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7. as Jornadas de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente [2012], FEUP, ISBN 978-989-95557-6-1 EROSÃO EM FUNDOS MARÍTIMOS CONSTITUÍDOS POR SEDIMENTOS MISTOS E DISPOSTOS POR CAMADAS Scour around Marine Foundations in Mixed Layered Sediments TIAGO FAZERES FERRADOSA (1) , FRANCISCO TAVEIRA-PINTO (2) e RICHARD SIMONS (3) (1) Mestre em Engenharia Civil, FEUP, Rua do Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto, Portugal, [email protected] (2) Professor Catedrático, FEUP, Rua do Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto, Portugal, [email protected] (3) Professor Catedrático, UCL, GM13 Chadwick Building, Gower Street, London WC1E 6BT, United Kingdom, [email protected] Resumo Sempre que uma determinada estrutura se encontra fundada em ambiente marítimo, estuarino ou fluvial e exposta, portanto, a um determinado escoamento, ocorre a manifesta tendência para uma obstrução ao normal curso de água pré-existente. Este fenómeno de constrição do escoamento gera erosões localizadas nos elementos de fundação, como é o caso de pilares e estacas. Este processo é caracterizado pela sua profundidade de erosão e pela extensão da fossa de erosão formada na vizinhança do pilar. A redução de volume do solo de fundação, anexo aos elementos estruturais, pode conduzir a situações de colapso da fundação ou colapso estrutural devido à fadiga exagerada. As erosões localizadas poderão ser geradas pela interação entre a estrutura e as correntes do escoamento, as ondas e marés, ou inclusive a combinações de ambos. A compreensão deste fenómeno torna-se crucial, no sentido de avaliar a severidade do processo e a eventual existência de um comportamento padrão relativo à profundidade de erosão, em diferentes condições respeitantes ao solo de fundação, nomeadamente, em solos não coesivos mistos ou estruturados por camadas de índole sedimentar. Palavras-chave: Erosões localizadas, sedimentos mistos e por camadas, profundidade de erosão, correntes, elementos estruturais de fundação. Abstract Whenever a structure is exposed to a flow there is a tendency to produce an obstruction to the flow’s normal course, this effect leads to local erosion in structural foundation elements, such as piles and stakes. The erosion process due to a structure placement in the flow corresponds to the so-called scour phenomenon. This erosive process is characterized by the formation of scour holes in the pile’s vicinity that may lead to a structural collapse due to foundation’s failure or structural elements fatigue. Structures which are founded in fluvial, estuarine and maritime environment are numerous. These structures are subjected to scour problems due to the interaction of the oncoming flow such as waves, tides and currents or even combinations of these. The comprehension of the local scour phenomenon is crucial, namely, regarding the study of the scour severity and scour depth behaviour due to different conditions in the foundations soils, also taking into consideration the several morphological characteristics presented by the sediment-beds in marine, estuarine and fluvial environments, including situations with non- cohesive layered and mixed sediments. Keywords: Local scour, layered and mixed sediments, scour depth, currents, structural foundation elements. 1. Introdução O fenómeno de erosão localizada nas fundações de estruturas offshore não depende das condições hidrodinâmicas na vizinhança dos elementos estruturais, como é significativamente afetado pelas características e pela organização dos sedimentos que compõem o solo de fundação. No sentido de avaliar a severidade do processo de erosão, bem como o comportamento da profundidade de erosão, em solos não coesivos (areias), com sedimentos mistos ou organizados por camadas de diferentes granulometrias, foi efetuado um programa de investigação experimental. Este estudo englobou a realização de trabalho laboratorial e modelação física representativa de casos típicos de fundações em solos marítimos, como é o caso das estruturas eólicas localizadas em Kentish Flats, Robbin Rigg, ou North Hoyle, Reino Unido. A análise realizada permitiu a comparação de resultados entre os diversos testes e um maior esclarecimento da influência de fatores como a uniformidade granulométrica, a espessura das diferentes camadas de solo e o efeito da camada de proteção, na profundidade de erosão, nomeadamente ao nível do seu valor de equilíbrio, δe. 22

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7.as Jornadas de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente [2012], FEUP, ISBN 978-989-95557-6-1

EROSÃO EM FUNDOS MARÍTIMOS CONSTITUÍDOS POR SEDIMENTOS MISTOS E DISPOSTOS POR CAMADAS

Scour around Marine Foundations in Mixed Layered Sediments

TIAGO FAZERES FERRADOSA (1), FRANCISCO TAVEIRA-PINTO (2) e RICHARD SIMONS (3) (1) Mestre em Engenharia Civil, FEUP,

Rua do Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto, Portugal, [email protected]

(2) Professor Catedrático, FEUP, Rua do Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto, Portugal, [email protected]

(3) Professor Catedrático, UCL, GM13 Chadwick Building, Gower Street, London WC1E 6BT, United Kingdom, [email protected]

Resumo

Sempre que uma determinada estrutura se encontra fundada em ambiente marítimo, estuarino ou fluvial e exposta, portanto, a um determinado escoamento, ocorre a manifesta tendência para uma obstrução ao normal curso de água pré-existente. Este fenómeno de constrição do escoamento gera erosões localizadas nos elementos de fundação, como é o caso de pilares e estacas. Este processo é caracterizado pela sua profundidade de erosão e pela extensão da fossa de erosão formada na vizinhança do pilar. A redução de volume do solo de fundação, anexo aos elementos estruturais, pode conduzir a situações de colapso da fundação ou colapso estrutural devido à fadiga exagerada. As erosões localizadas poderão ser geradas pela interação entre a estrutura e as correntes do escoamento, as ondas e marés, ou inclusive a combinações de ambos.

A compreensão deste fenómeno torna-se crucial, no sentido de avaliar a severidade do processo e a eventual existência de um comportamento padrão relativo à profundidade de erosão, em diferentes condições respeitantes ao solo de fundação, nomeadamente, em solos não coesivos mistos ou estruturados por camadas de índole sedimentar.

Palavras-chave: Erosões localizadas, sedimentos mistos e por camadas, profundidade de erosão, correntes, elementos estruturais de fundação.

Abstract

Whenever a structure is exposed to a flow there is a tendency to produce an obstruction to the flow’s normal course, this effect leads to local erosion in structural foundation elements, such as piles and stakes. The erosion process due to a structure placement in the flow corresponds to the so-called scour phenomenon. This erosive process is characterized by the formation of scour holes in the pile’s vicinity that may lead to a structural collapse due to foundation’s failure or structural elements fatigue.

Structures which are founded in fluvial, estuarine and maritime environment are numerous. These structures are subjected to scour problems due to the interaction of the oncoming flow such as waves, tides and currents or even combinations of these.

The comprehension of the local scour phenomenon is crucial, namely, regarding the study of the scour severity and scour depth behaviour due to different conditions in the foundations soils, also taking into consideration the several morphological characteristics presented by the sediment-beds in marine, estuarine and fluvial environments, including situations with non-cohesive layered and mixed sediments.

Keywords: Local scour, layered and mixed sediments, scour depth, currents, structural foundation elements. 1. Introdução

O fenómeno de erosão localizada nas fundações de estruturas offshore não depende só das condições hidrodinâmicas na vizinhança dos elementos estruturais, como é significativamente afetado pelas características e pela organização dos sedimentos que compõem o solo de fundação.

No sentido de avaliar a severidade do processo de erosão, bem como o comportamento da profundidade de erosão, em solos não coesivos (areias), com sedimentos mistos ou organizados por camadas de diferentes granulometrias, foi efetuado um programa de investigação experimental.

Este estudo englobou a realização de trabalho laboratorial e modelação física representativa de casos típicos de fundações em solos marítimos, como é o caso das estruturas eólicas localizadas em Kentish Flats, Robbin Rigg, ou North Hoyle, Reino Unido.

A análise realizada permitiu a comparação de resultados entre os diversos testes e um maior esclarecimento da influência de fatores como a uniformidade granulométrica, a espessura das diferentes camadas de solo e o efeito da camada de proteção, na profundidade de erosão, nomeadamente ao nível do seu valor de equilíbrio, δe.

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T. Ferradosa, F. Taveira-Pinto e R. Simons

As experiências conduziram ainda à obtenção das curvas relativas ao parâmetro supramencionado, a partir das quais se teceram considerações relevantes, no que concerne à sua comparação com o habitual formato logarítmico, aplicável a solos de fundação homogéneos.

Para além do objetivo primordial de análise da profundidade de erosão, foi efetuada uma análise aos métodos de previsão atualmente existentes quando aplicados ao estudo de sedimentos mistos ou organizados por camadas.

2. Enquadramento Geral

O fenómeno de erosão localizada deve-se à interação estrutura-escoamento, resultante da contração da secção útil disponível. Deste modo, quando uma determinada quantidade de fluido, no presente caso água, se aproxima da estrutura, sofre uma alteração do seu campo de velocidades. A massa de água que atinge sucessivamente o corpo (oncoming flow) tende a deslocar-se no sentido descendente, por ação do diferencial de pressão existente entre a superfície da água e o fundo. No topo, às velocidades maiores estão associadas pressões mais elevadas, e no fundo onde o atrito se faz sentir com mais intensidade as velocidades tendem a ser menores. Esta propriedade inerente à influência do atrito do fundo no escoamento é representada pela comummente designada de bed-boundary layer.

O movimento descendente da massa de água, gerado pela barreira física que é preconizada pelo pilar da fundação da estrutura tende, por fim, a dirigir-se de montante para jusante sob a forma de sucessivos vórtices (vórtice em forma de ferradura - Horseshoe vortices), que são no caso das correntes unidirecionais o principal mecanismo de erosão localizada. Na face a jusante da estrutura dá-se ainda a existência dos vórtices de esteira (Lee-wake vórtices), cuja influência no fenómeno de erosão aumenta com a presença de regimes de escoamento mais complexos, como no caso da existência de ondas ou de correntes e ondas combinadas.

A presença dos referidos mecanismos, bem como o aumento significativo das velocidades em torno do corpo submerso, levam ao aumento da tensão de arrastamento junto do fundo onde se situam os sedimentos. A referida tensão adota na literatura internacional a designação de bed-shear

stress. Acima do nível crítico para esta tensão, dependente do tamanho das partículas, os sedimentos passam a ser transportados para jusante, nas zonas onde o incremento de tensão é suficiente para tal. Para as situações em que a tensão de arrastamento se encontra abaixo do valor crítico, o transporte de matéria sólida pode ocorrer apenas na vizinhança da estrutura com maior incidência a jusante.

Por isso, o solo de fundação que é afastado dos pilares não pode ser compensado com material vindo de montante, gerando-se assim uma cavidade de erosão que coloca em risco a estabilidade da própria estrutura. Eventualmente, a referida fossa de erosão atinge um estado de equilíbrio, uma vez que a força do vórtice em forma de ferradura tende a diminuir com o aumento da profundidade de erosão.

Os mecanismos que conduzem à erosão localizada, assim como a configuração habitual do escoamento na presença de uma determinada estrutura do tipo pilar fino, são apresentados na Figura 1.

Figura 1. Mecanismos de erosão localizada e configuração do escoamento (adaptado de Sumer e Fredsøe, 2002).

Os valores da tensão de arrastamento podem ser obtidos através de diversos métodos, como é o caso das curvas experimentais de Shields e do seu respetivo parâmetro Ycr.

O valor de Xcr corresponde ao número de Reynolds das partículas do fundo móvel, e considera o diâmetro médio dos sedimentos D, da viscosidade cinemática da água υ e da velocidade crítica de arrastamento das partículas u*c. O parâmetro de Shields Ycr relaciona a tensão crítica de arrastamento τc das partículas do fundo móvel com o próprio escoamento, por via do peso volúmico da água γ e do solo γs. O método de cálculo aqui referido consta na Figura 2.

Figura 2. Curva de Shields (Quintela, 2000).

Os valores obtidos pela curva de Shields foram posteriormente comparados com valores adquiridos experimentalmente, com o intuito de se definir uma velocidade de escoamento que permitisse que as experiências fossem realizadas com transporte sólido apenas a jusante (clear-water regime), o mais próximo possível da velocidade crítica (v=24cm/s), que corresponde à situação estruturalmente mais desfavorável (Ferradosa, 2012).

As metodologias utilizadas no presente estudo para efeitos de comparação e avaliação da capacidade de previsão de δe em solos de fundação mistos ou estruturados por camadas, encontram-se devidamente detalhadas em Ferradosa (2012).

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Erosão em Fundos Marítimos Constituídos por Sedimentos Mistos e Dispostos por Camadas

3. Instalação Laboratorial e Testes Realizados

O estudo compreendeu a realização de diversos ensaios laboratoriais num canal de secção retangular (Figura 3), dotado de uma caixa de sedimentos, onde foi colocado um pilar circular (D=4cm) exposto a uma corrente unidirecional com altura constante (h=17cm). A velocidade do escoamento utilizada (v=19cm/s) teve em conta a necessidade de evitar problemas de semelhança geométrica nas dunas de fundo geradas a montante do pilar, mantendo-se assim as condições de ensaio caracterizadas pelo equilíbrio estático (clear-water regime), sem transporte sólido a montante do pilar.

Figura 3. Vista de montante do canal (sem o pilar introduzido) utilizado para as atividades laboratoriais.

Os sedimentos utilizados corresponderam a 2 areias finas (areia fina 1 e areia fina 2) e 1 areia grossa. As características dos sedimentos que foram testados encontram-se nos Quadros 1 e 2. Durante os ensaios foram testadas diversas configurações, nomeadamente, misturas em diferentes percentagens (sedimentos mistos), entre o sedimento areia fina 2 e areia grossa, assim como a estrutura sedimentar por camadas de diversas espessuras.

Quadro 1. Características dos sedimentos não coesivos utilizados nos ensaios laboratoriais.

Sedimento d16

(mm)

d50

(mm)

d84

(mm)

ρs

(kg/m3) σD1

Areia Fina 1 0.12 0.17 0.28 2650 1.53

Areia Fina 2 0.16 0.23 0.32 2650 1.41

Areia

Grossa 0.55 0.64 0.77 2650 1.18

1 Representa o parâmetro de uniformidade e dá uma medida da

homogeneidade do diâmetro das partículas do solo. Quanto mais próximo de 1 mais semelhantes são as partículas do solo entre si. Este parâmetro é adimensional.

Quadro 2. Caraterísticas dos sedimentos mistos.

Sedimento d16

(mm)

d50

(mm)

d84

(mm) ρs (kg/m3) σD1

25% Areia Fina 2

+

75% Areia Grossa

0.29 0.55 0.66 2650 1.55

50% Areia Fina 2

+

50% Areia Grossa

0.18 0.39 0.64 2650 1.90

75% Areia Fina 2

+

25% Areia Grossa

0.16 0.28 0.54 2650 1.84

As curvas granulométricas dos três sedimentos utilizados como base para os ensaios por camadas, e das misturas obtidas para as configurações mistas são apresentados, respetivamente, nas Figuras 4 e 5.

Figura 4. Curvas granulométricas das areias uniformes utilizadas nos testes de sedimentos por camadas.

Figura 5. Curvas granulométricas das areias utilizadas nos testes com sedimentos mistos.

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T. Ferradosa, F. Taveira-Pinto e R. Simons

Figura 6. Instalação experimental do canal utilizado nas experiências. À esquerda: secção transversal. À direita: secção longitudinal (Ferradosa, 2012).

A velocidade crítica de arrastamento utilizada como referência foi a da areia fina 2 igual a 24cm/s.

No presente caso de estudo, considerou-se o critério de Cardoso e Bettess (1999) para a obtenção da profundidade de equilíbrio, δe. O referido critério afirma que o valor δe é obtido pelo gráfico δ=f(log(t)), sendo dado pelas coordenadas do ponto inicial da terceira fase do mesmo. A aplicação do referido critério pode ser exemplificada através da Figura 7, relativa ao teste efetuado apenas com Fine

sand 2.

Figura 7. Exemplo de aplicação do critério de Cardoso e Bettess (1999), para o ensaio T2.1.

A realização de cada ensaio consistiu na colocação do pilar na caixa de sedimentos existente no canal de escoamento, sendo esta posteriormente preenchida com o solo de fundação desejado, podendo este ser uniforme ou misto, disposto numa única camada, ou então disposto por camadas, Figura 8. Seguidamente o pilar seria exposto a uma corrente unidirecional constante, quer em altura quer em intensidade, pelo que eventualmente se formaria a respetiva cavidade de erosão. Durante a realização dos ensaios, os valores da profundidade de erosão seriam registados com o intuito de elaborar as respetivas curvas de erosão em ordem ao tempo. Simultaneamente, foi efetuada a monitorização do perfil longitudinal 2D da superfície do fundo móvel a jusante e a montante do pilar, através da utilização de uma sonda acústica.

Figura 8. Disposição por camadas de espessura uniforme ao longo da caixa de sedimentos.

O controlo de estabilidade da corrente foi efetuado com recurso à utilização de dois velocímetros, um acústico e outro laser: ADV – Acoustic Doppler Velocimeter e LDV – Laser

Doppler Velocimeter.

4. Apresentação e Análise dos Resultados Experimentais

O conjunto de ensaios laboratoriais realizados permitiu a obtenção das diversas curvas da profundidade de erosão em função do tempo. Com os resultados obtidos pretendeu-se avaliar até que ponto a estrutura organizacional dos solos de fundação, tal como a sua composição em termos de uniformidade granulométrica, afeta a severidade do processo de erosão localizada. Os resultados obtidos podem assim contribuir de forma útil para a compreensão de situações complexas, como são os casos dos fundos móveis sedimentares, e dos solos mistos de índole não coesiva.

4.1. Ensaios laboratoriais relativos aos solos dispostos por camadas

A Figura 9 resume os resultados obtidos para a variável profundidade de erosão, δ, durante a série de ensaios relativa à disposição por camadas. Os testes foram realizados sempre com a camada de areia mais fina no topo, incluindo uma espessura de 10 mm, 25mm, 40mm, 55mm e ainda 2 testes uniformes só com areia fina e apenas com areia grossa.

Critério Cardoso e Bettess – T2

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Erosão em Fundos Marítimos Constituídos por Sedimentos Mistos e Dispostos por Camadas

Figura 9. Profundidades de erosão em ordem ao tempo, de solos dispostos por camadas.

A análise da Figura 9 permite observar que os testes realizados com disposição por camadas conduziram a resultados que se situam entre os testes uniformes, tal como esperado. A areia grossa tendo partículas de maior dimensão levou à menor profundidade de erosão no teste T2.2. O processo inverso levou a maiores valores de δe para o teste T2.1, realizado apenas com areia fina 2. Os vários ensaios realizados neste tipo de configuração sugerem que um aumento gradual na espessura da camada superior de areia fina tende a aumentar o valor da profundidade de erosão em função do tempo, incluindo no que concerne à situação de equilíbrio. Observando que o teste 2.7 está muito mais próximo do teste T2.1 do que o teste T2.5 está do T2.2, entende-se que o aumento da espessura da camada superior leva a maiores profundidades de erosão, no entanto este padrão comportamental não ocorre a uma taxa linear e, portanto, constante. O incremento da espessura não gera um aumento da profundidade de equilíbrio na mesma proporção.

Os testes T2.6 e T2.7 depois de atingirem a camada de areia grossa (inferior) evidenciam um comportamento paralelo ao teste T2.2, o que permite questionar o facto de estes ensaios poderem ser divididos em duas etapas independentes, uma coincidente com a evolução demonstrada em T2.1 e outra em T2.2. Aparentemente, o processo de erosão ocorre em cada uma das camadas de forma independente.

Para os testes T2.4 e T2.5 embora exista uma evolução da curva semelhante à de T2.6 e T2.7, o ponto de divisão entre as duas secções da curva não ocorre para uma profundidade igual à da camada superior de areia. À análise dos perfis 2D, relativos à direção longitudinal do fundo móvel e as observações diretas feitas aquando da realização dos ensaios, permitem identificar como possível razão para este fenómeno, o facto de a força do vórtice em forma de ferradura ser ainda suficiente para erodir de forma considerável a camada inferior, com areia grossa nos testes onde a espessura da camada superior é mais reduzida. O estado de equilíbrio em T2.4 e T2.5 foi atingido mais rapidamente do que em T2.6 e T2.7.

O transporte de partículas mais grossas, vindas da camada inferior para jusante, demonstrou uma tendência manifesta para que estas se situassem na parte de jusante das dunas, criadas para lá do pilar nos testes T2.4 e T2.5. Este comportamento propiciou um abrandamento da escala de deslocamentos horizontais das dunas para jusante, conduzindo assim a um estado de equilíbrio mais rápido, por comparação com o que se obteve em T2.6 e T2.7.

A referida existência do efeito da camada de proteção nas dunas de jusante e a variabilidade apresentada na intensidade dos mecanismos de erosão, nomeadamente no vórtice em forma de ferradura, impede a generalização da hipótese de que o processo de erosão localizada ocorre de forma independente nas duas camadas, como inicialmente os ensaios T2.6 e T2.7 faziam crer.

Ainda assim, é um facto que a variação da espessura da camada de areia fina, presente no topo, produz variações na profundidade de erosão máxima do solo de fundação.

4.2. Ensaios laboratoriais relativos aos solos mistos

As experiências efetuadas com misturas uniformes de sedimentos, referidos no ponto 4, Figura 10, incluíram diferentes proporções de areia fina 2 e areia grossa, sendo que estas foram comparadas com os testes T2.1 e T2.2 e que podem ser interpretados como tendo 100% de areia fina 2 e areia grossa, respetivamente.

Figura 10. Profundidades de erosão em função do tempo, para solos mistos.

Uma vez observados os resultados em questão, compreende-se que existe um aumento da profundidade de erosão com o aumento da percentagem de areia fina na mistura. No entanto, para o teste com 25% de areia fina e 75% de areia grossa os resultados de δ ficam abaixo do teste T2.2 (apenas com areia grossa). Tal facto não seria de esperar, dado que as partículas no segundo caso são maiores, e portanto menos suscetíveis de serem transportadas para jusante, provocando cavidades de erosão menos profundas.

Contudo, se for tida em conta a informação do quadro 1 e 2, constata-se que a mistura do teste T2.10 apresenta um valor de σD mais elevado do que o sedimento uniforme e não misto apresentado em T2.2, pelo que a dispersão granulométrica é maior no segundo teste.

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T. Ferradosa, F. Taveira-Pinto e R. Simons

A maior ausência de uniformidade nas partículas, presentes na mistura do teste número T2.10, pode constituir uma possível explicação para o sucedido. Esta relação está em consonância com o referido por Melville e Coleman (2000) no que concerne à influência de σD nos valores de δe.

Os testes T2.8, T2.9 e T2.10 e T2.11 apresentam profundidades de erosão sucessivamente menores com a menor quantidade de areia fina, dado que a presença de menores percentagens de areia fina 2 tende a conduzir a maiores valores de d50, o que está de acordo com o conhecimento geral que δe aumenta com a diminuição do diâmetro médio das partículas d50.

Dado o facto da curva do teste T2.9 apresentar um formato que não se enquadra na habitual aproximação logarítmica, optou-se pela repetição do referido teste, como se pode observar na curva T2.11. Ambos apresentam valores concordantes, com destaque para a situação de equilíbrio em ambos os testes. Contudo, é importante adotar uma análise conservativa quanto a estes testes, visto que seria necessário executá-los durante mais tempo para perceber se existiria a possibilidade de ultrapassarem a curva do teste T2.8. Ainda assim, todos os ensaios desta série cumpriram o critério de Cardoso e Bettess (1999). Devido à morosidade deste tipo de experiências não foi possível prolongar os ensaios. Tendo em atenção as funções expostas na Figura 10, é possível observar que o seu formato não se enquadra tão facilmente no que é apresentado pelas curvas uniformes do teste T2.1 e T2.2. Ao contrário dos testes com disposição estratificada da Figura 9, é questionável se a aplicação da lei logarítmica às curvas com sedimentos mistos é válida. Os testes T2.8, T2.9, T2.10 e T2.11 evidenciam um segmento linear ascendente, onde habitualmente se encontra a parte mais pronunciada da curva, relativa às profundidades de erosão, Figura 11.

Figura 11. Análise da secção retilínea das curvas de profundidade de erosão para sedimentos mistos.

A diferença mais marcante em relação aos valores da profundidade de equilíbrio ocorre para T2.10. Os ensaios realizados com 50% e 75% de areia fina 2 evidenciaram uma diferença de δe menos acentuada. A observação direta destes testes e a recolha de amostras granulares do solo de fundação, após o término das mesmas, não evidenciou qualquer fenómeno de proteção ou de separação das partículas.

Uma vez mais, os elevados valores de σD para estas misturas podem estar na origem das curvas que apresentam menor aproximação à lei logarítmica. Constata-se pela Figura 10 que, à semelhança dos ensaios com disposição por camadas, o aumento da proporção de areia fina não gera um incremento da profundidade de erosão na mesma proporção. Por exemplo, usando o teste T2.1 como referência, observa-se que nos ensaios T2.9 e T2.11 uma redução de 50% na quantidade de areia fina 2 conduziu a uma diminuição de δe da ordem dos 25%, porém no teste T2.8 uma redução de 25% na areia fina levou à diminuição da profundidade de equilíbrio em 20%.

Uma análise detalhada destes dados está ainda a ser realizada, com o intuito de proporcionar maiores esclarecimentos no que concerne às observações efetuadas.

A amplificação desta série de resultados será essencial para obter uma generalização válida das conclusões referidas.

4.3. Métodos de previsão da profundidade de equilíbrio: aplicação a sedimentos uniformes, T2.1 e T2.2.

Com base nas séries de testes realizadas no âmbito deste estudo, pretendeu-se efetuar a aplicação de métodos de previsão para a profundidade de equilíbrio, no sentido de se compreender qual o seu grau de fiabilidade e de que forma estes consideram as características do solo de fundação nos respetivos cálculos.

Ainda que as referidas metodologias apenas possam ser aplicadas a sedimentos uniformes, ensaios T2.1 e T2.2, através dos resultados obtidos e da sua comparação com os valores experimentais poder-se-á analisar quais as linhas orientadoras necessárias para adaptar estas fórmulas a situações mais complexas e comuns, como é o caso dos sedimentos mistos e dispostos por camadas.

As metodologias utilizadas encontram-se devidamente explicitadas na literatura da especialidade, nomeadamente Ferradosa (2012) onde é feita uma extensa revisão e discussão das mesmas.

A comparação dos resultados experimentais com os valores dados pelos vários métodos encontra-se na Figura 12, para o teste T2.1, e na Figura 13 para o ensaio T2.2. Ambas as ilustrações apresentam o valor percentual da diferença entre o valor experimental e o valor semi-empírico esperado para o mesmo teste, dependendo do método de previsão aplicado.

A observação das figuras supramencionadas permite constatar a evidente disparidade de resultados, para ambos os testes. Estas diferenças prendem-se essencialmente natureza semi-empírica dos métodos, bem como com o facto de estes não terem em conta as características dos sedimentos, como o parâmetro de uniformidade, o diâmetro médio das partículas, e a estrutura organizacional do próprio solo de fundação.

Os métodos que de algum modo ponderam estas propriedades são aqueles que evidenciam um menor erro na aproximação ao valor experimental, sendo disso exemplo a aplicação de Breusers et al. (1977) e Froehlich Design (1995) (Ferradosa, 2012). Os erros combinados mais pequenos são apresentados por estas duas metodologias.

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Erosão em Fundos Marítimos Constituídos por Sedimentos Mistos e Dispostos por Camadas

Figura 12. Diferença entre a profundidade de equilíbrio experimental e a previsão dada por cada método, ensaio T2.1.

Figura 13. Diferença entre a profundidade de equilíbrio experimental e a previsão dada por cada método, ensaio T2.2.

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T. Ferradosa, F. Taveira-Pinto e R. Simons

Os dois casos referidos anteriormente consideram não só características intrínsecas do solo de fundação, e.g. d50, como parâmetros que associam propriedades do solo a outras grandezas como a intensidade da corrente, e.g. velocidade crítica de arrastamento Uc., pelo que apresentam valores de previsão mais plausíveis.

Embora o teste T2.1 tenha apresentado menores erros, é importante observar que alguns deles foram obtidos por defeito, o que em termos reais se traduziria em situações de colapso eminente.

Por outro lado os excessivos valores obtidos para a experiência T2.2 conduziriam a trabalhos de sobredimensionamento das fundações, criando-se portanto soluções estruturais economicamente menos viáveis.

Na aplicação de qualquer um destes casos a situações reais, será sempre necessário obter um compromisso entre a segurança e a viabilidade económica, fomentando-se assim a otimização do dimensionamento dos elementos estruturais das fundações.

A aplicação dos referidos métodos permite afirmar que em realidades mais complexas, inclusivamente aquelas que englobam a disposição por camadas ou a existência de sedimentos mistos, os erros esperados iriam sofrer um incremento considerável. Deste modo, é necessária a adaptação destas metodologias, com a inclusão de novos parâmetros relativos às propriedades do solo de fundação.

5. Conclusões

Com base no presente estudo é possível retirar as seguintes conclusões:

• Os testes T2.4, T2.5, T2.6, T2.7 manifestaram uma clara influência da espessura da camada de areia fina de topo no valor de δe;

• O aumento da espessura traduz-se, simultaneamente, num incremento da profundidade de erosão, a uma taxa não constante, e no aumento da fossa de erosão;

• O efeito de proteção tornou-se mais evidente com a diminuição da camada de topo (ensaios T2.4 e T2.5);

• Os perfis 2D evidenciaram maiores cavidades de erosão com o aumento da camada de areia fina de topo;

• Os testes T2.8, T2.9, T2.10 e T2.11, evidenciaram um aumento de δe, consoante o aumento da percentagem de areia fina, presente no respetivo solo misto;

• Maiores valores de σD conduziram a menores valores de profundidade de erosão na situação de equilíbrio;

• Os testes com solo de fundação disposto por camadas apresentaram curvas δ=f(t) semelhantes às dos testes uniformes T2.1 e T2.2. Contudo, os testes com solos não uniformes (mistos) apresentam menor aproximação ao formato logarítmico habitual;

• A aplicação dos métodos de previsão para a profundidade de equilíbrio revelou-se pouco precisa, aquando da alteração das características geotécnicas, durante a mudança do solo do teste T2.1 para T2.2;

• A maioria dos testes apresentaram sobrestimações, no entanto o teste T2.1 apresentou alguns resultados por defeito;

• As metodologias que produziram o menor erro combinado (somado) entre ambos os ensaios foram: Breusers et al. (1977) e Froehlich Design (1995);

• Os resultados obtidos no âmbito da previsão de δe demonstraram que são necessárias diversas adaptações, no sentido de estender a aplicação destes métodos a casos de solos mistos ou dispostos por camadas;

• Constatou-se que as referidas adaptações devem ter em consideração fatores como por exemplo: a espessura da camada de topo, o parâmetro de uniformidade σD, entre outros de natureza geotécnica semelhante.

O estudo laboratorial efetuado permitiu a realização de uma pesquisa sólida, no âmbito das erosões localizadas em fundações complexas de índole marítima, expostas a correntes unidirecionais.

Foi concretizado o objetivo inicial de dar um contributo válido para o estudo de situações complexas respeitantes aos solos de fundação presentes em estruturas de tipologia offshore.

Num futuro próximo prevê-se a continuação do presente estudo, que passará pelo aumento do número de ensaios realizados, de forma a validar e generalizar as conclusões supracitadas.

Prevê-se, ainda, a realização de trabalho experimental em diferentes condições hidrodinâmicas, nomeadamente, em correntes bidirecionais e correntes e ondas combinadas, com o intuito de identificar semelhanças no padrão comportamental da profundidade de erosão e na severidade do processo de erosão localizada.

Por último, serão envidados esforços para realização de ensaios semelhantes a maiores escalas, procurando uma aproximação fiel às situações reais presentes neste tipo de fundações.

Agradecimentos

Os autores do presente artigo agradecem às seguintes instituições: Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, University College London e HR Wallingford.

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