31
Cole¢o: LinguagemjCritica, Direfao: Charlotte Galves Eni Pulcinelli Orlandi ConselhoEditorial: Charlotte Galves Eni Pulcinelli Orlandi (presidente) Marilda Cavalcanti Paulo Otani FICHA CATALOGRAFICA .c ar lo s de C ata lo ga ~o Da Publ ic at ;a o (eIP) laternacioaal (Camara BrasiIeira do Liv re, SP, Brasil) D uc rot, O sw al d. D89d 0 dizer e 0 dito I O sw al d Du c:r ot ; r ev id o tecaic:a da lradu~ao Eduardo Guimaries. - CampiDas, SP : PODtes. 1987. (LiDilJaaeml c:ritica) Bibliografia. ISBN 85-7113-002-7 1. Linauaaem - Filosofia 2. Lia gi lls ti ca 3. SemiDtic:a I. T it ul o. . I I. serle. 87·1898 CDD-401 -410 -412 Indices para catalose sistematico: 1. Liaauagem : Filosofia 401 2 . L in gi ili ti ca 4 10 3. Se ma nt ic a : LiD gi li st ic a 4 12 R ev is ao T ec ni ca d a T ra dt ui io : Eduardo Guimariics OSWALD DUCROT o DIZER E 0 DITO 1987

Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot

Embed Size (px)

DESCRIPTION

DUCROT, O. "Esboço de uma teoria polifônica da enunciação". In: O Dizer e o Dito. Campinas: Pontes, 1987. p. 161-219.

Citation preview

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 1/31

 

Cole¢o: LinguagemjCritica,

Direfao: Charlotte Galves

Eni Pulcinelli Orlandi

Conselho Editorial: Charlotte Galves

Eni Pulcinelli Orlandi (presidente)

Marilda Cavalcanti

Paulo Otani

F ICHA CATALOGRAF ICA

.car los de Cata loga~oDa Publ icat ;ao (eIP) laternacioaal(Camara BrasiIeira do Liv re, SP, Brasil)

Ducrot, Oswald.

D89d 0 dizer e 0 dito I Oswald Duc:rot ; revido tecaic:a da

lradu~ao Eduardo Guimaries. - CampiDas , SP : PODtes.

1987.

(LiDilJaaeml c:ritica)

Bibliografia.

ISBN 85-7113-002-7

1. Linauaaem - Filosofia 2. Liagi lls ti ca 3 . SemiDtic:a

I. Titulo.. II. serle.

87·1898

CDD-401

-410

-412

Indices para catalose sistematico:

1. Liaauagem : Filosofia 401

2. Lingi ili ti ca 410

3. Semant ica : LiDgi li st ica 412

Revisao Tecnica da Tradtuiio:

Eduardo Guimariics

OSWALD DUCROT

o DIZERE 0 DITO

1987

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 2/31

 

Capitulo VIII

ESBOQO DE UMA TEORIA POLIFONICA

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 3/31

 

chamarei a atencao rapidamente para uma pesquisa americana, que,

no pr6prio momenta em que esta para abandona-Io, reestabe1ece-o

in extrimis, como se se tratasse de urn dogma intocavel. Trata-se do

estudo de Ann. Banfield (1979), sobre a estilo indireto livre. Rom-

pendo com a. d escricao habitual de estilo indireto livre como uma das

formas do discurso relatado, Ann Banfield ve nele a expressao de urn

(ponto de .vlsta, que pode nao ser 0 da pessoa que e efetivamente,

'~ente, 0 autor do enunciado, eela emprega 0 termoII

sujeitode consclencia" para designer a fonte deste ponte de vista. Mas, alcan-

yando esteponto, quer dizer, 0 memento em que uma pluralidade de

sujeitos poderia ser introduzida no enunciado, Banfie ld formula dois

princlpios que descartam a arneaca. Ela coloca inicialmente que, para

urn dado enunciado, 56 pode haver um sujeito de consciencia, colo-

cando de imediato n o dominic do anormal os exemplos que fariam

aparecer uma pluralidade de pontos de vista justapostos au imbrica-

dos, E em seguida, para tratar as casas em que 0 sujeito de conscien-

cia nao e 0 autor empfrico do enunciado, diz que nso h8 locutor

nestes enunciados. Certamente nao censurarei Banfield - multo ao

contrario - por distinguir a locutor, ou seja, 0 ser designado no

enunclado como seu autor (atraves, per exernplo, de marcas da pri-

.melra pessea), e a produtor emplrico, set que nfio deve ser levado

1 em conta por uma descricao lingtifstica preocupada sornente com indio. 'I

ca~6es semfinticas contidas no enunciado, 0 que censurarei em Ban-

field ~ a motlvacao que a leva a esta distin9ao, a saber, 0 cuidado

em manter a qualquer preco a unicidade do sujei to falante, ja que

este mesmo cuidado - depois de t8-1a. levado a fazer abstracao do

produtor empirico (posi9ao que e tambem a minha) - val Ieva-Ia a

(

decisOes que gostaria de evitar. Quando 0 sent ido de urn enunciado

com..por ta. a indic.a 'Y.o incontestavel de urn locuto. r .(ate.stada pela pre-

senca de pronomes de primeira pessoa) mas que, no entanto, 0 enun-

ciado exprime um._l!_onto aevi~ta que nao pede ser identificadoao

do locutor - par exempla:quando alguem tendo side chamado de

(

imbeeil, responde "Ah ~y_sou_um_imbecil._, multo bern, voce vai

ver ._:. .: ;" - Banfield' e obrigada a exc luir estas "r~ tomadas';; - do~-

po do estUo indireto livre considerando-as urn dos modes do discurso

relatado (descrevendo 0 "eu sou urn imbecil" do discurso precedente

como um "voce diz que eu sou imbecll"), Gracas a tais exclusfies, eta

pede formular urn princfpio segundo 0 qual, quando ha urn locutor, \

este e necessariamente tambem 0 sujeito de eonsciencia, princlpio que \/

nfio tern outra jus tificativs ., II meu ver, senao salvar uma unicidade

162

admitida a priori como urn dado de born sensa: "nao se pede, em

tim enunciado que se apresenta como pr6prio, ex prim ir u rn p on to de

vista que nao seja a proprio". '7

Os estudos de Banfield sobre 0 estilo indireto livre fw::~n-

temente discutidos em detalhe por Aulhiel: (1978) e(Pien~Ji975). Jstes dois estudoscolocam em diivida os dois prind~s "urn enun-

ciado - urn sujeito de consciencia" e "se M urn locutor, ele e , ideo-t.co ao suje .ito d.. . cons.c.iencia". M.i..ha pr6.pria teoria da poHfonia.\\

que ~.:.!,e multo aos _!!ois al:!tot~_s_que_acab,Q__4t;;_cita.r,visa a construir Jurn quadro geral onde se poderia Introduzir sua critics. a Banfield,

quadro que constitni ele mesmo, digo-o desde js, uma ext~nsaQ {bas-

tante livre) ~.lingiiistica dos t_r~.~l!l~~s_de_.B.~khtine_sobte-a.Jiteratw"y

__ , I I .~Gostaria,-._j l)i cia lmente, de definica_disciplina - chamo-a

l~ . r~g~~!iCa __S_e_'!I_4ntic;-'1.,u_"pragm. atka lingtilst~-.. no 1.·nte.r;or.da

qual situam-se minhas pesquisas, Se se toma como objeto da pragma-

t \ tic a a a c,:iio humana em gera l , o t er m o p ra gm a ti ca da linguagem pede

servir para designar, neste conjunto de investigacoes, as que dizem

respeito a ac;ao humana realizada pela linguagem, indicando suas con-

di~oes e seu alcance, 0 problema fundamental, nests ordem de estu-

dos, e saber porque e possfvel servir-se de palavras para exercer urna

, influencia, porque eer tas palavras, em certas eireunstanclas, sao dota-

das de eficacia, ~ 0 problema do centuriao do Evangelho, que se es-

panta par poder dizer a seu criado "venhal", e 0 criado vern. £ tam-

bern a qtrestao tratada por Bourdieu (1982), quesUio queesta, na ver-

dade, no domfnio da sociologia, e sobre 0 qual 0 llnguista, enquanto

lingiiista, tern pouca coisa a dizer - exceto se ele ere em urn poder

int rtnseco do verbo.

Mas, urna vez colocado de lade este problema, testa urn outro,

que me parece, este sim, propriarnente llngiifstico, e que Ia z parte

_jtiustamente do que chamo "pragrnatica Iinglifstica". Nao se trata mals" " ' 1 1 j do que se faz quando se fala, mas do que se considers que a Iala,

segun do..0 proprio enunc.i...d O ' . f. a.z.. U . ti.IiZ. ando... urn .enu.ncia.d.0 i. nt.erro- )gativo, pretende-se obrigar, pela propria Iala, a pessoa 8 quem se

dirige a adotar urn comportamento particular. 0 de responder, e, do

rnesmo modo, pretende-se incita-lo a agir de uma certa maneira, se

Ise recorre a urn imperative, etc. 0 ponte importante, a meu ver, e J

:1. que esta incltacao para. ag.ir ou est .B obrigacao . .de resp.ond.er sao d a d a . s . .como efeitos do enunciafiio. 0 que generalizarei dizendo que todo

163

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 4/31

(

enunciado traz. . consigo uma. . quaJific~~iio de sua e~uncia~iio , ~Ualifi-\

ca~ao que constitui para mrm 0 sentido do enunciado. 0 objeto da

p ra gm a ti ca s er na nt ic a (au lingufstica) e assim dar conta .do que, se- \)

gun do 0 enunciado, e feito pela fala. -Para ISto, necess il'fo--deserever--:-- ~\~

sistematicamente-a im -ag en s e ta elilifIclar;ao que t> J

enuncia o. v~~ t~, III. Para levar ~ born terrno esta descricao, parece-rne necessa- \ 0 ~ \ r -C " " - l \

(~ rio ~stabel~cer e depots ?,lanler (~es~,o se I,~to cu!ta um pouco) urna ~ 0\. L ~;I(.

, ~ distincao rtgorosa entre ...Q_~nunclado __e a- Crase. 0 que eu chama el\ .\ol.Q-(1l

, i J , . . < J "frase" urn obieto .. teorlco, en tend en do por isso, que ele nao per- 0

, e. renee, para 0 lingUista, ao dominic do observavel, mas constitui uma

! ,: .~ \ O ) {inven~ao de.st.a. Ci.encia particular que e a gra.rn.atica...0 que 0 li.ngUista ! I I,}

' tft,IIJ pode tomar como ervave e 0 e unciado, considerado como a rna- .. f' /

" 'nifesta~ao particular, como a ocorrencia hie et UIlC ~ urn frase. ~\j /

, ' 1 ' - t' Suponhamos que duas pesso?s diferent.es digam "Iaz .bom t.em~ r. ou. ~ ( '1

",' que uma mesma pessoa 0 diga em dois momentos....d lfer.e t'lt e : encon-) \

rj tram~-nos em presence de ~ois enuncia?os diferentes •. de . .~ois obse~- . /

, ,11 \ " vllveis diferentes, observaveis que a rnaror parte dos lingiiistas expli- •

cam decidindo que se trata de duas ocorrencias da mesma frase de

uma lingua, definida como uma estrutura lexical e sintatica, e da qual

se sul'6e que ela IS s ubjacente.

Dizer que urn discurso, considerado como urn fenomeno ObSer-j

vavel, e constituldo de urn.a.sequencia. l inear de enunciad.os, e fazer. a . )

hipotese ("hipotese externa", no senticlo definido no Cap. 111) de

que 0 sujeito falante 0 apresentou como uma sucessao de segmentos

em que cada urn corresponde a. uma escolha "relativamente auteno-

rna" em relacao a escolha dos outros. Di rei, entao, que urn interpre te,

para segmentar em enunciados urn dado discurso, deve admitir que

esta segmentacao reproduz a sucessao de escolhas "relativamente au-

. tOnomas" que 0 sujeito Ialante julga ter efetuado. Dizer que urn dis-

cur so const itui urn 56 enunciado e , inversarnente, supor que 0 sujeitofaIante 0 apresentou como 0 objeto de uma uniea escolha,

Falta precisar agora a nOyao de "autonomia relative" da qual

acabo de me servir. EIa esta, para mim, na satisfacao simultanea de

duas condicoes, de coesiio e de independencia. Hd eoesiio em urn

segmento se nenhum de seus segmentos e escolhido per si rnesmo, quer

dizer se a escoJha de cada constituinte e sempre determinada pela

escolha do conjunto. £ 0 caso de uma r:;eqUencia como Pedro estd

164

aqui, pelo menos quando se admite que as tres palavras que a eons-

t ituern sao escolhidas para produzir a mensagem total, e que a ocor-

rencia da paJavra Pedro, por exemplo, nao se justifiea pelo simples

desejo de pronunciar 0 nome de Pedro. Mas e tambem 0 easo para

a propria palavra Pedro, na medida em que 0 aparec imento dos fo-

nemas que a comp6em e motivado somente pelo desejo de Iormar 0

nome complete Pedro. Para evitar ter de eonsiderar esta ocorrencia

de Pedro como urn enunciado, deve-se, en tao, ac rescenta r 1 I. coesso,uma segunda condicao, que chamarei "independencia". Uma seqtlen-

cia e independente se sua escolha nao e imposta pela escolha de urn

conjunto mais amplo de que faz parte. 0 que exclui imediatamente a

palavra Pedro tal como aparece na seqilencia analisada.

Alguns exemplos. Quando, para incitar it temperanca uma pes-

soa muito gulosa, se the recomenda "Coma para viver!", 0 coma nao

consti tui urn enunc iado, porque e escolhido somente para produzir a

mensagem global: 0 sujelto Ialante nao deu prirneiro a conselho "co-

mal" ao qual terla acrescentado em seguida a especificecao "para

viver", Mas se a mesma sequencia serve para aconselhar a urn doente

sem apetite a comer pelo menos alguma coisa, 0 coma deve ser corn-

preendido como urn enunciado, assumido pelo sujeito falante, e refor-

cado em seguida por urn segundo enunciado que traz urn argumento

para apoiar 0 conselho dado. Comparemos os dois didlogos:I[

A: 0 Pedro, a gente nao tern visto ~mu~~::.(' "r \ .1 '

B: Mas como!. Eu 0 vi esta manh~ J .. prop6sito, ele acaba de

"c6fi1jii1ii urn carro.

A: Eu acho que Pedro estd com problemas de dinheiro neste

momento.

B: Mas como!. Eu 0 vi esta manhii. E1e acaba de comprar urn

~~Q---

No primeiro dialogo, 0 Eu 0 vi esta manhii atende a condief lo de

independencia. Nao se pode admitir que B tenha primeiro procurado

dar a conhecer que ele tinha encontrado Pedro, mensagem que tern

urna fun~ao por si 5 6 , ja que foi suflciente replicar ao que dissera A.

No segundo dialogo, ao contrario, 0 segrnento Eu 0 vi esta m anha 6

dado 5 6 como uma preparacao destinada a tornar mais confiavel a ."

informacao que vern em segulda, e escolhida em virtude da decisao

de fornecer esta Informacao. Nao ha, entao, a independencia exlgfvel

16 5

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 5/31

de urn enunciado (0 conectivo a proposito, que aparece no primei-

to dialogo e que seria i rnposslve l no segundo, tern entre suas fun-

~6es, exatamente, 'marcar a dualidade dos enunciados - mesmo quan-

do ele serve para masearar hipocritamente que 0 su jei to Ialante que-

ria. desde o Intcio. "dizer" 0 segundo enunciado).

N.B. - Esta definicao do enunciado pela autonomia relativa, ela

propria fundada no duplo crlterlo de coesao e independencia, leva a

duvidar que se possa segmentar em "texto" em uma pluralidade de

enuneiados sucessivos. 0 que se chama "texto" e na verdade, habi-

tualmente, urn discurso que se supoe ser objeto de uma tinica escolha,

e cujo fim , par exemplo, ja e previsto pelo autor no momento em

qiie redige 0 comeco (caracteristiea que leva Barthes (1979) a negar

- q U e u r n : dl~tio Intimo possa constituir num texto). Assim, urn poema

dificilmente podera aparecer como alga diferente de urn enunciado

unico se for caracterizado, ao modo de [akobson, pela enumeracao de

urn paradigma cujos diferentes elementos estao disperses ao longo do

desenvolvimento sintagmatico, Condusiio identica, no que diz respei-

to a uma peca de teatro se se admite, de acordo com a tese de A.

Reboul-Moeschler (1984), que eia traz, ao lado da Iala que as per-

sonagens se dirigem umas as outras, uma fala do autor ao publico.

Porque esta .segunda fala, que constitui a linguagem teatral propria-

\

mente dita, manifesta escolhas cuja expressao po de estender-se em

uma larga sequencia unica, e em to do caso ir muito alem das repli-

cas das personagens. Urn exemplo elementar e fornecido pelo que

Larthomas (1980, p. 316). chama as "dialogias cruzadas". Cleante e

seu cti ado Cov iel le se lamentam separadamente, 00 ato III, cena 9,

do Bourgeois Geniilhomme, de suas decepcoes amorosas, mas suas

replicas, autcnomas se se considera 0 dia logo ent re as personagens,

estao Iigadas do ponto de vista da linguagem teatral, Cf. Cleante: Que

de la.rmes j'ai versees a ses genouxl" - Covielle: "Tant de seaux

d'eau que j'ai tires du puits pour eIle", etc *.

\

IV. Assim definido - como fragmento de discurso -, 0 enun-

\

cia do deve ser distinguido da frase, que e urna construcso do lingiiis-

ta, e que permitedar-conta - dos enunciados. Na base da ciencia lin-

giilstica h a, com efeito, a decisjio de reconhecer nos enunciados rea-

lizados hie et nunc, todos diferentes uns dos outros, urn conjunto de

entidades abstratas, as frases, em que cada- uma e susce tfve l de se r

manifestada po r urna inf inidade de enunciados. Faze r a g ram atlca de

uma l ingua e espec ificar e caracterizar as frases subjacen tes aos enun-

ciados reali zados at raves desta Hngua .

Insisto na ideia de que a separaeao entre a entldade observavel

e a ent idade te6rica nao diz respeito a uma dlferenca emplr ica entre

estas duas entidades, em que uma seria de ordem perceptiva e a outra

de ordem intelectual, mas a uma dilerenca de estatuto metodol6gico,

que e, pois, relativo ao ponto de vista escolhido pel a pesquisa: para,

urn historiador da grarna t lca , a frase, tal como a concebe urn dado

.gramatico, e urn observavel, enquanto que paraeste gramatico eia

~eria um princfpio explicativo. POt isso nao seria possfvel fundamen-

tar-se em crlterios intuitivos, em uma especie de "sentimento lingufs-

tico ", para decidir se varies e nu nc ia do s r ea li za m ou nao a rnesma

frase: a mera identificacao das frases mobiliza, ao contrario, uma

teoria.

I1ustrarei esta ideia com urn exernplo escolhido em virtude de

seu aspecto paradoxal, e relativo a urn problema te6rico assinalado

\

- no capitulo VI. Segundo Anscombre e eu, nao e possive l reali zar urnato de linguagem pelo simples fato de se declarar explicitamente rea-

liza-lo. Ora F. Recanati objetou-nos que se pode efetuar 0 ato de

dizer obrigado * atraves da f6rmula "Eu te digo obrigado", ou seja,

afirmando que se realiza este ato. Para responder a esta objecrao, que

visa a identlficar, em certos casos, 0 que os medievais chamavam

actus exercitus e actus designatus, nossa unica solu~iio era sus t en tar

que 0 predicado que intervem na formula ·"Eu te digo obrigado" e di-ferente do que designa 0 ato de agradecer [remercier]. Assim, para

n6s, 0 pr imeiro valor da formula e Eu te digo "obrlgado": t rata r-se-ia ,

para 0 sujei to falante , de se apresen tar pronunciando: "Obrigado!",

Tese que conduz a dizer que os enunciados transcritos "Digo obriga-

do!" podem resultar de duas frases diferentes. Uma comporta 0 pre-

dicado [dizer "obrigado"] significando pronunciar a palavra "Obriga-

do! ". Ela aparece no dialogo:

- A a B: Vamos, diga obrigado a. C!

• CUanle: "Qu.antas lagrimas derramei em seus joelhesl" - Covlelle

'Tant08 baldes d'agua tirei do poco para ela", etc. (N. do T.).

• Em Portugues nao h3 entre obrigado e agradecer as rela~s existentes

(hist6ricas , deriva~iio delocutiva) entre merci e remereier em frances. Mas

para a argumentaceo aqui desenvolvida a tradu~ao nlo traz maiorea difi-culdades. (N. do T.)

16 6 1 6 7

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 6/31

- B a C : Voce, foi muito genti l .

- A a B: Nao, diga obrigado!

A outra frase, cujo predicado [dizer - obrigado] significa a rea-

liza~iio do ate de agradecer [remercier] aparece em:

- A a B: Vamos, diga obrigado a C!

- B a C: Voce foi multo genti!.

- A a B: Ainda bern!

.t~ ~ ~ ~ ; ; . ~ ; ; : ~ ~ ~ = - : ~ / . a r . t . i J 2 J : L .nao introduzQ, poi.s, a ROyiiode~ sUJelo aut d { S at a a. 19O que a enuncia-

rrao e 0 ate de alguem que produz urn enunciado: ara mi t sim-lesmen e q .u .e -u _ lado a areee, e eu nao ueto tomar

.arti.do, no n(vel destas definir;oes preliminares, em relar;ao J10 ,10- I x -

lJ!:sma do auto do..enuac1A-c•.Nao tenho que dee! rr se I urn autor~/ -e qU af e ele.:.J / /

/ --~ornar rnenos estranha minha no~iio de enunciacao (0 que

I nao e . alias, nern necessario nem suficiente para legitima-la), assina-

\

larei simplesrnente que expressoes muito banais fazem a s vezes alus~oa urn conceito da mesrna ordern. Suponhamos que eu relate a voces

urna conferencia que tenba assistido e durante a qual urn certo X

interveio para Iazer uma pergunta ao conferencista. ~ possfvel que

eu comente 0 fato dizendo-Ihes, por exemplo: "Esta intervencao me

surpreendeu multo". Meu enunciado pode ser compreendido de diver-

sas maneiras. 0 que eu qualif iquei de surpreendente pode ser 0 pro-

prio conretido das palavras de' X, 0 que ele diz. Pode ser tambem 0

desempenho apresentado por X , as qualidades intelectuais, morais,

articulatorias que ele apresentou ao falar. Mas pode tratar-se igual-

mente do acontecimento enunciative que presenciei (p'ortanto_a eq_un-

cia~ao. no sentido definitive acirna): eu estou surpreso por tal dis-

curso ter podido se dar, seja porque nao e habitual, na sua forma ouno seu teor, seja, simplesrnente, porque normatmente nenhuma inter-

vencao e toIerada em conferencias deste tipo. (0 que precede nao im-

plica de modo nenhum, de minha parte, a ideia bizarre - e espero

que nso me tenha sido imputada - que urn enunciado possa apa-

recer por gerar;:so espontsnea, sem ter na sua origem urn sujeito fa-

lante que procura comunicar alguma coisa a alguem, este algo sendo

precisamente 0 que denomino 0 s e 7 1 J . i ! ! £ . Mas acontece que tenho ne~

cessidade, para c tru' uma. teoda do sentido, Uffill teoda do .. ue ecomunicado, ae urn conceito e enUnClayaO ue niio encerre em si,

Estes dois dialogos de forma nenhurna provarn, insisto neste pen-

to, que nos encontramos diante de duas frases distintas: certamente

flcam explicados se tal dualidade for admitida, mas poder-se-ia decidir

que M neste caso duas uti lizaeoes diferentes de uma mesma frase. Se

escolhemos, Anscombre e eu, dar a estes dialogos urn valor discrimi-

nat6rio [discriminante] e porque, de uma maneira geral, nossa tese

sobre a performatividade nos obriga a supor que ha na lingua dais

predicados diferentes [dizer "Obrlgado "] e [dizer-obrigado] 0 que

toma plausfvel , em contrapart ida, que enunciados "Digo Obrigado"

,. possam ser a manifeetacso de duas frases .dist intae. (Este exemplo ediscutido nas pp. 122, 123 e 130).

~

IL . V. Oa frase e do enunciado distinguirei ainda "a enunciacao".

{TreS acepcoes pelo menos podem ser atribuidas a este termo.

Ele pode primeiramente designer B atividade psieo-fisiol6giea im-

plicada pela producao do enunciado (acreseentado-lhe eventualmente

o jogo de Influencias sociais que a condiciona). Este naa e 0 ti 0 de

problemas ue considero como meus - 0 ue nao im lica e c1 ro,

nenhuma desvaloriza ao de tais ro emas. mas somente a hi 6tese

~ e s m~us odem ser t[atados se aradamen e Em uma segunda

.f \ a~epyaO, a en';na~ ao e 0 produto da atividade do su'eito falante,

u\ quer dizer, urn segmento de discurso, au, em outros termos, 0 que,} acabo de "enuneiade" t 0 sentido da 0 I ra e un- ~

? ~ ciafiio nos capt tulos I, 11I e I V). ];:, pois, co . ao ') ' < A . ' /') que" . 0 que designarei por~_termo.JLo ..aeQJ)tecime_n1Q._~~ns- /'

'hfufdo 1 ? ~ l Q -epareclmeato. de . urn,.enunciado ..--AJ~@li_za.,.iiode urn

7l!fitincis?0 e de fato urn acontecimento hist6rico: e dado ,exis,t~ncia

a al~~a coisa que nao existia antes de se Ialar e que nao existira ,

;mais depois. E esta aparicao mornentanea que chama "enunciacao". ~

Reesaltar-se-a que nao fa~ intervir na rninha caracteriza9iio da enun·

-6 8,

o 10 CIO, a norrao e SUJel 08 ante).

VI. Em correlacao com a oposicao da (rase e do enunciado, devo

agora introduzir a diferenca entre a significar;:ao e 0 sentido - espe-

'I cif icando que escolho estas duas tilt imas express6es de modo absolu-

tamente arbitrario, sem me referir a seu emprego na Iinguagem ordl-

n 'r ia ou na tradi9iio fi losofica. Quando se trata de caracterizar seman-

ticamente uma frase, falarei de sua ~j_fi,~~.icL,_e-. reservarei a

palavra "sentidc" para a ca~,~~~!l. ,.aq ~~e.D1Antica_.,o ~eR1.!o~..a_d_o_,_

"',((('I1f ~ -:'"."f' "n';"l

<)"""",I.I')~ $r,....r'.O 169\ I _

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 7/31

Entre 0 sentido e a. signi ficac ;:ao. hi i. para mim, ao mesmo tempo, urna .,

dlferenca de estatuto rnetodo16gico e uma diferenca de natureza. De

estatuto metodol6g ico porque, no trabalho do Iing til st a semanticist a, 0 •

entido pe.rtence ao dornfnio do observavel, ao domfnio dos Iatos: 0

(

ato ue femos de ex Hear ' ~:w.m._~(;i£~tido(.s},

ou seja, ue .. _ . f el de taWs) illter retac;:ao(§e.s _0 que nao

l llP lea, espero que sej a desnecessario acrescenta r, que tornaremos este

j fato semantico por um dado, fornecido por uma intuic; :i io ou urn sen-timento imediatos: como todo f'ato cientffico, ele e eonstrufdo atraves I

de hlpoteses - simplesmente as hip6teses constitutivas do fate de- iv.em. se.r disting. uidas das hipo. teses e.xp.U.c..t iv~s des ti .n .adas a.dar c?nt.a Idele. E justamente dessas hip6teses explicativas que resulta a slgnl-

fica~ao da Irase, Para dar conta de modo sistematico da associacao

"observada" entre sentidos e enunciados, escolho associar as {rases

realizadas pelos enunciados urn objeto te6rico etiquetado "significa-

9ao". A rnanobra me parece interessante na rnedida em que suponho

possfvel formular leis, de urn lado para calcular a significayao das

{rases a partir de sua estrutura lexico-gramatical, e de outro lado para

prever, a partir desta significacao, 0 sentido dos enunciados.

Independentemente mesmo desta diferenca metodclogica, estabe-leca, entre 0 sentido .~__a_signifi.cayao. uma diferenea de - natureza.

Qu~ro assim flncar pe contra a concepcao habitual segundo a qual Isentido do e nu nc ia do . ~ a s ig ni fi ca ca o da f ra s e t empe rad a por alguns

ingredientes emprestados it situacao de discurso. Segundo esta con-

ceps:ao. s e e nc on tr ar ia m p oi s, no sentido, de urn la do a si gn ific ac ao e

de outre os acrescimos que lhe trazem a situaeao. Por mim, recuso

- sem que possa aqui justificar tal recusa - fazer da sig?ificaC;:iio

urns. parte do sentido. Prefiro representa-la como urn conjunto de

instrueties dadas as pessoas que tern que i nterpre tar os enunciados da

frase, instrucdes que especificam que manobras realizar para associar

urn sentido a estes enunciados, Conhecer a significac;:ao da frase por-

tuguesa subjacente a urn enunciado "0 tempo esta born" e saber 0

. \ fJ r .- f tJ I que e necessarlo fazer, quando se esta em presenc;a deste enunciado,

r~~llrf!'" para interpreta-lo. A sig!!mS~yao_.~Q.!lte% _PQ!.~_I!.Qt.-:exempJ9, ..um.a......_

ll,~' instru\j:iio .sol!E!~~n~0_Jl!:!~~...E!9.~!:!~~_,9_Ii;._que_lugarJala. o. locutor._e.~

~ue se uadmi!~q~c : ~~!~_~!~~.~_e?,istel ,1cia de tempo .bom nest~ IU~I'IL.

..--' de. onde eshl falando. O que explica que urn enunciado do upo 0

tempo esta. b;;;n"'-~iio pode ter por sentido que ests fazendo tempo

born em qualquer parte do mundo, mas signifiea sempre que faz

born tempo, em Grenoble .• ou em Paris; ou em Waterloo, etc, ou seja.

no lugar sabre 0 qual 0 locutor fala e que pode freqilentemente, mas

nem sernpre, ser 0 lugar de onde ele esta falando, Do mesrno modo,

a significacao de uma frase no presente do indicative prescreve ao

interpretante determinar urn certo perfodo - que pode aer de dura-

93.0 bastante diversa, mas deve incluir 0 momenta da enuqciafi:ao -

e relacionar a este perfodo a asseryao feita pelo locutor.

A natureza instruc iona l da si .gni fica9iio aparecenit idamen te quan-

do nela seintroduzem •. como _Anscombre .. e .. eu .fazemos sisteml; lt ica -

me.nte;-"vaaifv·eJ;·~;gumentativas". Urn exempJo de variavel 8rg~;ne~-

tativa u r n pouco dife rente daquelas (mas e mesmo) com que temos

apresentado a n oc ao : a descricao sernantica das Erases francesas con-

tendo 0 morfema trop *. Que se diz quando, a prop6sito de ur n objeto

0, enuncia-se um a frase d o tip o 0 est trop P '" '" onde 0 e urns des-

cric;:ao do objeto e ond e P e urn. adjet ivo exprimindo uma propriedade,

a P-idade? Sem pretender ser exaustivo, direi que tal enunciado tern,

entre outras caracterfsticas, a de ser refutativo (sobre as diferentes

modos da refutaQao ver Moeschler, 1982). Seu autor se apresenta co-

mo considerando uma proposicao r, e como refutando-a atraves des-

Ie en uncia do, que tende, entao, para urna conclusao nao - r. E

etc apresenta como razao decisive contra. r 0 fato de que 0 ultrapassa

urn certo grau 0 de P-idade. abaixo do qual se poderiaainda, ou

mesmo, em certos cases, se deveria admit ir r: og rau 0 aparece ass im

como um Iimite argumentative. 0 que, nes ta d es cr ic a o, i lu st ra m i nh a

ccncepcao da frase, e 0 carater de variavel argumentative que pos-

sui a co nclu sao r. U m a frase do tipo 0 est trap P, nao estaria dizen-

do qual. e 0 r contestado por tal ou tal de seus enunciados, mas ela

apresenta urn aviso, quando se vai interpretat urn enunciado desta

frase, para se procurar que r determinado 0 autor do enunciado tinha

em mente. A signific3c;ao da frase nlio constitui, pols, urn conteddo

intelectual, au seja, objeto de umacomnnlcaeao possivel, Certamen- __.-

te ele. atribui a P-idade de 0 urn g~au excessive, mas nao.~a .excesso1/~ ........,,(

por 51me5rn.~0.t's.om...ente em relacac a urn.a c.erta conseqtienciaargu- ) G " ' J . " . t ' . ~

mentativa que af po~cesso, e a Crase nao estaria dizendo (Cli.A s " ,

qual IS esta conseqiiencia: tudo 0 que diz a frase e que e necessario ,,0-

determiner se se quer constituir 0 sentido do enunciado, ou seja, se '-' c\

d bri "alae" .. {I . b . N ~Q.<A "se quer esco nr 0 a.go que o sujeito aante usea comunrcar. es- ...J.

te caso ainda, 0 sentido nao aparece, portanto, como a adic;:iio da GO~~ '\21.>")

~• Muito, dernasiado. (N. do T.)

.. a e muito (demasiado ) P. (N. do T.)

170

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 8/31

. .~

'I significa~iio e de algurna outra coisa mas como uma ~onstr~yao re~li- i i na rnedida em que e impossfvel substituir, no seu interior, uma deli·

r l ' ) zada levando em conta a situac;: iio de discurso, a parti r das mstru~oesn.ic ;:i io ta o pouco precisa de um ato ilocut6tio qualquer, pela expressao

~ "especiflcadas" na slgnificacao. "ato A", Admitamos, por exemplo, a tltulo de definis:ao, que ordenar. seja "apresentar sua enunciacao como obrigando 0 outre a fazer algu-

i VII. Em ~ue consist~ estei .~i.~~i?O)~o enunciado, que 0 1in~tiista rn a coisa ", Como sustentar, entao, que 0 sentido do enunciado Iussi-

, gostaria de explicar a partir da slgmhcar;:ao da fras~? A conce~c;:ao de vo, 0 que e comunicado ao interlocutor, e que 0 suje ito falante faz 0

fsentido sobre a qual fundamento meu trabalho nao 6, propnamente ato de ordenar, a saber,' que ele "apresenta sua' enuncia~io como

falando, uma hipotese, suscetivel de ser verificada ou Ialseada, mas ~ obrigando ... "? 0 senti do do enunciado e simplesmente que a enun-'res. .ulta sobretudo de urn.a decisj io ~ue just if ies, . un. lcarnente, 0 traba- I h J ! > : . ,J ciac;:ao obriga; . . Quando urn sujeito Ialante Iaz urn ato ilocut6rio,

Iho que ela torna possivel. Ela constste em consldera! 0 $eAttao como f. ~t!\ -c ? o· 0 que ele faz saber ao interlocutor e que sua enunciaceo tern tal oul

L , uma descri - . -. que 0 sujei to falante comunica at ra-I JP j (.1\ \)1lt U tal virtude jurldica, mas nao que a apresente como tendo esta vir"t

ves de se u enunciado e uma qualificacao da enunciacao deste enun- 0-~~ tude *. 0 semanticista, que descreve 0 que 0 sujeito falante diz de .

c lade . Id6iB paradoxa l na aparencia, ja que supfie que loda enuncia- [. . sua enunciacao no enunciado, nao pode, pois , introduzir em suas

9 iio faz a traves do enunciado que ve icula, referenc ia B si mesma. ~as descricoes do sentido a Indicacao de urn at e i locut6rio, mas uma ca -

esta auto-referencia nao e mais ininteligfvel que aquela que todo livro racterizacao da enunciacao vinculada ao enunciado, e que leva a com-

faz a si mesmo, na rnedida em que seu titulo, parte integrante do li- preender porque 0 sujeito Ialante pode ef'etlvamente, ao produzir 0 \

vro (como a enunciado e urn elemento da enunciacao), .qual ifica 0 enu,~cia.do, realiza~ ~ ato. V~-s~, poro iS504 porque cha,mo "pragmati- . {\'(

livro como urn todo. Nem mais ininteliglvel tambem que a expressiio cas minhas descricoes do sentido dizendo que 0 sentido e alga que \ Jpela presenie (ingles: he reby) que , inserida em um a carta ("SoHcito- se comunica ao interlocutor: estas descricoes sao pragmatlcas na me-) ..-

vos pela presente que ... "), serve para qualificar a funr;i'io da carta ;r

idi~a em que levam em conta 0 fato de que 0 sujei to falante reaUza;

tomada na sua totalidade. atos, mas realiza estes atos transmitindo ao interlocutor urn saber -

Dare i mais a frente alguns detalhes sobre a s indicacoes forneci- \

das pelo enunciado re lat ivamente a s ~onles da e~uncia9iio (i.~.!~90e s contidas, segundo meu p<?_ntode Vista, no sentido do e~uncla~o)~

-i t q u e - 6 0 objeta pr6. rio de urna coneeao ol.ifa~ea do S < m ! i d ? )mostra r como 0 enunciado assinala, em sua en 1 . a su er 051-

~iio de divelJ!- ~as gostaria, primeiro, para ilustrar a idela

'~~c~ s : ~ : ~ d O en::cja~o ~e:::e~:~eri=! ~:n:=a~

-- . -ssui, se undo- QLtennos da filosafia da lingllagerP, "ma forQa Ho-

cut ria, e para mim dizer que ele atribui a sua enunciacao urn poder

· · · . . f t i r l d i c c i " ° de obrigar a agir (no caso de urna promessa ou uma

ordem), 0' de obrigar a I ala r (no caso da pergunta), 0 de tornar lfcito

a que nlio era (no caso da permissao), etc. Ter-se-a, talvez, notado

uma diferenca entre esta formulacao e a que dei em moment as ante-

riores e que era mais fle l A let ra de Austin. E u d iz ia que urn: enun-

ciado que serve para realizar urn ato ilocutario A (por exemplo, orde-

nar) tern por sentido indicar que 0 sujei to Ialante realiza a ato A por

meio deste enunciado, de modo que A e exibido no pr6prio enunciado

destinado a realiza-lo. Esta formulacao parece-me agora muito livre,

que e urn saber sobre sua propria enunciacao, Para f ixar a termino-

logla, direi que interpreter uma produr;:ao lingtifstica consiste, entre

outras coisas, ern reconhecer nela atos, e que este reconhecimento se

faz atribuindo ao enunciado urn sentido, que e urn conjunto de indi-

caryoes sobre a enunciaeao,

, ~q .~%studo da argumentaeso forneeer'. urn segundo exemplo da

.j maneira pela qual 0 senti do pode apresentar a e n un c ia c ao , Anscombre

~ ~ 1 e eu temos sustentado freqiientemente que 0 efeito, em uma frase, de

I' I morfemas como quase, apenas, pouco, urn POUCO, etc, e de impor eer-

,~ , tas restricoes sobre 0 potenc ial argumentat ivo dos eventuai s enuncia -

~ . dos desta frase·. lmaginemos assim urna situaciio de djscurso erngue

; \ =, jnt~rlo~~tor~.fJiCemim· ! I .n . L l i. i g l lL C D mllm geral (ulll_loposno sen-

I> .~_A.rj~t.6t~I~s.~'...!ULquaLquanto-tna.i& 1 ue m nha, _menos su a

'\ situ~c;:ao e .~_!gl!!i_~e.;.piedade , e.Inversamente. ..Se neste quaa :rc; -; eo-

efiil_~O,}¢~uer incitar 0 interlocutor a ter piedade e urn cerlo , nao

• Esta rnesma observacfio foj utilfzada, no capftulo 6, para urns critics do

conceito de perforrnativo expllcito, Aqui ela Serve para dlscutir, de uma

mane ira geral, as rel a,, 6es entre 0 sentido e 0 ilocut6rio.

172

)

173

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 9/31

se recorrera ao enunciado de uma frase como "A ganha quase X

cruzados por mes", por mais baixa que seja a. soma X cruzados -

enquanto que 0 argumento seria adequado substituindo quase por

apenas. Para generalizar esta observacao, atribuimos as frases com a

expressjio quase X a seguinte propriedade: para que urn de seus enun-

ciados possa servir para argumentar para uma certa conclusao r (aqui

r e "~ necessario ter piedade de A"), e necessario que 0 topos que

fundamenta a ergumentacao impJique que uma quantidade superior a

X fornecera tazao melhor que X para se admitir r. Ora, no meu

Iexemplo, 0 topos em questiio quer, ao contrario, que quanta mais 0

ganho aumenta, menos a situacao e digna de pena _: 0 que impede,

entao, de se utilizer urn quase.-~Tal como scabs de ser formulado, men exemplo e , no entanto,

muito discutlve l, e e [ustarnente sua discussiio que fara surgir a con-

cepcao semflnti ca que defendo nesta exposicao. 0 que e contestavel

1 )6 dizer que, na situa"iio imaginada, e . proibido util izar urn. quase p."ara

incltar 0 interlocutor a piedade. J a que e clare que, multo frequen-

ternente ao contrario, se a soma de X cruzados e suficientemente bai-

xa, 0 enunciado "A ganha quase X cruzados" podera apresentar a efi-

cacia desejada,pode

serate que nao tenha a forma canonica /IA

ganha apenas X cruzados". Eu nao deveria dizer que com este enun-

ciado nao se poderia incitar a piedade, mas que nao 6 posslvel apre-

se ntar -se c om o p roc ur ando ju stiiic ar a p ie da de , ou ainda, na minha

terrninologia, como argumentando neste sentido. A argumentacao, com

efeito, muito diferente do esforco de persuasao, e para mim urn ato

publico, aberto, njio pade realizar-se sem se denunciar enquanto tal.

/

./ Mas isto 6 d.izer. que urn enunde. do argumentativo ap.r esenta sua e~

cia~o como levanao a adt!litir tal ou tal ~onclusiio .. S e, pols, se adml-

, te que 0 aspecto at urn ti! de um enunciado faz rte de seu

. SeRUaO (0 que me pareee tanto mais difidl de evitar ue este as ec 0,

eu 0 ~mostrei a prop6sito de quase, e utllizado em rela9so ~ frase),

chega-se

amesma conclusao

aqual levar ia 0 estudo do ilocut6rio,~

sentido 6uma qualifica9ao da en uncia ao e c nsis.te-notadameo.te em

atribuir a - enunciacj io cer tos poderes ou cer tas conseqiiencias.

e urn torneio exclarnativo (C om o P ed ro e inteligentel), Como descre-

ver 0 que distingue semanticamente seus enunciados dos enunciados

que, atraves de frases indicativas, trazem grosso modo as mesmas in-

formacoes (E u estou m uito contente, isto niio iem nada de extr aor di-

ndrlo, Pedro e muito inteligente)? A ttadi~ao lingiifstica possui os te r-

mos Itex pressao" e "represen tac;:ao" para opor estas duas formes de

comunicacao. Mas a que se quer dizer exatamente quando se diz que

o autor de uma exclamacao, "expressa" 0 que ele sente? Para definir

esta nocao, tern-se contentado habitualmente em Ialar de urn efeito de

"vivacidade": a expressao, segundo Bal ly, e a Iinguagem da vida, do

sentimento, e -nao a do pensamento. Para explicar melhor a intuiyiio

/

que I.eva os grarnat icos a isolar estes torne ios "expressivos", ut ilizarei

a concepcao de sentido e de enunciacao que me serviu para 0 ilocut6-

rio e a argumentacao,

Que diferenca hI!. entre exclamar "Como Pedro e intel igentel " e

!

afirmar "Pedro e muito inteligente"? Trata-se, para mim, do modo

pelo qual a sujeito falante, em urn certo caso e no outro representa Ii

pr6pria enunciacao que esta realizando. Ao dizer "Pedro e inteligen-

te", pode-se apresentar a enuncia ao co ~ndo-tl}t,a:lmente- de

urna escolha, ou se' a ecisiio to !l .Q!Lde fotneCcC[Jlma certa infer-

macao a to 'to de urn certo objeto. Com "Como Pedro ~ inteli-

gerife! , elae dada, ao contrario, como motivada. pela representacjic

deste objeto: e a inteligencia mesma de Pedro que pareee levar 8

dizer' Como Pedro e inteligente!", (No caso das interjeicoes, urn

sentimento, sofrimento, prazer, espanto, etc. serve de rete entre a

situa980 e a enunciacao: A interj eicao Ahl se d4 como provocada pela

alegria sentida no momento em que 0 locutor experimenta urn certo

fato, como urn efeito da alegria: a alegria " explode " nela).

Uma objeyao possivel se fundamentara sobre 0 fa to de que as

exclamatlvas servem com freqtiencla na conversacjo para responder

perguntas: "0 que voce pensa do Pedro? - Como ele ~ inteligentel".

J a me Ioi ressaltado que mesmo certas interjei~oes. como Xii, podem

ter tambem esta fun9iio: "Como viio indo as coisas?- XU". 0 pro-

blema esta em que a resposta, enquanto tal, deve apresentar-se como

resultado de uma decisao, a de dar sequencia a pergunta que B ante-

cede - 0 que pareceincompativel com B natureza aqui atr ibufda l

exclamatlva que, segundo penso, descreve, ao contrarlo, a enuncia~o

como" escapada" [echappeeJ ao seu autor. .

Tereeiro exemplo: as frases exclarnativas - entendendo par isso

tanto as interje.iI;6es (A M , X i!) *. quanto as exclarnativas Itcompletas"

que apresentam, ao mesmo tempo, urn tipo de descri~ao darealidade

• Os exemplos em frances sao qHIC!. BOFI (N. do T.)

17417 5

,,

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 10/31

Para resolver esta contradicao, distinguirei 0 tema e 0 prop6sito

(das respostas.,O tema (no meu exemplo,as qualidades e defeitos de

\

Pedro) I! aquila sobre que a resposta deve incidir para poder satisfa-

zee a exigencia de resposta que constitui a pergunta, 0 proposito eo que se diz concernente ao tema (0 fato de Pedro ser inteligente),

Se '0 ato de resposta implica uma decisao do sujeito falante, a de

submeter-se ao ato de interrogacao realizado por seu inte rlocutor, esta

decisiio diz respeito it escolha do tema, e e deste ponte de vista que

a resposta se da. como "escolhida". Mas, uma vez aceito 0 tema, 0

prop6sI to pode aparecer como i rnposto ao suieito falante pela repre-

sentar;:iio que e feita do tema . .Para obedecer as regras da conversacao,

ele escolhe responder ao tema proposto pelo interlocutor, mas a forma

particular de sua resposta nao resulta rnais (ou 6 sobretudo dada

como nao resultando mais) da escolha, e como imposta, ao contrario,

pelo estado de coisas que se relata: decide-se responder, mas, para

responder, "de ixam-se falar" seus sent imentos, A enunciacao e , pois, / .ainda, descrita, como uma rea9ao motivada pela representacao de uma '

sit~ar;:ao (6 0 especff ico da exclamacao), mas 0a to de se representar

_.esta situa~ao- que e ° tema da pergunta e da resposta - e dado

como 0 produto de urna dec lsao conversac iona l '(0 que esta vinculado

A p.r6pria no~ao de resposta),

Esta solueao impllca distinguir dois grupos nas interjeicdes, AI·

gum as, como Xi!, sa o compatfvels com a Ideia de que a representaeao

da sHuayiio e decidida pelo sujeito falante (e elas podem assim apre-

sentar-se como respostas), out ras (como Ah!) exigem que esta repre- '

sentaciio surjainopinadamente (e nao podem aparecer em respostas),

Mas tanto para umas como para outras, e tam hem para as exclama- \

tins completas._~tlnciado._~~mu_'!!f_a.uma. qualinca~ao de.sua ~n~!1~_'lciatj:Bo, dada como efeito do. que ela informa. E esla qualiJic~a '.

- fillii'Por sua causa {az parte do sentido di e~o, como sua

~quali frCa-rao a traves de seu poder juridico ou de seus prolongamentos

. ;\ } - , a r gumen ta t iv o s. _

_ \ ! ; J , ~J -- .~HI. Uma ultima especificacao no que 7o.ncerne ao s~ntj~o do

.Q .. . ' o - ' ' l , enu.n.clado,_ant.es. de abordar 0 l!tOb1e.ma do s_uJetto _da en_uncuL9_a., ou~,.,~ ' 6 ~ ' : . I ' - c l f:Vmais exatamente do suJeito da enuIlCllly80 tal corn a ~entLnol

..... '/. I ~nterjoLdo ..KnUdo~~ Est~p_resenta~o __da~en.unclayii . .

~ \ . r ,¢ \I ' que constitui 0 sentido do. enunciado, e que s6 atraves dela ele pode t\9(.\f ~,/'falar do mundo, nao e objeto de um ato deasseryao. ara que ele A , . . . . . . . . . . . .

" f r . t , seja ahrmado,. e necessario que urn sujeito se apresente como garan-

Undo que 0 que diz corresponda a uma realidade considerada inde-

116

pendentemente daquilo que se diz dela. Ora, 0 sujeito fs tante que co,

munica por seu enunciado que su a enunclacao IS ta l ou t al p o de ri a

representar a enunciacjio como independente do enunciado que a cara~

teriza: 0 enunciado e . ele pr6m:io 11m3 parte da enunciaciQ._ . com- ,

) parave l deste ponto de vista, ja propus esta imagem, 80 titulo e .,

\ indicacao do autor que, na capa de urn romance, nao poderia "asee-

verar" que e escrito por Flaubert e se chama .Madame Bovary. is que

estas indlcacoes dadas no livre fazem parte do livro, Isto nio slgnl-

fica. alias, que elas nao podem ser falsas (nada impede de se atribuir

a urn livre no proprio livre, urn autor que nao e 0 seu) mas que se

dao como infalseaveis, ja que nao sao destacaveis da realidade que

qualificam. Da-se ° mesmo .• p ara mim, com 0 que e dito, no sentido

de urn enunciado, sobre a enunciacso do enunciado. Na medida em

que 0 enunciado e se u sentido sao veiculados pela enunciacrao, as

proptiedades juridicas, argumentativaa, causais, etc, por eles atrlbul-

das a ela, nao poderiam ser vistas como hipoteses feitas 8 prop6sito

da enunciacao, mas como a constituindo. Certamente nlnguem est'

obrigado a acreditar que a enunciacao apresentada por seu enunciado

como obrigando tern como efeito teal obrigar, mas esta COIOCBC;iom

dtivida nao aparece, no enunciado, como uma possibi lidade aer can-

siderada, '

N.B. I - Para caracterizar este estatuto parti cular do sent ido,

tenho, em trabalhos anterior es (por exemplo em. Ducrot, e outros,

1980, Cap. I, e aqui mesmo Cap. VII) utilizado 0 conceito de "mos-

trar " que , em filosofia da linguagem, opoe-se ao conceito de "afir-

mar" [asserted au de " di ze r" . E c om p ara va 0 modo pelo qual 0 enun-

ciado "mostra" a enunciacao, a . maneira pel a qual a interjeic;io mos-

ita. 0 sentimento que expressa, Esta comparacao parece-me agota

inaceitavel na medida em que mostrar 0 sentimento pela inter jeit j: io

(isto e . disse-o mais acima, como causa da enunciacao) nao constitui .

senao uma possibilidade particular da caracteriza~ao da enunci8~1l0"

pelo enunciado, e, pols, urna forma particular do sentido e isto colo-

cars. urn problema teorico eomplicado, 0 de ter ai 0 prototipo de todo

este discurso sobre a enunciacao que constitui para mim 0 sentido,

A nova concepcao que acabo de apresentar 6 inspirada em Berren-

donner (1981, p. 127 e ss).

N.8. 2 - Minha decisao de nao considerar 0 sentido (descri'Yio

da enunc iacao ) como afirmar pe lo enunciado e uma das ra.zOesque me

levam a recusar a teoria dos performativos explfcitos, e notadamente

177,.~

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 11/31

tado: "Quando voce pergunta Quem veio", seu enunciado comporta

_ 0 pressuposto que alguem veio, Entao, segundo voce, el e serve .para

realizar urn ato de pressuposicao, Mas e impossivel, porque todo mun-

( do sabe que 0 enunciado Quem veio? serve para realizer urn ato de' ' : I I ( IX. Uma vez apresentado 0 quadro gera! do qual acabo de indi- perguntar. Se 0 ato reaH.zado e a pergunta, nao pode ser a pressupo-

I t" c"r. as carac ter fst icas pr incipai s, posso it ao tema pr6prio ~~ste capi- !siyao." Ve-se de irnediato que a objeyiio repousa no principle segun-

.~o: que e , rele~b!o, .yri ticar e ~ub~~j tui r a te~rja da "Q]CJda~: ~? (I do 0 q.ual 0 enunc iado deve, se r ca.r.acte rizado POt u_mt inieo a te n o -S'UJetto da en . E esta teorta, urn enunciado - urn sujeito , cutorio. Certarnen te faco agora certas reserves a noeao de urn ato de

que perrni te empregar a expressao "0 sujeito", pressupondo como uma pressuposicao, OU, pelo menos, n6s 0 veremos, eu a apresento dife-evidenc~a que h a urn ser tinico autor do enunciado e tesponsav~lle~o . /I ~~~\,.~\<. renternente da epoca de Dire et ne pas I?ire *. mas 0 qu~ ~e orienta

que e dlto no enuncla o. n ao, se nao se em escrupu 0 ou ret1cencl~/J \,.~. u fo nesta retratacao nao e certamente 0 receio de dever admitir, se hou-

p~r~ 'empreg~r .esta express.ao, e porque s~q~er se cogita colocar e m I r 1 ) . , 1 3 . " 0 . . . . . " " , ( ver um "0 i locutorio d~ pressuposicao, ~ eXi.~t~ncia .de vari~s a tos

diivida a unIcldade da orIgem da enuncla(,:ao. ~\l;>t(l J.,p ~ ligados a urn s6 enunciado, Ao contrario, divide ainda mais que

Quais sao as propriedades deste sujeito? Primeiro ele e dota~o iP! V \ 6 . o . 0 -6 - . 0- ~ if anteriorme,n~e a a.ti~idade ilocut6ria em uma pluralidade de elemen-

Ide toda atividade psico-f is iologica necessaria a producao do enuncia- c l i > o . C 9 ~ i /'v tos pragmaucos. disjuntos,

I do . .Assim, dizer que urn certo X e 0 sujeito do enunciado "0 tempo ()... J . . ( j - Alern da producao ffsica do enunciado e a realizal;iio dos atos Iesta born" dito em urn certo momento, num certo lugar, e atribulr a ~ u . , llocutorios, e habitual atribuir ao sujeito Ialante urns terceira p r o -X 0 trabalho muscular que permitiu tornar audlveis as. palavras 0 L priedade, a de ser design ado em urn enunciado pelas marcas da pri-

tempo estd bom; e e atribuir-lhe tambem a atividade intelectual s~~- l O " ' ' < i' . meira pessoa _ quando elas designam urn ser extra-lingilfstlco: e!e

jacente - formacao de urn julgamento, escolha das palavras, utili- ' ' I < > ~ " , ~ f ) . i P - t, nes te caso, 0 suporte dos processes expressos por urn verbo CUlO

1 f za~iio de regras gra~ati,cais: Segun~o atributo do suj~ito: ser 0 a~tor, r,,)::lr-::;:-.~~\j~ujeito e eu, 0 proprietario dos o~jetos qual i.Hcados p~r meus, e ele

a origem dos atos ilocutorios realizados na producao do enunciado \ ,. .~ , ll ( l. & > . ' que se encontra no lugar denominado aqui :., Considera-se como

(atos do tipo da ordem, da pergunta, da assercao, etc.). 0 sujeito e (j.''>'cJl~#!' 6bvio que este ser design ado por eu e ao mesmo tempo 0 que produz

aque le que ord. ena.., pe rgunta , afi rrna, e tc. Par~ voltar ao. ex.e .m.p.10 p.re- \:'\'OIl' 0 .enunciad. 0, e tambem aquele. cujo enunciado exp.ressa as promessas, jceden te, dir-se -a que 0 mesmo X que produziu as palavras 0 tempo ordens, assercoes, etc. Certamente chocamo-nos neste caso com con-

esta bom 6 tambem aque!e que afirmou 0 born tempo. Na medida em tra-exernplos do discurso relatado emestilo direto, onde multo fre-.

que urna 86 pessoa e 0 produtor do enunciado, sera necessdric admi- qilentemente 0 pronome eu nao refere a pessoa que 0 pronuncia. Mas ,

tir que hli uma s6 pessoa na origem dos atos ilocut6rios realizados para. eliminar este contra-exemplo, basta recorrer a uma cqncepcao do

atraves dele. Vai-se, alias, freqilentemente rnais lange nesta via e se discurso relatado direto (criticado aqui mesrno no § XI) segundo a

pretende - au sobretudo pretende-se como evidente - que cada qual as ocorrencias que aparecem entre aspas nao referem seres extra-

enunciado realiza urn 56 ato ilocut6rio (don de a especie de escan- lingiiisticos, mas constituem a simples mencao _.c!epalavras da Hngus.

dalo que resulta da existencia dos atos indiretos). Urna tal suposicao I Assirn, 0 eu de Pedro disse "eu venho"-designarla uma enHdade ira -

nao ~ certamente necessaria para adrnitir que hli uma 56 origem para \ matical, 0 pronome de prirneira pessoa, e 0 enunciado global s igniri-

a atividade ilocutorla realizada atraves de urn enunciado, mas ela e, I carla somente que Pedro ernpregou este pronome, seguido da paJavra

em todo caso, suficiente para justificar esta tese. " portuguese venho.

SeJ'a dito entr e parentes(fs, a crenca DS un. icidade do. ato ilocuto-• A concep!;ao desenvolvida em Dire et ne PQ& Dire 6 a do artlgo de 1969

rio e uma das razoes que levaram muitos fil6sofos da linguagem a r etomado no primeir o capitulo . A eoncepcao a que eheguei, a partir da

repelir [repousser] como francamente levi a na a concepcao da pressu- ideia de polifon ia, f undamen ta-se no "r eexarne" r ealizado em urn t raba lho de

posi~iio desenvolvida em Dire et ne pas Dire, E isto porque falo de 1977 (cf. aqui mesmo, Cap. II), mas se s itua numa perspectiva totahnente

urn ato ilocut6tio de pressuposicso. A que se tern imediatamente obje- diferente.

a ideia segundo a qual se pode realizar urn ato pelo Iato de se afir-

ma r e xpl ic i tame n te realiza-lo. Oaf rninha analise de Dizer -obr igado *no c cm ee o deste c ap itu lo e no Cap. VI.

178 179. . . .. .

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 12/31

mas..Todo trope iro, urna vez ou outra, ouvluem urn refugio. a o a ma-n he ce r, u rn dhilogo como 0 que segue. A alguem que t en ha I mp ru -

dentemente afirmado nao ter pregado as olhos h nolte, urn compe-

nheiro responde amavelmente: Pode ser que voce nio tenha dormido,

mas, de qualquer forma, voca, roncou solenemen te". 0 autor, no sen-

tido f fs ic o, d e st e e n un c ia do , nao poderia ser vista como responsavel,

ao mesmo tempo, pelas duas afirmacces que af silo feitas uma depois

da outra .. Se pareee razoavel atribuir-lhe a segunda, nao se poderla

fazer 0 mesmo com a primeira, a que e corrigida pelo "mas .. , If E

e deste modo para urn grande mimero de ernpregos de mas, notada-mente para aqueles que entram nos enunciados de estrutura "Pede

ser p mas q " (0 que eu digo aqui de mas, e 0 fa~o de passagem,

constitui uma certa modificecao na descricao que J . C. Anseombre e

eu temos dado freqilentemente para mas, deseri!j:ao que modificamos

/ atualmente introduzindo-a na nossa teoria da polifonla) I,

e

X. s esta teoria da polifonia que vou agora apresentar de uma

maneira P . O S H i . V 8 . . · .depoi.s de te. r- .mostrado a. · clifieu!d8.d.·.s.·d.·con.cep~iioIunicitaria" a qual eia se opce. Para isto desenvolverei certas indi-

riiic;;oes que se podem encontrar no primeiro capftulo de Les Mdts du

Discours, corrigindo-as em alguns aspectos .

Relembrei hIi pouco que 0 sentido de urn enundado, para mim,

.-p a descric;ao de sua enunciacao, Em que consiste esta descricao?

enho assinalado alguns de seus aspectos mencionandoas indica¢es

argumentativas e ilocut6.rias, assim como as relatives a s causas da

fala. Estas indicacoes, de que falei para levar a compreender 0 que

en t endo por "descricjio da enunciacao" ,. sao, na verdade, secundarias

em rela!j:iio a s indicacoes mais primltivas que estiio pressupcstas por

ItUd.Oque se pode. dize r sobre os aspectos iJocut6rlO,. a rgumentat.lvo e ~~f

J

expreSSiVO da lingu. agem. Trata-se de indieacees •. que .. 0 enunci8d~\ pLP.t-J·

apresenta, 110 seu proprio sentido, sobre io (ou as) autor(es) even)' f ' ••

tual(ais) da enunciacao. Certamente quando defini a nOyao de enun-.... ..;

I c 1 .~O . .tal como. a utiliZ.O.enquanto lingtii.sta que d.e.e.r. .eve a 1. 08o . agem, ( ."':recusei-rne explicitamente, de af ..introduzit a ideia de urn produtor . > ' ~da fala: minha nOC;ao e neutra em relacao a tal ideia, Mas nao se . ; t ; ,

. .l :. c '

Admitamos, provisoriamente, esta concepcao do discurso rela-

tado direto. e tao evidente que as tres propriedades de que acabo de

falar sao, nos outros tipos de discurso, atribuidas a urn ser unico?

Que possa ser assim, quando se trata de enuneiados simples, produzi-

dos em contextos simples, njio procurarei discutir (eu nao penso que

se possa me censurar por utilizar aqui, sem definicao, uma nm;ao Hio

pouco clara que a de simplicidade: nao a utilize com efeito para esta-

belecer minha propria tese, mas para fazer uma eoneessjio 8. meus

adversaries - 0 que poderia exprimir - se, recorrendo a termino-

logia que introduzirel daqui a poueo, dizendo que 0 enunciador do

que eu digo aqui nao eassimilavel ao locutorenquanto tal). Como

exemplo de enunciado simples em urn contexte simples, tomemosa

replica "N a seman a passada, eu estava em Lyon". utilizada para res-

ponder a pergunta "Dude voce estava na semana passada?". Nao hi t

.dificuldade em atr ibuir a mesma pessoa as tres propriedades consti-

tutivas do sujeito falante. Se representamos por "L" 0 individuo a

quem a pergunta e enderecada e que articula a resposta, e L que edes ignado por eu (6 de L que se diz que estava em Paris) e e ainda

L que assume a responsabilidade do ato de afirmacao veiculado pelo

enunciado,

. \G Mas, desde que se emprega urn enunclado, mesmo simples, em

~ urn dlalogo urn pouco mais complexo, a tese da unicidade come9a a

apresentar dificuldade. Por exemplo, quando ha umaretomada (em

, Urn sentido rnuito largo deste terrno, e que nao implica nem repeticso

I'-- literal, nem parafrase). L, a quem se censurou por ter cornetido um

/j erro, retruca: "Ah! eu sou urn imbecil: muito bern, voce na o perde

k por·esperar!". L 6 aqui ainda 0 produtor das palavras e e ele igual-

mente que e designado pe lo eu. Mas aresponsabilidade do ato de

afirmac;ao realizado no primeiro enunciado nao e certamente L que

assun'le- ja que justamente L tern a irnodestia de 0 contestar: ao

contrario, L 0 atribui a seu interlocutor I (mesmo que I nao tenha,

de fato, falado de bobeira, Mas somente feito uma censura que, se-gundo L, impliea em boa 16giea para I, a crenea na imbeeilidade de L).

Assim, pols, desde que haja uma forma qualquer de retomada

(e nada 6 mais freqiiente que a. retornada na conversacao), a atribui-

yao das tres propriedades a urn sujeito falante unico, torna-se preble-

matica - mesmo quando se trata de um enunciado sintaticamente

simples. A dernonstracac e ainda mais eacil com enunciados comple-

xos, pe r exemplo, com enuneiados consti tuldos a traves dacon jcne jio

1. No que diz. respeito aos enunciados de estrutura "Certamente p rna. q",.

ver 0final do § XVIII. Eles apre sentam urn acordo sobre a verdade de -p, '

mas excluem toda tomada de p05i~iio argumentativa de p. Nlo poderel

explicitar a.oposi~ao destas duas no~5ef seoao depoill de ter, no lXII,

analisado 0conceltc do locutor distinguido L e A:-

18 0

II

t81

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 13/31

.1

, da 0 mesmo com esta descricao da enunciacao que e consti tutiva do

sentldo dos enunciadas - a que e constitutiva do que 0 enunciado

qller-dizer e-nao mais do que 0 linguista diz. Ela contern, ou po d e

contef;-a- atdbuiyao a enunciacao de urn au varies sujeitos que se-

riam sua origem. A tese que, quero defender aqui e que e neceSSariO] I

\

distinguir entre estes SUi,eitos pelo menos dois tipos de personagens, ,/ l

os enunciadores e os locutores; apresentarei primeiro a noyao de -

" locutor" .

Se falo de locutores - no plural - nao e para cobrir os cases

em que 0 enunciado e referido a uma voz coletiva (por exemplo,

quando urn artigo tern dois autores que se design am coletivamente

por urn n6s). Visto que, neste caso, os autores pretendem constltuir

uma s6 pessoa moral, falante de uma unica voz: sua pluralidade apre·

senta -se fundida em uma personagem iinica, que engloba os indivlduos

i diferentes, 0 que me motiva 0 plural 6 a existencia, para certos enun-

ciados, de uma pluralidade de responsaveis, dados como distintos e

i rredutlveis. Assim, nos fen6menos de dupla enunciacao (§ XI), prin-

cipalmente no discurso relatado em estilo direto. Por definlcao, en ten- '

do por locutor urn ·se.r que e , no proprio sentido do enunciado, apre-

sentado como seu responsavel, ou seja, como alguem a quem se deve

I 'imputar a responsabiJidade des te enunciado., s a ele que refere 0 pro-

nome eu e as outras marcas da primeira pessoa. Mesmo que nao se

leve em conta, no momenta, a discurso relatado direto, ressaltar-se-a

que 0 locutor, designado por eu, pode ser distinto do autor emplrico

do enunciado, de seu produtor - mesmo que as duas personagens

coinc idam habitual mente no discurso ora l. H! de fato casas em que,

de uma maneira quase evidente, 0 autor real tern pouca tela'Yiio com

o locutor, ou seja, com 0 set , apresentado, no enunciado, como aque le

a quem se deve atribulr a responsabilidade da ocorrencia do enun-

ciado.

Suponha que meu fiLho me traga uma circular da escola, em que

est' escrito: "Eu, abaixo-assinado, ... ' autorizo meu Who aL .. ]. As-

sinado ... " S6 terei pessoalmente que escrever meu nome no bran co

que segue a expressdo abaixo-assinado (a menos que meu filho tenha

tido a cortesia de faze·lo por mim) e assinar (a menos que meu mho

tenha tido a lrnprudsncia de Iaze-lo e le mesmo). Ora , e claro que nao

sou a autor empfrico do texto-autor, alias, dificil de identificar: e 0

diretor, sua secretaria, a secreraria da educacao, etc? Quando multo

cerro 0 risco de ser 0 autor da ocorrencia de meu nome depois de

18 2

1

1

abaixo-assinado e, em situacao "normal", da assinatura. Mas, deSde(

que eu tenha assinado, aparecere i, c,omo.o 10 , cutor . do enunciado (lem- ibro que considero "enunciado" urna ocorrencia particular da frase) j.

Por urn lade me responsabilizarel por ele - e 0 proprio enunciado

uma vez assinado, indican! que assumi esta responsabllidade. Por

outro I.ado, serei 0 ser designado pelas marcas da primcjra pessoa,

serei quem autoriza seu mho a fazer isto ou aqullo, Tenfrb assinado,

a administracso da escola podera me dizer: It 0 senhor nos mandou

urn documento em que autoriza seu mho a ... "

Urn parentesfsl

a este prop6sito, sobre 0 papel da assinatura. Para

que serve a assinatura 1. Baseando-me em trabalhos de Christian Plan-

tin, considerarei dupla sua fun~ao. Em primeiro lugar, eia serve algu-

mas vezes para indicar quem e 0 locutor, 0 ser designado pelo eu e

a quem e imputada a responsabilidade do enunciado. Mas este papel

Ie acess6rio e circunstancial. somente: ela 0 real iza s6 quando e legl-vel (0 quem'io 6 de forma nenhuma necesssrio: Cf. os riscos que

servem muitas vezes para assinar) e quando 0 texto que a precede

nao contern indicacao do locuto~ (indicacjo que e dada. no meu

exernplo, desde que a formula" abaixo-assinado, .. , . . tenha sido preen·

chida). A segunda funyiio. essenc ial , e a de assegurar a identidadeentre 0 locutor indicado no texto e urn individuo emplrico, e a assi-

natura 'realiza tal funyao em virtude de uma norma social que exige

que a assinatura seja "autentica" (meu filho nao tern 0 direito de

assinar por mim), entendendo por isto que 0 autor emplrico da ass i-

natura deve sei'identico ao ser indicado no sentido do enunciado,

como seu Iocutor. Na conversacao oral cotidiana, e a voz que realiza

as duas funcoes da assinatura. Por urn lado ela pode servir para dar

a conhecer quem e 0 locutor. ou seja, quem e des ignado pelos mor-

Iernas de primeira pessoa (Cr. os dialogos "quem eshi at?" - "Eu").

E, por outro lade, ela autentica a assimilacao do locutor a urn indl-

viduo empirico particular, aquele que produz ~fetjvamente a fala.

Como no caso da assinatura, e , alias, uma norma social que torn aposstvel esta segunda funcao, a norma impedindo "contradizer" a voz

de qualquer outra pessoa.

)\"(\ I~") . Nao somente 0 locutor pode ser diferente do sujeito falante efe-

-f tivo, mas po de ser que certas enunciacoes, tal como sa.0 de.scrhas no

senti do do enunciado, nao aparecam como 0 produto de uma subjeti-

vidade individual (6 0 caso dos enunciados que Benveniste chama

"historicos", enunciados caracterizados pelo fato de nao veicularem

I;I

I~

183

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 14/31

nem marea explicita, nem indicacao implicita de primeira pessoa, nao

atribuindo, pois, a nenhum locutor, a responsabil idade de sua enun-

eia~ao). V8-se porque escolhi uma defini~ao da enunciacao que nao

contenha nenhuma alusao : a uma pessoa que fosse seu autor, nem

mesmo II uma pessoa a quem fosse enderecada - jli que 6 essencia l

para mim que a enunciacao, na ' medida em que ela e 0 tema do

sentido, ° objeto das qualificacces contidas nos sentidos, nacseja vis-

t a, enquanto obje to destas quali ficacoes,' como devendo ter necessa ria-

mente uma fonte e urn alvo. Quero poder dizer que B exi stenc ia deuma fonte e de urn alvo estao entre as qualificacoes que 0 sentido

atribui (o u nao) a enunciacao. Assim poderei descrever as "enuncia-

crOes hist6ricas" como nao comportando, no seu sentido, nenhuma

. m en~io a sua origem - entendendo por isso, nao que 0 sentido des-

tes enunciados atribui a origem de sua enunciacao a alguma subjetivi-

dade superindividual, mas simplesmente que ele nao diz nada sobre

sua origem, que nao exibe nenhum autor de sua fala,

. Se eu f izesse inte rvir urn autor na minha definiyio de enuncia-

'tao, a existencia deste autor se tornaria Urn lema das qualificacoes

contidas no sentido, ou seja, sua especif icacao seria uma das tarefas

necessdrias da semantica do enunciado, uma das questoes que 0 sen-

tido deveria responder, e deveria imaginar, entlio, que 0 enunciado

h.ist6riCo d4 . a estas questoes uma resposta .. de ordem metaffsica. pre-!firo poder dizer simplesmente que ele deixa na sombra a origem de

sua e nu nc la ca o, e is to me e posslvel na rnedida em que esta origem

nio 6 urn l ema nece s sa r ia das indicacoes semanticas, mas uma das

caracterfst icas que podem atribuir (au nao) a enunc iacao. Se, uti li-

zando com alguma liberdade uma palavra de Iakobson, denomina-se

"embrayeur" 0 aspecto da realidade extra-l lngiifst ica relat iva O s indi-

ca~s interiores 80 sentido ( qu er d iz er, situ ada na jun9iio do lingiiis-

fi co e do extra- lingi ifsti co), dire i que e a enunciacao tal como a defini

- abstracao feita, pois, do sujeito falante - que e 0 embrayeur das

indicacoes semanticas: a existencia eventual de urna Ionte respond-

vel pela enunciacso depende s6 destas indlcacoes.

GXI. Sustentei mais acima que a presence de marcas da primeira /

pessoa apresenta a enuncialtao como irnputavel a urn locutor, assimi- /'

ado ~ pessoa a qual rernetem. Este principio deve receber certas

~

nuances a firn de dar conta da possibilidade sempre aberta de fazer

aparecer, em uma enunclacfio at ribufda a u rn locutor, uma enunciacrao

e atribulda a urn outro locutor. £ isto que se ve de uma maneira evi-~ J

l~1)~~ ' 184

dente no discurso relatado em estilo direto. Se Pedro diz "Joio me

disse: eu virei", como analisar, no que concerne ao locutor. 0 discurso

de Pedro tornado na sua totalidade? Encontrarn-se af duas marcas de l

primeira pessoa que remetem a dois seres diferentes. Ora, nio se

pode ver ai dais enunciados sucessivos, 0 segmento loao me disse

nao pode satisfazer a exigencia de independencia contida na minha

definicao de enunciado: ele nao se apresentaria como "escolhido por

si mesmo". Sou. pais, obrigado a dizer que urn enunciado unico

apresenta aqui dois locutores diferentes, 0 prirneiro locutor sendoassimilado a Pedro e 0 segundo a I oao , Assim, 6 possfvel que urna

parte de urn enunciado imputado globalmente a urn primeiro locutor

seja, entretanto, imputado a urn segundo locutor (do mesmo modo Ique, num romance, a narrador principal pode inserir no seu relato \

o relato que Ihe fez u r n segundo narrador), )

Esta possibilidade de desdobramento e utilizada nao somente pa-

ra dar a conheeer 0 discurso atribuido a a lguem, mas tambem para

produzir urn eco imitativo (A: "Eu nao estou bern" - B: "Eu nao

estou bern; nao pense que voce vai me comover com iS50"), ou para

apresentar urn discurso irnaginario (liSe a lguem me dissesse v ou s air ,

eu lhe responderia ... "). e ela tambem que permite organizar urn

teatro, no sentido proprio, no interior de sua propria fala, pergun-

tando e respondendo (procedimento Ireqiientemente utilizado por cer-

tas personagens de Moliere. Sosie por exemplo, que na eena I, do

primeiro ato do Amphitryon, se representa contando a bataJha de

, Alcmene, organizando assim urn teatro dentro do teatro). 0 mesmo

IdeSdObramen todo locutor permite ainda a alguem Iazer-se a porta-

voz de urn outro e empregar, no mesmo diseurso, eus que remetem

tanto ao porta -voz, quanta a pessoa da qual e porta -voz. Quando, ern

Tartarin sur les Alpes. Pascalon, atemorizado pelas imprecacoes de

Excourbanies (" O utre! "), as faz acompanhar pela formula hipocrita

itarasconnaisei " ... que vous me feriez dire", 0 locutor da formula

pronunciada por Pascalon, quer dizer, a pessoa designada por me, ea que praguejou "Outre!", a saber. Excourbanies, U que nio impede

Pascalon de, .no mesmo discurso, empregar eu s que designam ele

rnesmo.

Em 1ugar de considerar 0 relato em estilo direto (abreviado RED)

como urn caso particular de dupla enuneiacfio, ele e descrito com

freqiiencia de modo isoJado, independenternente dos fenomenos que

cJassifiquei na mesma categoria - deixa em seguida toma-Io como

18 5

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 15/31

, '

modele quando se trata de caracterizar estes outros I enemenos , vistos

como sendo form as truncadas, desviantes, ate anormais. Esta pratica

leva 'a dar ao RED um a imagem que me parece as vezes banal e de

forma nenhuma eviderite, e a desfigurar par ricochete os fatos que

procedem tarnbem, segundo penso, da. dupla enunc iacao: eles apare -

cern como uma c6pia de rna qualidade, feita a partir de um original

ja desbotado.

Se, de Iato, contrariamente ao que proponho, considera-se sepa-radamente 0 RED. duas particularidades se impiSem logo de lnlcio,

~

'.A primeira, que ele tern par f1.inyao informer sobre urn discurso ele-

tivamente realizado (tenu] , A outra, que ele contem em si mesmo os

te rrnos de urn discurso suscetlvel de ser realizado [tenu] por urn lo-

cutor di ferente daque le '.que faz, o. re.,l.to. A aptoximaya? ,destas du~s

observacoes eonduz faetlmente a ideia - em geral admitida sem dIS-

cusssc - de que 0 RED procura reproduzir na sua materialidade as

palavras produzidas pela pessoa de quem se quer dar a conhecer 0

discurso. 0 que se expressa, POt exemplo, recorrendo a noyao 16giea

de menfQo, Para urn logico, uma ocorrencia particular de uma palavra

constitui urna menciio quando seu autor nao a utiliza para significar

o sentido desta palavra mas para significar a propria palavra, consi-derada como um a entidade lingufstica. Este e 0 caso nos exemplos

sempiternos do tipo "Mesa tern quatro tetras" on d e a ocorrencia da

palavra mesa se rve para designar este elemento d a lin gu a portuguesa

que ~ a palavra mesa, 0 mesmo se daria no RED. A parte final da

seqiiencia Pedro disse: "estou coniente" (a que esta entre aspas) de-

signa ria simplesmente uma frase da lingua, e 0 sentido global da se-

qiiencia seria que Pedro pronunciou esta frase, produzindo urn enun-

ciado. Relatar urn discurso em estilo direto seria, pois, dizer que

palavras foram utilizadas pelo autor deste discurso. Quanto aos outros

Ienomenos que classifiquei na rubrica "dupla enunciacao", (os ecos,

os dialogos inte rnes, os monologos, 0 apagarnento do porta-voz em

relayiio

apessoa que ele faz falar), tudo isto nao seria senao uma

forma enganosa do RED - enganosa seja porque ele nao se reconhe-

ce como tal, seja porque 0 discurso que se pretende relatar jamais

se deu, ou Ioi realizado em termos diferentes.

I De minha parte, prefiro earacterizar primeiro a categoria torna- -/

(

' da na sua totatidade, e direi que ela consiste fundamentalmente em

uma apresentacao da enunciacao como dupla; 0 pr6prio sentido do

enunciado atribuiria a enunciacao dois locutores di stintos, eventual-

~~~\'!/i.•. 1 186

mente subordinados - 0 que nao e mais extravagante que atribulr-

Ih.e propri ..e.d.a.d.es jurfdicas, argumentativas ou eaus. ais de que. f a l ~ 7mais acima, Certamente do ponte de vista emplrico, a enunciacao t

ayao de u rn t in ic o sujeito falante, mas a imagem que 0 enunciado

dti dela e a de uma troca, de urn dialogo, ou ainda de urna hierarquia f

das Ialas. N ao ha paradoxa neste caso senio se se confunde 0 lo -

cutor - qu e para m im ~ uma ficyao discursiva - com 0 suieitoFalante - que e urn elemento da experiencia. Esta tese tern conse-

quencias quando se trata de descrever 0 relato em estilo direto, seeste e visto no interior da eategoria geral da dupla enunciacao, Segu-

ramente manterei que ele visa inforrnar sobre urn dlscurso que foi

efetivarnente realizado. Mas nada mais obriga a sustentar que as ocor-

rencias colocadas entre aspas constituem uma mencao que designam

entidades lingiilsticas, aquelas que foram realizadas no diseurso ori-

ginal. Pode-se admitir ao contrarlo que 0 autor do relato, para infer-

mar sabre 0 discurso original, coloca em cena, da a conhecer uma

fala que ele supoe, simplesmente, que eta tern alguns pontos comuns

com aquela sobre a qual ele quer informar seu interlocutor. A verda-

de do relato nao impliea, pois, se 0 RED e urn caso particular de

dupJa enunciacao, uma conformidade material das falas originals e

das Ialas que apareeem no discurso daquele que relata, J Ii que estenao visa necessariamente a uma reproducao literal, nada impede, por

exemplo, que, para dar a conhecer os pontos importantes da fala ori-

ginal, ele coloca em cena uma fala muito diferente, mas que dela

conserva, ou mesmo acentua, a essencial (pode-se, no estilo direto,

relatar em dois segundos urn discurso de dois minutos: Em uma pala-

vra, Pedro me disse "eu ienho 0 sujiciente"}, A d if er en e a entre est ilo Idireto e estilo indireto nao ~ que 0 primeiro dana a conhecer a forma.

o segundo, 56 0 conteudo. 0 estilo direto pode tambem visar s6 0

conteudo, mas para fazer saber qual e 0 contetido, escolhe dar a

conhecer uma fala (ou seja, uma seqilencia de palavras, imputada a

urn locutor). E suficiente, para ser exato, que este manifeste efetiva-

mente certos traces salientes da fala relatada (por isso os historiado-res antigos, e boa parte dos historiadores modernos, nao t8rn escni-

pulos de reescrever os discursos que relatam). Porque 0 estiJo direto )

implies fazer falar urn outre, atrlbuir-lhe a responsabiHdade das falas,

isto nao implica. que sua verdade tenha uma correspondencle literal,

termo a termo.

X IJ. hi que 0 Jocutor (ser do discurso) foi distinguido do sujeito

falant.e (ser empfrico), proporei ainda distinguir. no proprio interior

187

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 16/31

(

' da n~iio de locutor, 0 "locutor enquanto tal" (por abreviar, :aoJl

"L") e 0 locutor enquanto ser do mundo ("A"). Leo responsavel

pela enunciacao, considerado unicamente enquanto tendo esta pro-t

priedade. ,\ e uma pessoa IIcomplete", que possui , entre outras pro-

priedades, ~gt'igeuR enunci'B rr=e- 0 qu~ nao Impe~eL e ). sejam seres de discurso, consti tuidos no sentido do enunciado,

e cujo estatuto metodol6gico e , pois, totalmente diferente daquele do

suieito falante (este ultimo deve-se a uma representar,:ao "externa" da

fala, estranha aquela que e veiculada pelo enunciado). Para fa~er apa-

reeer esta distinyRO,retomarei primeiro 0 exemplo das interjeiyoes tal

como Iorarn descritas ha pouco. Digo que uma interjeiyao apresenta

sua enunciayao como motivada [declencheel pelo sentimento que ex-

pressa. Isto irnplica que este sentimento e apresentado nao sornente

por meio, mas atraves da enunciacao de que e a origem pretendida.

Ao dizer Ai de miml ou AM * colore-se sua pr6pria fala de tristeza

ou de alegria: se a fala da a conheeer estes sentimentos, e na medidaem que e , ela propria, triste au alegre, A alguem que se contenta em

dizer "Estou multo triste" au "Estou muito alegre", pode-se even-

tualmente fazer notar que ele nao tern a aparencia, tomando-o na sua

atividade de Iala, nem triste nem alegre. Isto porque 0 sentimento,

no caso dos enunciados declarat ivos, apareee como exterior a . enun-daC;aocomo um objeto da enurrciacao, enquanto que as iilterjeiyoe5 0

situ am na pr6pna enunclac;:ao - t-que es a a resen a a como a

efeitolrnediato 0 sen i frrerrto- que ela expressa. Direi, pois, que 0

(

set: a quem se atrlbui 0 sentimento, em u~~"terjeic;:iio, e L 0 locutor

visto em seu eng~jame.D enuncitativ~. f e a x, a contrario, que ele

~ atr ibuido nos enunciados declarativos, ista__6 ao ser do Mundo que,

entre outras pronrle.dades: tem -de-enuncihr s~ tristeza au sua ale-

gria (de ~do geral 0 ser que 0 pronome eu designa eSempre -:

mesmo se a identidade deste , \ so fosse acessivel atraves de seu apa-I .

recimento como L):

Uma outra IiustrayaO da distincao '\-L, desta feita retirada daret6rica, e para a qual me apoiarei em Le Guern (1981). Um dos

segredos da persuasiio tal como e analisada a partir de Arist6teles

6, para 0 orador, dar de si mesmo uma imagem favoravel. imagern

que seduzlra 0 ouvinte e captara sua benevolencia. Esta imagern do

orador e designada como ethos. e . necessatio entender por isso a

"carliter que 0 orador atribui a si mesmo pelo modo como exerce sua

(

• No original H~lasl CHIC! (N. do T.)

188

atividade aratoria. Nao se trata de afirmaeoes auto-elogiosas que ele

pode fazer de sua propria pessoa no conteudo de seu discursc, afir-

rnaeoes que podern ao contrario chocar a ouvinte, mas da apar8ncia

que Ihe confere a Iluencia, a entonacao, calorosa au severa, a escolha

das palavras, os argumentos (0 fato de escolher au de negligenciar

tal argumento pode parecer sintomatica de tal qualidade ou de tal

defeito moral). Na rninha terminologia, direi que 0 ethos est! l igado

a L, 0 locutor enquanto tal: e enquanto fonte da enunciacao que ele

se ve datado [aJ lu bJeJ de certos caracteres que, par contraponto, tor-na esta enunciacao aceitavel ou desagradavel. 0 que 0 orador poderia

dizer de si, enquanto objeto da enunciacao, diz, em contrapartida,

respeito a A. 0 ser do mundo, e nao e este que esta em questao na

parte da ret6rica de que falo (a distancla entre estes dais aspectos do

locutor e part icularmente sensfvel quando L ganha a benevolencia de

seu publico pelo proprio modo como humilha '\: virtude da autocrf-

tica). N .B. - A teoria da construcao do orador por sua fala e explo-rada por DecJercg (1983) para analise do teatro de Racine.

A distincao de L e . \ me permitira precisar minha posi-rio a res-

peito dos "performativos explfcitos", tese a qual fiz elusdo 110 § 4

(trata-se do que Recanati (1981) Cap. IV, chama a "conjectura deDucrot"), A expressiio "performativos explfcitos" - que nao quero

retornar por minha conta - da a entender que e posslvel efetuar

urn ato ilocut6rio pelo simples £ato de se asseverar explicitamente

que se efetua tal ato. Seja, por exemplo, 0 ato de desejar (augurar),

consistindo em assumir 0 que urn outro deseja, au mesmo, na medida

em que se atribui ao ato, de desejar uma eficdcia empfrlca, em con-

tribuir verbalmente para sua satisfacao. Para efetuar este ato, parece

suficiente afirmar que se o rea liz av B 0 que parece ser~feito quando

se diz "Eu te desejo boas ferias", se desejar significa. aqui "realizer

o ato de desejar", Para mim, ao contrario, desejar, nesta f6rmuJa,

significa primeiro II desejar", no sentido psico16gico do termo. Dizen-

do "primeiro", considero que este sentido esM na origem de seu

valor de aiYao,e assegura a f6rmula a possibilidade de reallzar este

papel . Sea f6rmula permite 0 ato de desejar, e porque ela e 88ser~iiode urn desejo, em urn contexto em que 0 objeto deste desejo 6 0 su-

cesso do interlocutor. Segurarnente uma evolucao semAntica levou 0

verbo desejar [souhaiter] a tomar, por derivay80 delocutiva 0 valor

"efetuar 0 ate que pode set efetuado, pirncipalmente, dizendo a al-

guem "Eu te desejo ... " ["Ie Ie souha it e . . . "1 , E, uma vez que esta

derivacao (oi produzida, tornou-se possfvel reler a f6rmula. dando a

"189

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 17/31

desejar lsouhaiterl este novo sentido, 0 que le:a a ver a~ a ass~r~ao

da re aliz ay !o d e u rn a to . Mas na o e esta assercao que esta na origem

da eficacia p rag ma tica d a f6rmula.

N .B . _ Recanati objetou a esta explica~ii .o que a verba desejar

[souhaiter), acompanhado de urn dativo, nao pode sig?ificar senao a

realizayBo do ato de desejar [souhaitl, e nunca o. deseJ~. Mas encon-

tram-se de Iato desejar [souhaiter], puramente psicologlcos e, no en-

tanto, acompanhados de urn dativo. Assim, em 0 Avarento , .cena 7,do ato III, Cleante diz a Marianne, que deve , segundo os projetos ~e

Harpagon, tomar-se sua sogra: "C'est uri titre q~e je ~e vous so:,ha~,te

point" (no sentido de" dont je ne desire pas qU'11 d evierme Ie votre. ).

Tudo 0 que se pode dizer e que a presenca de urn pronom~ dative

de segunda pessoa com 0 verbo "ps icologico" desejar [souhatter], Iol

pa rticularmente freql iente, pa r razoes Iaceis de compreender. quando

este verbo foi utilizado nas formulas usadas para realizar 0 ato de

desejar [souhaitl: em seguida, 0 segundo ve~bo dese jar [souha~te~}

afetado, por delocutividade, pelo valor realizar 0 ato. de desejar ,

adquiriu a possibilidade de uma combinacao com 0 dative como c~-

rac terfsti ca sintati ca - 0 que reforca em conseqiisncia; a tendencia

em crer estar este verbo presente na f6rmula.

Se resumi aqui a crltica da perforrnatividade apr~~entada com

detalhe no capitulo VI, e porque a dist im;:ao A -L permitira uma me-

lhor formulayiio dela. Se concordarmos, com efeito, que ~ ver~o

desejar [souhaiter] da formula "Eu desejo ... " [" Ie. souh~'te: .. 1e utilizado primeiro para urna assercao de or~em pSlco16glca, e _ ne:cessario dizer que seu sujeito, 0 pronome eu £Ie], remete a .\: nao e

enquanto locutor que se experimenta 0 dese]o, mas enquanto ser do

mundo, e independentemente da assercao que se Iaz dele. Por o~tro

lado 0 ato de desejar, que nfio existe senao na Iala em que se realiza,

pert;nce tipicamente a L: L realiza 0 a to de desejar a£~rrnando q~e xdeseja. l! 80 reler a f6rmula atribuindo ao verbo deselar [souhatter]

seu segundo sentido que se e levado ao mes~o tempo .a . compreender

o Eu [Ie] como uma designacso de L, au seja, do sujeito do ato de

desejar. Trata-se de uma especie de ilusao retroativ8,' devida ao fato

de a f6rmula ter side dotada de uma eficacia ilocut6tia - mas que

nao ex plica esta eficacia. .

V8-se como esta tese sobre os performativos se liga a diferenca

que fiz entre a mostracao da enunciacao, que constitui global~ente

o sentido, e as diferentes assercoea sobre 0 mundo que se reahzam

. r . '190

I'

> (

l

atraves da qualificacao da enuncracao. Que a consideracao de uma

formula tenha a eficacia necessaria para a realizacso do ate de de-

sejar, e 0 que 0 enunciado rnostra sabre a enunciacao, e 0 sujeito

deste ato nao pede ser senao 0 locutor visto no seu papel de locutor,

isto e, como 0 responsavel pelo enunciado. Mas quando a assercao

contida nests f6rmula, e que concerne ao mundo, toma como objeto

o ser particular do mundo que, entre outras propriedades, tern a de

ser L, e de A que se trata: L pertence ao comentario da enunciacao

fei ta globa lmente pelo senti do. A pertence a descriefio do mundo fe itapelas assercoes interiores ao sentido. 0 que e caracterfstico dos per-

Iorrnativos, ditos "explfcitos", e que as assercoes sobre ;\ sao af utili-

zadas para mostrar as modalidades segundo as quais a enunciaeao ~ . 1 1 < . , jconsiderada POt L. J0

XIII. , a assinalei urna primeira forma de polifonia, quando assi-

nalei a existencia de dois locutores distintos em casas de "dupla enun-

)ciayao" - fenon:~eno que ". t~rna possfvel ~elo fato de 0 lo~utor

JI ser u~ ser de discurso, participando desta imagem da enunciaeao

/

Iomecida pelo enunciado. A 00y80 de enunciador me permitira des-

crever um a segund a forma de polifonia bern mais freqii ente . No

exemplo do eeo tornado ha pouco, alguem pronunciara as palavras

"Eu nao estou bern", e uma segunda pessoa as retomara por ur n4 "Eu nao estou bem: Niio creia que voce vai me comover com isso",

operando no seu discurso em desdobramento do locutor (cujo Indice

e a mudanca de referente do pronome eu). Mas e ainda mais fre-

quente que se encontre em um discurso a voz de alguem que nao

tenha as propriedades -que atribuf ao locutor .. Na cena 1 do ate I de

Britannicus, Agrippine ironiza os propositos de sua confidente AI·

bine, que at ribui a virtude 0 comporl.amentu independente de Neron,

Agrippine:

Et ce meme Neron, que la vertu conduit.

Fait enlever Iunie au milieu de 1a nuit.

E claro que este enunciado, e particularmente a relativa, e lies-

tinado a exprimir nao 0 ponte de vista de Agrippine, mas 0 de Albine,

apresentado como ridicule. E clare tambem que todas as marcas da

primeira pessoa, na Iala de Agrippine, designam a si mesma, e me

?brigam. pols, a identifica-la ao locutor (se, nos versos que citei, se

introduzisse lima marca de primeira pessoa, por exempIo urn "sans

me prevenir", 0 me rerneteria tarnbem a Agrippine). Donde a ideia

: r

191

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 18/31

de que 0 sentido do enunciado, na representacao que ele dli da enun-

ciac;ao, pode fazer surgir af vozes que neo sao as de urn locutor.

Chama "emmciadores" estes seres que sao considerados como se ex-

pressando atraves da enunciaeao, sem que para tanto se Ihe atribuam

palavras precisas: se des "falam" e somente no sentido em que a

enunctacao e vis ta como expressando seu ponte de vista , sua posic; :ao,

sua atitude, mas nao, no sentido material do terrno, suas palavras,

Para definir a nocfio de enunciador. tenho por vezes (Cr. Ducrote outros, 1981, Cap. I) dito que eles sao os sujeitos dos atos ilocuto-

rios elementares, entendendo per issoaJguns atos rnuito gerais mar-

cades naestrutura da frase (afirrnacao, recusa, pergunta, incitacao,

dese]o [augurio], e xc la ma ca o). D efin ic iio q ue e , pobre de rnim, diff-

/' cit de introduzir na teoria de enunciacao que acabo de proper, Para

mim, com de ito , reatizarumato ilocut6rio e , de uma maneira geral,

"epresentar sua enunciacao como obrigando .... " - e e ao sujei to

falante que reservei, na presente exposieso, arealizac;:ao dos atos

ilocut6rios: escolhendo urn enunciado, de "apresenta sua enunciacao

como obrigando .. , ". Na medida em que a existencia de urn enun-

ciador pertence a imagem que 0 enunciado da da enunciacao, seria

~slirio, para atribuir os atos ilocutorios ao enunciador, dlzer: "0

enunciado atribui aenunciacao a propriedade de set apresentada pOl'

urn enunciador como 1) a sua, 2) obrigando .. ,". Mas esta f6rmula

e multo poueo inteligfvel. Ve-se, mal, principalmente, como a enun-

cia~iio poderia ser atribuda a urn enunciador enquanto este ultimo,

diferentemente do locutor, naq se define em relacao a ocorr encia de

palavras (nao se lhe atribui nenhuma palavra, no sentido material do

termo). Incapaz pata 0 momento de suplantar est a s dificuldades no

quadro de uma construcao teorlca, eu me contentarei com compars-

r ;:oes, primeiro com 0 teatro, depois com 0 romance.

Direi que 0 enunciador esta para 0 locutor assim como a per- gsonagem estd para

0

autor. 0 autor coloca em cena persons gens que,em relsyao ao que charnei no § 3, a partir de Anne Reboul, uma

" 'prlmeira Iala" , exercem urns ar; :ao lingiHstica e extralingiifs tica, ac; :ao

que nao e assumida pelo proprio autor. Mas este pode, em uma "se-

gunda Iala", dirigir-se ao publico atraves das personagens: seja por

que se assimila a esta ou aquela pelo pt6prio autor. Mas este pede,

em uma "segunda Iala", dirigir-se ao piiblico atraves das persona-

gens: seja porque se assimila a esta OU aquela que ele parece Iazer

seu represent ante (quando 0 teatro e di retamente didati co), sej a per-

l' 1

Ir •

1,\

192

que mostra como significativo 0 fato de as personagens Ialareme se

comportarem de tal ou tal modo. De uma maneira analoga, 0 locutor, jresp.onsBvel. pelo enunciado, da e.x i st e nc i a, a t ra ve s dest.e•. 8. enunCiB.-

dores de quem ele organiza os pontos de vista e as atitudes; E sua

posieao propria pode se rn an ife sta r s eja p orq ue ele se ass imila a este .

au aquele dos enunciadores, tomando-o par representante (0 enua-

ciador e entao atualizado), seja simplesmente porque escolheu faze- los

aparecer, e que sua aparic; :ao mante rn-se slgnifl ca tiva, mesmo quee lenao se assimile a eles (8 e x is te nc ia d i sc u rs iv e que lhes e dada ass im,

o Iato de que alguem assume uma certa posicao, 'd§ im po rta nc ia a

esta po si ~a o , m e smo para aquele que DaO a leva n a p ro pria c on ta:

hR , alias. um a o utra importiincia possfvel para. urn con te i ido l ing i il s ti -

co, Iigado as palavras cujo valor intrinseco e impossfvel de I ixar ou

limitar?). Seria mesmo POSSIVel levar mais longe 0 paralelo: como 0

enunciador nao e responsavel pe lo material Iingt ifsti cc ut il izado, que

e atributdo ao locutor, do mesmo modo nilo se ve atribulda a perso-

nagem de teatro a materialidade do texto escrito pelo autor e dito

pelos atores. Se, por exemplo, em L es fe mm es S av an te «, Moliere e os

atores se expressarn em verso, e evidente que as personagens repre-

sentadas falam habitualmente em prosa. E quando em ~aao mementoa personagem Trissotin recita versos, isto deve ser indicado por uma

dicc;ao particular do ator e, da parte do autor, por umaforma de

verifica~iio particular.

Devo sublinhar que a aprcximacao da duple. locutor/enunciador

e da dupla autor + a tor/personagem diz respe ito somente 80 papel.

que desempenham as duplas nestes modos de comunicacao que sao

a Iinguagern teatral e a linguagem nao-teatral: des tern, segundo pen-

so, a mesrna fun9ao serniologica. Suponhamos agora. que se deixe de

Iado este ponto de vista semic logico e que se descreva 0 que se passa

na cena, nao rnais como urn modo de comunicacao especffico, mas

como uma utilizacjio, entre outras, da linguagem ordinaria, do mesmo

modo que na conversacao ou no discurso polf t ico, Sera necessario,

entao, considerar as personagens, jli que elas sao os referentes dos

eus pronunciados na cena, como os locutores - oautor e os stores

aparecendo desta vez ~omo sujeitos falantes. 1! a mesma dis tinr ,; iio,

na linguagem ordinaria, do locutor e do sujeito falante que a toma

apta a utiliza9iiO particular que faz del a 0 teatro: 0 proprio do tea-

tro, rela9aoa. narrativa pura, isto e, a narrat ive sem dia logo rela tado

em est ilo di reto, e que a func; :ao semio l6giea de enunciador e neste

193

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 19/31

f

\

' CIISO preenchida por urn ser, a personagern, que, no que diz respeito

ao em prego Ie ito da linguagem ordinar ia, e urn locutor - de modo

que urn sujeito falante, ator de sua posicao, pronuncia as eu que

remetem a Don Diegue, senhor espanhol. E muito mais, a possibili-

dade de uma dupla enunciacao (Cf. § 11) ligada .a . dis tinc,:ao do su-

jeito falante e do locutor, explica por que 0 mesrno ser, na cena, pode

algumas vezes falarao mesmo tempo como personagem e enquanto

representante da personagem, Iazendo, por exemplo, cornenlarios sobre

seu papel: em uma par6dia do Cid, 0 representante de Don Dlegue

pode, no proprio interior da peca, lastimar-se que seu companheiro,

80 esbofetea-Io .• t enha tido a mao pesada , assim se distingui ria:

1. 0 ator X. sujelto falante:

2. Urn primeiro locutor, para 0 qual reserve 0 termo dc' "inter-

prete", definido pelo Iato de ter tal papel particular, e que po de dizer

eu enquanto titular deste papel.

( 3. Urn segundo.locuto ..r., a.. per.50nagem vivida p.elo ".interprete",

I personagem que se designa igualrnente a si mesmo par eu) " '.

XIV. A teorla da narrativa apresentada em Genette (1972) me

! fomecera urns segunda compara lYao para procurar fazer compreender

;1 minha distinyao do locutor e do enundador. Com efeito, esta teoria

faz aparecer na narrative dois tipos de instfincias narrativas, corres-

pondendo sob muitos aspectos ao que chame i , no estudo da l inguagemI ordinaria, "locutor" e "enunolader". 0 correspondente do locutor ~

a n a rr ad o r, que Genette opoe ao autor da m esm a m an eira que ope-

nh o a locutor ao sujeito Ialante emplrico, is to e , 80 produtor efetivo

~.do enunciado, 0 autor de uma narrativa (romancista ou novelista)

rep resent s, segundo Gene tte , urn narrador, responsavel pela nar rativa

e que tern caractertsticas bern diferentes daquelas que a historia lite-

niria ou a psicologia da criayao romanesca devem reconhecer ao autor .

Assina lo t res, das qua is' 56 a primeira e desenvolvida par Genette.

Esta primeira caracterfstica, sabre a qual passe rapldamente, diz

respeito a atitude do narrador em reJac;:ao 80S acontecirnentos relata-

dos, Enquanto 0 autor imagina au inventa estes acontecimentos, 0

narrador as relata, entendendo por iS50.. por exemplo, ou que de

reproduz Iembrancas (supostas) -- noeaso de uma narrativa no pas-

.. Em .frBnce,s Ducrot usou "comedien", que traduzi por ator, e "acleur", que

tradtizi por imlrprt!te. (N. do T.)

Jl 'I r I i

1 94

'1

sado - ou que ele d a uma forma lingiiistica ao que de Iol levado

a viver ou a constatar - em certas narrativas no presente.

Insistirei, sobretudo, em uma segunda diferenca entre 0 narrador

e 0 autor, di ferenca l igada a primeira. Trata-se de sua relayiio com

o tempo. Em seu estudo sobre 0 tempo gramat ica l, Weinrich (1964)

ressalta que os romances de antecipaeao sao sempre escritos em urn

tempo gramatical do passado - 0 importante para mim e que al i's

sornente possam se-Io. Escrevendo hoje urn. romance sobre 0 ano2000, nada me impede de comecar: IIA cette epoque la France 6~ai t

un terrain vaque que se disputaient .. ." v e - s e nisto, por vezes, urns

extravagancia ou urn paradoxa, sob 0 pretexto que 0 au tor, m esm o

escrevendo no pass ado, nao procura dissimular que fala de seu fu-

turo. Mas 0 paradoxo desaparece desde que se tenha distinguido autor

e narrador, Porque 0 tempo gramatical utilizado pode muito bern nao

tomar como ponto de refrencia 0 momento em que 0 autor escreve,

mas aqueleem que 0 narrador relata, e 0 autor, vivendo em 1985.

pode imaginar urn narrador, vivendo no ano 3000, que relata 0 que

se passou no ano 2000.

Esta distinr;:ao do narrador (equivalente literario de meu "10,

cuter") e a autor (correspondendo ao que chamei 0 "produtor efe-,t ivo" , e exter ior a narrati va como 0 produtor e exterior ao sentido do.

enunciado) permite mesmo - e a te rc eira d ife re nc a que assinalarei

- Iazer realizar 0 ato de narracao por alguern de quem se dlz, ao

mesmo tempo, que ele nao existe ou nao existe mais. Se para escrever

c necessario existir, isto nao e necessario para narrar. P e r isso a

possibilidade das narratives em primeira pessoa e nasquais se relata

a morte da personagem designada par esta primeira pessoa, como no

filme de Wilder. Sunset Boulevar, filme narrado par uma persona-

gem que e , no entanto, asaassinada pouco antes do Iim. A existencia

e rn p fr ic a , p r ed i ca d o necessaria do autor , pode ser recu sada ao n arra-

dar. Na m edida em que este e um ser f i ct f cio . • interior a obra ,seu

papel se aproxirna do qu e a trib uf ao locutor - que para m im ~ urnse r do discurso, pe rteneen te ao sentido do eni iriCiado,·;e -resul tantc··

desta descricdo que 0 enunciado dB. de sua. enunciacao.

Ao enunciador igualmente posso fazer corresponder um dos pa-

peis propostos par Genette, Vou coloca-lo em paralelo com o que

Genette denomina a s vezes "Centro de perspectiva" (a "sujeito de

consciencia" dos autores americanos), ou seja, a pessoa de cujo pon-

to de vista sao apresentados as acontecimentos. Para. distlngui-lo do -

19 5

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 20/31

narrador, Genette diz que 0narrador e "quem fala", enquanto que a

centro de perspectiva e "quem vel'. E cita numerosos exemplos em

que os dois papeis nao podem ser atribuidos a urn ser iinico. Assim,

em A fa Recherche du Temps Perdu. ocorre que 0 narrador apre-

senta acontecimentos que relata m u ma v isjio que na o pode ser nem a

sua, no momento em que narra a hist6ria, nem a de urn indivldue

designado por ell [je), ou seja, do ser em que era no momento em

que vivia a historia: a visao relatada pelo narador e assim a s vezes

a de Swan ou de Charlus, e isto mesmo que 0 narrador seja identif i-

cado, atraves da primeira pessoa, a uma outra personagem da narra-

tiva. Esta situa9ao me parece proxima da que procurarei descrever, no

nfvel do enunciado, dizendo que 0 locu tor apresenta uma enunciacso

de que se declara re sp on sav el - como exprimindo atitudes de que

pode recusar a responsabilidade. 0 locutor fala no sentido em que

o narrador relata, ou seja, ele e dado como a Ionte de urn discurso,

Mas as atitudes expressas neste discurso podem ser atribuidas a enun-

ciadores de que se distancia - como os pontos de vista manlfestados

na narrative podem ser sujeitos de consciencia estranhos ao narrador:

Para ilustrar esta re lacao en tre 0 enunciador e 0 centro de pers-

pectiva, comentarei as primeiras lin h as de l/Bducation Sentimentale,consagradas a safda do navio que vai subir 0 Sena, a partir de Paris,

levando a bordo Frederic Moreau: "Le 11 septembre 1840, Vers six

heures du matin, la ville - de - montereau, pres de partir, fumait

A gros tourbillons devant le quai. saint-Bernard". Segue uma descri-

~ao do cais que se pretende absolutamente "objetiva" e faz surgir,

com 0 auxflio de uma confusao de notacoes isoladas, as encontrfies

[bousculades] e a animacao geral que precedem a partida. Descricao

!que e interrompida pelo enunciado que vou comentar com detalhe:

"Enfin, Ie navire partit; et Ie s deux berges, peuplees de magasins, 'de

chan tiers e d'usines, filerent comme deux Iarges rubans que l'on de·

roule".

Encontro neste enunciado 'pelo menos duas marcas que trazem

It tona a presenca de uma personagern que nao e 0 narrador (por co-

modidade, suporei que h8 aqui urn narrador - 0 que esta lange de

se r evidente). A primeira e 0 eniin, que nao serve somente para assi-

na lar que urn certo acontecimento e 0 te rmo de urn desenvolvimento

cronol6gico (como se enconlraria em Pedro chegou, depois !olio e

eniim [en/in] Paulo). Ele tern alem disso urn valor exclamativo: 6 a

interjeicfio de alguem que ve terminar uma longa espera: ele dB. a

fr o 19 6

entender 0 suspire de urn enunciador a quem "ele e , para retornar 0

que disse sabre a exclamacao e a expressividade, "arrancado" pela

situacao. Ora este enunciador, que deve assistir a cena descrita, que

deve vive-la, e evidentemente di st into do narrador que nao tern ne- "

nhuma razao para se impacientar ou exclamar.

Segundo indicia de uma subjetividade que nao e a do narrador,

a metafora que fecha 0 enunciado: "lex deux berges (.".) filerent

comm e deux larges rubans que l'on deroule", Para ver as chalupas"se derouler ", e necessario observe-las de urn lugar multo particular,

a coberta da popa do navio. Deste lugar com efeito, e somente dai,

de urn lado se veern os dois cais de uma s6 vez, e de outro, esta a

vista rio abaixo obstrufda pela i1ha Saint-Louis e a ilha de la Cite,

estes cais "se a longarn" a medida que 0 navio se distancia das ilhas.

Como, exatamente depois da passagem que analisei, 0 nar rador apre-

senta Frederic Moreau olhando Paris, da popa do navio, e quase auto-

matico atribuir-lhe, numa Ieitura retroativa, a visao das chalupas que

se desenrolam e, voltando urn pouco rnais no texto, a impaclencia do

en/in. Ve-se, espero, neste exemplo, quanta estao proximas a no~ao

de enunciador e a de centro de perspectiva: elas servem para fazer - I

aparecer no enunciado urn sujeito diferente nao somente daquele que "Iala de fate , lro man cista/su jeito Ia lan te], mas tambern daquele de

que se diz que fala lnarrador/Iocutorl.

XV. Primeiro exempJo, destinado a mostrar a pertinencia lin-

gufstica da noyao de enunciador: a ironia. Darei dela uma descrieao

inspirada de perlo no artigo, multo importante para mim, de Sperber-

Wilson (1978) e pelo capitulo 5 de Berrendonner (l981). Freqiiente-

mente a ironia e l tat ada como um a forma" de a ntffra se : d iz -se A para

levar a entender niio-A, sen do considerados identicos 0 response-

vel por A e 0 por mio-A. Neste caso se trataria de uma Figura,

modificando urn sentido literal primitive para obter urn sentido deri-

vado (como 0 litotes transforma urn sentido "urn pouco" literal em

urn sentido "rnuito" derivado), a iinica diferenca e que a transforms-

9ao ironica e uma inversao total. Sperber e Wilson rejeitam esta con.

cepcao figurativa. Para eles, urn discurso ironico consiste sempre em

fazer dizer, por alguem diferente do locutor, coisas evidentemente .

absurdas, a Iazer, pois, ouvir uma voz que nao 6 a do locutor e que

sustenta a insustentavel. l! posslvel que minha apresentacjlo da tese

de Sperber e Wilson seja urn pouea infieI, na "medida em que substi-

tuf sua expressao original "rnencionar urn discurso" pela expressiio1

I 197

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 21/31

"fazer ouvir uma voz". Se fiz esta substituicao e porque a termo

"mencionar" me parece ambiguo. EI.e pode significar que a ironia euma forma de discurso relatado. Ora, com este sentido do verba

mencionar, a tese de Sperber e Wilson nao e de modo nenhum adrnis-

sivel, ja que nao ha nada de ironico em relater que alguem sustentou

urn discurso absurdo. Para que nasca a ironia, e necessario que toda

marca de relato desapareca, 6 necessaria" Iazer como se" este discur-

so fosse realmente sustentado, e sustentado na propria enunciacao.

Esta 6 a ideia que procuro deixar dizendo que 0 locutor II faz ouvir"urn discurso absurdo, mas que 0 faz ouvir como 0 discurso de urn

outro, como urn discurso distanciado.

Minha tese - mais exatamente, minha versao da tese Sperber-

Wilson - se forrnularia facilmente atraves da distincao do locutor

e dos enunciadores. Falar de modo ir6nico e , para um locutor L, apre-

sentar a enunciacao como expressando a posis;ao de urn enunciador.

Posiyao de que se sabe por outro lado que 0 locutor L nao assume a

respcnsabilidade, e, mais que isso, que eJe a considera absurda. Mes-

rno sendo dado como 0 responsavel pela enunciacao, L nao 6 assimi-

lado a E, origem do ponto de vista expresso na enunciacao. A dis-

tinyao do locutor e do enunciador permite assim explicitar 0 aspecto

. paradoxal da ironia colocado em evidencia por Berrendonner: de urn

Iado, a posicao absurda e di retamente expressa (e nao mais relatada)

na enunciacao ironica, e ao mesmo tempo eia niic e artibuida a L, ja I

que este s6 e responsavel pelas palavras, sendo os pontos de vista :

manifestados nas palavras atribuldos a uma outra personagem, E. IPara distlnguir a ironia da negaejio - de que falarei em seguida- I

acrescentarei que 6 essencial a ironia que L nao coloque em cena urn

outro enunciador, E', que sustenta ria 0 ponto de vista razoavel. Se L

deve marcar que e distinto de E. e de uma maneira total mente dife-

rente, recorrendo, por exemplo, a uma evidencia sitnacional, a ento-

nayoes particulates, e tambern a certos torneios especializados na iro-

nia como "Que otimo!", etc.

Anunciel-lhes, ontem, que Pedro vina me ver hoje, e voces se

recusaram a acredi tar. Posso hoj e, mostrando-lhes Pedro efet ivamente

presente, lhes dizer de modo irfmico: "voces veem, Pedro nao veio

me ver". Esta enunciacao ironiea de que assumo a responsabilidade

enquanto locutor (6 a mim que 0 me designs), apresento-a como a

expressiio de urn ponto de vista absurdo, absurdidade de que nao sou

o enunciador podendo ate mesmo, neste caso, serem voces (6 esta assi-

198

milacao do enunciador ao alocutario que torna esta ironia agressiva): Ifa yO-OSsustentar, na presence de Pedro, que Pedro nao esta presente.

Para ilustrar melhor minha concepcao, gostaria agora de aplid~

la a urn exemplo menos artificial (ou, sobretudo, que 0 art if lcio seja

independente do meu cui dado ao expor minha teoria). Trata-se de uma

"anedota ", citada e analisada em Fouquier, 1981. Em urn restaurante

de luxo, urn fregues sentou-se a mesa tendo como tinica companhia

seu cachorro, Ur n pequeno teckel. 0 gerente vern estabelecer uma

conversacao e elogia a qua lidade do restaurante: u0 senhor sabia que

nosso Mestre ~ 0 antigo cozinheiro do rei Farouk?" - "multo bern!"

diz simplesmente 0 fregues, 0 gerente, sem desanimar: "e a nosso

despenseiro 6 0 antigo despenseiro da corte da Inglaterra. .. Quanto

a nosso pasteleiro, n6s trouxemos 0 do imperador Bao-Dai". Diante

do muti srno do fregues 0 gerente mud a de conversa: "0 senhor tem af

um bela teckel", Ao que 0fregues responde: "Meu teckel, senhor, ~ ~

urn antigo Sao-Bernardo" . Para descrever esta resposta no quadro que

propus, e necessario admitir que a fregues, tornado como 0 locutor L,

expressa por urn enunciador, assimilado ao gerente, a opiniiio, sobre

o passado do teckel. Uma analise mais detalhada deveria precisar 0

que rnarca, aqui, a assimilayao do enunciador e do alocutario: umamarca, entre outras, seria a identidade de estrutura semftntica entre

a enunciacao ironiea e as que 0 gerenterealizara antes por sua preS-

pria conta. Ou seja, na minha terminologla, de modo serlo (enten-

dendo por isso que, locutor das enunciacces, ele se assimilava tam-

hem a seu enunciador), Dizer que a resposta do fregues e irdnica edizer, entre outras coisas, que e necessar io , para interpreta- la, ass imi-

Jar a duas pessoas diferentes a locutor da enunciacao e 0 enunciador

que se expressa nesta enunciacao.

Nos dois exemplos que precedem, 0 enunciador e assimilado B

urna pessoa precise e. nos dois casos, ao alocutario. Mas a assimilayio

pode envolver alguem diferente do alocutario, como e 0 caso na auto-

ironia, quando se zomba de si mesmo. Eu lhes havia dito que eho-

veria hoje, e faz urn tempo 6timo, a que. me leva a zombar de minha

competencia metereo16gica: mostrando-lhes 0 ceu azul, observo "Vo-

ces veem bern, ests chovendo". 0 enunciador ridfculo e aqui assi-

rnilado a mim mesmo, 0 que parece contradizer a descriy80 da ironia

proposta he pouco. De fato, a soluyao is imediata desde que se aeeite

a dislin~iio de L e de A (Cf, § 12). 0 ser a quem L, responsavel pela

enunciacao, .! s6 por ela, assimila 0 sujeito enunciador do ponto de

199

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 22/31

vista absurdo e A, 0 metereologista ignorante que se rneteu a prever

o tempo sem ser capaz. Mas justamente L, enquanto e responsavel

pel a e nu nc iac ao , e escolhe 0 enunciado, njio escolhe agir como mete-

reologista: 0 que el e faz e urn ato de zombaria, e isto apresentando

uma previsao realizada por urn enunciador de que se distancia no

interior de seu pr6prio discurso (mesmo se deve identificar-se a ele

no mundo). Por isso, 0 interesse estrategico da auto-ironia: L tira

proveito das bestelras de A, proveito de que A se beneficia em segui-

da, como consequencia, ja que L e uma de suas rmilt iplas figuras.

Alias, nao e necessar ia que 0 enunciador absurdo seja ass imilado

a a lguem precisamente. 0 essencial e que seja claro que 0 locutor nao :

assume nenhuma das posiyoes expressas em seu enunciado. Poder- .

se-ia, pen so eu, definir 0 humor como uma forma de ironia que nao

considera ninguem em particular, no sentido em que 0 enunciador

ridfeulo nao tern identidade especificavel. A posiyao claramente insus-

tentavel que 0 enunciado supostamente manifesta aparece por assim

dizer "no ar", sem sustentacao. Apresentado como 0 responsavel por

uma enunciaeao em que os pontos de vista naQ sao atribufdos a nin-

guem, 0 locutor parece entfio exterior a situar;:ao de discurso: defi-

nido pel a distancia que estabelece entre si e sua fala, ele se coloca

fora de contexto e adquire u m a a pa re nc ia de d es in te re ss e . e desen-

voltura.

XVI. Recorrendo, para expor a distinyao do locutor e do enun-

c iador, ao Ienorneno da i ronia, expus-me it censura de ter pecado con-

tra Saussure, e confundido lingua e Iala, "A ironia, me dirdo, e tipi-

camente urn destes jogos que a fala perrnite, mas que sao subversdes

au, pelo menos, deformacoes da estrutura da lingua. Do ponto de

vista da lingua, e necessario admitir, no exemplo anterior, que e 0

'fregues, ou sej a, 0 individuo designado pela -primeira pessoa, que se

responsabiliza pela afirrnacao sobre 0 teckel e que' e seu sujeito falan-

te, ao mesmo tempo locutor e enunciador. Se se considera, que ela

deve de fato ser atribufda ao gerente, e0

efeito de uma inversao, alte-rando depois 0 dado propria mente IingiHstico, inversao analoga a do

jog6 infantil (Eu, eu serei a mamae, voce, voce sera 0bebe)".

• Para responder as objeeoee deste tipo, observarei prirneiro que

elas repousam sobre uma concepcao da [rase (elemento da lingua)

diferente da que propus no inlcio, 0 que the da uma aparencia de

evldencia e que se decidiu ver na significafao da frase algo que pa-

reca tanto quanta possfvel a urna interpretacao, ou seja, a urn valor

200

,[

semantico completo, suscetivel de ser cornunicado. Notadamente, a

frase ja deveria indica r quem e 0 responsavel pelas posicoes ne la ex-

pressas, responsavel que nao poderia ser 0 locutor, aquele que e de-

signado pelo eu. Se 0 enunciado, realizado em uma situa~ao dada.

impliea uma outra imputacao, isto seria como refJexo da significayao.

De rninha parte, fiz a escolha oposta. Partindo do fato de que a sig-

ni fi .car;: ao nunca poderia, de modo nenhum, constituir plena mente uma

inle rpre tacao (antes, e la

n a oespecificaria quem

eefetivamente 0 lo-

cutor). postulei que seria necessario ver nela soment 'unto

de instruyoes para a interpreta~ao de seus enunciados: nao hit por-

tanto, mais nenhuma. razao para querer que esti ule uem e 0 res n- ,~,

savel pe os pontos e vista. J su iciente que el a marque 0 lugar de

tal responsavel (que chamo "enunciador") , ao mesmo tempo em que

marca 0 lu~cl!ior, responsavel pela enunciacao, e que el a

t~ija aoTriterpretante_mntrar, para mnstjtlljr 0 sentjdo. os indivf-

~uos a quem imputar estas responsabilidades especificando even-

tualmente certas restricoes para realizar esta imputacao. Escolhendo

indivlduos diferentes para estes dois papeis, nio se reencontra urn

valor semantico ja constitutdo: constitui-se um, t alvez inabi tual, mas

que nao e nem mais nem menos "conforme a lingua" que a lnterpre-

tayao "seria' habitual. Certamente nao e , no discurso ironico, ao nfvel

da lingua, que se atribuern os dois papeis a atores diferentes, mas

nao e principio a este nivel que se faz, no discurso serio, sua atri-

buicao a urn tinico ator.

A esta primeira resposta, que nao faz senao explorar, sem pro-

curar [ustifica-la, minha concepcao da frase e da slgniflcacso, acres-

centarei urn argumento rnais empirico, ou, rnais exa tamente, mais di re-

tarnente ligado a fates de experiencia (sem ser, e claro, impasto por

eles) , argumento que buscarei no fenomeno da negaeao, Ninguem

contestara que a negayao e urn "fato de Ifngua", inscrito na frase

(sendo raramente 0 caso no que diz respeito a i ronia) . Ora. parece-me

interessante, para. descrever a negacflo, recorrer a dist im,ao do locutor

e do enunciador, Propus efetivamente, em Les Mots du Dlscours, des-

crever urn enunciado declarative negative, por exernplo, "Pedro nao ~

gentil", como a apresentacao de' dois atos ilocut6rios distintos. 0 pri-

rneiro, A I , e urna asserciio positiva relat iva a gentiIeza de Pedro,'o

outro, A2 , e uma recusa de AI . Ora. 6 claro que Al e A2 nao podem

ser imputados 80 mesmo autor . Geralmente, 0 enunciador de A2 ~

assimilado ao locutor, e 0 de A, a urna personagem diferente do

201 ~/f !~

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 23/31

locutor, que pode ser tanto 0 alocutario quanto urn terceiro. 0 locutor

L que assume a responsabilidade do enunciado "Pedro nao e gentil"coloca em cena um enunciador Er que sustenta que Pedro e gentil,

e urn outro, E2, ao qual L e habitualmente assimilado, que se opoe a Ei,

Esta tese de L es M ots du D iscours, sou obrigado a retoma-la

agora, em outros te rmos, ja que nao posse rnais atribuir aos enuneia-

dares urn ato ilocut6rio como a afirmaeao - nao estando os enuncia-

dares ligados a nenhuma fala. Torna-se necessario, entao, compreen- }.der A1 e A2, nao como atos, mas como pontos de vista opostos. No

entanto, 0 essencial da desc rieao perrnanece . Sustento, pois, que a

maior parte dos enunciados negativos (explicare i mais a frente porque

digo somente "a malor parte") faz aparecer sua enunciacao como 0

choque de duas atitudes antagdnicas, uma, positiva, imputada a urn

enunciador El, a outra, que e uma recusa da primeira, imputada a E2.

Mesrno supondo admitido 0 que acabo de dizerna nega'riio, nao

~

' resulta ainda que a lingua conhece a distincao do locutor e do enun-

I ciador, e que esta. distincao deva ser introduzida na significacjo das

'rases negativas, Isto, pols, pode-se me objetar que descrevi somente

urn efeito da negacao na [ala , percept fvel ce rtamen te no sentido dos

enunciados negativos, mas que nao deve nada a sua estrutura lingiifs-

tica. Este efeito se deve, acrescentar-se-a,: a uma lei de discurso geral,

segundo a qual, toda ve z qu e se d iz a lg o, imagina-se alguern que

pensaria 0 contrario e ao qual se se opoe, Lei que se apliea muito

bern aos enunciados positivos: dizendo- l he "Pedro e gentl l" , suponhogera lrnente que tern a lguma razao para nao acreditar nisto, de modo

que uma resposta indelicada habitual consiste, de sua parte. em me

responder "Mas eu nunca disse 0 contrario " - 0 que parece rnostrar

que meu enunciado apresentava urn enunciador, diferente do locutor,

e que supunha que Pedro nao e gentil. Como nao se pode, neste caso,

apresentar no interior da frase urna rnarca qualquer deste enunciador,

nio hi nenhuma razao, me dirac, para supor que 0 morfema ndo, na

frase negative, marca a presence de um enunciador distinto do lo-

cutor: ele marca sornente, como 0 signa de negayao nas llnguas logi-

cas, a Inversao de urna proposicao em sua contradit6ria.

~ necessario, pois, que eu most re, para j ustifi ca r minha tese, uma ,

dissimetrla entre enunciados afirmativos e negativos, e faca ver que

urna afirmarrao e apresentada na nega'riio de urna maneira mais fun-

damental que a nega~ao na afirrnacao. Entre os-signos desta dissime-

202

I

'f

trl a, assinalarei sornente as condicoes de ernprego da expressiio ao can·

trdrio . Depois de urn enunciado negative "Pedro nao e gentil", pode-,

se encadear "ao contrario, ele e insuportave l". A que 0 segundo enun-

ciado e "contrario"? Nao ao primeiro tornado na sua totalidade, mas

eo ponto de vista positivo que este .• segundo penso, nega e veicula ao

mesmo tempo. Oravesta possibilidade deencadeamento e exc luida se

o primeiro enunciado e positive. Nao se tera nunea "Pedro e gentil,

Ao contraric, ele e adoravel". Muito bern, dizendo "Pedro e genti]", \

d:ixo en.t ender ger~lmente que a lguem _acr:dit~u ou decIarou qu~" el enao 0 era, mas nao posso fazer alusao a atitude deste enunciador

virtual, para opor-me a eJe atraves de ao contrdrio . Do que se pode

concluir que tal enunciador tern uma presence e urn estatuto diferente

noenunciado positive e no enunciado negativo. E minha teoria da

negacso dB conta desta diferenca colocado que, no segundo caso, 0 \

lugar des te enunciadcr jii esta rnarcado na frase - cuja significacriio

impoe que seja personalizado, mesmo de forma vaga - no momenta

em que se interpre ts 0 enunciado.

A esta analise, retomada de trabalhos anteriores, gostaria 'de

acrescentar algumas observacoes. Primeiro precisar em que se trans-

forma, no quadro da concepcao polifonica, minha antiga distincriio Ientre negacao polifonica e negacao descritiva (Cf. Ducrot, 1972, p. 38,J

j'

Moeschler, 1982, Cap. l). Chamava "descritiva" a nega'rBo que serve

para representar urn estado de coisas, sem que seu autor apresente sua »:

fala como se opondo a urn discurso contrario, (Exemplo: N pergun-

tou a Z, que acabara de abrir as janelas, como estava 0 tempo, e Z

responde "nao hii nenhuma nuvem no ceu", Ou ainda, N, que nao

conhece Pedro, pergunta a Z 0 que pensa dele, e Z afirma "ele nao

e inteligente ". Os dais enunciados poderiam ser parafraseados, sern

perda de sentido, por enunciados positivos "0ce u esta absolutamente

limpo" e "Pedro e urn imbecil"). E eu opunha a esta negayiio a nega-

y B O . . polernica", destinada a opor-se a uma opiniao inversa - que

seria0

caso se os dois enunc iados negativos precedentes repl icassemafirmacoes de N , "devia haver ainda algumas nuvens no c~u It e

"Creio que Pedro e inteligente".

Hoje distingo tr~s tipos de negayao. As duas prlmeiras cortes-

pondem a uma strbdivisfio da ant iga "nega9Ro polemica".

J . C harno " meta lin gu lstlca" u ma negayao que contradiz c. pr6-prios termos de urna fala efetiva a qual se op6e. Direi que 0 enun- ,.'

ciado negativo responsabiliza, entao, urn locutor que enunciou seu 5 ~ '{:,\

203·" .• '

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 24/31

~.

positive correspondente ...~ esta negacao _"rnetalingufstica" que permite,

par exemplo, anular os pressupostos do positivo subjacente, como e 0

caso ern "Pedro na o parou de furnar; de fate, ele nunca fumou na sua

vida", Este "njio parou de fumar", que nao pressupoe fumava antes",

s6 e possfvel como resposta a urn locutor que acaba de dizer que

Pedro parou de Iumar (e, de outro lado, exige que se explicite a ques-

tionamento do pressupostcanulado sob a forma, por exemplo, de urn

"ele nunca fumou na sua vida"). It igualmente neste quadro da refu-

tac;:aode urn locutor contrarlo que a negacao pode ter em lugar de

seuefeito habitual "de abaixamento" urn valor de elevacao ..Pode-se

dizer "Pedro nao e inteligente, ele e genial", mas somente, como res-posta a urn locuton que tenha efetivamente qualificado Pedro de Inte-

ligente,

2. Reserve agora 0 termo "polemico" para a negac;ao cuja ana-

lise relernbrei ha pouco, e digo que ela corresponde "a maior parte

dos enunciados negativos". Neste caso, a locutor de "Pedro nio einteligente", assimilando-se ao enunciador E2 da recusa, op6e-se nao

a um locutor, mas a urn enunciador E" que coloca em cena no seu

proprio discurso, e que pode nao ser assimilado ao autor de nenhumdiscurso efetivo. A atitude POSitiV8 a quat 0 locutor se op6e e interna

ao discurso no qual e contestada. Esta negaC;ao"polsmica" tern sem-

pre urn efeito rebaixadore mantem os pressupostos.

3. Como terceira forma de negacao, retorno minha antiga id6ia

de negac;ao descritlva, conservando, alias, seu nome. Acrescentando,

simplesmente, que 8. eonsidero como urn derivado delocutivo da ne-

gac;aopolemica, Se posso descrever Pedro dizendo "ele nao e inteli-

gente", e porque the atribuo a propriedade que [ustificaria 8. posicso

do locutor no dialogo cristalizado subjacente a negaC;ao polemIcs.:

dlzer de alguem que ele nao e inteligente, e atribuir-lhe a (pseudo)

propriedade que Iegitimaria opor-se a urn enunciado que tivesse afir-made que ele e inteligente ..A delocutividade tern, neste caso, 0 rnesmo

efelto que no exemplo analisado em Anscornbre (1979): dizer que

Pedro e urn matuvu e atribuir-lhe 0 (pseudo) traco de carater que 0

. l eva a eolocar eternamente a questoes "M'as.tu vu?" (Na origem, tra-

ta-se mesmo, como Anscombre mostrou, de uma alusao a.urn gracejo

bern precise, feito contra certos atores aeusados de perguntarem,

constanternente "M'as tu vu dans Le cur', "M'as-tu vu dans Do n

Juan?", etc).

204

Minha segunda observacao dira respeito aos fenornenos de pola-

ridade negativa. Sabe-se que, em urn grande ruimero de Ifnguas, cer-

tas expressces nao podem ser inseridas ern urn enunciado aflrmativo,

mas somenteem urn enunciado morfologico, ou semanticamente ne-

gativo. Tal e 0 caso de [ a ze r g r an de c oi sa , levaniar Ifm d ed o p ar a a ;u-

dd-lo, e, em frances, pour autant, etc. Estes fatos parecem colocar em

xeque minha descricjo da negac;i iopolemica, que leva. a ler a afirma-r;:aosob a negacao: a afi.rmac;iiosubjacente ao enunciado "Pedro nao

fez grande coisa" nao constitui de Iato urn enunciado portugues pos-

slvel. Ve-se imediatarnente, no entanto , ( tenho a presunr;: iiode sup6-

10) que a objec;iio n a c afeta nossa hip6tese - na medida em que 0

elernento positive que considero subjacente ao enunciado negativo nao

e urn enunciado (isto e , uma sequencia de palavras), imputavel a urn

locutor, mas uma atitude, uma posic;:ao tomada porum enunciador

tendo em vista urn certo eontetido, quer dizer, uma entidade sernan-

tica abstrata. Quando falo de uma proposieao subjacentea "Pedro

nao fez grande coisa", nao se trata de uma proposi~ao gramatical,

mas de uma proposicao no sentido Iogico, ou seja, de urn objeto depensamento, da opiniao segundo a qual. Pedro teria multo 0 que fazer.

Uma vez refutadaesta objecso, resta explicar 0 fato, bastante

bizarre, e de qualquer modo fortemente contrario nos prlncfplos de

urna economia saudavel, que certas expressoes sao utilizadas somente

em urn contexto negativo.. Mas e necessario vet, que a f6rrnula "ser

utilizada em urn contexto negative" pode recobrir duas ideias, bas-

tante diferentes. A primeira que assimila a polaridade negative la s

diversas "dependencies" foneticas au sintat lcas que impedem tal sam

au tal morfema de "combinar-se" a tal outro som ou morfema . . Em

termos de gramatica gerativa, poderia {alar de urn "trace contex-

tual"[-Aff.]

que pertenceria, por exemplo, as expressoes grandecoisa, em portugues, au pour autant, em frances, e que interditatia

sua insercao em urn contexte afirmativo. Compare-se, a este respeito,

pour tan! e pour autant. A ambos seriam atribufdos os mesmos "tra-

cos inerentes", e principalmente 0 mesmo valor semsntlco de oposiC;iio

(0 de cependant). A diferenca seria simplesmente que 0 enunclado

modificado pot pour antant deve ser negativo. De modo que "Pierre

e grand" pode ser seguido por "Mais it n'est pas fort pourtant" •.por

"Mais iI ri'est pas fort pour autant", por "Mais it est faible pourtant ...

e nao por "Mais il est faible pour antant",

205

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 25/31

Ha, todavia, urna segunda solucao - que nao quero justificar

aqui por ela mesma, e da qual mostrarei somente que ela e facilmenteformulada na teoria polifonica da negacao, Ela, conslste em dizer que

pour autan: tern 0 mesmo valor semantico que de ce [ait, pour cette

raison, ou ainda (se se quer levar em consideracaoa nOl;:ao de grau

ligada a autantv cela suiiit a [aire conclure. Pour autant a pa re ce a ss im

como urn conectivo de consecucao (e nao mais de oposicao), mas a

conclusao queintroduz ea de urn enuociador 80 qual 0 locutor se

opoe: sua polaridade negativa naa consiste em uma restricao comb i-natoria que Imperia associar-lhe somente urn enunciado negative: ela

diz respeito a colocacjio emcena pelo locutor de urn enunciador El

de que 0 locutor se distancia, e que cornpleta urn movimento conclu-

sivo recusado pelo enunciador E 2 ao qual 0 locutor se assimila, Gene-

rali zando esta ideia, proporei considera r as expressoes depo laridade

negativa como as rnarcas de urn ponto de vista rejeitado, ponto de

vista. que 0 locutor declara inadmissivel no proprio momenta em que

coloca em cena 0 enune iador que 0 sustenta.

N.B, 1. - Objetar-me-ao que 0 enunciado A, mais non - B pour

autant nao refuta somente 0 movimento dedutivo que leva de A a B,

mas sugere fortemente a falsidade de B - ainda que as fates nao

sejam totalmente nitidosv Minha resposta e que 0 usa ordinaria da

lmgua - e esta e uma das caracterfsticas da argumentacao na Iingua-

gem - nao distingue bern "negar a coisa eonclufda" e "negar 0 rno-

vimento de conclusao": em todo caso, urn procedimento argumenta-

tivo muito utilizado, quando se trata de invalidar urn movlmento

conclusive, consi ste em most rar a fa lsidade da proposicao conclufda,

N.B. 2. - Se pour autant exige eombinar-se com urn morfema '

negative ou uma expressao de valor grosseirarnente negative, nao e,

ja 0 disse, em virtude de uma restricao sintatica, mas porque este

morfema ou esta expressac implicam a apresentacao e a refutayiio

de urn enunciador que adota a. atitude .positiva, Esta analise deixa

prever que se encont rara pour auiant quando a presenca deste enun-

ciador, sem pertencer ao proprio sentido do enunciado, tal como re-

sulta das ins truc;:oes l igadas a significac;:ao da frase, e simplesmente

considerada pelo locutor no memento em que fala.1! 0 que aparece,

por exemplo, neste trecho de urn artigo de Le Monde: "La R.A.T.P.

demande un renforcement des mesures de securite dans le metro. Pour

autant une action efficace releve aussi de la resppnsabilit6 de chaque

usager", 0 redator, ao redigir 0 ult imo enunciado, pensava, sem du-

vida, em opor-se a urn enunciador que do primeiro teria concluldo

pels lrresponsabil idade dos usuaries.

Se rninha analise das expressoes de polaridade negativa 6 aceita,

se e levado a vet nelaa manifestacjo, e uma espeeie de crjstaliza~o

gramatical, de uma tendencia bastante geral que atribu] como fun~ao

a certas expressoes marcar urn ponte de vista do qualse asslnela, ao

mesmo tempo que nao e a do locutor. Esta tendencia nao se observasomente nos enunciados negatives, Eta opera. igualmente na ironia,

que pode tambem ela, recorrer a construcoes especfflcas, 0 que nao

e alias de espantar, jli que apresentei para. a negac;:ao e a ironia des-

cric; :oes bas tante proxlmas. Sua diferenca principal e que, na ironia, a )

recusa do enunciador absurdo e diretamente executada pelo locutor

(e ligada a sua entonacao a suas caretas, ao fato de que chama a

alen(j:ao para os elementos da situaeao que exigem imediatamente 0

ponte de vista apresentado, etc). enq uanto que na negacao, a recusa I J

se da . atraves de urn outro enunciador colocado em cena pelo locutor!

e ao qual este, na maioria dos casos, se assimila. Ora, h a que se res-l

saltar que, na ironia, a eseolha de certas palavras (escolha,relembro,

imputada ao locutor) tern como valor quase convencional marcar arepugnsncia do locutor pelo ponto de vista de urn enunclador que

ele apresenta - e que apresenta semopor-lhe urn ponto devista con-

corrente. E 0 caso de expressoes Irancesas, como C'est du proprel,

C'est du [oli! (analisadas em Ducrot e outros, 1980, p. 120);. fazendo

aparecer urn enunciador que apreciaria de modo favoravel 0 estado

de coisas do qual. se Iala, estas expressoes marcam que 0 locutor tern

a cpiniao inverse .. Poder-se-ia falar a seu respeito de "polaridades

ironicas" ..

De me d o rna is geral ainda, observa-se que a maior parte das co-

letividades ideologicas possuem expressoes que nao podem ser apli-

cad as a urn certo tipo de objeto sem que esta apHca~iio seja denun-

ciada ao mesmo tempe como absurda. Encontrei assim, em Urn artlgo

do Le Monde, este resume de urn discurso do. presidente Carter:

"Pour Carter. la democratie est une panacea". A proprla escolha da

palavra panacee Iaz surgir a desacordo do [ornalista come ponto de

vista relatado (0 de Carter). Isto porque, no mesmo contexto ideole-

glco, se deveria considerar como quase anaUtico 0 enunciado negativo

"La democratie n'est pas une panecee", ja . que 0 enunciado positivo

correspondente "La democratie est une panacee", js . e dado come

206 207

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 26/31

evidentemente inadmissivel: a nega~ao tern duplo emprego com a uti-

l izacao da palavra p anac eia. Na terminologia apresentada neste artigo,

e necessario dizer que 0 locutor, ernpregando esta palavra , ja marca

que se opoe ao enunciador ao qual atribui urna crenca na virtude uni-

versal da democracia: redundante, a negacao e imposslvel de ser

refutada.

Gostaria, enflm, de assinalar que este mesrno fen6meno de pola-

ridade ideologies de que falei a prop6sito de enunciados _declarativosnegarivose reencontrado em certos empregos dos Imperatives nega-

rives. Para rnostra-lo, devo primeiro estender aos segundos a des-:

crirriio que propus para os primeiros - limitando-me, alias, aoscasos

em que 0 imperative negative solicita ao interlocutor que nao realize

uma arriio que ele pretende fazer ou ja comecou a Iazer. 0 enunciado

traz, entao, a cena, segundo penso, pelo menos dois enunciadores. 0

primeiro, E1 descreve a arriio que esta questiio, e que e 0 tema do

enunciado (apresentado, as vezes, alem disso, como legltima ou em

todo caso motivada, Cf. Ducrot e outros, 1980, p. 128). Quando Z

diz a N "Nao me abandone!", EJ representa, seja como urn posslvel

pretendido, seja como 0 jli iniciado, a partida de N; 8. situarrao evoca-

da por El sendo aquela que constatariam ou anunciariam os enuncia-dos declarativos positives voce me abandonard OU voce me abandona

correspondendo ao imperative negative niio me abandonel. Quanto a

E2, ao qual 0 locutor tern a inabllidade de assimilar-se, ele solicita a

anula~ao da partida evocada por Ei (encontrar-se-a uma analise do

mesmo tipo para os enunciados interrogativos em Anscombre-Ducrot ,

1981, p. 17).,

Ora, acontece frequentemente que as palavras utilizadas ,para

impedir uma arriio, ao mesmo tempo que descrevem esta a98o, fazem-

na aparecer como inaceitavel. Suponhamos, continuando a triste his-

t6ri8 de Z e de N. que N respondesse a Z: "Niio seja crianca!": 0

comport amen to que se censura em Z (nao aceitar a. separacao) e , desalda, apresentado por N como infantil, quer dizer, em urn certo nfvel

de lugares comuns, como evidentemente ridicule e digno da reprove-

rrBOdos sabios. Falarei , pois, ainda, da polar idade negatlva- ideologica

e, por consequencia, de urn discurso redundante, analftico ate, ja

que a propria maneira pela qual 0 locutor N formula a situaciio evo-

cada por EI torna necessario que N se assimile ao enunciador E2 que

a ele se opae (0 carater redundante doimperativo negativo e clara-

mente vista, se se supoe que "nao seja crianca!" tem exatamente a

mesma fun~iio, vendo-se 0 sistema de lugares comuns que nos servem

habi tualmente de referencia, que "voce e infantil! ").

Minha terceira e ultima observacao visa somente a tornar evi-

dente uma alternativa te6rica colocada pelo que precede, sem que eu

tenha os meios de resolve-Ia, 0 problema aparece quando se considers

urn enunciado ao mesmo tempo ironico e negative.' Z considerou que

poderia terrninar seu artigo a tempo, Z, ao apresenta-lo aN, comenta Iironicamente: "Voce ve , nao termine i 0 artigo a. tempo" ..Ha pelo me- i

nos duas solucoes para analisar este ultimo enunciado no quadro da

teoria polifonica apresentada aqui. A primeira seria analisa-lo como

qualquer enunciado negativo dizendo que seu locutor coloca em cena

dois enunciadores, E, e E2. E1, assimilado a personagem do locutor

na sua primeira conversa com N, preve a conclusao doartigo no pra-

zoo E2 , assimilado a N nesta mesma conversa, coloca em dtivida esta

certeza, duvida que torna absurda a situaeao da segunda conversa.

A ironia global do enunciado se deveria, entao, a que L nao se assi-

mila a nenhum dos enunciadores, ou seja, na minha terminologia, a

que nenhum deles e atualizado (sublinho com efeito que a persona-

gem a que EI e assimilado e urn protagonista da primeira conversa:

nlio e , portanto, L responsavel pela enuneiaceo que surgiu na segun-

da conversa, mas A . 0 ser historico do qual L e somente 0 ultimo

avatar). L, produtor de urn dialogo que retoma em eco uma converse

anterior, nao esta investido, pois, em nenhuma destas personagens que

£az Ialar, 0 que corresponde bern a minha defini~iio de ironia.

Urn ponte, ao menos, nesta analise, deixa-me insatisfeito. 0

enunciador ridicule E2 seria asslmilado a personagem N da primeira

conversa, aquela que, num momento, colocou em dtivida as certezas

de Z. Ora, pode-se pensar que nao e isto que e colocado em causa

diretamente. lsto porque a posicao ridicula e a que consistiria , na

s eg unda c on v er sa , ao memento, pols, em que Z entrega 0 art igo, para

negar sua capacidade de termina-lo: E2 e , en tao, assimilado 80 N desta

segunda conversa. Mas entao 0 enunciador El,ao qual E 2 se op6e

absurdamente, deveria ser tambern assimilado a urn protagonista da

segunda conversa, ou seja, a Z no momento em que apresenta 0 artigo,

Ora, para Z, no momento em que entrega 0 artigo, e diffcil disran-

ciar-se de L, 0 locutor do enunciado ir6nico - 0 que nao est' multo

de acordo com minha defini~ao da ironia, definirrao que excluf a assi-

milacao de qualquer enunciador ao locutor enquanto tal.

.. .\

j :

I iI'III

II

20820 9

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 27/31

Mesmo que esta dificuldade possa ser superada, pareee-rue inte-

ressan te imeg lnar, para dese rever 0 enunciado negativo ironico, uma

solucso bastante diferente. Em lugar de situar todos os enunciadores

no mesmo plano, nos os colocariarnos em dais niveis d iferentes. No

p rim e ir o n fv el se situaria urn enunciador Eo , enunciador ridfculo assi-

milado a N no memento da segunda conversa. E 0 absurdo de N con-

sistlra, niie mais somente em refutar urna assercso de Zrelativa ao

Urmino de artigo, mas a colocar em cena, em urn segundo. nlvel, dois

enunciadores E1 e Ell, protagonistas de uma t roca negativa cornpleta.Ei, assimilado a Z no momento da entrega do artigo, constataria que

tinha side conc1uido, e E2 , ao qual E o (6, portanto, indi reta rnente N)

se assimilaria, recusaria esta af irmacao. E1 . nesta perspectiva, nae

corre 0 risco de ser assirnilado a L, pois ele proprio e uma construcao

de Eo , Ve-se a diferenca em relacao a solucao precedente. 0 ridlculo

atribufdo a N naa e mais 0 de negar uma evidencia mas, 0 de imagi-

nar., no momenta da entrega de artigo, uma troca completa na qual

urn enunciador E 2 teria como papel negar a evidencia sustentada por

urn enunciador r az oa ve l E i, de que Eo (assimilado a N ) e t ambem 0

encenador. 0 que se reprova, entao, em N, nao e adotar diretamente(:::: enquanto E2) uma das posicoes, a recusa, irnplicadas pelo enun-

ciado negativo, mas de desempenhar, enquanto Eo . as duas atitudes,

afirma~iio e recusa, para assumir, ainda Eo, 0 que j ustamente, na si tua -

yiio, e insustentavel.

o problema' t eorico levantado por esta segunda solucao e que ela

implies 8. possibilidade de subordinar enunciadores uns aos outros

(subordinacao cornparavel a o e nc aix e que segundo Bal (1981), pode

reunir as diferentes focalizacoes de urn texto), 0 que poderia compro-

meter, parcialmente, pelo menos, a oposicao que estabeleci entre lo-

cutor e enunciador: a enunciador se aproxima perigosamente do lo-

cutor se ele tern, como este ultimo, 0 poderde colocar em cena en u n-

ciadores, Mas por outro lado, ao se dar a Iiberdade de subordinar

sem fim enunciadores a enunciadores, dispensa-se de postular, na base

do sentido, os "conteudos It, obj etos das a titudes emprestadas aos enun-

ciadores, e que representariam diretamente a realidade. Os "conteii-

dos" poderiam sernpre ser considerados como as pontos de vista de

enunciadores de grau inferior. Vantagem importante se se quer che-

gar a dizer que as "coisas" de que parece falar 0 discurso sao etas

pr6prias a c rista lizacao de urn discurso sobre outras coisas, r esolvfve is

por seu turno em outros discursos.

X VII, A distincao do locutor e do enunciador, que acabo de

l utilizar para tratar da ironia e da negacao, fornece, de urn m odo

(' rna is geral , urn quadro para situar em lingiHst ica 0 problema dos atas

de l inguagem, Retornemos II metafora teatral do § n. Para dirigir-se

\ a seu publico, a autor (que corresponde, nesta metafora, ao locutor) 7 ') coloca em cena as personagens (correspendentes aos enunciadores).

Fazendo isto, ele tern, como assinalei, duas maneiras diferentes de

"dizer alguma coisa". Prirneiro pelo fato de assimllar-se, neste mo-

mente, a tal personagem de quem se faz porta-voz. Assim, no teatro

de Moliere. t em-se freqlientemenle certas declaracoes de personagens

secundarias, apresentadas como sabias, pot declaracoes do pr6prio

autor que daria atraves del a s seus proprio ponto de vista, Uma leitura

t radiciona l do Misanthrope pretende, por exemplo, que seja Moliere

que, por atras de Philinte, declara:

La parfaite raison I uit to ute e xtr em it e

Et veut que l'on soit sage avec sobriete,

(Nao me importa saber 0 que pretende esta Ieitura: 0 essencial

e que ela seja possfvel), De urns maneira arbitraria ehamarei "primi-

tivas" estas falas que 0 autor dirige ao 'publico asslmilando-se a umapersonagem,

Mas 0 autor pod e d i ri g ir -s e ao publico de uma maneira bastante

diferente - e, sem duvida. teatralmente mais satifat6ria. Quando os

ccntemporaneos de Moliere denunciavarn Don Juan como uma peca

Irnpia, 0 que eles reprovavam no autor nao era ter feito Don Juan

seu porta-voz, censura Iacil de rejeitar na medida em que Moliere

cuidou de acentuar a aspecto inaceitavel da persenagem. A censura

essencial era a de ter confiado a defesa da religijo a Sganarelle, per-

sonagem grotesca, e grotesca na medida exatamente em que a defende.

o que constitui a impiedade de Moliere 6 0 fato de ter colocado em

cena Sganarelle e fe-Io feito dizer 0. que disse. Moliere fala ao publicoatraves de Sganarelle, moo niio de maneira come Ihe fala atrav6s de

Philinte: 0 instrumento de sua fala, aqui, e a existencia dada a urna

personagem.e 0. ridfculo do personagem faz parecer ridfcula a lese

que sustenta (de uma maneira slmetrica, se poderia dizer, j8U~

que Moliere ataca a religiao pelo fato de que elefaz Don Juan atac4:.

la, personagem sob muitos aspectos prestigioso, mesmo se seus aspec-;

tos negativos aconselhassem nao assimila-lo ao autor). Chamarei

210 211

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 28/31

"derivadas" as falas desta segunda categoria, aquelas que 0autor en-

dereca, nao mais pela mediacao de suas personagens, mas pelo proprio

fato de representar suas personagens, pela escolha que faz delas,

Ora, vou mostrar que esta classificacao, estabelecida a propo-

sito da linguagem teatral, tern urn analogo na linguagem cotidiana.

Quando se diz que urn enunciado rnanifesta urn ato, pode-se querer

dizer duas coisas, Primeiro, pode tratar-se dos atos que urna persona-

gem, Identif icada corn 0 locutor, realiza pelo fato de que este locutore assimilado a tal, ou tal enunciador: tais atos serao chamados "pri-

mit ivos" (como e "primitive" a Iala atribulda a Moliere pelo fato de

que ele e assirnil ado a sua pesonagem Phil inte ). Em seguida chamarei

"derlvado" de urn ato realizado pela persona gem identificada ao 10 -

~utor, se este ato esta ligado ao fato de que 0 locutor , enquanto . res-

ponsavel pelo enunciado, escoJheu coloear em cena tal au tal enun-

ciador - mesmo se ele nao for assirnilado a nenhum deles (da mesma

maneira, etiquetei "derivada" a fala atribuida a Moliere pelo fato

de colocar em cena Sganarelle e Don Juan - embora ele nfio seja

assimilado a e1es). Terminarei este capitulo mostrando alguns exem-

plos em que se ve se superporem estes dois tipos de atos.

Cornecarei pelos atos chamados, a, part ir de Aust in, II ilocutorios ".

Urn dos grandes problemas que eles levantam se deve a possibilidade

de serem realizados de duas maneiras diferentes. Prlmeiro, de uma ma-

neira dita "primitive" ou "direta", at raves de frases que sao rnais ou

menos especializadas para sua realizacao (assim, far-se-a urn pedido

pelo enunciado de uma frase imperativa, dizendo, par exemplo, a urn

jornaleiro: "Me de a Folha!", Por outre lade, de maneira "derivada"

ou "indireta", com frases que parecem especializadas para. atos dife-

rentes (pode-se pedir a Folha ao [ornaleiro pelo enunciado de uma

Irase interrogative como "Voce tern a Foilla?").

A segunda possibitidade, e , do ponto de vista teorico, mais ern-

baracosa, Com efelto, (1) pareee, frequentemente, artificial dizer que

o locutor reatizou efetivamente 0 ato, para 0 qual a frase e especiali-

zada (ato do qual a s vezes se diz que a frase e "rnarcada" para ele );

seria artificial, no meu exemplo, dizer que 0 comprador fez uma per-

gunta ao jornaleiro. Mas,ao mesrno tempo, (2) pretende-se geral-

mente derivar 0 ato efetivamente realizado (neste caso 0 pedido) a

'I." partir do. ato "rnarcado" na Crase (neste caso, a pergunta) atraves de

uma lei de dlscurso como II0 fato de realizar urn ato de pergunta

mostra que se tern interesse em saber a resposta. Ora, mostrar inte-

. . . . . . 212

/

resse em saber se alguern e ou nao capaz de fazer alguma coisa (neste

caso, se 0jornaleiro esta ou nao em condicoes de vender a Folha)

nao tern sentido, em certas situacoes, senao se se quer pedir-lhe para

rea liza-Ia neste caso, pedir-lhe 0 jornal)". Ve-se imediatamente que

e diffcil conciliar (1) e (2). Para obter, como pretende (2), uma derl-

vayao do pedido a partir da pergunta atraves de urna lei de discurso,

e necessario admitir que a enunciacao realizou efetivamente urn ate

de pergunta. Ora, e justamente isso que e negado em (1).

Distinguindo locutor e enuncladorvabre-se 0 caminho para uma

solucao, da qual indicarei sornente as linhas gerais e mantendo-me no

case> p articular que me serviu de exernplo. Direi que uma irase inter-rogativa da, em virtude de sua significar;iio, as duas instrucoes seguin-

tes aos ouvintes que devem construir 0 sentido dos enunclados desta

frase:

a) estes enunciados devem fazer aparecer urn enunciador que

ex prime sua diivida no que concerne a proposicao sobre 8

qual incide a interrogacao:

b) quando este enunciador e assimilado ao locutor, a expr~ssi io

da duvida deve ser relida como uma pergunta, ou seja, aenunciacao deve ser descrita como obrigando 0 alocutario a

responder.

A partir deste valor da frase, pode-se prever duas possibilidades

no que concerne aos atos Hocut6rios ligados it enunciacao, Havera

tanto urn ato "primitive" de pergunta, quanta urn ato "derivado" -

que pode ser, entre outros, urn ate de pedido. Volto a f rase "Voce

tern 8. Folha?". Em virtude de (a), seus enunciados apresentam um

enunciador que expressa sua duvida quanta ao [ornaleiro ter exem-

plates da Folha. Se este enunclador pode ser assimilado ao locutor,

ou seja, se se pode atribuir a eie, enquanto escolheu 0 enunciado, a

intencao de expressar a diivida, entao 0 enunciado deve ser, em vir-

tude de (b), visto como urna pergunta (reallzada de maneira "primi-

tiva", "direta"). Este seria claramente 0 caso se 0 enunciado apa-

recesse nurna pesquisa sabre a distribuiedo da imprensa. Suponhamos

em compensacao que nao se possa atribuir ao locutor ainten9ao de

que Ialei ( e 0 caso se a frase e pronunc iada por urn eventual cli ente ),

e, pois, que nao se possa assimila-Io ao enunciador. A frase, entio. niO'

obriga rnais a compreender 0 enunciado como uma pergunta. Mas

isto nao impede de faze-Io servir para urn outre ate Uocut6rio. Isto

213

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 29/31

porque 0 proprio fato de colocar em cena urn enunciador, expressan-

do sua incerteza, pode aparecer em virtude de urna lei de discurso,

como servindo para fazer uma pergunta, 0 locutor "representa" a

duvida - no sentido em que Moliere, par intermedio de Sganarelle

"representa" urn certo modo de defender a religiao - e par esta re-

presentacao revela uma outra intencao,

Ve-se a dlferenca entre esta concepcao e a concepcao habitual.

segundo a qual a lei de discurso transforma urn ato "primitive" do

locutor, em urn outro ato de locutor, dito, entao "derivado" - 0

que supde, contra a. evidencia, que 0 at o IIprimitivo" e efetivarnente

realizado pelo locutor, Na minha concepcao atual, a lei de discurso

deriva 0 ato indireto atribufdo ao locutor a partir da colocacaaemcena, pelo proprio locutor, de urn enunciador do qual se distancia:

ora, esta ccloeacac em cena, ligada it frase, permanece urn fato incon-

testavel, mesmo se a locutor nao e ass imilado ao enunciador.

N,B. - No Cap. IV, que retoma urn artigo antigo em que utilize

a concepcao habitual dos atos indiretos, diz-se que a frase interroga-

tiva nao serve fundamentalmente para a expressao de uma incerteza,

mas e marcada para a realizacso de um ate i1ocut6rio primitivo de

pergunta. Certamerite sou levado agora a abandonar esta maneira dever - ja que (a) situo a expressao de uma incerteza na propria signi-

flcacdo da frase, e que (b) subordino o ato primitive de pergunta it

assimilayao do locutor e do enunciador. Mas esta mudanca nao afeta

o argumento que tiro, neste Cap. IV, des atos ilocut6rios.Permanece

que a significayiio da frase interrogativa, de urn Iado, nao comporta B

asser~iio de uma incertesa, e, de outre, faz mais que expressar tal

incerteza: e -lhe ineren te prever uma possfvel descricao da enunc iaeao

como criando uma obrigacao de resposta - no caso em que 0 locutor

e 0 enunciador sao assimilados, Permanece-se , pol s, no "estrutura lis-

rna do discurso ideal": a valor semantico de uma entidade lingtifstica

e sempre definido em re iayao it continuidade que se pretende dar,

XVIII. A distinc;ao dos atos primitives (realizados pel a assimi-

la!j:iio do locutor e do enunciador) e des atos derivados (que a locutor

realize por eoloear em cena enunciadores expressando sua pr6pria ati-

tude) extrapola 0 dominic do que se chama habitualmente "ilocuto-

r io". Retorno primeiro 0 exemplo da ironia de que me servi ha pouco ..

o fregues, na replica, apresenta 0 gerente do restaurante (no sentido

em que Moliere apresenta Sganare lle defendendo a re ligU(o ) susten-

21 4

\

lando, 0 proposito do teckel, uma posieao absurda, ~ esta apresenta-

~iio que perrnite ac Iregues, locutor da replica, realizar urn ate deri-

vado de zornbaria, do qual se beneficia enquanto locutor: ele se apre-

senta como Inteligente, desprendido, agradavel, divertido, etc. 0 enun-

ciado ironico (diferenternente doenunciado negative), na medida em

que nao rriostra nenhurn enunciador ao qual 0 locutor possa ser assi-

milado, nao serve para realizar nenhum ato primitiva- particularl-

dade que deveria ser introduzida na definiyao geral da ironia.

Segundo exemplo, 0 da conjunc;ao'mas. Desde muito J , C, Ans-combre eeu descrevemos os enunciados do tipo lip mas q dlzendo

que 0 prirne iro segmento (p) e apresentado como urn argumento para

um a certacondusiio (r), e 0 segundo para a c on clu sa o in ve rs a, M a s

este quadro geral, que rnantemos, admite um grande rnimero de cases

particulates bastante diferentes. Isto principalmente nos casas em que

p e introduzido pat urn certamente. Voces me propoemirmos esqu lar,

e eu recuse seu convite respondendo "certamente 0 tempo esta born,

mas estou com urn problema nos pes". 0 emprego de certamente me

serve aqui para atrlbuir a YOCeS, uma argumentacao do tipo "0 tem-

po esta born, devemos it esquiar", argurnentacso que voces podem

nao ter forrnulado explicitamente, mas eu lhes credito ao mesmo tem-

po em que a rejeito atraves do contra-argumento "estou com preble-

rna nos pes" ..Anscombre e eu descrevemos as enunciados deste tipo

dizendo que des colocam em cena dais enunciadores sucessivos, El

e Es , que argumenta rn em sentidos opostos, 0 locutor seassimilando a

E2 , e assimilando seu alocut6rio a Er, Embora 0 locuto r se decla re

de acordo cam a fato alegado pot EI, ele se distancia, no. entanto, de

E1: ele reconhece que faz born tempo, mas nao 0 afirma por sua

propria conta . Ora, ta l di st ine iio e imposts pela s ignificB'r 'ao da frase,

e, mais precisamente, pelo emprego de certamenie, impossivel se 0.

locutor se assimila ao enunciador asseverando p, Eu peeo a voces

para me descreverern seus esquis, que nilo conheco, Voces poderiio

me responder "Eles siio comprldos, mas leves " , ainda que fosse bi.

zarro, Ita mesma situaciia, anunc ia r-me: "eles sao certamente compri-

dos, mas leves". e que certamente marcaria, de sua parte, umacordotardio com a assercao de outra pessoa, atitude que naa corresponde

bern ao que peco a voces, a saber, fazer urns descrieao. Aqui ainda e ,, pois,titil, para descrever a [rase, quer dizer, a entidade linguistica.

super que ela distingue entre 0 locutor e a enunciadar, e comporfa.

entre suas instrucoes, diretivas para determiner, no momento em que

se interpreta 0 enunciado, a quem se deve atribuir estes papeis.

215

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 30/31

A partir desta distincao, aparece uma distincao como corolario,

que concerne aos atos realizados. Disse que 0 enunciado complexo

"certamente 0 tempo esta born. mas estou com problemas nos pes",

cuja responsabilidade global e atr ibulda ao locutor X, coloca em cena

dois enunciadores ..0 primeiro argumento a favor de esquiar , dizendo

que faz born tempo. Mas 0 locutor se assimila a urn segundo enuncia-

dar, ao que argumenta contra a saida planejada, ainda que 0 primei-

ro seja assirnilado a outra pessoa, talvez, par exemplo, ao alocutario.

Isto nao impede que se realize urn ate de linguagem tanto na primeiraparte do enunciado quanto na segunda. Na segunda, realiza-se urn ato

"primitive", ato de aflrmacao, e, mais partlcularrnente, de afirmacso

argumentativa. 0 que se Iaz, na primeira, e urn ato derivado, que

chama "ato de concessao": .ele consiste em fazer ouvir urn enunciador

argumentando no sentido oposto ao seu, enunciador do qua1 se dis-

tancia (dando-lhe, no case, pelo menos das conoessces intrcduzldas

por certamente, urns certa forma de acordo). Deste ato tira-se proveito

do mesmo modo que do ato de zombaria de que acabo de Ialar. Gra-

cas a sua concessiio, e possfvel construir-se a personagern de urn ho-

mem de espirito aberto, capaz de levar em consideracao 0 ponto de

vista dos outros: todo mundo sabe que a concessao e, entre as estra-

tegias de persuasao, uma das mais eficazes, essencial em todo caso,80 comportamento dito "liberal ".

Meu ultimo exemplo e relative aos fenomenos de pressupostcao

que podem ser tratados melhor, espero, do que tenho feito ate aqui, '

no quadro da polifonia e de concepcao "teatral" dos atos de lingua-

gem. Seja 0 mais tradicional dos enunciados com pressupostos: "Pedro

parou de fumar". Em Dire et lie pas Dire, propunha ver neste caso a

tealizac;:aopelo locutor de dois atos, um de pressuposicao, relativo 80

pressuposto "Pedro fumava anteriorrnente", e outro de assercao, rela-

tivo ao posto "Pedro nao fuma atualmente". Eu 0 descreverei hoje

de urn modo urn pouco diferente. Diria que ele apresenta dois enun-

ciadores, El e E2, responsaveis, respectivarnente, pelos contendos, pres-

suposto e posto. 0 enunciador E 2 e assimilado ao Jocutor, 0 que per-mite realizer urn ato de afirrnacao. Ouanto ao enunciador Ei , aquele

segundo 0 qual Pedro fumava anteriormente, ele e assimilado a urn

certo SE * . , a uma voz coletiva, no interior da qual 0 locutor esta loca-

l izado (utilize neste ponto as ideias de Berrendonner, 1981., Cap. II).

... Traduzimos aqui 0 ON frances. Este SE, entao, e relative it forma de inde-termina~ao.

21 6

Assim, 110 nivel dos enunciadores, nao ha, pois, 0 ato de pressupo-

sicao. Mas 0 enunciado se presta, entretanto, para realizar este ate,

de urn modo derivado, na medida em que faz ouvir uma VOz coletiva

denunciando os erros passados de Pedro. A pressuposicao entraria,

assim, na mesma categoria dos atos de zombaria e concessao.

Espero ter mostrado, a part ir destes tres.exemplos, 0 que a. ana-

logia, au a rnetafora teatral pode fornecer ao estudo estr itamente lin-

giifstico. Dizendo que 0 locutor faz de sua enunciacao uma especle Ide representacao, em que a Iala e dada a diferentes personagens, a s lenunciadores, alarga-se a nocao de ato de linguagem. Nao ha mais \

nenhuma razao para privilegiar aqueles que sao realizados de maneira

"seria" (pela essimilacfio do locutor a urn enunciador), e se pode

considerar como igualrnente "normals" aqueles que sao realizados pela

propria escolha dos enunciadores, aqueles que sao reatizados enquanto

encenadores da representacao enunciativa. Nem num caso nem no

outre se Iala de modo imediato, mas sempre com a medlacso dos

enunciadores.

N.B. 1. - Este tratamento da pressuposicao permite precisar 6

estatuto pragrnatico das nominalizacoes: que engajamento pessoal esta

implicado pela uti lizacao, como sujeito gramatical de urn enunciado,de urn grupo nominal do tipo "a degiiidac;:iioda situacao" au "a me-

lhoria do nivel de vida". Antes, dispondo 56 dos conceitos de aflr-

macae e de pressuposicso, teria respondido que se pressupde que a

situacso se degrada ou que 0 nivel de vida melhora. Resposta que

levanta dificuldades porque se pode continuar 0 discurso negandoa

realidade destes fatos: assim, "A melhoria do nfvel de vida e uma

pura invenejio do governo ". Diria agora que 0 caracterfstico da no-

rninalizacao e fazer aparecer urn enunciador, ao qual 0 locutor nao

esta assimilado, mas que e assimilado a uma voz coletiva, a urn S E.

Quando a inclusao do locutor neste SE, 0 fenomeno sintat ico da no-

minalizaejio nao diz nada a respeito, nem positiva nem negativamente.

Se, par tal ou tal razao exterior a frase, fica claro que 0 locutor fazparte do SE, obter-se-a urn ato derivado de~pressuposi~io, mas istonao e senao urna possibilidade entre outras.

N.B.2-Destas observacoes sobre 0 ato de pressupor resulta,

ainda, quanta e necessario distinguir - como propus na secyao XII

- entre 0 locutor enquantotal (L) e 0 locutor enquanto ser do mun-

do (A). Acabo de dizer, com efeito, que quando h8 pressupcslcao,

assimila-se urn dos enunciadores a urn SE, no interior do qual 0

211

 

5/6/2018 Esboço de uma teoria polifônica da Enunciação - Oswald Ducrot - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/esboco-de-uma-teoria-polifonica-da-enunciacao-oswald-ducrot 31/31

locutor esta locali zado, Obje tar-rne-ao que a pressuposrcao torna-se,

nesta concepcao, urn caso parti cular das afirmar;:6es que charnel "pri-

mitivas", quer dizer, daquelas que sao realizadas pela asslmilacao do

locutor e de urn enunciador, Para responder, e necessaria especificar

que 0 locutor integrado ao SE nao' e L, a locutor enquanto tal, mas A ,

ou seja, urn ser considerado existente fora do- discurso (mesmo se for

identiflcavel somente por seu papel de L no interior do discurso). 0

que slgnlfica que 0 conteudo pressuposto nao e mais leva do em conta

na escolha do enunciado (escotha imputada a L).

Explico, assim, que dizendo "Pedro parou de fumar", nao se

apresenta como afirmando, na sua fala atuaI, que Pedro fumou antes.

Simplesmente representa-se esta crenca no interior de seu discurso,

e se lhe da como suje ito, ent re outras pessoas, 0 indivfduo que estava

e estli ainda fora de sua enunciacso. Do que resulta esta caracterfstica

da pressuposicao: Assumindo a responsabilidade de urn conteudo, nao

se assume a responsabilidade da assercao deste conteiido, nao se faz

desta assercso 0 fim pretendido de sua pr6pria fala, (0 que implica~

a impossibilidade, definidora, para mim, da pressuposlcao, de ' e n c i i , _ "dear com os pressupostos). '. . ",

(TradLffQo: Eduardo Guimariies)

BIBLIOGRAFIA

ANSCOMBRE, J . C. - "Il etait une fois une princesseaussi belle que

bonne". Semantikos, n," I. pp. 1-28, 1975.

-----. "La problematique de l'iIIocutoire derive", Langage et

Societe, 2, pp.17-41, 1977.

-----. "La delocutivite generalisee", Recherches linguistiques,

Universite de Paris VIII, 8, pp. 5-43, 1979.

-----. "Voulez-vouz deriver avec moi?", Communications, 32,

pp, 61-124, 1980.

-----. & DUCROT, O. -tlL'argumentation dans Ia langue",

Langages, 42, pp, 5-27, 1976. Reeditadoem Anscombre-Ducrot ,

1983.

-----. & . "Echelles implicatives, echelles argu-

mentatives et lois de discours", Semaniikos, n." 2 e 3, pp. 30-43.1978, Reedi tado em Anscombre-Ducrot, 1983.

_____ . & . "Lois . Iogiques et lois argumentat ives n,

L e F r an ca is mod er ne , pp. 347-357, 1978 .. pp. 35-52, 1979, Reedi -

tado em Anscornbre-Ducrot, 1983.

-----. & ... Interrogation et argumentation", Lan-

gages. 52, pp. 5-22. Reeditado em Anscombre-Ducrot, 1983.

------. & . L'argumentat ion dans la langue, Mar-

daga, Bruxelas, 1.983.

AUTHIER, J . - "Les formes du discours rapporte", D.R.L.A.V.,

Universite de Paris VIII, 17, pp.1-88, 1978.

BAL, M. - "Noles on narrative embedding", Poetics Today, pp.

41-59, 1981.

BANFIELD, A. - "OU l'epistemologie, le style et la grammaire

rencontrent Ia theorie li tteraire" , Langue [rancaise, 44, pp. 9-26 .•

1979.

BARTHES, R. - "La deliberation", Tel·Quel, 82, pp. 8-18, 1979.

BENVENISTE, E. - Noms d'agentet noms d'action en indo-eu-

ropeen, Maisonneuve, Par is , 1948.

218 219