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XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017 Escada Viva: passagem cultural Carlla Volpatto Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado associado UniRitter/Mackenzie. [email protected] Gabriela Ferreira Mariano Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado associado UniRitter/Mackenzie. [email protected] Graziela Maciel Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado associado UniRitter/Mackenzie. [email protected] Resumo: O artigo apresenta o tema dos espaços públicos de passagem degradados e em desuso na cidade, mais especificamente, trata da requalificação da Escadaria da Rua João Manoel, localizada no Centro Histórico de Porto Alegre. A Escada vem há décadas sofrendo com o declínio urbano, que a transformou em um local ocioso e de periculosidade dentro da malha urbana na área central da capital. O objetivo da proposta de intervenção é transformar a escada e entorno imediato em organismo vivo, em que o espaço no centro da cidade converte- se de espaço público degradado em um local onde potencializa a identidade, atratividade do lugar e valorização do patrimônio histórico edificado. Trazendo maior vitalidade a pontos nevrálgicos da cidade e, assim, proporcionando locais mais agradáveis em que seus atores se relacionam. A análise dos conceitos de placemaking, lugar de pluralidade e metástase positiva é utilizada para demonstrar os diferentes tipos de conformações de espaços urbanos; os conceitos da Carta de Lisboa são examinados para construção da definição de intervenção na área. Pretende-se aproveitar as qualidades locais costurando novos usos à trama já existente e a memória da região de estudo. 1 Introdução Manter a segurança da cidade é tarefa principal das ruas e das calçadas. (JACOBS, 1961) Quando observamos os espaços ociosos e subutilizados das grandes cidades, nos deparamos com situações de insegurança e degradação. Se olharmos para estes espaços como uma oportunidade de redescobrir a cidade e promover hábitos mais ativos, teremos cidades pulsantes que funcionam como um organismo vivo. Jacobs (1961) já apontava em seu livro “Morte e vida das grandes cidades” que uma rua segura é a que propõe uma clara delimitação entre o espaço público e o privado, com gente e movimento constantes, quadras não tão grandes que conformem numerosas esquinas e

Escada Viva: passagem cultural...O projeto elaborado em 1928 ficou a cargo do arquiteto Cristiano de la Paix Gelbert. Figura 1 - Escadaria da Figura 2 - Palacete na esquina da R. João

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    XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

    Escada Viva: passagem cultural

    Carlla Volpatto Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado associado UniRitter/Mackenzie. [email protected] Gabriela Ferreira Mariano Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado associado UniRitter/Mackenzie. [email protected] Graziela Maciel Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado associado UniRitter/Mackenzie. [email protected] Resumo: O artigo apresenta o tema dos espaços públicos de passagem degradados e em desuso na cidade, mais especificamente, trata da requalificação da Escadaria da Rua João Manoel, localizada no Centro Histórico de Porto Alegre. A Escada vem há décadas sofrendo com o declínio urbano, que a transformou em um local ocioso e de periculosidade dentro da malha urbana na área central da capital. O objetivo da proposta de intervenção é transformar a escada e entorno imediato em organismo vivo, em que o espaço no centro da cidade converte-se de espaço público degradado em um local onde potencializa a identidade, atratividade do lugar e valorização do patrimônio histórico edificado. Trazendo maior vitalidade a pontos nevrálgicos da cidade e, assim, proporcionando locais mais agradáveis em que seus atores se relacionam. A análise dos conceitos de placemaking, lugar de pluralidade e metástase positiva é utilizada para demonstrar os diferentes tipos de conformações de espaços urbanos; os conceitos da Carta de Lisboa são examinados para construção da definição de intervenção na área. Pretende-se aproveitar as qualidades locais costurando novos usos à trama já existente e a memória da região de estudo.

    1 Introdução

    Manter a segurança da cidade é tarefa principal das ruas e das calçadas. (JACOBS, 1961)

    Quando observamos os espaços ociosos e subutilizados das grandes cidades, nos deparamos com situações de insegurança e degradação. Se olharmos para estes espaços como uma oportunidade de redescobrir a cidade e promover hábitos mais ativos, teremos cidades pulsantes que funcionam como um organismo vivo. Jacobs (1961) já apontava em seu livro “Morte e vida das grandes cidades” que uma rua segura é a que propõe uma clara delimitação entre o espaço público e o privado, com gente e movimento constantes, quadras não tão grandes que conformem numerosas esquinas e

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    cruzamentos de ruas; onde os edifícios tenham visão para as calçadas, para que muitos olhos a protejam.

    Ao aproximarmos esta situação da realidade vivida na área central de Porto Alegre, podem-se identificar alguns desses espaços em desuso. O trabalho traz a realidade encontrada na escadaria da Rua João Manoel, que na época de sua construção representava a ligação da cidade alta com a cidade baixa, mas que tomou uma política de higienização para o local, onde antes se localizava o Morro da Formiga e caracterizava-se por becos sujos e insalubres. A construção da escadaria teve o intuito de sanar tais problemas, com o passar dos anos foram construídos edifícios altos em seu entorno, resultando em uma consequente degradação e abandono progressivo da escadaria.

    O artigo tem o objetivo de demonstrar os diferentes tipos de conformações dos espaços de passagem, a partir da análise dos conceitos de placemaking (KENT, 2000) e lugar de pluralidade (CASTELLO, 2017). Culminando em uma metodologia que vai direcionar as autoras a propor intervenções urbanísticas na Escadaria João Manoel e seus espaços adjacentes. Partindo de uma discussão que aponte para a recuperação do local, melhorando seus aspectos referentes à estética, segurança, circulação etc., aos quais deverão primar pelos usos diferenciados do local, promovendo sua preservação e estimulando a volta do convívio social, além de promover a articulação com novos usos e serviços.

    Nas últimas décadas, ações e estudos sobre processos de revitalização, reabilitação ou requalificação urbana vêm ganhando espaço significativo na agenda das políticas públicas urbanas, bem como nas discussões acadêmicas que tratam do tema. Neste sentido, este artigo analisa as condições atuais desta importante obra arquitetônica do município de Porto Alegre. O texto ainda discute ações de recuperação do Patrimônio Histórico-Cultural que não sejam estanques e limitantes em relação a sua recuperação, sua ocupação, seu uso e sua mobilidade.

    Dentro desse contexto, pode-se contribuir muito no intuito de recuperar áreas centrais, apontando alternativas que resgatem características previamente existentes nos lugares e potencializando outras características que melhorem o grau de valorização, circularidade, segurança e convívio, sem, necessariamente causar processos de gentrificação. 2 Contextualização Histórica e Urbana da Escadaria da João Manoel

    Tendo em vista que Porto Alegre teve sua ocupação inicial a partir do centro da capital e teve ligação direta com sua topografia, consolidando-se sobre uma península que se estendeu pela margem esquerda do Lago Guaíba.

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    Esse tipo de ocupação trouxe dificuldades à acessibilidade entre cidade alta e baixa.

    A Rua Duque de Caxias era uma das mais valorizadas da capital, onde se localizavam as famílias mais abastadas da cidade, o Palácio Piratini e a Catedral Metropolitana. Ter um beco naquela área trazia imenso prejuízo ao saneamento e visual da região, como explicou Bins no seu relatório de 1929:

    A zona compreendida entre o alto do morro e a rua Fernando Machado, aberta e abandonada, era receptáculo de clandestinos despejos e de juncções de toda natureza, com grave damno a hygiene daquela zona. (BINS. 1929 p. 195)

    Até o início do século XX várias ruas foram abertas para interligar a parte elevada do centro com os seus arredores, mas muitas sucumbiram neste intento por problemas de falta de recursos financeiros e técnicos. Transformando-se em becos que acumulavam lixo, como no caso da porção final da Rua General João Manoel no Morro da Formiga. A ladeira preocupava o município desde 1883 quando surgiu a proposta de urbanizar o trecho. Porém o alto custo inviabilizou a execução do projeto, levando o poder público, naquele momento, a somente fazer uma demarcação para evitar qualquer construção no local.

    Em 1914, o Plano de Melhoramentos proposto por Moreira Maciel, tinha a preocupação em sanar esses problemas, tornando as áreas valorizadas, aprazíveis para o convívio e funcionais para circulação de pessoas. A solução foi criar um belvedere com escadaria (fig. 1), uma vez que o barranco exigia rampas íngremes. O projeto elaborado em 1928 ficou a cargo do arquiteto Cristiano de la Paix Gelbert.

    Figura 1 - Escadaria da Figura 2 - Palacete na esquina da R. João Manoel (1929) R. Duque de Caxias c/ a R. João Manoel

    Fonte: Acervo Revista do Globo Fonte: Autoras

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    A obra foi executada pela empresa de Theo Wiederspahn, entre 1928 e 1929. A família Chaves Barcellos custeou um terço das despesas da obra, uma vez que eram donos de vários terrenos na R. Coronel Fernando Machado, incluindo o palacete (fig. 2) de esquina entre a Rua João Manoel e Duque de Caxias. A casa foi inventariada como de estruturação pelo EPHAC (Equipe de patrimônio artístico histórico e cultural) em 2004. Segundo Franco 2006:

    A História da Rua João Manoel está intrinsecamente ligada ao Palacete, à família Chaves Barcellos e ao Arquiteto Theo Wiedersphan. A conexão entre as propriedades da Rua Duque de Caxias e Fernando Machado era muito almejada pela família, mas dificultada pela íngreme ladeira do Morro da Formiga. Por anos a porção final da Rua João Manoel ficou somente demarcada. (FRANCO, 2006, p.226)

    A escadaria foi tombada pelo Município como Patrimônio Histórico, com

    a intenção de preservar a identidade e memória do centro de Porto Alegre. Além de sua importância arquitetônica, o belvedere retrata parte da história cultural porto-alegrense conforme a ponta a Instrução de Tombamento do EPAHC: “Ele proporcionou a artistas plásticos e poetas inspiração para os seus trabalhos. Os moradores da redondeza e os transeuntes se detinham a admirar a paisagem, principalmente pelo pôr-do-sol do Guaíba.” (Instrução de Tombamento da Escadaria e Belvedere da Rua João Manoel s. d.)

    Com o passar dos anos o contexto em que a escadaria está inserida se modificou, passando a abrigar edifícios altos no seu entorno e mudando a percepção do visitante que transita por ela. A escadaria, mesmo deteriorada, resiste às passagens do tempo.

    O local de intervenção situa-se em uma área de forte caráter histórico por se tratar do núcleo de surgimento de Porto Alegre. No entorno encontram-se instituições com valores patrimoniais para capital, muitas delas tombadas ou inventariadas (fig. 3), a exemplo do Museu Júlio de Castilhos, Memorial do Ministério Público, Biblioteca Pública e Memorial da Assembleia Legislativa. Já em caráter cultural a região inclui a Catedral Metropolitana, a Praça Matriz, o Theatro São Pedro, o viaduto Otávio Rocha, o Palácio Piratini, o Solar dos Câmara e a Pinacoteca Rubem Berta.

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    Figura 3 - Mapa com pontos de interesse na região.

    Fonte: autoras.

    A escadaria encontra-se na porção central do quarteirão limitado pelas seguintes ruas: Rua Duque de Caxias ao Norte, Rua Fernando Coronel Machado ao Sul, limitando ao leste a Rua General Auto e a Oeste Rua General Bento Martins (fig. 4). Essas quatro ruas que formam o perímetro encontram-se consolidadas no tecido urbano, asfaltadas, com uso misto, predominantemente residencial com presença de comércio no térreo, fortemente verticalizados, inclusive no entorno imediato da escadaria. A Rua João Manoel, diferente dessas quatro ruas, não tem a presença constante de pessoas, se tornando um local inseguro para quem permeia na região sendo que a escadaria possui o papel de continuidade dessa rua, e permite parte da transição no quarteirão no sentido Norte-Sul (fig. 5).

    Figura 4 - Quarteirão da intervenção Figura 5 - Foto da Rua João Manoel

    Fonte: Autoras Fonte: autoras

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    Segundo o PDDUA, o quarteirão insere-se na Macrozona 01, UEU 26, quarteirão 227. Em relação ao índice de aproveitamento da área, de acordo com o Artigo 110, parágrafo 8º, subseção IV do PDDUA: são consideradas áreas isentas, as destinadas a preservação do patrimônio cultural nas edificações tombadas e inventariadas de estruturação. A escadaria, por ser tombada, está contida em área de entorno de bem tombado estadual e também no entorno do sítio histórico de Porto Alegre (fig. 6).

    Figura 6 - Mapa Patrimônio cultural.

    Fonte: SMC-POA

    Já o lote do Palacete enquadra-se em áreas especiais de interesse cultural, sendo porções de território que por suas características paisagísticas e culturais devem ter tratamento diferenciado em relação aos padrões gerais adotados para a cidade, no que tange ao uso e a ocupação do solo. Portanto um projeto na área deverá ser submetido à análise do IPHAE e EPHAC antes de ser executado, para garantir a ambiência, visibilidade e os valores culturais que o entorno possui. 3 Base teórico metodológica

    O conceito de placemaking surgiu nos anos 60, quando diversos visionários como Jane Jacobs e Jan Gehl propagaram ideias inovadoras, evidenciando que a cidade deveria ser voltada para as pessoas e não para os carros. O placemaking trata de planejar, criar e gerir espaços públicos direcionados às pessoas, os transformando em “lugares”. Observa o uso dos espaços públicos, além de questionar e ouvir quem trabalha, vive ou visita o

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    local para conhecer suas vontades e desejos. Assim se consegue criar uma visão de “lugar” e conceber rápidas e benéficas mudanças para o espaço urbano e seus frequentadores.

    Placemaking vem da comunidade, no sentido mais amplo da palavra. Após iniciado o processo de placemaking somente faz sentido se ele for apoiado por várias comunidades na sua vizinhança imediata. A chave é ter distintos stakeholders, residentes locais, crianças, escolas, até empresas e instituições, empreendedores, e todos os tipos de iniciadores, para que eles compartilhem os seus sonhos para um determinado lugar e depois consigam realmente por o placemaking em pratica. (KARSSENBERG, 2015, pag. 27)

    Os conceitos, placemaking e lugar de pluralidade, são a base para o

    desenvolvimento da proposta de requalificação da escadaria da João Manoel abordada no artigo. O conceito de lugar de pluralidade como afirma Castello:

    O lugar do lazer, do prazer, da mistura, do contrastante, dos “outros” das diferenças, ou seja, aquela almejada diversidade que Jane Jacobs (1972) cobra tão acirradamente dos urbanistas da corrente Modernista; ou a sociabilidade espacial pela qual William H. Whyte (1990; 1990b) sempre batalhou com profundo ardor, ou, ainda, até mesmo a materialização dos espaços que configuravam a escala gregária do setor central de diversões previsto por Lúcio Costa (1962) para Brasília. (CASTELLO, 2017, p.23).

    O lugar de pluralidade pode ser constituído por um grupo homogêneo de pessoas reunidas em locais como faculdades e condomínios (privatópico) ou usado por diferentes grupos em museus, praças e parques (heterotópico). O caso da escadaria da João Manoel se encaixa em lugar de pluralidade heterotópico.

    Além do citado, enquadramos o projeto dentro dos conceitos da Carta de Lisboa. A Carta foi elaborada no 1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação Urbana Lisboa, em 1995 e aborda a reabilitação urbana integrada para a preservação do patrimônio cultural das cidades tanto do edificado quanto do tecido social. Segue as definições de reabilitação urbana contidas no documento:

    a) Renovação urbana: Ação que implica a demolição das estruturas morfológicas e tipológicas existentes numa área urbana degradada e a sua consequente substituição por um novo padrão urbano, com novas edificações (construídas seguindo tipologias arquitetônicas contemporâneas), atribuindo uma nova estrutura funcional a essa área. Hoje estas estratégias desenvolvem-

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    se sobre tecidos urbanos degradados aos quais não se reconhece valor como património arquitetônico ou conjunto urbano a preservar.

    b) Reabilitação urbana: É uma estratégia de gestão urbana que procura requalificar a cidade existente através de intervenções múltiplas destinadas a valorizar as potencialidades sociais, econômicas e funcionais a fim de melhorar a qualidade de vida das populações residentes; isso exige o melhoramento das condições físicas do parque construído pela sua reabilitação e instalação de equipamentos, infraestruturas, espaços públicos, mantendo a identidade e as características da área da cidade a que dizem respeito.

    c) Revitalização urbana: Engloba operações destinadas a relançar a vida econômica e social de uma parte da cidade em decadência. Esta noção, próxima da reabilitação urbana, aplica-se a todas as zonas da cidade sem ou com identidade e características marcadas.

    d) Requalificação urbana: Aplica-se sobretudo a locais funcionais da “habitação”; tratam-se de operações destinadas a dar uma atividade adaptada a esse local e no contexto atual.

    Analisados os conceitos supracitados, definimos o termo “Requalificação Urbana” como o mais adequado à proposta da escadaria João Manoel, trazendo atividades da atualidade para o local conforme veremos a seguir.

    4. Reconhecendo o local de intervenção A partir da identificação inicial das áreas de interesse cultural existentes

    no entorno, fizemos um levantamento fotográfico e apontamos alguns critérios com o propósito de conhecer por quem e como é usado o espaço em estudo. Após esta aproximação com a realidade local, foi feita uma análise das condições físicas, sociais, topográficas e as vocações do lugar. Tendo como base teórica alguns pontos apresentados por Jacobs (1961), Bohigas (1987) e Gehl (2014) desenvolveu-se uma proposta para o local de intervenção que corroborasse com a formação de um projeto urbano integrado, levando em consideração sua sustentabilidade a longo prazo e fomento da disseminação desta ideia de ocupação, através da metástase positiva defendida por Bohigas.

    A área de intervenção escolhida para implementação da proposta Escada Viva – Passagem Cultural está localizada no centro do quarteirão formado pela Rua Duque de Caxias (norte), Rua Fernando Machado (sul), Rua General Auto (leste) e Rua General Bento Martins (oeste) (fig. 7). A escadaria da João Manoel, ponto central desta proposta encontra-se na Rua João Manoel a cerca de 130m ao sul da esquina da Rua Duque de Caxias. A escadaria vence um desnível no sentido norte-sul de aproximadamente 16 metros entre sua base e o topo, em uma extensão plana de aproximadamente 48 metros.

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    Figura 7 - Mapa com local da proposta e situação do local

    Fonte: autoras

    Foram identificadas algumas fragilidades no local como: o abandono da

    escada e sua consequente degradação; a falta de reconhecimento da população do seu valor histórico para a cidade e a alta periculosidade e insegurança gerada pela falta de manutenção. Visando um melhor aproveitamento do espaço e uma qualidade de vida urbana na zona central da cidade e com o intuito de melhor conservar um bem histórico, pretende-se requalificar o local através do reuso do casarão Pedro Chaves Barcellos, desapropriar o lote que faz esquina com a Rua Duque de Caxias e que hoje abriga um estacionamento com a intenção de implantar uma área pública que convide o pedestre a entrar na área.

    5 Projeto Escada Viva: passagem cultural

    O projeto Escada Viva – Passagem cultural tem como objetivo revitalizar uma determinada área degradada e levar à discussão o uso dos espaços urbanos à população. A ideia é convidar a população a vivenciar as transformações, abrindo espaço para que possa propor melhorias tornando a revitalização da área mais eficaz.

    Também é objetivo desta proposta fomentar a economia local, requalificar o espaço usando ferramentas que envolvam a comunidade desde a

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    concepção de projeto à sua execução, criando assim um sentimento de apropriação do espaço. Com a proposta visa-se criar um espaço de pluralidade na área central tradicional da cidade, resgatando o senso de cidadania onde ocorre a troca e interação humana.

    A partir da teoria da metástase positiva (fig. 8), em que se inter-relacionam espaços públicos configurando assim, uma paisagem urbana diferenciada e que resulta na criação de redes interligadas que se fortalecem e acabam incentivando a criação de mais espaços públicos vivos.

    Figura 8 - Metástase positiva aplicada à área da escadaria

    Fonte: autoras

    Considerando-se que um local com vida não é feito somente de uma boa arquitetura e sim de um espaço em que as pessoas se sintam acolhidas e confortáveis, temos o objetivo de criar um lugar com senso comunitário, um visual confortável além de desenvolver atividades durante todos os dias da semana em horários diversificados.

    A partir das qualidades e potenciais locais foram sugeridas algumas diretrizes de projeto. Com o intuito de fomentar uma atividade local sustentável, optou-se por manter a horta existente (fig.9), restaurar a escadaria e criar nos espaços laterais residuais espaços de estar, usar a casa em ruína como base para um restaurante/café trazendo maior fluxo de pedestres ao centro da escadaria, utilizar o pátio existente entre a horta e o palacete (fig.10) como área de locação para eventos periódicos, utilizando-se da estrutura do palacete para implantação de uma escola, fazendo uso da rua como revitalizadora do espaço com eventos e feiras e requalificando a área do estacionamento com a criação de uma praça escalonada em que abrigará atividades diversas.

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    Figura 9 - Horta comunitária existente (2017)

    Fonte: Gabriela Mariano

    Figura 10 - Edificação em ruínas a beira da Escadaria e estacionamento

    Fonte: Carlla Volpatto

    A proposta (fig. 11 e 12) visa criar um lugar mais amigável e proporcionar uma maior qualidade de vida, objetivando a transformação em um novo espaço público, que potencialize a identidade e a atratividade do local; fomentando o desenvolvimento da horta existente, direcionado para a produção de produtos orgânicos; além de convocar o grande público por meio de feiras de produtos orgânicos, exposições, projeção de filmes, encontros, entre outros.

    Figura 11 - Fotomontagens com proposta

    Fonte: autoras

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    Figura 12 - Proposta de intervenção

    Fonte: autoras

    Para que o usuário se sinta à vontade para desfrutar o local e passe a utilizar a escadaria como meio de acessar a cidade alta à cidade baixa e assim valorize a escada como uma dupla experiência de urbanidade e de mobilidade, propomos o uso do terreno localizado na Rua Duque de Caxias esquina com a Rua João Manoel. Hoje há um estacionamento no lote e a ideia é usar o espaço como praça escalonada, vencendo assim o desnível existente no local e convidando o pedestre a entrar na área de intervenção.

    Já na esquina oposta (fig.13), onde se encontra o Palacete dos Chaves Barcellos, atualmente degradado, sugerimos a implantação de uma escola que adote uma abordagem sustentável contribuindo para melhorar o desempenho do uso dos meios não motorizados e a construção das continuidades urbanas; estimular novas maneiras de fazer cidade, que associem o público e o privado e conjuguem diferentes campos técnicos e de especialização. Na escola também se desenvolveriam atividades de apoio à horta comunitária através de estudos sobre produtos orgânicos desde seu cultivo à sua comercialização. Os estudos serviriam de base e fiscalização para a comercialização dos produtos na feira orgânica, a realizar-se em dia laboral no período da noite na Rua João Manoel, complementando o comércio local e trazendo vida à rua. Busca-se

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    preservar o patrimônio arquitetônico e apresentá-lo à comunidade através de seu novo uso.

    Figura 13 -Fotomontagem da proposta - R. João Manoel esquina com a R. Duque de Caxias

    Fonte: autoras

    6 Considerações Finais Conforme exposto, o projeto de requalificação urbana é uma forma de

    reativar lugares de passagem (escadarias) que anteriormente estavam com sua função primordial em desuso. No caso em estudo, a escadaria João Manoel, há potencialidades que podem agregar valor para a comunidade local, passando a tornar-se um lugar convidativo, com eventos, participação colaborativa e fomento a economia local. O valor histórico que o monumento já tombado tem para Porto Alegre, ressignifica-se no momento que a população passa a fazer uso desse bem, identificando-se e se sentindo parte da cidade.

    A questão retratada por meio da escadaria da Rua João Manoel representa um contexto maior que envolve o cenário dos grandes centros urbanos em busca de requalificação de espaços públicos de passagem através do uso de conceitos de placemaking e lugar de pluralidade.

    A proposta de requalificação urbana demonstrada no artigo procura devolver o espaço à comunidade despertando um sentimento de apropriação do local. A meta é convidar a população a vivenciar as transformações do espaço e a partir da metástase positiva relacionar a escada com outros pontos de interesse cultural do centro, criando uma rede interligada.

    Esta estratégia de ação, em que se constrói no construído, acaba por revitalizar um local abandonado dando novamente um sentido a ele. A questão do patrimônio é abordada através da escolha de uma hipótese em que se requalifica o lugar tendo um comprometimento com o centro histórico, por meio

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    de um fortalecimento da morfologia existente, reforçando assim a identidade do lugar com soluções referenciadas na preexistência, neste caso a escadaria, além de conectá-la às estruturas novas através deste novo desenho. REFERÊNCIAS

    BINS, Alberto. Relatório apresentado ao conselho municipal. Relatório Impresso. Porto Alegre: Officinas Graphicas d’a Federação, 1929. 195p.

    CASTELLO, Lineu (Org.). Lugares de urbanidade.1 ed. Curitiba:CRV, 2017. 238 p.

    FRANCO, Sérgio da Costa – Porto Alegre: guia histórico. 4 ed. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2006. 226p.

    JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades. 1 ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2000.

    KARSSENBERG, H. et. al. A cidade ao nível dos olhos: lições para os plinths. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2015. 340 p.

    Instrução de Tombamento da Escadaria e Belvedere da Rua Gal João Manoel. Processo administrativo, Porto Alegre: EPACH, s.d.

    CASA DE OSWALDO CRUZ. Disponivel em http://www.coc.fiocruz.br/index.php/todas-as-noticias/764-intervencoes-em-imoveis-geram-metastase-positiva-e-revitalizam-a-cidade-diz-ernani-freire#.Wc1jUmhSzIV. Acesso em 29 set. 2017.

    PORTO ALEGRE, Lei Complementar nº 434/99 atualizada e compilada até a lei complementar nº 667/ 11, incluindo a lei complementar nº 646/10. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre. Disponível em . Acesso em 29 set. 2017.