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ESBOÇO PARA UMA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO EMPREENDEDORISMO Autoria: Diego Luiz Teixeira Boava, Fernanda Maria Felicio Macedo RESUMO A partir de uma análise diacrônica sobre o empreendedor e o empreendedorismo, evidenciando seu surgimento e desenvolvimento (como experiência, de forma espontânea) até os dias atuais, busca-se efetuar uma análise fenomenológica com o intuito de se estabelecer o esboço para uma teoria tridimensional do empreendedorismo. Os componentes da teoria estão relacionados à praxeologia, axiologia e teleologia, que se fundamentam, respectivamente, na tríade ação, valor e finalidade. O estudo do empreendedorismo necessita ser feito observando a questão da transdisciplinaridade, aspecto nuclear de qualquer pesquisa que vise a integração dimensional. Assim, poder-se-á obter uma visão holística do fenômeno, saber de suas causas primeiras, contribuindo para que o empreendedorismo adquira status de disciplina, enquanto ramo autônomo. Portanto, esse esboço para uma teoria tridimensional trata-se de uma especulação fenomenológica, de caráter introdutório, voltada para a formulação de categorias gerais sobre o empreendedorismo, de modo a propiciar uma ordenação de caráter constituinte do ramo, além de se fazer uma classificação minuciosa do eidos empreendedor para, eventualmente, contribuir com a transformação dos fatos, do fenômeno e da realidade empreendedora. 1. INTRODUÇÃO Neste trabalho discute-se a emergência de uma teoria tridimensional do empreendedorismo, em caráter introdutório. Tal teoria se desenvolve a partir da filosofia, como a finalidade de trazer outros subsídios para as pesquisas científicas do ramo. Pretende- se sair da esfera puramente unidimensional empírica para uma base transdisciplinar e tridimensional. Utiliza-se, na construção do texto, a fenomenologia e o método fenomenológico nas análises, principalmente através de Heidegger (1973; 1999a; 1999b; 2006), Sartre (1966; 1997) e Husserl (1965; 1990; 1992; 2001; 2002). Não se trata, outrossim, de uma teoria finalizada, mas sim uma espécie de epítome. 2. DO ESTUDO FILOSÓFICO SOBRE EMPREENDEDORISMO A filosofia busca estabelecer o fundamento e o sentido da realidade, além de analisar, refletir e criticar questões que surgem em decorrência da existência humana. O interesse filosófico se inicia, por exemplo, quando a ciência ainda não trouxe respostas às diversas indagações surgidas no âmbito de uma realidade posta. Então, neste momento, pode-se filosofar sobre o tema de interesse, decorrendo deste fato a necessidade de se investigar filosoficamente o empreendedorismo. Isso ocorre em virtude não da falha da ciência, mas sim da ausência de explicações gerais sobre o empreendedorismo. Ou seja, a ciência, sozinha, ainda não consegue esclarecer o que é o empreendedorismo. O próprio termo empreendedorismo não existe nos dicionários de língua portuguesa, vide Houaiss (2001) [que possui 228.000 verbetes]; Bueno (1992) [80.000 verbetes]; Ferreira (1999) [160.000 verbetes]; Michaelis (1998) [200.000 verbetes]; Priberam (2006) [95.000 verbetes]. Em inglês, o termo entrepreneurship só surgiu em 1934, para qualificar a atividade de organizar, de controlar, e de supor os riscos de uma empresa ou negócio (OED, 2006). Mesmo assim, a própria definição em língua inglesa define parcialmente, excluindo outras possibilidades. Os avanços científicos nos últimos 250 anos sobre o tema, desde o surgimento das obras de Cantillon (1755, 2003) e Say, (1803, 2002) foram notáveis. Mas o que se viu desde então são teóricos buscando, cada um a partir de suas respectivas ciências (economia, administração etc.), explicar ou compreender uma realidade que é mais ampla do que se pode pensar a princípio.

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ESBOÇO PARA UMA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO EMPREENDEDORISMO

Autoria: Diego Luiz Teixeira Boava, Fernanda Maria Felicio Macedo

RESUMO A partir de uma análise diacrônica sobre o empreendedor e o empreendedorismo, evidenciando seu surgimento e desenvolvimento (como experiência, de forma espontânea) até os dias atuais, busca-se efetuar uma análise fenomenológica com o intuito de se estabelecer o esboço para uma teoria tridimensional do empreendedorismo. Os componentes da teoria estão relacionados à praxeologia, axiologia e teleologia, que se fundamentam, respectivamente, na tríade ação, valor e finalidade. O estudo do empreendedorismo necessita ser feito observando a questão da transdisciplinaridade, aspecto nuclear de qualquer pesquisa que vise a integração dimensional. Assim, poder-se-á obter uma visão holística do fenômeno, saber de suas causas primeiras, contribuindo para que o empreendedorismo adquira status de disciplina, enquanto ramo autônomo. Portanto, esse esboço para uma teoria tridimensional trata-se de uma especulação fenomenológica, de caráter introdutório, voltada para a formulação de categorias gerais sobre o empreendedorismo, de modo a propiciar uma ordenação de caráter constituinte do ramo, além de se fazer uma classificação minuciosa do eidos empreendedor para, eventualmente, contribuir com a transformação dos fatos, do fenômeno e da realidade empreendedora.

1. INTRODUÇÃO

Neste trabalho discute-se a emergência de uma teoria tridimensional do empreendedorismo, em caráter introdutório. Tal teoria se desenvolve a partir da filosofia, como a finalidade de trazer outros subsídios para as pesquisas científicas do ramo. Pretende-se sair da esfera puramente unidimensional empírica para uma base transdisciplinar e tridimensional. Utiliza-se, na construção do texto, a fenomenologia e o método fenomenológico nas análises, principalmente através de Heidegger (1973; 1999a; 1999b; 2006), Sartre (1966; 1997) e Husserl (1965; 1990; 1992; 2001; 2002). Não se trata, outrossim, de uma teoria finalizada, mas sim uma espécie de epítome.

2. DO ESTUDO FILOSÓFICO SOBRE EMPREENDEDORISMO

A filosofia busca estabelecer o fundamento e o sentido da realidade, além de analisar, refletir e criticar questões que surgem em decorrência da existência humana. O interesse filosófico se inicia, por exemplo, quando a ciência ainda não trouxe respostas às diversas indagações surgidas no âmbito de uma realidade posta. Então, neste momento, pode-se filosofar sobre o tema de interesse, decorrendo deste fato a necessidade de se investigar filosoficamente o empreendedorismo. Isso ocorre em virtude não da falha da ciência, mas sim da ausência de explicações gerais sobre o empreendedorismo. Ou seja, a ciência, sozinha, ainda não consegue esclarecer o que é o empreendedorismo.

O próprio termo empreendedorismo não existe nos dicionários de língua portuguesa, vide Houaiss (2001) [que possui ≈ 228.000 verbetes]; Bueno (1992) [≈ 80.000 verbetes]; Ferreira (1999) [≈ 160.000 verbetes]; Michaelis (1998) [≈ 200.000 verbetes]; Priberam (2006) [≈ 95.000 verbetes]. Em inglês, o termo entrepreneurship só surgiu em 1934, para qualificar a atividade de organizar, de controlar, e de supor os riscos de uma empresa ou negócio (OED, 2006). Mesmo assim, a própria definição em língua inglesa define parcialmente, excluindo outras possibilidades.

Os avanços científicos nos últimos 250 anos sobre o tema, desde o surgimento das obras de Cantillon (1755, 2003) e Say, (1803, 2002) foram notáveis. Mas o que se viu desde então são teóricos buscando, cada um a partir de suas respectivas ciências (economia, administração etc.), explicar ou compreender uma realidade que é mais ampla do que se pode pensar a princípio.

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Ou seja, a ciência tem procurado analisar os efeitos da ação empreendedora, as causas de tais efeitos etc. Mas não busca a gênese primeira, a raiz: o que é empreendedorismo? Neste trabalho não será possível responder essa questão, pois isso talvez sequer tenha resposta. Mas pode-se, mediante um filosofar, trazer a intuição (no sentido fenomenológico strictu) dos componentes essenciais da área, para auxiliar os cientistas em seu labor diário.

Deste modo, a ciência poderá estudar aspectos não vislumbrados (dimensões esquecidas). O que se busca é estreitar os laços entre a filosofia e a ciência para o entendimento sobre empreendedorismo. Da primeira, a segunda terá a visão de conjunto. Da segunda, a primeira terá um novo e importante problema filosófico.

Neste ponto cabem algumas perquirições: pode um texto filosofal trazer consubstanciamento para as práticas científicas? é possível pensar em aplicação científica de conhecimentos filosóficos, especialmente na área de administração?

A resposta a essas indagações é positiva. Pois, como dito anteriormente, quando em nosso cotidiano as práticas vigentes não têm um entendimento suficiente, surge o filosofar. E do filosofar extrai-se um entendimento, que será desenvolvido, ampliado, melhorado e transformado pela ciência. Isso é especialmente importante no que tange ao empreendedorismo. Qualquer pessoa que faça como Sócrates fazia na Grécia e comece a perguntar aos cidadãos de sua polis o que é empreendedorismo verificará que ninguém sabe ao certo. O mesmo se dá no interior da comunidade científica - cada pesquisador dará uma resposta, a partir de sua experiência e afiliação epistemológica. Mas tais respostas não respondem. Por isso a filosofia pode ajudar, ao trazer aspectos “adormecidos” e desconhecidos.

Filosoficamente, pode-se compreender o empreendedorismo a partir das dimensões ontológicas, axiológicas e epistemológicas, a exemplo do que tem ocorrido nos debates sobre a questão da tecnologia (VARGAS, 1985, 1994; GAMA, 1984, 1985, 1987; MIRANDA, 2002). Isso é importante porque as análises sobre essa questão podem servir de referência no estudo sobre empreendedorismo, considerando suas peculiaridades no tocante a suas finalidades (teleologia). Trata-se aqui da primeira contribuição filosófica.

O quadro 1 ilustra os significados desses termos. DIMENSÕES ESTUDOS

Ontologia

Investiga o ser a partir de si mesmo, considerado independente de suas determinações particulares. Trata-se de reflexão a respeito do sentido abrangente do ser, como aquilo que torna possível suas múltiplas existências. A ontologia investiga o dado antes que seja fato da ciência e depois que se transforme em colocações de difícil compreensão.

Axiologia

Teorias do valor. O objeto de estudo da axiologia é a natureza dos valores e juízos valorativos. Valor é o que é precioso para o ser e que contribua para o seu crescimento. Exemplos: valores econômicos, sociais, espirituais, culturais etc. O homem é um ser cultural, que tem como fundamentação a língua, os costumes, as técnicas e os valores. A Ética e a Estética são partes constituintes da axiologia.

Epistemologia

Investiga a origem e o valor do conhecimento humano em geral (em torno de sua natureza, etapas e limites). Indaga as ciências (princípios, postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico), além dos critérios de verificação e de verdade, do valor dos sistemas científicos, seus paradigmas estruturais ou suas relações com a sociedade e a história.

Quadro 1: Possibilidades de análises filosóficas Fonte: adaptado de Chauí (2002); Heidegger (1999a)

Neste ponto, recorrer a Merleau-Ponty (1994) é fundamental. Para o autor, o ato de refletir

sobre determinado tema, por si mesmo, é capaz de elucidar dado fenômeno, considerando que tal reflexão parte daquilo que é dado. O “grau” dessa reflexão será determinante para se saber o quanto se conhece o assunto. É necessário também unir o ato de refletir ao conhecimento da história do tema e com as explicações externas, além de se tentar recolocar as causas e o sentido do tema em uma doutrina de existência.

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Danjou (2002) observa que o empreendedorismo é investigado a partir de diferentes perspectivas, através de três abordagens:

a) a do contexto: condições ou efeitos da ação empreendedora, originando-se dos campos da economia, sociologia e antropologia.

b) a do ator: o empreendedor, originando-se a partir da psicologia. c) a da ação: o processo empreendedor, originando-se de estudos organizacionais. Porém, mister se faz assinalar que tais investigações encerram em si três ismos, que

acarretam limitações na compreensão do fenômeno, a saber: Contexto – a ação empreendedora: sociologismo Ator – o empreendedor: psicologismo Ação – o processo empreendedor: organilogismo Resumidamente, pode-se defini-los: Socilogismo vê o empreendedorismo como fato social. Psicologismo reduz o empreendedorismo a psique do empreendedor. Organilogismo preocupa-se apenas com aspectos organizacionais/administrativos da ação

empreendedora e seus impactos. Destaca-se que as três abordagens estão absolutamente corretas; o problema é que elas não

se articulam entre si. Necessita-se assim o estabelecimento de outra base de análise, integradora, decorrendo daí a segunda contribuição filosófica: a apresentação de três conceitos fundamentais para se entender as relações entre as diversas disciplinas que estudam o empreendedorismo: a idéia de inter, multi e transdisciplinaridade do empreendedorismo.

Interdisciplinar, pretende-se demonstrar que há o estabelecimento de relações entre a área e outros ramos de conhecimento; sendo sua esfera de atuação comum a duas ou mais disciplinas, ou seja, certos aspectos da atividade empreendedora são de domínio comum entre o empreendedorismo e outra disciplina.

Multidisciplinar, revela que a área contém, envolve e distribui-se por várias disciplinas e pesquisas, ou seja, dentro do empreendedorismo há outras disciplinas, revelando ainda não ser uma disciplina em sentido strictu.

Transdisciplinar, indica que o empreendedorismo busca fora e além de si mesmo respostas a suas indagações, fazendo emergir dados que proporcionam uma nova visão de sua natureza e realidade. Seria uma espécie de metaempreendedorismo, assentado sobre bases metafísicas (no sentido de estar voltado para uma compreensão ontológica da realidade) e teleológicas (no sentido de atingir metas, fins ou objetivos últimos, considerando a finalidade como o princípio explicativo fundamental na organização e transformações decorrentes da ação empreendedora).

ECONOMIA

PSICOLOGIA

Figura 1: Exemplos de abordagens do empreendedorismo

Fonte: Boava (2006, p. 37)

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Ao se proceder uma análise das três abordagens, observa-se que a inter e a

multidisciplinaridade são habitualmente utilizadas nos estudos sobre a temática, ao passo que a transdisciplinaridade não é utilizada, pois o chamado metaempreendedorismo é um conceito recente e pouco explorado.

Dentro dessa linha filosófica, é importante citar o trabalho de Senges (2007). O autor, partindo de um referencial fenomenológico, busca analisar a “mentalidade empreendedora”, construindo um modelo conceitual de componentes filosóficos, a partir da metafísica.

Figura 2: Philosophical model of an entrepreneurial mindset

Fonte: Senges (2007, p. 262) Outro trabalho importante relacionado a questão é a pesquisa de Bédard (1999, 2003,

2004), que estuda os fundamentos do pensamento e as práticas administrativas, trazendo quatro dimensões filosóficas para se analisar a administração. As condutas e práticas são a ponta do iceberg.

Figura 3: As quatro dimensões filosóficas

Fonte: Bédard (1999, 2003, 2004, p. 84) Esses dois trabalhos ilustram que a Academia vem buscando outras formas de se analisar

fenômenos no campo da administração, especialmente a partir de aportes filosóficos.

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3. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE EMPREENDEDORISMO

Murphy, Liao e Welsch (2006) fazem uma análise histórica da evolução do empreendedorismo, que engloba uma vasta gama de processos socialmente construídos, tais como as descobertas relacionadas ao capital; o trabalho e a inovação, definindo três fases: a pré-histórica (antes de 1780); a econômica (entre 1780 e 1984) e a multidisciplinar (depois de 1984), conforme explicações a seguir:

Pré-histórica: época dos grandes latifúndios. No início, o empreendedorismo estava ligado a capacidade de superar vários riscos e contingências externas. Negociava-se alimentos ou recursos para a sobrevivência, com efeitos em todas a tribos e clãs. Finalmente, em 50 a.C., na antiga Roma, surgem os caminhos para a atividade empresarial, tais como agricultura, controle social, regulamentos e instituições. Por sua vez, o início da Idade Média (500-1000 d.C.) verifica-se novos tipos de empreendedorismo. A propriedade era preservada mediante a guerra. A inovação manifesta-se por meio da guerra e suas tecnologias). Posteriormente (entre 1000-1500 d.C.), devido a pacificação e a igreja, a engenharia e arquitetura tornam-se campos do empreendedorismo. A conjectura da prática ou habilidades pessoais foram as bases de conhecimento e meios instrumentais para a superação de ineficiências, na busca por oferecer soluções, produtos e serviços. O empreendedorismo tornou-se uma maneira de ganhar a vida. No entanto, apenas uma fração da população, geralmente aqueles que pertenciam a ordens religiosas ou serviço mercante, tinham a opção de exercer o empreendedorismo.

Econômica: Inicia-se com as virtudes do livre comércio, da especialização e a concorrência. A concorrência entre as indústrias (por exemplo, algodão versus milho) adicionado a dinâmica de descontinuidade para a atividade econômica, proporciona aos empresários meios de descobrir nichos de oportunidades. O movimento enfatizou o papel do empresário, que ia além do papel de mero coordenador. O empresário definia os riscos de obtenção de materiais, a formação de um trabalho e a capacidade de encontrar um mercado. Com a proliferação do comércio externo, no início dos anos de 1800, os empresários começam a reconhecer novas possibilidades, como arbitragem de oportunidades. Eles tendem a "seguir em frente" (por exemplo, na venda / transferência de um negócio). Introduz-se a noção de retorno decrescente (por exemplo, a partir do cultivo de terra fértil), que disseminou a idéia de que as oportunidades terminam com a passagem do tempo. Desenvolve-se e utiliza-se os conceitos de utilidade marginal em conjunto com equilíbrio de preços. Entre 1920 e 1930, período de incertezas, aparece a consciência individual de mudança do ambiente. Prolifera-se a destruição criativa e a visão do empreendedor como motor do capitalismo. Na década de 1970 as oportunidades de lucro dinamizam o empreendedorismo, e este requer somente conhecimento. O erro e a ineficiência são considerados fontes de oportunidade.

Multidisciplinar: Com base em movimentos anteriores, a fase multidisciplinar reflete um movimento conceitual, descrevendo o empreendedorismo via a ação através de uma interação entre a pessoa e o ambiente. A influência é evidente em muitas investigações científicas. Assim, além de aportes da sociologia e marketing, esse movimento permite aferir as características psicológicas do empreendedor. No entanto, o movimento tende a centrar suas análises exclusivamente no empreendedor ou nos fatores ambientais. Porém, eles completam um ao outro, sendo necessário estudar-se a integração do indivíduo com o ambiente, em vez de sua interação. Surgem ainda estudos de elaboração conceitual, já que a atividade empreendedora existe em todos os níveis de um sistema social. Há também o uso de métodos estatístico vigorosos, atribuindo objetividade às oportunidades. As redes também surgem nessa abordagem, bem como o conhecimento e a possibilidade de novos estudos pluridisciplinares, que refutem as anteriores, contribuindo para o avanço da área.

A figura 4 ilustra em uma linha do tempo as três eras:

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Figura 4: An ilustrated conceptual history of entrepreneurial tought Fonte: Murphy, Liao, e Welsc (2006, p. 15)

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Como é possível observar, historicamente o empreendedorismo tem sofrido evoluções de diversas naturezas. O homem no início dos tempos vivia o empreendedorismo de modo natural, espontâneo, como uma experiência e o realizava como ação. No século XII, surge o termo empreender (com o significado de atacar) em dicionários, mais precisamente em 1140. Isso significa que a sociedade de então, devido a uma realidade social, precisava designar uma atividade que se desenvolvia. Outra acepção (surgida em 1174-76) foi “interpelar, acusar” Na seqüência cronológica, em 1176-81, aparece o significado que Say (1803, 2002) e Cantillon (1755, 2003), utilizaram em suas elucubrações para consagrar a palavra: “começar (algo), levar a efeito, em pôr-se a executar”. A origem do termo é o latim imprehendere (ATILF, 2006 b).

Segundo o Laboratório de Análise e Tratamento Informático da Língua Francesa, mantido pelo CNRS – Centro Nacional de Pesquisa Científica e pela Universidade de Nancy, o termo empreendedor (entrepreneur) origina-se entre os anos de 1253 e 1289, pelo termo entreprendeeurs, significando “aquele que se encarrega e que faz alguma construção ou outra coisa”, derivando do particípio presente de entreprendre (ATILF, 2006 a).

Visto a origem dos termos empreender e empreendedor, pode-se perceber que nos séculos XII e XIII o empreendedorismo “nasceu”, devido a uma ação humana. Porém, o termo empreendedorismo só foi cunhado no século XX, como visto anteriormente. A atividade que Shumpeter (1982) chamou de motor “motor do capitalismo” precisou de oito séculos para ser definida. Porém, destaca-se que antes do século XII e também entre os séculos XII e XX a atividade empreendedora existiu, mesmo antes de ser definida.

Nesse meio tempo, o que ocorreu? A atividade existia como uma realidade posta. Independente do interesse dos cientistas em pesquisá-la. Coube a Cantillon (1755, 2003) e Say (1803, 2002) a tarefa de trazer um acontecimento social para o mundo da ciência.

A figura 5 demonstra o que se tem investigado desde então:

Figura 5: The roots of entrepreneurship research; expanding to multi-disciplinary research Fonte: Ehrstén e Kjellman (2006, p. 7)

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4. TEORIA TRIDIMENSIONAL DO EMPREENDEDORISMO

Antes de discorrer sobre a teoria, mister se faz esclarecer o uso desse termo neste trabalho. Trata-se de uma especulação fenomenológica, de caráter introdutório, voltada para a formulação de categorias gerais sobre o empreendedorismo, de modo a propiciar uma ordenação de caráter constituinte do ramo, além de se fazer uma classificação minuciosa do eidos empreendedor para, eventualmente, contribuir com a transformação dos fatos, do fenômeno e da realidade empreendedora.

Para se discutir a teoria, deve-se apresentar uma definição dos termos empreendedor e empreendedorismo. Far-se-á uso da definição de Boava (2006) e Boava e Macedo (2006, 2007):

Empreendedor: indivíduo executor de uma ação capaz de produzir uma ruptura com aquilo que lhe proporciona segurança e estabilidade (a acomodação, a alienação, a paixão etc.). Produz-se assim um efeito catártico que gera nesse indivíduo uma libertação daquilo que lhe é estranho à sua essência e que, por esta razão, limita sua capacidade empreendedora. Trata-se, portanto, de uma pessoa que transforma sua potencialidade em realidade, caracterizando-se por ser temporal e impermanente, abarcando as mais variadas esferas da vida social, tais como: negócios, política, esportes entre outras.

Empreendedorismo: conjunto de atividades que visam proporcionar ao empreendedor, no decurso de sua ação, plena liberdade. Tal liberdade se manifesta devido à ocorrência de uma ruptura com aquilo que lhe proporciona segurança e estabilidade. O estado de dependência em relação a fatores externos (existente na segurança e estabilidade) é substituído pela possibilidade de ser sujeito da ação. Sua base é transdisciplinar e teleológica, sustentando-se na busca pela realização plena do ser.

Essas definições são norteadoras, e delas provém a teoria tridimensional. Vai além da visão reducionista que considera a atividade decorrente de um campo específico (economia, administração etc.). Define que o ramo é próprio do homem, como ser-no-mundo. Assim, a inovação, a superação de obstáculos, o capital etc., são interstícios de um todo maior.

Ou seja, o homem é um ser-para-empreender. O que determinará a ação empreendedora não são fatores externos, mas sim sua condição de potencialidade. Ele transforma, consciente e racionalmente, sua potência em ato. Ele escolhe ser empreendedor, ele não nasce, mas pode aprender a sê-lo. Sendo, assim, é necessário compreender que o empreendedorismo é contigencial (no sentido de ocorrer de maneira eventual e circunstancial), não necessitando de condições apriorísticas para sua concretização.

Sartre (1966) afirmou que a existência precede a essência. Em outras palavras, pode-se dizer que o homem surge no mundo, encontra a si próprio, existe, para apenas e tão-somente depois se definir. O homem será aquilo que fizer de si mesmo (o autor chama isso de subjetividade), não há condicionantes extrínsecos. O ser humano é um projeto que se faz gradualmente. Conseqüentemente, define-se pelo conjunto dos seus atos. Em resumo, o indivíduo é que se faz. Cabe aqui esclarecer que ser não equivale a existir. Quando alguém diz: “sou empreendedor”, está se portando de uma forma típica de todos os seres, de forma passiva e sem grandes possibilidades. Comporta-se como um ente inanimado, uma pedra ou roda de bicicleta. Ao passo que quando se diz “estou empreendedor”, há demonstração de se estar passando de uma condição de potencialidade para realidade. Conscientemente, o sujeito percebe estar se realizando como empreendedor. Ou seja, o indivíduo empreende.

Logo, o empreendedorismo é um “ser-em-situação”, ou seja, uma realidade empírica que se mostra e se impõe a todos. Ele é dado, colocado no mundo e é temporal. Isso revela que haverá empreendedor e empreendedorismo onde houver ser humano. É a nova ontologia, que revela que certas realidades estão no mundo, sendo o mundo mais antigo que a existência de quem o vê, de quem vive nele. Porém, quem vive no mundo pode dar sentido a ele, pode conhecê-lo e transformá-lo (CHAUÍ, 2002).

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A terceira contribuição filosófica é propriamente o esboço da teoria tridimensional. Basicamente, ela estrutura-se em três dimensões; a praxeologia, a axiologia e a teleologia, conforme esclarecimentos a seguir:

Praxeologia (ou praxiologia): teoria epistemológica ou ciência que estuda as leis, ações e o comportamento humano, com o objetivo de atingir conclusões operacionais (do grego πράξις ação, ato + λόγος estudo, tratado).

Axiologia: ramo do saber filosófico que trata dos valores (do grego άξιος valor, dignidade + λόγος estudo, tratado).

Teleologia: ramo do saber filosófico que identifica a presença de metas, fins ou objetivos últimos como forma de se conhecer a natureza, a sociedade e a humanidade, considerando a finalidade como o princípio explicativo fundamental na organização e nas transformações da realidade (do grego τέλος fim, finalidade + λόγος estudo, tratado).

Assim, a teoria considera que o empreendedorismo compõe-se de uma ação, observando um valor para um fim.

Esquematicamente, tem-se: Ação Valor Finalidade O estudos que são efetuados para se conhecer a realidade empreendedora baseiam-se quase

que exclusivamente em uma ou duas dimensões, preponderantemente na ação e na finalidade. O valor, em termos filosóficos, não é estudado. Isso faz com que a compreensão do empreendedorismo fique limitada, pois o valor é um elemento chave, é o Dever Ser da ação e da finalidade empreendedora, como ver-se-á na seqüência.

Para fins de esclarecimento, situar-se-á as derivações advindas dessa classificação em termos operativos:

Ação → Valor → Finalidade - Esfera concreta do empreendedorismo

↓ ↓ ↓ Praxeologia → Axiologia → Teleologia - Esfera de análise do empreendedorismo ↓ ↓ ↓ Epistemologia → Axiologia → Ontologia - Esfera filosófica empreendedorismo A ação (estudo praxeológico) representa o início do empreendedorismo (obviamente que a

intenção consciente vem antes, mas isso não cabe analisar neste estudo). Ou seja, da ação deriva-se o projeto empreendedor. Ela é fundamental pois sem ação não há o empreendedorismo, por isso a ênfase nos estudos científicos sobre o assunto, e o elevado grau de maturidade epistemológica que o ramo vem adquirindo ao longo dos anos.

Espinas (1897, 2009), considerado o “pai” da praxeologia, divide-a em três eixos centrais: Eixo de análise: descrição analítica, tipologia, classificação e sistematização das

habilidades práticas. Eixo ambiental: o estudo das condições e leis que determinam a eficácia de atuação. Eixo descritivo: descrição do início e a formação das habilidades, dos métodos de

aperfeiçoamento e de sua possível extinção. Outro autor importante, considerado o grande difusor do pensamento praxeológico é Von

Mises (1990), da escola austríaca de economia. Para ele, a praxeologia é uma ciência apriorística e formal, que investiga a ação humana. Basicamente, o homem é um ser para agir, de ação. Ele, escolhe, determina e busca uma finalidade. Agir implica a utilização de meios para a obtenção de fins. A ação não se dá somente no plano concreto; o ato de não agir é uma ação.

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Kotarbinski (1965) também é outro autor fundamental para se entender a praxeologia. Sua obra é vasta, mas para fins deste trabalho demonstrar-se-á três esferas fundamentais:

Esfera de conceitos: a atividade é dirigida para um objetivo - uma missão, uma finalidade; Esfera crítica: crítica e análise dos métodos de ação considerando a valorização e

avaliação, a partir dos conceitos de eficiência e eficácia. Esfera normativa: preceitos, normas, regulamentos, recomendações, proibições etc. como

caminho a se aumentar a eficiência. Esclarecidos os principais nomes e idéias da praxeologia, esclarecer-se-á como que a ação

no empreendedorismo pode ser analisada. Basicamente, o importante é o contexto da ação empreendedora e a formação do

empreendedor. Isso se dá pois o homem é um ser cultural e social, o que resulta que seus atos são influenciados pelo ambiente circundante. Destarte, ele atua por motivações específicas, que são oriundas de sua evolução como ser-no-mundo.

As ciências (economia, psicologia, administração etc.) obtém grande sucesso nesta análise, pois conseguem verificar diversas congruências entre os diversos tipos de empreendedores e os variados tipos de empreendedorismo.

Por limitações de espaço, não será possível aprofundar na análise da ação, contudo os estudos na esfera epistemológica são um meio para se aprofundar na temática.

Prosseguindo, tem-se a questão axiológica, que é um importante componente da teoria tridimensional. A partir da ação, o empreendedor atribui um conjunto de valores para sua prática. Que guiarão sua conduta para a finalidade.

É um Dever Ser. O Ser é o sujeito consciente, racional. Dever é uma espécie de dever moral, uma obrigação. Dever Ser implica uma intencionalidade da consciência que age para formação cultural, assim o homem pode moldar o mundo a sua semelhança. Assim, o Ser torna-se Dever Ser.

O homem observa que o mundo circundante está repleto de valores e que sempre precisa fazer uma escolha. Inclusive o ato de não escolher é uma escolha. Mas não se pode viver indiferente aos valores. Sartre (1966) observou que o homem apresenta-se como uma escolha a fazer, que não há um determinismo natural. Ademais, não é apenas como se concebe, mas como quer ser, como quer agir, considerando o querer como uma decisão consciente.

Assim, o valor não está no sujeito nem no objeto. Está no homem. Reale (1991, 2002) observa que o ser humano é um ente capaz de tomar consciência de sua própria valia através da experiência histórica como os outros homens.

Os conceitos fundamentais na análise axiológica da teoria tridimensional são a imanência, a ideologia, a consciência, o Dever Ser e a formação.

Os dois últimos já foram apresentados. A imanência concerne ao mundo concreto, a realidade posta. É o oposto da transcendência, que está fora. É a essência. Logo, valor é essência, é o eidos do empreendedor. O valor para ele é o fator de agregação entre a ação e a finalidade. Assim, alguém que empreende simplesmente para ganhar dinheiro, sem valores específicos, poderá não obter sucesso, falhar. Mas se esse mesmo indivíduo perceber que sua ação pode trazer para sua família coisas boas (no caso o valor seria o bem-estar familiar) ele procurará se aperfeiçoar para obter sucesso.

A ideologia é a responsável pelo crescimento e desenvolvimento do empreendedorismo nas épocas atuais. Por exemplo, Leite e Melo (2008), discutindo a questão ideológica existente no empreendedorismo, assinalam a questão sociológica existente na percepção que as pessoas estão desenvolvendo sobre o estar empreendedor:

A dona de casa tem a iniciativa de fazer salgados para vender e termina por abrir uma empresa. Já o desempregado reutiliza pneus velhos para produzir cercas de jardim. Ambos estavam excluídos do sistema de mercado e passaram a exercer uma atividade econômica por necessidade. Foram levados a se pensarem como empreendedores e não como trabalhadores precarizados (2008, p. 43).

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Harvey (1998) inclusive observa a eclosão de uma espécie de ideologia do empreendedorismo:

... o empreendimentismo caracteriza não somente a ação dos negócios, mas domínios da vida tão diversos quanto a administração municipal, o aumento da produção do setor informal, a organização do mercado de trabalho, a área de pesquisa e desenvolvimento, tendo até chegado aos recantos mais distantes da vida acadêmica, literária e artística (1998, p.161).

Já consciência é o meio empregado pelo empreendedor para escolher seus valores. É o

farol que ilumina seu Dever Ser. Assim, ele pode se realizar enquanto empreende, pois estará sempre valorando o que faz e buscando seus fins. Lembrando que o empreendedorismo “não acaba”. Ao se tornar empreendedor (estar empreendedor) o sujeito só consegue se realizar enquanto durar a ação. Por exemplo, ser gerente de seu negócio traz frustração, pois o indivíduo conscientemente sabe que aquilo não lhe agrada.

Finalmente, a teleologia é a última base do tripé. Os componentes centrais são a temporalidade, a historicidade, a liberdade, a transcendência e a consciência. A consciência já foi verificada, cabe discutir os outros componentes.

A temporalidade e historicidade significam que o empreendedorismo e o empreendedor ocorrem a partir de uma época histórica e temporal, ou seja, depende do momento histórico e é sempre provisório, temporário. Não existe ação empreendedora para sempre.

A liberdade é a essência do empreendedorismo porque é ela que impulsiona o ser, independente do motivo que foi deflagrador do desejo de empreender (por exemplo: adquirir riquezas, ter uma ocupação, competir, necessidade etc.). O ser somente será livre se estiver constantemente empreendendo. Deste modo, a finalidade se alcança com a liberdade.

A transcendência é o meio que o empreendedorismo e o empreendedor conseguem ultrapassar a sua realidade imediata, alcançando o mundo objetivo e a liberdade.

O esboço da teoria tridimensional do empreendedorismo, basicamente, é o que foi exposto. Por questões de espaço, não se pode discutir profundamente as três dimensões. O que se observa é que com a teoria, pode-se perceber que a atividade empreendedora deve ser vista de maneira conjunta. Quem se ocupa da tarefa de pesquisar aspectos epistemológicos, relacionados à ação empreendedora, precisa considerar em suas análises as outras duas dimensões. E o mesmo se aplica a quem pesquise as outras duas.

Ou seja, a proposta é de integração. Cada dimensão apresentada possui sua própria dinâmica interna de funcionamento, que reflete sua especificidade em relação às outras, mas no mundo da realidade posta que é o empreendedorismo, elas são integradas.

A análise fenomenológica da realidade empreendedora demonstra a tridimensionalidade da área. A maior dificuldade para se compreender o empreendedorismo e seu agente, o empreendedor, reside na transdisciplinaridade. Necessário se faz que os estudos vindouros considerem que o empreendedorismo “sozinho” não existe. Sozinho ele é como uma semente sem terra e sem água para crescer e se desenvolver. É uma promessa, uma realidade posta que não se materializa em termos de conhecimento. Vai estar aí, estará ocorrendo todos os dias, em todas as ações dos empreendedores, mas continuará inacessível. Mas, a partir da integração, da experiência transdisciplinar e tridimensional, ele poderá crescer. Será possível captá-lo em seu esplendor, auscultá-lo, interrogá-lo, saber de suas causas primeiras. Assim, o ramo poderá adquirir status de disciplina.

Nas figuras 6,7 e 8 a seguir, pode-se observar, de forma sucinta, os elementos que compõe o esboço da teoria tridimensional do empreendedorismo. É importante destacar que o empreendedorismo é indissociável do empreendedor. Sem o segundo, não há atividade empreendedora. Logo, há uma simbiose entre ambos, para o chamado projeto empreendedor, na busca da realização plena do ser. Todo homem é um ser-para-empreender.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Figura 6: Teoria tridimensional

do empreendedorismo Fonte: Sistematizado pelos autores

AÇÃO VALOR FINALIDADE

PRAXEOLOGIA AXIOLOGIA TELEOLOGIA

EPISTEMOLOGIA AXIOLOGIA ONTOLOGIA

Figura 8: Invariantes filosóficas Fonte: Sistematizado pelos autores

Figura 7: Tridimensionalidade do empreendedorismo

Fonte: Sistematizado pelos autores

PRAXEOLOGIA Ação

TELEOLOGIA Finalidade

AXIOLOGIAValores

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Neste trabalho verificou-se a emergência do esboço para uma teoria tridimensional do

empreendedorismo, para auxiliar na compreensão holística do fenômeno empreendedor. Partindo de uma análise fenomenológica, demonstrou-se que a ação, o valor e a finalidade constituem as bases do tripé desta teoria.

A atividade empreendedora demonstrou ser algo inerente ao ser humano desde os primórdios, sendo que o interesse científico pelo ramo iniciou-se no século XVIII. Desde esta época, a ciência tem estudado o fenômeno de forma a privilegiar uma ou outra dimensão. Os estudos que visem a integração das três esferas (praxeologia, axiologia e teleologia) têm grande potencial para se conhecer por completo o empreendedorismo.

A ação, força motriz do empreendedorismo, ganha destaque nas investigações, pois é ela que impulsiona e faz o empreendedor agir, gerando uma série de conseqüências sociais, políticas, econômicas, culturais etc. Por isso a epistemologia do ramo está se consolidando de maneira acentuada, especialmente a partir dons fins do século XX, através de abordagens multidisciplinares.

O valor, dimensão esquecida, constitui o Dever Ser. O horizonte que o empreendedor enxerga para atingir sua finalidade. É importante salientar que a axiologia do empreendedorismo não contempla apenas a questão do valor para o empreendedor, mas sim para a sociedade, o que não foi possível discutir neste trabalho por limitações de espaço. Todavia, é possível afirmar que o empreendedorismo vem se configurando nos últimos séculos uma invariante axiológica. Mas, o que é isso? Reale (1991, 2002) discute sobre a questão é demonstra que certos valores são constantes, permanentemente exigíveis. Sendo o valor vivenciado histórica e culturalmente, a sociedade busca conservá-lo. Foi assim com a democracia, a justiça etc., consideradas atualmente valores universais. Para o autor, a ecologia é uma das mais recentes invariantes axiológicas. O mesmo ocorre com o empreendedorismo. A sociedade já o vê como algo de valor, algo que procuram conservar e ampliar.

A sociedade não cria o empreendedorismo, apenas lhe possibilita seu surgimento. O valor é algo inerente ao mesmo, sendo a liberdade o horizonte valorativo último do mesmo. A axiologia, que juntamente com a ontologia e a epistemologia formam a base da filosofia do empreendedorismo, é um ramo filosófico recente: fins do século XIX, início do século XX. Para Reale (1991, p. 136) isso se deu em virtude de uma longa experiência mundana, à medida que o homem adquire ciência e consciência do valor em distintas esferas da vida, notadamente no plano militar, artístico e econômico. É o homo economicus que faz com que o estudo do valor adquira status epistemológico próprio. Hessen (1980, p. 28) observa que a generalização do uso da palavra valor se deu em função da economia política; termos como valor de troca, valor de uso etc.

A finalidade é o terceiro constituinte, que o empreendedor vê como o objetivo a ser atingido com sua ação, a partir dos valores. Ela encerra em si algo maior, que não se manifesta em um primeiro contato: a ontologia e a transcendência. Se o maior valor é a liberdade, na finalidade é que ela se realiza.

Os três elementos, ao serem observados de forma integrada, possibilitam uma compreensão profunda de qualquer ação empreendedora, em qualquer campo (econômico, social, administrativo etc.). Outros aspectos subjazem na teoria, como a dialética entre seus constituintes, o aspecto gnoseológico entre outros.

Concluindo, é possível afirmar que onde houver homem e sociedade haverá o empreendedorismo, pois de uma simples experiência dos antepassados o setor foi ganhando tamanha importância que hoje em qualquer lugar do mundo haverá sempre um empreendedor dinamizando seu habitat. É a substituição do homo economicus pelo homo entreprenaurus, em definição cunhada por Uusitalo (1999, 2001). 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

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