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REVISÃO ERROS NA MEDICAÇÃO: ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO ERRORS lN MEDICATION: PREVENTIVE STRATEGIES ERRORES EN LA MEDICACIÓN: ESTRATEGIAS PARA LA PREVENCIÓN Silvia Helena De Bortoli Cassiani 1 RESUMO: Os erros na medicação constituem-se em aspecto de importância dentro da assistência à salide. O Instituto de Medicina Americano informa que de 44.000 a 98.000 americanos morrem anualmente de erros na medicação e que estes ocorrem em 2 a 14% dos pacientes hospitalizados A American Society of Hospital Pharmacists apresentam estratégias que se implementadas podem prevenir ou reduzir os erros na medicação. Esta revisão discute 4 estratégias: a prescrição eletrônica, o papel do farmacêutico , o relatório dos erros e o papel do paciente. Uma cultura não punitiva e que priorize a segurança dos pacientes deve ser estimulada nas instituições. PALAVRAS-CHAVE medicamentos, enfermagem, complicações INTRODUÇÃO Em 1995, uma jornalista americana especializada em reportagens da área da saúde de 39 anos e mãe de 2 crianças faleceu devido a um erro de medicação no Instituto de Câncer Dana-Farber, hospital internacionalmente reconhecido, em Boston - EUA, devido a uma super dosagem de medicação quimioterápica, descoberta dois meses após sua morte. Os artigos dos jornais americanos anunciaram o evento sob a alegação que as causas eram o pobre treinamento e supervisão da equipe de saúde naquele hospital. Esse incidente resultou em: investigações organizacionais, processos disciplinares contra médicos, enfermeiras e farmacêuticos, demissões da chefia médica, reorganização administrativa e grandes mudanças no cuidado naquela e em outras instituições americanas e colocou em destaque naquele país a questão dos erros na medicação. No Brasil a mídia também tem, esporadicamente, anunciado fatos que se reportam a erros na medicação , algumas vezes fatais. Entretanto, ao contrário do caso acima citado, não tem causado mudanças organizacionais de impacto nas instituições no que diz respeito à problemática dos erros nas instituições de saúde (Gois,2000, Muggiati, 1997). Estimativas norte-americanas indicam que em 1994, 100.000 pacientes hospitalizados tiveram reações adversas fatais aos medicamentos. Em cada 100 admissões há 6.5 eventos adversos e 5.5 eventos potenciais, sendo 28% desses preveníveis . Há 3 eventos adversos potenciais para cada evento realmente prevenível. 62% dos erros ocorrem nos estágios de prescrição e transcrição e pacientes que sofrem de eventos adversos às drogas têm um aumento na estadia de 2 dias e um custo aumentado na internação de mais de U$ 2000 doláres. Na avaliação dos custos de eventos adversos estima-se em $ 2.595 por evento e de $4.685 por evento prevenível, que geralmente é o mais sério (Bates et aI. , 1999a). O Instituto de Medicina Americano indica que entre 44.000 a 98.000 americanos morrem a cada ano de erros na medicação. Em 1993, 7.000 americanos morreram de erros na medicação, 1 Enfermeira. Professora Associada do Deparlamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP 424 R. Bras. Enferm , Brasília , v 53, n. 3, p. 424-430, Jul./set. 2000

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REVISÃO

ERROS NA MEDICAÇÃO: ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO

ERRORS lN MEDICATION: PREVENTIVE STRATEGIES

ERRORES EN LA MEDICACIÓN: ESTRATEGIAS PARA LA PREVENCIÓN

Silvia Helena De Bortoli Cassiani1

RESUMO: Os erros na medicação constituem-se em aspecto de importância dentro da assistência à salide. O Instituto de Medicina Americano informa que de 44.000 a 98.000 americanos morrem anualmente de erros na medicação e que estes ocorrem em 2 a 14% dos pacientes hospitalizados A American Society of Hospital Pharmacists apresentam estratégias que se implementadas podem prevenir ou reduzir os erros na medicação . Esta revisão discute 4 estratégias : a prescrição eletrônica, o papel do farmacêutico , o relatório dos erros e o papel do paciente. Uma cultura não punitiva e que priorize a segurança dos pacientes deve ser estimulada nas instituições .

PALAVRAS-CHAVE medicamentos , enfermagem , complicações

INTRODUÇÃO

Em 1995, uma jornalista americana especializada em reportagens da área da saúde de 39 anos e mãe de 2 crianças faleceu devido a um erro de medicação no Instituto de Câncer Dana-Farber, hospital internacionalmente reconhecido , em Boston - EUA, devido a uma super dosagem de medicação quimioterápica , descoberta dois meses após sua morte. Os artigos dos jornais americanos anunciaram o evento sob a alegação que as causas eram o pobre treinamento e supervisão da equipe de saúde naquele hospital.

Esse incidente resultou em: investigações organizacionais, processos disciplinares contra médicos, enfermeiras e farmacêuticos, demissões da chefia médica, reorganização administrativa e grandes mudanças no cuidado naquela e em outras instituições americanas e colocou em destaque naquele país a questão dos erros na medicação.

No Brasil a mídia também tem, esporadicamente, anunciado fatos que se reportam a erros na medicação, algumas vezes fatais. Entretanto , ao contrário do caso acima citado, não tem causado mudanças organizacionais de impacto nas instituições no que diz respeito à problemática dos erros nas instituições de saúde (Gois,2000, Muggiati, 1997).

Estimativas norte-americanas indicam que em 1994, 100.000 pacientes hospitalizados tiveram reações adversas fatais aos medicamentos. Em cada 100 admissões há 6 .5 eventos adversos e 5.5 eventos potenciais, sendo 28% desses preveníveis. Há 3 eventos adversos potenciais para cada evento realmente prevenível. 62% dos erros ocorrem nos estágios de prescrição e transcrição e pacientes que sofrem de eventos adversos às drogas têm um aumento na estadia de 2 dias e um custo aumentado na internação de mais de U$ 2000 doláres. Na avaliação dos custos de eventos adversos estima-se em $ 2.595 por evento e de $4.685 por evento prevenível, que geralmente é o mais sério (Bates et aI. , 1999a).

O Instituto de Medicina Americano indica que entre 44.000 a 98.000 americanos morrem a cada ano de erros na medicação. Em 1993, 7.000 americanos morreram de erros na medicação,

1 Enfermeira . Professora Associada do Deparlamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP

424 R. Bras. Enferm , Brasília , v 53, n. 3, p. 424-430, Jul./set. 2000

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Erros na medicação ..

comparados a 6 .000 mortes em acidentes de trabalho. Os erros ocorrem de 2 a 14% dos pacientes hospitalizados. Entre 1983 a 1993 , as mortes relacionadas à medicação cresceram na ordem de 257% ( Gandhi et aI. 2000).

Há que se destacar algumas definições importantes para o entendimento da questão: eventos (ou reações) adversos à medicação são definidos como qualquer injúria devido à medicação. Esses eventos podem ser preveníveis (ex: dose errada) ou não preveníveis (vermelhidão devido a um antibiótico).Erro na medicação é definido como qualquer erro que ocorreu durante o processo de medicação, nas fases de prescrição , dispensação, administração e monitoramento. Eventos adversos potenciais são eventos nos quais um erro na medicação ocorreu mas não causou injúria por alguma razão (ex: o erro foi interceptado antes do paciente ser afetado ou o paciente recebeu uma dose errada mas nenhuma lesão ocorreu).Todos os eventos potenciais são erros na medicação mas nem todos erros na medicação são eventos potenciais. A figura 1 mostra a relação entre essas definições.

FIGURA 1: Relação entre erros na medicação , reações adversas preven íveis e não preveníveis e eventos potenciais.

ERROS NA MEDICAÇÃO

NÃO PREVENivEIS

REVENIVE1S

A literatura atual indica que dificilmente o erro tem uma única causa - os profissionais, por exemplo , devendo-se considerá-lo mais como uma falha do sistema do que uma falha de indivíduos (Pepper, 1995). Dessa forma, investigações são conduzidas analisando o sistema de distribuição de medicamentos, métodos e instrumentos para detectar e avaliar os erros buscando, assim , tirar o enfoque das causas dirigidas exclusivamente para os profissionais (Dean et aI. , 1995).

Um dos estudos de referência que analisaram o sistema foi conduzido por Leape et aI. (1995) com o objetivo de identificar e analisar as falhas do sistema que conduzem a eventos adversos à medicação e erros potenciais. Foram identificados 16 falhas principais do sistema na seguinte ordem : disseminação do conhecimento do medicamento, checagem da dose e características do medicamento, disponibilidade de informação do paciente, transcrição da medicação, comunicação entre pessoal de diferentes serviços, padronização de doses e freqüências, padronização da distribuição de medicamentos dentro da unidade, preparação de medicações endo-venosas por enfermeiras, problemas de transferência de pacientes, entre outros. Observa-se, assim, a magnitude de aspectos envolvidos no erro de medicação.

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Erros mais comuns e letais referem-se às seguintes medicações: cloreto de potássio , insulina , cálcio e magnésio intravenoso , dose mal calculada de digoxina em crianças, injeção concentrada de cloreto de sódio , narcóticos intravenosos e aminofilina, além dos casos onde havia já conhecimento de alergia do paciente à medicação(Argo et al. ,2000) .

Há algumas estratégias que se implementadas podem prevenir ou reduzir os erros na medicação , apresentadas pela American Society of Hospital Pharmacists (ASHP), em 1996 como:

1. Prescrição com entrada direta no computador e envio à farmácia. 2. Uso de códigos de barra no seu processo de medicação. 3. Desenvolvimento de sistemas mais efetivos para monitorar e relatar os eventos adversos

à medicação. 4. Utilização de distribuição dos medicamentos em doses unitárias e preparação , pela

farmácia , de medicações injetadas por via endo-venosa . 5. Farmacêuticos atuando em áreas dos pacientes em colaboração direta com médicos

e enfermeiros. 6. Abordagem dos erros de medicação como uma falha do sistema e procurar soluções

para prevení-Ios. 7. Assegurar que as prescrições sejam rotineiramente revisadas pelos farmacêuticos

antes das primeiras doses e devem assegurar que médicos, farmacêuticos e enfermeiros procurem solução quando há alguma questão de segurança com respeito ao uso da medicação. O Centro de Informação de Medicamentos nos hospitais e conduzidos por farmacêuticos é uma opção para busca de respostas relativas aos medicamentos. Alguns desses aspectos serão abordados a seguir com base na revisão da literatura .

A PRESCRiÇÃO ELETRÔNICA

A prescrição eletrônica constitui o sistema em que o médico pode redigir a prescri ção medicamentosa diretamente no computador e envia-a, porvia eletrônica, para a farmácia, evitando assim as indesejáveis dificuldades com letras ilegíveis ou prescrições ambíguas e incompletas. Aproximadamente 80% dos erros na medicação podem ser prevenidos através da prescrição eletrônica , principalmente aqueles devidos ao esquecimento da indicação da dose do medicamento (Bates et aI., 1999b).

Há formatos padronizados para a prescrição medicamentosa. Hospitais americanos utilizam o sistema de prescrição eletrônica em que telas podem ser designadas para prescrição médica e testes de laboratório , de dois formatos o modo-assistido que auxilia o médico em campos requeridos e informação útil , por exemplo , ao prescrever digoxina , o último resultado de potássio é colocado e o modo rápido, quando o médico simplesmente escreve a presscrição, o que se constitui em somente 10% das prescrições realizadas. No Hospital Brigham and Women's de Boston a implantação desse sistema resultou em diminuição de 81 % da taxa de erros na medicação, erros sérios na medicação diminuíram 86% e erros com medicações antineoplásicas 50% (Teich et aI. , 1999) .

Vale considerar que esse é um sistema caro para os padrões nacionais custando $ 1.9 milhões para ser desenvolvido e implementado e $ 500.000 dólares por ano para mantê-lo , embora baseado na redução dos erros na medicação, a economia anual da instituição foi estimada de 5 a 10 milhões de dólares.

Outros dados revelam que das 15.000 prescrições realizadas diariamente naquele hospital , 400 são modificadas como um resultado da resposta do computador, que dão suporte à decisão do médico com respeito aos medicamentos ou solicitações de exame através de informações, alertas, lembretes e diretrizes. As informações são genéricas ou especificas do paciente como, por exemplo , resultados recentes de laboratório. Lembretes são notas que algo está

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devido, por exemplo, um teste de prevenção. Os alertas notificam aos clínicos sobre algo que eles podem não ter conhecimento , exemplo uma interação medicamentosa importante, ou uma recente mudança na função renal do paciente. E as diretrizes ou políticas são um tipo importante de suporte á decisão clínica .

O computador ainda sugere altemativas à medicação prescrita e estudos de diagnóstico, de acordo com as informações de chefes clínicos, auxilia na estruturação da prescrição , realiza uma checagem como alergias, interações e medicamentos selecionados pela características do paciente, sugere a prescrição de um medicamento, por exemplo , heparina profilática, quando o paciente é colocado em um leito em repouso ; oferece opções de medicamentos e freqüência para cada prescrição, baseados em propriedades tais como idade e função renal e avisa possíveis superdosagens.

Ainda o computador alerta quando um teste de laboratório é prescrito repetidamente em um intervalo curto de tempo e mostra os resultados de laboratório recentes e relevantes quando as medicações e produtos de sangue são prescritas e ainda cobra testes de diagnóstico.O usuário pode escolher aceitar ou declinar da sugestão do computador. Entretanto casos particularmente clínicos como doses de quimioterapia fora dos limites normais e se o usuário não aceitar a sugestão e mudar a prescrição, ela é eletronicamente enviada ao supervisor, que deve co-assinar a não aceitação antes de ser eliminada.

Esse sistema , portanto , auxilia médicos na elaboração da prescrição com o objetivo de diminuir os erros na medicação, principalmente aqueles ligados à redação da prescrição e os relacionados a alergias que o paciente pode apresentar. Considera-se, nesse caso , que é o próprio médico quem redige a prescrição diretamente no computador, sem o auxílio de transcritores que passariam a prescrição escrita à mão, para o computador, o que não apresentaria os mesmos resultados, já que pode haver um erro na transcrição da prescrição , o que seria indesejável.

PAPEL DO FARMACÊUTICO

O farmacêutico geralmente tem um papel fundamental na dispensação do medicamento. Todavia, na prevenção dos erros de medicação o papel torna-se diferente , na medida em que esse profissional tem uma atuação mais efetiva na clínica . Assim , o papel do farmacêutico , na clínica , inclui a intervenção no momento em que a prescrição está sendo redigida , a participação nas visitas médicas como um membro da equipe e uma fonte de consulta rápida à equipe de enfermagem sobre segurança nos medicamentos.

Leape et aI. (1999) conduziram um estudo cujo objetivo foi o de medir o efeito da participação do farmacêutico, nas visitas médicas das unidades de terapia intensiva, na incidência de eventos adversos preveníveis causados por erros na prescrição. As intevenções do farmacêutico se relacionaram a esclarecimento ou correção da prescrição, fornecimento de informação sobre o medicamento, recomendação de terapia altemativa, identificação de interação medicamentosa e identificação do erro no sistema entre outros. Através desse trabalho constatou-se uma redução de aproximadamente 58 eventos adversos preveníveis num custo de U$ 270 .000 doláres por ano, tendo boa aceitação por parte dos médicos.

Além da presença do farmacêutico , são ainda necessários: a manutenção do sistema de distribuição unitária (tanto o preparado pela industria como o empacotado pela farmácia) para todas as medicações exceto as da emergência; a instituição do sistema de preparação de medicamentos endo-venosos pela farmácia; a remoção das concentrações de cloreto de potássio das unidades de enfermagem; o desenvolvimento de procedimentos especiais para medicamentos de alto risco , usando diretrizes, duplo-check, embalagens e rótulos especiais e educação em serviço ; informação sobre novas drogas, drogas não freqüentes e drogas não padronizadas no hospital facilmente acessíveis para clínicos; fornecimento à equipe de

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orientação e educação periódicas quanto a prescrever, dispensar, administrar e monitorar medicamentos; educação de pacientes no hospital , na alta e no ambulatório sobre a segurança e exatidão no uso de suas medicações e disponibilidade, por telefone , de um farmacêutico após as horas de operação da farmácia .

Assim , entre outros aspectos , as metas para redução dos erros devem estimular a implementação de um sistema de prescrição eletrônica , como já detalhado; a incorporação de um padrão adequado de checks nos sistemas computadorizados do hospital (análise de terapias de drogas duplicadas, alergias de pacientes, interação potencial de drogas, interações drogal laboratório , taxas de doses) ; uso do computador ou registros eletrônicos na administração de medicamentos e o uso de códigos de barras.

Alguns obstáculos notados em muitas instituições para essas mudanças incluem a pouca experiência dos hospitais com métodos de melhoria da qualidade, dificuldade de contar com a participação dos médicos e a dificuldade de colocar a segurança na medicação como uma alta prioridade dentro do hospital. Portanto para construir um sistema seguro é preciso padronizar o sistema de medicação, padronizar drogas de alto risco e equipamentos, aprender com os erros, eliminar a transcrição , conhecer a historia dos medicamentos do paciente e melhorar a eficiência através da análise dos relatórios dos erros .

o RELATÓRIO DOS ERROS

o relatório dos erros tem importância ímpar já que possibilita a análise do fator causador do erro . Entretanto há estimativas que somente 5% dos erros na medicação são relatados e o fator principal dessa sub-notificação deve-se ao medo da punição.

Para aumentar o relato dos erros na medicação e assim permitir ao sistema identificar e corrigir falhas no sistema , prevenir eventos recorrentes e criar um ambiente seguro no cuidado ao paciente é importante criar e promover um ambiente não-punitivo, o que não significa não tomar atitudes com relação aos indivíduos envolvidos mas reconhecer a responsabilidade do sistema (Hussey,2000) .

No caminho da bem-sucedida criação de um ambiente não punitivo , que estimule o relatório dos erros , é preciso tornar aparente que os erros são causados por problemas no sistema , não por profissionais negligentes. Todos devem sentir que a segurança do paciente também é de responsabilidade deles e assim são parte da solução.

Criar um sistema não punitivo significa , assim, criar uma cultura que aceita o fato que indivíduos erram e desenvolver um sistema que inviabilize a possibilidade dos indivíduos errarem. O relatório através do computador pode ser, entre várias alternativas, uma forma de aumentar a captura dos incidentes .

A importância desses relatos deve ser enfatizada nas instituições, a fim de que promova intervenções a partir da análise desses relatos e incorporação desses dentro de um programa de melhoria contínua da qualidade, no qual o cliente é também participante.

O PAPEL DO PACIENTE

O paciente pode, dentro das possibilidades de sua situação e conhecimento , participar da prevenção de erros de medicação. Davis (1994) indica que os profissionais podem incentivar o paciente a ter uma listagem de suas medicações com nome e horário de administração de cada uma delas e assim examinar todas as medicações que lhe são dadas, conhecendo tamanho, formato e cor. Pode-se inclusive fornecer uma cópia da prescrição indicando o nome do medicamento, dosagem e horário.

É interessante , ainda , reforçar que o paciente informe se tem alergia ou sensibilidade a

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algum medicamento bem como se está desenvolvendo alergia a algum medicamento na atual internação.

Estas iniciativas, colocadas em conjunto a um programa de qualidade e segurança do paciente , farão do paciente e suas famílias membros ativos no cuidado , conhecedores de sua terapêutica e parceiros na prevenção dos erros de medicação ,

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos os aspectos aqui mencionados revelam a importância do estudo dessa temática e intervenções a partir desses estudos, embora a tecnologia esteja sendo desenvolvida para auxiliar os profissionais a prevenirem o erro, é ainda o fator humano que está nas duas pontas do sistema : o paciente e o profissional. Nota-se a multiplicidade de aspectos envolvidos na administração de medicamentos, e não há mais lugar para ambientes punitivos nas instituições preocupadas em analisar e prevenir a ocorrência dos erros na medicação,

Uma equipe multidisciplinar composta por farmacêuticos, médicos, enfermeiros e analistas de sistema podem tornar-se parceiros na busca de estratégias para prevenção dos erros na medicação, A instituição do sistema de prescrição eletrônica e a parceria dos médicos na adequada utilização do mesmo representa um avanço na busca de estratégias para prevenção dos erros. O envio dos dados diretamente à farmácia e a revisão dessa prescrição por um farmacêutico é outro aspecto a ser considerado.

Da mesma forma a instituição do sistema de dose unitária e preparação de endovenosos pela farmácia pode certamente diminuir a incidência dos erros na medicação , além é claro de proporcionar à enfermagem um tempo extra para o cuidado do paciente.

Essas são algumas estratégias que se utilizadas podem prevenir erros de medicação, outras, entretanto, podem ser consideradas como a instituição de um centro de informações sobre os medicamentos no hospital e a parceria importante do paciente , no que diz respeito ao conhecimento das medicações que lhe são administradas. Enfim , tais estratégias somente estarão coerentes dentro de um aspecto que privilegie a cultura de segurança na medicação e a melhoria da qualidade de assistência prestada à clientela.

ABSTRACT: Medication errors are an important aspect of health care, The American Institute of Medicine informs that 44 ,000 to 98 ,000 Americans die annually as a result of medication errors and that su ch errors affect 2 to 14% of hospitalized patients. The American Society of Hospital Pharma cists presents strategies that, if implemented , can prevent or reduce medication errors , This review discusses four strategies: electronic prescription , the pharmacist 's role, the report of errors and the patient's role . A non-punitive culture that prioritizes patient 's safety should be stimulated in institutions

KEYWORDS medication , nursing , complications

RESUMEN: Los errores en la medicación constituyen un importante aspecto dentro de la asisten cia a la salud . EI Instituto de Medicina Americano informa que de 44 .000 a 98 ,000 americanos se mueren anualmente por errores y que ocurren a 2 de los 14% de los pa cientes hospitalizados. La American Society of Hospital Pharmacists presenta estrategias que si fueran implem entada s se podrian prevenir o reducir los errores en la medidación . Este estudio discute 4 estrategia s la prescripción electrónica , el papel dei farmacéutico , el relatorio de los errores y el papel dei pa ciente. Conciuye con que una cultura no punitiva y que dé prioridad a la seguridad de los pacientes debe estimularse en las instituciones,

PALABRAS CLAVE: medicamentos , enfermería , compli caciones

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Recebido em novembro de 2000 Aprovado em dezembro de 2000

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