Escobar- Ecologia20Politica

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  • Polticas PblicasAmbientais

    Latino-Americanas

    Cllia ParreiraHctor Alimonda

    Organizadores

    Braslia, 2005

  • Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da SilvaVice-PresidenteJos Alencar Gomes da SilvaMinistra do Meio AmbienteMarina SilvaSecretrio-ExecutivoCludio Roberto Bertoldo LangoneSecretrio de Polticas para o Desenvolvimento SustentvelGilney Amorim VianaDiretor de Economia e Meio AmbienteGrson Teixeira

    Secretaria de Polticas para o Desenvolvimento Sustentvel (SDS)Departamento de Economia e Meio Ambiente (DEMA)Esplanada dos Ministrios Bloco B 9 andar CEP: 70068-900 Braslia-DFTel.: (61) 4009-1091 Fax: (61) 4009-1939

    Copyright Ministrio do Meio Ambiente 2006ISBN: 85-89906-07-8

    Tiragem:1.000 exemplares

    Elaborao, Edio e Distribuio:Faculdade Latino-Americana de Cincias Sociais-FLACSOSede Acadmica-BrasilSCN Quadra 6 Bloco A Sala 602 CEP: 70716-900 Braslia-DFTelefax: (61) 3328-6341 3328-1369E.mail: [email protected]

    Ficha Catalogrfica

    Polticas Pblicas Ambientais Latino-Americanas / Cllia Parreira,Hctor Alimonda, organizadores. Braslia : Flacso-Brasil, Edi-torial Abar, 2005

    200 p.; 23 cm.

    1. Polticas Pblicas. 2. Meio Ambiente. I. Parreira, Cllia. II.Alimonda, Hctor. III. Ttulo

    CDU 300500

  • Faculdade Latino-Americana de Cincias Sociais (Flacso)Ministrio do Meio Ambiente (MMA)

    Secretaria de Polticas para o Desenvolvimento SustentvelDepartamento de Economia e Meio Ambiente

    Polticas PblicasAmbientais

    Latino-Americanas

  • PRODUO EDITORIAL

    Projeto e Edio FinalTereza Vitale

    Editorao EletrnicaDaniel Dino

    SCS Quadra 6 Bloco AEdifcio Presidente Sala 307

    70327-900 Braslia-DFFone: (61) 3321-3363 Fax: (61) 3223-5702

    e-mail: [email protected]

  • SumrioApresentao 7

    Depois da Natureza Passos para uma EcologiaPoltica Antiessencialista Arturo Escobar 17Antiessencialismo: da histria ecologia poltica 20Ecologia poltica antiessencialista: regimes de natureza 25A natureza capitalista: produo e modernidade 30Natureza orgnica: cultura e conhecimento locais 34Tecnonatureza: artificialidade e virtualidade 43A poltica de naturezas hbridas 48Concluso: A poltica da ecologia poltica 54Bibliografia 55

    Paisajes del Volcn de Agua (aproximacin a laEcologa Poltica latinoamericana) Hctor Alimonda 65Paisajes del Volcn de Agua 66Conocimientos y Poder 68Qu es la Ecologa Poltica? Momento de las definiciones 72Bibliografia 78

    Un desarrollo sostenible por lo humano que sea Guillermo Castro H. 81Hoy, ya es necesario 86

    La Problemtica Ambiental y la Construccin de un Observatoriode Polticas Ambientales para la Regin Csar Verduga VlezPresentacin 89Introduccin 89Enfoques sobre estmulos econmicos en la gestinambiental: el caso del agua 92Enfoques que ponen el nfasis en la educacin paragestin ambiental 98Metodologa 101Resultados 103Anlisis y discusin 104Conclusiones 106

  • Observatorio Latinoamericano de PolticasAmbientales: Un proyecto para la Flacso-Brasil 106

    gua no se Nega a Ningum (a necessidade deouvir outras vozes) Carlos Walter Porto-GonalvesIntroduo 115A nova inveno da escassez 116Algumas razes da desordem ecolgica vista a partirdas guas 121guas para quem? gua no se nega a ningum do interesseprivado e do pblico 129A liberalizao e a privatizao: entre a teoria e a prtica 135A guerra da gua 141

    Padres de desenvolvimento e converso ecolgicada agricultura brasileira Silvio Gomes de AlmeidaIntroduo 145A insustentabilidade do modelo de desenvolvimentoagrcola brasileiro 146Conseqncias socioambientais da modernizao agrcola 149Alternativas para a sustentabilidade 155Atributos sistmicos de sustentabilidade 156Condies para o desenvolvimento sustentvel 157Bibliografia 168

    Produo, consumo e sustentabilidade: O Brasile o contexto planetrio Jos Augusto PduaO novo realismo ecolgico 169Recursos naturais e iniquidade global 173Produo, consumo e iniquidade no Brasil 186Breve concluso 198Bibliografia 199

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    C

    Apresentao

    I

    onsidero um privilgio apresentar este livro, um dos produtosda bem-sucedida parceria entre o Ministrio do MeioAmbiente da Repblica Federativa do Brasil-MMA/

    Secretaria de Polticas para o Desenvolvimento Sustentvel-SPDS/Departamento de Economia e Meio Ambiente-DEMA e a FaculdadeLatino-Americana de Cincias Sociais-FLACSO/Sede AcadmicaBrasil, que contribuem comemorao dos 25 anos de atividadesda FLACSO no Brasil (1981/2006), e ao avano no debate dequestes importantes relacionadas ao desenvolvimento sustentvel,no Brasil e na Regio Latino-Americana e do Caribe.

    H mais de um ano, acolhemos com entusiasmo a propostade cooperao do MMA/SPDS/DEMA com os objetivos bsicos deanalisar o Protocolo Verde como instrumento econmico da PolticaPblica Ambiental no Brasil e estabelecer canais de intercmbio ecooperao cientfica na rea ambiental com outros pases daAmrica Latina e do Caribe.

    Celebro os resultados desta parceria, que superaramamplamente as nossas expectativas.

    Parceria baseada na convergncia em relao a todos osaspectos centrais da questo:

    ntima relao entre as polticas ambientais e as questescruciais para a comunidade internacional: o desenvolvimen-

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    to; a erradicao da pobreza e da fome; a conservao e usosustentvel dos recursos naturais; o comrcio justo; a justarepartio de benefcios; nfase nas trs dimenses bsicas do desenvolvimento sus-tentvel: o desenvolvimento econmico, o progresso social ea proteo ambiental, nfase no papel do estado, da sociedade civil e da comuni-dade cientfica; articulao entre economia e meio ambiente voltada paraa promoo das sinergias entre a viabilidade econmica, res-ponsabilidade social e proteo ambiental; adoo e apoio a uma postura firme e engajada nos forosmultilaterais, com vistas a promover regras justas e equili-bradas e a criar espaos regulatrios mais democrticos, emum esprito de responsabilidade e cooperao coletiva; respeito aos princpios consagrados na Rio 92: a sobera-nia dos Estados sobre seus recursos naturais e as responsa-bilidades comuns, porm diferenciadas; estimulo relao entre instituies financeiras e ambienteno conjunto da regio latino-americana; convico de que a problemtica ambiental requer respos-tas polticas, e no apenas tcnicas, e de que essas dimen-ses polticas a vinculam com os grandes temas do desenvol-vimento e da incluso social; conscincia da riqueza de nosso patrimnio ambiental eda importncia estratgica dos recursos da biodiversidadepara o desenvolvimento sustentvel do pas e da Regio; proteo dos conhecimentos tradicionais dos povos ind-genas e populaes locais.

    Alm dos resultados de pesquisa o projeto permitiu aqualificao de gestores e tcnicos que atuam na formulao,implementao e avaliao de polticas pblicas, especialmente asambientais, de estudantes vinculados a cursos de ps-graduao,de membros das equipes de organismos internacionais e deorganizaes no-governamentais, de especialistas em polticaspblicas comparadas e de participantes do Sistema Integrado dePs-Graduao da FLACSO/Brasil.

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    Finalmente, o projeto permitiu a identificao e articulao deuma rede de especialistas, acadmicos e governamentais, e a criaode um portal Observatrio de Polticas Pblicas Ambientais naAmrica Latina e no Caribe (www.opalc.org.br) que possibilita suaconsolidao e trabalho conjunto no estudo comparado de polticaspblicas ambientais, na formao de especialistas no tema, e noincremento da cooperao cientfica e tcnica entre os pases da Regio.

    A FLACSO-Brasil se regozija de haver colaborado com oMinistrio do Meio Ambiente, e agradece a confiana em nsdepositada, assim como a contribuio de todos os(as) demaisparceir(as) que tornaram possveis estes produtos.

    Ayrton FaustoDiretor da FLACSO, Sede Acadmica Brasil

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    II

    o tomar a deciso de estabelecer a parceria com aFaculdade Latino-Americana de Cincias Sociais Flacso,Sede Acadmica Brasil, para desenvolver esta pesquisa

    sobre a aplicao de instrumentos econmicos para a gestoambiental, o Departamento de Economia e Meio Ambiente daSecretaria de Polticas para o Desenvolvimento Sustentvel doMinistrio do Meio Ambiente (DEMA/SDS/MMA), projetou trsganhos simultneos para a poltica ambiental do governo federal.

    O primeiro, relacionado busca de subsdios cientficos paraa implementao da estratgia do MMA, com vistas a dotar a polticaambiental de alternativas regulatrias que transcendam os limitesdos instrumentos clssicos de comando e controle.

    Com efeito, ainda que absolutamente indispensveis, estesinstrumentos tm se mostrado insuficientes para a complexa tarefade gerenciamento dos temas ambientais do pas.

    A experincia histrica tem demonstrado a essencialidadede se municiar a administrao pblica de instrumental que permi-ta a induo dos setores produtivos a comportamentos ambientaisamigveis.

    Parece no haver dvidas que polticas de estmulos econmicospara a preveno de passivos ambientais, alm de menores custosfinanceiros para a sociedade brasileira, relativamente s vultosasexigncias das estruturas de comando e controle, tendem a gerarmaior eficcia nos resultados da gesto ambiental.

    Por conseguinte, junto com as aes mais racionalizadas decomando e controle, potencializam os objetivos do desenvolvimen-to sustentvel.

    A

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    Em segundo lugar, avaliou-se que a experincia acumuladapela Flacso nos vrios temas da sua agenda de pesquisas na AmricaLatina seria a garantia de qualidade nos produtos esperados.

    Em outros termos, a excelncia dos trabalhos da Flacso dariao selo de qualidade para o substrato de mrito para as polticasproativas pensadas pelo MMA para a gesto ambiental no Brasil.

    Em terceiro lugar, o intercmbio de experincias com ospases da Amrica Latina, especialmente os da Amrica do Sul,constitui, ao mesmo tempo, um enriquecimento para nossa PolticaPblica Ambiental, e uma contribuio setorial s prioridades dapoltica externa do governo federal.

    Cumpre, agora, o rduo trabalho poltico para que essacombinao de objetivos polticos se traduza, de fato, em polticaspblicas no Brasil, e na Regio, que conciliem objetivos virtuososna temtica socioambiental.

    Gerson TeixeiraTitular do Departamento de Economia e

    Meio Ambiente da SDS/MMA

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    III

    crise ambiental, em diferentes escalas, da planetria local,se anuncia como o trgico desafio para a Humanidade dosculo XXI. Muito mais na Amrica Latina, onde

    convivemos desde o comeo da nossa histria com o imperialismoecolgico e a injustia ambiental, e onde nem temos conseguidoconviver com nveis dignos de vida para a grande maioria daspopulaes dos nossos pases. Nossa histria feita de projetosque nos englobam, de caminhos truncados, de dilogos de surdos.

    Nestes primeiros anos do sculo, pareceria se afirmar naAmrica Latina, inclusive pelo voto popular, uma saudveldesconfiana em relao s propriedades mgicas do mercado pararesolver as grandes injustias legadas pelas nossas histrias e osimensos desafios que promete este sculo. A hegemonia dosmercados com que culminou o sculo XX nos deixou mais pobres,mais enfraquecidos e mais dependentes da ordem global, comopases, e mais excludentes, mais dilacerados e mais violentos, comosociedades, esvaziando inclusive as promessas das democraciasque muito trabalhosamente se generalizaram na regio.

    Ao que parece, estamos em um momento de recuperao dapoltica, de uma poltica orientada por uma tica de convivnciasolidria, com justia e eqidade. Isto implica, entre outras coisas,uma reconstruo do espao pblico, comeando pelo prprio poderpblico, em todos seus nveis. Ao mesmo tempo, um novoprotagonismo social redescobre tambm referenciais comuns entreas nossas sociedades latino-americanas, que abrem um amplo lequede perspectivas de cooperao.

    nesse contexto que este livro pretende vir a contribuir com asnovas dimenses de dilogos plurais e necessrios que esto sendoestabelecidos entre formuladores e gestores de polticas pblicas e as

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    diversas expresses assumidas pela organizao de interesses dasociedade civil. A problemtica ambiental requer respostas polticas,no apenas tcnicas, e essas dimenses polticas a vinculam com osgrandes temas do desenvolvimento e da incluso social.

    Alguns dos trabalhos reunidos neste volume foram apresentadosno Seminrio Nacional sobre Instrumentos Econmicos eSustentabilidade e no Seminrio Internacional sobre Polticas PblicasAmbientais Latino-americanas, realizados em Braslia, de 24 a 27 deoutubro e de 14 a 16 de dezembro de 2005, respectivamente. Amboseventos, produtos de um convnio de cooperao celebrado entre aFaculdade Latino-Americana de Cincias Sociais- FLACSO/SedeBrasil, e a Secretaria de Polticas para o Desenvolvimento Sustentveldo Ministrio do Meio Ambiente da Repblica Federativa do Brasil,por meio do seu Departamento de Economia e Meio Ambiente,tiveram como objetivos a qualificao de gestores e tcnicos queatuam na formulao, implementao e avaliao de polticaspblicas, especialmente as ambientais, estudantes vinculados a cursosde ps-graduao, membros das equipes de organismosinternacionais e organizaes no-governamentais, especialistas empolticas pblicas comparadas e participantes do Sistema Integradode Ps-graduao da FLACSO Sede Brasil.

    Embora surgido no contexto desses seminrios, e tendo essepblico como referncia, este livro intenta projetar esse dilogo auma escala maior, incorporando alguns outros trabalhos que, nonosso entendimento, so aportes especialmente interessantes paraeste debate sobre desenvolvimento e sustentabilidade.

    Os dois primeiros artigos tratam do campo problemtico daEcologia Poltica que chega Amrica Latina desde diferentes fontes,como as revistas assim nomeadas publicadas em Barcelona e emParis por Joan Martinez Alier e por Jean Pierre Delage, ou desdeuma tradio da antropologia norte-americana que tem umantecedente de prestgio em Eric Wolf, e que continua tambm nageografia. A Ecologia Poltica est se constituindo como um novocampo de reflexo multidisciplinar em nossa regio, que deve darconta da complexidade implicada na governabilidade ambiental dasnossas sociedades, mas que no vem para constituir um novo recortedisciplinar nos territrios acadmicos, muito pelo contrrio, e simpara favorecer um dilogo trans-fronteirio entre as diferentes

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    disciplinas, tradies tericas, prticas de gesto ambiental eexperincias alternativas ou de resistncia.

    O primeiro deles, de autoria de Arturo Escobar, apresentaum referencial para a investigao das mltiplas formas que o naturalassume no mundo de hoje, e um esboo de uma ecologia polticaantropolgica que reconhea, em suas prprias palavras, aconstrutividade da natureza, cuja constituio traz imbricados obiolgico e o cultural em bases construtivistas. O segundo artigo,assinado por Hctor Alimonda, segue na discusso da ecologiapoltica, com destaque para uma reviso da produo latino-americana recente sobre as definies bsicas de Ecologia Polticaque, em sua opinio, so distintas porm complementares.

    O terceiro texto, de Guillermo Castro, discute as contradies eos dilemas entre necessidades humanas e capacidades do mundonatural, com base nos diferentes elementos de reflexo postos pelahistria ambiental. Nesse sentido, provoca o leitor com perguntas sobrecomo a economia poderia operar de forma a promover a reproduoda vida em lugar da acumulao ilimitada de ganhos ou, ainda, queme como seriam os protagonistas dessa construo de novas prioridades,dentre outras. O artigo de Csar Verduga, que vem em seguida, propositivo. Partindo de um breve relato sobre a discusso atual sobregesto ambiental, prope a criao de um Observatrio de PolticasPblicas Ambientais para a Regio, capaz de possibilitar omonitoramento da gesto ambiental na Amrica Latina e Caribe, emsua primeira fase, e de contribuir para a construo de indicadoresagregados como ndice de qualidade da gesto ambiental e dedesenvolvimento sustentvel.

    O texto de Carlos Walter Porto-Gonalves parte da anlise dacrescente disputa global pela apropriao e controle da gua parachamar a ateno sobre a necessidade de se considerar a suageograficidade, nas suas distintas escalas, e sua insero no chamadocomplexo processo de articulao ecolgico e poltico. Silvio Gomesde Almeida, em um texto sobre padres de desenvolvimento e conversoecolgica da agricultura brasileira, destaca a importncia da formaode uma conscincia social crtica e ativa frente natureza e aos efeitosdo modelo scio-econmico e tcnico dominante nesse campo comosendo uma questo central para a promoo de uma agricultura

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    sustentvel, por ele defendida. Nesse processo, enfatiza o papel doestado, da sociedade civil e da comunidade cientfica.

    O ltimo artigo, assinado por Jos Augusto de Pdua, traz umaanlise sobre a produo, o consumo e a sustentabilidade,enfatizando a necessria superao da ideologia convencional dodesenvolvimento em favor de um debate vigoroso tico-poltico sobreo desenvolvimento como direito. Para tanto, destaca dados deiniqidade no consumo ecolgico global como indicadores deprocessos profundos de desigualdade e, ao tratar do caso brasileiro,prope a necessidade de adoo de uma forte dinmica poltica queseja capaz de transformar a estrutura social desigual, desequilibradae predatria, verificada em diferentes pontos do territrio nacional, ede combater, entre outras coisas, a insustentabilidade social, odesperdcio e o descaso com o espao pblico, comum.

    Embora o livro rena temticas e abordagens distintas eleno pretende, e nem poderia, esgotar a questo. No entanto, pretendeoferecer aos leitores elementos exploratrios em um territrio ques vir a ser melhor compreendido e equacionado a partir de umaampla e desafiante tarefa coletiva, para a qual esperamos que estevolume seja um estmulo participao.

    Hctor AlimondaProfessor Pesquisador, FLACSO Sede Brasil

    Cllia ParreiraCoordenadora Docente, FLACSO Sede Brasil

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    Depois da NaturezaPassos para uma EcologiaPoltica Antiessencialista1

    Arturo Escobar

    ste artigo apresenta o esboo de uma ecologia polticaantropolgica que reconhea plenamente a construtividade danatureza ao tempo que sugere passos para compor

    conjuntamente o biolgico e o cultural em bases construtivistas. Dasflorestas tropicais aos avanados laboratrios de biotecnologia, osrecursos para inventar naturezas e culturas esto desigualmentedistribudos. Este artigo prope um referencial antiessencialista parainvestigar as mltiplas formas que o natural toma no mundo de hoje,apoiando-se nas correntes atuais da antropologia ecolgica, da ecologiapoltica e em estudos sociais e culturais da cincia e da tecnologia. Oreferencial resultante identifica e conceptualiza trs regimes de naturezadistintos, mas interrelacionados orgnico, capitalista e tecno eesquematiza suas caractersticas, articulaes e contradies. Asimplicaes polticas da anlise so discutidas em termos de estratgiasde naturezas hbridas com as quais a maior parte dos grupos sociaisparecem ser confrontados, na medida em que encontram e tentamdeter manifestaes particulares da crise ambiental.

    1 A estrutura bsica deste artigo foi apresentada primeiramente em um painel sobre antropologia dacincia, em 1994, durante o encontro anual da Associao Antropolgica Americana. Sou grato Rayna Rapp por seus comentrios naquela ocasio. A primeira verso integral foi preparada parao seminrio especial de Neil Smith, Ecologias: Repensando Natureza (e) Cultura, na Universidadede Rutgers, 22 de outubro de 1996. Agradeo a ele e aos outros participantes pelos comentriosgenerosos e criativos. Gostaria de agradecer tambm a Dianne Rocheleau, Soren Hvalkof, AlettaBiersack e os estudantes do meu seminrio de ps-graduao sobre antropologia da natureza(outono, 1996) por seus comentrios crticos s idias deste artigo.

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    No final do sculo XX a questo da natureza permanece noresolvida em qualquer ordem social ou epistemolgica moderna.Com isso eu me refiro no somente inabilidade dos povosmodernos em encontrar meios para lidar com a natureza semdestru-la, mas tambm ao fato de que as respostas dadas por formasmodernas de conhecimento para a questo da natureza dascincias naturais s cincias humanas provaram-se insuficientespara a tarefa, apesar do avano reconhecvel que parece ter sidodado nas ltimas dcadas. Que na raiz da maioria dos problemasambientais repousem formas particulares de organizao social dominadoras, capitalistas, patriarcais, ou quais sejam no explicao para o impasse no qual as cincias ambientaisencontram-se hoje. O fato que ns (quem e por qu?) parecemoscompelidos a levantar a questo da natureza em um novo modo.Seria isso por que os constructo bsicos com os quais amodernidade nos equipou para esta tarefa incluindo natureza ecultura, mas tambm sociedade, cultura, poltica e economia nonos permitem mais interrogar a ns e a natureza em modos quepoderiam gerar novas respostas? Ou talvez por que, como sugeriuMarilyn Strathern (1992a), ns teramos entrado em uma pocaque definida no sentido de estar depois da natureza?

    A crise da natureza tambm uma crise da identidade danatureza. O significado da natureza modificou-se atravs da histriade acordo com fatores culturais, socioeconmicos e polticos. ComoRaymond Williams sucintamente coloca, a idia de natureza contm,apesar de seguidamente despercebida, uma quantidade extraordinriade histria humana(1980:68). Rejeitando enunciados essenciais sobrea natureza da natureza, Williams prossegue para afirmar que em taisenunciados a idia de natureza a idia de homem... a idia dohomem na sociedade, e, talvez, as idias de tipos de sociedades(p.71).Que a natureza tenha vindo a ser pensada como separada das pessoase crescentemente produzida por meio do trabalho, por exemplo, relacionada viso de homem produzida pelo capitalismo e pelamodernidade. Seguindo a tradio de Williams, Barbara Bender escreveque a experincia de natureza e paisagens das pessoas baseada,em grande medida, na particularidade das relaes sociais, polticas eeconmicas nas quais elas vivem suas vidas(1993a:246). Umaetnografia da paisagem emerge destes trabalhos que leriam histria notexto aparentemente natural da natureza.

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    Existem outras fontes que em novas formas questionam nossoantigo entendimento da natureza. Como vrios autores observaram(HARAWAY, 1991; STRATHERN, 1992b; RABINOW, 1992;SOPER, 1996), ns talvez estejamos testemunhando no despertarde uma interveno sem precedentes na natureza ao nvel molecular o declnio final da ideologia moderna do naturalismo, ou seja, dacrena na existncia de uma natureza pristina fora da histria e docontexto humano. Sejamos claros sobre o que esta ideologia acarreta.Estamos falando aqui sobre natureza como um princpio essenciale uma categoria fundacional, um fundamento para o ser e asociedade, a natureza como um domnio independente de valorintrnseco, verdade ou autenticidade (SOPPER, 1996:22). Afirmaro desaparecimento desta noo bem diferente de negar a existnciade uma realidade biofsica pr-discursiva e pr-social, se preferirem com estruturas e processos prprios, os quais as cincias da vidatentam compreender. Isto significa, de um lado, que para nshumanos (e isso inclui cientistas da vida e ecologistas) a natureza sempre construda por nossos processos discursivos e de atribuiode significados, de forma que aquilo que percebemos como natural tambm cultural e social; dito de outro modo, a natureza simultaneamente real, coletiva e discursiva fato, poder e discurso e precisa ser naturalizada, sociologizada e desconstruda de acordocom isso (LATOUR, 1993). Por outro lado, isto quer dizer que nossasprprias crenas na natureza como intocada e independente estocedendo rumo com as tecnocincias moleculares de recombinaodo DNA, mapeamento gentico e a nanotecnologia a uma novaviso de natureza enquanto artificialmente produzida. Isto acarretauma transformao ontolgica e epistemolgica sem precedentesque mal comeamos a compreender. Que novas combinaes denatureza e cultura se tornaro permissveis e praticveis?

    Em todo o mundo, a transformao do biolgico est(cedendo) a uma grande variedade de formas do natural. Dasflorestas tropicais aos laboratrios avanados de biotecnologia, osrecursos culturais e biolgicos para inventar coletivamente naturezase identidades esto muito desigualmente distribudos. Assim comoas identidades, naturezas podem ser pensadas como hbridas emultiformes, mudando de carter de um lugar para outro e de umconjunto de prticas para outro. De fato, indivduos e coletividadesso forados hoje a assumir vrias naturezas em tenso. Algum

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    poderia situar estas naturezas de acordo com vrias coordenadasou desenhar cartografias de conceitos e prticas para orientar-seno complexo campo do natural. Este artigo ir sugerir uma talcartografia particular em termos dos eixos do orgnico e do artificial.

    A primeira parte apresenta os princpios bsicos doantiessencialismo filosfico e poltico. A segunda parte prope umesquema de regimes de natureza em bases antiessencialistas,identificando as naturezas orgnica, capitalista e tecno. A terceiraparte argumenta, da perspectiva dos movimentos sociais dasflorestas tropicais, sobre a inevitabilidade das naturezas hbridasno mundo contemporneo. Esta parte tambm recoloca a questosobre a possvel relao entre as cincias sociais e biolgicas nostermos de uma concepo antiessencialista. Na concluso, trato dealgumas das implicaes polticas desta anlise.

    Antiessencialismo: da histria ecologia poltica

    A ecologia poltica o campo mais recente a reclamar o mritoem iluminar a questo da natureza. Seus principais predecessoresforam as vrias orientaes em ecologia cultural e humana em vogaentre as dcadas de 50 e 70 (ver HVALKOF e ESCOBAR, 1998para uma reviso e KOTTAK, 1997; MORAN, 1990). O campo pareceestar experimentando um renascimento hoje. Enquanto gegrafos eeconomistas ecolgicos tomaram a dianteira nesta tarefa (BLAIKIEe BROOKFIELD, 1987; BRYANT, 1992; PEET e WATTS, 1996;MARTINEZ, ALIER, 1995; ROCHELAU, THOMAS-SLAYTER eWANGARI, 1996), outras reas como a economia polticaantropolgica (JOHNSTON, 1994,1997; GREENBERG e PARK,1994; BROWN, s.d.), a ecologia social (HELLER s.d.), a teoriafeminista, a histria ambiental, a sociologia e a arqueologia histricaesto juntando-se a este esforo coletivo. O passo inicial, tal comoalguns revisores recentes vem, foi a fuso, na dcada de 1970, daecologia humana e cultural com consideraes da economia poltica(BRYANT, 1992; PEET e WATTS, 1996). Nas dcadas de 80 e 90,esta ecologia poltica orientada pela economia poltica absorveuoutros elementos, em particular as anlises ps-estruturalistas doconhecimento, das instituies, do desenvolvimento e dos movimentos

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    sociais (PEET e WATTS, 1996) e os insights feministas sobre o recortede gnero do conhecimento, do meio-ambiente e das organizaes(ROCHELAU, THOMAS-SLAYTER e WANGARI, 1996). A partirdestes dois volumes recentes projetados, respectivamente, para guiara pesquisa sob a rubrica da ecologia da liberao e da ecologia polticafeminista est emergindo um relato mais matizado acerca das relaesnatureza-sociedade e da ecologia poltica. Este relato enfatiza o carterimbricado das dimenses discursiva, material, social e cultural darelao humano-ambiental. Enquanto estudos empricos baseadosnestas referncias tm aparecido j h alguns anos, em um certosentido o trabalho terico recm comeou(PEET e WATTS, 1996:39).

    Este artigo toma tais avanos como um ponto de partida parareexaminar a relao humano-ambiental no contexto tanto datransformao ontolgica da natureza como de sua irregularidade.Partindo da ruptura sobre a ideologia acerca de uma naturezaessencial e ecoando tendncias do feminismo ps-estruturalista, dasteorias crticas polticas e raciais2, pergunta-se: possvel articularuma teoria antiessencialista da natureza? Existe uma viso danatureza que v alm do trusmo de que a natureza construda afim de teorizar as mltiplas formas nas quais ela culturalmenteconstruda e socialmente produzida, e que reconhea inteiramentea base biofsica de sua constituio? Alm disso, no seria a posturaantiessencialista a condio necessria para entender e radicalizaras lutas sociais contemporneas sobre o biolgico e o cultural? Nolado poltico, que implicaes tal postura teria para as lutas sociais,identidades coletivas e a produo do conhecimento perito? Porfim, possvel construir uma teoria da natureza que nos forneauma indicao sobre a totalidade das formas que toma hoje anatureza, sem ser totalizadora?

    Ps-modernistas e ps-estruturalistas chegaram muitoapressadamente a pensar que, uma vez que no h natureza algumafora da histria, no h nada natural sobre a natureza. Como KateSoper (1996) construtivamente aponta, isso colocou tericos da

    2 Para a teoria poltica ps-estruturalista me apio particularmente em Laclau e Mouffe (1985;MOUFEE, 1993; LACLAU, 1996). Uma leitura abrangente de teoria racial crtica Delgado (1995).Os debates ps-estruturalistas e antiessencialistas na teoria feminista cobrem um vasto campo,impossvel de ser resumido neste artigo; irei referir o leitor queles que focalizam questes sobrea natureza e o meio ambiente, em particular Haraway (1989, 1991, 1996).

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    3 A contradio, talvez inevitvel, entre cultural e biolgico est, no meu modo de ver, entre osproblemas mais fundamentais a serem trabalhados por uma antropologia-conscientementeecolgica(RAPPAPORT, 1990:56)

    cultura em oposio aos ambientalistas, que em sua maioriacontinuam a compartilhar a crena em uma natureza externa, pr-discursiva (SOULE e LEASE, 1995). necessrio buscar umaposio mais balanceada que reconhea tanto a construtividade danatureza em contextos humanos o fato de que muito daquilo queos ecologistas referem como natural de fato tambm um produtoda cultura como a natureza no sentido realista, ou seja, a existnciade uma ordem independente da natureza, incluindo um corpobiolgico, as representaes as quais os construtivistas podemlegitimamente questionar em termos de sua histria ou implicaespolticas. ento que podemos navegar entre as perspectivasendossando a natureza e cticos sobre a natureza para incorporaruma maior conscincia sobre o que seus respectivos discursos sobrenatureza podem estar ignorando ou reprimindo politicamente(SOPPER, 1996:23; ver tambm BERGLUND, 1998). Para osconstrutivistas, o desafio repousa em aprender a incorporar em suasanlises a base biofsica da realidade; para os realistas, em examinarseus referenciais a partir da perspectiva da constituio histrica dosmesmos aceitando isso, como acadmicos dos estudos da cinciase da tecnologia tm demonstrado, as cincias naturais no so a-histricas e no-ideolgicas. Esta dupla e urgente necessidade deveser tematizada em qualquer referencial da ecologia poltica. Comocoloca Roy Rappaport, a relao de aes formuladas em termosde significado para os sistemas constitudos pela lei natural dentroda qual eles ocorrem , na minha viso, a problemtica essencial daantropologia ecolgica (1990:69). Esta afirmao sugere anecessidade de um dilogo entre aqueles que estudam significados eaqueles que estudam lei natural.

    No entanto, deste ponto para uma teoria da naturezaantiessencialista que reconhea igualmente o cultural e o biolgico hum grande terreno a percorrer.3 Poltica e cincia no tendem em si auma articulao fcil. Uma teoria poltica da natureza est ainda paraser construda. As fontes do antiessencialismo so mltiplas. Dois deseus mais eloqentes propositores, Ernesto Laclau e Cahntal Mouffe,comeam reconhecendo que o poltico deve ser concebido como uma

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    dimenso que inerente a toda a sociedade humana e determina nossaprpria condio ontolgica(MOUFFE, 1993:3). (Eu concluiria,incluindo nossa condio como seres biolgicos.) A vida social,argumentam (LACLAU e MOUFFE, 1985; MOUFFE ,1993; LACLAU,1996), inerentemente poltica na medida em que o lugar dosantagonismos que surgem do prprio exerccio da identidade. Todaidentidade relacional, o que significa que a existncia de qualqueridentidade envolve a afirmao da diferena e, portanto, umantagonismo potencial. Antagonismos so constitutivos da vida social.Alm disso, dado que o significado no pode ser fixadopermanentemente um postulado bsico da hermenutica e do ps-estruturalismo as identidades so o resultado de articulaes queso sempre histricas e contingentes. Nenhuma identidade ou sociedadepode ser descrita desde uma perspectiva singular e universal.

    De modo similar, com a teoria ps-estruturalista do sujeito, nsestamos mais inclinados a abandonar a idia liberal do sujeito comoum indivduo autolimitado, autnomo e racional. O sujeito produzidopor/em discursos e prticas histricas em uma multiplicidade de domnios.Concepes antiessencialistas de identidade destacam o fato de queidentidades (raciais, sexuais, tnicas ou qual seja) so contnua ediferentemente constitudas em parte em contextos de poder ao invsde desenvolverem-se a partir de um ncleo imutvel e preexistente. Oque importa, ento, investigar a constituio histrica da subjetividadecomo uma complexidade de posies e determinaes sem qualqueressncia verdadeira e imutvel, e sempre aberta e incompleta. Algunsvem esta crtica do essencialismo originar-se no ps-estruturalismo, nafilosofia da linguagem e na hermenutica como sine qua non para umateoria social radical e para entender a ampliao do campo das lutassociais (LACLAU, 1996; ALVAREZ, DAGNINO e ESCOBAR, 1998).

    A categoria natureza suscetvel a este tipo de anlise? Secategorias semelhantemente slidas como sociedade e sujeito foramsubmetidas crtica antiessencialista, por que a natureza temprovado-se to resistente? Inclusive, at uma categoria toentrincheirada como economia capitalista foi o alvo recente deum descentramento antiessencialista (GIBSON-GRAHAN, 1996).A reconsiderao ps-estruturalista do social, da economia e do sujeito e outros alvos do pensamento antiessencialista, particularmente ognero binrio e identidades raciais essenciais sugerem maneiras

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    de repensar a natureza como possuindo uma identidade noessencial. Como no caso das outras categorias mencionadas, a anliseteria assim um duplo propsito: examinar as relaes constitutivasque so levadas em conta para a natureza biolgica, social ecultural e abrir o caminho para revelar etnograficamente ou imaginardiscursos de diferenas ecolgicas/culturais que no reduzam amultiplicidade dos mundos social e biolgico a um simplessupraprincpio de determinao (as leis do ecossistema, o modode produo, o sistema de conhecimento, gentica, evoluo etc.).Se pode-se dizer que os discursos da natureza tm sido biocntricos(particularmente nas cincias naturais)ou antropocntricos (nascincias sociais e humanas), o momento de questionar o que tomado como essencial natureza ou ao Homem nestesdiscursos. Ao final, talvez possamos reconhecer uma pluralidade denaturezas capitalista e no-capitalista, moderna e no-moderna,vamos dizer por hora-nas quais ambos o social e o biolgico tenhampapis centrais, embora no essenciais, a cumprir.

    Vamos agora tentar uma definio de ecologia poltica que irfacilitar este exerccio antiessencialista. Proponho esta definio comoum mnimo terico para a tarefa em mos: ecologia poltica pode serdefinida como o estudo das mltiplas articulaes de histria e biologiae as mediaes culturais por meio das quais tais articulaes sonecessariamente estabelecidas. Esta definio no se apia nascategorias comuns de natureza, meio-ambiente ou cultura (como emecologia cultural, antropologia ecolgica e muito do pensamentoambiental), ou na natureza e sociedade sociologicamente orientada(como nas teorias marxistas de produo da natureza). A escolha dehistria e biologia tem um precedente na tentativa de Michelle Rosaldo(1980) em analisar a relao entre sexo e gnero nos termos em quechamou a acomodao mtua da biologia e da histria. Esta escolhatambm ressoa algumas propostas recentes em olhar a interao entrehistria e biologia a partir de perspectivas fenomenolgicas. Pode serobjetado que na definio proposta eu esteja introduzindo a histria ea biologia como centros de anlise novos e talvez essenciais e binrios.Isto pode ser assim, embora o binarismo seja problematizado logoadiante. A definio, contudo, desloca natureza e sociedade da posiode privilgio mantida por longo tempo nas anlises ocidentais.Natureza uma categoria especificamente moderna e mostrou-seque muitas sociedades no-modernas no possuem esta categoria tal

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    como ns a entendemos (WILLIAMS, 1980; STRATHERN, 1980); jsugeri aqui que nossa noo moderna de natureza tambm estdesaparecendo sob o peso das novas tecnologias. Crticos ps-estruturalistas tm mostrado de modo semelhante que a sociedadeno possui as estruturas e leis com as quais foi dotada pelas cinciassociais, e que esta categoria nem mesmo existe em muitos contextosno-modernos. Nos domnios ps-modernos e no-modernosencontramos natureza e sociedade ausentes conceitualmente e atentativa de construir uma anlise que no se apie nestas categoriastem implicaes polticas e epistemolgicas.

    Definida como a articulao entre biologia e histria, a ecologiapoltica examina as mltiplas prticas por meio das quais o biofsicotem sido incorporado histria mais precisamente, nas quais obiofsico e o histrico so implicados entre si. Os exemplos variamdaqueles que podem ser colhidos do passado pr-histrico at os maiscontemporneos e futursticos de articulaes antigas, passando pelaagricultura e engenharia florestal at as tecnologias moleculares e avida artificial, se ns entendermos essa ltima como uma representaoparticular da relao biologia/histria. Cada articulao tem sua histriae especificidade e relacionada a modos de percepo e experincia,determinados por relaes sociais, polticas, econmicas e deconhecimento, e caracterizada por modos de uso do espao, condiesecolgicas e outros. A tarefa da ecologia poltica ser delimitar ecaracterizar estes processos de articulao, e seu objetivo ser sugerirarticulaes potenciais realizveis hoje e que produzam relaesecolgicas e sociais mais justas e sustentveis. Outro modo de colocareste objetivo dizer que a ecologia poltica se ocupa com encontrarnovos caminhos de tecer conjuntamente o biofsico, o cultural e o tecno-econmico para a produo de outros tipos de natureza social.

    Ecologia poltica antiessencialista:regimes de natureza

    Para facilitar o trabalho de visualizar a extenso das articulaesdo biolgico e do histrico, vamos conduzir um curto exerccio deimaginao. Vamos nos situar em uma rea de floresta tropical talcomo a costa pacfica da Colmbia, onde eu tenho trabalhado nosanos recentes4 . Aqui ns vemos trs atores atuando. O primeiro

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    constitudo por comunidades negras e indgenas locais que por vriossculos tm sido ativas na criao de tipos particulares de mundosde vida e paisagens. Estes mundos de vida e paisagens no sofamiliares a ns. Vamos dizer que comecemos nossa jornada nanascente de um dos inmeros rios que correm das encostas andinaspara o litoral e que, na medida que descemos, ns descobrimos queas comunidades indgenas do lugar a assentamentos negros e,quando o rio se abre em um esturio, comeamos a ver pequenascidades e at alguns homens brancos. Logo em seguida encontramosuma paisagem muito distinta que imediatamente reconhecemos.Talvez seja uma plantao de palmeira africana ou uma sucessoordenada de grandes piscinas retangulares (mais de um hectare cada)para o cultivo artificial de camaro para exportao. Aquiencontramos o capitalista trabalhando, fazendo o desenvolvimentoacontecer e, como ele argumenta, dando empregos para centenas detrabalhadores negros nos cultivos ou no processo de embalagem dopeixe e do camaro; em seu modo de ver, estes trabalhadores estariamde outra forma isolados nas favelas das cidades prximas, as quaisduplicaram suas populaes em menos de uma dcada, de 50,000para 100,000. Este capitalista o nosso segundo ator.

    No muito longe da plantao est um territrio indgena querecebeu recentemente uma estranha visitante, j conhecida em outroslugares como prospectora de biodiversidade. Ela chegou regiotalvez enviada por um jardim botnico dos Estados Unidos ou daEuropa, talvez por uma empresa farmacutica em busca de plantascom aplicaes comerciais potencialmente teis. Ela est de fatointeressada no na planta em si, mas em seus genes, os quais ela irlevar para seu pas de origem. Vamos agora imaginar que estes geneseventualmente acabem sendo usados para modificar seres humanosde modo a torn-los resistentes a certas doenas, produzir organismosou produtos transgnicos, ou talvez mesmo para criar um meioambiente inteiramente tropical em uma latitude do norte a partir de

    4 Minha pesquisa nesta rea inclui 18 meses de pesquisa de campo (janeiro, 1993-janeiro, 1994;veres de 1994, 1996 e 1997) e um engajamento contnuo com grupos de ativismo do movimentonegro, planejadores de desenvolvimento e conservao de biodiversidade e a crescente redeacadmica focada na regio. Resumidamente, a regio da costa pacfica se estende do Panam,no norte, ao Equador, no sul, e da parte mais ocidental da cadeia dos Andes at o oceano. A regiotem um dos maiores nveis de diversidade biolgica no mundo. Em torno de 60% dos 900,000habitantes da regio (800,000 afro-colombianos, 50,000 Embera, Wauhana e outros povos indgenas,e colonos mestios) moram em algumas poucas cidades grandes. O restante habita as margens

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    uma coleo de genes provenientes de vrias florestas tropicais naforma biolgica atual ou virtual. Este o terceiro e ltimo ator nanarrativa da natureza que queremos construir.5

    Finalmente, vamos nos situar no espao de percepo de umaativista do movimento social das comunidades negras o qual surgiucomo resultado das vrias mudanas na regio, incluindo a chegadado capitalista, o planejador de desenvolvimento e o prospector. Estaativista cresceu em uma comunidade ribeirinha e migrou para umadas grandes cidades na parte andina do pas em busca de educao;agora ela est de volta organizando a comunidade para a defesa daspaisagens culturais e biofsicas de sua regio (muitos ativistas defato so mulheres). Se tomarmos distncia para observar o que elaest fazendo, podemos dizer que ela est lidando com vriaspaisagens, vrias naturezas em tenso: frente em sua mente est apaisagem de florestas e rios e assentamentos de sua infncia, povoadacom todos os tipos de seres, das lindas palmeiras de coco e naid 6 svises e seres espirituais que povoam os sub e supra mundos. Se elaest no incio dos seus 20 anos, talvez tenha crescido ao lado dapaisagem disciplinada das plantaes. Como ativista, ela j estfamiliarizada com o discurso sobre a biodiversidade e o fato de quesua regio est na mira das organizaes internacionais, ONGsambientalistas do norte, corporaes multinacionais e o governo doseu prprio pas, todos intencionados no acesso aos alegadamentericos recursos genticos da regio.

    dos mais de 240 rios da rea. Os habitantes negros e indgenas mantiveram distintas prticasmateriais e culturais, tais como mltiplas atividades de subsistncia e atividades econmicas queincluem agricultura, pesca, caa, coleta, minerao de ouro em pequena escala e coleta demadeira. Atividades convencionais capitalistas e de desenvolvimento (palmeira africana, madeira,minerao de ouro, cultivo de camares, turismo) aumentaram muito desde a dcada de 1980. Anova constituio colombiana de 1991 concedeu direitos territoriais e culturais s comunidadesnegras; um movimento negro significativo de orientao etnocultural e ecolgica tem crescidocomo uma tentativa de defender a regio do desenvolvimento e da intruso capitalista, e pressionarpara a demarcao ou titulao dos territrios coletivos. Para informaes etnogrficas e para umpanorama geral ver Escobar e Pedrosa (1996); para tratamento etnogrfico da conservao dabiodiversidade ver Escobar (1997, 1998a); sobre o movimento negro da regio ver Grueso, Roseroe Escobar (1998). A ecologia poltica do movimento negro discutida em Escobar (1998a).5 No minha inteno reduzir o movimento de conservao da biodiversidade prospeco debiodiversidade; este exerccio somente sugestivo de certas tendncias e possibilidades.6 As pontas destas rvores so usadas para produzir os palmitos heart of palms que sovendidos em latas nos supermercados dos pases ricos. A palmeira toda geralmente derrubadapara este fim. Existem tentativas em algumas partes da regio da costa do pacfico de estabelecerplantaes de diferentes espcies para a produo comercial, mas a nativa naid, que no sereproduz facilmente, tem sido dizimada.

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    Ativistas dos movimentos sociais junto com todos ns, emnosso prprio modo e com diferentes naturezas em mente temos quemanter estas vrias paisagens em tenso: a paisagem orgnica dascomunidades; a paisagem capitalista das plantaes e a tecno-paisagem da biodiversidade e da biotecnologia dos pesquisadores eempreendedores. Sob o risco da rigidez e da super simplificao,gostaria de sugerir que os trs atores apresentados incorporam regimesde articulao do histrico e do biolgico significativamente diferentes.Irei referir-me a estes regimes como natureza orgnica, naturezacapitalista e tecno-natureza, respectivamente. Mantenho o termonatureza em razo da nossa proximidade histrica com ao regimemoderno, para o qual a natureza uma categoria dominante. No quesegue, gostaria de expor os rudimentos de uma caracterizao de cadaum destes regimes, mas primeiro necessrio fazer algumas observaescautelosas e gerais sobre o modelo para esclarecer seu carter.

    Em primeiro lugar, este um modelo antiessencialista. J bemaceito que a natureza experienciada diferentemente de acordo coma posio social de cada um e que produzida diferentemente pordiferentes grupos ou em diferentes perodos histricos. Estas afirmativas,contudo, implicam uma ordem moderna na qual a experincia podeser medida de acordo com formas de produo e relaes sociaismodernas. Estas formas no permitem a teorizao da alteridaderadical nas formas sociais da natureza. Os regimes de natureza podemser vistos como constituindo uma totalidade socialmente estruturada,feita de relaes mltiplas e irredutveis, sem uma origem ou um centro,ou seja, um campo de articulaes (GIBSON-GRAHAM, 1996:29);h uma dupla articulao, interna a cada regime e aos regimes entresi. A identidade de cada regime o resultado de articulaes discursivas com engates biolgicos, sociais e culturais que acontecem em umcampo geral da discursividade, mais amplo que qualquer regimeparticular (LACLAU e MOUFFE, 1985).7

    7 Os regimes de natureza podem ser tambm comparados a uma totalidade fractual, no sentido quePaul Gilroy (1993) fala do atlntico negro como uma estrutura fractual onde muitas identidades,culturas polticas e polticas de cultura coexistem. Uma estrutura fractual no possui comeo oufim mas sempre um fluxo entre estados que so diferentes embora similares uns aos outros, deacordo com uma incessante recursividade. Teorias fractuais como teorias de articulao oferecem uma viso de totalidade sem serem totalizadoras. Pode ser dito que os vrios regimesde produo de natureza criam uma ecologia fractual. Por fim, o modelo antiessencialista deregimes de natureza pode ser relacionado com o modelo proto-antiessencialista de Polanyi (1957)de economia como um processo institudo e com a noo de epistmes de Foucault (1973).

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    Em segundo lugar, os trs regimes no representam umaseqncia linear ou sries de estgios na histria da natureza social eles coexistem e se sobrepem. Mais ainda, estes regimes co-produzem-se uns aos outros; como culturas e identidades eles sorelacionais. O que importa ento examinar suas articulaes econtradies mtuas os modos nos quais eles competem pelocontrole do social e do biolgico. Os seres humanos nestes trsregimes esto localizados de modo diverso, tm diferentesconceitualizaes e colocam demandas diferenciadas ao biolgico.O que os humanos situam na biologia ou na histria varia. Dito deoutro modo, eles trazem diferentes histrias ao biolgico, e,conversamente, o biolgico toma formas e possibilidades diferentesem cada uma (embora em algum nvel natureza sempre amesma?). Os trs regimes so desta forma objeto de tenses econtestaes; leis biofsicas, significados, trabalho, conhecimentoe identidades so importantes em todas elas, embora comintensidades e configuraes divergentes. Os regimes representamaparatos atuais ou potenciais para a produo do social e dobiolgico. Eles podem ser vistos como momentos na produoabrangente e diferenciada da natureza social-biolgica. Por fim, importante dizer que em princpio o regime orgnico no essencialmas histrico; ele no corresponde ao natural; no estvel ouestabelecido e to construdo e conectado a outras construescomo a natureza capitalista e tecno-nautreza. A natureza orgnicano se fundamenta em um marco cultural ntegro embora sejacaracterizada por uma conexo mais integral entre cultura e biologia mas depende de remontagens e recombinaes de organismos eprticas, embora algumas vezes incongruente com aquelascaractersticas da natureza capitalista moderna.

    Em terceiro lugar, o conhecimento que temos nossadisposio para examinar cada regime desigual e diferenciado.Proponho abordar cada regime a partir da perspectiva da formaparticular de conhecimento que parece ser mais apropriada paraseu estudo. Irei sugerir que podemos estudar mais apropriadamentea natureza orgnica por meio da antropologia do conhecimentolocal, a natureza capitalista em termos do materialismo histrico ea tecno-natureza a partir da perspectiva dos estudos sobre cinciae tecnologia. Estas referncias so modos de anlise de regimes-especficos em razo de suas afinidades, comprometimentos e

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    8 A perspectiva parcial e a epistemologia do ponto de vista so princpios bem conhecidosintroduzidos pela crtica feminista cincia, em particular por Donna Haraway e Sandra Hardin.

    orientaes tericas. Um corolrio final destas qualificaes queo modelo construdo desde uma certa perspectiva parcial, aquelado ecologista poltico crtico, antiessencialista, limitada pela histria natureza capitalista moderna, mas tentando visualizar um discursoda diferena no qual as naturezas tecno e orgnica possam tornar-se visveis em todas suas alteridades, e no qual os discursosalternativos da natureza e da cultura podem ser cultivados.8

    A natureza capitalista: produo emodernidade

    O regime que melhor conhecemos a natureza capitalista queemergiu na Europa ps-renascimento e cristalizou-se com ocapitalismo e o advento da ordem epistmica moderna ao final dosculo XVIII. Alguns de seus aspectos sero revistos aqui sob quatrorubricas novos modos de ver, racionalidade, governamentalidadee a mercantilizao da natureza associada modernidade capitalista.

    O desenvolvimento de novos modos de ver tem sidodiretamente associado emergncia da natureza capitalista: ainveno da perspectiva linear, relacionada pintura realista(congelando o lugar desde um ponto de vista particular e colocandoo observador fora da pintura e assim fora da natureza e da histria);a objetificao da paisagem como vista com uma concomitantepoltica da viso (THOMAS, 1993); uma equao de conscinciacom a viso um regime escpico (JAY, 1988) e o incio davigilncia e do monitoramento em larga escala (o panptico deFOUCAULT [1979]); e um olhar masculino totalizador que objetificaespecialmente a paisagem e as mulheres (HARAWAY, 1988; FORD,1991). Com a pintura de paisagem a natureza adquiriu um papelpassivo, privada de agncia sob uma perspectiva totalizadora quecriou a impresso de unidade e controle.

    Em uma veia mais filosfica, este olhar foi instrumental nonascimento das cincias modernas. O desenvolvimento da medicinaclnica, ao abrir os corpos para observao no final do sculo XVIII,estabeleceu uma aliana entre palavras e coisas, possibilitando a

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    algum ver e dizer, integrando assim o indivduo (e o biolgico) aodiscurso racional (FOUCAULT, 1975:xii). Da anlise dos tecidos atravsdo microscpio e a cmera no sculo XIX vigilncia por satlite, GISe a sonografia, a importncia da viso em nosso tratamento da naturezae de ns mesmos s tem crescido. Mas o trao mais fundamental damodernidade neste sentido o que Heidegger (1977) chamou de acriao de uma viso de mundo dentro da qual a natureza estinevitavelmente enquadrada, isto , ordenada como um recurso paraser usado como quisermos. Com a escola de Frankfurt, a dominaoda natureza tornou-se um dos traos quintessenciais da racionalidadeinstrumental, um aspecto que tem sido destacado desde perspectivasfeministas e ecolgicas por vrios autores (MERCHANT, 1980; SHIVA,1993). Como Foucault (1973) vividamente mostrou, todos estesdesenvolvimentos so aspectos da emergncia do Homem comouma estrutura antropolgica e o fundamento de todo conhecimentopossvel. Com a economia, o Homem se tornou preso em umaanaltica da finitude, uma ordem cultural na qual estamos para semprecondenados a trabalhar sob a lei de ferro da escassez. Esta separaoentre sociedade e natureza um dos traos fundamentais dassociedades modernas embora, na atualidade, como Latour (1993)argumenta, a diviso s tornou possvel a proliferao de hbridos denatureza e cultura e redes ligando-os em mltiplas maneiras.

    A histria do Homem e da percepo burguesa relacionada aoutros fatores tais como a colonizao do tempo (LANDES, 1983), odesenvolvimento de mapas e estatsticas e a associao entre paisagensespecficas e identidades nacionais. Mais pertinente, a modernidadecapitalista exigiu o desenvolvimento de formas racionais degerenciamento de recursos e populaes baseada em conhecimentoespecfico de planejadores, estatsticos, economistas, demgrafos e afins o que Foucault (1991) chamou governamentalidade.Governamentalidade um fenmeno essencialmente moderno atravsdo qual vastos domnios da vida cotidiana so apropriados,processados e transformados por conhecimento de experts e o aparatoadministrativo do estado. Este processo atingiu a ordem natural domanejo florestal cientfico e a agricultura plantation ao gerencialismodo desenvolvimento sustentvel. As formas na quais a natureza temsido governamentalizada transformada em objeto do conhecimentoexpert, regularizada, simplificada e disciplinada, administrada,planejada para etc permanecem subestudadas (BROSIUS, 1997).

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    A maior parte da ateno dos que buscam compreender anatureza capitalista tem se ocupado com o exame da natureza comomercadoria. A articulao da biologia e da histria na naturezacapitalista toma a forma primria da mercadoria e as anlises nestenvel tm buscado explicar a produo da natureza comomercadoria por meio da mediao do trabalho. De uma perspectivamarxista, a separao entre natureza e sociedade vista comoideolgica; a unidade do capital engendra a fuso do valor de usoe do valor de troca na produo da natureza. Historicamente, aproduo de excedentes com a concomitante diferenciao sociale institucional permitiu humanidade emancipar-se da natureza,embora ao preo de escravizar parte da populao. Com ocapitalismo, a produo da natureza atingiu um nvel maior, societal.Atravs da mediao do trabalho, a sociedade emergiu danatureza, resultando na produo do que tem sido chamado desegunda natureza, nomeadamente, o conjunto de instituies sociaisque regulam a troca de mercadorias, incluindo a(s) natureza(s)produzida pelos seres humanos. A natureza se tornou um meio deproduo universal. Com o desenvolvimento das cincias e dasmquinas, natureza e sociedade atingiram uma unidade naproduo generalizada gerada pelo capitalismo. A distino entreprimeira e segunda natureza se tornou obsoleta uma vez que aproduo da natureza passou a ser a realidade dominante. Anatureza capitalista se torna um regime hegemnico (SMITH, 1984).9

    Todos os fatores apontados at agora so um produto de umafase particular da histria modernidade capitalista patriarcal.Escritos recentes de inspirao marxista fizeram um longo caminhono sentido de conceitualizar este regime em ambas as suas formas,clssica e corrente, e sua relao com o capitalismo como um todo(SMITH, 1984; J. OCONNOR, 1988; HARAWAY, 1989; LEFF,1995). No o objetivo aqui apresentar um sumrio destesdesenvolvimentos ou suas implicaes ecolgicas, as quais

    9 Ver o trabalho pioneiro de Smith (1984: 54-55): Uma vez que a relao com a natureza determinadapela lgica do valor de troca, e a primeira natureza produzida de dentro e como parte da segundanatureza, primeira e segunda naturezas so elas mesmas redefinidas. Com a produo para troca, adiferena entre primeira e segunda natureza simplesmente a diferena entre o mundo no-humano eo humanamente criado. Esta distino deixa de ter significado real uma vez que a primeira naturezatambm produzida. Melhor dito, a distino agora entre a primeira natureza que concreta e material,a natureza dos valores de uso em geral, e a segunda natureza que abstrata e derivativa da abstraodo valor de uso que est inerente no valor de troca.

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    representam um dos mais ativos campos de trabalho na questoda natureza hoje (porm, ver ESCOBAR, 1996). oportuno,contudo, destacar um aspecto que ser importante para nossaexplicao da tecnonatureza. A natureza capitalista uniforme,legvel, manejvel, que pode ser colhida, fordista. A acumulaoda natureza uniforme est se tornando um obstculo acumulaodo capital por razes sociais e ecolgicas.10

    ento necessrio comear o processo de acumulao danatureza diversa (ou natureza flexvel, se aceitamos quediversidade no domnio biolgico algo um tanto isomrfico coma flexibilidade no domnio social). O discurso do desenvolvimentosustentvel e da conservao da biodiversidade so um reflexo destatendncia, assim como o argumento de que o capitalismo estentrando em uma fase ecolgica na qual sua forma moderna etemerria ir coexistir com uma ps-moderna, conservacionista(M.OCONNOR, 1993; e, para discusso, ESCOBAR, 1996).

    Como concluso provisional, gostaria de sugerir uma definioparcial da ecologia poltica da natureza capitalista como o estudo daincorporao progressiva da natureza nos domnios gmeos dagovernamentalidade e da mercadoria. Ambos os aspectos tmconseqncias biolgicas, culturais e sociais que precisam serexaminadas com mais cuidado. Agora o momento, contudo, parapassar ao regime orgnico. Da perspectiva da natureza capitalista,este regime pode parecer um caso de atavismo ecolgico ou umamanifestao local da natureza universal e seus mecanismos culturaise simblicos de idolatria da natureza ou primitivismo. Contudo, asnaturezas das comunidades nativas locais no podem ser reduzidas manifestaes inferiores da natureza capitalista, nem podem serditas produzidas somente de acordo com leis capitalistas.

    10 Isto o outro lado do que James OConnor (1988) chamou de a segunda contradio docapitalismo. De acordo com esta tese a reestruturao capitalista, hoje, tem lugar predominantementes custas da produo de condies (trabalho, terra, natureza, espao, o corpo, isto , aqueleselementos da produo que no so produzidos como mercadorias embora sejam tratados comotal). Dirigido pela competio e o cost shifting entre os capitais individuais, esta reestruturaosignifica o aprofundamento do entranhar do capital na natureza e no trabalho, um agravamento dacrise ecolgica e uma piora das condies de produo do capital e da reproduo destas condies.A reestruturao contraditria para o capital, o qual busca superar esta dinmica por meio de umavariedade de medidas que simplesmente deslocam a contradio para outros terrenos. Um debateativo desta tese tem sido mantido na revista Capitalism, Nature and Society desde o final dadcada de 80.

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    11 Estou ciente de que o rtulo orgnico problemtico dada sua associao com termos taiscomo pureza, integridade, eternidade etc. Enquanto os povos da floresta, em particular, tmsido vistos como quintessencialmente orgnicos e encravados na natureza, eu sugiro que possvel lanar uma defesa do orgnico como um regime histrico e us-lo como ponto de apoiopara construo terica e ao poltica. Uma noo antiessencialista de orgnico pode servir comoum contraponto nfase essencialista e s vezes colonialista na integridade e pureza de muitosdiscursos ambientais. Irei explicar o significado de orgnico mais detalhadamente abaixo.12 De novo, impossvel listar a literatura pertinente, a qual surge de preocupaes anteriores emetnobotnica, etnocincia e antropologia ecolgica. O trabalho de Strathern (1980, 1988, 1992a, b,)constitui o esforo mais sistemtico em antropologia de teorizar a natureza como localmenteproduzida, tanto em condies no-modernas como em ps-modernas (ps-natureza). As discussessobre o estado da arte de modelos culturais da natureza so encontrados em Descola e Plsson(1996) e Gudeman e Rivera (1990). Para uma avaliao recente e til de anlises antropolgicasinspiradas em ecossistemas, ver Moran (1990). Debates em etnobiologia esto sumariados emBerlin (1992). Anlises orientadas s estruturas so melhor exemplificadas por Descola (1992,1994), etnografia da paisagem por Lansing (1991), Bender (1993b) e Tilley (1994). A antropologia doconhecimento local propriamente, avanada de forma mais cogente em Hobart (1993), Milton(1993) e Descola e Plsson (1996).

    Natureza orgnica: cultura econhecimento locais

    Compreender o regime da natureza orgnica pede diferentesformas de anlise; ecossistemas e anlises de produo no so maissuficientes.11 Um trao definidor deste regime o fato que a naturezae a sociedade no so antologicamente separados. Estudosantropolgicos e sociolgicos demonstram que muitas comunidadesrurais no terceiro mundo constroem a natureza de modoradicalmente distinto das formas modernas; elas significam e usamseus meios naturais em modos muito particulares. Para o propsitodo argumento, irei referir-me literatura antropolgica sobre o assuntocomo antropologia do conhecimento local, embora no seja deforma alguma restrito a tal conhecimento.12 O certo que h umincrvel fermento de atividade nesta rea. Se isso equivale aosurgimento de uma nova antropologia ecolgica (KOTTAK, 1997)ou a uma refundao da antropologia ecolgica em bases maisseguras (DESCOLA e PLSSON, 1996) ainda h que ser visto.

    Em um artigo clssico sobre o tema, Marilyn Strathern (1980)esclareceu que no podemos interpretar mapeamentos nativos (no-modernos) do social e do biolgico em termos dos nossos conceitosde natureza, cultura e sociedade. Entre os Hagen das terras altasde Papua, Nova Guin, como entre muitos outros grupos indgenase rurais, cultura no d um conjunto distinto de objetos com osquais algum manipula a natureza... a natureza no manipulada (p. 174,175). Estas dicotomias so impostas em

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    outras ordens sociais em razo dos nossos interesses particulares,entre eles o controle do meio ambiente. Natureza e cultura entoprecisam ser analisados no enquanto dados e pr-sociais, mascomo constructos se quisermos verificar de que modo funcionamcomo mecanismos para criaes culturais, de crenas humanas aognero e economia (MAC CORMARCK e STRATHERN, 1980).

    Da perspectiva de uma antropologia do conhecimento local,ento, existem questes do tipo: como outras sociedades representama relao entre seus mundos humano e biolgico, que distines eclassificaes do biolgico elas fazem, em que linguagens (incluindotradies orais, mitos e rituais) elas expressam tais distines, atravsde quais prticas estas distines so afetadas, se h um lugar paranatureza humana nas representaes e nos mapas cognitivosnativos, e qual a relao entre construes culturais e relaes deproduo e entre significados e usos das entidades biolgicas. Emuma veia mais poltica, algum pode perguntar como construeslocais se relacionam com nossas preocupaes atuais,particularmente a sustentabilidade, e se existem noes semelhantesao gerenciamento ou ao controle nas representaes nativas emodelos locais de natureza.

    J existem algumas respostas a estas questes, a maioria naforma de estudos de caso em sociedades no industrializadas. Noh, claro, uma viso unificada sobre exatamente o que caracterizamodelos locais de natureza. Talvez a caracterstica melhorestabelecida hoje de que os modelos culturais de natureza demuitas sociedades no repousam sobre uma dicotomia natureza-sociedade (ou cultura). Diferentemente de construes modernas,com sua separao estrita entre os mundos biofsico, humano esupranatural, comumente apreciado hoje que os modelos locaisem contextos no ocidentais so freqentemente predicados deligaes entre estes trs domnios. Esta continuidade que podercontudo ser experienciada como problemtica ou incerta culturalmente estabelecida por meio de rituais e prticas, e embutidasem relaes sociais diferentes das relaes sociais modernas oucapitalistas. Assim, seres vivos e no-vivos e freqentemente seressobrenaturais no constituem domnios distintos e separados certamente no constituem duas esferas de natureza e cultura.Descola, por exemplo, argumenta que em tais sociedades de

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    13 Tanto quanto o sobrenatural est envolvido, mesmo quando h espritos selvagens em questo,o objetivo menos domin-los do que chegar a um acordo com eles de modo que a atividadehumana possa ter lugar (STRATHERN, 1980). Entretanto, nenhuma destas distines implica queos domnios da escurido, do ermo, ou sonho sejam outro mundo, sobrenatural ou no emprico. Aocontrrio, so mundos que inter experienciam e de onde se tem experincia direta. So, assimfalando, dimenses do mundo da vida no ordinariamente trazidas conscincia, mas sointegralmente parte da realidade emprica (JACKSON, 1996:15; ver tambm BIERSACK, 1997).So igualmente integrais a muitos modelos culturais de natureza ao redor do mundo.

    natureza, plantas, animais e outras entidades pertencem a umacomunidade socioeconmica, sujeita s mesmas regras que oshumanos (1996:14).13

    Um modelo local do natural pode exibir traos como osseguintes, o qual poder ou no corresponder aos parmetros danatureza capitalista: categorizaes especficas de entidadeshumanas, sociais e biolgicas (por exemplo, o que humano e oque no , o que plantado e o que no , o domstico e o selvagem,o que inato e o que surge da ao humana etc), estabelecimentode limites e classificao sistemtica de animais, espritos e plantas.Pode tambm conter mecanismos para manter a boa ordem e obalano nos circuitos biofsico, humano e espiritual (DESCOLA,1992, 1994) ou uma viso circular da vida socioeconmica ebiolgica, fundada ultimamente na Providncia, deuses ou deusas(GUDEMAN e RIVERA, 1990). Poder tambm haver uma teoriade como todos os seres do universo so criados ou alimentadosde princpios similares, uma vez que em muitas culturas nomodernas o universo inteiro concebido como um ser vivo, semnenhuma separao estrita entre humanos e natureza, indivduo ecomunidade, comunidade e os deuses (GRILLO, 1991; APFFEL-MARGLIN e VALLADOLID, 1995).

    Embora a frmula especfica para organizar todos estesfatores varie enormemente de um grupo nativo ou campons parao outro, eles tendem a ter certas caractersticas em comum: revelamuma imagem complexa da vida social que no necessariamenteoposta natureza (em outras palavras, uma imagem na qual omundo natural integral ao mundo social) a qual pode ser pensadaem termos de relaes humanas tais como parentesco, famliasestendidas e gnero vernacular ou analgico. Modelos locais tambmevidenciam o apego particular a um territrio concebido comoentidade multidimensional resultante de muitos tipos de prticas e

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    relaes. Estabelecem ligaes entre os mundos (biolgico, humano,espiritual; corpos, almas, objetos) os quais alguns tm interpretadocomo uma vasta comunidade de energia (DESCOLA, 1992:117)ou como uma teoria de todos os seres (humanos ou no)perpetuamente renascendo (ver RESTREPO e DEL VALLE, 1996para um modelo afro-colombiano de renascimento perptuo na costado Pacfico). O ritual freqentemente integral interao entre osmundos humano e natural. Uma atividade tal como a derrubadada floresta para o plantio poder ser vista como reunindo moradoresda vila, espritos, ancestrais e as prprias colheitas ou seus deusesou deusas correspondentes. Em casos tais como estes, a relaoentre sistemas simblicos e relaes produtivas pode ser altamentecomplexa, como Lansing (1991) mostra em detalhe no seu estudosobre o sistema de templos da gua que regulam as paisagenselaboradas de Bali. Os terraos de arroz refletem uma viso biolgicado tempo e resultam da cooperao de centenas de agricultoressob o gerenciamento destes templos. Aqui temos relaes deproduo simbolicamente mediadas que no podem sercompreendidas em termos convencionais, marxistas ou outros.14

    A idia de identificar os mecanismos subjacentes em vriosmodelos e a comensurabilidade destes modelos so questesimportantes e com conseqncias para a ecologia poltica:Devemos restringir-nos a descrever o melhor que pudermos asconcepes especficas de natureza que as diferentes culturasproduziram em tempos diversos ou devemos buscar princpios geraisde ordem que possibilitem compararmos a aparentemente infinitadiversidade emprica dos complexos natureza-cultura? (DESCOLA,1996:84). A questo remete aos debates em etnobiologia

    14 As relaes sociais que subjazem modelos locais so muitas vezes conflitantes por exemplo,em termos de gnero e de idade (BIESACK, 1997). Regimes orgnicos no supem um Jardim doden social ou ecolgico. A noo das coisas sendo perpetuamente renascidas entre alguns negrosda costa colombiana do Pacfico, por exemplo, tem sido usada por nativos para legitimar sob apresso de foras capitalistas um ritmo mais rpido de derrubada de rvores. Dahl (1993:6)resume bem nosso estado de conhecimento a este respeito: todo o povo da necessidade mantmidias sobre, e a necessidade de agir a, seu meio natural. Isto no necessariamente significa queaqueles que vivem como produtores diretos tenham grandes insights sistemticos, embora no todoos produtores de subsistncia tenham detalhado conhecimento sobre o funcionamento de diversosaspectos menores de seu meio biolgico. Muito deste conhecimento tem desde a experinciaprovado ser verdadeiro e eficiente, algum mal concebido e contraprodutivo e algum incorretomas continua servindo bem o suficiente. Para alguns, modelos locais de natureza revelam umcerto grau de autoconscincia e objetificao da natureza, incluindo mecanismos de administraoe controle digamos, fauna local e as plantaes (DESCOLA, 1992).

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    (sumariados em BERLIN, 1992) concernentes universalidade dasestruturas taxionmicas que surgem de um mapa da naturezasubjacente. Antroplogos da ecologia preocupados com o simblicoresponderam restrita preocupao etnobiolgica com taxionomiaspopulares deslocando a classificao de seu local de privilgio,argumentando que este apenas um dos aspectos do processoatravs do qual os humanos atribuem significado caractersticasdo meio natural. Estes antroplogos no esto dispostos, contudo,a desistir da idia de mecanismos subjacentes ou procedimentosestruturadores (schemata da prxis para DESCOLA [1996], eixoscognitivos para Ellen [1996]) que organizam as relaes homens-meio ambiente.15

    Estes debates esto alm do mbito desse artigo, mas importante tratar um tema estreitamente relacionado, o conhecimentolocal, antes de concluir esta seo. H uma certa convergncia emantropologia (ainda em andamento) no trato do conhecimento comoatividade prtica, situada, constituda por uma histria das prticaspassada mas em modificao(HOBART, 1993:17; ver INGOLD,1996). Esta viso do conhecimento local orientada pela prtica inspirada por uma variedade de posies de Bourdieu a Giddens um desenvolvimento complexo e estimulante. Uma tendnciarelacionada enfatiza o aspecto corporificado do conhecimento local,apelando para princpios filosficos apontados por Heidegger, Dewey,Marx e Merleau-Ponty. Para Ingold (1995,1996), o mais ardente earticulado destes acadmicos, ns moramos em um mundo que no separado de ns, e nosso conhecimento dele pode ser descrito comoum processo de aperfeioamento em engajamento prtico com omeio ambiente. Os homens esto entranhados no mundo e engajadosem atos prticos situados. Para Richards (1993), o conhecimentoagrcola local deve ser visto como um conjunto de capacidadesimprovisacionais de contexto especfico, ao invs de constituir umsistema de conhecimento indgena coerente, como a literatura

    15 Revisando o trabalho de Atran (1990), Bloch (1996) sugeriu recentemente que a vida elamesma (e no, digamos, natureza ou nveis ou tipos vivos essenciais) que vista comocompartilhada, imutvel, e caracterstica essencial. Ele especifica trs requerimentos paraexplicaes adequadas de construes da natureza: 1) limites vindos do mundo natural como ele e como se apresenta como uma oportunidade para produo humana junto com 2) a histriacultural particular de grupos ou indivduos, e 3) a natureza da psicologia humana (p.3). a crenade Bloch que psiclogos, etnobilogos e antroplogos esto longe de terem resolvido a questo dacognio do mundo natural, embora hajam passos importantes nessa direo.

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    anterior proclamou. Esta noo encontra um eco na antropologia daexperincia, para a qual o uso, no a lgica, condiciona a crena(JACKSON, 1996:12).16

    Essas tendncias bem-vindas no respondem a todas asquestes acerca da natureza e dos modos de operao doconhecimento local. So questes abertas se todo o conhecimentoest incorporado, se o conhecimento incorporado pode ser vistocomo formal ou abstrato em algum modo, se est organizado emmodos que contrastam ou assemelham-se ao discurso cientfico, ese h uma mudana contnua ou radical entre conhecimento prticoe conhecimento terico/formal que surge da reflexo sistemticasobre a experincia. Gudeman e Rivera (1990) sugeriram que oscamponeses podem possuir um modelo local de terra, economiae produo que significativamente diferente de modelos modernose que existe sobretudo na prtica. Modelos locais deste tipo soexperimentos em viver; so desenvolvidos atravs do uso naimbricao de prticas locais com processos e conversas maisamplas (1990:14). Esta proposta sugere que podemos tratar oconhecimento incorporado, prtico, como constituindo um modeloem alguma forma compreensvel do mundo.

    As conseqncias deste repensar sobre o conhecimento locale os modelos culturais so enormes. Enquanto h o perigo de re-inscrever o conhecimento local em constelaes hierrquicas deformas de conhecimento, recolocando a desvalorizao esubordinao do conhecimento local que caracterizou muitasdiscusses sobre o tema (incluindo debates de biodiversidade econservao), o deslocamento efetuado por este repensaretnologicamente orientado esperanoso em muitas maneiras. Onovo pensamento ajuda a desqualificar a dicotomia natureza/culturaque fundamental para o domnio do conhecimento expert. Assim,a viso comum sobre os domnios distintos da natureza e da culturaque podem ser conhecidos e administrados em separado no mais sustentvel.

    16 Precisamos ponderar as razes para esta forada e em geral bem-vinda volta das abordagensfenomenolgicas em antropologia ecolgica e outros campos. E igualmente relacionado s formasda desnaturalizao do corpo e da vida pelas novas tecnologias e, s crises ecolgicas e culturaismais em geral. Esta tendncia precisa ser mais explicitamente politizada.

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    Lies radicais similares a essa podem ser retiradas dareinterpretao da cognio presente em uma tendncia relacionadaque ainda precisa ser incorporada antropologia, a saber, a biologiafenomenolgica de Humberto Maturana e Francisco Varela e co-autores. Em resumo, estes bilogos sugerem que a cognio no oprocesso de construir representaes de um mundo previamente dado,por uma mente pr-existente e externa quele mundo, mas a experinciaincorporada que tem lugar em um pano de fundo histrico e deve serteorizada a partir da perspectiva da inquebrada coincidncia de nossoser, nosso fazer e nosso conhecer (MATURANA e VARELA, 1987:25).Naquilo que estes autores chamam de abordagem atuante (enactiveapproach), a cognio se torna a representao de uma relao entrea mente e o mundo baseada na histria de sua interao. Mentesdespertas em um mundo diz Varela, Thompson e Rosch (1991:3),sugerindo nosso inelutvel corpo vivido, conceito que eles tomam deMerleau-Ponty) do corpo como estrutura experiencial, vivida e comocontexto da cognio e apontando para o fato de que todo ato deconhecimento produz um mundo. Esta circularidade constitutiva doconhecimento e da existncia no sem conseqncias para ainvestigao de modelos locais de natureza (MATURANA e VARELA,1987:241-44):

    Nossa experincia a prxis do nosso viver unida a um mundocircundante o qual aparece cheio de regularidades que so em cadainstante o resultado das nossas histrias sociais e biolgicas.. Toda acaixa de ferramentas de regularidades prprias unio de um gruposocial em sua tradio biolgica e cultural... [nossa] herana biolgicacomum a base para o mundo que ns seres humanos produzimosjuntos atravs de distines congruentes... esta herana biolgica co-mum permite uma divergncia de mundos culturais, causados atravsdas vrias constituies do que podem tornar-se tradies culturais lar-gamente diferentes.

    Na recusa em separar o saber do fazer e deles o ser, estesbilogos nos fornecem uma linguagem com a qual podemosquestionar os dualismos e assimetrias de natureza e cultura, teoriae prtica. Eles corroboram os argumentos etnogrficos sobre acontinuidade entre natureza e cultura, o aspecto incorporado doconhecimento, e as idias de habilidade e performatividade.Conceitos de habilidade, performatividade, modelos baseados em

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    prticas e aprovao no exaurem, claro, o domnio doconhecimento local, e ainda tero de ser distintos e refinadosanaliticamente. Contudo, eles constituem uma base slida sobre aqual avanar com a antropologia do conhecimento, em particularno domnio de aplicao ecolgico. Eles tambm estabelecem ummarco alternativo para pensar sobre uma variedade de assuntos,da conservao da biodiversidade s polticas do lugar e aglobalizao (ESCOBAR, 1988a, b.).

    Em suma, modelos culturais de natureza so constitudos porconjuntos de significados/usos que, enquanto existentes em contextosde poder que crescentemente incluem foras transnacionais, nopodem ser reduzidos construes modernas nem tratados semalguma referncia s bases, limites e culturas locais. Os modelosculturais de natureza so baseados em processos histricos,lingsticos e culturais que sem serem isolados de histrias maisamplas, ainda retm uma certa especificidade baseada no lugar.Etnograficamente, a documentao destes conjuntos de significados/usos deveria ser situada nos contextos mais amplos de poder earticulao e em geral com outros regimes de natureza e foras globais.Este um passo que os antroplogos ecologistas tm evitado atagora mas que os ecologistas polticos esto enfrentando. Modeloslocais esto em contato e so influenciados por modelos modernosde natureza e de economia (ESCOBAR, 1998b).

    Uma palavra final sobre o conceito de natureza orgnica: aopropor uma nova relao entre antropologia e biologia, reincrustrandoa antropologia das pessoas em uma biologia dos organismos ps-darwiniana, Ingold (1990) destaca a necessidade de uma visorelacional da vida orgnica e da vida social. A vida orgnica se originae mantida em funo de um intercmbio perptuo com o meioambiente. A formao de um organismo e do meio ambiente so umae a mesma, e a vida corta os limites entre os dois. As pessoasdesenvolvem-se em um nexo de relaes com o meio ambiente e comoutras pessoas, e desta forma, tornar-se uma pessoa integral ao tornar-se um organismo, tudo ocorrendo dentro de um campo relacional. Estaviso muito diferente da neodarwiniana teoria da diversidade,baseada na gentica, ou da viso antropolgica da diversidade culturalbaseada em traos (tambm diferente, algum pode acrescentar, doconceito de Latour [1993] de redes curtas ligando natureza e cultura

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    em sociedades pr-modernas). A proposta de Ingold busca libertar nossopensamento da camisa de fora conceitual de genes, cultura ecomportamento (p.221). Sua reconceptualizao provocativa darelao entre vida cultural e biolgica pode ser proximamente alinhada viso profundamente historicizada de Maturana e Varela de vidabiolgica e de evoluo em termos do engate estrutural do organismoao meio ambiente com a manuteno da autopoiesis. No que remeteao nosso argumento, isto pode ser relacionado aos trabalhos jrevisados que dissolvem os binarismos e os limites entre natureza ecultura, mente e mundo. neste sentido que eu uso o termo orgnico;esse termo sugere um tipo de processo e relacionalidade que v a vidasocial em termos topolgicos, como o desdobramento de uma campogenerativo total (INGOLD, 1990:223). Este campo ao mesmo tempocultural e biolgico.

    Esta concepo de orgnico possibilita uma definio parcialcorrespondente de ecologia poltica para este regime como o estudodas mltiplas construes de natureza (conjuntos de significados/usos)em contextos de poder. O poder aqui precisa ser estudado no somenteem termos de relaes sociais e de produo, mas tambm em relaoao conhecimento local, cultura e vida orgnica. claro que a variedadede naturezas orgnicas imensa das florestas midas aosecossistemas secos, das colinas verdes da agricultura camponesa sestepes dos nmades e tem o seu conjunto prprio de atores, prticas,significados, interaes e relaes sociais. O estudo da naturezaorgnica, pois, vai bem alm do estudo dos ecossistemas com suasfunes, estruturas, limites, fluxos e curvas de retorno, e com as pessoasenquanto simplesmente mais um elemento do sistema. A ecologiade ecossistemas uma perspectiva desde fora e de cima para baixo,que ignora as dimenses relacional, constitutiva e experiencial, danatureza. A ecologia poltica da natureza orgnica tambm transcendeanlises e produo, governamentalidade e a mercadoria. Aantropologia do conhecimento local serve como uma taquigrafia parao que est faltando dessas anlises, embora valiosa e necessria.17

    17 Aletta Biersack (comunicao pessoal) levanta o ponto de que a governamentalidade foucaultianano se aplica ao regime orgnico. Na medida que a governamentalidade definida explicitamenteem termos de modernos aparatos expert de poder-conhecimento, acredito que este no seja ocaso. Isso no significa que os regimes orgnicos no tenham mecanismos de regulao econtrole, que uma questo chave. Hoje, em reas de conservao, contudo, grupos locais socrescentemente confrontados com a governamentalizao de seu meio ambiente e empurrados aparticipar neste processo (ver tambm BROSIUS, 1997).

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    Tecnonatureza: artificialidade evirtualidade

    Se a organicidade existe no conhecimento e nas prticas deuma variedade de grupos sociais em todo o mundo, tambm ver-dade que o domnio da artificialidade est crescendo. Aqui notem o conhecimento local nem a produo baseada no trabalhoque mediam a biologia e a histria, mas sim a tecnocincia. cla-ro que os significados, o conhecimento e o trabalho so importan-tes em todos os trs regimes. As questes so momentous: Astecnonaturezas tornam possveis uma nova experincia do naturalque poderia facilitar a recriao de uma continuidade (diferente)entre o social e o natural? Poderiam [as tecnonaturezas] nos permi-tir superar a alienao produzida pela natureza capitalista, suadependncia na explorao do trabalho ou o fetichismo da nature-za como mercadoria? Alternativamente, iro [as tecnonaturezas]aprofundar as tendncias da natureza capitalista? So elas neces-sariamente capitalistas, e, capitalistas ou no, iro elas promoveras capacidades humanas para sustentar e cuidar da vida e uns aosoutros ao invs de subordinar a vida tecnologia e produo devalor? Respostas provisrias para estas questes iro depender emlarga medida de nossas avaliaes das novas tecnocincias. Desa-fortunadamente, posies neste sentido so em geral polarizadas,oscilando entre extremos de celebrao acrtica e condenao. Afim de ganhar algum entendimento necessrio navegar entre es-ses extremos.

    Com a tecnocincia contempornea (do DNA recombinanteem diante), o modelo moderno de relao entre o social e o naturalest novamente sem resoluo. Mais do que nunca o natural vistocomo um produto do social. A crena que est se estabelecendo que a biologia est sob controle e, como acrescenta Strathern, abiologia sob controle no mais natureza (1992b:35). A naturezadesaparece e se torna o resultado de constante reinveno(HARAWAY, 1991). Os desenvolvimentos depois do DNArecombinante tm reforado esta crena, incluindo: os desenvolvi-mentos da reao em cadeia de polimerase (RABINOW, 1996), oprojeto do genoma humano, os modelos biolgicos, as nanotecnologias,clonagem, alimentos transgnicos etc. Esta possibilidade est presentedesde o descobrimento das primeiras macromolculas (certamente, o

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    DNA), mas obteve um salto qualitativo com os desenvolvimentos con-temporneos em biologia molecular18.

    O tratamento das novas biotecnologias pelo pblico indica queest se tornando culturalmente possvel jogar com combinaes semprecedentes do orgnico e do artificial (STRATHERN, 1992). Com atecnonatureza ns entramos em uma era de puro antiessencialismo(embora novos essencialismos sejam introduzidos em outros dom-nios). Tecnonaturezas e naturezas orgnicas convergem a esseantiessencialismo na medida em que ambas so irrevogavelmente lo-cais e particulares (embora haja presses sobre a tecnonatureza paradesenvolver aplicaes universais, em especial no campo mdico).Alm disso, a natureza no mais demarcada em uma certa ordemem relao ao Homem o que um outro modo de dizer que estamosdepois da natureza; o biolgico, incluindo a natureza humana, setorna em grande medida uma questo de design19. Aqui repousa o sig-nificado da reinveno da natureza, assim como a habilidade datecnonatureza para criar a alteridade biolgica radical. Uma vez que anatureza capitalista introduziu a natureza na igualdade e a naturezaorgnica era/ sempre predicada nas formas localizadas, a tecnonaturezafaz proliferar a alteridade. A diversidade um conceito-chave tantoem biologia como em antropologia assume novos significados.20

    18 A escolha do DNA recombinante com um divisor de guas para a tecnonatureza pode parecerarbitrria. Enquanto a biologia molecular como um movimento de pessoas e idias na interfaceentre biologia, fsica, qumica e computao tem estado em ascenso desde 1930, foi somentedurante os anos 1960 que atingiu proeminncia, desbancando algumas de suas concorrentes (emparticular, a bioqumica) e resultando naquilo que alguns consideram uma revoluo similar quelada fsica no primeiro quarto do sculo. Esta proeminncia recm-alcanada foi profundamentepoltica uma questo de conhecimento-poder em torno do que foi designado a poltica demacromolculas (ver ABIR-AM, 1992).19 Com a vida artificial e outras formas de modelagem biolgica possvel dizer que entramos naera de design evolutivo, ao menos nas mentes de seus proponentes (ver HELMREICH e SUCHMAN,s.d. e FUJIMURA, s.d.).20 Novas tecnologias biolgicas, informacionais e computadores pressagiam uma importanteruptura histrica. Elas criam um novo plo de cultura e subjetividade em adio aos plos existentesde oralidade e escrita a virtualidade. Alguns dos traos desses plos so, esquematicamente, osseguintes: a oralidade caracterizada pelo tempo circular/biolgico, a narrativa e o ritual comoformas de conhecimento, a continuidade histrica, a comunicao face-a-face, a tradio oral e anatureza orgnica; a escrita caracterizada pelo tempo linear, acumulao, o texto e a naturezacapitalista; a virtualidade caracterizada pelo tempo real (pontual sem atraso), simulao emodelagem como modos dominantes de conhecimento, sobreposio de tempos e incios(velocidade, espao/tempo, compresso), digital (e biodigital?), redes, hipertexto e tecnonatureza.Novamente, estes plos de subjetividade no so estgios da histria, mas coexistem hoje,embora em intensidades variadas; na mesma maneira que os modos escriturais redefiniram esubordinaram a oralidade, os modos informtico/hipertextual esto hoje subordinando os modos deconhecimento baseados na escrita-hermenutica (incluindo a antropologia). Esta hiptese desenvolvida por Pierre Lvy (1991,1995).

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    O que acontecer s naturezas orgnica e capitalista sob o rei-no da tecnonatureza? Algumas pistas para responder esta questopodem ser encontradas em anlises recentes das novas tecnocincias.Alguns vm na crescente virtualidade o fim das naturezas de ambas(KROKER e WEINSTEIN, 1994). A lgica dominante conduzindo estatransformao a da recombinao: corpo, natureza, mercadoria ecultura recombinantes (HELLER, 1998). Isto inaugura um perodo deps-capitalismo que marca o eclipse do orgnico e o triunfo de umaclasse virtual totalmente comprometida com a lgica informacional