Eric Hobsbawm - A era das revoluções

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  • 7/29/2019 Eric Hobsbawm - A era das revolues

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    8) A dupla revoluo: industrial e francesa

    HOBSBAWM, Eric J. A era das Revolues.

    Introduo

    A revoluo que levou o mundo modernidade uma revoluo sem

    precedentes, s comparvel s descobertas dos homens em tempos remotos quando o

    homem inventou a agricultura, a metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado. Esta

    revoluo transformou e continua a transformar o mundo, e no possui fronteiras claras

    com relao a tempo e a espao. Mas preciso discernir entre os seus resultados de

    longo alcance e aqueles acontecimentos que tm relao com os seus primrdios,

    ligados a uma situao internacional e social especficas.

    A grande revoluo de 1789-1848 foi o triunfo no da indstria em si, mas da

    indstria capitalista; no da liberdade e da igualdade em geral, mas da sociedade

    burguesa liberal; no da economia moderna ou do Estado moderno, mas de

    determinada regio geogrfica do mundo (partes da Europa e trechos da Amrica do

    Norte), tendo como centro os pases rivais e vizinhos da Gr-Bretanha e da Frana.

    Mas estas revolues bem mais poltica no caso francs e bem mais industrial

    no caso ingls no se limitaram aos dois pases: so como dois vulces de onde irradia

    a lava para uma regio bem maior. Porm, preciso levar em conta que no poderiam

    ter ocorrido em outro lugar do mundo, e que, ao mesmo tempo, seriam quase

    impossveis se no sob a forma do capitalismo liberal burgus.

    Para compreender este acontecimento, preciso retornar bem antes de 1789 na

    histria. Mesmo se se tomasse a Revoluo Americana como uma erupo de igual

    significado, ou de capital influncia, isto no basta para explicar as causas fundamentaisdestas revolues. Foras econmicas e sociais e ferramentas polticas e intelectuais j

    estavam preparadas em pelo menos uma parte da Europa suficientemente grande para

    revolucionar o resto. O problema para Hobsbawm no explicar a existncia de

    elementos de uma nova economia e sociedade, mas o seu triunfo.

    A mais notvel consequncia foi ter trazido um domnio do globo por uns

    poucos regimes ocidentais, em especial pelo regime britnico, sem paralelo na histria.

    Ante os negociantes, as mquinas a vapor, os navios e os canhes do Ocidente, e antesuas ideias, as velhas civilizaes e imprios do mundo capitularam e ruram. Mas esta

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    histria do triunfo gerou tambm uma outra histria, que em 1848 deu o anncio do que

    um sculo depois ganharia fora: a histria da contrao daquilo que antes se expandia,

    em uma espcie de revolta contra o Ocidente, que dominou metade do sculo XX.

    Captulo 1 O mundo por volta de 1780

    O mundo era muito menor por volta de 1780. Regies inteiras do globo

    permaneciam desconhecidas por todas as civilizaes, e mesmo a populao era apenas

    uma frao do que veio a ser posteriormente. A tecnologia ainda no havia aberto o

    caminho para as muitas regies do globo que seriam ocupadas posteriormente seja

    pelo acesso geogrfico, seja por vencer as intempries climticas ou endmicas.

    Mas, ao mesmo tempo, o mundo era, ento, muito maior. A simples dificuldade

    ou incerteza das comunicaes era um fator que contribua para este aspecto. Claro que

    as comunicaes haviam j h um tempo melhorado consideravelmente, principalmente

    se comparadas com a poca medieval. Mas comparadas com o que seria aps a

    revoluo das ferrovias, permaneciam rudimentares, e muitas vezes, proporcionalmente

    mais caros. Todo o transporte aqutico era consideravelmente mais rpido, ento.

    O mundo era essencialmente rural antes de 1789. A palavra urbano ambgua:

    ela inclui desde cidades grandes como Londres (com um milho de habitantes) e Paris

    (meio milho) e umas outras 20 cidades europeias com cerca de 100 mil habitantes, at

    pequenas provncias muito menores, onde viviam a maioria dos homens urbanos. Ainda

    sim, elas no eram menos urbanas por serem menores: havia esta separao

    cidade/campo, e os homens urbanos desprezavam os camponeses. Mesmo barreiras

    fsicas, como muralhas e impostos, separavam ambos. A cidade provinciana era uma

    prspera comunidade em expanso. Mas essa prosperidade vinha do campo (a riqueza

    era produzida l).O problema agrrio era o fundamental em 1789. Do ponto de vista da

    propriedade agrria e de suas relaes, pode-se dividir o complexo econmico cujo

    centro era a Europa em trs grandes segmentos: as colnias alm-mar, e sua economia

    fundada para abastecer as metrpoles; as regies a leste da Europa Ocidental, onde

    ficava a regio de servido agrria, e o campons tpico era um servo que dedicava boa

    parte do trabalho da semana ao senhor ou o equivalente em outras obrigaes; e o centro

    beneficirio.

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    A sociedade rural ocidental era um bocado diferente. O campons tpico tinha

    perdido muito da sua condio de servo no final da Idade Mdia, embora preservasse

    marcas amargas da dependncia legal. Somente algumas reas levaram o

    desenvolvimento agrrio adiante, rumo a uma agricultura puramente capitalista. A

    Inglaterra era a principal delas. Apesar da propriedade ser extremamente concentrada, o

    agricultor tpico era o arrendatrio de um empreendimento comercial mdio, operado

    por mo-de-obra contratada. O resultado do desenvolvimento desse modelo foi, entre

    1760 e 1830, a formao de uma classe de empresrios agrcolas, e de um proletariado

    rural gigantesco.

    Tecnicamente, a agricultura europeia era ainda, com exceo de algumas regies

    avanadas, duplamente tradicional e muito ineficiente. Mas no era este um sculo de

    estagnao agrcola. Pelo contrrio, um longo processo de expanso demogrfica,

    urbanizao crescente, fabricao e comrcio encorajava a melhoria da agricultura, e at

    a requisitava. O mundo agrcola era lerdo, a no ser em seu setor capitalista.

    J o mundo do comrcio, da manufatura, e das atividades intelectuais e

    tecnolgicas, era seguro de si e dinmico. significativo tambm que os dois principais

    centros da ideologia da libertao (o Iluminismo) fossem os dois da dupla revoluo.

    Com exceo da Gr-Bretanha, que fizera sua revoluo no sculo XVII, e

    alguns Estados menores, as monarquias absolutas reinavam em todos os Estados em

    funcionamento no continente europeu. Neste contexto, a classe mdia precisava do

    prncipe para levar a cabo suas ideias de progresso que quase sempre buscavam o

    monarca iluminado; e o monarca precisava dessa classe mdia e de suas ideias para

    modernizar seu Estado e sobreviver aos novos tempos. Mas por mais esclarecida que

    fosse a monarquia, havia um limite para as libertaes a que estava disposta.

    Havia um conflito latente que logo se tornaria aberto entre as foras da velha e

    da nova sociedade burguesa, que no podia ser resolvido dentro da estrutura dosregimes polticos existentes, exceto, claro, onde estes regimes j incorporassem o

    triunfo burgus, como na Gr-Bretanha.

    Captulo 2 A revoluo industrial

    A revoluo industrial foi uma exploso, porque a partir dela diversos grilhes

    do poder produtivo humano foram removidos, possibilitando a multiplicao rpida,

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    constante e ilimitada de homens, mercadorias e servios. A partir de 1780, a economia

    voava, por assim dizer.

    A revoluo industrial no possui um incio, um meio e um fim. No cabe

    perguntar quando ela terminou, ou se completou, pois sua essncia foi a de que a

    mudana revolucionria se tornou a norma desde ento. Pode-se dizer que um ponto de

    partida dessa revoluo pode ser localizado nos vinte anos entre 1780 e 1800.

    Qualquer que tenha sido a razo para acontecer esta revoluo na Inglaterra, isto

    no se deveu a uma superioridade cientfica e tecnolgica: a Frana era superior nas

    cincias naturais e possua uma impressionante escola politcnica; os britnicos estavam

    longe de serem superiores nas cincias sociais e a educao de seu pas era uma piada

    de mau gosto; os alemes estavam tambm frente da Gr-Bretanha, com um

    treinamento tcnico invejvel... Mas poucos refinamentos intelectuais foram necessrios

    para a Revoluo Industrial. Suas invenes tcnicas foram razoavelmente modestas,

    estando dentro do que poderia ser fabricado por artesos. A agricultura j estava

    preparada para a revoluo, o conhecimento cientfico necessrio j estava disponvel h

    um sculo, e mesmo a medida agrria revolucionria j se encontrava em prtica h

    algum tempo com o monoplio dos grandes agricultores.

    Apesar da expanso industrial que em certa medida j existia, que criou um

    ampliado sistema fabril mecanizado, no era ainda o tipo de expanso industrial

    necessrio para se fazer explodir uma revoluo.

    A indstria algodoeira britnica se desenvolveu como um subproduto do

    comrcio ultramarino. O comrcio colonial tinha criado a indstria algodoeira, e

    continuava a aliment-la. Cada fase do comrcio de escravos estimulava essa indstria:

    escravido e algodo marcharam juntos. Como o comrcio de escravos prometia uma

    expanso cada vez maior e mais rpida, o algodo se tornava uma promessa igualmente

    valiosa, o que encorajou o empresrio a adotar as tcnicas revolucionrias necessrias.Foi assim que nas dcadas de 1750 e 1760 a exportao britnica de tecidos de algodo

    aumentou mais de dez vezes. Em termos de vendas, a revoluo industrial pode ser

    descrita em seus primeiros anos como a vitria do mercado exportador sobre o

    domstico. A exportao se destinava principalmente ao mundo colonial, mesmo aps

    as guerras napolenicas e o bloqueio continental imposto aos ingleses. O algodo

    britnico por um lado deixou a America Latina dependente durante as guerras

    napolenicas, e por outro inverteu a relao com o Oriente Mdio, que de exportador deespeciarias passou a regio dependente desindustrializada.

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    Os novos inventos da indstria algodoeira favoreceram a revoluo industrial: a

    mquina de fiar, o tear movido a gua, a fiadeira automtica, e, um pouco mais tarde, o

    tear a motor. Eram simples e baratos, acessveis ao emprstimo de poucas libras. Como

    a matria prima vinha de fora, do mundo colonial, todo o processo de sua produo

    poderia ser dedicado a um mundo que produzia mais rapidamente por meio da

    escravido, ao invs de ser produzido de maneira mais lenta no sistema agrrio ingls. A

    primeira indstria a se revolucionar foi a do algodo.

    Essa mesma indstria trouxe tambm o primeiro momento de crise geral do

    capitalismo. O desenvolvimento dessa indstria trouxe a misria e o descontentamento,

    gerando levantes espontneos de trabalhadores da indstria e da populao pobre

    urbana. Da surgiu o ludismo, quando as mquinas foram responsabilizadas pela misria

    social por alguns trabalhadores. As trs maiores falhas econmicas, do ponto de vista

    dos capitalistas, eram: o ciclo de boom e depresso (no levados to a srio, a no ser

    pelos crticos do capitalismo, que acusaram ser este um processo inerente ao sistema); a

    diminuio da taxa de lucro; e a escassez de oportunidades lucrativas.

    Entre as solues contra as crises do capitalismo, os empresrios encontraram a

    reduo dos salrios e aumentos na jornada de trabalho. Mas havia o limite fisiolgico,

    que ameaava a vida do trabalhador e colocava em risco a produo em si. Se o custo de

    vida diminusse, porm, talvez fosse possvel diminuir os salrios. Foi assim que a

    indstria ficou sob uma enorme presso para que se mecanizasse (isto , baixasse os

    custos atravs da diminuio da mo-de-obra), racionalizasse e aumentasse a produo e

    as vendas, compensando com uma massa de pequenos lucros por unidade a queda nas

    margens.

    As indstrias metalrgicas no foram investimento de homens de negcio na

    Inglaterra: foram antes empreitadas de sonhadores. Pois no se poderia prever a

    expanso de seu mercado, como acontecia com o algodo. No foi a toa que afundou aproduo metalrgica inglesa nas primeiras dcadas. Mas essa desvantagem no afetou

    a indstria do carvo, que s tendeu a crescer, pois o carvo era o principal combustivel

    industrial e domstico do sculo XIX.

    A produo macia de carvo iria estimular a criao das ferrovias, pois era

    necessrio ser transportado em gigantescas quantidades. Essa inveno iria modificar

    para sempre as indstrias de bens de capital. A sua construo demandaria imensas

    quantidades de ferro e de ao, carvo, maquinaria pesada, mo-de-obra, e imensos

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    investimentos de capital. Alm disso, as ferrovias iriam abrir novos mercados e ampliar

    a comunicao e circulao dos homens.

    A distribuio desigual da renda era marcante, em uma poca em que no se

    fazia sentido colocar uma parte dos imensos ganhos de capital em bens sociais. E como

    no iriam gastar seu dinheiro com luxos, como o tinha feito a aristocracia do antigo

    regime, nem guardar o dinheiro ociosamente, os burgueses precisavam gastar seu

    dinheiro em fins lucrativos.

    Uma das novas atividades altamente lucrativas estava no campo, que fornecia

    agora alimento a uma populao que crescia a taxas vertiginosas. Uma mudana

    agrcola anterior que tinha possibilitado da revoluo industrial alimentava agora a

    revoluo. A liquidao do cultivo comunal da Idade Mdia (pelo Movimento das

    cercas) com seu campo aberto e seu pasto comum, da cultura de subsistncia, e das

    velhas atitudes no comerciais em relao terra foi uma verdadeira preparao

    evolutria entre os sculos XVI e XVIII. Fez da Inglaterra uma terra de grandes

    proprietrios, com um nmero moderado de arrendatrios comerciais, e um grande

    nmero de trabalhadores contratados, conseguido a um mnimo de problemas, embora

    intermitentemente fosse um processo que sofresse algumas resistncias, e no s de

    camponeses infelizes. Em termos de produtividade econmica foi um imenso sucesso;

    em termos de sofrimento humano, uma tragdia.

    Conseguir um nmero suficiente de trabalhadores era uma coisa, outra era

    conseguir um nmero de trabalhadores com as necessrias qualificaes e habilidades.

    Todo operrio tinha que aprender a trabalhar de uma maneira adequada indstria, ou

    seja, num ritmo regular de trabalho dirio ininterrupto (totalmente diverso dos altos e

    baixos do trabalho tradicional). Tinha tambm de aprender a responder aos incentivos

    monetrios, e para isso foi encontrada uma disciplina da mo-de-obra com multas,

    cdigo de senhor e escravo que mobilizava as leis em favor do empregador, etc. Masacima de tudo na prtica, sempre que possvel, de se pagar to pouco ao operrio que ele

    tivesse que trabalhar incansavelmente durante toda a semana para obter uma renda

    mnima. Outra maneira comum era o subcontrato, ou a prtica de fazer dos

    trabalhadores qualificados os empregadores de auxiliares sem experincia.

    Tanto na Gr-Bretanha quanto no mundo sabia-se que a revoluo industrial

    lanada nestas ilhas no s pelos comerciantes e empresrios como atravs deles, cuja

    nica lei era comprar no mercado mais barato e vender sem restrio no mais caro,estava transformando o mundo.

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    Captulo 3 A revoluo francesa

    A economia do mundo do sculo XIX foi formada principalmente sob a gide da

    revoluo britnica. J a poltica e a ideologia, sob a da francesa. Foi a Frana que deu

    aos outros povos o mpeto revolucionrio, quem forneceu o vocabulrio e os temas da

    poltica liberal e radical-democrtica para a maior parte do mundo, quem deu o primeiro

    exemplo e conceito de nacionalismo, quem forneceu os cdigos legais, o modelo de

    organizao tcnica e cientfica e o sistema mtrico de medidas para a maioria dos

    pases. Esta foi a obra da Revoluo Francesa.

    Na Frana as contradies entre o antigo regime e suas foras arcaicas e as novas

    foras emergentes com seus novos interesses era mais radical que em qualquer outro

    lugar. Mas isto no basta para explicar porque eclodiu a revoluo ali, e naquele

    momento, da maneira que se deu. Para isso, preciso compreender a chamada reao

    feudal que forneceu a centelha que explodiu o barril de plvora.

    A nobreza que gozava dos privilgios estava bastante segura, com sua iseno de

    impostos e direito de receber ttulos feudais. Mas politicamente sua situao era mais

    incerta: a monarquia absoluta tinha destitudo os nobres de sua independncia poltica e

    responsabilidade, reduzindo ao mnimo as suas velhas instituies representativas; alm

    disso, a nobreza inflava por conta de novos ttulos concedidos pelo rei para fins

    financeiros e administrativos (a classe mdia era mais competente na maquinaria do

    Estado do que a nobreza ociosa). E sua situao econmica no era a das melhores

    poca. Esta situao fazia com que os nobres se utilizassem de seu principal bem: os

    privilgios. Quando a nobreza resolveu tentar retornar ao Estado, ocupado pela classe-

    mdia, corroeu-o por dentro, exasperando essa mesma classe mdia. Assim como

    exasperaria o campesinato, extorquindo cada vez mais dinheiro do trabalho realizadoem sua terra, para sustentar os gastos cada vez maiores.

    Mas os gastos da nobreza representaram apenas 6% da crise monrquica. Um

    quarto dessa crise veio dos gastos com a guerra de independncia americana e com

    diplomacia, e metade veio pelo servio de dvida existente. A guerra e a dvida partiram

    a monarquia francesa.

    Foi assim que surgiu a primeira brecha no front do absolutismo: foi convocada

    uma assembleia de notveis, escolhidos a dedo, mas assim mesmo rebeldes,convocada em 1787. A segunda brecha foi a convocao dos Estados Gerais, que no

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    funcionava desde 1614. Assim, a Revoluo comeou com uma tentativa aristocrtica

    de salvar o Estado. A tentativa teve um duplo erro de clculo: subestimou a

    independncia do terceiro estado (que era destinado a representar todos os que no

    fossem do clero ou da nobreza, mas de fato possuia membros apenas da classe mdia); e

    desprezou a profundeza da crise scio-econmica a que estava submetida.

    A Revoluo no teve um lder, nem um partido que a conduzisse. Foi de

    massas. No entanto, um grupo relativamente coeso e coerente conseguiu dar-lhe alguma

    unidade. Era a burguesia. O documento da Declarao dos Direitos do Homem e do

    Cidado, de 1789, era um manifesto contra a sociedade hierrquica, mas no tanto a

    favor de uma sociedade democrtica e igualitria. A propriedade privada era um direito

    natural, sagrado, inalienvel e inviolvel; os homens eram iguais perante a lei e as

    profisses estavam igualmente abertas ao talento; a assembleia representativa que ela

    imaginava no seria democraticamente eleita, nem o regime nela implcito pretendia

    eliminar os reis. No geral, o burgus de 1789 no era um democrata.

    O Terceiro Estado tinha lutado para conseguir um nmero de 610 homens para

    representar a si mesmo perante os outros dois. Uma reivindicao relativamente

    modesta, pois este Estado representava 95% da populao. Agora, porm, lutava por

    algo mais: pelo voto individual, e no por Estados, se tornando assim maioria. Esta foi a

    primeira vitria revolucionria. O que transformou esta situao em uma situao

    revolucionria, foi que a conclamao dos Estados Gerais coincidiu com uma profunda

    crise scio-econmica, que fez com que os representantes do Terceiro Estado no

    fossem apenas militantes esclarecidos, mas fez com que seus objetivos coincidissem

    com o dos trabalhadores e camponeses. A tentativa contra-revolucionria dos outros

    dois Estados atraiu a fria revolucionria do povo, culminando com a Queda da

    Bastilha.

    Poucas semanas aps o 14 de julho, a estrutura do feudalismo francs e amquina estatal ruam em pedaos. A partir do momento em que a massa tentou

    radicalizar o processo, houve uma ciso: alguns moderados optaram por se opor ao

    projeto radical, e alguns mais radicais optaram por seguir estes anseios mais

    convulsivos.

    Entre 1789 e 1791 a vitoriosa burguesia moderada atuou pela Assembleia

    Constituinte. Economicamente, suas perspectivas eram liberais. Dava pouca satisfao

    concreta ao povo comum. A Constituio de 1791 no permitiu a democracia excessiva,por meio de uma monarquia constitucional baseada num direito de voto censitrio.

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    A reao dos setores aristocrticos e clericais levou primeiro a uma fracassada

    tentativa contra-revolucionria, e depois a uma tentativa suicida de fuga do Rei. O

    republicanismo se tornou uma fora de massa, pois um Rei que foge no representa

    mais o seu povo. Alm disso, a economia de livre empresa havia causado uma flutuao

    nos preos dos alimentos agravando o problema da fome, e incendiando os mais pobres.

    A veio a segunda Revoluo, de 1792, a Repblica Jacobina. Pois houve guerra, em

    uma tentativa desesperada do Rei e do Clero de restabelecer o poder real. A derrota na

    guerra trouxe a radicalizao.

    Em agosto-setembro de 1792 a monarquia foi derrubada, a Repblica

    estabelecida, e o Ano I inaugurado. Foram convocadas eleies para a Conveno

    Nacional. O partido dominante era o dos Girondinos, belicosos exteriormente, mas mais

    moderados na Frana. Representavam os grandes negcios. Os mtodos revolucionrios

    dos jacobinos na tentativa de uma guerra total contra as foras contra-revolucionrias

    atraram mais a ateno da maioria da nao, pois no apenas mobilizava todos os

    recursos para vencer esta guerra, como tambm porque seus mtodos mobilizavam o

    povo e traziam a justia social para mais perto. A 2 de Junho de 1793, os Jacobinos

    inauguravam a sua Repblica Jacobina, to temida pelos Girondinos.

    Para os revolucionrios do ano II, a escolha do Terror se deu nestes termos: ou o

    Terror, com todos os seus defeitos do ponto de vista da classe mdia, ou a destruio da

    Revoluo, a desintegrao do Estado nacional e provavelmente o desaparecimento do

    pas. Neste momento, as perspectivas mesmo da classe mdia francesa dependiam de

    um Estado nacional centralizado, forte e unificado.

    A primeira tarefa jacobina foi mobilizar o apoio de massa contra a dissidncia

    dos notveis e girondinos provincianos muitas vezes por meio de recrutamento geral,

    e por terrorismo contra os traidores, alm do controle geral dos preos. Uma nova

    Constituio foi proclamada: sufrgio universal, direito de insurreio, trabalho ousubsistncia, e declarao oficial de que a felicidade de todos era o objetivo do governo,

    e que os direitos do povo deveriam ser acessveis e operantes. Mais concretamente, os

    jacobinos aboliram sem indenizao os direitos feudais remanescentes, aumentaram as

    oportunidades para o pequeno comprador adquirir terras confiscadas e, mais tarde,

    aboliram a escravido nas colnias francesas.

    A tragdia jacobina foi a de ter de afastar o apoio que tinham. O regime era uma

    aliana entre a classe mdia e as massas trabalhadoras, mas voltado para a classe mdia.As concesses jacobinas eram toleradas apenas na medida em que ligavam as massas ao

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    regime sem ameaar os proprietrios. Alm disso, as necessidades econmicas

    afastaram o apoio popular. Nas cidades, o congelamento dos preos e racionamento dos

    alimentos beneficiava a massa, mas o congelamento dos salrios s prejudicava. No

    campo, o confisco sistemtico de alimentos afastou o campons. Em 1794, Robespierre

    derrubado pela Conveno, e executado.

    Esta fase da Revoluo, que vai de 1794 a 1799 tinha como problema alcanar a

    estabilidade poltica e o avano econmico nas bases do programa liberal de 1789-1791.

    Isto tem sido muito mal conseguido desde ento, e as alternncias de regime (Diretrio,

    Consulado, Imprio, etc.) so todas tentativas de evitar tanto a radicalizao jacobina

    como o retorno do velho regime. Cada vez mais o Diretrio necessitava do exrcito,

    visando a estabilidade poltica. Mas a classe mdia precisava tambm desse exrcito

    para expanso. O exrcito com suas pilhagens e conquistas pagaria a si mesmo e

    resgataria o governo. No foi toa que o mais inteligente e capaz dos lderes do

    exrcito, Napoleo, governasse a nao algum tempo depois.