtos azotadosdesempenharam um papel importante na regulaçãoda osmolaridade do meio interno, também é indis-cutível que o sódio, como bomba mobilizadora deágua, é sempre o elemento indispensável. Por isso, aevolução para a complexidade metabólica foi acom-panhada pela evolução dos mecanismos de regulaçãodo sódio. E das trocas por simples difusão, ao longode milhões de anos, as mutações evolucionáriaslevaram à criação de guelras, de glândulas de sal, derins pouco elaborados. Finalmente, surgiram os rinsaltamente aperfeiçoados, com mecanismos de con-tracorrente, capazes de atingir osmolaridades urinárias>1000 mosm/l. E são esses rins, que estão presentesnos mamíferos, que parecem ser a síntese eficienteque a natureza fez de toda a experiência adquiridadurante milhões de anos, com a evolução das espécies.Pelos mecanismos de contracorrente, retém na medularenal o sódio e a ureia, conforme desejam reter oueliminar água. À semelhança do que faz o tubarãocom o corpo todo.

E a evolução continuou com os reptéis a domi-narem a Terra durante milhões de anos e originandoramificações, uma das quais levou aos mamíferos.Mas, uma vez mais, uma catástrofe veio alterar o curso

Fig. 29 – Os sensores orgânicos respondendo às variações deosmolaridade por escassez de água, os tegumentos impermeáveise o desnvolvimento dos pulmões consolidaram a adaptaçãoterrestre com os répteis.

Edmiro Gomes da Silva

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da evolução. E se os repteis pareciam estar predesti-nados a dominar a terra, por serem os mais fortes,uma vez mais uma catástrofe veio alterar a evoluçãodos acontecimentos. A queda de um meteoro volu-moso, que criou uma nuvem de detritos à volta daTerra, bloqueando a energia solar, e reduzindo a flora,base da alimentação dos reptéis de grande porte, éuma das hipóteses que pode explicar o seu desapare-cimento – a reforçar esta hipotese, foi detectedorecentemente por satellite, uma cratera na penínsulade Yucatán, no México, cuja data parece coincidircom a do desaparecimento dos dinossáurios.

A explosão de uma supernova relativamente pertodo sistema solar, matando pelas radiações os animaisde maior porte, incapazes de se protegerem, será outrapresumível explicação. De uma forma ou de outra,extintos os reptéis de grande porte, passaram a do-minar os animais de pequeno porte. Destes, os maisadaptados sobrepuseram-se aos outros. Mas a partirdaqui a melhor adaptação deixou de depender apenasde factores metabólicos. A morfologia passou adesempenhar um papel primordial. Surgiu a oposiçãodos dedos e com ela os antropóides, capazes de treparàs árvores para fugir aos inimigos. Também servindo-se da oposição dos dedos, aprendeu a manipular pauspara se defender dos inimigos. A evolução continuoue este antropóide, por acaso ou por necessidade,adquiriu um património genético altamente seleccio-nado, produto de uma parte do jogo de dados, com aduração de 3500 milhões de anos. Desses genes, umgrupo codifica as informações necessárias para, emnove meses, montar um complexo sistema responsá-vel pela manutenção do equilíbrio hidroelectrolítico.Outro grupo de genes codifica as informações neces-sárias para o desenvolvimento de um intricado circuito

criador de ideias, localizado no neocortex, persistindocontudo o paleoencéfalo réptil. E esse antropóidetornou-se o mais apto e passou a dominar a Terra,não mais se preocupando com as agressões do meioexterno. Com a sua capacidade criadora, moldou omeio externo às suas necessidades, e as suas neces-sidades ao meio externo, aprendeu a fazer profilaxiados desequilíbrios hidroelectrolíticos e aprendeu afazer a sua terapêutica. Mas a sua capacidade criadoranão o ensinou ainda a defender-se das suas própriasagressões! Dispensou o pau e criou o botão e ogatilho: rápidos e eficientes. E o “jogo de dados”ainda não terminou.

Equilíbrio hidro-electrolítico no homem

Os mecanismos através dos quais a natureza seserviu para resistir às agressões do meio ambiente,atingiram quase a perfeição no ser humano, como atrásfoi referido. Não porque seja, em termos de equilíbriohidroelectrolítico e ácido-base, o mais perfeito, masantes porque, desenvolvendo-se no ser humano ainteligência a um grau bastante elevado, esta permitiu-lhe defender-se das agressões, criando mecanismosartificiais de defesa. Nenhum homem inteligente irápara o deserto sem uma boa reserva de água. Tambémnão o fará se quiser atravessar o Atlântico, apesar desaber que irá passar dias rodeado de água. No deserto,a sua inteligência ensinou-lhe que não encontrará águaà disposição e irá morrer por desidratação. NoAtlântico, a sua inteligência ensinou-lhe que, apesarde rodeado de água, não a pode beber, pois morrerátambém. Aqui, os mais informados saberão que, aobeber água do mar, a quantidade de água que o rimexigirá para eliminar o excesso de sódio, será superiorà quantidade de água ingerida. No mar Bálticopoderiam sobreviver, dada a sua baixa salinidade(quase isosmolar com o plasma) mas não a bebempor ser água salgada e julgarem que morreriamdesidratados. A inteligência, uma pequena diferençade osmolaridade e a falta duma informação, marcaramneste caso, a diferença entre a vida e a morte,concluindo-se que nem sempre a inteligência joga aseu favor, se a informação for incompleta.

Passemos a analisar os princípios básicos doequilíbrio hidroelectrolítico no homem. Já vimos,através do estudo da evolução filogenética, que osprodutos nitrogenados, o sódio e o cloro, são os prin-cipais responsáveis pela osmolaridade plasmática. Nosmamíferos superiores a ureia, o amoníaco e o ácidoúrico representam apenas cerca de 10 mosm/l, parauma osmolaridade global de 300 mosm/l6 (fig. 30).

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base

Fig. 30 – Os produtos do metabolismo proteico desempenhamum papel secundário na manutenção da osmolaridade plasmática.

6 Com isto não queremos dizer que a sua importância na regulação da osmolaridade plasmática seja desprezível. Pelo contrário, comojá foi referido, os mecanismos de contracorrente da zona medular, que permitem uma osmolaridade que pode atingir 1000 mosm/l,utilizam a retenção de ureia e sódio.

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vascular e intercelular estão em equilíbrio, mas nãosó através dos gradientes de pressão osmótica. Apressão hidrostática sobre as paredes capilares e apressão oncótica das proteínas plasmáticas exercema sua influência na manutenção do equilíbrio entre osdois espaços. Em condições normais, essa influênciapode ser desprezada, uma vez que as duas pressõesexercem-se em sentidos opostos, e praticamenteanulam-se. O mesmo não acontece quando existemalterações profundas da permeabilidade vascular oudo conteúdo proteico do plasma.

Portanto, em linhas gerais, para um homem de 70Kg, considera-se que os três espaços estão ocupadospor 49 litros de água, dos quais 14 litros ocupam oespaço extracelular, onde existe 140 mEq/l de sódio,90 mEq/l de cloro, 27 mEq/l de CO3H-, e 4 mEq/l deK. Desprezam-se aqui os oligoelementos e outrosprodutos osmoticamente activos, mas que, pelas suasbaixas concentrações, não interessam sob o ponto devista prático à abordagem deste tema. Na era doscomputadores e da maquinaria “inteligente”, em queessa aparente inteligência nada mais representa doque a exploração de mecanismos de retroacção danatureza, vamos imaginar o homem como uma dessasmáquinas. Talvez toda a dinâmica se torne maisevidente.

Existem 49 litros de água com todos os seuscomponentes hidroelectrolíticos e proteicos, fechadosnum reservatório sensível, representado pelos trêsespaços, que não permite grandes variações na suacapacidade. Encaremos assim o limite de 10 litros devolume para mais ou para menos, como valoresperigosos. Sabemos que a osmolaridade de todo esselíquido é de 300 mosm/l e tomemos oscilações de 40mosm/l para mais ou para menos também comovalores perigosos. Desses 49 litros de água, 14 estãodistribuídos num sistema complexo de canais, que éo espaço extracelular, envolvido totalmente pelosoutros 35 litros, que é o espaço intracelular. A separá-

Fig. 31 – A deslocação do sódio entre dois meios mobiliza águae iões de modo a manter a isosmolaridade e neutralidade eléctrica.

Fig. 32 – O valor da natrémia sem o exame clínico é nulo. Só sefará luz após a avaliação do doente.

Como o cloro é o ião ligado por excelência ao só-dio, de modo a manter o meio isoeléctrico, poderemosdizer que, em termos práticos, será o sódio o elementomais importante, pelo que nos servirá de padrão naavaliação do equilíbrio hidroelectrolítico (fig. 31).

Há, contudo, uma noção que deve ficar desde jábem clara, para evitar qualquer erro de interpretação:as concentrações de sódio que nos são dadas parafazer essa avaliação, apenas se referem à concentraçãodesse ião por unidade de volume. Nada nos dizemsobre a quantidade global de sódio no organismo.Através desses valores nunca poderemos saber se oorganismo tem uma sobrecarga ou uma deplecçãoglobal de sódio. Existem métodos que permitem essaavaliação, mas não os abordaremos. Assim, 145mosm/l de sódio apenas nos diz que a sua concen-tração plasmática está dentro de um valor normal.Todavia, o doente pode estar a morrer com umadeplecção ou sobrecarga global de sódio, por hemo-concentração ou hemodiluição, respectivamente. Porisso, só a avaliação clínica do doente poderá fazerluz sobre o problema (fig. 32 ).

E este problema existe, porque nos mamíferossuperiores, o sódio é a principal bomba impulsiona-dora da água. É assim que eles conseguem manter aisosmolaridade do meio interno. Deste modo, torna--se evidente que, para equilibrar um doente com dese-quilíbrio hidroelectrolítico, é necessário conhecermosas bases de funcionamento do sistema encarregadoda manutenção dessa osmolaridade que oscilasensivelmente entre 290 e 300 mOsm/l.

O organismo humano, constituído por cerca de70% de água, tem-na distribuída essencialmente portrês compartimentos: o intracelular, o intercelular e ointravascular. Em termos práticos, dada a grandepermeabilidade das paredes capilares que separam ocompartimento intravascular do intercelular, há quemmencione apenas os espaços intracelular e extrace-lular. Porém, há que recordar que os espaços intra-

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los há apenas a membrana celular. Estes dois espaçosestão em equilíbrio osmótico e eléctrico. O principalião responsavel pela osmolaridade intracelular é opotássio, numa concentração de cerca de 140 mEq/l.O principal ião extracelular é o sódio numa concen-tração de cerca de 145 mEq/l. Dos 14 litros de liquidoextracelular, três estão em constante e rápidacirculação e em permanente contacto com os outros11 litros e apenas separado deles pela parede vascular(fig. 33).

Desses 3 litros, cerca de 700 c.c. preenchem vasos,muito sensíveis às variações de pressão (sistemaarterial) e constituem o volume circulatório efectivo.Como princípio fundamental para a boa compreensãodos mecanismos de regulação do equilibrio hidroele-trolítico, há que reter que qualquer variação no volumee osmolaridade dum dos compartimentos reflecte-seimediatamente nos outros compartimentos. Outranoção fundamental que convém reter também, é que,sendo o sódio a principal bomba impulsionadora daágua, todas as variações na sua concentração devemser interpretadas como excesso ou défice de água enão como excesso ou défice de sódio, uma vez queestas situações são pouco frequentes. Dada esta estrei-ta interdependência entre os vários compartimentosque tendem a manter um equilíbrio volumétrico eosmolar entre si, é óbvio que, por exemplo, umaalteração volumétrica do espaço intercelular, iráprovocar uma alteração volumétrica do espaçointracelular e do espaço intravascular. A do espaçointracelular irá traduzir-se por uma alteração dovolume da célula; a do espaço intravascular irátraduzir-se por uma alteração da pressão arterial.Destas noções, decorrem todos os princípios funda-mentais básicos para a compreensão dos mecanismosde homeostasia.

— As variações volumétricas dos espaços, quetenham repercussão sobre o volume circula-tório efectivo, serão equilibradas pelo sistemaRenina-Angiotensina-Aldosterona (RAA).Sendo o sódio a bomba mobilizadora da água,o organismo tentará reter ou eliminar sódiopara repor o equilíbrio volumétrico.

— As variações da osmolaridade dos espaçosserão equilibradas pela Hormona Antidiurética(ADH) e pela sede, mobilizando a água a nívelrenal e intestinal, respectivamente.

Apenas foge a esta regra o estímulo hipovolémicoda ADH que, ao reabsorver água, vai repor a volémia(a ADH pode ser estimulada em situações graves dehipovolémia).

Assim, como melhor forma de impedir essasgrandes oscilações no volume e composição, de modoa não pôr em perigo todo o sistema, a natureza dotouos espaços com “sensores” às variações da osmola-

ridade e do volume, estrategicamente colocados, demodo a corrigir rapidamente qualquer variação novolume e na osmolaridade. Embora todo o organismoesteja repleto de sensores a vários níveis, fixemo-nosem dois principais, por serem os pilares fundamentaisde controlo de todo o sistema. Assim, o sensor paraas variações de volume (barorreceptores) encontra--se a nível do glomérulo renal, que controla o sistemarenina-angiotensina-aldosterona. O sensor quecontrola a osmolaridade encontra-se localizado no sis-tema diencéfalo hipofisário, que controla a hormonaantidiurética e a sede. Se houver um órgão, dos quesão irrigados pelos 3 litros de líquidos em circulação,capaz de reagir como efector do sistema renina-angiotensina-aldosterona e hormona antidiurética,variando conforme as necessidades o bombeamentoda água e do sódio, mais de metade do problema ficaráresolvido. Essa é a função do rim. Só que a imaginaçãoda natureza levou cerca de 3500 milhões de anos paracriar tal órgão. E foi realmente preciso muita imagi-nação e paciência para criar um órgão que, pararegular o meio interno do organismo, seja capaz derejeitar sessenta vezes por dia a totalidade do seumeio, para voltar a reter novamente a quase totalidadee só se desembaraçar duma pequena parte de que nãonecessita, por serem “os dejectos”. Mas ao admitirmosque a natureza foi inteligente e paciente para dotar osseres mais evoluídos com os meios necessários parauma perfeita adaptação às agressões do meio, teremosque admitir que seria pouco inteligente deixar o con-trolo das variações volumétricas a um único sensor,localizado no glomérulo renal. E, na verdade, não éisso que acontece. Ao colocarmos o sistema renina--angiotensina-aldosterona como pilar fundamental daregulação das variações volumétricas dos trêsespaços, é apenas para estabelecer um padrão deraciocínio simples. Mas essa simplicidade não pode,nem deve levar-nos a ignorar alguns mecanismos que

Fig. 33 – Os três espaços – espaço intracelular (E. I. C.) eintravascular (E. I. V.) – estão em equilíbrio volumétrico, osmolare eléctrico. O espaço extravascular está em equilíbrio com oextracelular também pelas pressões hidrostática e oncótica.

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se interligam com os descritos. Outros sensoresencontram-se localizados em posições estratégicas erespondem às variações do volume circulatório efec-tivo. Como é óbvio, o espaço extracelular é muitoextenso e por vezes a distribuição de líquidos não éuniforme nas diferentes partes do corpo. Por isso, emtermos de economia, não seria boa estratégia colocarvários sensores distribuídos por todo o corpo, demodo a responder às variações locais do espaço extra-celular. Como as variações volumétricas neste espaçose repercutem de imediato sobre o espaço intravas-cular, provocando um aumento ou diminuição depressão sobre as paredes dos vasos, a melhor estraté-gia seria realmente colocar a esse nível sensores àsvariações de pressão. E a natureza fê-lo, colocando--os a nível do arco aórtico, do seio carotídeo, nacirculação cardio-pulmonar e arteríolas glomerularesrenais, protegendo assim os órgãos mais importantes.

Os sensores carotídeos, aórticos e cardio-pul-monares (barorreceptores) respondem às variações

de volume, por estimulação do simpático, que vaialterar o tonus vascular.7 Por outro lado, essas varia-ções de volume estimulam ou inibem a ANP (AtrialNatriuretic Peptide), hormona com acção oposta àda aldosterona, que é libertada na aurícula direita (etalvez na esquerda e nos ventrículos) (fig. 34).

Perante uma deplecção do volume circulatórioefectivo, há um aumento do tonus simpático comvasoconstrição e estimulação da R.A.A. por um lado;por outro, dá-se a inibição da secreção da ANP, donderesulta uma diminuição da expoliação de Na+ a níveldo tubulo renal, com a consequente retenção de água(fig. 35).

O mecanismo inverso verifica-se com o aumentode volume. Outro mecanismo, a natriurese de pressão,desempenhará também um papel importante. Umaelevação de T.A. secundária a um aumento da volémiadesencadeia por si só um aumento da eliminação dosódio e da água, sem qualquer intervenção de sensoresneuro-hormonais. A natriurese de pressão é ainda malcompreendida. Admite-se que o aumento ou diminui-ção da pressão sistémica seja transmitida ao interstíciomedular renal, alterando os gradientes osmóticos entreo interstício e os capilares (vasa recta). O fenómenoda natriurese de pressão só intervém quando todos osoutros falham. Também as prostaglandinas podemintervir neste mecanismo, através de um estímulovasomotor. Convém também salientar que o verdadei-ro papel da ANP é ainda controverso. Talvez outrosagentes hormonais, como a Urodilatina e o PeptídeoNatriurético Cerebral, desempenhem um papel maisimportante na regulação da volémia. Outros mecanis-mos existem com papel ainda obscuro e seguramenteoutros existirão que se desconhecem ainda. Só assimé possível explicar a manutenção do equilíbrio emmuitas situações de agressão. Um suprarrenalec-tomizado mantém o balanço do Na+ dentro de padrõesnormais, com a administração de mineralocorticóides,não necessitando da aldosterona. Por outro lado, aadministração crónica de aldosterona é acompanhadainicialmente de alterações do balanço do sódio, quecontudo acaba por estabilizar com o tempo, supõe-seque por acção do ANP. A aldosterona, provocandoaumento da reabsorção do sódio no tubulo renal, iráprovocar uma expansão do espaço extracelular e umaumento do débito circulatório efectivo. A conse-quente estimulação da ANP vai provocar a expoliaçãodo sódio retido, restabelecendo o equilíbrio. Adesinervação cardíaca e renal não se acompanhamde grandes alterações do balanço do Na+. Outrosexemplos e outros mecanismos poderiam ser refe-ridos, mas o seu interesse é secundário para oobjectivo que se pretende atingir. Daí nos cingirmos

7 Provocando vasodilatação ou vasoconstrição, repondo assim o equilíbrio entre o continente e o conteúdo.

Fig. 34 – Variações da osmolaridade e do volume dos três espaçosirão estimular vários sensores.

Fig. 35 – O rim responde à hormona antidiurética eliminando ouretendo água, e à aldosterona e A. N. P. retendo ou eliminandosódio (mobilizando a água).

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a partir daqui, ao sistema Renina-Angiotensina--Aldosterona, à Hormona Antidiurética e ao PeptídeoNatriurético Atrial. Vejamos então como funcionamesses sensores, através de situações conceptuais, maspossíveis, em que o sistema encarregado de manu-tenção do equilíbrio hidroelectrolítico é sujeito acondições extremas, mais por agressão externa do quepor causas patológicas desencadeantes de desequi-líbrio.

Primeira situação:Imaginemos, por exemplo, um homem que, não

sendo camelo, se comporte como tal e não utilizandoa inteligência, se aventure numa digressão pelodeserto sem levar uma boa reserva de água. Emmarcha, e com uma temperatura ambiente de 35° C esem ingerir líquidos, no fim de três a seis horas teráperdido cerca de três litros só pela transpiração erespiração. Ao fim de 24 horas, terá atingido umabaixa de volume extracelular que atinge valores peri-gosos. Como reagiu o organismo perante essa agres-são? A perda de água, sem a correspondente perdaproporcional de sais, sobretudo de sódio (o suor éhipo-osmolar em relação ao plasma), provocou umaumento da osmolaridade do plasma e como tal, umaumento da pressão osmótica do líquido extracelularem relação às células. Como a água se desloca domeio de menor pressão osmótica para o de maiorpressão osmótica, há uma perda de água das célulaspara o espaço extracelular, numa tentativa de mantera isosmolaridade, e repondo ao mesmo tempo ovolume do espaço exterior. Mas os “osmómetros” dosistema diencéfalo hipofisário são sensíveis a esseaumento de pressão osmótica que se estabeleceu nacélula cerebral (parece que o verdadeiro estímulo seráprovocado pelas alterações volumétricas das células).Imediatamente é estimulado o lobo posterior dahipófise para libertar a hormona antidiurética, que élançada na circulação. Esta hormona vai actuar a níveldos tubulos renais distais e colectores, aumentando apermeabilidade das células tubulares à água, que éreabsorvida activavamente, reforçando os mecanis-mos de contracorrente renais. Assim se repõe ovolume do espaço extracelular, mas por pouco tempo,se o “camelo” continuar a venturar-se pelo desertodentro. À medida que vai perdendo água pela trans-piração, sem a repor, as suas células já não são capazesde repor água no espaço extracelular, para manter oseu volume dentro de valores normais, mesmo que ogradiente osmótico exista. Então o volume do espaçoextracelular diminui, o que se vai traduzir numa baixado volume circulatório efectivo e consequentementeda pressão arterial. Como consequência, dá-se deimediato uma estimulação dos barorreceptores caro-tídeos e aórticos, com vaso-constrição, repondo assim

o equilíbrio volumétrico (este estímulo vasoconstritorvai também estimular o sistema R.A.A.). São estimu-lados simultaneamente os barorreceptores auricularescom inibição de produção da ANP. Como resultado,aumenta a reabsorção do sódio e água a nível dotubulo renal. A baixa de tensão arterial reflecte-setambém a nível do glomérulo, provocando aestimulação do sistema renina-angiotensina-aldoste-rona. A angiotensina origina uma vaso-constrição,diminuindo o volume do reservatório vascular,subindo a pressão arterial e, simultaneamente,provoca também o aumento de reabsorção de água esódio no tubulo renal proximal. Em resposta aoestímulo vasomotor, há uma vaso-constrição dasarteríolas aferentes, eferente e intertubulares renais,diminuindo a filtração-secreção, numa tentativa deeconomizar água. A aldosterona, por sua vez, vaiactuar a nível do tubulo renal proximal, provocandoa reabsorção activa do sódio e, com isso, provocandotambém reabsorção da água, para manter a isosmola-ridade entre o tubulo e o espaço intersticial. Como sevê, todos os mecanismos foram mobilizados comoresposta à alteração da osmolaridade plasmática. (fig.36)

Uma análise do sódio plasmático, revelaria valoresque podem ultrapassar os 150 mEq/l. Se nadasoubéssemos sobre equilíbrio hidroelectrolítico,diríamos que o organismo deste homem estavasobrecarregado de sódio. Todavia, o sódio globaldeste organismo está baixo, pois ele perdeu-o tambémpela transpiração. Ao observarmos o doente, arealidade é outra. Apresentar-se-á com um quadro dedesidratação intensa, com as mucosas bucais secas, apele seca fazendo prega marcada e com uma baixaacentuada de diurese, com valores que podem atingiros 20 cc/hora. Se fizermos uma avaliação laboratorial,rapidamente nos apercebemos que a única responsa-bilidade por este quadro cabe a uma perda acentuadade água. Devido à hemoconcentração, encontraremos

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base

Fig. 36 – E. E. C. – espaço extracelular; H. A. D. – hormonaantidiurética; A. N. P. – Atrium natiurétic peptide; R. A. A. –renina-angiotensina-aldosterona; F. P. R. – fluxo plasmático renal.

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um hematócrito elevado, uma elevação acentuada desódio, das proteínas plasmáticas e da osmolaridade.A T.A. estará baixa. Se colocarmos um cateter deP.V.C. (Pressão Venosa Central), esta encontra-se emvalores da ordem de 1 a 3 cm de OH2, atingindo talvezos valores negativos durante a inspiração. Portanto,há que iniciar rapidamente a terapêutica, pois podeencontrar-se com valores de osmolaridade próximosdos valores incompatíveis com a vida (acima de340mOsm/l). Mas, quando se diz iniciar a terapêuticacom urgência, não quer dizer que se reponha comurgência toda a água perdida. Se o doente não morreupor hiperosmolaridade até se iniciar a terapêutica,seguramente não irá morrer depois de iniciá-la,mesmo que a reposição de água se faça lentamente.Pelo contrário, a administração maciça de líquidosnas primeiras horas pode ter consequências dramá-ticas. Lembremo-nos que a barreira hemato-encefálicaé mais permeável à água do que aos produtos azotadosretidos. Por isso, uma reposição maciça de líquidoslevará a passagem rápida de água através da barreirahemato-encefálica. Como consequência, poderáoriginar-se edema cerebral, com agitação e convul-sões. Havendo possibilidade de avaliações laborato-riais e clínicas com curtos intervalos de tempo, épreferível fazer uma reposição lenta de líquidos, “peros” se o doente está consciente, ou com solutosisotónicos, se o doente não pode ingerir água. Avelocidade de administração não deve ultrapassar os1000 cc/hora, independentemente do volume total deágua perdida (fig. 37).

Todo o reequilíbrio poderá fazer-se ao fim de trêsdias, com avaliações clínicas e laboratoriais perió-dicas. Este quadro clínico é conhecido por “Sindromahiperosmolar por perda de água”. É uma situaçãoclínica frequente nos serviços de urgência, em doentesidosos ou com perturbações psíquicas, vivendo sós,sem apoio de familiares (há que ter cuidado com oquadro clínico semelhante do sindroma hiperosmolarda diabetes, que será descrito na acidose metabólica).

Segunda situação:Admitamos agora que o mesmo homem, um ano

depois de recuperado, em vez de se aventurar nodeserto, não querendo ser camelo uma vez mais,resolveu meter-se num bote e fazer-se ao mar, com aconvicção de que desta vez não haveria falta de água.Com o calor, e a remar, começaria a perder água pelatranspiração. Mas como agora tinha muita água aoseu dispor, ia ingerindo água do mar mesmo que issofosse desagradável. Ao fim de 24 horas o seu estadoera mais grave do que aquele em que se encontravaquando se aventurou no deserto, porque, no mesmoespaço de tempo, tinha perdido mais água.

A ingestão de água salgada provoca um aumentoda osmolaridade plasmática. O gradiente osmolar anível do sistema diencéfalo-hipofisário provoca, porum lado, libertação de HAD, que vai aumentar areabsorção de água a nível do tubulo renal, e por outrovai estimular a sede, obrigando-o a beber mais água ,salgada. Apesar de existir uma expansão volumétrica,o sensor hipotalâmico só responde ao gradiente osmo-lar. Para ele, o aumento da osmolaridade extracelularé igual a “falta de água” e por isso liberta a HAD.

Como o espaço intercelular é hipertónico emrelação ao espaço intracelular, a água passa para forada célula. Esta deslocação da água aumenta aexpansão do espaço extracelular, donde resulta umaumento do volume circulatório efectivo. O aumentode T.A. daí resultante vai inibir o tónus simpático,donde resulta vasodilatação, que vai facilitar a perdade mais água pela pele. Ao mesmo tempo, é bloqueadoo sistema R.A.A. Dá-se a dilatação da arteríolaglomerular aferente, eferente e intertubulares, aumen-tando o fluxo plasmático renal de soluto hipertónico.Bloqueada a Aldosterona, bloqueia-se a reabsorçãodo sódio tubular, aumentando a sua eliminação renal.A A.N.P. é estimulada, aumentando também aeliminação de sódio pelo rim. Por último, irá intervira natriurese de pressão, com mais eliminação de Na.O resultado final desta tentativa do organismo deeliminar o excesso de sódio é uma urina tubularhiperosmolar em relação ao meio interno, originandouma diurese osmótica, com perda de mais água doque a que foi ingerida, com a consequente desidrata-ção intensa. (fig. 38).

Este quadro clínico corresponde ao “Síndromahiperosmolar por excesso de solutos”.

Na nossa prática clínica, situação idêntica podesurgir na acidose diabetica, embora com diferençasque se apontarão mais adiante, ou quando se admi-nistram, por qualquer via, quantidades exageradas desoluções hipertónicas, como o manitol, ou ainda naanúria obstrutiva após a desobstrução. O quadroclínico e laboratorial é idêntico ao anterior, bem comoa sua terapêutica.

Fig. 37 – No síndrome hiperosmolar por perda de água, todos osparâmetros laboratoriais traduzem hemoconcentração.

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Voltamos ao mesmo homem, que nem depois deser salvo no mar, aprendeu a lição. Para demonstrarque não cometeria mais erros e que agora seria umcamelo inteligente, voltou a fazer uma incursão nodeserto, mas desta vez prevenido com vinte litros deágua. Uma vez mais falhou. Com o calor do deserto,em marcha com vinte litros de água às costas, aumen-tou a transpiração, e no fim das primeiras horas teráperdido cerca de quatro litros de água do seu orga-nismo. Mas como ia prevenido, sempre que tinha sedebebia água à descrição, pelo que repôs os quatro litros.Porém, não chegou a consumir a água toda, poispassados alguns dias começou a ficar com falta deforça muscular, cefalgias, vertigens e alucinações.Não continuou a experiência. Porquê mais este fracas-so? Durante os dias em que a sudoração foi intensa,houve perda de sódio e outros electrólitos pela pele.Como continuou a beber água sem repor os saisperdidos, o sódio plasmático baixou, devido a hemo-diluição e, com isso, a osmolaridade plasmáticabaixou também. O espaço intracelular passou a teruma osmolaridade mais elevada do que o líquidoextracelular. A água, dada a sua grande difusibilidade,passou rapidamente do espaço extracelular para ointracelular, equilibrando a osmolaridade. Os sensoresda sede, que respondem ao gradiente osmótico entreos dois meios, não responderam, pelo que anecessidade de ingerir água se tornou menor. Pelamesma razão, não houve bloqueio da hormonaantidiurética, pelo que a diurese não diminuiu econtinuou a perder água e sais pela urina. Mas, comoo aventureiro continuou a beber água, não repondo aperda de electrólitos, o volume extracelular nãobaixou e, como tal, também não foram estimuladosos barorreceptores carotídeos, aórticos, da A.N.P. edo sistema R.A.A. e continuou a perder sódio. E estehomem apresenta um quadro idêntico ao do “sindromade intoxicação hídrica sem perda de sal”. Mas neste,a hiposmolaridade plasmática é devida ao excessode água, sendo o sódio orgânico global normal. Nocaso do nosso homem do deserto, a hiposmolaridadeé devida à perda de sódio, com reposição de água. Osódio está baixo, mas a água global do organismopode estar elevada, normal ou abaixo do normal. Irásurgir a morte por edema cerebral, pois devido à maiorosmolaridade intracelular, a água entra para dentroda célula nervosa. (fig.39)

Clinicamente, este doente (nesta altura já nãoé aventureiro, é um doente!) pode apresentar ede-mas, pele normal ou formar pregas. As mucosas nãoestarão secas. Tudo depende da água ingerida. Abioquímica revelará: um hematócrito normal ou baixo(por hemodiluição); o sódio em valores inferiores a140 mEq/l, bem como o cloro; as proteínas plasmá-ticas podem estar baixas, mas mantendo a relação

albumina/globulina, se o doente ingeriu uma quanti-dade suficiente de calorias. É uma falsa hipoproteiné-mia, devida a hemodiluição. Se o doente não ingeriuquantidade suficiente de calorias, poderá haver umahipoproteinémia verdadeira, mas então já existirátambém uma baixa de albumina em relação àsglobulinas. A P.V.C. poderá estar em valores normais.A diurese e o sódio urinários são baixos ou normais.Esta situação corresponde a um “sindrome hiposmolarcom perda de sódio e excesso de água”.

Na nossa prática clínica pode observar-se estequadro na nefrite com perda de sal, na perda de sódiopelas secreções gastrointestinais, nas diarreiasprofusas, nas queimaduras extensas mesmo deprimeiro grau, e noutras situações menos frequen-tes que não vamos referir. É importante lembrar queeste quadro só existirá nas situações referidas, quan-do é reposta a água sem a equivalente reposiçãode sais. Caso não seja reposta a água e a perda desal se faça progressivamente, o quadro será diferen-te. A osmolaridade plasmática baixa inicialmente,pelo que passa água para o espaço intracelular. Ovolume extracelular diminui e com ele o volumecirculatório efectivo, levando à estimulação dos

Fig. 38 – A ingestão de água salgada leva a um quadro dedesidratação devido a uma diurese osmótica.

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base

Fig. 39 – A ingestão contínua de água pura durante períodos detranspiração intensa pode levar à morte por edema cerebral.C. N. – célula nervosa; E. E. C. – espaço extracelular.

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barorreceptores. Mesmo não havendo um factorresponsável pela perda de proteínas, pode haver umahipoalbuminémia (talvez por diminuição da circula-ção de retorno sanguíneo e linfático devido à dimi-nuição do volume circulatório efectivo). Esta baixadas proteínas plasmáticas vai originar uma passagemde mais água para o espaço extracelular, devido àruptura do equilibrio “Pressão oncótica-pressãohidrostática nas paredes capilares, o que agravaráainda mais o quadro de choque. A perda de sais levaráo organismo a tentar manter a osmolaridade, mascomo eles não são repostos, fá-lo-á perdendo maiságua que sais. Surgirá um “Síndroma de desidrataçãoiso ou hipo-osmolar”.

A terapêutica deste quadro clínico dependeráda análise dos vários factores em causa. Se aavaliação concluir que o principal factor em causaé a perda de electrólitos, sem expansão do volu-me extracelular por excesso de água, a soluçãopara o problema é a administração de soluçõespolielectrolíticas isosmolares. Se se concluir por umabaixa de electrólitos com excesso de água, o valorda osmolaridade plasmática terá um papel prepon-derante. Se estiver em valores muito baixos ao pontode pôr em risco a vida do doente, (< 240 mosm/l)pode justificar-se a administração de soluçãohipertónica, sobretudo de sódio. Mas aqui todas asprecauções devem ser tomadas, não esquecendo quea administração de solução hipertónica vai aumentarainda mais o volume do espaço extracelular, pormobilização da água do espaço intracelular. Por talmotivo, o controlo da P.V.C. será muito útil para pre-venir em certas situações um eventual edema agudodo pulmão.

Os exemplos anteriormente referidos, servempara ilustrar situações em que estão apenas em causaas alterações dos dois principais elementos res-ponsáveis pela manutenção do equilíbrio hidro-electrolítico – a água e o sódio. Convém salientarque, como atrás referimos, estas são situaçõesconceptuais, com o intuito de formular um esquemapadrão de raciocínio. Na nossa prática clínica nãosurgirão situações tão estereotipadas. Mas estesesquemas básicos são fundamentais para interpretarnumerosas situações que se apresentam ao clínicogeral e sobretudo ao médico cirurgião (este, ao agre-dir cirurgicamente, tem que contar com um dese-quilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base em maiorou menor grau. Mais ainda se a agressão tiver emvista a solução cirúrgica de uma situação clínicagrave, que só por si já tenha criado desequilíbrioshidroelectrolíticos). Infere-se daqui que será de todaa importância a interpretação correcta do maiornúmero de dados clínicos e laboratoriais que esti-verem ao nosso alcance.

Avaliação clínica e laboratorial

Antes de entrar neste capítulo dos desequilíbrioshidroelectrolítico e ácido-base, será pertinentedeixar explícito que a tentativa de simplificaçãodeste tema não nos deve afastar da noção da suacomplexidade. A redução dos mecanismos do equi-líbrio hidroelectrolítico e ácido-base às interrela-ções entre osmolaridade, volume dos espaços, esistemas renina-angiotensina-aldosterona e hormonaantidiurética, não nos deve alhear de eventuaisalterações estruturais concomitantes. Os avançostecnológicos dos últimos anos, com a microscopiaelectrónica, com as técnicas de micropunção, deelectrofisiologia, para só referir as mais correntes,veio pôr muitas reticências a princípios que hápoucos anos eram tidos como incontestáveis. Sabe--se hoje que a célula é uma bomba metabólica e umagrupamento celular um verdadeiro motor meta-bólico com processos activos de mobilização daágua, dos sais e outros produtos e, como tal, reduzirtudo a gradientes osmóticos, e consequentes trocaspor difusão, é estar um pouco longe da verdadeirarealidade. Muitas estruturas celulares, constituindoestruturas histológicas, interpenetram-se numacomplexidade morfológica não gratuita. Tomemoso exemplo das estruturas celulares dos tubuloscontornados proximais. A noção clássica de que osfenómenos de reabsorção a este nível estariaessencialmente dependente de gradientes de pressãoosmótica e oncótica tubulo-capilar é simples, de fácilapreensão e serve para explicar grosseiramente aprimeira fase da concentração da urina. Todavia,sabe-se que as micro-estruturas celulares a esse nível,com uma riqueza anormal de mitocôndrias eenzimas, com intrincados labirintos canaliculares emestreita contiguidade com os capilares peri-tubulares, não são meras curiosidades morfológicas,mas antes complexos dispositivos com umafinalidade fisiológica. Do mesmo modo, sabe-se quehá uma interrelação entre a H.A.D. e as prostaglan-dinas na regulação do equilíbrio do volume extra-celular. Também se sabe que a aldosterona actua anível de várias estruturas celulares, e que só parteda reabsorção do Na a nível tubular renal é da suaresponsabilidade.

Se um desequilíbrio hidroelectrolítico ou um gravedistúrbio do meio interno levar à lesão de algumasdestas estruturas, seguramente ficaremos incrédulosao constatar a morte do doente, sem que se tivesseconseguido as devidas correcções laboratoriais. Maisincrédulos ficaremos quando, apesar de se teremcorrigido as principais alterações, o doente morre namesma. E esta não é uma situação tão pouco comumcomo à primeira vista pode parecer.

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Dados clínicos:Na avaliação clínica de um doente que, em

princípio, nos leva a suspeitar de um desequilíbriohidroelectrolítico, torna-se fundamental recolher osseguintes dados:

1) antecedentes que levaram à situação, o que porsi só pode encaminhar-nos para o diagnósticocorrecto;

2) estado da pele e mucosas;3) T.A. e P.V.C., tipo de respiração, auscultação;4) diurese por hora ou das 24 horas.Será quase desnecessário analisar um por um o

valor semiológico de cada um destes dados clínicos,pois todos eles nos vão dar apenas uma ideia do graude replecção do espaço extracelular. Só a bioquímicapoderá orientar-nos para o factor responsável pelodesequilíbrio. Daí a necessidade de uma avaliaçãolaboratorial, para conjugar com os dados clínicos econcluir sobre as causas exactas do desequilíbrio.

Dados laboratoriais:Será imprescindível ficar de posse dos seguintes

parâmetros:— fórmula hemoleucocitária, com hematócrito e

volume globular médio;— ionograma plasmático e urinário;— proteínas plasmáticas;— osmolaridade plasmática;— gasometria;— análise sumária da urina.Na impossibilidade de abordar todos os quadros

clínicos com desequilíbrio hidroeléctrico, analisemos,através de alguns exemplos práticos, algumas dassituações clínicas mais graves com que se podedeparar qualquer médico, na sua prática diária.

1º caso:Doente referindo polaquiúria intensa com jacto

curto, há vários anos. Há alguns meses, refere enuresenocturna. Objectivamente, apresenta edema generali-zado, distensão no hipogástrio, certo grau de dispneia,ralas de estase à auscultação e T.A. e P.V.C. elevadas,diurese das 24 horas conservada. Laboratorialmenteapresenta: hematócrito baixo, proteínas plasmáticasbaixas, mantendo a relação A/G., sódio e K em valoresnormais ou baixos, creatinina e azoto ureico elevados,densidade urinária baixa com valores de sódio ecreatinina abaixo do normal. À primeira vista, sugere--nos um sindroma hiperosmolar por retenção de águae solutos por I.R.C. descompensada, secundária a umaobstrução infravesical. A primeira medida terapêuticaserá a colocação de cateter vesical permanente. Regrageral, o diagnóstico fica feito, quando se constatarum volume intravesical residual superior a 1500 ou2000 cc.

A vigilância destes doentes deve ser apertada, poisa diurese osmótica que vai seguir-se à colocação docateter pode atingir mais de cinco a dez litros nasprimeiras 24 horas (há casos relatados na literaturacom perdas de água superiores a 20 l nas primeiras24 horas). Como este doente, em princípio, tinha osódio orgânico global elevado, mais a retençãoelevada de muitos produtos osmoticamente activosresultantes do catabolismo proteico, pode atingir-seem poucos dias a situação de “Sindroma hiposmolar(ou iso) por perda de água e sais”. Assim, peranteuma diurese muito elevada, há que administrar simul-taneamente soluções polielectrolíticas isosmolares,sempre acompanhada de uma avaliação clínica elaboratorial. Este quadro de depleção hidroeletolíticagrave, não é sempre e obrigatoriamente umaconsequência de uma retenção crónica, após ocateterismo, dependendo de muitos factores, sendo areserva funcional renal ainda existente, o factor maisimportante. Quadro idêntico poderá surgir nas anúriasobstrutivas, após a desobstrução. Um quadro clínicoe laboratorial semelhante pode ser observado nasinsuficiências cardíacas congestivas. A terapêuticadestas, essencialmente médica, e muitas vezes dedifícil solução, pela dificuldade em promover aeliminação do excesso de sódio e de água, ultrapassao âmbito deste trabalho.

2º caso:Doente com situação clínica típica de quadro toxi-

infeccioso grave. A semiologia revelou um volumosoabcesso perirrenal (ou em qualquer outra localização).Fez-se a drenagem do abcesso com agressão cirúrgicamínima. Fez-se a reposição correcta de líquidos.Todavia, o doente mantém T.A. pouco elevadas, umadiurese dentro de valores normais ou abaixo donormal. Apesar de tudo, começa a apresentar edemasgeneralizados, que se acentuam cada vez mais. Aauscultação pulmonar revela ralas de estase, mas aP.V.C. não apresenta valores elevados.

Laboratorialmente, constata-se anemia, hemató-crito baixo, sódio e K em valores normais, ou abaixodo normal. Proteínas plasmáticas baixas, mas combaixa acentuada da albumina em relação às globuli-nas. Creatinina e azoto ureico normais ou elevados.Osmolaridade plasmática normal ou abaixo donormal. Tal quadro clínico é compatível com umdesequilíbrio hidro-electrolítico, secundário a umahipoproteinémia grave, provocada pelo quadrotoxicoinfeccioso.

A baixa das proteínas plasmáticas do espaçointravascular (sobretudo da albumina) provocou umabaixa da pressão oncótica do espaço intravascular,em relação à pressão do espaço intercelular. Daí adeslocação de água do espaço intravascular para os

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outros espaços. Por outro lado, a baixa da pressãooncótica do espaço intravascular, fez prevalecer apressão hidrostática sobre as paredes capilares e,como tal, favoreceu também a passagem de água parao espaço intercelular, baixando a sua osmolaridade.Como consequência criou-se um gradiente osmóticoentre o espaço intercelular e o intracelular, com maiscaptação de água pelas células. Como agravante, háque contar com as alterações da permeabilidadecapilar frequentemente presente nos quadros toxico-infecciosos, que tornam por vezes o quadro irrever-sível. A principal medida terapêutica neste doenteconsiste em repor os valores de proteinémia no nor-mal. Também esta medida deve ser lenta e progres-siva. Não esquecer que a administração de plasma oualbumina humana vai elevar rapidamente a pressãooncótica intravascular, pois a albumina não atravessaa parede capilar, ficando assim confinada ao espaçointravascular. Isto poderá provocar uma mobilizaçãorápida da água dos outros espaços e há o risco de umedema pulmonar agudo, por sobrecarga cardíaca comsubida rápida de P.V.C., ajudada por eventuaisalterações da permeabilidade do espaço intersticialpulmonar, secundárias ao quadro toxi-infeccioso. Porisso a P.V.C. deve ser monitorizada a intervalosregulares.

3º caso:Doente referindo ausência de micção há vários

dias, sem sensação de plenitude vesical; hiperpneia;edemas generalizados; H.T.A.; auscultação com ralasde estase; P.V.C. elevada. O quadro clínico por si sófaz o diagnóstico, mas não sabemos se o doente estáou não em perigo de vida. Aqui são fundamentaistrês parâmetros de avaliação, que ditarão o grau deurgência da nossa intervenção: a Kaliémia, o pH e

reserva de CO3H- e a osmolaridade. Os outrosparâmetros laboratoriais serão seguramente os queesperamos encontrar num sindroma hiperosmolar porretenção de água e solutos, pois trata-se com certezade uma anúria por obstrução alta do excretor ou porI.R.A. O hematócrito terá valores baixos, bem comoo sódio e as proteínas plasmáticas, por hemodiluição.Pelo contrário, a creatinina e o azoto ureico estarãoaltos. Também o K+, pois, havendo associada umaacidose metabólica, o K+ sai para fora da célula, portroca com o H+. O cloro por sua vez também sobepara compensar a baixa do CO3H- (como adianteveremos). A osmolaridade plasmática pode estarmuito alta, tudo dependendo do grau de retençãoazotada, pois essa subida não será devido ao sódio,que nesta situação está diluído e, como tal, não temefeito hiperosmolar. Apesar da osmolaridade alta, odoente não terá sede, por não haver gradientesosmolares entre a célula e o espaço extracelular, poisa ureia difunde-se livremente através da membranacelular (fig. 40).

Em caso de valores de kaliémia, pH ou osmolari-dade nos limites, pondo em risco a vida do doente(não esquecer que nestes casos o doente pode morrerde repente sem qualquer sinal de aviso!), há que tomarmedidas urgentes:

— se os exames complementares de diagnóstico(Raio X, Ecografia e Renograma) forem afavor de anúria obstrutiva, há que fazer deimediato uma nefrostomia percutânea. Nãoaconselhamos, nestes casos, tentativas decateterismo uretérico, pois muitas vezes falhae isso traduz-se numa perda de tempo e numaagressão maior que se pode traduzir na perdada vida do doente – se os valores de kaliémia,pH e osmolaridade não estiverem nos limites,a colocação dum cateter duplo T normalmenteé mais prática.

— se o diagnóstico for de uma anúria por I.R.A.,a hemodiálise de urgência será a melhor in-dicação. Nestas situações devemos ser reser-vados e não fazer uma hemodiálise muitoprolongada, nem com ultrafiltração, a não serque o doente estivesse na eminência de umedema agudo do pulmão. A baixa repentinados produtos hiperosmolares durante ahemodiálise pode ocasionar quadros neuro-lógicos graves. Não esquecer, como já atrásreferimos, que, quer a ureia, quer muitos outrosprodutos do metabolismo proteico, difundem--se livremente através da barreira hematoen-cefálica e das membranas celulares. A baixarepentina destes produtos no espaço extra-celular, não dando tempo à sua saída atravésda barreira hematoencefálica, vai permitir que

Fig. 40 – Numa anúria obstrutiva ou parenquimatosa, a H. A. D.não é estimulada devido ao equilíbrio osmolar intra e extracelular(O. I. C. = O. E. C.). Os outros sensores são estimulados semresposta do órgão efector (rim). Na anúria obstrutiva, adesobstrução desencadeará uma diurese osmótica.(P. O. A. – produtos osmoticamente activos).

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a nível do S.N.C. haja hiperosmolaridade emrelação aos outros compartimentos. O resul-tado será a passagem de água para o S.N.C.,com consequente edema cerebral. Algumasoutras atitudes terapêuticas poderão ter de sertomadas de urgência, e serão abordadas maisadiante, na acidose metabólica.

4º caso:Doente com adenoma prostático é submetido a

uma ressecção transureteral da próstata, sendo usadaágua destilada como líquido de irrigação. Com odoente anestesiado, nada foi detectado de anormal.No pós-operatório imediato, há uma acentuada baixade diurese, com urinas ligeiramente hemáticas,acabando por estabelecer-se uma anúria.

O primeiro diagnóstico a ser proposto pelourologista é o de um síndrome hiposmolar pós R.T.U.Os exames laboratoriais revelam: baixa de sódio,baixa de P.P., baixa do Hematócrito e Hemólise.Vejamos o que aconteceu sobre o ponto de vistafisiopatológico: durante a R.T.U. foi ressecada umaou várias veias de grosso calibre passando desper-cebida, por colapsar parcialmente sob a pressão deirrigação; a água usada para irrigação, foi passandorapidamente para a circulação através do lúmen daveia; deu-se hemodiluição com baixa acentuada daosmolaridade plasmática, dado tratar-se de águadestilada8. O conteúdo intracelular hiperosmolar emrelação ao plasma, absorveu água rapidamenteaumentando o volume da célula. O mesmo acontececom o glóbulo vermelho, que se rompe, provocandouma hemólise, cuja gravidade depende da quantidadede água que passou para o espaço vascular. Estahemólise é responsável pela anúria, ao originar umanecrose tubular aguda.

Os sensores respondem à variação brusca da

osmolaridade e do volume. A H.A.D. é bloqueadapara aumentar a eliminação de água pelo rim. Os sen-sores carotídeos e aórticos respondem ao aumentoda pressão intravascular com vasodilatação. O sistemaR.A.A. é bloqueado, e a A.N.P. é estimulada, com afinalidade de eliminar sódio e com isso eliminar oexcesso de água, pois estes sensores só respondem àsalterações volumétricas. (fig. 41)

A atitude terapêutica depende da precocidade dodiagnóstico. Se for detectado durante a R.T.U., estadeve ser suspensa imediatamente, administrado umdiurético intravenoso e soluções isosmolares decloreto de sódio, e se for possível obter rapidamentea determinação da osmolaridade plasmatica. Se estaestiver em valores muito baixos, pode justificar-se aadministração de solução hipertónica de cloreto desódio. Caso o diagnóstico seja feito apenas após odoente ter entrado em anúria, devem administrar-sedoses elevadas de furosemide por via intravenosa. Senão houver resposta, a hemodiálise será a solução,até se obter a recuperação funcional do rim (fig. 42).

Equilíbrio Ácido-Base

A história da evolução dos mecanismos responsá-veis pelo equilíbrio ácido-base é paralela à doequlíbrio hidroelectrolítico e é, como tal, também umtema árduo para ser abordado até ao pormenor. Poresse motivo, tentaremos focar apenas os princípiosbásicos, que serão sempre úteis na resolução dosquadros clínicos menos complexos.

À semelhança do que acontecia relativamente aoequilíbrio hidro-electrolítico, a manutenção doequilíbrio ácido-base era simples nos animais uni-celulares ou pluricelulares cujas dimensões eramcompatíveis com trocas iónicas e gasosas por simplesdifusão. Nos animais aquáticos mais evoluídos e nos

8 Não se devem usar soluções electrolíticas devido à sua elevada conductibilidade eléctrica. Existem soluções isosmolares de sorbitol.

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base

Fig. 41 – A entrada repentina de água para o espaço intravasculardurante uma ressecção transuretral da próstata pode originar umahiposmolaridade grave com hemólise.

Fig. 42 – A terapêutica deste quadro clínico dependeráessencialmente dos valores da osmolaridade plamática e dasrepercussões da hemólise sobre o rim.

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anfíbios, as guelras e os tegumentos encarregavam-se dessa função em simultâneo com algumas trocasiónicas que intervêm também na manutenção doequilíbrio hidroelectrolítico. O CL- é trocado peloCO3H-, enquanto que o NH4+ e o H+ são trocadospelo Na+. A evolução do aparelho respiratório e apassagem para a vida terrestre vieram alterar opanorama. Com a complexidade estrutural, surgiu acomplexidade metabólica, que levou ao aumento daquantidade de produtos catabólicos, provocandoalterações profundas no meio interno, quantitativa equalitativamente. Como vimos anteriormente, algunsdos principais produtos de degradação proteica, comoo ácido úrico, a ureia e o amoníaco, podiam atingirníveis elevados no plasma de certos animais, semefeitos deletérios sobre o meio interno e, na maioriados casos, desempenhando mesmo um papel impor-tante na manutenção da osmolaridade orgânica. Issodeve-se à sua baixa toxicidade. Todavia, durante osprocessos metabólicos, são produzidos muitos pro-dutos capazes de provocar alterações do meio interno,que, não sendo rapidamente corrigidas pelos meca-nismos naturais, põem a vida em perigo. Um desses

produtos, produzido em grandes quantidades por sero principal catabólito resultante do metabolismocelular, é o anidrido carbónico, que é transformadoem ácido carbónico ao combinar-se com a água.Outros, embora produzidos em menor quantidade, sãobastante tóxicos. Contam-se entre estes o ácidosulfúrico, fosfórico, pirúvico e ácidos orgânicosvoláteis, muitos dos quais bastante difíceis de dosear(fig. 43).

Porém, o que aqui interessa são as consequênciasda sua dissociação iónica. E, por definição, ácido étoda a substância que, em solução, é dadora dehidrogeniões. Como o pH da solução depende daconcentração de hidrogeniões, quanto mais alta é estaconcentração, mais baixo é o pH e mais ácida é asolução.

No ser humano, o pH sanguíneo é de 7,40,portanto, ligeiramente alcalino. A vida não é com-patível com grandes oscilações de pH: abaixo de 6,9ou acima de 7,9 os processos vitais podem suspender--se rapidamente (fig. 44).

Convém, contudo, não esquecer que o pH édeterminado numa escala logarítmica e, como tal, umapequena variação traduz, regra geral, uma grandealteração na concentração de hidrogeniões. Para sedefender dessas variações, o organismo dotou-se desensores localizados no centro respiratório querespondem às alterações do pH sanguíneo. Mas seriainsensato, por parte do organismo, só responder àvariação da concentração hidrogeniónica, depoisdesta ser suficientemente grande para alterar o pH.Por esse motivo, equipou-se de sensores capazes decontrariar o processo numa fase mais precoce. Comoo anidrido carbónico é o principal responsável pelasalterações da concentração hidrogeniónica, aooriginar o ácido carbónico, o organismo criou sen-sores à pressão do anidrido carbónico. Localizadosessencialmente ao nível do seio carotídeo e no alvéolopulmonar, esses sensores enviam informações para ocentro respiratório, no sentido de alterar a amplitudee/ou o ritmo dos ciclos respiratórios, conforme asnecessidades. Mas seria também insensato deixar todaa regulação do equilíbrio ácido-base a cargo de umsó órgão que, ao ser bloqueado, poria todos ossistemas em perigo. Portanto, a solução mais eco-nómica seria aproveitar o rim, que é o órgão respon-sável pela manutenção do equilíbrio hidroelectro-lítico, para se encarregar também da manutenção doequilíbrio ácido-base, à semelhança das guelras nospeixes e dos tegumentos nos anfíbios e outros animaisaquáticos.

Mas como se processam esses mecanismos e quaissão os intervenientes desde a produção do H+ nacélula, até à sua eliminação para o exterior? Tudoreside nos sistemas-tampão. Sistema-tampão é toda

Fig. 43 – Do metabolismo celular resultam muitos ácidos, que senão forem rapidamente anulados, põem a vida em risco.

Fig. 44 – As oscilações da concentração de hidrogénio traduzem-se em oscilações do pH. Abaixo ou acima de certos valores, avida corre perigo imediato.

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a substância química capaz de captar ou fornecerhidrogeniões, e são sempre uma mistura de um ácidofraco com o seu sal alcalino, ou uma base fraca como seu sal ácido (fig. 45). Sendo o ácido carbónico oprincipal responsável pela libertação de hidrogeniões,era natural que o melhor sistema-tampão não fosse asua base alcalina, o bicarbonato, pois o CO3H- aocombinar-se com o H+ regenera o ácido carbónico.Mas é isso o que acontece, e com vantagem, pois anatureza muniu-se de um subterfúgio para contornaresse obstáculo, de modo a aproveitar o bicarbonatocomo excelente sistema-tampão para outros ácidos,através de um mecanismo que adiante será analisado.

Face a esta abordagem inicial, salienta-se deimediato que se dispusermos dos valores do pH,CO3H- e PCO2 do meio interno, ficamos com oselementos-chave para uma avaliação inicial apro-ximada de uma determinada situação clínica dedesequilíbrio ácido-base. À primeira vista, poderáparecer arrojada esta afirmação. Como se podeabordar o tema do equilíbrio ácido-base, sem falarda equação de Henderson-Hasselbalch, do normo-grama de Astrup e do significado preciso do pH e dasua dependência da constante de dissociação iónicade cada substância? Pela mesma razão pela qual, paracomprar um automóvel moderno, não necessitamosde saber em pormenor como funciona o motor deexplosão, o diferencial, o distribuidor e os circuitosde travagem. Basta ter umas noções gerais sobre osignificado de alguns dados técnicos, para nos arris-carmos a uma avaliação aproximada sobre as quali-dades do automóvel. Esses dados são-nos fornecidospelo fabricante. Os dados fundamentais equivalentesao equilíbrio ácido-base, também nos podem serfornecidos actualmente em cerca de dois minutos, comuma amostra de 2 cc de sangue arterial. Basta colhê--los, colocá-los no computador e ser-nos-ão dadosquase de imediato os valores sanguíneos de Hg,PCO2, PO2, CO3H-, o excesso ou défice de bases ea taxa de saturação da hemoglobina. Mas, como éóbvio, se não tivermos uma noção do significadodesses dados, de pouco nos servirão. Por isso, énecessário fazer uma abordagem sobre os mecanis-mos-chave que intervêm na regulação do equilíbrioácido-base.

Sistemas-TampãoComo atrás ficou dito, sistema-tampão é toda a

substância química capaz de fornecer ou receberhidrogeniões. No ser humano, os principais sistemas-tampão são:

— o sistema bicarbonato-ácido carbónico— o sistema-tampão hemoglobina— o sistema-tampão fosfato— o sistema-tampão proteínas.

Sistema-tampão bicarbonato-ácido carbónicoO sistema bicarbonato - ácido carbónico é o mais

utilizado pelo organismo para neutralizar ácidosorgânicos e inorgânicos libertados pelos processosmetabólicos. Dado que o ácido carbónico é um ácidovolátil, torna-se relativamente fácil ao organismolibertar-se dele. Simplificando este processo, pode-remos exemplificá-lo com uma simples reacção entreum ácido forte e o bicarbonato: SO4H2 + 2CO3HNa= SO4Na2 + 2CO3H2 (fig. 46).

Vemos, portanto, que dessa reacção resulta umsal neutro e o ácido carbónico. Este, pela acção daanidrase carbónica é convertido em CO2 e OH2 anível dos pulmões e eliminado pelo ar alveolar. Paraque o sistema funcione de modo a manter o pHsanguíneo dentro de um valor normal, é necessárioque a relação ácido carbónico/bicarbonato plasmá-ticos seja de 20 para 1, relação essa que correspondeao pH 7,4.

Essa proporção mantém-se constante, graças aoequilíbrio entre a PCO2 intra-alveolar e a PCO2 nosangue arterial, que são responsáveis pela concentra-

Fig. 45 – Através dos sistemas-tampão, o organismo controla asoscilações do pH plasmático.

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base

Fig. 46 – Todos os hidrogeniões resultantes do metabolismocelular podem combinar-se com bicarbonato, formando ácidocarbónico, que é facilmente eliminado pelo pulmão.

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ção de ácido carbónico no plasma. Assim, qualqueralteração no PCO2 alveolar produzirá alterações noPCO2 sanguíneo e consequentemente na concentra-ção de ácido carbónico plasmático, uma vez que o CO2é transformado em CO3H2 pela anidrase carbónica.Do mesmo modo, qualquer aumento do CO3H2 noplasma traduz-se num aumento da PCO2 alveolar.Os sensores que respondem às variações destaspressões parciais e ao pH sanguíneo encontram-se nocentro respiratório. Há portanto que reter, como basede todo o raciocínio sobre o equilíbrio ácido-base, estaproporção de 20/1 entre bicarbonato e ácido carbó-nico. Como se disse, dela depende a manutenção dopH em 7,4, pelo que o organismo tenta restabelecê-lade imediato, quando há uma variação (fig. 47). Quandoo bicarbonato neutraliza um ácido, captando oshidrogeniões, converte-se em ácido carbónico que, aoacumular-se no plasma e ao chegar ao pulmão, após adissociação em CO2 + OH2 pela anidrase carbónica,vai provocar o aumento de PCO2 no ar alveolar.

Daí resulta uma hiperventilação com a conse-quente libertação do excesso de anidrido carbónico,

mantendo-se a proporção de 20 para 1 entre bicar-bonato/ácido carbónico. O mecanismo inverso poderáverificar-se em caso de, por qualquer razão, aumentaro conteúdo de CO3H- no sangue. Este combinar-se-ácom o CO3H2, provocando um desequilíbrio narelação de 20/1. Baixará a concentração relativa deácido carbónico devido ao excesso de bicarbonato.A PCO2 do ar alveolar baixa, devido à difusão deCO2 para o plasma. Isto determina a depressão docentro respiratório, donde resulta uma hipoventilaçãocom a consequente subida de PCO2 alveolar, queoriginará por sua vez o aumento da concentração doácido carbónico sanguíneo, repondo assim a relação20/1 e consequentemente a reposição do pHsanguíneo no seu valor normal (fig. 48).

Através deste mecanismo, fica também explicadaa razão pela qual, não sendo o CO3H- o tampão idealpara neutralizar o ácido carbónico, é o que melhorserve para eliminar os H+, por utilização do pulmãocomo órgão efector. De facto, ao dar-se a reacçãoCO3H- + H+, o ácido carbónico (CO3H2) é rege-nerado, aumentando a sua concentração no sangue.O equilíbrio 20/1 de ácido carbónico/bicarbonatoquebra-se a favor do ácido carbónico, provocandoum aumento do PCO2 alveolar, com a consequentehiperpneia e eliminação do CO2. É pertinente salien-tar, embora seja uma analogia um pouco forçada, queos sensores ao pH actuam como os sensores da osmo-laridade. Eles apenas reagem quando se estabeleceum desequilíbrio na relação CO3H-/CO3H2. Ossensores não são capazes de distinguir se há ou nãoum excesso global de CO3H- e ácido carbónico, desdeque a relação se mantenha. Os osmorreceptorestambém não distinguem se há ou não um excesso desódio no organismo, desde que a osmolaridade semantenha dentro de um valor normal, como acontecena retenção de sódio e água em proporções isosmo-lares. Torna-se evidente que estes processos não serealizam de forma independente de todos os outrossistemas-tampão. Se não houvesse uma perfeitacoordenação entre os vários sistemas através dosmecanismos de retroacção, seria impossível umperfeito equilíbrio.

Sistema-tampão hemoglobinaNo processo de transporte do ácido carbónico, o

sistema-tampão hemoglobina desempenha um papelfundamental ao “manipular” o CO2 resultante dometabolismo celular. À medida que o CO2 se vaiacumulando no sangue, aumentando a sua concen-tração, difunde para o interior do glóbulo vermelho,onde sofre a acção da anidrase carbónica, que ocombina com a água, formando CO3H2. O CO3H2dissocia-se de imediato em CO3H- + H+. O hidro-genião liga-se à hemoglobina reduzida, enquanto que

Fig. 47 – Em condições normais, o organismo corrige as variaçõesda concentração de hidrogeniões, mantendo uma relaçãobicarbonato-ácido carbónico de 20 para 1.

Fig. 48 – Quando há excesso de produção de hidrogeniões,quebra-se a relação de 20 para 1 entre bicarbonato e ácidocarbónico, a favor deste. Com isso sobe a PCO2 plasmática eintra-alveolar, provocando hiperventilação pulmonar.

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o CO3H- se liga ao potássio, formando CO3HK. Aochegar aos capilares alveolares, a hemoglobina redu-zida combina-se com o oxigénio e volta a fornecer oH+ ao CO3HK, para formar novamente ácidocarbónico, que se dissocia em CO2 + OH2, que sãolibertos pela respiração ao mesmo tempo que libertao K+. Este processo é mais complexo, dada anecessidade de manter a neutralidade eléctrica, maspara simplificar este mecanismo, ignoramos os outrosiões intervenientes (fig. 49).

Regeneração do Bicarbonato a nível renalO anidrido carbónico resultante do metabolismo

celular, presente em todas as células, está tambémpresente nas células tubulares renais, onde sofre aacção de anidrase carbónica, formando CO3H- e H+.Este hidrogenião é trocado pelo sódio da urina tubular,recuperando-se na célula tubular o CO3HNa, quepassa para o plasma. O hidrogenião cedido liga-se aobicarbonato da urina tubular que foi filtrada peloglomérulo. Daí resulta ácido carbónico, que sedissocia em CO2 e OH2. A água é expulsa para oexterior na urina e o CO2 difunde-se para a célulatubular onde a anidrase carbónica o converte nova-mente em CO3H- e H+. As trocas anteriormentedescritas com o sódio repetem-se e, assim, o bicar-bonato é constantemente reganerado. Mas estehidrogenião que se forma na célula tubular também éeliminado pela urina através dos sistemas-tampãofosfato e amoníaco. (fig.50)

Sistemas-tampão fosfato e amoníacoO sistema fosfato utiliza o PO4HNa2 da urina

tubular. Este capta um H+ em troca do Na+, formandoPO4H2Na que é eliminado pela urina, enquanto osódio é recuperado, ligando-se ao bicarbonato dacélula tubular. O sistema amoníaco utiliza o NH3,que se liga ao hidrogenião formando NH4+, que é

eliminado pela urina sob a forma de cloreto de amónio(fig. 51).

Convém referir que a creatinina e o ácido úricofuncionam também como tampões, mas a uma escalapouco significativa. O mesmo acontece com asproteínas, com carga negativa e capazes de captarhidrogenião.

Para facilitar o raciocínio sobre estas imensastrocas, é imprescindível ter sempre presente que onúmero de catiões e de aniões do plasma deve sersempre igual. Isto é o mesmo que dizer que o númerode cargas positivas deve ser sempre igual ao númerode cargas negativas, de modo a manter a neutralidadeeléctrica do plasma.

Assim, qualquer perda ou ganho de cargaseléctricas positivas pelo plasma, tem que ser contra-balançado pelas correspondentes perdas ou ganhosde cargas eléctricas negativas e vice-versa. Assim seexplica que a baixa plasmática do CO3H- sejaacompanhada, regra geral, por uma subida do Cl-,como se verifica na acidose metabólica.

Para finalizar este tema, salientamos aquilo queatrás referimos: uma interligação perfeita de vários

Fig. 49 – A hemoglobina, com a sua capacidade oxirredutora,desempenha um papel primordial no transporte dos hidrogeniõesaté ao alvéolo pulmonar.

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base

Fig. 50 – C. T. R. – célula tubular renal; E. I. – espaço intersticial;C. B. – cápsula de Bowman; G. – glomérulo; T. R. – tubulo renal.

Fig. 51 – O rim serve-se de todos os subterfúgios para eliminarhidrogeniões e regenerar simultaneamente o bicarbonato.

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componentes do organismo de modo a manter um totalequilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base, em que ospulmões e os rins actuam como órgãos efectores, emresposta aos estímulos libertos nos sensores distri-buídos a vários níveis do organismo. Em resumo, orim responde aos mediadores libertos por estimulaçãodo eixo neurohipofisário, aparelho justaglomerular eaurícula direita – hormona antidiurética, sistema reni-na-angiotensina-aldosterona e ANP – e os pulmõesao centro respiratório.

Após esta sumária revisão sobre equilíbrio ácido-base, em que se procurou apenas salientar o papeldos principais intervenientes no processo, focaremossomente as duas situações mais graves de desequi-líbrio que com mais frequência se apresentam aomédico: a acidose metabólica e a acidose respiratória.

Estas duas situações mais frequentes, necessitamde um diagnóstico urgente, pois disso poderádepender a vida do doente. A alcalose respiratória ea alcalose metabólica, regra geral, quando surgem,prendem-se a situações transitórias, muitas vezesrelacionadas com a terapêutica das duas primeiras oucom situações clínicas que saem do âmbito destetrabalho. Todavia, há excepções e convém estar pre-venido para as enfrentar.

No entanto, é a acidose metabólica a situação emque o médico é obrigado, não só a fazer o diagnóstico,como também a instituir a terapêutica correcta.

Acidose metabólicaJá foi abordado anteriormente o papel importante

que o rim desempenha na manutenção do equilíbrioácido-base, quer eliminando o excesso de valênciasácidas, representadas pelos hidrogeniões, quer narecuperação das valências alcalinas, representadaspelo bicarbonato. É, como tal, evidente que todo oquadro clínico que provoque um bloqueio funcionaldo rim, quer seja de causa parenquimatora ouobstrutiva, irá provocar forçosamente um desequi-líbrio ácido-base e, obviamente, também um desequi-líbrio hidro-electrolítico, que já atrás foi descrito. Agravidade do quadro clínico e a complexidade doquadro semiológico dependerão essencialmente dotempo de duração da anúria e da existência ou não depatologia associada.

Para tornar tudo mais simples, analisaremos umquadro padrão de um doente saudável que entra emanúria, independentemente da causa. Nas primeirasvinte e quatro horas, provavelmente nada se detectaráno quadro semiológico, além da anúria. A retençãohídrica e de produtos do catabolismo, ainda nãoatingiram as concentrações plasmáticas necessáriaspara tornar objectivos os sinais semiológicos reve-ladores. Se o doente se manteve a ingerir líquidos,talvez já sejam evidentes alguns sinais discretos de

edemas maleolares e palpebrais. Contudo, os sensoresorgânicos já foram estimulados e já desencadearamo processo de reequilíbrio. À medida que o tempopassa sem reversão da anúria, o quadro semiológicovai-se tornando típico. Os edemas tornam-se eviden-tes, sobretudo palpebrais e maleolares, com tendênciaa generalizar-se a todo o corpo. A hiperventilaçãotorna-se notória. A T.A. começa a elevar-se. A P.V.C.também, podendo ultrapassar os 10 cm de OH2. Àauscultação pulmonar podem ser perceptíveis ralasde estase. Os dados laboratoriais começam então adelinear-se para um padrão típico: descida do hema-tócrito, do sódio e das proteínas plasmáticas, subidada creatinina, do azoto ureico, do cloro e do potássio.A osmolaridade plasmática, regra geral, ultrapassaos 310 mosm/l. A gasometria revelará inicialmenteum pH dentro dos valores normais, mas o bicarbonatocomeça a apresentar valores que podem ser inferioresa 20 mEq/l. A PCO2 diminui, podendo atingir os 30mm/Hg, enquanto que a PO2 sobe, ultrapassando,regra geral, os 100 mm/Hg. Estes valores são por sisó suficientes para pôr o diagnóstico de sindromahiperosmolar com retenção hídrica e acidose metabó-lica compensada. Se o quadro continuar a evoluir,todos os parâmetros anteriores apresentarão umagravamento. Contudo, há que focar a atenção emquatro parâmetros fundamentais, que por si só nosindicam se o doente se encontra em perigo de vidaiminente: a Kaliémia, o pH sanguíneo e concentraçãoplasmática do bicarbonato e a osmolaridade plas-mática. Valores de Kaliémia superiores a 7,5 mEq/l,pH inferior a 7, bicarbonato inferior a 10 mEq/l eosmolaridade superior a 340 mosm/l, traduzem riscode morte iminente do doente. Como tal, a actuaçãodo médico terá que ser imediata – se se tratar de umaanúria obstrutiva, promover a drenagem renal, depreferência por nefrostomia percutânea uni oubilateral. Se se trata de uma anúria parenquimatosa,proceder de imediato à hemodiálise.

Analisemos agora o que se passou sob o ponto devista fisiopatológico:

— o bloqueio funcional renal originou a retençãohídrica e dos produtos do catabolismo, nos quais seincluem produtos osmoticamente activos e valênciasácidas. A retenção hídrica provocará hemodiluição,donde resulta a descida do hematócrito, do sódio edas proteínas plasmáticas. A retenção azotada iráprovocar a subida da osmolaridade plasmática.Todavia, não existirão grandes gradientes osmóticosentre o espaço extracelular e o intracelular, uma vezque a ureia e muitos outros produtos osmoticamenteactivos difundem rapidamente para o interior dascélulas através da membrana celular, mantendo assimas osmolaridades equilibradas. Por isso não éestimulada a sede, nem a ADH, mas os sensores

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orgânicos às alterações de volume são estimulados.Não há, contudo, resposta de reequilíbrio, pois osórgãos efectores – os rins – estão bloqueados aqualquer resposta (fig. 52).

Mas, se não há resposta ao reequilíbrio hidro-elec-trolítico, o mesmo já não se passa em relação aoreequilíbrio ácido-base, pois um dos órgãos respon-sáveis pela sua manutenção, os pulmões, estão fun-cionalmente aptos e, como tal, respondem aosestímulos dos sensores.

O excesso de hidrogeniões acumulados resultan-tes do bloqueio funcional renal, vão sendo neutrali-zados pelo bicarbonato, donde resulta a formaçãode ácido carbónico. Como o bicarbonato não érecuperado pelos rins, a relação 20/1 de bicarbonato/ácido carbónico diminui, e com ela o pH sanguíneo.Esta descida de pH estimula o centro respiratório,aumentando a amplitude respiratória. Como o ácidocarbónico plasmático se tinha elevado, elevou-sea PCO2 do sangue e, consequentemente, a PCO2 doar alveolar aumentou também, estimulando o centrorespiratório. A hiperventilação liberta o anidridocarbónico, diminuindo a PCO2 do ar alveolar e, assim,mais anidrido carbónico vai difundido do plasmapara o alvéolo. Como resultado, vai-se eliminandomais ácido carbónico do plasma, tentando resta-belecer a relação 20/1. Devido à hiperventilação, aPO2 aumenta. Inicialmente, enquanto a reserva dobicarbonato, embora mais baixa (< 20 mEq/l), aindaé suficiente para que a relação 20/1 se mantenha,o pH pode manter-se num valor normal. É a acidosemetabólica compensada. Mas com o bloqueiofuncional renal, não só não é recuperado o bicar-bonato, como não é eliminado o excesso de hidro-geniões. A relação bicarbonato/ácido carbónicocomeça a baixar drasticamente e com ela o pHsanguíneo, que pode atingir valores de 7, que estãono limiar compatível com a vida. Atinge-se o qua-dro de acidose metabólica descompensada. Ficaexplicado deste modo o porquê do pH baixo, daPCO2 baixa, da PO2 alta e do CO3H- baixo. Numatal situação em que há perigo de morte iminentedo doente, convém proceder a um reequilíbriourgente, antes de qualquer manobra invasiva. Paratal, deve proceder-se à administração de bicarbona-to de sódio. As concentrações elevadas de 8,4% debicarbonato de sódio, devem ser as preferencialmenteusadas, dada a habitual retenção hídrica. Assim, podeelevar-se rapidamente o CO3H- e pH plasmático, compouco volume de líquido, ao mesmo tempo quepromovemos a deslocação de potássio para o inte-rior da célula, com baixa da kaliémia, reduzindo-seassim, ao mesmo tempo, dois factores de risco. Aquantidade a administrar deve ser controlada comgasometrias de modo a não deixar o CO3H- ultra-

passar 18 mEq/l, prevenindo desta forma uma even-tual alcalose respiratória. E nunca é de mais lem-brar que o sódio administrado, vai aumentar aosmolaridade do líquido extracelular, provocando asaída de OH2 do espaço intracelular para o espaçoextracelular, podendo conduzir a um edema agudodo pulmão. Por tal motivo, a P.V.C. deve ser sempremonitorizada.

Acidose diabéticaEnquanto a acidose metabólica observada na

I.R.A., resulta de uma acumulação de H+, porbloqueio da sua eliminação renal, a acidosemetabólica da diabetes resulta de um excesso deprodução de H+, por excesso de metabolização dosácidos gordos. Os órgãos efectores e os sistemas--tampão estão funcionalmente aptos, mas não sãocapazes de anular o excesso de valências ácidasproduzidas. Daí que a acidose metabólica resultante,regra geral, não assume a gravidade da acidosemetabólica da I.R.A. Pelo contrário, é o quadrohiperosmolar e de desidratação, que pôem em risco avida do doente. A glicose e os catabólitos resultantesda metabolização das gorduras e proteínas são osresponsáveis pela hiperosmolaridade. Os ácidos beta--hidroxibutírico e acetoacético, são os principaisresponsáveis pela acidose. Qualquer sindromahiperosmolar com perda de água, pode confundir--se clinicamente com o sindroma hiperosmolar dadiabetes descompensada. A anamnese poderá desem-penhar aqui um papel importante. O quadro de desi-dratação por perda de água secundária a excesso desolutos (neste caso a glicose) é semelhante ao obser-vado no “náufrago” que ingeriu água salgada. Nadiabetes, o excesso de glicose aumenta a osmolaridadeplasmática e a osmolaridade da urina tubular, pro-vocando uma diurese osmótica. Esta perda de água

Fig. 52 – Na anúria obstrutiva ou parenquimatosa há retenção deágua, electrólitos e produtos osmoticamente activos derivadosdo metabolismo celular, que levam simultaneamente a umdesequilíbrio hidroelectrolítico e ácido base. A bioquímica poderevelar valores que indicam perigo de morte.

Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base

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irá aumentar ainda mais a osmolaridade plasmá-tica. Como a glicose difunde lentamente para ointerior das células (devido ao défice de insulina),cria-se um gradiente osmótico entre o espaço extra-celular e o espaço intracelular. A água passa dointerior das células para o plasma, provocandohemodiluição e contrariando a hiperosmolaridade. Ahemodiluição e a perda de sódio induzida pela diureseosmótica, explicam por que muitos diabéticos, apesarde desidratados, podem ter o sódio dentro de valoresnormais. O gradiente osmótico que se estabeleceu,actuando no sistema diencéfalo-hipofisário, vaiestimular a libertação da A.D.H. e a sede. A baixa dovolume circulatório efectivo resultante da desidra-tação, vai estimular os barorreceptores, o sistemaR.A.A. e da A.N.P., que serão contudo insuficientespara contrariar a perda de água pelo rim e a evoluçãopara a desidratação. O tratamento destas situaçõesterá como objectivo a reposição do volume, osmola-ridade, pH e potássio, nos valores normais (o potássio,devido à perda pela urina, pode estar com valoresnormais). Nas situações graves, a administração deinsulina por si só, pode não ser suficiente. Masenquanto o benefício das soluções isosmolares éincontestável, já a administração de bicarbonato desódio é controverso, se o rim tiver uma respostafuncional adequada. Saliente-se que a administraçãode soluções isosmolares e insulina, pode ser acom-panhada de uma subida do sódio plasmático. Isto,porque a insulina provoca a deslocação da glicosepara o interior da célula, donde resulta uma hiper-osmolaridade do espaço intracelular. A água desloca-se então do espaço extracelular para o espaço intra-celular, resultando hemoconcentração, que se traduznum aumento da natrémia.

Acidose HiperclorémicaUm quadro de acidose metabólica de menor

gravidade a curto prazo, mas evoluindo insidiosa-mente a longo prazo, com quadro grave, pode serencontrado nas derivações urinárias com interposiçãode intestino. A causa desta acidose, está na absorçãode cloreto de amónio, resultante da desintegração daureia na porção de intestino onde é drenada a urina.Resulta também da absorção de cloro e muitas vezesde uma incapacidade renal de reabsorver o CO3H-.Esta incapacidade, na maior parte das vezes, éconsequência de pielonefrites de repetição, associadasàs derivações urinárias. Como é óbvio, este quadrode acidose metabólica é diferente da que resulta deum bloqueio funcional agudo do rim e, como tal, asua correcção com CO3HNa, pode prvocar a mortedo doente por hipocaliémia, pois a eliminação depotássio pelo rim, que já era elevada, agrava-se aindamais.

Tratando-se este trabalho de uma abordagem deconceitos gerais básicos sobre desequilíbrio ácido-base, parece-nos pertinente referir uma situaçãoclínica, pouco frequente, mas nem por isso destituídade interesse. Referimo-nos à acidose tubular renal. Ogrande interesse na sua abordagem está na possibili-dade de retirarmos uma ilação lógica, mas que nemsempre está presente na nossa mente. Realmente,apesar de ser do nosso conhecimento que o tubulorenal exerce várias funções parcelares, como areabsorção do CO3H-, a eliminação de aminoácidos,a reabsorção do sódio e da glicose, a eliminação dopotássio, a resposta à ADH, etc, etc, esquecemo-nospor vezes que uma anomalia parcelar desse mesmotubulo, pode também provocar bloqueios funcionaisparcelares. Daí a possibilidade de aparecimento deacidoses tubulares, de cistinúrias, de nefrites comperda de sal, de glicosúrias não diabéticas, de hipo-caliémias, de diabetes insípida, etc. Muitas poderãoser as agressões que conduzem a estes bloqueiosfuncionais parcelares do tubulo renal, mas é desalientar que as pielonefrites de repetição são umadas causas mais frequentes. Na acidose tubular renal,há precisamente um distúrbio na reabsorção doCO3H-. A causa não está totalmente esclarecida,apesar de se suspeitar ser da responsabilidade de umadeficiente produção da anidrase carbónica. Há umaforma da acidose tubular renal que poderá serrealmente congénita e, como tal, nada tem a ver comuma causa secundária, apesar do quadro clínico seridêntico, e destes conceitos não reunirem a unanimi-dade dos autores. E dentro do espírito que tem pautadoeste trabalho, não referiremos com detalhe asmúltiplas perturbações que acompanham esse mesmoquadro clínico. Aqui interessa apenas focar que aperda de CO3H- pelo rim, vai originar uma baixa doCO3H- plasmático e, como tal, uma quebra da relação20/1 de bicarbonato/ácido carbónico. Essa quebra,com predomínio de CO3H2, vai originar uma baixado pH, que irá ser equilibrado pelos mecanismos atrásdescritos, não deixando, contudo de existir, muitasvezes, uma acidose metabólica compensada oudescompensada.

É também pertinente recordar que a maioria dosmédicos lida com muitos doentes de escalões etáriosmais elevados. Daí resulta uma taxa elevada decomplicações bronco-pulmonares, acompanhadas deuma acidose respiratória. Mas se o médico temobrigação de diagnosticar e evitar a morte numa aci-dose metabólica, no caso de acidose respiratória, temapenas a obrigação de fazer o diagnóstico. A tera-pêutica cabe aos Serviços de Cuidados Intensivos,pois uma acidose respiratória grave, regra geral, sóse resolve com respiração assistida. Portanto, cabeaqui somente a descrição da fisiopatologia da acidose

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respiratória e da avaliação clínica e laboratorial quelevam ao seu diagnóstico.

Sob o ponto de vista fisiopatológico, remetemo-nos novamente para a relação 20/1 de bicarbonato/ácido carbónico. Assim, qualquer compromisso deventilação pulmonar, vai originar uma subida daPCO2 a nível do alvéolo e do sangue, donde resultatambém uma subida da concentração plasmática doCO3H2. O sistema-tampão CO3H- tenta a correcção,mas daí resulta a regeneração de mais CO3H2.Quebra-se a relação de 20/1 a favor do ácido carbó-nico. O organismo, na impossibilidade de aumentara eliminação de H+ pelo pulmão, recorre ao rim. Mas,como não interessa só baixar o ácido carbónico, mastambém elevar o bicarbonato, de modo a manter arelação 20/1, o rim encarrega-se também dessafunção. Assim, elimina hidrogeniões, decompondo oCO3H2 na célula tubular e, trocando o H+ pelo Na+da urina tubular, recupera o bicarbonato. Pelossistemas-tampão fosfato e sistema-tampão amónio,elimina também H+, pelos mecanismos já referidosanteriormente. Tenta assim manter o pH sanguíneodentro de valores normais, mas, se o bloqueio fun-cional pulmonar não for resolvido, o rim não será maiscapaz de evitar a descida do pH, e cria-se um quadrode acidose respiratória grave. A nível electrolítico, oNa+ e o H+ entram para o interior das célulasenquanto o K+ sai para o líquido extracelular. Sob oponto de vista clínico, é o quadro da insuficiênciarespiratória aguda que chama a atenção. É funda-mental não confundir a dispneia ou polipneia com ahiperventilação da acidose metabólica. Durante umaintervenção cirúrgica, pode desenvolver-se umaacidose respiratória aguda, apesar de uma boa oxi-genação dos tecidos. Basta para tal que a ventilaçãopulmonar não seja a ideal para eliminar convenien-temente o CO2 alveolar. Apesar de insuficiênciarespiratória aguda, o doente pode ter uma coloraçãonormal dos tegumentos. O diagnóstico definitivo daacidose respiratória, faz-se através da gasometria. OpH sanguíneo desce abaixo dos 7,4, podendo atingiros limites compatíveis com a vida - abaixo de 7. APCO2 eleva-se acima dos 46 mm/Hg, podendo atingirvalores superiores a 100 mm/Hg. A PO2, regra geral,baixa drasticamente e o CO3H- mantém-se dentro devalores normais.

Sob o ponto de vista terapêutico, a melhor soluçãoé entregar o doente aos Serviços de Cuidados Inten-sivos, pois em geral é necessário apoio ventilatório.Não esquecer que, em muitos casos, existe umcompromisso grave de ventilação pulmonar e a subidada PCO2 é acompanhada de uma baixa grave de O2.Esta má oxigenação tecidular, quer a nível pulmonarquer a nível geral, pode agravar drasticamente oquadro clínico, com lesões irreversíveis a vários ní-

veis, e consequente bloqueio das “bombas metabó-licas” celulares.

Para terminar, nunca é de mais insistir que muitosdesequilíbrios do organismo, sejam hidroelectrolíti-cos ou de outra natureza, não necessitam da nossaintervenção. Reequilibram-se por si mesmos, porqueesta é uma estratégia das estruturas vivas, com a talexperiência de milhões de anos, altura em que terãoaparecido os primeiros seres vivos. Os sistemas deretroacção estão presentes, mas é preciso esperar otempo necessário para que comecem a actuar, o quemuitas vezes o médico não faz. Temos o exemplotípico da redução da diurese das primeiras horas, nosdoentes submetidos a grande cirurgia. Esta baixa dediurese não é consequência nem de lesão renal, nemde défice de água. Resulta de uma resposta fisiológicaà agressão. Como conhecemos esse facto, sabemosque basta aguardar cerca de 24 horas para que tudose normalize. O sistema auto-reequilibra-se. Damesma maneira, muitas situações clínicas que porvezes se nos deparam, são passíveis de uma auto--regulação, desde que se aguarde o tempo necessário.Nem sempre é essa a nossa atitude e por vezesactuamos muito precocemente, e será difícil provarse um desequilíbrio teve ou não a nossa ajuda nosentido da irreversibilidade. Daí a grande importân-cia de uma correcta avaliação clínica e laboratorialdo doente, para ditar a nossa atitude. Hoje, as ava-liações laboratoriais conjugadas com a clínica dão--nos, na maioria das situações, os dados suficientespara sabermos se devemos esperar, se devemos actuarmoderadamente ou actuar drasticamente. Entrando nocampo da especulação, nada nos garante que, quandonão esperamos pela possível auto-regulação dodesequilíbrio de um sistema e actuamos precoce-mente, não estaremos a impedir que uma mutaçãoevolucionária presente nesse doente se manifeste –sobretudo se o doente morrer! Pensar que o homem éa meta final da evolução, é uma atitude antropocên-trica ultrapassada.

Reflexão final

Através da leitura deste trabalho, a começar pelotítulo, parece estar subjacente um certo pessimismoquanto ao destino do ser humano. O pessimismo existee é intencional. Não se trata de uma atitude negativistagratuita, mas ainda que seja, se induzir o leitor àreflexão, será já compensatório, mesmo que ocontributo seja pequeno. Quem o ler e reflectir,concluirá que, pelo menos aparentemente, somosrealmente o produto de acontecimentos fortuitos,ilhéus de ordem dentro do caos, em que grandescatástrofes estiveram na base da evolução. Mas seestiveram para a evolução, também o estarão para a

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involução, pelo menos para a espécie humana. Porém,pior do que as grandes catástrofes, poderão ser asmicro-catástrofes.

Quem quiser reflectir novamente sobre o efeitoborboleta, terá que reconhecer, mesmo que grosseira-mente, que nós somos um exemplo típico dessefenómeno. Somos uma “dependência sensível dascondições iniciais”. Essas condições iniciais terãocomeçado no tempo 10-43 segundos do universo, maso verdadeiro efeito borboleta, terá começado há cercade mil milhões de anos, com o aparecimento doseucariotes e com a reprodução sexuada. É essa a ima-gem que nos sugere a história da evolução. Durante11500 milhões de anos, o jogo de dados levou apenasaté à formação dos eucariotes. A partir daí e com areprodução sexuada, em apenas 400 milhões de anos,levou aos animais marinhos mais evoluídos e nosrestantes 600 milhões de anos, levou à criação dainteligência, e esta, pensa-se que demorou apenas ummilhão de anos a desenvolver-se, o que representauma fracção mínima da idade do universo. O ser hu-mano é indiscutivelmente um ilhéu de ordem máximadentro da desordem, o expoente máximo de entropiamínima9. E para terminar este trabalho, façamos umpouco de humor negro! Com a sua inteligência, ohomem tenta contrariar o crescimento da entropia,criando ordem. Constrói prédios e fábricas, constróibarragens e desvia rios, esventra as entranhas da Terrabuscando combustíveis, fabrica automóveis e aviões,bombas atómicas e de hidrogénio, pneus, plásticos,resinas epoxídicas, pesticidas, clorofluocarbonetos epastilhas elásticas. Cria bactérias e vírus contra osquais não haja defesas, e através de manipulaçõesgenéticas tenta fazer em pouco tempo o que a naturezademorou 3500 milhões de anos a fazer. Temconsciência que contraria a evolução para a entropiamáxima, mas constrói uma “estufa” no Arizona, quediz ser para criar um ilhéu de ordem em Marte, masprovavelmente já a pensar em utilizá-la quando adesordem se instalar na Terra. Com tudo isto, esque-ceu – ou fingiu esquecer – que a natureza é implacávele tem os seus próprios princípios invioláveis. Umdeles é o aumento inexorável da entropia – ao criar--se ordem num lado, cria-se desordem noutro. Mas,para descartar-se das suas reais responsabilidades, quesabe que as tem, irá um dia desculpar-se, dizendo quea culpa é da natureza, que, para não violar o segundoprincípio da termo-dinamica, propositadamente nãose defendeu dos milhares de produtos inúteis atiradospara a atmosfera, dos buracos na camada de ozono,do efeito de estufa, dos petroleiros partidos, dos olea-dutos rebentados, da contaminação dos mares e da

terra com tudo o que há de toxico, e ainda por cima,criando tempestades electromagnéticas na sua mente,levando-o, inocentemente, à autodestruição, aosmilhões, e talvez venha o dia, em que, perturbadocom tanta desgraca, sem consciencia do que está afazer, lance algumas bombas de hidrogénio, evitandoutilizar as bombas de neutrões, porque essas só matamo que é vivo e não criam tanta desodem! Com isto anatureza vai criando ilhéus de desordem dentro daordem, tentando destruir todos os eco-sistemas, quepor sua vez levarão à destruição do ser humano, eassim evita a violação local do segundo princípio datermodinâmica. E o homem acaba por autoconven-cer-se que talvez o Criador acredite nisto, e comorecompensa lhe garanta o reino dos céus.

Ao analisarmos o panorama da Terra neste fim deséculo – com as Angolas, Moçambiques, Ruandas,ex-Jugoslávias, e por aí fora; com os piratas do ar eos piratas de terra: com os buracos do ozono e osefeitos de estufa; com os milhões de toneladas depetróleo, pesticidas, e produtos químicos a contaminarmares e terra; com a deflorestação do planeta –parece-nos que algo há de errado na inteligência quedeveria contrariar o crescimento local da entropia.Esta reflexão final pode parecer estar em contradiçãocom todo o processo evolutivo descrito, em que, apósa criação da vida, as mutações foram sempre capazesde contrariar os desvios, alguma vezes até apro-veitando-se deles, para saltos positivos. Talvez assimvenha a ser novamente, mas não esquecer que nanatureza, sempre que houve catástrofes de curtaevolução, os seres dominadores extinguiram-se e aevolução tomou outro sentido, dando lugar a outrosdominadores. Mesmo que seja esse o sentido daevolução, a espécie humana corre sérios riscos, e issoé que é realmente preocupante.

Talvez Deus continue a “jogar aos dados” e,saturado da monotonia do jogo individual, escolheuum parceiro e ensinou-lhe alguns truques. E o parceiroserviu-se desses truques para jogar a dinheiro e fazerbatota, e inverteu a sua seta do tempo (fig. 53).

“O Senhor é subtil mas não malicioso”, diziaEinstein. Que é subtil, não restam dúvidas. Maliciosonão será, mas deixou o parceiro fazer batota. E oparceiro… de subtil nada tem, mas mais que mali-cioso, é maquiavélico. Porém, quando descobrir quenão tem onde gastar o dinheiro que ganhou ao jogode dados, com batota, será tarde. Quando chegar juntodo Senhor, terá que explicar porque fez batota comEle. E os seus átomos, que de uma fornalha vieram, auma fornalha voltarão.

9 Entropia é a medida da desordem de um sistema e decorre do segundo princípio da termodinâmica: qualquer sistema fechado,deixado ao seu livre arbítrio, evolui para a entropia máxima.

Edmiro Gomes da Silva

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Fig. 53 – O parceiro jogou a dinheiro, invocou a paz e fez aguerra...

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