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ESCOLA DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DOUTORADO EM HISTÓRIA THIAGO AGUIAR DE MORAES OS AGENTES DO INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS SOCIAIS (IPÊS) E SUAS CARREIRAS PÚBLICAS FEDERAIS: ENTRE A CONTINUIDADE BUROCRÁTICA E A COLONIZAÇÃO DO ESTADO PÓS-1964 Porto Alegre 2016

ESCOLA DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS …tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/7120/2/TES_THIAGO_AGUIAR_DE... · coordenação do professor Dr. Flavio Heinz, ... Instituto Superior

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ESCOLA DE HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

DOUTORADO EM HISTÓRIA

THIAGO AGUIAR DE MORAES

OS AGENTES DO INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS SOCIAIS (IPÊS) E SUAS

CARREIRAS PÚBLICAS FEDERAIS: ENTRE A CONTINUIDADE BUROCRÁTICA E A

COLONIZAÇÃO DO ESTADO PÓS-1964

Porto Alegre

2016

THIAGO AGUIAR DE MORAES

Os agentes do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS) e suas carreiras públicas

federais: entre a continuidade burocrática e a colonização do Estado pós-1964

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul

como requisito parcial e último para a

obtenção do grau de Doutor em História na

área de concentração de História das

Sociedades Ibéricas e Americanas.

Orientador: Prof. Dr. Helder V. Gordim da Silveira

Porto Alegre 2016

THIAGO AGUIAR DE MORAES

Os agentes do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS) e suas carreiras públicas

federais: entre a continuidade burocrática e a colonização do Estado pós-1964

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

História da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul como requisito parcial e último para a

obtenção do grau de Doutor em História na área de

concentração de História das Sociedades Ibéricas e

Americanas.

Aprovada em: _____ / _____ / ________.

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________________

Prof. Dr. Helder Gordim da Silveira – PUCRS (orientador)

_________________________________________________________

Prof. Dr. Cláudio Pereira Elmir – UNISINOS

_________________________________________________________

Prof. Dr. Eduardo Munhoz Svartman – UFRGS

_________________________________________________________

Prof. Dr. Cássio Albernaz dos Santos – PUCRS

_________________________________________________________

Prof. Dr. Luis Carlos dos Passos Martins – PUCRS

À Carolina e ao Frederico, amores da minha vida.

AGRADECIMENTOS

Esta tese não teria sido possível sem a ação, a sabedoria e a paciência de muitas pessoas na

minha vida. Muitas instituições também colaboraram com o trabalho deste ansioso pesquisador.

As bolsas do CNPq e da CAPES foram fundamentais para o desenvolvimento desta tese. Sem

a dedicação em tempo integral até metade do doutorado, certamente este trabalho perderia em

qualidade.

O professor Dr. Flavio Heinz acompanhou o início desta caminhada e soube encaminhar

reflexões essenciais para este trabalho. Os debates coletivos no âmbito do Laboratório de História

Comparada do Cone-Sul e as conversas de orientação foram sempre muito produtivas, e tornaram os

estudos para esta tese menos solitários.

O professor Dr. Helder da Silveira acompanhou a metade final da produção desta tese, e

também orientou minha dissertação de mestrado. Agradeço a confiança na minha capacidade de

concluir a tese em tempo hábil e no incentivo permanente sobre a relevância do tema, além das críticas

e sugestões sempre fundamentais para o trabalho.

O professor Cassio Albernaz tornou-se um interlocutor importante do meu trabalho e ofereceu

críticas precisas e sugestões essenciais para o desenvolvimento desta tese. Obrigado pelo esforço para

encaminhar este trabalho a rumos mais acertados.

Os colegas do PPGH da PUCRS e, principalmente, do LabConeSul, foram imprescindíveis em

toda minha trajetória nestes quatro anos de pesquisa e escrita. Foi nas atividades do LabConeSul, sob

coordenação do professor Dr. Flavio Heinz, que participei do período mais produtivo de toda minha

trajetória acadêmica. Realizamos trabalhos em equipe de alta qualidade e pudemos discutir os

trabalhos de forma sincera, gentil e aprofundada. Devo muito da minha formação acadêmica e pessoal

a vocês, queridos e queridas.

Em todas as instituições que pesquisei, seus funcionários foram sempre gentis e me auxiliaram

a desenvolver a pesquisa. Obrigado a todos os funcionários, do setor público e do privado.

Agradeço à minha família pela compreensão durante estes quatro anos. Certamente poderei

estar mais presente daqui pra frente. Aos meus pais e à minha irmã, agradeço o carinho e o incentivo

incansáveis aos estudos. Com o apoio de vocês, as pressões aliviaram e o trabalho ficou menos

pesado.

Aos amigos, de ontem, hoje e sempre, muito obrigado pela acolhida e por suportarem meus

“papos de tese” intermináveis. Juro que agora mudo de conversa. Um agradecimento especial para

Leonardo, Pietro, Rodrigo, Josué e Pedro: gurpodegurps.

Por fim, e sobretudo, agradeço à Carolina e ao Frederico, amores maiores que nunca imaginei

que teria. Esta tese, e toda minha vida, é pra vocês. Espero poder compensar de alguma forma o tempo

deste trabalho. Que o tempo seja da família e do cuidado.

RESUMO

Esta tese busca examinar a questão da colonização do Estado pós-1964 por agentes do

Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS). Nesse sentido, este trabalho tem como

objetivo analisar o tempo de exercício e os tipos de cargos ocupados na carreira pública

federal pré e pós-golpe de 1964 dos indivíduos que atuaram no IPÊS e que ocuparam cargos

públicos federais após o golpe, bem como sua formação técnica e sua participação na

instituição. O IPÊS foi criado por civis e militares pouco após a renúncia de Jânio Quadros e a

ascensão de João Goulart para defender a “democracia” contra o “comunismo” e influenciar

políticas públicas. Afirma-se na historiografia que houve uma colonização do Estado pós-

1964 por esses ipesianos, que teriam ocupado posições-chave de poder. Para trabalhar a

questão proposta, foi realizado um estudo prosopográfico com 118 ipesianos.

Palavras-chave:

IPÊS – Prosopografia – Carreiras Públicas Federais

ABSTRACT

This thesis aims to examine the matter of the alleged colonization of the State after 1964 by

agents of the Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPÊS). In order to do so, the thesis

analyzes the time of service and the which federal public offices were held before and after

the Coup of 1964 by persons that worked for the IPÊS, as well as their technical background

and role inside the institution. The IPÊS was founded by military and civilllians to defend

“democracy” from “communism” and influence public policies shortly after Jânio Quadros'

stepped down and João Goulart ascended to the presidency. Historiography regarding the

period assumes there was a colonization of the State by the ipesianos after 64, as they

assumed key positions of power. In order to examine the matter, a prosopographical study of

118 ipesianos was made.

Keywords:

IPÊS - Prosopography - Federal Public Office

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - Códigos de tipo de atuação no IPÊS ...................................................................... 72

Quadro 2 - Códigos de tipo de CPFs ........................................................................................ 73

Quadro 3- Nome e cargo(s) mantido(s) entre regimes políticos ............................................ 125

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Civis X militares ...................................................................................................... 75

Tabela 2 - Civis e militares ipesianos e CPFs antes e depois do golpe .................................... 76

Tabela 3 - Atividades desempenhadas pelos ipesianos ............................................................ 78

Tabela 4 - Ipesianos e ensino superior...................................................................................... 82

Tabela 5 - CPFs 1 e 2 no pré-golpe de indivíduos com formação nos EUA ............................ 84

Tabela 6 - CPFs 1 e 2 no pós-golpe de indivíduos com formação nos EUA ........................... 85

Tabela 7 - CPFs 1 e 2 no pré e no pós-golpe de indivíduos com formação nos EUA ............. 86

Tabela 8 - Hiperespecializados e CPFs 1 e 2 ocupados antes do golpe ................................... 92

Tabela 9 - Hiperespecializados e CPFs 1 e 2 ocupados depois do golpe ................................. 94

Tabela 10 - Hiperespecializados e CPFs 1 e 2 ocupados antes e depois do golpe ................... 95

Tabela 11 - Ipesianos diplomados pela ESG ............................................................................ 98

Tabela 12 - Ano de formação na ESG ...................................................................................... 98

Tabela 13 - ESG e militares ...................................................................................................... 99

Tabela 14 - Períodos de ingresso no IPÊS – Presidencialismo e Golpe ................................. 102

Tabela 15 - Ipesianos por tipo de atuação .............................................................................. 106

Tabela 16 - Atuação C no IPÊS e CPFs ocupados de alta relevância (N=61) ....................... 107

Tabela 17 - Atuação A1 no IPÊS e CPFs ocupados de alta relevância (N=17) ..................... 109

Tabela 18 - Cargos no IPÊS e ocupação de CPFs 1 e 2 antes e depois do golpe ................... 112

Tabela 19 - Quantidade de CPFs por tipo............................................................................... 117

Tabela 20 - CPFs ocupados no pré-golpe por tipo ................................................................. 120

Tabela 21 - CPFs ocupados no pós-golpe por tipo ................................................................. 121

Tabela 22 - Décadas em que ipesianos ocuparam seu 1º CPF ............................................... 122

Tabela 23 - Ipesianos que mantiveram seu cargo após o golpe de 1964 ................................ 123

Tabela 24 - CPFs por tipo ocupados antes e depois do golpe de 1964 .................................. 128

Tabela 25 - Comparativo entre CPFs 1 e 2 antes e depois do golpe de ipesianos que ocuparam

ao menos 1 CPF pré-golpe (N=79) ......................................................................................... 129

Tabela 26 – CPFs por tipo de quem ocupou apenas 1 após o golpe (N=34) .......................... 131

Tabela 27 - Período de saída do último CPF da carreira ........................................................ 132

Tabela 28 - Período de saída do último CPF da carreira de quem ocupou o 1º CPF antes do

golpe ....................................................................................................................................... 133

Tabela 29 - Período de saída do último CPF da carreira de quem ocupou o 1º CPF após o

golpe ....................................................................................................................................... 134

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADEP – Ação Democrática Popular

ADESG – Associação de Diplomados da ESG

ADIPÊS – Associação de Diplomados do IPÊS

ADP – Ação Democrática Parlamentar

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais

CENDEC – Centro de Treinamento para o Desenvolvimento Econômico e Social

CIA – Central Intelligence Agency

CMN – Conselho Monetário Nacional

CNE – Conselho Nacional de Economia

CNPq – Conselho Nacional de Pesquisas

CONSPLAN – Conselho Consultivo de Planejamento

COSIPA – Companhia Siderúrgica Paulista

CPF – Cargos Públicos Federais

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

CSN – Companhia Siderúrgica Nacional

CURSEF – Curso Superior de Estudos Financeiros

DASP – Departamento Administrativo de Serviço Público

ESG – Escola Superior de Guerra

FEA – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade

FEDERASUL – Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul

FGV – Fundação Getúlio Vargas

FIEL – Fundación de Investigaciones Económicas Latinoamericanas

FM – Fundación Mediterránea

GAP – Grupo de Assessoria Parlamentar

GDE – Grupo de Doutrina e Estudos

GEC – Grupo Especial de Conjuntura

GED – Grupo de Estudos e Doutrina

GI – Grupo de Integração

GLC – Grupo de Levantamento da Conjuntura

GOP – Grupo de Opinião Pública

GPE – Grupo de Publicações e Editorial

GPMI – Grupo Permanente de Mobilização Industrial

IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários

IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática

IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

IBRE – Instituto Brasileiro de Economia

IPÊS – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

IPESUL – Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais do Rio Grande do Sul

ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros

MEC – Ministério da Educação

MTPS – Ministério do Trabalho e Previdência Social

OIT – Organização Internacional do Trabalho

PDS – Partido Democrático Social

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito

SUNAB – Superintendência Nacional de Abastecimento

TT – Think Tank

UDN – União Democrática Nacional

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

USP – Universidade de São Paulo

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15

1 O IPÊS, O GOLPE E A DITADURA CIVIL-MILITAR: DEFINIÇÕES

CONCEITUAIS, DEBATES HISTORIOGRÁFICOS E OPÇÕES METODOLÓGICAS

.................................................................................................................................................. 34

1.1. DEFININDO O GOLPE E A DITADURA: ANÁLISE DO GOLPE MILITAR E DA

DITADURA CIVIL-MILITAR ............................................................................................ 34

1.2. O REVISIONISMO NA HISTORIOGRAFIA SOBRE O GOLPE E A DITADURA: OS

CONFLITOS DAS INTERPRETAÇÕES DIVERGENTES ................................................ 37

1.3. O IPÊS COMO GRUPO DE INTERESSE QUE AGIU COMO GRUPO DE PRESSÃO 40

1.3.1. O conceito de think tank e suas possibilidades de aplicação ao caso do IPÊS:

construindo o argumento para sua refutação ................................................................... 52

1.4. ENTRE ELITES, TECNOEMPRESÁRIOS E INTELECTUAIS ORGÂNICOS: O

PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DOS INDIVÍDUOS NO GRUPO ...................................... 56

1.5. DIÁLOGO COM A HISTORIOGRAFIA NA DEFINIÇÃO DO GRUPO DE

INDIVÍDUOS: A OCUPAÇÃO IPESIANA DO ESTADO ................................................. 58

1.5.1 Definindo critérios para a criação do banco de dados ........................................... 59

1.5.2 O grupo de indivíduos resultante do refinamento dos critérios para a construção do

banco de dados .................................................................................................................. 62

1.5.3 Crítica da crítica na definição do grupo de indivíduos ........................................... 63

1.5.3.1 Do acesso às fontes (escritas e orais) ................................................................ 63

1.5.3.2 Da efetiva participação no IPÊS ........................................................................ 65

1..5.3.3 Da relevância dos cargos .................................................................................. 65

1.5.3.4 Do peso dos IPÊS regionais .............................................................................. 66

1.5.3.5 Da escolha dos militares que compõem o grupo de indivíduos ........................ 67

1.5.3.6 Da escolha dos civis que compõem o grupo de indivíduos ............................... 67

1.5.3.7 Dos critérios para a definição do grupo de indivíduos ...................................... 68

1.6. FONTES, ROTEIRO DE PESQUISA E SOFTWARES UTILIZADOS ......................... 68

1.7 CONCLUSÃO ................................................................................................................ 70

2 FORMAÇÃO ACADÊMICA E TIPO DE ATUAÇÃO NO IPÊS: CORRELAÇÕES E

DIVERGÊNCIAS EM RELAÇÃO À OCUPAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS

FEDERAIS .............................................................................................................................. 71

2.1. METODOLOGIA .......................................................................................................... 71

2.1 DADOS GERAIS ............................................................................................................ 75

2.1.1 Civis e militares ........................................................................................................ 75

2.1.2 Atividades desempenhadas pelos ipesianos ............................................................. 77

2.2. FORMAÇÃO DOS IPESIANOS ................................................................................... 82

2.2.1. Formação Geral ...................................................................................................... 82

2.2.2. Formação nacional x internacional ........................................................................ 83

2.2.3. Nacionalidade e formação ...................................................................................... 89

2.2.4. Os 10 hiperespecializados: o ápice da formação técnica entre os ipesianos ......... 91

2.2.7. A ESG e a negação de sua diplomação como atestado ideológico ........................ 96

2.3. IPÊS COMO RECURSO PARA OCUPAÇÃO DE CPF? ........................................... 100

2.3.1 Ingressos no IPÊS antes e depois do golpe ............................................................ 100

2.3.2 Tipos de atuação no IPÊS ...................................................................................... 105

2.4 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 114

3 AS CARREIRAS PÚBLICAS FEDERAIS DOS IPESIANOS EM PERSPECTIVA:

AS DINÂMICAS DE SUAS POSIÇÕES NO ESTADO ................................................... 116

3.1. A OCUPAÇÃO DE CPFS PELOS IPESIANOS EM PERSPECTIVA GLOBAL ...... 116

3.2 CPFS ANTES DO GOLPE: A CARREIRA PÚBLICA FEDERAL PRÉVIA COMO

EVIDÊNCIA DA CONTINUIDADE BUROCRÁTICA ...................................................... 119

3.3 MANUTENÇÃO DE CARGOS ENTRE REGIMES POLÍTICOS DIFERENTES: O

ESPÍRITO DA CONTINUIDADE BUROCRÁTICA ........................................................... 122

3.4. CPFS APÓS O GOLPE E COMPARAÇÃO COM O PRÉ-GOLPE: A ASCENSÃO

BUROCRÁTICA E O DESCENSO BUROCRÁTICO COMO DINÂMICAS

ALTERNATIVAS À COLONIZAÇÃO DO ESTADO PÓS-1964 ...................................... 127

3.5. PERMANÊNCIA EM CPFS APÓS O GOLPE DE 1964: COLONIZAÇÃO DO

ESTADO OU INTERRUPÇÃO BUROCRÁTICA? ............................................................. 131

3.6. A COLONIZAÇÃO DO ESTADO EM PERSPECTIVA: AS DINÂMICAS DAS

CARREIRAS PÚBLICAS FEDERAIS DE IPESIANOS QUE OCUPARAM CPFS APÓS O

GOLPE DE 1964 ................................................................................................................. 135

3.7 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 140

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 142

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 147

APÊNDICE A – LISTA DOS INDIVÍDUOS ANALISADOS COM NÚMERO DE CPFS

OCUPADOS PRÉ E PÓS-GOLPE ..................................................................................... 154

APÊNDICE B – FICHA PROSOPOGRÁFICA ................................................................ 158

APÊNDICE C – LISTA DE ACERVOS CONSULTADOS ............................................. 161

15

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como ponto de partida problematizar algumas teses assentadas na

historiografia, em grande parte derivadas da obra “1964: a conquista do Estado”, de René

Dreifuss (1986 [1981]). Dreifuss expõe o modo como duas instituições, o Instituto de

Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)

atuaram politicamente para desestabilizar o governo de João Goulart e, a partir do retorno ao

presidencialismo1, intensificar seus esforços nesse sentido. A força da aliança anticomunista e

a vasta verba direcionada aos bolsos da oposição ao governo foram desveladas pelo trabalho

de Dreifuss.2

Com a leitura da obra desse cientista político, e sabendo que o IPÊS estendeu suas

atividades para as principais cidades do país, surgiu a dúvida: houve IPÊS no Rio Grande do

Sul? Se sim, como ele funcionava, e como atuou naquele período turbulento do pré-golpe e

durante a ditadura? O primeiro indício foi uma carta do Instituto de Pesquisas Econômicas e

Sociais do Rio Grande do Sul (IPESUL), o IPÊS do Rio Grande do Sul, para o IPÊS do Rio

de Janeiro, no Apêndice X da obra de René Dreifuss (pp. 749-750). A partir dessa carta, de

buscas pela internet e de consultas à antiga sede do IPESUL (atual sede da Junta Comercial

do Estado do Rio Grande do Sul e da Federação das Associações Comerciais e de Serviços do

Rio Grande do Sul, FEDERASUL, em Porto Alegre), foi possível construir a história dessa

instituição e dos indivíduos que a compunham. O IPESUL publicava um periódico

denominado “Democracia e Emprêsa”. Após busca nas bibliotecas da Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS), constatou-se que as edições estavam disponíveis para consulta. Tratava-se de uma

publicação periódica com edições de 1962 a 1971, com textos reproduzidos de uma série de

revistas e jornais e com alguns textos próprios, além das nominatas das diretorias do IPESUL

durante esse período. Assim, foi realizado um Trabalho de Conclusão de Curso para o

bacharelado em História, com delimitação temporal entre 1962 e 1964.

Pouco tempo depois, no início do mestrado em História na PUCRS, em 2010/1, foi

proposta uma análise de todas as edições da revista, de 1962 a 1971. Dessa forma, foi possível

constatar permanências e diferenças nos discursos veiculados nas revistas após o golpe.

1 Com a crise política em relação à posse de João Goulart na presidência da República após a renúncia de Jânio

Quadros, foi estabelecido um estado de compromisso em um regime parlamentarista, viabilizando a ocupação do

cargo por Jango. 2 Nas eleições de 1962 houve financiamento de candidatos de oposição ao governo João Goulart. Ver

DREIFUSS, 1986; pp. 319-338, MONIZ BANDEIRA, 1983, pp. 64-74; e DUTRA, 1963.

16

Muitas vezes, membros do IPESUL criticavam o regime no que dizia respeito a estatizações e

à inflação, por exemplo. O objetivo da dissertação de mestrado (MORAES, 2012) era

compreender como uma fração de classe específica tentou convencer outras frações de classe

de que, conforme seu discurso, a luta contra o “comunismo” era extremamente importante, e

que as empresas deveriam ceder benefícios aos trabalhadores para que o “comunismo” não

fosse vitorioso e a livre iniciativa pudesse sobreviver. Como o título da dissertação,

parafraseando um ipesiano3, Glycon de Paiva, “entreguemos a empresa ao povo antes que o

comunista a entregue ao Estado”. Os principais referenciais teóricos eram Antonio Gramsci

(CARNOY, 1990, pp. 89-118), para pensar a questão da sociedade civil e do Estado

ampliado4, e John B. Thompson (1995), para pensar os discursos veiculados no periódico e

suas estratégias de mobilização de sentido, dentro do marco conceitual marxista.

Algumas questões importantes formaram o embrião desta tese. Dreifuss afirmava que

uma série de ipesianos ocuparam cargos de alto escalão no Estado após o golpe de 1964,

muitos como ministros. No entanto, na pesquisa com o IPESUL, foram identificados poucos

indivíduos que ocuparam cargos públicos federais (doravante CPFs), por exemplo. Além

disso, levantou-se dúvidas sobre se quem ocupou CPF importante pós-1964 permaneceu

muito tempo, ou se o fato de ter participado do IPÊS era realmente relevante. Além disso, será

que esses indivíduos não tinham uma carreira pública importante antes do golpe, e foram

recrutados em função disso? Será que ocuparam brevemente cargos importantes e se retiraram

do cenário público? Será que, no longo prazo, já no contexto da Constituição de 1988, esses

indivíduos seguiram outra trajetória? Será que todos ipesianos apoiaram efetivamente o

golpe? E a ditadura? E quem entrou no IPÊS apenas após o golpe, como deveria ser

analisado? Além disso, o que significava ser efetivamente do IPÊS ou ter uma passagem

breve pela entidade, e qual o peso disso em qualquer tipo de análise sobre a instituição? Essas

questões incentivaram o desenvolvimento de um projeto de doutorado.

Estabelecemos o seguinte problema: houve colonização do Estado pós-1964 por

ipesianos que ocuparam CPFs após a mudança de regime político? Nesse sentido, o objetivo

3 Usaremos o termo "ipesiano" para fazer referência aos indivíduos que serão estudados em seu conjunto. A

utilização de tal termo não implica grau maior ou menor de adesão ao IPÊS, e sim apenas uma estratégia

narrativa para simplificar o texto a cada vez que referirmos indivíduos que compõem o grupo estudado. 4 Em Gramsci, uma das acepções do conceito de Estado inclui a sociedade civil, constituindo uma síntese entre

consentimento e repressão, e não uma oposição entre Estado e sociedade civil (CARNOY, 1990, p. 99). O

Estado é parte da hegemonia da classe dominante, e, portanto, “uma extensão do aparelho hegemônico, como

parte do sistema desenvolvido pela burguesia para perpetuar e expandir seu controle sobre a sociedade no

contexto da luta de classe” (p. 100). Essa concepção de Estado pode ser compreendida como “Estado ampliado”.

Portanto, conhecemos o debate sobre Estado e sociedade civil, mas focaremos, na carreira pública federal dos

ipesianos que ocuparam cargos públicos federais após o golpe.

17

principal é analisar o tempo de exercício e o tipo de cargos ocupados na carreira pública

federal pré e pós-golpe dos ipesianos que ocuparam CPFs após o golpe de 1964. O ponto de

partida foi o Capítulo IX da referida obra de René Dreifuss. Nele, o autor elenca uma série de

indivíduos que ocuparam cargos públicos pós-1964 e que, supostamente, foram líderes,

ativistas, colaboradores, doadores ou membros do IPÊS. Antes de desenvolvermos o

problema, as hipóteses e os objetivos da tese, apresentaremos um histórico da instituição.

O IPÊS em perspectiva: história, organização e atuação

O IPÊS foi criado em São Paulo, em 29 de novembro de 19615, pouco após a renúncia

de Jânio Quadros6 e a ascensão de João Goulart, composta por civis e militares7. João Goulart

era considerado uma “ameaça comunista” por parte do empresariado, que aglutinou-se no

IPÊS com o objetivo de defender o que consideravam a “democracia” e combater o que

pensavam ser a “ameaça comunista” no país.8 Conforme o panfleto “O que é o IPÊS”,

o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais é uma iniciativa de empresários

brasileiros, com o participação de profissionais liberais, reunidos numa entidade

apolítica pela vontade de encontrar, com a soma de suas experiências, soluções

nacionais para os problemas brasileiros. A finalidade do IPÊS é o estudo de soluções

democráticas para os problemas colocados pelo desenvolvimento nacional, a

formação legítima de uma opinião pública, esclarecida e participante, visando ao

fortalecimento do regime e ao progresso econômico e social.9

Nesse sentido, o IPÊS apresentava-se como uma instituição apolítica, em um sentido

estrito, de apartidarismo, que reunia indivíduos preocupados com os problemas brasileiros e

que tentariam oferecer soluções. O referido panfleto também afirma que “a atuação do IPÊS

na vida nacional far-se-á sentir através da objetividade dos estudos que realizar e da clareza

5 Há uma certa indefinição em relação à data de fundação do IPÊS, mas trata-se de uma questão menor que não

dificulta a análise do histórico da instituição. Ramírez refere que a fundação pode ter sido também no dia

30/11/1961 ou mesmo no dia 02/02/1962 (2005, p. 187) 6 Jânio Quadros renunciou à Presidência da República em 25/08/1961, passando o poder ao vice-presidente, João

Goulart, que já havia sido vice-presidente de Juscelino Kubitscheck anteriormente. Por meio de uma carta de

renúncia, atribuiu seu ato a “forças terríveis” que se levantaram contra ele. 7 Conforme Ramírez (2005), entre os empresários mais ativos estavam “Antônio Gallotti, Augusto Trajano

Azevedo Antunes, Gilbert Hubert Jr., Glycon de Paiva Teixeira, João Batista Leopoldo Figueiredo, José Garrido

Torres, Miguel Lins e Paulo Ayres Filho” (p. 187). 8 Sempre que utilizarmos aspas será referência ao discurso dos indivíduos estudados. Trata-se de estratégia

narrativa para evitar interpretação equivocada das argumentações, pois, por vezes, podem emaranhar-se com o

discurso da fonte pesquisada. 9 Arquivo Nacional. Fundo IPÊS, Código BR AN, RIO.QL.O.CDI.1. Panfleto “O que é o IPÊS?” Disponível em:

<http://www.an.gov.br/sian/Multinivel/Mostra_Arquivo.asp?visualiza=&v_arquivo=http://imagem.sian.an.gov.b

r/anexos/sian/arquivos/1186615_26045.pdf&v_codreferencia_id=1186615&v_Tipo=upload&v_MultinivelDiret

orio_ID=26045>. Acesso em 12 jul. de 2016.

18

dos fins que se propôs alcançar”10. Ou seja, há a intenção de objetividade nos estudos que

solucionariam os problemas do país. É possível interpretar, portanto, que há uma tentativa de

desvincular a atuação do IPÊS da política partidária, apresentando soluções sem “carga

política”. Inclusive, o artigo 2º de seu estatuto afirma que “o IPÊS não participará de

quaisquer atividades político-partidárias [...]”11, deixando claro sua intenção de desvincular-se

de partidos políticos. Além disso, em seu artigo 3º, o Estatuto do IPÊS afirma que, para a

consecução de seus objetivos e finalidades, “o IPÊS usará dos meios adequados, entre os

quais Campanhas Educativas, Cursos, Conferências, Seminários, Difusão e Propaganda,

Promoções Diversas, Manutenção de Escolas, Institutos, Entidades ou Bôlsas de Estudos,

etc”12. De fato, todos esses recursos foram utilizados ao longo da história do IPÊS em sua

atuação.

A instituição, para cumprir os objetivos propostos, dividia-se em Conselho Orientador,

Comissão Diretora, Comitê Executivo e vários Grupos.

O Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC) foi liderado pelo general Golbery do

Couto e Silva no Rio de Janeiro até junho de 1964 e indicava áreas sensíveis a outros dois

grupos, o Grupo de Estudos e Doutrina (GED) e o Grupo de Doutrina e Estudos (GDE), de

São Paulo. Analisavam temas relevantes para os objetivos da instituição e determinavam

objetivos de curto e longo prazo. O GLC analisava os jornais diários do país e uma série de

revistas, totalizando cerca de 14 mil unidades por ano. Além disso, mantinham estreito

contato com o Exército e grampearam cerca de três mil telefones no Rio de Janeiro

(DREIFUSS, 1981, p. 218). O GLC listava as potenciais atividades subversivas no país

através de seus monitoramentos e fazia avaliações do contexto político do país.

Em São Paulo, o grupo congênere chamava-se Grupo Especial de Conjuntura (GEC).

Conforme Ramírez, o GEC “era mais orientado para a ação direta e se encarregava do Setor

de Exército e Informação do IPÊS/SP, tendo como objetivo suprir com informação a liderança

e os Grupos de Estudo e Ação do IPÊS/SP” (2005, p. 196). Sua orientação era recebida do

GDE, de SP, e sincronizava suas atividades diariamente com o GLC, do RJ.

Após o golpe de 1964, seu material todo foi levado por Golbery do Couto e Silva para

compor o núcleo de informações do Serviço Nacional de Informações (SNI), recém criado e

sob sua chefia. A base das informações sobre potenciais comunistas foi produzida dentro do

IPÊS, no governo de João Goulart, por meio do GLC.

10 Idem. 11 IPÊS. Estatutos, 1962. Localização: Arquivo Nacional, Fundo IPÊS (código QL), Caixa 35, PAC 01, Estatutos

do IPÊS [1962]. 12 Idem.

19

O Grupo de Assessoria Parlamentar (GAP), também chamado de Escritório de

Brasília, articulava manobras com a oposição parlamentar a João Goulart e antecipava táticas

dos governistas, preparando contraofensivas articuladas para agir politicamente e tentar

impedir a base parlamentar de aprovar projetos de lei no Congresso Nacional.

O Grupo de Opinião Pública (GOP) divulgava a produção do IPÊS e de autoria de

terceiros que interessassem às ideias do IPÊS por meio da distribuição de livros e panfletos.

Além disso, organizou uma rede informal de estações de rádio e de televisão alinhadas com as

ideias do IPÊS que, segundo Ramírez, “em novembro de 1962, totalizavam um número de

três mil, aproximadamente” (p. 200).

O Grupo de Publicações e Editorial (GPE) trabalhava em conjunto com o GOP, e

“inseria na imprensa comentários, debates e opiniões, elaborava editoriais, divulgava notícias

e artigos prontos feitos por agências especializadas, assim, a disseminação de literatura

‘democrática’ era uma das funções cruciais do GPE [...]” (p. 201). Divulgavam artigos,

panfletos e livros, todos com material voltado para a “defesa da democracia”.13

O GED, conforme Ramírez, formava a “base para teses e diretrizes de longo prazo e

fornecia materiais para o GLC e o GPE. Suas prioridades políticas eram estabelecidas pelo

comitê executivo e diretores do IPÊS, em composição com o GLC e o GAP” (p. 203). Ou

seja, era bem articulado com o restante dos grupos do IPÊS. Em são Paulo, o GED chamava-

se GDE, e focava, justamente, na doutrina.

O Grupo de Integração (GI), ou Setor de Ação Empresarial, recrutava membros ou

doadores para o IPÊS e difundia o que a instituição defendia. Era o grupo que arrecadava a

maior parte dos fundos, e o fazia por meio de prospecção de potenciais participantes em

reuniões, mesas de integração, conferências, almoços etc.

O IPÊS, conforme Ramírez, pode ter sua história sintetizada em quatros momentos

distintos.

O primeiro momento refere-se ao período pouco antes da fundação do IPÊS-SP, em

30/11/1961, e a eleição de sua diretoria, em 16/10/1962, período em que a instituição estava

consolidando a sua estrutura administrativa e o seu programa de ação de desestabilização do

governo de João Goulart (2005, p. 185).

Fundado inicialmente em São Paulo, o IPÊS passou por alguns conflitos com os seus

pares cariocas para alcançar coesão e unidade em suas atividades. O IPÊS do Rio de Janeiro

13 A dissertação de mestrado de Martina Spohr Gonçalves (2010) trabalha especificamente com a relação do

IPÊS com o mercado editorial nos anos 1960, analisando o viés anticomunista das publicações distribuídas pelo

instituto e o modo como operava.

20

teria sido fundado em 2 de fevereiro de 1962, portanto depois do IPÊS/SP. Os cariocas

criticaram duramente o estatuto da entidade dos paulistas, e após muita discussão, foi criado

um novo estatuto em Assembleia Geral Extraordinária de 16/10/1962. Na verdade, as

divergências eram a respeito de quem conduziria a entidade, de forma coordenada. No

entanto, em 16/10/1962 houve uma Assembleia Geral Extraordinária na qual foi escolhida

uma nova diretoria com membros de São Paulo e Rio de Janeiro em paridade, conformando

uma união que persistiu e configurou o amadurecimento do IPÊS para suas atividades.

O segundo momento vai até 27/05/1964, quando os dois IPÊS se separam, originando

o IPÊS/Guanabara (GB). Trata-se da etapa mais importante da atuação da instituição, pois é o

período específico da campanha de desestabilização do governo de João Goulart até o golpe

de 1964, quando o programa da entidade, segundo Dreifuss, teve resultado concreto.

A partir de maio de 1962 houve uma série de viagens de lideranças do IPÊS para

expandir a atuação da instituição para níveis nacionais. Foram fundados seccionais do IPÊS

em Manaus, Santos, Recife, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre, sendo esses

dois últimos os IPÊS mais ativos depois dos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Para Ramírez,

“estes grupos eram, em teoria, autônomos, ainda que todos eles recebessem o seu mesmo

nome, com algum acréscimo, e, na prática, fossem considerados como departamentos do

próprio IPÊS [...]” (2005, p. 192). Heloisa Starling pensa da mesma forma, argumentando que

“o IPES-MG procurou difundir amplamente a idéia de que sua ação era autônoma, embora

mantivesse uma <<afinidade de pensamento>> com o Rio e São Paulo” (1986, p. 61). Embora

tais autores defendam que essas seccionais trabalharam sem qualquer autonomia, apenas

como espelhos dos IPÊS coordenadores de São Paulo e Rio de Janeiro, defendemos, em

estudo específico sobre o IPESUL, que houve uma autonomia relativa da entidade em relação

aos IPÊS centrais. Em reunião da Comissão Diretora do IPÊS em 27/03/1962 é dito que

deveriam fundar seccionais nos estados, pois já havia cinco solicitações desse gênero,

incluindo do Rio Grande do Sul.14 Conforme referimos em outro lugar,

o IPESUL foi fundado em 23 de março do mesmo ano, portanto antes da reunião

ocorrer. O IPÊS de Minas Gerais, no entanto, foi fundado em 9 de maio de 1962,

após a reunião ocorrer. Seria possível que a Comissão Diretora não soubesse que o

IPESUL já havia sido criado? Tais informações nos permitem supor que houve

alguma comunicação entre membros do IPESUL e dos IPÊS centrais antes da

fundação da congênere gaúcha, e foi criada a entidade sem a anuência daqueles.

14 IPÊS. Reunião da Comissão Diretora, 27/3/1962. p. 1. Localização: Arquivo Nacional, Fundo IPÊS (código

QL), Caixa 3, PAC 01, Súmulas da Comissão Diretora 1962, Súmula das reuniões da Comissão Diretora (cópias)

1962.

21

Houve, portanto, uma certa autonomia do IPESUL em relação aos IPÊS centrais no

processo de sua fundação. (MORAES, 2012, p. 38)

Além disso, em reunião do Comitê Executivo do IPÊS de 12/04/1962, o primeiro

ponto era “São Paulo não reconhece o IPÊS-SUL, não tomou conhecimento de sua

existência”15 e continuou sendo discutido como “Caso do IPÊS-SUL”. Houve, portanto, uma

autonomia relativa em sua fundação.

Em 1962, houve eleições gerais em outubro, e uma série de candidatos opositores do

governo federal foram financiados com verbas do IPÊS e do IBAD, muitas delas provenientes

de capital estrangeiro, o que era, e ainda é, ilegal nas campanhas eleitorais. Inclusive foi

criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), ainda em 1962, para apurar o fluxo de

capital estrangeiro para o financiamento de opositores de João Goulart nas eleições. A CPI

conseguiu provar o envolvimento do IBAD nessa ação ilícita e suas atividades, bem como as

da ADEP (Ação Democrática Popular, braço parlamentar do IBAD), foram cessadas por meio

do Decreto nº 52.425, de 31 de agosto de 196316, mas não conseguiu apurar o envolvimento

do IPÊS, que se esforçou em ocultar esse tipo de atividade por parte da instituição. Trata-se de

um episódio importante da história do IPÊS, pois embora não tenham conseguido apurar via

CPI, as evidências documentais possibilitam perceber que havia, além da doação de pessoas

físicas e jurídicas nacionais, um grande fluxo de capital estrangeiro, o que implica influência

estrangeira na instituição e na organização social e política do país. Eloy Dutra (Partido

Trabalhista Brasileiro, PTB), que foi deputado federal e vice-governador da Guanabara,

lançou, em 1963, a obra “IBAD: sigla da corrupção”, na qual narra sua oposição ao IBAD,

bem como as críticas à influência estrangeira por meio da instituição e de seu aporte de

recursos a opositores de João Goulart na política brasileira. Conforme Eloy Dutra:

Ninguém deve esquecer, ainda, que se a ADEP promoveu as candidaturas de 600

aspirantes a deputado estadual e de 250 a deputado federal, gastando rio de dinheiro

em faixas, cartazes, cédulas, veículos e até em auxílios pecuniários diretos, o IBAD

foi o órgão que interveio incisivamente na maioria das eleições majoritárias havidas

em 1962. Sua atuação em dois Estados-chave do País, naquele ano, a Guanabara e

Pernambuco, mobilizou recursos fantásticos sôbre os quais apenas se conhece uma

bem modesta parcela do total. Quanto não dispensou o IBAD, ao certo, para tentar

por todos os meios instalar o Sr. João Cleofas no Govêrno de Pernambuco?

Provou o Sr. Miguel Arraes, em seu depoimento à CPI, que os recursos diretamente

invertidos pelo IBAD nas eleições de 1962, sòmente em Pernambuco, e visando

15 IPÊS. Reunião do Comitê Executivo, 12/4/1962. p. 1. Localização: Arquivo Nacional, Fundo IPÊS (código

QL), Caixa 3, PAC 01, Súmulas do Comitê Executivo 1962, Súmulas das reuniões do Comitê Executivo cópias

1962 16 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Decreto nº 52.425, de 31 de Agosto de 1963. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-52425-31-agosto-1963-392576-

publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 12 set. 2016.

22

especificamente à Governança, foram maiores que alguns orçamentos de Estados –

veja bem o leitor! – de Estados da Federação brasileira. E isso, repito, em pouco

mais de 150 dias!!! (1963, p. 27)

É importante destacar que, mesmo com o financiamento de campanhas eleitorais pelo

IBAD, não houve vitória de candidatos conservadores em locais importantes, como

argumenta Eloy Dutra, ao falar de Pernambuco, onde Miguel Arraes (PTB) foi vitorioso, e de

sua própria candidatura a vice-governador pelo PTB, que também venceu no pleito.

Tampouco houve proporcionalidade entre a eleição de parlamentares de oposição a João

Goulart e os vultuosos recursos aplicados em suas campanhas. Não houve mudança

substantiva, e os petebistas permaneceram com bastante presença no Poder Legislativo.

Ainda em relação às questões eleitorais, um livro importante que foi distribuído pelo

IBAD foi “Assalto ao Parlamento”, de Jan Kozak. Foi distribuído gratuitamente e, segundo a

apresentação elaborada pelo IBAD,

O desafio que o mundo democrático enfrenta atualmente reflete-se de maneira

pungente no Brasil: as fôrças da corrupção aliadas com o comunismo internacional

conspiram ativamente contra o futuro e a segudança do país. Na medida do possível,

vem o Instituto Brasileiro de Ação Democrática procurando esclarecer o povo

brasileiro sôbre as permanentes atividades desses inimigos da democracia, e esta

nova edição do IBAD representa mais um esfôrço nesse sentido.

[...]

A atualidade de oportunidade de “O Assalto ao Parlamento” residem principalmente

na semelhança dos métodos que são preconizados pelo Autor, com os que estão

sendo empregaos atualmente no Brasil. E outro aspecto de grande importância dêsse

trabalho é dado pelo fato de ser o primeiro e único depoimento, feito por um mestre

comunista, da técnica de tomada do poder pelo PC dentro da mais perfeita e

completa legalidade.

[...]

Esperamos que a publicação de “Assalto ao Parlamento” (título aproveitado da

edição espanhola) sirva ao seu principal objetivo: alertar os bons brasileiros,

mostrando-lhes com as próprias palavras de um comunista militante e categorizado,

quais as táticas que, com as nuances que o meio brasileiro requer, estão sendo

usadas para a lenta mas firme transformação do Brasil em mais um satélite da União

Soviética. (pp. 5-6, grifos no original)

Ou seja, trata-se de uma obra divulgada como alerta do que estaria acontecendo no

país, onde “comunistas” estariam ocupando espaços no Poder Legislativo com, supostamente,

o objetivo de acabar com a democracia no país. Foi mais uma das ações do IBAD para

desestabilizar o governo de João Goulart.

Uma das principais bandeiras defendidas pelo governo de João Goulart era a das

reformas de base. Eram reformas que considerava essenciais para o desenvolvimento do país.

A principal era a reforma agrária, visando a corrigir as desigualdades no acesso à terra no

país. Também estavam em pauta as reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa e

23

universitária. Os estudos produzidos e divulgados sobre as reformas de base compreendiam,

por exemplo, os temas da Remessa de Lucros, da Reforma Tributária, da Habitação Popular,

da Reforma Eleitoral, da Inflação, da Reforma Constitucional, da Reforma Agrária e do

Planejamento” (DREIFUSS, 1986, p. 238). Para cada reforma proposta pelo lado do governo,

o IPÊS propunha uma outra reforma, com base no pensamento da instituição e nos estudos

desenvolvidos internamente. Nesse sentido, foi realizado o Congresso de Reformas de Base,

em janeiro de 1963, para que o IPÊS pudesse apresentar as propostas da instituição.

O terceiro momento caracterizou-se pela celebração do golpe de 1964 pelos ipesianos

e pela ocupação de cargos públicos relevantes por muitos integrantes da entidade após a

deposição de João Goulart. Os ipesianos comemoraram a vitória do movimento golpista e, no

dia 3 de abril de 1964, realizaram uma reunião da liderança do IPÊS do Rio e de São Paulo

contando com alguns dos principais quadros da entidade, na qual Harold C. Polland

cumprimentou “os militares do IPES pela vitória” (DREIFUSS, 1986, p. 420). No próprio

decorrer do processo golpista houve apoio de indivíduos ligados ao IPÊS.

Após o golpe, foi publicado livro distribuído pelo IPÊS denominado “Guerra

Revolucionária”, de autoria do deputado federal pela União Democrática Nacional (UDN) e

presidente da mesma sigla, Bilac Pinto:

A denúncia formulada da tribuna da Câmara dos Deputados e em entrevistas, pelo

Deputado Bilac Pinto, Presidente da União Democrática Nacional, sôbre a situação

política e o desenvolvimento da “guerra revolucionária”, teve tal importância como

definição objetiva do perigo que enfrentávamos, em face do processo de

comunização do País, que o Comando Supremo da Revolução a incluiu entre os seus

documentos básicos.

[...]

A vitória alcançada, em curto prazo e sem derramamento de sangue, pelas Fôrças

Armadas, unidas na defesa do regime democrático em perigo e apoiadas

maciçamente pela opinião pública, não significa que a ameaça comunista tenha sido

afastada por muitos anos.

O imediato retôrno à normalidade constitucional não permitiu que o Comando

Supremo da Revolução desmantelasse a organização sediciosa longamente

preparada e com infiltrações em todos os setores do Govêrno. (p. 3).

Segundo Bilac Pinto, em suposta denúncia feita antes do golpe, haveria um processo

de guerra revolucionária das esquerdas para a tomada do poder, que estaria prosseguindo

após a deposição de João Goulart. Portanto, nessa visão, estaria justificada a manutenção da

ditadura para que o “comunismo” continuasse sendo combatido.

24

Após o golpe, houve a criação do Grupo Permanente de Mobilização Industrial

(GPMI).17 Tratava-se de uma aproximação maior entre as classes produtoras e as Forças

Armadas, em um relacionamento no qual seria atendido prioritariamente as necessidades

destas. Conforme Vitório Ferraz, líder do IPÊS e presidente do GPMI, citado por Dreifuss, “a

vívida experiência dos primeiros dias [...] mostrou a necessidade imperativa de as indústrias

reconhecerem as exigências mínimas dos militares e de estes saberem em quem podem

confiar na indústria” (p. 453). Além disso, por meio do GPMI, as classes produtoras poderiam

indicar

as firmas que estiverem melhor adaptadas à execução do serviço ou fabricação de

equipamentos militares. Aconselhará e recomendará a adoção de padrões para itens

que possam ser usados em uma emergência para beneficiar a segurança nacional,

dando às Forças Armadas a resposta à equação principal da vida militar moderna:

onde obter material? Quando obter material? Como receber o material necessário?

(pp. 453-454)

René Dreifuss afirma que houve uma colonização do Estado por ipesianos após o

golpe de 1964, ou seja, houve ocupação sistemática de cargos importantes no aparato estatal

por indivíduos que participaram da instituição. No capítulo IX de sua obra, intitulado “O

Complexo IPES/IBAD no Estado - A ocupação dos postos estratégicos pela elite orgânica”

(1986, pp. 417-455), o autor elenca os ministérios, secretarias e outros órgãos públicos,

federais e estaduais, nos quais ipesianos assumiram algum cargo, via de regra relevante. O

que Dreifuss não deixa claro é o grau de participação desses indivíduos no IPÊS, a efetiva

extensão da ocupação desses cargos e a carreira pública pré e pós-1964 de cada um deles,

elementos que poderiam oferecer uma compreensão mais ampla desse processo. No Capítulo

1, argumentaremos de forma mais aprofundada os problemas dessa etapa do trabalho de

Dreifuss e o que essa tese pretende responder com base nessas informações.

Para compensar a queda na participação de empresários na instituição, fruto desse

esvaziamento no IPÊS, foi criada a Associação dos Diplomados do IPÊS (ADIPÊS), tendo

como modelo a Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG). O IPÊS

foi declarado de utilidade pública em 07/11/1966. Anteriormente, o IPÊS/SP havia sido

declarado da mesma forma em 23/05/1962 e o IPESUL por meio do Decreto Estadual nº

15.113, de 07/05/63. Conforme referimos em outro lugar (MORAES, 2012, p. 56), “Neste

período, quem governava o estado era Ildo Meneghetti, do Partido Social Democrático (PSD).

Visto que o Instituto era anticomunista e sustentava posições contrárias ao governo federal,

17 Para maiores informações sobre o GPMI, ver SILBERFELD, 1984; SILBERFELD, 2015; e LEMOS, 2016.

25

este decreto adquire um significado importante”. Os empresários passaram a dar pouca

atenção ao IPÊS. Havia poucas pessoas para o trabalho, pois a maioria apenas doava, e

mesmo assim não eram muitos como antes do golpe de 1964. Os líderes ipesianos discutiram

essa questão internamente (RAMÍREZ, 2005, p. 213).

O quarto momento marca a decadência do IPÊS. Um dos principais problemas foi uma

série de divergências com a Cia. Imobiliária Metropolitana, que locava as salas onde ficava a

sede do IPÊS a partir do final de 1965. Discordavam dos valores a serem reajustados para

pagar a locação. Com a alta da inflação, em julho de 1966 a questão agravou-se e a

imobiliária moveu uma ação de despejo contra o IPÊS/GB (RAMÍREZ, 2005, p. 214). A

decisão final foi tomada em agosto de 1967 após recurso do IPÊS, e nesse período foi gasto

muito dinheiro para dar conta dessas questões jurídicas. A decisão dos dirigentes foi, então, a

de comprar uma sede por meio de financiamento e deixar de locar salas, o que teria gerado o

problema anterior. No entanto, a instituição não contava mais com o amplo apoio do

empresariado, seja com recurso humano, seja com doações em dinheiro. As contribuições,

com a escalada inflacionária, deveriam aumentar, o que não ocorreu. Muitos empresários

distanciaram-se da instituição. Mesmo a alternativa da dissolução da entidade, prevista em seu

estatuto, foi vista com certo pessimismo, pois necessitava da maioria absoluta de seus

membros, o que não julgavam possível realizar, dado o grau de afastamento do empresariado

(RAMÍREZ, 2005, p. 218). De fato, optaram pela desmobilização do IPÊS/GB a partir de

30/06/1971. Em julho de 1971, com as dívidas avolumando-se, o imóvel foi vendido e o IPÊS

parou de funcionar.

Problema, hipóteses e objetivos

Com base na discussão referida acima, estabelecemos o seguinte problema de

pesquisa: houve colonização do Estado pós-1964 por ipesianos que ocuparam CPFs após a

mudança de regime político? Trabalharemos com algumas hipóteses de trabalho para a

problemática proposta:

1) ipesianos tiveram carreira pública federal pré-1964 bastante consistente e de alta

qualidade, constituindo uma continuidade burocrática entre seus cargos antes do golpe e após

o golpe, o que seria fator explicativo para os cargos ocupados após o golpe;

26

2) ipesianos mantiveram seus cargos na mudança de regime político, constituindo uma

continuidade burocrática específica, na qual o golpe não interferiu em suas carreiras públicas

federais prévias;

3) ipesianos aumentaram e diminuíram a qualidade dos CPFs ocupados durante sua

carreira pública federal, constituindo uma dinâmica entre ascensão burocrática e descenso

burocrático mais complexa do que a análise de cargos ocupados imediatamente após o golpe

de 1964; e

4) ipesianos ocuparam poucos ou apenas um CPF após o golpe de 1964, sendo que

vários desses encerraram sua carreira pública em alguns anos, o que constituiu uma

interrupção burocrática de suas carreiras.

Para dar conta da problemática proposta, tendo como base as hipóteses definidas

acima, estabelecemos como objetivo principal analisar o tempo de exercício e o tipo de cargos

ocupados na carreira pública federal pré e pós-golpe dos ipesianos que ocuparam CPFs após o

golpe de 1964.18

Os objetivos secundários são os seguintes:

1) estabelecer o estado da arte e nossa visão sobre o IPÊS, o golpe e a ditadura civil-

militar e definir o grupo de indivíduos a ser trabalhado (N), o aporte teórico-metodológico e

as variáveis a serem utilizadas;

2) analisar quais as possíveis relações entre a formação dos ipesianos que ocuparam

CPFs pós-1964, suas carreiras públicas federais e seu tipo de atuação no IPÊS; e

3) analisar a carreira pública federal pré e pós-1964 dos ipesianos, principalmente o

tempo de exercício e o tipo de cargo ocupado.

18 Não analisaremos a atuação dos indivíduos nos CPFs ocupados. Entendemos que seria um trabalho específico

para poder contemplar a atuação dos 118 ipesianos em cada um de seus cargos ocupados dentro do Estado.

Portanto, trabalharemos apenas com o tipo de cargo ocupado (sua qualidade) e o tempo de exercício.

27

A abordagem prosopográfica e as variáveis da pesquisa

Nesta seção, apresentaremos nossas opções metodológicas. Iniciaremos apresentando

a abordagem da prosopografia e como a utilizaremos nesta tese. Em seguida, trabalharemos

com as variáveis utilizadas, as justificativas para suas escolhas e alguns exemplos de

cruzamentos de dados.

A prosopografia pode ser definida da seguinte forma:

A prosopografia é a investigação das características comuns de um grupo de atores

na história por meio de um estudo coletivo de suas vidas. O método empregado

constitui-se em estabelecer um universo a ser estudado e então investigar um

conjunto de questões uniformes – a respeito de nascimento e morte, casamento e

família, origens sociais e posição econômica herdada, lugar de residência, educação,

tamanho e origem da riqueza pessoal, ocupação, religião, experiência em cargos e

assim por diante. Os vários tipos de informações sobre os indivíduos no universo são

então justapostos, combinados e examinados em busca de variáveis significativas.

Eles são testados com o objetivo de encontrar tanto correlações internas quanto

correlações com outras formas de comportamento ou ação. (STONE, 2011 [1971],

p. 115)

Trata-se de uma abordagem que permite investigar o social de forma coletiva, com um

grupo recortado (N19), por meio de questionamentos direcionados a respeito desses

indivíduos. Portanto, o historiador que trabalha com prosopografia constrói o dado que utiliza

como base para a pesquisa, e está ciente de que os próprios critérios de construção desse dado

e da elaboração do banco de dados podem ser questionados. Portanto, esse processo deve ser

realizado da forma mais rigorosa possível, com critérios claros e que possibilitem uma

compreensão plena da forma como foi elaborado. Além disso, Heinz alerta que o método

prosopográfico deve estar associado a outras metodologias, evitando, assim, sua utilização

como fim, e não como meio para a pesquisa histórica (2006, p. 12).

A prosopografia usualmente trabalha com elites, mas não se limita e elas. Além disso,

o conceito de elite não se refere necessariamente a elites econômicas e políticas, podendo ser

um grupo recortado que se configura como elite de determinado segmento, como uma elite

sindical, por exemplo. Utilizaremos o conceito de elite de forma genérica, referenciando um

recorte de indivíduos no topo de algum grupo social. Nosso grupo é formado pelos ipesianos

que ocuparam CPFs após o golpe de 1964, diferenciando-se do restante dos ipesianos pela

posição ocupada no Estado nesse período.

19 O N da pesquisa é o grupo de indivíduos selecionado e justificado metodologicamente para ser analisado de

forma coletiva.

28

Há trabalhos pioneiros como o de José Murilo de Carvalho (2006), que aborda o papel

das elites políticas na construção do Estado brasileiro e que analisa, por meio de dados de

carreira dessas elites, suas origens sociais e como elas se comportavam enquanto grupo, e a

trilogia publicada pelos brasilianistas John Wirth, Joseph Love e Robert Levine, que analisa

as elites dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco, respectivamente, por meio de

uma série de dados de carreira, além de outros trabalhos clássicos e mais recentes.20 O uso da

prosopografia ou de métodos quantitativos aliados a qualitativos para tratar de temas ligados

ao golpe de 1964 ou à ditadura subsequente é um campo fértil para pesquisas. Alfred Stepan,

em obra de referência para o estudo dos militares no processo que culminou no golpe,

analisou suas carreiras de forma coletiva, identificando padrões e tendências em sua

formação, na ocupação de cargos públicos, no relacionamento com os civis e na articulação

entre os próprios militares. No trabalho específico com a temática do IPÊS, há originalidade

nessa tese ao lançar mão desta abordagem para trabalhar o problema proposto. Há muitas

análises do papel do IPÊS como instituição e das ações de indivíduos que constituíram

liderança na entidade, mas não há análise de grupo. Há trabalhos pontuais que analisam dados

de carreira de grupos de indivíduos do IPÊS, mas não realizam um esforço prosopográfico ou

de biografia coletiva. Nessa linha, podemos citar o trabalho de Melissa de Miranda Natividade

(2012), que apresenta quadro dos ipesianos convidados a estudar a questão da reforma agrária,

e o de Elaine de Almeida Bortone (2015), que elenca os ipesianos dirigentes de estatais do

setor financeiro brasileiro e alguns de seus dados de carreira.

O trabalho de René Dreifuss (1986), referência para esta tese, traz muitos dados sobre

os ipesianos, mas incompletos e pouco sistematizados. Não há perguntas dirigidas a todos os

ipesianos ou a um grupo definido para responder determinado problema, mas uma massa de

dados que, cruzados, indicam aproximações, relacionamentos e sociedades empresariais.

Por meio da prosopografia, é possível identificar padrões e tendências que em análises

institucionais e nas biografias individuais podem não ser possíveis identificar. Assim, os

indivíduos selecionados só fazem sentido no grupo e em análises em relação ao grupo, a

outros grupos ou frações de grupo que façam sentido para responder o problema de pesquisa.

A análise mais aprofundada de uma biografia só será utilizada para representar concretamente

um padrão ou algo fora do padrão. É possível indicar, por exemplo, formações acadêmicas ou

não em comum, tipos de cargos mais ocupados pelas principais lideranças ou por recortes

20 CHARLE, 1987, 2006; SOTO, 1994; VERBOVEN, 2007; HEINZ, 2006, 2011; ALBERNAZ, 2012.

29

específicos do grupo social pesquisado, tempo no cargo ou mesmo estabelecer a quantidade e

relevância dos cargos ocupados antes e depois do golpe de 1964.

No Apêndice 2, há uma série de grupos de variáveis que foram analisadas após a

coleta das informações e sua tabulação no banco de dados da tese. Trabalharemos com

algumas possibilidades de utilização destes dados, por meio de diferentes cruzamentos, intra-

grupo e extra-grupo.

Por meio do nome completo, pudemos obter a correta grafia para busca nas mais

diversas fontes. Se há mais de uma grafia, guardamos todas as possíveis e adotamos a com

mais referências. Quando houve dúvida entre a grafia com maior número de referências,

adotamos a referência mais antiga. Com o sobrenome correto e o nome dos filhos, caso

existam, é possível acompanhar trajetória dos descendentes do indivíduo pesquisado e

identificar possíveis continuidades na administração dos negócios ou em articulações políticas

para além da ditadura, já na redemocratização, por exemplo. No entanto, não fizemos tais

análises nesta tese, mas a base de dados construída poderá servir de ponto de partida para

pesquisas desse tipo.

A data de entrada e saída dos CPFs, bem como o corte por cargo pré-golpe e pós-

golpe, podem ser utilizadas para fazer uma análise das relações dos ipesianos com o Estado.

Dessa forma, também será possível analisar em que momento da carreira pública o indivíduo

em questão estava no período do golpe, podendo ser no princípio, no meio ou no ápice. Por

exemplo, Antônio Delfim Netto tinha 35 anos quando ocorreu o golpe. Formou-se em

Economia em 1951, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da

Universidade de São Paulo (USP). A partir de 1952, exerceu docência universitária. A partir

dos anos 1960, trabalhou em consultorias e elaboração de estudos para o Estado.21 Com o

golpe, sua carreira ganhou maior destaque. Portanto, é possível dizer que sua carreira pública

foi alavancada quando foi efetivado o golpe e foi a partir desse momento que Delfim Netto

adquiriu maior notoriedade. Inclusive, foi convidado para formar um conselho de

planejamento no governo de João Goulart, que acabou não sendo formado devido à sua

deposição.22 Por outro lado, Paulo de Assis Ribeiro nasceu em 1906, e tinha 58 anos na data

do golpe. Formou-se como engenheiro geógrafo em 1928 e engenheiro civil em 1930. Seu

primeiro cargo de grande relevância foi como presidente da Associação Brasileira de

Educação, de 1934 a 1935. Foi chefe do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores

21 Antonio Delfim Netto. Disponível em: <http://www.fea.usp.br/feaecon/perfil_ex.php?i=&u=22&e=6>. Acesso

em: 10 dez. 2014. 22 Idem.

30

para a Amazônia (1942-1944), diretor-executivo da Fundação Getúlio Vargas (1944-1945) e

diretor do Centro Pan-Americano de Aperfeiçoamento para Pesquisa de Recursos Naturais

(1961-1962).23 Ou seja, no período do golpe, sua capacidade técnica era bastante reconhecida,

e suas carreiras pública e privada já estavam consolidadas. Portanto, sua atuação durante a

ditadura pode ser vista, em boa medida, como uma continuidade do reconhecimento de seu

trabalho prévio e não como fruto de sua atuação no IPÊS.

A formação acadêmica dos indivíduos é uma informação importante para os fins desta

tese. Com esses dados, podemos identificar as principais profissões, o grau de especialização

dos indivíduos do N e as possíveis correlações entre capacidade técnica e atuação em cargos

públicos relevantes. Poderemos perceber, por exemplo, se um indivíduo teve uma formação

excelente do ponto de vista técnico, mas não alcançou um cargo correspondente com suas

capacidades, ou o contrário. Estanislau Fischlowitz, por exemplo, formou-se em direito e

atuou como técnico em diversos órgãos públicos e privados, como o Departamento

Administrativo do Serviço Público (DASP), o Ministério do Trabalho e Previdência Social

(MTPS), e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de atuar como professor da

PUCRJ de 1962 a 1967 e como assistente técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial (SENAI) no mesmo período. O principal cargo que assumiu após o golpe foi o de

Assessor de Gabinete do Ministro do Planejamento, de 1964 a 1965. Posteriormente, não há

registros de sua careira pública. Sua participação no IPÊS foi como colaborador do GED da

seção do Rio de Janeiro. Do ponto de vista da formação acadêmica, limitada à graduação em

Direito, embora seja uma formação de grande prestígio, há relativa correspondência entre essa

e sua trajetória pública e privada: não alçou grandes voos nas esferas municipal, estadual ou

federal. Do ponto de vista da sua experiência profissional com questões ligadas à previdência

social em âmbito internacional, seu conhecimento não foi levado à burocracia pública

especializada nessa área. Por outro lado, se utilizarmos novamente a trajetória de Antônio

Delfim Netto como exemplo, veremos que houve alto grau de sucesso em sua carreira

pública, pois alcançou os postos de Ministro da Fazenda, Ministro da Agricultura e Ministro

do Planejamento durante a ditadura civil-militar. Quando ocupou o primeiro cargo de

Ministro, era apenas graduado, mas como sua formação foi em Economia, que passou a ter

alto prestígio a partir dos anos 1950 na burocracia pública, e como atuara como professor

universitário, conseguiu chegar a altos cargos no Estado.

23 Identificação do fundo Paulo de Assis Ribeiro do Arquivo Nacional. Disponível em:

<http://www.an.gov.br/sian/Multinivel/Exibe_Pesquisa_Reduzida.asp?v_CodReferencia_ID=1583>. Acesso em:

10 dez. 2014.

31

Além disso, será possível partir da formação acadêmica do ipesiano para identificar se

há correlação entre suas titulações e a trajetória pública desempenhada, além da própria

trajetória no IPÊS. É possível que haja uma forte correlação, mas pode não ser confirmada

pelos dados. Também poderemos fazer cortes por tipo de formação, pela quantidade de

formações no exterior, e quantas destas foram nos EUA. É evidente que a formação nos EUA

não conforma, em uma relação causal mecanicista, uma atuação que defenda o bloco

capitalista e seja, além disso, conservadora. No entanto, essas informações podem oferecer

indícios importantes que podem explicar, em parte, a trajetória desses ipesianos em sua

carreira pública.

Outras variáveis importantes tratam da relação dos ipesianos com a instituição. Saber

o tipo de posição que o indivíduo ocupou no IPÊS pode ser importante ao cruzarmos esse

dado com sua trajetória pública. A liderança no IPÊS teve como resultado cargos de alta

relevância após o golpe ou não há essa relação? Há alguma relação entre as posições no IPÊS

e os cargos ocupados após o golpe, ou a explicação para os cargos ocupados após o golpe está

na própria trajetória pública pré-golpe dos ipesianos? Com esses dados também é possível

identificar se os ipesianos que ocuparam CPFs pós-1964 eram da cúpula do IPÊS ou apenas

tiveram participação circunstancial. Muitos dos que elencamos no N foram apenas doadores,

por exemplo.

A data de entrada no IPÊS também auxilia a responder as questões propostas nessa

tese. Por exemplo, é possível estabelecer recortes por ipesianos que ingressaram antes ou

depois do golpe de 1964. Dessa forma, poderemos inferir se o apoio ao IPÊS foi

circunstancial ou o apoio foi mais orgânico, se dando desde antes das eleições de 1962 ou até

mesmo desde sua fundação. Esses dados poderão ser cruzados com os da trajetória pública do

ipesiano, possibilitando uma compreensão maior das possíveis correlações entre essas

variáveis.

Além disso, podemos separar quais CPFs foram mais ocupados em determinado

período, como durante o governo Castelo Branco ou Governo Costa e Silva, e se houve

aumento ou diminuição de qualidade de CPFs para cada indivíduo em períodos como os já

referidos. Podemos, também, saber se o primeiro CPF foi ocupado antes do golpe de 1964 ou

após o golpe de 1964, investigar se esses cargos foram de alta relevância ou baixa relevância

e, ainda, se foram exercidos por pouco tempo ou muito tempo. Também poderemos perceber

em que momento as carreiras públicas federais desses indivíduos foram encerradas, e quais

suas relações com o restante de sua carreira.

32

Esta tese será dividida em três capítulos. No primeiro, trabalharemos com aspectos

teórico-metodológicos acerca do IPÊS e de seus indivíduos, bem como demonstraremos o

processo de definição do N, a montagem do banco de dados, seus critérios e a filtragem dos

dados elencados. Apresentaremos o resultado do processo de definição do N, um grupo de

indivíduos que atuaram de alguma forma no IPÊS e que ocuparam, efetivamente, ao menos

um cargo público federal após o golpe de 1964. Além disso, nesse capítulo definiremos qual

nosso alinhamento em relação às diferentes versões da historiografia a respeito do golpe, da

ditadura e do IPÊS, bem como marcaremos que conteúdo desses conceitos será utilizado ao

longo desta tese.

No segundo capítulo, serão analisados dados relacionados à formação dos indivíduos e

suas possíveis relações com suas carreiras públicas federais pré e pós golpe e seus diferentes

tipos de atuação no IPÊS. Nesse sentido, trabalharemos com dados pessoais, de formação

acadêmica e também com a participação no IPÊS de cada um dos indivíduos.

Apresentaremos, também, alguns casos representativos de padrões identificados no trabalho

com o conjunto do N que podem exemplificar nossas argumentações. Assim, também

apresentaremos casos que se destacam do comum. Aprofundaremos a metodologia no que se

refere à qualidade dos CPFs ocupados antes e depois do golpe e à qualidade das posições

ocupadas no IPÊS pelos indivíduos estudados. Abordaremos diferenças entre civis e militares

em relação aos CPFs ocupados, as atividades desempenhadas pelos indivíduos, diferentes

cortes de grupo sobre a sua formação acadêmica, incluindo os hiperespecializados (a serem

explicados no Capítulo 2), suas nacionalidades, e a presença ou não de formação na Escola

Superior de Guerra (ESG). Utilizaremos, também, o conceito de continuidade burocrática,

que se refere à existência de carreira pública federal prévia à ocupação de CPF após o golpe.

No terceiro e último capítulo, analisaremos dados da carreira pública federal dos

indivíduos estudados. Focaremos, portanto, na análise dos CPFs ocupados pelos indivíduos de

nosso N, no tipo de cargo, no tempo de permanência (quando foi possível quantificar), na

manutenção de cargos entre os diferentes regimes políticos, na comparação entre cargos

assumidos após o golpe e antes do golpe de 1964 e na discussão de conceitos como o de

continuidade burocrática, interrupção burocrática, ascensão burocrática e descenso

burocrático, todos ligados às dinâmicas identificadas na análise das carreiras públicas federais

do N de forma coletiva. A interrupção burocrática refere-se ao encerramento de carreira

pública federal em algum momento após o golpe de 1964, seja próximo aos primeiros

governos militares, seja no período da redemocratização. Os conceitos de ascensão

burocrática e de descenso burocrático referem-se à dinâmica de aumento da qualidade dos

33

cargos ocupados (de um cargo administrativo para um cargo de ministro, por exemplo) ou de

diminuição dessa qualidade, em períodos diferentes.

34

1 O IPÊS, O GOLPE E A DITADURA CIVIL-MILITAR: DEFINIÇÕES

CONCEITUAIS, DEBATES HISTORIOGRÁFICOS E OPÇÕES METODOLÓGICAS

Neste capítulo, pretendemos delimitar as bases para a compreensão do nosso objeto de

estudo. Iniciaremos com a apresentação de debates historiográficos referentes a conceitos

pertinentes a essa tese como golpe e ditadura, e referente ao IPÊS, definindo-o como

instituição. Também apresentaremos a questão do revisionismo nos estudos sobre o golpe de

1964. Faremos a crítica dos autores envolvidos e definiremos a nossa própria concepção

acerca da instituição objeto de nosso estudo e a respeito de alguns conceitos. Posteriormente,

apresentaremos os termos utilizados para caracterizar os indivíduos que atuaram no IPÊS e

ocuparam cargos públicos, e a dificuldade de defini-los de alguma forma, dada a sua

heterogeneidade. Apresentaremos a metodologia utilizada para a definição do número de

indivíduos (N) da pesquisa, e as possíveis críticas aos critérios adotados. Posteriormente,

falaremos das fontes e dos softwares utilizados na pesquisa.

A partir da discussão historiográfica a respeito do golpe de 1964, da ditadura a seguir e

do IPÊS, definiremos quais conceitos utilizaremos na pesquisa.

1.1. DEFININDO O GOLPE E A DITADURA: ANÁLISE DO GOLPE MILITAR E DA

DITADURA CIVIL-MILITAR

A historiografia sobre os eventos ocorridos em final de março e início de abril de

1964, bem como seus desdobramentos, é bastante controversa e complexa. Desde os anos

1960, uma série de estudos tentam nomear o que ocorreu naquele período. As nomenclaturas,

longe de serem meramente acessórias nas narrativas construídas sobre tais fatos, indicam seu

contexto de produção e os sentidos atribuídos ao passado.

Alfred Stepan, cientista político estadunidense, interpretava os eventos inaugurados

após o golpe de Estado de 1964 como uma ditadura militar (1975). Os militares

desempenhavam uma função moderadora durante todo o período do Brasil republicano,

retirando do poder quem não representava, no seu entendimento, a vontade do povo, e

atuavam em função do que consideravam ser o clamor popular. Posteriormente, devolviam o

poder aos civis. Para Stepan, o que ocorreu em 1964 foi um rompimento do padrão

moderador, no qual os militares não devolveram o poder aos civis e continuaram governando

o país por duas décadas. O autor destaca a importância da ESG e a integração entre civis e

35

militares dentro dessa instituição no desenvolvimento das ideias que culminaram na

conspiração de setores dos militares contra João Goulart. A interpretação de Stepan amplifica

o aspecto mais visível dos fenômenos que se seguiram ao golpe de Estado de 1964, que foi a

força militar sobrepujando a força das urnas. A legalidade do mandato de João Goulart,

defendida em 1961, foi ignorada com o golpe de Estado.

A partir dos anos 1980, Moniz Bandeira (1983) e René Dreifuss (1986) construíram

seus estudos destacando um elemento pouco estudado ou negligenciado na equação

explicativa do golpe, pré-golpe e ditadura subsequente: os civis. Moniz Bandeira alertou a

respeito da articulação do empresariado no IBAD e no IPÊS contra João Goulart, e na

ingerência dos Estados Unidos na política brasileira. Já René Dreifuss construiu a tese de que

o poder econômico multinacional e associado não tinha correspondente poder político, e

conquistou o Estado através da atuação do complexo formado pelo IPÊS e pelo IBAD,

formada por tecnoempresários vinculados à burocracia pública e atuantes em cargos diretivos

ou vinculados a empresas privadas nacionais e multinacionais. Esses indivíduos

desestabilizaram o governo de João Goulart, aproximaram-se dos militares, influenciaram

parte desses e, parcialmente, apoiaram e ofereceram apoio logístico ao golpe de Estado.

Muitos dos membros ou colaboradores do IPÊS ocuparam cargos de alto e médio escalão no

Estado pós-1964. Com isso, Dreifuss cunhou a expressão ditadura civil-militar, inaugurando

um deslocamento de ênfase que influencia a historiografia até hoje, passados 50 anos do

golpe. Os civis que participaram da campanha de desestabilização do governo de João

Goulart, da conspiração golpista ou da ditadura instaurada posteriormente passaram, aos

poucos, a ser objeto de estudo de artigos, dissertações e teses.

Marcelo Ridenti, na versão revista e ampliada de seu “O Fantasma da Revolução

Brasileira” (2010), propôs uma inversão de ênfase, propondo que houve uma ditadura militar-

civil. Ou seja, trata-se de retomar a importância da atuação dos militares durante a ditadura,

que em parte foi negligenciada após o deslocamento de ênfase iniciado por Dreifuss. A

provocação é importante no debate historiográfico, mas é pouco utilizada em trabalhos para

caracterizar a ditadura.

René Dreifuss, quando se refere aos civis, fala especificamente dos empresários e

tecnoempresários que atuaram no IPÊS ou que colaboraram com a entidade. Aí reside outra

questão espinhosa para a historiografia. A participação dos civis no apoio ao golpe ou à

própria ditadura. Aqui, falamos desses no sentido amplo, e não no restrito de René Dreifuss.

Para Daniel Aarão Reis Filho (2014), por exemplo, a expressão ditadura civil-militar deve ser

usada para dar ênfase ao apoio de amplas parcelas da sociedade ao golpe e à ditadura, e não a

36

abordagem de Dreifuss já referida. Ocorre uma substituição do sentido atribuído à expressão

por Dreifuss, mantendo a mesma forma. Ditadura civil-militar passa a caracterizar o fato de

que parcelas tanto de civis como de militares apoiaram a ditadura.

Outra interpretação importante é a de Demian Bezerra de Melo (2012). A partir de

René Dreifuss, Melo propõe resgatar a relevância da aliança entre empresários e militares

durante a ditadura. Para tanto, propõe o termo ditadura empresarial-militar, relembrando o

título em inglês da tese de Dreifuss (1980), “State, class and the organic elite: the formation of

an entrepreneurial order in Brazil 1961-1965”, ou seja, a formação de uma ordem empresarial

no período que abrange a formação do IPÊS até o segundo ano da ditadura.

Todas as interpretações apresentadas são passíveis de críticas consistentes. Todas têm

também seu mérito na historiografia. No entanto, é possível, por meio de um balanço e de

uma seleção, definir o conceito que será utilizado ao longo desta tese. Consideramos que

ditadura militar apreende pouco da complexidade daquele período e naturaliza a face mais

visível do complexo fenômeno que foi a ditadura. Defendemos que ditadura civil-militar, no

sentido atribuído por René Dreifuss, caracteriza melhor o período em questão, seja por nosso

objeto de estudo, que são as trajetórias de civis, em sua maioria, seja pela compreensão de que

determinados indivíduos, também civis em sua maioria, detiveram recursos importantes que

possibilitaram o seu ingresso ou continuidade em cargos relevantes em diferentes esferas do

setor público. Também optamos por civil-militar para fins de estratégia narrativa, pois

defendemos que a supressão da dupla adjetivação implica pouca aderência do conceito ao

nosso objeto de estudo, sem o complemento. Portanto, visando ao leitor, também é

interessante mantermos civil-militar. Por outro lado, não discordamos de Daniel Aarão Reis

Filho quando afirma que parcelas importantes da sociedade apoiaram a ditadura civil-militar.

Nossa opção pela interpretação de Dreifuss não é, de forma alguma, oposta à de Reis Filho,

mas complementar, com uma ênfase específica e focada em nosso objeto de estudo.

Consideramos a denominação militar-civil pouco indicada para nosso objeto de pesquisa. De

qualquer forma, mesmo que esse fosse a respeito dos militares, a simples supressão da dupla

adjetivação e manutenção de militar funcionaria como ênfase, eliminando o caráter de

provocação oferecido por Ridenti na historiografia. Já a expressão ditadura empresarial-

militar nos parece limitadora da complexidade daquele período, visto que a interpretação de

que houve uma ordem empresarial determinante daquele contexto não explica o apoio de

parcelas da população à ditadura, por exemplo. Explica o processo histórico apenas em parte,

ao mesmo tempo que dá ênfase a esse aspecto do regime, considerado, nesse conceito,

essencial. No entanto, acaba limitando e engessando a compreensão daquele período. O

37

conceito sofre do mesmo problema que os outros já referidos, a tentativa de englobar o

período da ditadura em uma adjetivação.

Outra adjetivação é a de golpe midiático-civil-militar (SILVA, 2014), que faz

referência ao importante papel que parte da imprensa desempenhou na desestabilização do

governo João Goulart. Nesse sentido, cabe a crítica: qual a necessidade de criar um grande

conceito composto que tente abranger todos os setores que fizeram oposição formal ou que

agiram abertamente em favor do golpe contra João Goulart? Trata-se mais de uma tentativa de

inovar conceitualmente com seu enfoque específico do que algo que possibilite uma melhor

compreensão daquele processo histórico.

Nessa esteira, é importante destacar que há uma discussão bastante acalorada sobre o

que é denominado revisionismo na historiografia sobre o golpe e sobre a ditadura

subsequente, da qual trataremos agora.

1.2. O REVISIONISMO NA HISTORIOGRAFIA SOBRE O GOLPE E A DITADURA: OS

CONFLITOS DAS INTERPRETAÇÕES DIVERGENTES

Para definirmos com precisão o que entendemos por ditadura e por golpe, e tendo em

vista as controvérsias historiográficas sobre o tema, discutiremos aqui o que alguns autores

consideram versões revisionistas do período. Assim, será possível marcar nosso

posicionamento a respeito da sociedade do período estudado, incluindo o IPÊS e nosso N.

Para tanto, analisaremos aqui o artigo “1964: Golpismo e democracia. As falácias do

revisionismo”, publicado por Caio Navarro de Toledo (2004).

Toledo publicou esse artigo na revista Crítica Marxista em 2004. Consideramos esse

trabalho importante em função de sua crítica a diversos autores, diferente dos balanços

historiográficos sobre a questão.24 Diversos trabalhos referenciam o texto, seja para indica-lo

como um marco importante na historiografia, seja para desenvolver suas argumentações25. O

texto de Toledo recai em uma cristalização do passado, enquadrado em uma suposta verdade

histórica que diverge das interpretações de seus pares sobre o golpe de 1964, rotuladas de

revisionistas e falaciosas.

Embora Toledo não desenvolva o termo como conceito, a falácia do título significa,

para ele, a falta de comprovação empírica para um argumento específico. Isso fica evidente

24 Para balanços historiográficos sobre as causas do golpe de 1964, ver FICO, 2004; e DELGADO, 2010. 25 Um trabalho fundamental que concorda com Toledo é MELO, 2014.

38

nesta citação: “no entanto, nossos ‘revisionistas’, sem o apoio de fontes documentais, apenas

especulam e dão asas à imaginação” (p. 44, grifos nossos). Portanto, os argumentos dos

autores que Toledo critica careceriam de documentos que comprovariam sua validade, como

prova da veracidade de suas interpretações.

O termo revisionismo, igualmente despido de qualquer construção conceitual, tem uma

carga semântica pesada, que embora não apareça no texto, remete ao revisionismo em relação

ao Holocausto.26 Da mesma forma que o termo anterior, pode-se depreender que revisionismo

é utilizado como um tipo de escrita da história que revisa fatos de forma distorcida, diferente

do que realmente aconteceu. Sabemos da força que a expressão “o que realmente aconteceu”

tem na historiografia. Todavia, aqui, é esse o caso na visão de Toledo.

Um dos fios condutores da crítica do autor é a impossibilidade de nivelar as parcelas

de responsabilidade das esquerdas e da direita pelo tensionamento das relações sociais no pré-

golpe de 1964. No fim do texto, Toledo concorda que houve exageros por parte das

esquerdas, mas discorda da possibilidade de equiparação em termos de golpismo. De acordo

com o autor, os revisionistas27 não comprovam suas afirmações de golpismo por parte das

esquerdas com apoio em fontes documentais. Como contraponto, assevera que as esquerdas

não tinham forças materiais para concretizar um golpe, e que seus discursos radicais eram

apenas bravatas, de dimensão simbólica.

A questão que se coloca é a seguinte: como medir parcelas de responsabilidade pelo

tensionamento e desestabilização do governo de João Goulart que levou à sua posterior

deposição? Por um lado, concordamos com Toledo e suas críticas, pois equiparar tais parcelas

seria, na nossa compreensão, bastante reducionista, tendo em vista a complexidade das

variáveis em jogo no pré-1964. No entanto, não há balança para pesarmos as

responsabilidades de todos os agentes históricos. Portanto, se não é possível equiparar

esquerdas e direitas, tampouco se pode enfatizar a participação de um em detrimento do outro.

É evidente que houve uma forte campanha de desestabilização do governo de João Goulart

por parte do IPÊS e do IBAD, inclusive atuando no financiamento de opositores do governo

federal. Por outro lado, estamos analisando as potências mobilizadoras dos discursos, que

podem ser tão concretas quanto a ação golpista.

Quando Toledo destaca a força das direitas em contraposição às supostas bravatas das

esquerdas, argumenta, por exemplo, que os autores que critica “interpretam as freqüentes

26 Não apresentaremos aqui os debates em torno da questão do revisionismo sobre o Holocausto, pois não é

objeto de estudo desta tese. 27 O autor refere-se a Jorge Ferreira, Marco Antônio Villa e Leandro Konder.

39

bravatas, brandidas pelas lideranças de esquerdas, como inequívocas senhas anunciando o

assalto final ao poder” (p. 44). Também afirma que “um golpe de Estado se impõe com

palavras, mas não apenas com elas. Freqüentemente, tropas nas ruas e armas pesadas de

combate também são requeridas para que ações golpistas sejam bem-sucedidas” (p. 41). De

fato, para a eclosão do golpe, armas e tanques foram necessários. Mas não se deve subestimar

a capacidade mobilizadora dos discursos. Os das esquerdas, muitas vezes compreendidos

como comunistas, e os das direitas, em oposição, como anticomunistas, tiveram ampla

capacidade de mobilização. De acordo com Rodrigo Patto Sá Motta, um dos pioneiros nos

estudos sobre o anticomunismo no Brasil, de fato houve uso dos discursos considerados

comunistas como pretexto para deflagração do golpe de 1964 (2002, p. XXIV). No entanto,

também

houve grupos e indivíduos (não necessariamente fanáticos) que sinceramente

acreditaram na existência de um risco real. Mobilizaram-se e combateram por temor

que os comunistas chegassem ao poder. E mais, seus temores não eram absurdos,

como muitas vezes se supõem. Em algumas situações o medo era justificado ou ao

menos tinha fundamento, quer dizer, os comunistas gozavam de uma força que os

tornava inimigos temíveis. (Idem)

Ou seja, havia um duplo caráter do anticomunismo: a instrumentalização do discurso

comunista para a eclosão do golpe e o temor real de que o comunismo fosse implantado no

país. A tese de Motta foi publicada em 2002, dois anos antes do artigo de Caio Navarro de

Toledo. Outra questão importante é a compreensão dos discursos das esquerdas como

justificativa para o golpe de 1964. Conforme Toledo,

enquanto setores militares, por ocasião dos 40 anos do golpe, recuam e reconhecem

a derrota ideológica que sofreram, os autores progressistas cedem terreno ao

reintroduziram, pela porta dos fundo, teses e significações que os setores

conservadores forjaram pra justificar o golpe e o regime militar. (p. 45, grifos

nossos)

Os setores conservadores, portanto, teriam forjado a ideia de que as esquerdas eram

golpistas, o que teria servido para justificar o golpe. Tal interpretação recai num reducionismo

maniqueísta. É inegável a formação de uma coalizão golpista que criava e difundia material

anticomunista em larga escala, como foi fartamente evidenciado por René Dreifuss (1986).

Por outro lado, no limite, a tese de Toledo nos leva a crer que não houve receio do

comunismo antes do golpe de 1964, e que seriam apenas justificativas forjadas tendo em vista

a deposição do presidente, o que seria insensato.

40

Para Toledo, é necessário negar o nivelamento de responsabilidades entre esquerdas e

direitas no processo golpista e a potência de mobilização a partir dos discursos das esquerdas.

O historiador, além disso, não deveria dar voz ao discurso de outros, pois isso contribui “para

levar ‘água para o moinho’ dos ideólogos que ainda justificam o movimento político-militar

de 1964” (p. 34). A rigor, o historiador progressista segue uma interpretação do golpe a

priori, necessariamente contrária a algo que se aproxime do discurso dos ideólogos da direita.

Demian Bezerra de Melo (2014) trata da questão do revisionismo de forma

semelhante. Estabelece a obra de René Dreifuss como relevante para compreender o golpe, e

marca o início da operação revisionista na publicação da obra de Argelina Figueiredo

“Democracia ou Reformas?”, em 2004. Argumenta que a obra de Jorge Ferreira também

partilha das concepções revisionistas de Figueiredo. Na mesma linha revisionista seguiriam

Daniel Aarão Reis Filho e Elio Gaspari, além de Marco Antonio Villa. Trata-se, em suma, de

uma crítica a interpretações divergentes do golpe e da ditadura, mas que foram adjetivadas de

revisionistas. O autor também destaca o uso do termo civil pelos autores referidos de forma

diferente do uso que Dreifuss faz. Em Dreifuss há um recorte de classe, afirma Melo, e

naqueles autores há “algo como uma cumplicidade da ‘sociedade brasileira’ com a ditadura”

(p. 168, grifos no original). Ou seja, a ditadura civil-militar, nesse sentido, seria algo

semelhante a um apoio dos civis, entendidos como a sociedade em geral, à ditadura. O texto

de Melo segue argumentando como outras obras acabam por referendar interpretações

aproximadas das que os militares deram para suas ações.

Consideramos a tese de que há obras “revisionistas” imprópria, pois cria uma espécie

de índex de interpretações históricas que devem ser descartadas pois divergem de outras. A

crítica é sempre necessária, mas a adjetivação e a construção da ideia do revisionismo no caso

das obras que tratam do golpe e da ditadura de 1964 contribuem muito pouco para a

construção do conhecimento histórico, forçando a divisão em vez da crítica coletiva honesta.

1.3. O IPÊS COMO GRUPO DE INTERESSE QUE AGIU COMO GRUPO DE PRESSÃO

Para podermos analisar a trajetória dos indivíduos que atuaram no IPÊS é necessário

definir a entidade. O ponto de partida para a definição do que entendemos ser o instituto será

uma revisão historiográfica, a seguir.

Há poucas obras que tratam especificamente do IPÊS. No entanto, há muitas

referências à instituição na historiografia sobre o golpe e sobre a ditadura civil-militar.

41

Indicaremos nossa interpretação sobre a instituição, tendo em vista nosso objeto de estudo, as

trajetórias dos indivíduos que ocuparam CPFs pós-1964 e que tiveram alguma participação

importante no IPÊS.

A historiografia sobre o elemento civil da ditadura civil-militar, conforme nossa

definição sobre o que entendemos por civil, é escassa. No entanto, há trabalhos de fôlego que

possibilitam diversas pesquisas nesse âmbito, com grande volume de dados para serem

retrabalhados. Para esta tese, as principais referências utilizadas para compreendermos a

atuação dos diferentes IPÊS, seus indivíduos e origens sociais serão René Dreifuss (1986),

Heloisa Starling (1986), Hernan Ramírez (2005) e Thiago de Moraes (2012). Starling

trabalhou com o IPÊS de Minas Gerais, seus membros e atuação neste importante cenário,

incluindo o modo como esses ipesianos viam as ações de Olympio Mourão Filho, o general

que “acionou” o golpe. Hernán Ramírez faz um trabalho comparativo entre o IPÊS e os

institutos congêneres Fundación de Investigaciones Económicas Latinoamericanas (FIEL) e

Fundación Mediterránea (FM), da Argentina. Em outro trabalho, analisamos o IPESUL e a

construção de um consenso intra-classe através de sua publicação, a revista mensal

Democracia e Emprêsa. René Dreifuss é referência clássica nos estudos sobre a participação

civil na conspiração pré-golpe, no golpe em si e na própria ditadura civil-militar.

De modo geral, há poucos trabalhos que focam no IPÊS como instituição, e menos

ainda acerca dos indivíduos que o compõem, numa perspectiva de biografias coletivas. Aqui,

apresentaremos e analisaremos interpretações sobre a atuação do IPÊS a partir de diversos

autores. Eles convergem no objeto de estudo, pois a maioria tem como foco a atividade de

produção e difusão de propaganda do IPÊS, bem como a atividade clandestina de alguns de

seus membros de conspiração ativa contra o governo de João Goulart. Não há trabalhos que se

debrucem sobre as origens sociais e diferentes trajetórias de cada um dos indivíduos que

atuou no IPÊS, o que contribuiria sobremaneira para a compreensão que temos da instituição

e dos processos históricos do pré-golpe e da ditadura civil-militar que se seguiu.

Os trabalhos mais antigos são dos anos 198028, e marcados pela identificação e análise

da ingerência dos EUA no golpe em 1964 e da atuação da Central Intelligence Agency (CIA)

no Brasil desde antes da deposição de Jango. É nessa chave analítica que entram o IPÊS e o

IBAD, como “instituições de fachada” criadas para aplicar um golpe de Estado. A primeira

obra a destacar é a de Moniz Bandeira (1983), que trabalhou com os conflitos entre esquerdas

28 Há uma série de trabalhos dos anos 1970 que, no calor dos acontecimentos, tentavam explicar o que estava

ocorrendo no país e na América Latina. Apenas mencionaremos alguns e não incluiremos tais trabalhos na

discussão historiográfica: CARDOSO. 1982; GARRETÓN, 1978; PIERRE-CHARLES, 1978; BORÓN, 1977;

TRINDADE, 1983; SANTOS, 1977.

42

e direitas no início dos anos 1960 até a eclosão do golpe militar em 1964. Fez um dos

primeiros estudos a respeito do IPÊS e do IBAD, bem como de suas relações com a CIA e

suas ações políticas contra o governo de João Goulart. Sua obra fornece informações

essenciais sobre a intervenção dos EUA na vida política do país no início da década. Portanto,

o foco de Moniz Bandeira é a ingerência dos EUA através da CIA e da canalização de

recursos para o IBAD e o IPÊS, que os distribuía aos opositores de João Goulart nas

campanhas eleitorais de 1962. O autor já chamava a atenção para o fato de que mesmo com

todo esse empenho, os aliados do governo venceram cargos eletivos fundamentais para o jogo

político do pré-golpe, como o governo de Pernambuco, com Miguel Arraes, e o da

Guanabara, com Leonel Brizola, além de ampliarem o número de cadeiras no Congresso (p.

76). O PTB, por exemplo, duplicou sua bancada no Congresso, uma vitória consistente

(Idem). O autor também tem o mérito de utilizar amplo acervo documental para mapear a

ingerência dos EUA no Brasil e para montar o processo político do pré-golpe, e de desvelar a

questão do uso do fundo do trigo da embaixada estadunidense no Brasil para financiar a

oposição a Jango de forma clandestina.29

Moniz Bandeira também afirma que o IPÊS e o IBAD estavam em estreito contato

com a CIA, e que estes ofereceram “orientação, experiência e mesmo recursos financeiros,

abundantemente, no esforço de corrupção e de intrigas, para influir nas eleições, impor

diretrizes ao congresso, carcomer os alicerces do governo e derrocar o regime democrático”

(1983, p. 65). Aqui, cabe uma crítica à interpretação do autor. Não há evidências de que o

IPÊS e o IBAD queriam, desde o início, depor João Goulart. Notadamente o IBAD, que

surgiu antes da ascensão de Jango, em 1959. É fato que ambos atuaram fortemente na

desestabilização do governo federal, mas isso em si não constitui necessariamente a defesa de

um golpe de Estado, ou mesmo da ditadura subsequente, ao menos no início de suas

atividades e antes do retorno ao presidencialismo, em janeiro de 1963.

Vejamos outro exemplo, a respeito dos discursos do IPÊS sobre a suposta condução do

governo federal pelos comunistas: “[...] visava a assustar não somente os militares

anticomunistas, mas, também, os demais setores das classes dominantes, radicalizando-os e

predispondo-os, psicologicamente, para a aceitação do golpe de Estado” (p. 66). Novamente,

a noção de que o IPÊS planejava previamente um golpe. E mais, o enorme poder atribuído ao

IPÊS, que “amansaria” as massas para que aceitassem o golpe sem resistência. Essa afirmação

29 O jornalista Edmar Morel acusou o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, de utilizar

verba do Fundo do Trigo na campanha eleitoral de 1962, pois 40% da sua utilização não tinha contabilidade.

(MONIZ BANDEIRA, 1983, pp. 72-73)

43

ignora totalmente o polo receptor destes discursos, considerando-os absolutamente passivos e

incapazes de filtrar e reinterpretar as informações que recebem.

René Armand Dreifuss (1986), cientista político uruguaio, argumenta, em sua obra

clássica, fruto da tese de doutorado na Universidade de Glasgow, que as empresas ligadas ao

capital multinacional e associado se consolidaram e alcançaram supremacia econômica

durante meados dos anos 1950 e início dos anos 1960, mas não atingiram um poder político

correspondente. Os empresários não conseguiram inserir-se no poder através dos mecanismos

“populistas”. Nesse sentido, foi necessário recorrer a meios extraconstitucionais, visando à

conquista do Estado, ou seja, ao exercício direto do poder nos altos cargos estatais, e não à

influência indireta. Com a renúncia de Jânio Quadros, foi desencadeada uma campanha de

desestabilização do governo de João Goulart através do que o autor denomina complexo

IPÊS/IBAD. As ações abrangiam principalmente a propaganda anticomunista em vários

meios de comunicação e a ação parlamentar na defesa dos interesses dos empresários citados.

A campanha contra o governo de João Goulart foi, então, realizada fundamentalmente por

parte de civis organizados, e com o apoio de militares mais alinhados com a visão de mundo

da ESG. Para Dreifuss, após o golpe, vários tecnoempresários30 que representavam os

interesses do capital multinacional e associado estavam em altos cargos do governo de

Castelo Branco, como Roberto Campos, que foi Ministro do Planejamento.

A principal ideia de Dreifuss, em suma, é a de que “havia uma clara assimetria de

poder entre a predominância econômica do bloco multinacional e associado [...] e sua falta de

liderança política” (1986, p. 105). Ou seja, houve uma busca dos empresários ligados ao

capital multinacional e associado por poder político ao longo dos governos de Juscelino

Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart que culminou no golpe militar de 1964. Suas

interpretações sofreram uma série de críticas da historiografia sobre a temática, que iremos

apresentar e analisar a seguir.

Maria Helena Moreira Alves argumenta que quase todos os ministérios do governo

Castelo Branco eram compostos por membros e colaboradores da ESG, IPÊS ou IBAD (1984,

p. 26). Além disso, argumenta que “grande parte dos cargos administrativos secundários das

estruturas do Estado foram ocupados por integrantes da aliança de classe institucionalizada

nos três organismos” (p. 26). De fato, vários integrantes ocuparam cargos nos ministérios do

primeiro governo da ditadura e em outros cargos administrativos, mas qual a consistência da

30 René Dreifuss denomina os ipesianos de tecnoempresários, pois não poderiam ser considerados apenas

técnicos que produziam estudos para difundir através dos meios de comunicação ligados ao IPÊS. Era

fundamental indicar as relações empresariais de cada indivíduo, para afastar qualquer manto de neutralidade que

poderia recair sobre detentores de saberes técnicos.

44

atuação desses indivíduos no IPÊS? Será que atuaram por pouco tempo, ou mesmo sem

ocupar qualquer posição de liderança? São questões a serem aprofundadas. Além disso, a

autora afirma que “uma vez em controle de todos os níveis do poder de Estado, a aliança de

classes clientelísticas civis e militares deu início à aplicação de seus planos, erigindo um

formidável aparato de Estado para sustentar seu monopólio do poder” (p. 26). Novamente,

qual seria a extensão desse poder? Possivelmente não tão ampla como a autora faz crer, pois

há poucas evidências, por exemplo, da ocupação de cargos públicos nas esferas municipal e

estadual por integrantes que tiveram atuação consistente no IPÊS anteriormente. Além disso,

como explicar a reação desses indivíduos com os diferentes rumos econômicos durante a

ditadura? Alves também argumenta que o IPÊS e o IBAD eram instituições civis de fachada

(p. 25) que levaram a cabo a conspiração para o golpe, o que constitui uma interpretação

simplista e pouco apurada de sua atuação.

Argelina Cheibub Figueiredo, cientista política com tese de doutorado defendida em

1987 e publicada no Brasil em 1993, argumenta que Dreifuss dá muita ênfase à “burguesia”, e

que a existência de uma conspiração não seria condição suficiente para a eclosão do golpe

militar em 1964 (FIGUEIREDO, 1993, p. 27-28). No entanto, se Dreifuss confere um grau de

poder exacerbado à capacidade da burguesia multinacional, o faz pois compreende que o

IPÊS efetivamente poderia influenciar radicalmente as opiniões intra e extra-classe a respeito

da “democracia”, do “comunismo” e das reformas propostas pela entidade. Estudos de

recepção não constituíram uma preocupação por parte do autor, mas sim o campo da

intencionalidade dos atores. Cabe lembrar que Dreifuss exagera quando, por exemplo, afirma

que os intelectuais orgânicos eram cruciais, “como a elite de uma classe politicamente

organizada e ideologicamente estruturada, representando e implementando uma preparação

estratégica para a ação de uma classe, preparação esta que permite àquela classe reduzir o

imponderável a zero” (1986, p. 105, grifos nossos). Como seria possível, para qualquer

grupo de atores atuando politicamente tendo em vista seus interesses, reduzir o imponderável

a zero?

A autora, em sua revisão bibliográfica, considera que a interpretação de René Dreifuss

se encaixa nas explicações orientadas para o ator ou intencionais. Para Figueiredo, nesta

interpretação, “os conspiradores são vistos como onipotentes. Consequentemente, a ação

empreendida por eles não é analisada em relação a outros grupos, nem vista como sendo

limitada por quaisquer constrangimentos externos” (1993, p. 28). Em uma citação de

Dreifuss, Figueiredo evidencia a ideia de onipotência, pois o autor afirma que o IPÊS

neutralizaria a dissenção e obteria a adesão ou a passividade das classes subalternas através da

45

ação organizada da elite orgânica. Trata-se de uma explicação que considera o golpe

inevitável, dada a ação do IPÊS. Figueiredo lembra que “o fato de o ‘pacto populista’ como

tal não mais se sustentar não significa que o resultado autoritário fosse inevitável. Um

compromisso político poderia ter sido obtido através de diferentes alianças e coalizões que

visassem apoiar um governo democrático” (p. 27). Ou seja, o golpe não era inevitável devido

à propaganda maciça do IPÊS. Havia alternativas políticas externas à ação da entidade.

Figueiredo afirma que Dreifuss dá destaque apenas a fatores intrínsecos positivos em

relação à conspiração, como a capacidade de mobilização dos ipesianos. No entanto, Dreifuss

descartaria outros fatores intrínsecos que limitariam a ação da burguesia de forma organizada,

como afirma que ela agiu. Como primeiro fator intrínseco, fala do problema da ação coletiva,

que é equacionado, a partir de Olson, como “aquele em que todos se beneficiam se todos

cooperarem, mas cada um se beneficia mais se se abstiver de cooperar” (p. 173). Cita Paulo

Ayres Filho, líder ipesiano, para enfatizar a dificuldade em recrutar membros para atuarem no

IPÊS para além de seus próprios negócios. Como segundo fator intrínseco limitador,

Figueiredo identifica a natureza das relações do IPÊS com as Forças Armadas. Como essa, de

modo geral, enfrentava o mesmo problema da ação coletiva, e adotava uma posição legalista,

o IPÊS só poderia ter influência sobre aqueles militares já envolvidos em atividades

conspiratórias. De acordo com a autora, “80% dos altos oficiais mantinham uma posição

legalista em 1963, embora estivessem cada vez mais apreensivos a respeito da situação do

país e da unidade e disciplina militares” (p. 175).

Figueiredo também argumenta, que o núcleo de conspiradores intensificou suas

atividades a partir da restauração dos poderes presidencialistas de João Goulart. Cita

novamente Paulo Ayres Filho, que afirma que foi apenas em fins de 1962 que membros do

IPÊS tornaram-se mais enérgicos em suas ações contra o governo. Portanto, a autora refuta a

tese de que os ipesianos desencadearam uma ação golpista deliberada desde sua fundação,

como argumenta Moniz Bandeira e, em certa medida, René Dreifuss. Partilhamos dessa

interpretação de Figueiredo.

Daniel Aaarão Reis Filho faz uma crítica a Dreifuss, argumentando que o autor

superestima a capacidade do IPÊS, da ESG e do IBAD de condução do processo histórico, e

que não é razoável supor que a classe média recebia passivamente as ideias difundidas pelo

IPÊS e pelo IBAD (apud FICO, 2004, p. 52).

Gláucio Ary Dillon Soares afirma que, na verdade, houve uma conspiração dos

militares que contou com apoio de empresários brasileiros. Trata-se do oposto do que defende

46

Dreifuss. Além disso, não teria havido uma organização no pré-golpe, como Dreifuss afirma,

mas um caos conspiratório (apud FICO, 2004, p. 52-54).

Maria Victória de Mesquita Benevides (2003) fez uma crítica à obra de Dreifuss que

reside no questionamento da ideia do golpe de classe, visto que a ditadura civil-militar teve

um impulso estatizante, que ia de encontro aos preceitos que o IPÊS defendia a respeito da

livre-empresa. Desta forma, a autora defende que,

quanto aos empresários, ou já sabiam dos rumos da revolução (a estatização e a

repressão) e se tornaram, portanto, cúmplices do arbítrio e do “estatismo selvagem”

(na expressão recente de um indignado representante da classe), ou não sabiam e se

mostravam incompetentes, sem uma clara visão do processo histórico. (p. 257)

Trata-se de uma crítica importante à obra, já que Dreifuss defende que havia uma

organização coesa, bem articulada e planejada na desestabilização do governo e na

conspiração que culminou com o golpe militar. Além disso, a autora também se questiona:

“os empresários que hoje reclamam, e que participaram ativamente da derrocada do regime

em 64, teriam sido ingênuos diante do projeto estatizante que logicamente se armava?” (p.

258) É importante pontuar que Estado e regime político são diferentes, e o Estado pós-golpe

continuou capitalista, mesmo sob governo autoritário (CARDOSO, 1982, pp. 41-62). A crítica

às estatizações feita pelos membros do IPÊS no pré-golpe, por exemplo, permaneceram na

ditadura civil-militar. Integrantes do IPESUL, por exemplo, se posicionaram criticamente em

relação às ações governamentais por diversas vezes, seja de forma sutil ou ríspida (MORAES,

2012, p. 26). Além disso, cabe aqui outra crítica da crítica: não é possível exigir uma

avaliação política de longo alcance por parte dos agentes, visto que as contingências históricas

dos diferentes governos pós-golpe foram tão complexas quanto as circunstâncias em que o

golpe ocorreu. Nesse sentido, o fato de os ipesianos criticarem a política econômica cada vez

mais estatizante do pós-golpe não desautoriza a argumentação de Dreifuss de que houve um

golpe de classe em 1964.

Denise Assis (2001) fez as primeiras análises dos curta-metragens produzidos pelo

IPÊS para construir um consenso anticomunista no pré-golpe contra João Goulart. Estes

vídeos foram exibidos em todo o território nacional, e difundiam as principais ideias do IPÊS.

O trabalho pioneiro de Assis abriu espaço para outras pesquisas envolvendo este tipo de

produção da entidade. Os vídeos foram feitos por Jean Manzon que, entre outras atividades

profissionais, foi um fotógrafo famoso da revista O Cruzeiro nos anos 1950. O foco da análise

de Denise Assis ao longo do livro é, portanto, o polo da emissão. A autora atribui ao IPÊS a

47

suposta forma pacífica com que o país aceitou o golpe de Estado em 1964: “[...] agradecer-lhe

[a René Dreifuss] por ter descortinado para todos o que possibilitou ao País aceitar

pacificamente o golpe de 1964. Talvez não tivesse possível sem a poderosa propaganda do

Ipês” (ASSIS, 2001, p. 16, grifos nossos). A autora incorre no mesmo erro de Dreifuss:

atribuir um grau de influência muito alto da propaganda ipesiana, pressupondo um público-

alvo passivo. Além disso, atribui a tal influência uma suposta aceitação pacífica do golpe de

Estado, quando houve, sim, resistência em diversos pontos do Brasil.31

Ricardo Antonio de Souza Mendes (2005) trabalhou com as direitas brasileiras do

início dos anos 1960, especificamente a União Democrática Nacional, setores dos militares, o

IPÊS e o IBAD. Analisou as diferentes ideias que tais grupos defendiam naquele contexto,

mostrando pontos de contato e divergências importantes para pensarmos as direitas de

maneira mais complexa, e não como um bloco homogêneo. Nesse sentido, o autor consegue

quebrar a ideia de uma “direita” dos anos 1960 com ideias semelhantes. O quadro que

Mendes desenha é de diferenças fundamentais no pensamento sobre a questão social, sobre a

reforma agrária e diversos outros temas em debate no período entre essas direitas. Nos

interessa especialmente as análises sobre o pensamento ipesiano a respeito das Reformas de

Base e projetos de reestruturação do Estado brasileiro, incluindo a “democratização” do

capital das empresas privadas. Dois pontos de contato importantes que o autor aponta entre

todos os grupos é a “necessidade de impor maior produtividade ao campo por meio da

implementação de novas tecnologias no sistema produtivo” (pp. 74-75) e que, “se a

propriedade privada fosse tocada, isso deveria ser feito de acordo com princípios de mercado,

o que significa dizer com o pagamento de indenizações em dinheiro, e não em títulos

públicos” (p. 75).

Martina Spohr Gonçalves (2010) pesquisou a ação política editorial realizada pelo

IPÊS e as implicações ideológicas de seu projeto. A autora analisou o mercado editorial dos

anos 1960, as editoras progressistas e conservadoras, e os diversos panfletos, livros e outros

materiais publicados pelo Instituto que tinham como objetivo desestabilizar o governo de João

Goulart e construir um consenso a respeito de sua concepção de democracia.

Há outras obras relevantes mas que tangenciam o IPÊS como objeto de estudo,

trabalhando com alguns aspectos pontuais como a mobilização das mulheres de classe média,

os projetos dos ipesianos para educação e a questão de reforma universitária de 1968 e a

31 Por exemplo, há estudos recentes relatando como funcionou a Segunda Cadeia da Legalidade, na tentativa de

resistência contra a ditadura recém instaurada. Ver KLÖCKNER, ABREU, MONTEIRO, 2014.

48

participação do empresariado nas disputas políticas no contexto da constituinte de 1986, na

qual antigos ipesianos atuaram novamente.32

Hernán Ramírez (2005) estudou o IPÊS e duas instituições congêneres argentinas, a

FIEL e a FM, em abordagem comparativa. Para Ramírez, o IPÊS foi um grupo de interesse

formado por civis e militares de diferentes profissões que agiu como grupo de pressão,

sugerindo ao Estado a adoção das reformas que defendia através de uma série de ações, tendo

em vista benefícios de ordem coletiva e individual.

Ramírez identifica quatro momentos nos dez anos de vida do IPÊS (pp. 185-219). O

primeiro vai de pouco antes da fundação do IPÊS de São Paulo, em 30 de novembro de 1961,

até a eleição de sua diretoria, em 16 de outubro de 1962, período no qual o IPÊS esteve em

fase de construção. O segundo vai dessa data a 27 de maio de 1964, quando as duas secionais

do IPÊS, de São Paulo e do Rio de Janeiro, se dividem, dando origem ao IPÊS/GB. Trata-se

do período de atuação forte do IPÊS rumo à desestabilização do governo de João Goulart,

bem como da conquista do Estado por parte de seus integrantes. Dessa data até 1967, no

terceiro período, o IPÊS tentou adequar-se ao novo contexto político, buscando novas funções

para exercer e se manter vivo. O quarto período vai desse ano até a extinção do IPÊS, em

1971, durante o qual o IPÊS não conseguiu resolver seus problemas internos nem sustentar

suas atividades para garantir sua sobrevivência, chegando ao fim.

Carlos Fico (2008) critica a interpretação de Dreifuss a respeito do golpe de 1964 e da

participação do IPÊS. Considera que é importante diferenciar a desestabilização do governo

João Goulart, que foi bem orquestrada e organizada, principalmente pelos civis, e sem grande

participação dos militares, da conspiração para efetivar o golpe, que foi pouco coesa. O autor

vê problemas na interpretação de René Dreifuss, na qual “o golpe tornou-se inevitável em

função da falta de apoio eleitoral das forças políticas reunidas em torno do Ipes e do Ibad, às

quais somente restaria, por isso, a derrubada de Goulart, conseqüência quase ‘natural’ das

32 Solange de Deus Simões (1985) pesquisou a participação das mulheres na conspiração civil-militar pré-1964,

principalmente nas famosas marchas de apoio à intervenção armada e ao regime recém-instaurado. As mulheres

que se articularam com o complexo IPÊS/IBAD no pré-golpe passaram a defender a ditadura civil-militar após a

deflagração do golpe. Janaína Cordeiro (2009) trabalhou com a Campanha da Mulher pela Democracia

(CAMDE), que estava ligada ao IPÊS e na qual estava presente como fundador Glycon de Paiva, líder ipesiano.

Cordeiro, no entanto, foca no trabalho de reconstrução da memória sobre aquele período pelas mulheres que

participaram da CAMDE. Marina Inez Salgado de Souza (1981) trabalhou com as ideias e projetos dos ipesianos

para a educação. A autora analisou o papel que o IPÊS desempenhou na elaboração da política educacional do

governo federal durante a ditadura civil-militar, e a influência de seu pensamento na concretização de tais

políticas públicas. René Dreifuss (1989), em outra obra, estudou as disputas políticas do empresariado nos

debates que envolveram a Assembleia Nacional Constituinte de 1986. Através de milhares de recortes de jornais,

o autor analisou as relações de poder em jogo, os interesses privados associados às discussões que culminaram

na promulgação da Constituição de 1988, e como os ipesianos de outrora atuaram novamente em defesa de seus

interesses empresariais no jogo político da “redemocratização”.

49

atividades de doutrinação e propaganda” (FICO, 2008, p. 75). Para Fico, aceitar essa

interpretação implica admitir que teria havido uma intenção golpista inicial por parte dos

agentes que talvez não houvesse, pois não há comprovação empírica de fato. Além disso,

haveria alternativas a um golpe de Estado, que não era inevitável. Um exemplo seria o

enfraquecimento de João Goulart para as eleições de 1965. Em livro mais recente (2014), Fico

segue a mesma linha: diferencia a desestabilização do governo de João Goulart da

conspiração para a sua derrubada. Fala do financiamento de opositores de Jango para as

eleições de 1962 e destaca a atuação do IPÊS e do IBAD na desestabilização. Acrescenta o

seguinte:

A tese de Dreifuss é importante: ela demonstra a participação decisiva dos

empresários. Mas não devemos superestimar a capacidade dessas instituições e de

sua ação propagandística. Os resultados das eleições de 1962, por exemplo, não

foram o que elas esperavam. Do mesmo modo, como vimos, a popularidade de

Jango não foi afetada. Há muita diferença entre as intenções daqueles que fazem

propaganda e a maneira pela qual as mensagens são recebidas pelos diversos grupos

sociais. A doutrinação anticomunista existia no Brasil havia muito tempo e se

somava à tendência antipopular típica, por exemplo, de setores da classe média. Conforme a crise política foi se acirrando, sobretudo a partir de 1963, essas

entidades foram sendo superadas por efetivos planos de derrubada de Goulart, para

os quais era indispensável a participação mais efetiva dos militares. É nesse sentido

que me parece ser possível distinguir a campanha de desestabilização – fundada,

sobretudo, em propaganda e doutrinação anticomunista e anti-Goulart – da

conspiração propriamente dita, que, tendo em vista a deposição do presidente,

dependia de medidas de força e, sobretudo, dos militares. (FICO, 2014, p. 36)

Ou seja, para Fico, a tese de Dreifuss é importante, mas fica no campo da emissão da

propaganda, e não da recepção. Não se sabe como os grupos receberam e se apropriaram de

tais materiais. Inclusive, não houve redução da popularidade de Jango, e seus aliados

venceram muitos dos postos em disputa nas eleições gerais de 1962. Além disso, para a

conspiração golpista, os militares eram necessários, pois era uma solução de força. Essa ideia

reforça a distinção entre desestabilização e conspiração.

Jorge Ferreira, em sua biografia de João Goulart, chama a atenção, citando Rodrigo

Patto Sá Motta, para o fato de que a coalizão conservadora não era golpista até fins de 1963.

O consenso só se formou posteriormente. Não se deve levar o fim do governo de João Goulart

e a atuação dos grupos conservadores nesse período como síntese de todo o seu governo.

Também chama a atenção para o fato de que um grupo do IPÊS se radicalizou, e não toda a

instituição (2011, p. 315).

Em suma, concluímos que há uma diferença fundamental entre a desestabilização do

governo de João Goulart e a conspiração ativa para a sua derrubada do poder, que, ademais,

50

só teve força a partir do retorno ao presidencialismo em 1963. Nesse sentido, o IPÊS produziu

e difundiu material em defesa da “democracia” por todo o país e em grande quantidade, o que

não implicou recepção passiva desse conteúdo pela população. O foco na emissão da

mensagem não entregou, em parte, os resultados esperados, como foi possível perceber com o

fortalecimento do PTB após as eleições gerais de 1962. A recepção dessa produção, portanto,

pode ter sido diferente. É importante destacar que o IPÊS não foi golpista desde sua fundação,

tampouco seus membros estavam envolvidos na conspiração golpista em sua totalidade.

Das interpretações a respeito do que foi o IPÊS e qual o alcance de suas ações, é

necessário pontuar alguns conceitos para a construção de nossa definição acerca da entidade,

e que utilizaremos ao longo da tese.

O IPÊS foi uma instituição criada em 29 de novembro de 1961 por civis e militares

como uma sociedade civil “sem fins lucrativos, de caráter filantrópico e intuitos educacionais,

sociológicos e cívicos” (IPÊS, Estatutos, 1962, p. 1). Em seus estatutos também consta que “o

IPÊS não participará de quaisquer atividades político-partidárias” (IPÊS, Estatutos, 1962, p.

1). Portanto, trata-se de um grupo de interesse, definido como a união de atores sociais

fundamentada em uma ou várias identidades de diversos tipos (MEYNAUD, 1966). Meynaud

faz uma divisão esquemática (e relativizada) entre grupos de interesse de organizações

profissionais e de vocação ideológica. O IPÊS não pode ser caracterizado como uma

organização profissional, pois não persegue interesses materiais específicos de um grupo

profissional como um sindicato ou agrupamento de economistas ou engenheiros, por

exemplo. No entanto, também não é estritamente uma instituição de vocação ideológica, pois

embora atue em defesa da “democracia”, com uma “pauta específica”, e embora tenha

projetos de desenvolvimento político e econômico que se colocam em frontal oposição a

outros projetos ligados ao governo federal e a grupos como o Instituto Superior de Estudos

Brasileiros (ISEB), praticou uma atividade ilegal fora do campo da atuação formal de uma

instituição do tipo. Portanto, se coloca como alternativa democrática que tem interesses

específicos no tipo de direcionamento político e econômico que o Estado deve seguir, mas

que também atuou de forma ilegal, como já referimos. Em função de sua atuação antes e

depois do golpe, pode ser classificado também como um grupo de pressão, pois além de atuar

como grupo de interesse, buscava influenciar as políticas públicas gestadas pelo Estado

(MEYNAUD, 1966) através da elaboração de projetos de lei e divulgação de suas ideias na

imprensa e em outros meios de comunicação.

O principal meio para atingir os objetivos da instituição, no caso do IPÊS, foi o ensaio

de persuasão, como argumenta Hernán Ramírez (p. 74-75). O objetivo, conforme Ramírez, é

51

“persuadir às autoridades competentes por meio de argumentos racionais e proporcionando

informações de que se reclamam reivindicações justas e necessárias, isto é, fazer o que os

grupos de interesse propõem” (p. 74). Ou seja, trata-se de influenciar as políticas públicas,

para que sejam o máximo possível semelhantes ao que o IPÊS, no caso, propunha. No

contexto dos anos 1960, os projetos de lei elaborados no seio dos grupos de estudo do IPÊS

não lograram êxito e não se tornaram políticas públicas, embora houvesse amplo trabalho de

divulgação de tais projetos na grande imprensa. A instituição só obteve sucesso na

encampação de seus projetos após o golpe de 1964. O Banco Central, por exemplo, foi criado

logo após o golpe, sendo que o IPÊS havia elaborado um projeto dispondo sobre a sua criação

anteriormente, e o governo federal nomeou para primeiro presidente daquele um líder

ipesiano, Dênio Chagas Nogueira.

Outra questão importante a ser considerada é a da ação coletiva dentro do IPÊS. Como

afirma Olson, a ação coletiva não é natural, mas um cálculo mais ou menos preciso de

interesses (OLSON apud RAMÍREZ, 2005, p. 73). Portanto, é necessário entender essa

dinâmica das instituições durante o período de funcionamento do IPÊS. A entidade sempre

teve à sua frente um quadro de dirigentes que pouco mudou. As principais lideranças

permaneceram tomando as rédeas do IPÊS durante todo o tempo, e pouca mudança houve em

seu primeiro escalão. No final de 1962 e no início de 1963 a instituição passou a receber mais

associados, mas até esse momento foi difícil arregimentar membros e contribuintes para o

IPÊS, possivelmente porque o risco de participar oficialmente de uma instituição em estágio

inicial era grande. Já a renovação dos quadros não se deu porque os indivíduos já associados

buscaram maximizar seus benefícios com o menor trabalho possível, e diluindo seu possível

esforço na ação coletiva. Foi necessário um grupo de líderes para desenvolver a instituição e

cumprir seus objetivos, principalmente o de desestabilizar o governo de João Goulart com

pressão sobre o governo federal. Após tal objetivo ser cumprido, tornou-se mais difícil exigir

novos esforços para readequação da instituição aos novos tempos pós-1964. Não havia,

portanto, motivação suficiente para os indivíduos agirem em benefício do grupo de forma

ativa, já que de forma voluntária eles não agiriam, conforme Olson. Para o autor, a deserção

na ação coletiva é um ato racional, um cálculo de interesses. Ou seja, não seria vantajoso

permanecer no IPÊS ou auxiliar no seu desenvolvimento após o golpe de 1964.

O financiamento do IPÊS se dava por meio de mensalidades pagas por pessoas físicas

e jurídicas. Em grande parte, as pessoas jurídicas eram empresas multinacionais. Houve

também verba dos Estados Unidos por meio da CIA e do Fundo do Trigo do consulado

estadunidense no Brasil para financiar as atividades da instituição, principalmente para pagar

52

opositores a João Goulart nas campanhas eleitorais de 1962, conforme explicamos na

introdução e neste Capítulo.

Nos anos 1960, o país passava por um momento de efervescência política e

polarização ideológica, em plena Guerra Fria, o que significava um clima de disputa entre

“democracia” e “comunismo”. Coube ao IPÊS a tarefa, como qualquer instituição, de renovar

seus quadros e de se adaptar às novas condições a partir do golpe militar. Após inúmeras

tentativas de angariar quadros importantes, de renovar seu quadro dirigente e de descobrir

suas novas funções em um quadro político diferente, o IPÊS agonizou lentamente até ser

extinto em 1971.

A motivação básica da associação ao IPÊS era, principalmente, a defesa da

democracia e o combate ao “comunismo”, além dos projetos de lei de oposição aos do

governo federal, tendo em vista estudos técnicos supostamente mais corretos para a situação

que o Brasil vivia naquele contexto. Essa motivação básica desapareceu após o golpe de 1964.

Portanto, diante desse novo quadro, o IPÊS foi aos poucos perdendo associados e não

conseguiu se sustentar financeiramente, encerrando suas atividades.

1.3.1. O conceito de think tank e suas possibilidades de aplicação ao caso do IPÊS:

construindo o argumento para sua refutação

Nesta seção, analisaremos as possibilidades de aplicação do conceito de think tank

(TT) para o caso do IPÊS e apontaremos os motivos pelos quais não o julgamos interessante

para utilizar nessa tese.33 A bibliografia sobre os TTs é majoritariamente estadunidense e

apresenta muitas versões diferentes do conceito. Podem ser tratadas como organizações de

pesquisa independentes que produzem conhecimento especializado para influenciar políticas

públicas. Também podem ser consideradas as relações dessas instituições com partidos

políticos, governo, imprensa e empresas. Já a discussão sobre os TTs no Brasil ainda é muito

incipiente. As poucas pesquisas existentes costumam adotar como objeto instituições que

estão ativas atualmente, como a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ademais, entidades

congêneres que foram extintas não costumam ser investigadas dessa forma. O que geralmente

é referenciado como importante nos anos 1950 e 1960 é o ISEB34, ignorando a relevância do

IPÊS.

33 Trata-se de adaptação de artigo publicado pelo autor em anais de evento (MORAES, 2014). 34 Ver CHACEL, 2009, pp. 567-583.

53

A origem do conceito de TT remete às salas onde se discutiam planos e estratégias

militares durante a Primeira Guerra Mundial (Teixeira, 2007, p. 106). O termo só surgiu a

partir da Segunda Guerra Mundial (p. 106). Apresentaremos as interpretações mais correntes

do conceito de TT na bibliografia internacional35 a partir de estudo realizado por Soares

(2009, pp. 90-97). Haass (2002) e Rich (2004) afirmam que os TTs são independentes. Para o

primeiro, produzem conhecimento relevante e fazem uma ponte entre o conhecimento

acadêmico e o mundo prático das políticas públicas. Para o segundo, não há interesses em

jogo em sua atuação. Howlett e Ramesh (2003) também caracterizam os TTs como

independentes, mas destacam que, em alguns casos, as pesquisas tendem a encontrar

evidências favoráveis às posições que a entidade defende. Reproduzir o discurso da

independência, que é o mesmo do objeto, é negligenciar os interesses na disputa pela

influência em políticas públicas. Madoka (2002) considera os TTs importantes atores nas

sociedades democráticas, que garantem um processo pluralista na gestão pública. No entanto,

em uma sociedade pluralista há graus de poder diferenciados que matizam a capacidade de

influência em políticas públicas de cada indivíduo ou instituição.

As pesquisas sobre os TTs brasileiros, ou mesmo as feitas por brasileiros, são bastante

recentes, datando principalmente dos anos 2000. As principais revisões bibliográficas são as

de Dias Rigolin e Hayashi (2012), Soares (2009) e Teixeira (2007; 2012). Para Dias Rigolin e

Hayashi, a tendência das pesquisas sobre os TTs no Brasil tem sido o estudo da influência do

conhecimento produzido por indivíduos das Ciências Exatas que trabalham nessas instituições

nas políticas públicas, assim como ocorre nos Estados Unidos (2012, pp. 21-22). As autoras

questionam a controversa exclusão de universidades e institutos públicos de pesquisa da

definição de TT, que seria o uso mais corrente do conceito

René Dreifuss afirma que o IPÊS realizava cursos antes de 1964 com o objetivo de se

colocar como alternativa ao ISEB, como um “anti-ISEB” (1986, p. 258). Se concordarmos

com o autor, e o ISEB for considerado um TT, teremos elementos para pensar o IPÊS como

um TT.

Fizemos um levantamento para saber se o conceito de TT já havia sido usado em

alguma outra pesquisa a respeito do IPÊS. Chegamos à conclusão de que TT é usado apenas

como termo para caracterizar o IPÊS, e não é trabalhado teoricamente. Seja em Napolitano

(2011, p. 211), Briso Neto (2008, p. 11) ou Hentschke (2004, pp. 5, 26), todos utilizam TT

como termo. Quando se refere ao IPÊS do pós-golpe, René Dreifuss afirma que funcionava

35 Para uma revisão bibliográfica igualmente abrangente, ver TEIXEIRA, 2007, pp. 105-164.

54

como usina de ideias e que fazia consultoria para o governo. Atuava “como um think-tank

informal e de múltiplas finalidades, capaz de aconselhar, tomar iniciativas na elaboração de

diretrizes e de predispor favoravelmente o Ministro em questão, bem como de mobilizar a

opinião pública” (1986, p. 450, grifos no original). No entanto, a única explicação do termo é

oferecida em nota explicativa pelo tradutor, não pelo autor, referindo-se a um “grupo de

especialistas organizado por uma empresa, agência governamental, etc. e comissionado para

realizar estudos intensivos e pesquisa de problemas específicos” (1986, p. 61).

Hernán Ramírez (2005), argumenta que o conceito de TT não abrange a totalidade das

atividades do IPÊS, e utiliza grupo de interesse (2005, pp. 70-79). Efetivamente, é necessário

considerar as atividades ilegais do IPÊS. No entanto, essa crítica trata de apenas uma das

possibilidades de utilização do conceito de TT.

Podemos embasar nossa argumentação a partir do marco teórico proposto por Dias

Rigolin e Hayashi, baseado em Medvetz (2008), Acuña (2009), Braun et al. (2006) e Smith

(1991). A partir de Medvetz, o conceito pode abranger mais do que a ideia de grupo de

interesse. O autor utiliza o conceito de campo social de Pierre Bourdieu36, o que implica, de

acordo com Dias Rigolin e Hayashi, o abandono da ideia de que os TTs são instituições

independentes e o reconhecimento das relações dessas entidades com outras (2012, p. 26).

Ademais, tendo em vista buscar as condições sociais de produção desses TTs, Medvetz afirma

que estariam situados nas fronteiras entre o campo político, o econômico, o das comunicações

e o da produção de conhecimento37. O IPÊS se localizava nessas fronteiras38. A partir dessa

interpretação, podemos avançar para a proposta de Acuña (2009), que sugere considerar os

TTs como: a) atores coletivos; b) formalmente institucionalizados; c) sem fins lucrativos; d)

cuja função organizacional dominante seja influenciar as políticas públicas; e) que tal

influência se dê através da produção e transmissão de conhecimento; f) essa transmissão deve

36 Ao longo desta tese, utilizamos e utilizaremos conceitos que podem remeter às ideias desenvolvidas por Pierre

Bourdieu, mas de forma instrumental, sem utilizar efetivamente o arcabouço teórico-metodológico desse autor. 37 Medvetz também argumenta, em outro artigo, que os intelectuais que atuam em TTs têm, em sua autoimagem,

cada vez mais uma formação híbrida, que transita entre os campos citados (MEDVETZ, 2010). 38 Fez parte do campo político, na medida em que financiou opositores de João Goulart nas eleições de 1962 e

tinha contatos no Congresso para reivindicar suas propostas de políticas públicas. Havia um órgão do IPÊS

chamado Grupo de Assessoria Parlamentar (GAP), que servia de canal de acesso para o Congresso e de

financiamento dos parlamentares de oposição a João Goulart. Pertencia ao campo econômico, pois as fontes de

financiamento da entidade eram principalmente empresas multinacionais, mas também nacionais. Ademais, os

integrantes da entidade tinham interesse na reformulação do sistema financeiro nacional (BRISO NETO, 2008),

bem como no recuo da possibilidade de implantação das Reformas de Base do governo João Goulart, tendo

como contraproposta os estudos elaborados pelo IPÊS para diversas questões, incluindo a polêmica reforma

agrária. Também pertencia ao campo das comunicações, por sua inserção na mídia, com artigos em jornais,

revistas, produção de filmes de curta-metragem e de livros. Além disso, reeditavam livros já publicados. O IPÊS

tinha facilidade em difundir suas ideias a nível nacional. O GOP, já referido, era fundamental nesse processo. O

IPÊS também se situava no campo de produção do conhecimento, devido aos estudos produzidos GED do Rio

de Janeiro, e pelo GDE de São Paulo.

55

ter como objetivo atores que podem interferir direta ou indiretamente na formulação e

implementação de políticas públicas (2009, p. 27).

O IPÊS se encaixa nesses critérios. Vejamos: a) o IPÊS era constituído por integrantes

que se reuniam periodicamente; b) a entidade foi formalizada em 1961; c) o IPÊS não tinha

fins lucrativos; d) seu objetivo principal era influenciar políticas públicas. Compreender os

estudos criados ou a tentativa de influenciar as políticas públicas como mera

instrumentalização de recursos visando ao fortalecimento da campanha golpista é incorrer em

um reducionismo; e) através do GED e do GDE do IPÊS eram produzidos estudos

amplamente difundidos por meio dos meios de comunicação. Por outro lado, também eram

produzidos e difundidos filmes39 e cartuns em defesa do que consideravam ser a democracia

(Dreifuss, 1986 pp. 250-252); e f) o público-alvo da produção do conhecimento eram as

outras frações do empresariado e a população em geral.

Dias Rigolin e Hayashi destacam que ao aplicar o conceito de TT deve-se levar em

conta as implicações teóricas de seu uso. Nesse sentido, afirmam que “ser chamado de think

tank é elevar-se acima da política baseada em meros interesses (o mundo da politics) e

reivindicar os dividendos simbólicos que resultam da associação entre os produtores de

conhecimento especializado e a política pública (o mundo da policy)” (2012, p. 24, grifos no

original).

Embora a possibilidade de utilizar TT como conceito no caso do IPÊS tenha sido

verificada, consideramos que oferece um capital simbólico à entidade designada como tal que

é exatamente o que a instituição busca no desempenho de suas atividades: reconhecimento

como geradora de políticas públicas e influência em instâncias decisórias. É importante

lembrar o que Dario de Almeida Magalhães, líder ipesiano, afirmava em relação à atividade

do IPÊS: “A tática é fazer a ação extremista, mas com uma porção de biombos”40. Ou seja,

era necessário escondê-la sob a face legal da instituição. Portanto, consideramos o conceito de

think tank uma espécie de armadilha epistemológica, que apreende o pesquisador no momento

em que é utilizado. O conceito também não oferece maior precisão em relação ao de grupo de

interesse ou de grupo de pressão, tampouco eficiência operacional relevante em relação ao

que já foi proposto.

39 A respeito dos filmes produzidos por Jean Manzon para o IPÊS e seu conteúdo, ver ASSIS, 2001; CORRÊA,

2005. Para uma leitura confrontada com as produções do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos

Estudantes, ver CARDENUTO, 2008. 40 Atas do Comitê Executivo do IPÊS/Rio, 19/06/1962 apud RAMÍREZ, 2005, p. 185.

56

Portanto, grupo de pressão é o conceito mais indicado para essa pesquisa, que se

debruça tanto sobre as instituições como sobre os indivíduos que a compõem, tentando

entender as relações entre ambos, e entre ambos e o Estado.

1.4. ENTRE ELITES, TECNOEMPRESÁRIOS E INTELECTUAIS ORGÂNICOS: O

PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DOS INDIVÍDUOS NO GRUPO

Após a definição do IPÊS como grupo de interesse que atuou como grupo de pressão,

como conceituar os indivíduos que compõem nosso N? O grupo selecionado tem profissões

heterogêneas, formações distintas e diferentes trajetórias públicas e privadas. É certo que há

pontos em comum, o principal deles o de fazer parte da mesma instituição e, em algum nível,

partilhar de seus objetivos. De qualquer forma, cabe analisar três conceitos utilizados por

René Dreifuss que abarcariam a totalidade dos indivíduos que compunham o IPÊS:

tecnoempresários, elites e intelectuais orgânicos da burguesia multinacional.

Para Dreifuss, os indivíduos do IPÊS poderiam ser classificados como

tecnoempresários, visto que a nomenclatura comumente aceita na historiografia na época era

tecnoburocratas e não indicava seus interesses empresariais na elaboração de políticas

públicas, e sim uma suposta neutralidade técnica, acima de qualquer interesse. Estamos de

acordo com o uso do termo, mas não de forma generalizada para todos do IPÊS, tampouco

para nosso N. Para utilizá-lo, deveríamos checar se, efetivamente, todos os indivíduos eram

empresários ou tinham fortes vínculos com empresas, se todos desempenharam suas

atividades em cargos públicos tendo em vista seus interesses específicos, e se todos detinham

um conhecimento técnico que os habilitasse para a ocupação de seu cargo público, utilizando-

o em sua função. Não analisaremos a atuação específica de cada indivíduo em seus cargos

públicos. No entanto, como foi exposto, a conceituação de tecnoempresários pode apresentar

uma série de problemas na sua comprovação empírica, visto que é generalizante. É importante

ressaltar que de forma alguma afirmamos que não existiram tecnoempresários no período

analisado.

Outra possibilidade de classificação para o grupo estudado é a de elite. A ideia de elite

está vinculada a indivíduos que usufruem de influência, autoridade ou recursos, que estão no

topo de algum segmento social ou instituição. O conceito é pouco preciso, podendo designar

uma elite política ou uma elite operária, por exemplo, e tornou-se um tanto instrumental. Tal

utilização serve ao historiador na medida em que permite interpretações menos engessadas

57

sobre as relações sociais, e oferece, como argumenta Heinz, “uma forma de se estudar os

grupos de indivíduos que ocupam posições-chave em uma sociedade e que dispõem de

poderes, de influência e de privilégios inacessíveis ao conjunto de seus membros" (2006, p.

8). No caso de nosso N, com que tipo de elite estaríamos lidando? Adjetivações como elite

econômica, técnica ou política são simplistas demais para darem conta da heterogeneidade do

grupo. Inclusive, esses indivíduos parecem pertencer aos três mundos ao mesmo tempo, sem

necessariamente estarem fixados, localizados, em algum deles. É possível argumentar que o

nosso recorte representa uma elite burocrática tecnoempresarial, pois seus integrantes são

apenas alguns de uma ampla gama de técnicos e empresários possíveis, que se destacaram de

alguma forma, e que ocuparam cargos importantes na burocracia federal, assumindo posições-

chave. Por outro lado, não parece correto classificar um indivíduo como integrante de uma

elite burocrática tecnoempresarial se ocupou um cargo público por pouco tempo, mesmo que

seja altamente relevante. O grau de adesão à elite deve ser alto, ou o conceito perde sua

operacionalidade. Sem precisão, tudo pode ser elite e nada pode ser elite.

René Dreifuss classificou os ipesianos como intelectuais orgânicos da burguesia

multinacional. O conceito é bastante operacional na obra do cientista político uruguaio. No

entanto, poucos ipesianos agiam conscientemente e politicamente para efetivar a campanha de

desestabilização do governo de João Goulart em benefício dos interesses ligados ao capital

multinacional. Muitos foram apenas doadores ou participantes de ocasião. Para ser intelectual

orgânico, é necessário haver alguma organicidade na ação, ou seja, alguma perenidade, com

alguma ação política mais relevante, o que não vemos em muitos dos indivíduos estudados.

Vários ipesianos ingressaram na instituição apenas após o golpe, por exemplo. Além disso,

poucos líderes ipesianos ocuparam CPFs. A respeito de nosso grupo, esse número

provavelmente é menor ainda. Inclusive, como afirma Maria Victoria Benevides em uma

resenha da obra de Dreifuss, muitos nomes referenciados como participantes do IPÊS tiveram

participação “meramente acidental” (BENEVIDES, 2003). Por outro lado, poucos foram os

indivíduos em nosso grupo que cumpriram função de intelectual orgânico, elaborando

ideologicamente a consciência do lugar de classe para a própria classe e para os outros, tendo

em vista o rumo a seguir por meio da ação política organizada. Essa questão só poderá ser

melhor dimensionada durante os Capítulos 2 e 3 desta tese.

Um dos resultados dessa tese é a identificação com maior precisão da trajetória

pública dos ipesianos que ocuparam CPFs pós-golpe, o que permite caracterizá-los de forma

mais precisa, para além dos conceitos já referidos nesta seção.

58

1.5. DIÁLOGO COM A HISTORIOGRAFIA NA DEFINIÇÃO DO GRUPO DE

INDIVÍDUOS: A OCUPAÇÃO IPESIANA DO ESTADO

A definição do número de indivíduos (N) que constituem o nosso objeto de estudo foi

realizada com base na apreciação crítica da historiografia a respeito da ocupação ipesiana do

Estado e em uma metodologia própria da tese de doutorado, que apresentaremos a seguir.

A ocupação do Estado pós-1964 foi estudada por diversos autores, e uma das

principais referências é René Dreifuss. Aqui, elencaremos as interpretações correntes sobre os

indivíduos que ocuparam cargos públicos no Estado após o golpe e a percepção a respeito dos

seus interesses no aparato estatal.

Como vimos, a historiografia sobre a ditadura pós-1964 se refere há bastante tempo ao

período como ditadura civil-militar, destacando a ocupação de postos-chave da administração

pública federal por tecnoempresários e tecnoburocratas, notadamente os vinculados ao IPÊS.

Portanto, é preciso compreender de forma mais detida o que René Dreifuss entendia por

conquista, ocupação ou colonização do Estado, termos que utiliza ao longo de sua tese.

Em seu Capítulo IX, o autor critica as interpretações correntes na época de que os

empresários e banqueiros não atuavam politicamente. Sua tese evidencia exatamente o

contrário: uma ação política bem articulada que produziu resultados consistentes na

desestabilização de João Goulart e na gestação e implantação de políticas públicas no pós-

1964. No capítulo referido, Dreifuss afirma que pretende demonstrar que os indivíduos “que

ocuparam os setores-chave da administração do Estado e os Ministérios eram ativistas do

complexo IPES/IBAD ou industriais e banqueiros, que compartilhavam das metas daqueles e

que haviam contribuído para os esforços dirigidos pelo IPES para derrubar J. Goulart” (1986,

p. 417). Trata-se da última parte de sua tese, na qual procura evidenciar e dar consistência à

hipótese de que os indivíduos ligados ao capital multinacional e associado conquistaram o

Estado após o golpe. Afirma que “um cuidadoso exame dos ocupantes das posições do poder

revela que os empresários e tecno-empresários do IPES controlavam os mecanismos e

processos de formulação de diretrizes e tomada de decisão no aparelho do Estado” (p. 418),

confirmando toda sua linha de argumentação prévia ao longo da obra. Resume, em um

parágrafo, já na conclusão, o objetivo do IPÊS e os resultados que seus indivíduos

alcançaram:

O IPES foi capaz de terminar sua campanha complexa e cuidadosamente elaborada

para depor João Goulart com a ocupação vitoriosa de posições-chave da política e

59

da administração, realizando uma profunda mudança do regime. Entretanto, ao

contrário do que se pensava, essas posições-chave não foram ocupadas por técnicos,

mas, em muitos casos, por industriais e banqueiros. Ao invés de serem elaboradores

de diretrizes sócio-econômicas e políticas imparciais e apartidários, a característica

mais marcante da nova administração foi o acúmulo de vários postos ocupados

por homens-chave dos grandes empreendimentos industriais e financeiros e de

interesses multinacionais. Outro aspecto digno de ênfase é que a maioria dos

empresários que ocupava cargos-chave estava envolvida em atividades comerciais

privadas, relacionadas de perto com suas funções públicas. O extraordinário

acúmulo de uma série de cargos administrativos por um número relativamente

pequeno de indivíduos e o fato de que cada um desses empresários e tecno-

empresários também acumulava vários postos na direção de grandes companhias

demonstrava o grau crescente de concentração de poder econômico e político. (p.

455, grifos nossos)

Aqui, é possível dissociar duas questões que, embora pareçam estar amalgamadas,

devem ser analisadas separadamente. Em primeiro lugar, Dreifuss afirma que foram

indivíduos do IPÊS, em grande medida industriais, banqueiros e sócios de empresas

multinacionais, que ocuparam posições-chave no Estado. Como veremos no próximo

subcapítulo, a respeito da definição do grupo de indivíduos trabalhados nesta pesquisa, uma

das etapas de construção desta tese foi a identificação dos indivíduos do IPÊS que

efetivamente tiveram alguma atuação na instituição e ocuparam cargos públicos no pós-1964.

A quantidade é menor do que Dreifuss afirma. Em segundo lugar, o fato de que um pequeno

número de indivíduos acumulou poderes e cargos no pós-1964 é inegável. O que é

questionável é a quantidade efetiva de indivíduos, quem foram, a extensão de tal ocupação, e

sua qualidade. É possível que boa parte desses indivíduos tenham sido alijados do poder em

pouco tempo, o que esta tese pretende responder.

A interpretação a respeito da colonização do Estado no pós-1964 por integrantes do

IPÊS, ligados ao capital multinacional e associado, encontrou e ainda encontra forte eco na

historiografia. Referências nos estudos sobre o golpe e a ditadura como Maria Helena Moreira

Alves (1984), Hernán Ramírez (2005) e Demian Bezerra de Melo (2012) corroboram essa

interpretação. Tal leitura não está incorreta, mas carece de maior refinamento com base

empírica em um conjunto de dados estudados e analisados sob abordagem prosopográfica, o

que proporciona uma visão de conjunto.

1.5.1 Definindo critérios para a criação do banco de dados

O ponto de partida para a construção de um banco de dados sobre os indivíduos que

pretendemos estudar foi o capítulo IX da principal obra de René Dreifuss (1986). Percebeu-se

60

que há uma série de nomes de indivíduos que teriam ocupado cargos públicos importantes,

principalmente federais, embora o autor também arrole estaduais e, eventualmente, algum

cargo municipal. A questão é que não fica claro se todos os indivíduos listados como

ocupantes da estrutura do Estado tiveram uma atuação consistente no IPÊS, ou se

participaram como colaboradores, filiados, doadores, ou integrantes de sua equipe dirigente.

Portanto, montou-se uma planilha onde foram arrolados todos os ocupantes de cargos

públicos que Dreifuss alegava serem do IPÊS. Em alguns casos a vinculação era explícita e

específica. Em outros, a construção frasal apenas indicava a participação de um grupo. Por

exemplo, “a Superintendência da Moeda e do Crédito – SUMOC – reunia, em 1965, os

seguintes empresários e tecno-empresários, todos associados e colaboradores do IPES [...]”

(1986, p. 429), ou “o staff do IBRA era composto, na maioria, de ativistas do complexo

IPES/IBAD [...]” (p. 435), sem especificar quem era e quem não era das duas entidades. Ou

seja, não há como saber quais deles eram do IPÊS, a não ser com pesquisa. De qualquer

forma, todos indicados como participantes do IPÊS, inclusive onde a construção frasal é

dúbia, foram elencados na planilha em um primeiro momento. Nessa planilha (A), criamos

um marcador de coluna chamado “Listagem Inicial”, na qual todas as linhas (nomes) foram

marcadas com “sim”. Para cada indivíduo foi estabelecido uma série de descritores: Nome,

cargo, ligação com o IPÊS, fonte da informação, se era militar (sim ou não), a patente, caso

fosse, e observações, além do marcador já referido. O número de indivíduos nessa listagem

preliminar é 315.

A seguir, foi realizada uma filtragem de quem efetivamente fez parte do IPÊS, seja

como colaborador, doador, ou algum outro tipo de participação ativa que pudesse ligar o

indivíduo ao IPÊS. Foram eliminados os nomes duplos, os nomes com grafias diferentes, ou

em que havia acréscimo de nome do meio em uma ou outra referência, mas na verdade

tratava-se do mesmo nome. Foram tomadas as devidas precauções para desambiguar os

nomes.

Após a listagem preliminar, foi realizada uma filtragem através de pesquisa no arquivo

digital da tese de Hernán Ramírez (2005) e no arquivo digital da tese de René Dreifuss

(1980). O procedimento para a filtragem dos indivíduos que efetivamente eram ligados ao

IPÊS de uma ou mais formas, que tiveram alguma atuação consistente na entidade e que

ocuparam CPFs após o golpe de 1964 foi realizado por etapas. Inicialmente, procurou-se

todos os nomes do capítulo IX de Dreifuss na tese do autor em formato digital (1980), que é

pesquisável por texto. Quando o nome do indivíduo aparecia somente uma vez na tese inteira,

geralmente no próprio capítulo IX, o respectivo nome na planilha A era grifado de cinza para

61

separá-lo. Estes nomes, por não constarem em lugar algum no restante da tese, provavelmente

não tinham ligação com o IPÊS. Ou, se havia, não teríamos como confirmar. Foram tomadas

as devidas precauções com grafias semelhantes de nomes (Dorneles ou Dornelles), ou mesmo

supressão de nome do meio (Antônio Augusto Tavares, ou Antônio Tavares), na busca no

arquivo digital. Sempre que houve suspeita, procurou-se dirimir a ambiguidade com as

informações à disposição nas fontes primárias, secundárias ou busca na internet por resultados

que se aproximassem do perfil do indivíduo em questão.

Ao mesmo tempo em que foram pesquisados os indivíduos na tese de Dreifuss (1980)

também foi realizada busca na tese de Hernán Ramírez (2005), que possui uma lista de

filiados, bem como de pessoas físicas e jurídicas doadoras do IPÊS. Se o nome constava

apenas uma vez na tese de Dreifuss, era muito provável que ocorresse o mesmo na tese de

Ramírez. De qualquer forma, todos foram checados. Foi criada uma cópia da planilha antiga

com o nome de “Lista Reduzida” e foi acrescentada uma coluna denominada “Lista

Reduzida”, onde a categorização do indivíduo poderia ser “não”, “sim”, ou “novo”. “Não”,

para os que efetivamente só constavam uma única vez na tese de Dreifuss, o mesmo

ocorrendo na de Ramírez, e que não tinham ligação efetiva com o IPÊS, embora tivessem

ocupado algum CPF no pós-1964. “Sim”, para os que cumpriram alguns critérios, que

explicitaremos a seguir, e foram incluídos no grupo de indivíduos que foram pesquisados.

“Novo”, para os que inicialmente foram descartados, mas por alguma busca em fonte primária

ou bibliografia secundária retornaram para a listagem, pois foi confirmada a participação no

IPÊS de forma consistente. Foi criada também uma coluna “Fontes da lista reduzida”, com

novas fontes para referendar ou reabilitar um indivíduo que, respectivamente, já estava ou não

estava na listagem desta tese. Foram acrescentados dados à coluna “Ligação com o IPÊS”

com base nas fontes da lista reduzida, bem como novas observações. Foram acrescentadas

também duas colunas para auxiliar no processo: “Motivo da Eliminação” e “Motivo da

Manutenção”, tendo em vista explicitar os critérios para a eliminação da listagem ou

manutenção na listagem do N da tese, ou seja, os motivos pelos quais acreditamos ser válido o

indivíduo constar em nosso N.

Os critérios definidores da participação consistente no IPÊS, não necessariamente

cumulativos, são os seguintes:

- Ter feito parte em algum momento da direção do IPÊS, de algum de seus grupos, ou

ter sido filiado. Portanto, se apareceu na lista de Ramírez como filiado, entra em nosso N.

Alguns indivíduos aparecem na lista de Ramírez, mas não foi possível identificar em lugar

62

algum como do IPÊS. De qualquer forma, foram incluídos no N, para serem checados

posteriormente. Quem constava apenas em apêndices da obra de René Dreifuss como membro

do IPÊS também foi incluído no N;

- Se participou apenas de uma conferência do IPÊS, o indivíduo foi excluído do N;

- Se participou de duas ou mais conferências do IPÊS, há uma possível continuidade,

portanto entra no N, embora esse critério seja arbitrário;

- Se o indivíduo foi professor em um ou mais cursos do IPÊS, entra no N, pois indica

um envolvimento maior do que apenas oferecer uma conferência, de forma isolada;

- Se fez parte da Ação Democrática Parlamentar (ADP) ou ADEP, foi incluído no N;

- Se foi civil que participou da desestabilização ou da conspiração contra João Goulart

e está vinculado com o IPÊS na narrativa de Dreifuss ou Ramírez, entra no N. Se a vinculação

com o IPÊS não é clara, não entra. Do contrário, muitos entrariam em nosso recorte por

colaboração indireta ou por golpismo. O mesmo vale para os militares;

- Se foi civil e sua vinculação com o IPÊS é nebulosa ou não há indícios, foi excluído

do N. O mesmo vale para os militares;

- Se o indivíduo era do IBAD e não tinha trânsito no IPÊS de forma comprovada no

texto dos dois principais autores, Dreifuss e Ramírez, foi excluído do N.

Inicialmente, havia 315 indivíduos, com base na listagem de René Dreifuss. Desses,

após as filtragens referidas, foram eliminados 148. Ou seja, 46,98% dos nomes da lista inicial

estão lá de forma equivocada. Resta uma lista filtrada com 167 nomes. É preciso levar em

conta que vários nomes foram acrescentados e outros foram excluídos desde a listagem

inicial, e essas mudanças não foram computadas para os dados aqui apresentados.

1.5.2 O grupo de indivíduos resultante do refinamento dos critérios para a construção do

banco de dados

A partir desta segunda filtragem, foi realizada uma terceira, por meio de uma nova

planilha apenas com os indivíduos que restaram da filtragem anterior, com todos os

indivíduos marcados com uma coluna denominada “Lista Final”, com o conteúdo das células

“sim”. Nesta nova listagem, foi feito um cruzamento com os nomes dos filiados do IPÊS

obtidos via tese digital de Hernán Ramírez (2005, pp. 616-628), organizados em uma planilha

separada, com a lista do ponto de partida de nossa pesquisa, aquela com base no capítulo IX

63

da obra de René Dreifuss. Os 308 nomes que restaram são de indivíduos filiados ao IPÊS que

não foram detectados como ocupantes de cargo público pós golpe de 1964 por Dreifuss nem

por Ramírez. Dados os limites desta tese de doutorado, não foi possível fazer uma busca por

ocupação de cargos públicos pós-1964 através da documentação do fundo IPÊS do Arquivo

Nacional, busca na internet por referências externas, bibliografia secundária e Diários Oficiais

através do site JusBrasil. A indicação para futura pesquisa seria a criação de uma coluna extra

para novo indivíduo que constaria em um N final reformulado.

Após novas filtragens fruto do processo de tabulação de dados dos indivíduos do N

provisório (167), eliminamos 49, totalizando 118. Os motivos variam desde a identificação de

que o CPF que habilitava o indivíduo a compor o N não foi ocupado, e estava listado de

forma equivocada, até a percepção de inserção indevida do indivíduo no N final. Os motivos

de eliminação de cada indivíduo constam no banco de dados.

1.5.3 Crítica da crítica na definição do grupo de indivíduos

A definição do N da pesquisa passou por uma série de critérios já apresentados

anteriormente. Para fortalecer a argumentação que sustenta tais escolhas, será apresentado um

exercício de crítica dos possíveis questionamentos a seu respeito. Não pretendemos esgotar os

questionamentos à metodologia adotada. No entanto, trata-se de uma prática de contra

argumentação que fortalece a tese. Foram elencados sete pontos passíveis de debate sobre sua

consistência, que serão analisados a seguir.

1.5.3.1 Do acesso às fontes (escritas e orais)

Os indivíduos que são elencados como membros, líderes ou outra posição relacionada

ao IPÊS nem sempre têm tal característica empiricamente bem fundamentada na

historiografia. Por vezes, encontramos um indivíduo referenciado como ocupante de cargo

público pós-1964 e como integrante do IPÊS, mas que aparece apenas uma vez em toda a obra

de Dreifuss, por exemplo. Também é comum encontrar referências semelhantes sem nota de

fim de capítulo, ou alguma informação que corrobore e matize o grau da atuação do indivíduo

no IPÊS.

Diante do exposto, decorre que Dreifuss poderia ter acesso a inúmeras fontes que não

foi possível analisar durante esta pesquisa, sejam escritas ou orais. Em seu livro, há uma

64

bibliografia bastante extensa, além de uma listagem de fontes igualmente abrangente. Há, por

exemplo, entrevistas cedidas ao autor, sem possibilidade de verificação de seu teor (1986, p.

402, por exemplo, com o general Albuquerque Lima, em 1976). No entanto, o princípio da

verificabilidade da fonte é de extrema importância. Do ponto de vista da etnografia, é válido

fazer apontamentos sem gravação e publicá-los. No entanto, tal prática gera o presente

problema metodológico da desconfiança em relação aos dados fornecidos.

Em termos de documentação escrita, acessamos os principais acervos e documentos

sobre o IPÊS. O fundo Paulo Assis Ribeiro, importante líder ipesiano, localizado no Arquivo

Nacional, oferece informações importantes sobre a atuação do IPÊS e de seus indivíduos, mas

por motivos alheios à vontade do pesquisador, não foi possível acessá-lo. No entanto, quando

Dreifuss faz referência a tal fundo, não são dados que interessam especificamente à definição

do N desta pesquisa, mas outras informações sobre estudos relacionados à instituição. Outra

documentação importante e que não analisamos foi a revista Banas, com informações sobre

empresas e economia, amplamente referenciada para a elaboração de apêndices com as

ligações econômicas entre indivíduos ligados ao IPÊS.

Por outro lado, o fundo mais importante para a obtenção de informações sobre a

instituição e seus indivíduos é o IPÊS, já fotografado desde o período de elaboração da

dissertação de mestrado. Atualmente, parte do acervo está disponível para consulta na

internet, no site do Arquivo Nacional. Além disso, é possível compensar o acesso mais

restrito às fontes com pesquisa de ampla abrangência via internet, seja nos Diários Oficiais

online, periódicos por meio da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional, ou

mesmo em livros digitais com consulta por meio de texto, possibilidades inexistentes nos anos

1980.

Com o banco de dados que foi criado e com a quantidade de informações que

conseguimos por meio de pesquisa em diversas fontes, primárias e secundárias, saberíamos se

um indivíduo citado como ipesiano realmente teve participação no IPÊS com cruzamento de

dados. Para os que eliminamos, não foi o caso.

Portanto, aqui, o principal argumento é: se não houve menção a atividades consistentes

de um indivíduo no IPÊS, ou se há apenas uma referência, não é razoável pressupor que sua

efetiva conexão com a instituição constasse em outra fonte. É razoável, sim, supor que a

ligação do indivíduo com o IPÊS é fraca ou inexistente, e que a menção ao seu nome constitui

um equívoco.

Também foram realizadas buscas na tese de doutorado de Hernán Ramírez (2005) em

versão digital, e como a ocupação de cargos pós-1964 e a identificação mais aprofundada da

65

relação de indivíduos com a instituição não constituíam seu objeto de estudo específico, as

considerações feitas aqui valem da mesma forma.

1.5.3.2 Da efetiva participação no IPÊS

O que significa ter efetivamente alguma participação no IPÊS? É possível afirmar que

não há como saber exatamente quais indivíduos efetivamente participaram do IPÊS, e que

uma filtragem ou depuração resulta num preciosismo inútil de pouco valor analítico.

É realmente complexo afirmar o que pode ser considerado participação efetiva. De

fato, a extensa lista de filiados pode significar pouco ou nada caso não consigamos mapear a

atuação de cada um dentro da instituição. No entanto, uns tiveram maior atuação

documentada que outros. Quando falamos participação efetiva, como já argumentamos

anteriormente, queremos destacar e diferenciar os que tiveram uma atuação mais consistente

dos que não tiveram atuação alguma, ou apenas têm seus nomes mencionados de passagem na

historiografia.

Portanto, discordamos da crítica de que é impossível delimitar quem efetivamente

participou da entidade, pois é possível indicar, por meio da documentação disponível, a

atuação em maior grau de uns em relação a outros. Para evitar equívocos futuros e oferecer

um aprofundamento analítico, é importante fazer estas diferenciações. Um indivíduo que doou

para o IPÊS, como pessoa física ou jurídica, entra no N da pesquisa. Alguém que é listado

como filiado e que ocupou cargo público também entra. No entanto, o indivíduo que fez

apenas uma palestra ou conferência, ou é parente de alguém do IPÊS, não pode ser

considerado ativista, líder ou membro do IPÊS, ao menos não a priori e sem documentação

que comprove tal relação.

Por outro lado, consideramos em nosso N indivíduos que participaram como doadores,

se constasse na lista de filiados, seja como pessoa física ou jurídica, pois constitui um tipo de

atuação, que embora mínima, oferecia suporte financeiro para o funcionamento do IPÊS e

implicava, em alguma medida, afinidade com a defesa da “democracia” que era proposta.

1..5.3.3 Da relevância dos cargos

Os CPFs ocupados pelos indivíduos analisados não são, em sua maioria, de primeiro

escalão. Há CPFs de menor importância que também são arrolados. Poderia ser questionada a

66

importância destes cargos na definição do N, e se não deveriam ser recortados apenas os mais

relevantes.

As críticas levantadas na tese são fundamentalmente críticas historiográficas, com

evidências empíricas. A relevância ou não do CPF, bem como a atuação do indivíduo no

desempenho de suas funções, não serão levadas em conta na definição do N. Estas

considerações poderão servir posteriormente, em uma análise qualitativa da atuação dos

agentes em seus respectivos trabalhos, embora não seja a proposta deste trabalho. O que nos

interessa especificamente na definição do N da tese é a ocupação de cargo público somada à

atuação consistente no IPÊS.

Ademais da questão da relevância ou não dos cargos, que pode constituir pesquisa

futura, desdobramos os CPFs ocupados em diferentes categorias, que conformam qualidades,

ou seja, maior complexidade e/ou prestígio em uma hierarquia de CPF. Ou seja, um cargo de

ministro está tabulado com uma marcação diferente do cargo de membro de conselho federal,

que por sua vez é diferente da qualidade tabulada de um assessor técnico de instituição

federal, ou mesmo de um professor. Nesse sentido, embora não façamos a análise da atuação

dos indivíduos em cada um dos cargos ocupados, o que seria tarefa hercúlea mesmo se

analisássemos apenas os mais relevantes, pudemos identificar e separar metodologicamente

diferentes tipos de cargos, que poderão ser analisados dessa forma e com recortes entre essas

divisões.

1.5.3.4 Do peso dos IPÊS regionais

As informações que temos dos IPÊS regionais estão na obra de René Dreifuss (1986),

de Heloisa Starling (1986) e de Thiago de Moraes (2012), respectivamente, de todos os IPÊS,

do IPÊS de Minas Gerais, e do IPÊS do Rio Grande do Sul. Os dois últimos, além dos IPÊS

do Rio de Janeiro e de São Paulo, foram os mais ativos, conforme Dreifuss, Ramírez, e

também a própria documentação do IPÊS, com a visão de seus agentes a respeito destas

instituições regionais.

Há poucos indivíduos que eram dos IPÊS regionais e se enquadram nos critérios de

nosso N. Trata-se de Rui de Castro Magalhães, banqueiro e do IPÊS-MG, que foi

representante de instituição bancária privada no Conselho Monetário Nacional (CMN) e

participou do CMN no governo Costa e Silva, além de ter sido presidente da Companhia

Energética de Minas Gerais (CEMIG), e Ary Burger, economista, do IPESUL, que foi diretor

67

do Banco Central e participou do CMN do governo Costa e Silva. Rui de Castro Magalhães

era liderança do IPÊS-MG, ao passo que não temos dados que confirmem a participação de

Ary Burger no IPESUL. Portanto, optamos por manter Rui de Castro Magalhães no N e de

excluir Ary Burger, conforme nossos critérios. Esse ajuste fino nos critérios certamente não

acarretará prejuízo da qualidade do banco.

1.5.3.5 Da escolha dos militares que compõem o grupo de indivíduos

Nas principais obras pesquisadas, há muitos militares arrolados como colaboradores

do IPÊS, diretos ou indiretos. Para a definição do nosso N, estabelecemos uma metodologia

para a seleção dos militares específicos que compõem a seleção. Optamos por elencar

somente aqueles que tiveram algum contato mais próximo com o IPÊS, excluindo os que

apenas participaram de atividades de desestabilização ou de conspiração contra o governo de

João Goulart. É necessário fazer uma separação, pois o IPÊS não teve monopólio da atividade

conspiratória, muito menos no caso específico dos militares golpistas. Portanto, o recorte foi a

atividade consistente no IPÊS, independentemente da atuação na desestabilização do governo

João Goulart ou na conspiração golpista contra o governo federal.

1.5.3.6 Da escolha dos civis que compõem o grupo de indivíduos

Além dos tecnoempresários que tiveram trânsito pelo IPÊS, optamos por incluir

também os políticos que faziam parte da ADP e da ADEP e que ocuparam CPFs no pós-1964.

Embora talvez não tivessem um trânsito tão importante quanto outros indivíduos que atuaram

no IPÊS, receberam verba do IBAD e do IPÊS para suas respectivas campanhas eleitorais nas

eleições gerais de 1962. Portanto, tiveram suas carreiras influenciadas por sua ligação com o

IPÊS, seja direta ou indireta, o que é relevante para nossa pesquisa. Fazer o contrário, ou seja,

não incluir os indivíduos da ADP e da ADEP, enfraqueceria qualitativamente o banco de

dados, pois foram civis que posteriormente ocuparam CPFs, fossem parlamentares antes de

1962 ou não, o que constitui um diferencial na trajetória desses indivíduos, pois não é regra

parlamentar ocupar cargo público federal, qualquer que seja a esfera do legislativo que

ocupou. Assim, consideramos relevante mantermos esses ipesianos no N da pesquisa.

68

1.5.3.7 Dos critérios para a definição do grupo de indivíduos

Os critérios metodológicos já definidos e explicitados anteriormente são claros e

concisos. A pesquisa tem como ponto de partida a discussão com a historiografia e a seleção

de um grupo de indivíduos (N) produto da crítica dessas obras. É evidente que se os critérios

fossem outros, a pesquisa tomaria rumos diferentes, os cruzamentos de dados seriam outros, e

as conclusões poderiam variar. Caso um pesquisador se aventure na tarefa de analisar todos os

indivíduos que tiveram qualquer tipo de ligação com o IPÊS, ocupantes ou não de cargos

públicos, possivelmente produziria interpretações diferentes acerca da temática.

Dado o fato de que não há banco de dados que possa ser utilizado como ponto de

partida para os ipesianos ocupantes de cargos públicos pós-64, e daí decorre parte da

dificuldade em formatar um N satisfatório para início de pesquisa, trata-se de um trabalho que

pretende construir tal banco para que outros pesquisadores possam utilizá-lo, com seus

próprios critérios e metodologias para lidar com seus objetos específicos.

Como utilizamos como ponto de partida listas diversas de indivíduos considerados

ipesianos que ocuparam CPFs após o golpe de 1964, não construímos uma lista própria com

referências externas que poderiam constituir um banco mais completo. Há uma lista de

filiados na tese de Ramírez (2005, pp. 616-628) cujos nomes poderiam ser analisados, um a

um, em busca de possível ocupação de cargo público federal após o golpe, para inclusão em

nosso N para além dos já referenciados na historiografia como ocupantes de CPFs após o

golpe. Assim, a lista poderia ser mais completa. No entanto, tal cruzamento não foi realizado

por esta tese, por entendermos que precisávamos de um ponto de partida consistente já

presente na historiografia, e optamos por deixar tal lista para uma futura pesquisa. Por outro

lado, é bem provável que a listagem dos membros referida não impacte de forma relevante

nas conclusões desta tese.

1.6. FONTES, ROTEIRO DE PESQUISA E SOFTWARES UTILIZADOS

Estabelecemos alguns passos para orientar a busca de dados dos indivíduos de nosso

N:

69

1) Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro online, da FGV41;

2) Diário Oficial da União, do RS, de MG, do RJ e de SP, todos online42;

3) Busca livre sobre o indivíduo na internet;

4) Anuários sociais, do tipo “Who’s Who”, nacionais e internacionais43;

5) Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo, ambos disponíveis online;

6) Bibliografia pertinente sobre o IPÊS, sejam artigos, livros, dissertações ou teses;

7) Documentos primários diversos, principalmente do Fundo IPÊS disponível no

Arquivo Nacional;44 e

8) Outros jornais e periódicos através, principalmente, da Hemeroteca Digital da

Biblioteca Nacional, que conta com busca por texto.45

Por meio dessas orientações, pudemos organizar melhor a busca das informações.

Cabe lembrar que servem apenas de guia para as atividades, e não como uma lista de passos

rígidos que determinarão a coleta de dados para cada indivíduo. Certamente, as fontes

utilizadas para mapear as origens sociais e trajetórias de cada uma das pessoas estudadas não

serão idênticas, devido à assimetria de dados disponíveis para cada um dos indivíduos.

Para a execução dessa tese de doutorado, foram utilizados uma série de softwares. A

principal ferramenta foi o Excel, tanto na tarefa preliminar de definição do N como na

organização dos dados dos indivíduos e suas dezenas de variáveis. Outro software importante

foi o Open Refine46, que é gratuito, e auxiliou, em conjunto com o Excel, a encontrar os

elementos que se destacavam na pesquisa, destoando de padrões identificados. Eles podem ser

o exemplo alternativo ao padrão, e são muito importantes para a nossa pesquisa. O primeiro

permite identificar erros no banco de dados que poderiam impedir ou enfraquecer a extração

de resultados, o que é fundamental para a nossa pesquisa e, dado o número de variáveis e

41 Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Disponível:

<http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx>. Acesso em: 10 dez. 2014. 42 Os Diários Oficiais da União, RJ, SP e MG estão disponíveis no site JusBrasil (www.jusbrasil.com.br)

gratuitamente e com pesquisa via texto. Os Diários Oficiais do RS estão disponíveis no site da Companhia

Riograndense de Artes Gráficas (http://corag.rs.gov.br/doe), mas sem pesquisa por texto, o que dificulta muito o

trabalho do pesquisador ao rastrear a trajetória pública de um indivíduo. Sem pesquisa por texto ou palavras-

chave, há a necessidade de procurar, por suposição, dados em edições específicas, folheando página a página. 43 Para mais informações sobre o trato metodológico em pesquisas prosopográficas com fontes deste tipo,

anuários sociais, ver HEINZ, 2011. 44 Arquivo Nacional, Fundo IPÊS, código QL. 45 Hemeroteca Digital Brasileira. Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br/>. Acesso em: 10 dez. 2014.

Um recurso importante para buscar dados de forma mais rápida e eficiente que no sistema da Hemeroteca Digital

é utilizar o Google. Basta utilizar a expressão “site:memoria.bn.br”, sem aspas, e as palavras-chave ou texto

exato entre aspas que será pesquisado. 46 Open Refine. Disponível em: <http://openrefine.org/>. Acesso em: 10 dez. 2014.

70

células, torna inviável a depuração dado a dado. A geração de relatórios com produção de

resultados a serem analisados na tese foi feita no Excel.

1.7 CONCLUSÃO

Com base na historiografia, definimos que compreendemos o golpe de 1964 como um

golpe militar e a ditadura como civil-militar. No caso da definição de ditadura, optamos pela

ênfase de Dreifuss, mas sem descuidarmos das discussões suscitadas por Daniel Aarão Reis

Filho, por exemplo, a respeito das parcelas civis que apoiaram o golpe, a ditadura, e que a

sustentaram, para além do empresariado. Destacamos a discussão sobre o “revisionismo” na

historiografia sobre o golpe de 1964, e marcamos nosso posicionamento pela pluralidade no

debate. Definimos o IPÊS como um grupo de interesse que agiu como grupo de pressão, que

não é nem composta por grupo profissional nem definido estritamente como de vocação

ideológica, por conta de sua atividade ilegal. Definimos o grupo de indivíduos (N) a serem

trabalhados por meio de um diálogo com a historiografia sobre o golpe e a ditadura, e, com

uma série de critérios, filtramos a listagem, de forma a aprimorá-la. Nesse sentido, também

estabelecemos uma série de críticas e contra críticas aos critérios adotados para a formulação

do N da pesquisa. Assim, pudemos apresentar o panorama teórico-metodológico da tese neste

Capítulo 1.

71

2 FORMAÇÃO ACADÊMICA E TIPO DE ATUAÇÃO NO IPÊS: CORRELAÇÕES E

DIVERGÊNCIAS EM RELAÇÃO À OCUPAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS

FEDERAIS

Neste capítulo, o objetivo é analisar os diferentes tipos de formação dos indivíduos

que compõem o N, bem como o tipo de atuação no IPÊS. Nesse sentido, analisaremos

também dados gerais como a quantidade de civis e de militares, a formação acadêmica de

cada um, a diplomação ou não dos ipesianos na ESG, e cruzaremos esses dados com os CPFs

ocupados antes e depois do golpe, tendo em vista compreender que correlações existem entre

formação, tipo de atuação no IPÊS e os cargos ocupados. Buscaremos compreender, com

diferentes recortes por atuação no IPÊS, por atividade desempenhada durante a carreira e por

tipo de especialização, entre outros, se houve a continuidade burocrática referida na

Introdução e no Capítulo 1 em relação aos cargos ocupados pelos ipesianos durante sua

carreira e qual sua relação com os outros dados da carreira de cada indivíduo.

2.1. METODOLOGIA

Antes da apresentação e análise dos dados coletados, é importante realizar algumas

considerações metodológicas. Em primeiro lugar, a codificação do tipo de atuação realizada

no IPÊS, conforme Quadro 1:

72

Quadro 1 - Códigos de tipo de atuação no IPÊS

Código Descrição

A Filiado

A1 Dirigente: posição de presidência ou direção de unidade do IPÊS.

A2 Membro de Unidade Diretiva: CD, CO, CE.

A3 Membro de Unidade Executiva ou de Estudos: GED, GDE, GLC, GOP, GI etc.

A4 Apenas Filiado: apenas filiado, sem fazer parte de unidade.

A5 Doador Filiado: doador necessariamente filiado.

A51 Doador Filiado Pessoa Física.

A52 Doador Filiado Pessoa Jurídica.

B Doador: Apenas doador.

B1 Doador Pessoa Física.

B2 Doador Pessoa Jurídica.

C Ligado: não é filiado nem doador, com pouca adesão ao IPÊS.

Fonte: elaborado pelo autor.

A questão da filiação é complexa no caso do IPÊS. Há uma série de listas de filiação,

mas sem muitas informações acerca do tempo de permanência no IPÊS ou dos cargos que

poderiam ter ocupado e em que período. De qualquer forma, utilizamos dois apêndices de

Ramírez (2005, pp. 616-637) e informações dispersas em Dreifuss (1986), mas

principalmente em seu Apêndice B (pp. 501-573). As categorias de filiados (A) e de doadores

(B) não são isoladas. Estão sempre acompanhadas no banco de dados com alguma numeração

a seguir, como é possível acompanhar no Quadro 1 (de A1 a A5 e de B1 a B2). Já a categoria

Ligado ao IPÊS é isolada, sem numeração subsequente. No entanto, o mesmo indivíduo só

participa de uma das três categorias, pois elas são excludentes entre si. Ou seja, um ipesiano

só pode ter atuado ou como Filiado (A), ou como Doador (B) ou como Ligado ao IPÊS (C).

Por exemplo, Joviano Rodrigues de Moraes Jardim atuou em quase todas

subcategorias da categoria A, (A1, A2, A3 e A51), ou seja, foi dirigente, membro de unidade

diretiva, membro de unidade executiva ou de estudos e doador filiado como pessoa física.

Não participou, portanto como B (apenas doador pessoa física ou jurídica) nem como C

(Ligado ao IPÊS), pois era um doador filiado (A51), e não doador isolado, sem ser filiado

(que seria a categoria B), tampouco era apenas ligado ao IPÊS (que seria a categoria C), pois

73

sua atuação foi bem mais ampla. Já Amaro Lanari Júnior atuou no IPÊS apenas como doador,

e como pessoa jurídica (B2), portanto não atuou como filiado (categoria A), nem como

alguém apenas ligado ao IPÊS (categoria C). Portanto, as categorias A, B e C são excludentes,

mas um indivíduo pode ocupar mais de uma subcategoria de A ou mais de uma subcategoria

de B (a C não tem subdivisões)

A categoria C, refere-se a indivíduos que, embora tenham atuado de alguma forma

importante no IPÊS, pois constituíram nosso N, não foram dirigentes, membros de unidades

ou doadores. Suas atuações no IPÊS são bastante diversas, e muitos participaram de

campanha oposicionista contra João Goulart no pré-golpe.

Os cargos A51 e A52 em relação aos B1 e B2 não têm tanta diferença entre si.

Também é possível argumentar que os cargos B poderiam estar incluídos em C, por exemplo,

como ligados ao IPÊS, pois os B foram apenas doadores não filiados, que constituiria, a rigor,

apenas uma ligação com o IPÊS. No primeiro caso, optamos por manter tal diferenciação,

pois a filiação é um dado importante que deve ser categorizado separadamente. No segundo

caso, optamos por manter essa diferenciação porque os doadores, mesmo sem filiação,

constituem um grupo grande de indivíduos e que devem ser considerados à parte. Na verdade,

há poucos ipesianos categorizados como ligados ao IPÊS (C), o que impõe a necessidade de

agrupar os doadores não filiados em uma categoria diferente, mesmo tratando-se de uma

ligação com o IPÊS apenas um pouco maior do que os da C. Além disso, dessa forma,

teremos para maior clareza do banco de dados e flexibilidade no cruzamento de dados,

possibilitando filtrar por várias categorias.

A respeito da codificação dos CPFs ocupados, observemos o Quadro 2:

Quadro 2 - Códigos de tipo de CPFs

Código Descrição

CPF1 Presidente e ministros.

CPF2 Membro ou presidente de Conselhos Federais, e diretor ou presidente ou vice

de instituição estatal.

CPF3 Cargos ligados a A1 e A2 como assessor de gabinete ou assessor técnico e

cargos técnicos de alto nível.

CPF4 Cargos mais administrativos, desvinculados de A1, A2 e A3, técnicos de

baixo nível, professores etc.

CPF5 Trabalhos pontuais como Grupo de Trabalho, Comissões etc.

Fonte: elaborado pelo autor.

74

No caso dos tipos de cargos, cada um tem um código específico. A gradação é uma

tentativa de especificar a qualidade dos cargos ocupados. Evidentemente, o critério pode ser

questionado, mas julgamos uma gradação adequada de 1 a 5, de Presidente da República e

Ministro de Estado a cargos ocupados por breve período em trabalhos de tempo determinado,

como Grupos de Trabalho e Comissões. Optamos por concentrar alguns tipos de cargos na

mesma categoria, para evitar um número muito grande de códigos e um aumento

desnecessário da quantidade de categorias. Portanto, nos cargos de tipo CPF1, temos o cargo

de presidente e de ministro, por exemplo.

Foi uma tarefa bastante complexa englobar cargos tão diferentes nas 5 categorias.

Portanto, tomamos algumas decisões de alocação com base no que pensamos ser a qualidade47

de cada cargo. O cargo de professor universitário foi sempre alocado como A4, pois não age

nem tem influência direta nas políticas públicas, apenas como consultor técnico ou algo

semelhante, mas, nesses casos, já é outro cargo.

Quando o indivíduo é membro de conselho da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ), por exemplo, consideramos como cargo administrativo, pois não é exatamente o que

consideramos no tipo CPF2, de conselho federal. Da mesma forma, no caso da Comissão

Nacional de Planejamento48, compreendemos, assim como as congêneres, que funcionava

como um Conselho, pois sua atribuição é mais ampla do que um trabalho pontual, e entrou no

tipo CPF2, e não CPF4.

No caso de membros de Conselho de Administração ou Fiscal de estatais,

consideramos como membro de conselho normal. A respeito das universidades, diferenciamos

os cargos de pró-reitor como CPF3 e de reitor como CPF2. No caso da carreira diplomática,

diferenciamos diplomata como CPF4, embaixador e desembargador como CPF2, cônsul como

CPF3 e secretário-geral como CPF4.

47 É importante destacar que utilizamos o termo qualidade ao fazer referência aos cargos no sentido de

caracterizá-los dentro de uma gradação, mas sem avaliar se, individualmente, eles foram de maior ou menor

qualidade, no sentido de melhor ou pior, ou se a atuação dos indivíduos nesses cargos foi positiva ou negativa. 48 Conforme CRUZ, 1997, p. 17, o CONSPLAN foi criado em 2 de fevereiro de 1965 como órgão de consulta do

Governo que atuou durante o governo Castelo Branco e posteriormente deixou de ser convocado. Tratava-se,

portanto, de uma instância importante de representação de interesses em sua composição, embora não fosse

deliberativo. Ainda assim, entendemos que era mais importante do que um grupo de trabalho pontual.

75

2.1 DADOS GERAIS

Nesta seção, trabalharemos com dados gerais dos indivíduos estudados como a

diferenciação entre civis e militares, formação acadêmica, nacionalidade, e alguns

cruzamentos entre esses dados e sua carreira no Estado.

2.1.1 Civis e militares

É fato que, após o golpe, muitos militares, ativistas ou não do IPÊS, ocuparam postos

relevantes na burocracia pública federal. Também é sabido que muitos civis ligados ao

processo que culminou no golpe de Estado ou vinculados com o IPÊS também ocuparam

esses cargos (DREIFUSS, 1986; MONIZ BANDEIRA, 1988; ALVES, 1984; RAMÍREZ,

2005).

No caso do IPÊS, encontramos comprovação empírica da participação maior de civis

em relação aos militares nos CPFs após o golpe. Isso pode ser tanto reflexo do grupo como

também reflexo da composição do próprio IPÊS, pois havia maioria de civis. Como referimos

no Capítulo 1, há uma extensa discussão sobre como o evento do golpe de 1964 e o que se

sucedeu deve ser denominado. A expressão mais comum na historiografia recente é ditadura

civil-militar, embora ditadura empresarial-militar seja bastante utilizado. Se levarmos em

conta que civis, não necessariamente empresários, participaram consistentemente do IPÊS e

ocuparam CPFs pós-1964 em maior quantidade que os militares que agiram no IPÊS, então o

conceito se justifica. No entanto, como vimos, o conteúdo desse conceito é bem mais amplo,

abrangendo controvérsias maiores.49 A Tabela 1 demonstra os dados quantitativos de civis e

militares.

Tabela 1 - Civis X militares

Tipo Quantidade %

Civis 89 75,42%

Militares 29 24,58%

Total 118 100,00%

Fonte: elaborada pelo autor.

49 Sobre a controvérsia a respeito do revisionismo na historiografia sobre o golpe de 1964, ver o artigo pioneiro

de TOLEDO, 2004, e o mais recente, que sintetiza a questão, de MELO, 2014.

76

Portanto, para cada militar há três civis em nosso N. Cabe dizer, no entanto, que os

militares, mesmo em quantidade reduzida, ocuparam proporcionalmente mais cargos

relevantes do que os civis. Não discutiremos a abrangência do poder de decisão de cada tipo

de cargo, mas trata-se de uma questão importante a ser estudada. Não se trata aqui de discutir

se os principais postos de comando na estrutura federal em primeiro escalão foram ocupados

por militares. De fato, foram, se levarmos em conta todo o período. No entanto, cabe sempre

pensar de forma complexa essa questão, focando na participação dos civis em outros tantos

postos-chave no Estado e que, nesse sentido, confirmam o que a historiografia já vem

afirmando desde os anos 1980: a participação dos civis na ditadura civil-militar ainda merece

mais estudos.

O número de cargos ocupados difere substancialmente entre civis e militares, como

podemos ver na Tabela 2:

Tabela 2 - Civis e militares ipesianos e CPFs antes e depois do golpe

Tipo CPFs na carreira CPFs antes do golpe CPFs após o golpe

Civis 622 287 279

Militares 125 33 84

Fonte: elaborada pelo autor.

O número de cargos ocupados por militares é reduzido em relação aos ocupados por

civis, e menor antes do que após o golpe. É possível ver claramente que o número de cargos

dos militares quase triplicou após o golpe de 1964. Evidentemente, com a tomada do poder

pelos militares, muitos postos passaram a ser ocupados por eles. Portanto, não impressiona a

diferença na ocupação de CPFs nesse caso. De qualquer forma, não houve uma estabilidade

nessa transição de regime político, e sim um salto na ocupação de cargos do Estado.

Por outro lado, se analisarmos o caso dos civis, perceberemos que o número de CPFs

antes do golpe e após o golpe comparado com o número de cargos ocupados pelos militares é,

evidentemente, bem maior. No entanto, se considerarmos que eram, prioritariamente, civis

que atuavam no aparato federal, e não militares, tal comparação não diz muito nem ajuda a

explicar o que ocorreu. A surpresa reside na comparação entre o número de cargos assumidos

antes do golpe e depois, pois há uma estabilidade, muito diferente do ocorrido com os de

militares. Como afirmamos ao longo desta tese, a historiografia sobre o golpe de 1964 e sobre

a ditadura civil-militar afirma que houve uma ocupação expressiva de CPFs após esse evento,

77

o que teria configurado uma colonização do Estado. Há um consenso em relação a essa

interpretação, e concordamos em linhas gerais com ela. No entanto, esse tipo de análise falha

ao negligenciar o contexto das carreiras públicas dos mesmos indivíduos antes do golpe de

1964. Aqui, podemos perceber uma estabilidade na comparação entre o número absoluto de

CPFs ocupados antes do golpe e depois do golpe de 1964, que relativiza esta interpretação.

A interpretação da Tabela 2 confirma o estudo a que essa tese se propõe, pois os

ipesianos que ocuparam cargos públicos após o golpe já estavam no Estado antes,

configurando uma elite heterogênea em sua formação e nas posições que ocupavam, mas que,

tratada como grupo, transitou entre os dois regimes políticos sem muitas perdas ou ganhos em

termos de cargos, de modo geral.

Se podemos afirmar que houve colonização do Estado pós-1964 devido ao aumento da

ocupação de CPFs, essa colonização ocorreu, na verdade, por parte dos militares, e não dos

civis, afinal foram aqueles que obtiveram um salto no número de CPFs no comparativo entre

o pré e o pós-golpe. Aqui, evidentemente, fazemos uma análise geral, sem levar em conta as

especificidades dos cargos ocupados, suas qualidades ou abrangências. No Capítulo 3 essas

informações serão melhor aprofundadas, mas, por ora, os números absolutos referendam as

hipóteses lançadas. É evidente, por exemplo, que se analisarmos caso a caso as carreiras de

cada indivíduo, veremos que uns ocuparam mais cargos antes ou depois do golpe do que

outros, e com qualidades variadas, especificidades que serão devidamente analisadas.

2.1.2 Atividades desempenhadas pelos ipesianos

O critério escolhido para definir o que foi a atividade desempenhada por um indivíduo

foi a exercida por maior tempo, independente de sua formação técnica. Esta variável está

ligada à profissão, e não necessariamente estamos caracterizando a carreira do indivíduo. É

complexo estabelecer uma atividade específica para indivíduos que tiveram formação técnica

e que atuaram, concomitantemente, na vida política, inclusive na política partidária. No

entanto, é necessário estabelecer um corte possível que permita realizar cruzamentos dentro

do N. No caso dos militares, a atividade foi definida como militar, mesmo com formação

técnica em instituições militares, conforme critério de atividade desempenhada por maior

tempo.

A variável atividade permite compreender qual foi o tipo de trabalho mais requisitado

no recrutamento de ipesianos para ocupação de CPFs pós-1964. Um deles era o de

78

economista. No entanto, o quadro é bastante variado, e não há uma predominância de

economistas, conforme Tabela 3:

Tabela 3 - Atividades desempenhadas pelos ipesianos

Atividade Quantidade %

Militar 26 22,03%

Economista 21 17,80%

Engenheiro 18 15,25%

Político 13 11,02%

Empresário 8 6,77%

Advogado 6 5,08%

Banqueiro 6 5,08%

Sem Informação 4 3,39%

Diplomata 3 2,54%

Agrônomo 2 1,69%

Estatístico 2 1,69%

Professor 2 1,69%

Sindicalista 2 1,69%

Administrador 1 0,85%

Corretor 1 0,85%

Jornalista 1 0,85%

Padre 1 0,85%

Sociólogo 1 0,85%

Fonte: elaborada pelo autor.

Na Tabela 3, podemos observar que os militares ocupam o topo da lista, pois foram

unificados sob o mesmo critério. A seguir, há 21 economistas, 18 engenheiros e 13 políticos50,

quantidades próximas entre si, confirmando a heterogeneidade dos indivíduos de nosso N.

Como já referimos, o fato de economistas e engenheiros terem sido escalados para os CPFs

pós-1964 não é novidade.

50 Entendemos políticos como agentes políticos que atuaram na política partidária e desempenharam mandato

municipal, estadual ou federal. São eles: Armando Falcão, Olavo Bilac Pereira Pinto, Daniel Agostinho Faraco,

José Gomes da Silva, Juracy Montenegro Magalhães, Luís Viana Filho, Mem de Azambuja Sá, Ney Amintas de

Barros Braga, Paulo Egydio Martins, Paulo Salim Maluf, Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão,

Rondon Pacheco e Sandra Martins Cavalcanti de Albuquerque.

79

Retomando, o critério para definir se um indivíduo atuou ou não como político segue o

mesmo dos demais: a principal atividade durante a carreira do indivíduo foi de cunho político,

e não necessariamente ligada à sua área de formação. O indivíduo pode ter sido empresário,

mas se a maior parte de sua vida atuou na política, definimos como político. Paulo Egydio

Martins, por exemplo, foi empresário, mas em sua carreira atuou fundamentalmente como

político. Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão foi médico e professor universitário,

mas sua atuação se deu principalmente a nível político. É importante ressaltar que, em todos

os casos, houve envolvimento em atividade político-partidária. É possível ponderar que

estamos considerando atividade durante toda a carreira, mas que a atuação política do

indivíduo se deu após o golpe, apenas. No entanto, não é o caso dos indivíduos estudados.

Os ipesianos eram, em grande medida, empresários que trabalhavam nos mais diversos

ramos. Chama a atenção, portanto, o fato de que na Tabela 3 temos apenas 8 empresários.

Esses dados podem ser indícios de que boa parte dos ipesianos que ocuparam CPFs pós-golpe

não eram esses empresários, mas indivíduos que desempenhavam primariamente outras

atividades. Por outro lado, muitos dos ipesianos listados na Tabela 3 como economistas e

engenheiros também atuaram como empresários paralelamente à sua atividade profissional

vinculada à formação técnica.

Glycon de Paiva, líder ipesiano, é um caso controverso. Formado em Engenharia de

Minas pela Escola de Minas de Ouro Preto e diplomado pela ESG em 1954, pertenceu aos

quadros da CONSULTEC antes de 1964 e foi ligado a diversas empresas como a Mercedes

Benz, a Kaiser Alumínio, a Capuava Refinaria de Petróleo, a Emp. Minérios, a União de

Bancos Brasileiros Grupo Moreira Salles, a ICOMI, a Union Carbide, a Cleveland Cliffs, a

Rádio S/A Perfurações Consolidações e a Holding Radio S/A Suíça (DREIFUSS, 1986, p.

553). Sua formação certamente foi importante em sua atuação no IPÊS e para alcançar os

cargos que ocupou. Por outro lado, atuou como empresário multinacional, participando do

capital de diversas empresas simultaneamente. Trata-se de um empresário ou de um

engenheiro? Optamos por caracterizá-lo como empresário, pois foi uma atividade que

desempenhou de forma perene, em comparação com as atividades de cunho técnico ou

político.

A respeito dos economistas, no Brasil não houve tradição universitária até pelo menos

os anos 1930, e a profissão de economista foi em grande parte constituída pelo próprio Estado

como consequência do processo de modernização de Getúlio Vargas a partir de 1930 para

suprir seus quadros. É nesse espaço de conformação do campo dos economistas no Brasil que

é criado o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), em 1951, embora seu embrião, como área

80

de economia da FGV, tenha sido fundado em 1946. Julian Chacel Magalhães, por exemplo,

participou desse instituto, bem como do IPÊS, posteriormente, além de ter ocupado cargos

importantes no pós-golpe51.

As empresas privadas também estavam passando por um processo de modernização

burocrática. Como afirma Weber, “a administração burocrática [...] pressupõe habitualmente

um treinamento especializado e completo. Isso ocorre cada vez mais com o diretor moderno e

o empregado das empresas privadas, e também com o funcionário do Estado” (1982, p. 231).

Nesse sentido, com o desenvolvimento do campo dos economistas e de outras profissões, uma

série de escritórios de consultoria técnico-empresarial “surgiram como conseqüência lógica da

consciência empresarial da necessidade de planejamento, perícia técnica e administração

eficiente, o que parecia poder ser obtido através dessas agências especializadas” (DREIFUSS,

1986, p. 83). No setor público e no privado, portanto, havia uma necessidade de modernização

da burocracia, modernização essa que era feita sob o signo do discurso da neutralidade

técnica.

No governo de Juscelino Kubitschek, nos anos 1950, o recurso às entidades de

assessoria técnica para elaboração de projetos e estudos que embasassem o desenvolvimento

econômico do país tornou-se mais evidente. Os escritórios de consultoria referidos surgiram

em grande quantidade. A CONSULTEC é um ótimo exemplo, pois

proporcionou os canais para contornar tanto as agências estatais corporativistas

tradicionais de articulação de interesses quanto o Congresso. Ao estabelecer

contatos diretos com agências estatais, ela evitou o escrutínio do público e a

necessidade de responder às demandas populares ou ter de levar em conta outras

pressões. (DREIFUSS, 1986, p. 86)

Portanto, havia a tentativa de catalisar as aprovações do Congresso através da ação dos

escritórios de consultoria, que elaboravam relatórios técnicos sobre temas que potencialmente

se transformariam em políticas públicas. Cabe lembrar que dentre os membros mais

importantes da CONSULTEC estavam os economistas Roberto Campos, Mário Henrique

Simonsen e Octávio Gouvêia de Bulhões, que posteriormente participariam do IPÊS. De

acordo com René Dreifuss, com o golpe de 1964 houve uma convergência entre as políticas

públicas da ditadura e o que era produzido pelos grupos de estudos do IPÊS, que orientaram

“as reformas estruturais e mudanças organizacionais da administração pós-1964, e muitas

51 Julian Chacel Magalhães, após o golpe, permaneceu como professor da UFRJ, atuou em diversas comissões e

delegações, foi economista do Ministério do Planejamento, membro do Conselho Científico e Tecnológico do

CNPq e do Conselho do IBRA.

81

dessas diretrizes políticas haviam sido desenvolvidas pela elite orgânica empresarial durante

sua vitoriosa campanha de 1961 a 1964” (1986, p. 417).

A maioria dos ipesianos recrutados para cargos públicos após o golpe era constituída

de políticos, economistas e engenheiros. Por que principalmente políticos chegaram a CPFs e

não outros tipos de atividade? Em primeiro lugar, o IPÊS tinha indivíduos eminentemente

políticos em seus quadros. Em segundo lugar, essa opção possivelmente se deu pelo fato de

que todos os políticos arrolados eram de partidos de oposição a João Goulart, o que

possivelmente serviu de capital importante para serem alçados aos cargos referidos. Os que

permaneceram na política após o fim do pluripartidarismo rumaram para a Aliança

Renovadora Nacional (ARENA). Muitos que continuaram na atuação político-partidária

migraram para o Partido Democrático Social (PDS) após o retorno do pluripartidarismo52.

O IPÊS e o IBAD atuaram em conjunto para financiar e divulgar opositores de João

Goulart nas eleições gerais53 de 1962. No entanto, como afirma Ferreira,

O próprio Dreifuss admite que, com todo o seu poder financeiro e sua máquina

publicitária, o IPES não estava alcançando seu objetivo de desacreditar as ações do

governo perante a opinião pública. Ou seja, mesmo com toda a propaganda contra a

proposta governamental de reforma de base, em especial a agrária, engrossada pelas

ameaças de comunização do país, o presidente governava com apoio da sociedade.

Um episódio importante, que atesta tal avaliação, são os resultados das eleições

parlamentares e para governadores de alguns estados em outubro de 1962, como

Miguel Arraes (PE) e Ildo Meneghetti (RS). A despeito de toda a campanha

anticomunista e dos milhões que financiaram candidaturas ligadas ao IPES, os

setores identificados como de centro e de esquerda foram amplamente vitoriosos no

pleito. Quer dizer, o governo parlamentarista de Jango, com todas as dificuldades

trazidas pelo novo regime, estava conseguindo funcionar; mais ainda, estava

obtendo resposta favorável da população, como os votos dados aos seus aliados

evidenciavam. (2014, p. 73).

Nessas eleições, houve financiamento estrangeiro das campanhas eleitorais com

dólares da CIA e verba do Fundo do Trigo repassados pela embaixada dos Estados Unidos

(MONIZ BANDEIRA, 1983 p. 75). Por meio de uma CPI, o IBAD foi fechado, mas não

conseguiram comprovar o fluxo de capital estrangeiro no financiamento das campanhas

eleitorais de 1962 pelo IPÊS, que permaneceu em atividade.54

52 Por exemplo, Antônio Delfim Netto, Daniel Agostinho Faraco, José Costa Cavalcanti, Ney Amintas de Barros

Braga. 53 Em 7 de outubro de 1962 houve eleições diretas para governador em 11 estados, para a Câmara dos Deputados

e para o Senado. Estavam em jogo 2/3 das vagas no Senado e 409 cadeiras na Câmara dos Deputados. Era uma

possibilidade concreta para os opositores do governo conquistarem maior força política. 54 Para maiores informações sobre a CPI do IBAD, ver DUTRA, 1963. Para teor completo da CPI do IBAD ver

cópia digitalizada disponível em: <http://www.acervocepe.com.br/comissao-verdade.html>. Acesso em 17 out.

2016.

82

No geral, há 19 atividades elencadas, o que evidencia a heterogeneidade dos ipesianos

de nosso N, e o que reafirma a dificuldade de se definir esse recorte. O mais acertado, até o

momento, é defini-los pelo fio condutor que os une e que é o ponto de partida desta tese: sã

ipesianos que ocuparam cargos públicos federais após o golpe de 1964. Qualquer definição

com base na carreira ou na atividade desses indivíduos não comportará sua heterogeneidade

de formação.

2.2. FORMAÇÃO DOS IPESIANOS

Nesta seção, trabalharemos com os diferentes tipos de formação dos indivíduos

estudados, com cruzamentos de vários dados, como por exemplo a formação nos EUA.

2.2.1. Formação Geral

Dos 118 indivíduos do N, 69 têm ensino superior, como podemos observar na Tabela

4:

Tabela 4 - Ipesianos e ensino superior

Tem ensino superior? N %

Sim 69 58,47%

Não 7 5,93%

Militar 29 24,58%

Sem Informação 13 11,02%

Total 118 100,00%

Fonte: elaborada pelo autor.

Considerando a exclusão dos sem informação (13) e dos militares (29), apenas 7 civis

não têm ensino superior. Só utilizamos o “não” para indivíduos que efetivamente não têm

qualquer curso do tipo, e não por falta de informação, caso em que o indivíduo foi

caracterizado como “sem informação”, somando 13 ou 11% deste recorte. Ou seja, a maior

parte dos indivíduos do N que ocuparam CPFs após o golpe tinham, no mínimo, ensino

superior completo. Nesses dados, aparentemente, nada há de surpreendente. No entanto, cabe

comparar com o número de graduados em 1964, para cotejar com esses dados. Até 1964,

havia 142.386 matrículas de ensino superior (BARROS apud AMARAL, 2013). Para Amaral,

considerando “um contingente de 9.783.964 jovens com idade entre 18 e 24 anos, concluímos

83

que o Brasil possuía no início dos anos 1960 uma baixíssima taxa bruta na educação superior,

em torno de 1,5%” (AMARAL, 2013, p. 2). Ou seja, uma parcela muito reduzida da

população brasileira tinha ensino superior naquele período, o que caracteriza nosso N como

uma elite.

Os cursos variam entre Direito, Engenharias e Economia, em sua maioria. Direito e

Engenharia já eram cursos superiores de grande prestígio, e a Economia estava se

consolidando como graduação-chave para um governo que se queria técnico e neutro e que

resolveria as principais questões econômicas do país. Conforme Edmundo Coelho (1999),

desde o século XIX os bacharéis (formação em Direito) estavam entre as profissões mais

prestigiadas do país, ao lado da de médico e de engenheiro. Os engenheiros e os economistas

foram formando uma nova elite burocrática, como argumenta Ângela de Castro Gomes

(1994), e foram recrutados para ocupar postos-chave no Estado, inclusive no primeiro escalão.

Gomes argumenta que, em contraposição aos “bacharéis”, que eram vistos como pessoas que

compreendiam muito de teoria e pouco da “realidade nacional” e das técnicas necessárias para

intervir e melhorar tal realidade, surgiam essas profissões, que ganharam cada vez mais

prestígio, sob o manto da suposta neutralidade técnica. A questão era vista, portanto, em uma

dualidade: à suposta paixão político-partidária dos bacharéis se contrapunha à suposta

objetividade dos técnicos. Conforme Gomes,

Se com Juscelino houve a convivência com os “políticos”, e com Castelo houve a

possibilidade de seu “expurgo”, o objetivo expresso por ambos foi o da gestão

“objetiva”, eficiente e mais econômica do aparelho estatal. À nova elite, pautada por

critérios técnicos, caberia implantar um novo modelo econômico-administrativo que,

superando os interesses políticos “menores” (privados/regionais), deveria atender

aos interesses gerais da nação. (p. 6)

Portanto, as formações identificadas em nosso N refletem a ascensão dessa nova elite

burocrática ao poder. Não necessariamente em 1964, como veremos de forma mais

aprofundada no Capítulo 3, mas, de qualquer forma, sua ascensão.

2.2.2. Formação nacional x internacional

Dos 118 indivíduos, apenas 855 tiveram alguma formação nos EUA. De início, uma

das hipóteses desta tese era a de que os egressos do IPÊS que ocuparam CPFs haviam, em

55 Olavo Bilac Pereira Pinto, Carlos Eduardo Guimarães D'Álamo Lousada, Dênio Chagas Nogueira, João Paulo

dos Reis Velloso, José Garrido Torres, Octávio Gouveia de Bulhões, Og Francisco Leme e Roberto de Oliveira

Campos.

84

razoável medida, feito alguma formação nos EUA. A base dessa hipótese era o alinhamento

IPÊS/ESG e o fato de que uma formação nos EUA seria mais prestigiada na defesa da

“democracia” naquele período, no sentido atribuído pelo IPÊS, com viés anticomunista. No

entanto, como foi possível constatar, essa hipótese não se confirmou. Ao contrário, o número

é bastante reduzido. Portanto, os quadros que “colonizaram” o Estado no pós-1964 não foram

“formatados” por um ensino na meca do bloco capitalista em contexto de Guerra Fria. Por

outro lado, o alinhamento ideológico com determinadas visões de mundo não depende de uma

formação no país, evidentemente. É certo que um curso naquele país referenda com maior

ênfase o alinhamento referido, e aqui falamos, principalmente, dos cursos de pós-graduação

em economia. Todos eles tiveram algum curso de graduação ou pós-graduação em economia

no exterior ou nos EUA.

A seguir, analisaremos as carreiras públicas federais desses indivíduos que tiveram

formação nos EUA, a fim de analisarmos de forma mais apurada que tipo de trajetória eles

tiveram e se a sua formação diferenciada resultou em cargos públicos federais de alta

qualidade ou se não há essa correlação. A Tabela 5, a seguir, demonstra os CPFs 1 e CPFs 2

no pré-golpe de indivíduos com formação nos EUA:

Tabela 5 - CPFs 1 e 2 no pré-golpe de indivíduos com formação nos EUA

Nome CPFs PRÉ CPFs 1 CPFs 2

Carlos Eduardo Guimarães D'Álamo Lousada 2 0 1

Dênio Chagas Nogueira 5 1 1

João Paulo dos Reis Velloso 6 0 2

José Garrido Torres 3 0 2

Octávio Gouveia de Bulhões 16 1 8

Og Francisco Leme 0 0 0

Olavo Bilac Pereira Pinto 3 0 0

Roberto de Oliveira Campos 9 0 3

Total 44 2 17

Fonte: elaborada pelo autor.

Como podemos observar, os 8 indivíduos têm uma trajetória pré-golpe com um

número razoável de cargos (44), e com 2 CPFs 1 e 17 CPFs 2, totalizando 19 CPFs de alta

qualidade (1 e 2) antes do golpe, o que representa 43% do total de cargos, um número

expressivo, se considerarmos que há mais outras 3 tipos de CPFs (3, 4 e 5). Nesse sentido, é

85

possível afirmar que a maioria dos ipesianos que tiveram formação nos EUA já ocupavam

CPFs de alta qualidade, seja da categoria 1 ou 2. Na verdade, dos 8 ipesianos, apenas 2, Olavo

Bilac Pereira Pinto e Og Francisco Leme não ocuparam nenhum cargo dessas qualidades no

período pré-golpe.

O indivíduo com formação nos EUA que menos teve CPFs no pré-golpe foi Carlos

Eduardo Guimarães D’Álamo Lousada, que foi adido cultural no Consulado do Brasil em

Miami em 1955 e assistente civil no Ministério da Marinha em 1961, sob chefia do Ministro

Almirante Silvio Heck. Mesmo assim, ele integrou o gabinete civil no governo Costa e Silva

de 1967 a 1969. Portanto, mesmo com poucos cargos, eles foram relevantes. Carlos Lousada

também fez duas outras graduações na Suíça. Nesse caso, não há como concluir se houve

influência ou não de sua formação diferenciada na ocupação de CPFs antes ou após o golpe.

O ipesiano que mais ocupou cargos foi Octávio Gouveia de Bulhões, com extensa

carreira pública. Além disso, foi o que mais ocupou cargos de alta relevância, somando 9 (1

CPF 1 e 8 CPFs 2) no pré-golpe.

Na Tabela 6, a seguir, poderemos analisar os CPFs 1 e 2 ocupados pelos ipesianos

com formação nos EUA no período pós-golpe:

Tabela 6 - CPFs 1 e 2 no pós-golpe de indivíduos com formação nos EUA

Nome CPFs PÓS CPFs 1 CPFs 2

Carlos Eduardo Guimarães D'Álamo Lousada 1 0 0

Dênio Chagas Nogueira 3 0 3

João Paulo dos Reis Velloso 6 1 4

José Garrido Torres 2 0 2

Octávio Gouveia de Bulhões 6 2 3

Og Francisco Leme 3 0 1

Olavo Bilac Pereira Pinto 4 2 2

Roberto de Oliveira Campos 3 2 1

Total 28 7 16

Fonte: elaborada pelo autor.

No período pós-golpe, apenas Carlos Eduardo Guimarães D’Álamo Lousada não

ocupou nenhum cargo de alta relevância. Os outros 7 indivíduos ocuparam ao menos um

desses cargos. Dos 28 CPFs pós-golpe ocupados por esses ipesianos, 22 eram de alta

qualidade, somando 82,14% dos cargos ocupados no pós-golpe. Portanto, a maioria dos CPFs

86

ocupados por ipesianos após o golpe e com formação nos EUA foram de alta qualidade.

Podemos afirmar que após o golpe os indivíduos com tal formação eram bastante requisitados

para ocupar cargos de alta relevância, mesmo que, no quadro geral, o número de cargos

ocupados seja pequeno. É necessário, porém, uma comparação com uma amostra de

indivíduos que não tenham tal formação para que possamos fazer uma análise mais apurada.

De qualquer forma, nesse recorte, a alta porcentagem de cargos de alta relevância ocupada no

pós-golpe faz da formação nos EUA um elemento explicativo para o recrutamento desses

ipesianos a esses CPFs.

A seguir, podemos ver o comparativo entre os cargos do pré e do pós-golpe ocupados

pelos ipesianos com formação nos EUA, conforme Tabela 7:

Tabela 7 - CPFs 1 e 2 no pré e no pós-golpe de indivíduos com formação nos EUA

Nome CPFs PRÉ CPFs PÓS CPFs

1 e 2 PRÉ

CPFs

1 e 2 PÓS

Carlos Eduardo Guimarães D'Álamo

Lousada 2 1 1 0

Dênio Chagas Nogueira 5 3 2 3

João Paulo dos Reis Velloso 6 6 2 5

José Garrido Torres 3 2 2 2

Octávio Gouveia de Bulhões 16 6 9 5

Og Francisco Leme 0 3 0 1

Olavo Bilac Pereira Pinto 3 4 0 4

Roberto de Oliveira Campos 9 3 3 3

Total 44 28 19 23

Fonte: elaborada pelo autor.

Com exceção de Og Francisco Leme e de Olavo Bilac Pereira Pinto, todos tiveram o

mesmo número ou mais CPFs no pré-golpe do que pós-golpe. Por outro lado, se no pré-golpe

esses indivíduos ocuparam 2 CPF1 e 17 CPF2, somando 19 no total, no pós golpe ocuparam 7

CPF1 e 16 CPF2, somando 23. Ou seja, embora tenham ocupado menos CPFs após o golpe, a

qualidade deles aumentou no caso da soma entre CPFs 1 e 2, que são os de alta relevância..

Somado a isso, dos 8 indivíduos, 4 ocuparam cargo de ministro, um número bastante

expressivo.

Se compararmos a proporção de cargos de alta relevância em relação ao número total

de CPFs ocupados por esses ipesianos antes e depois do golpe, temos que, no pré-64, 43%

87

deles eram de alta relevância, e no pós-1964 esses cargos somaram 82,14%, como

acompanhamos nas Tabela 5 e na Tabela 6. Assim, podemos afirmar que houve um aumento

do interesse no recrutamento desses indivíduos no pós-golpe no caso de cargos de alta

relevância, e a formação nos EUA, que é o nosso recorto, pode ter desempenhado um papel

importante, constitutivo de um elemento explicativo para tal recrutamento. Afinal, no

comparativo, a porcentagem de CPFs de alta relevância ocupados em relação aos CPFs em

geral no caso dos ipesianos com esse tipo de formação quase duplicou. Para compreender

melhor a trajetória desses indivíduos, apresentaremos um breve perfil de cada um.

Dênio Chagas Nogueira atuou em cargos federais desde 1939, iniciando no Conselho

Nacional de Águas e Energia como auxiliar de escritório. Antes do golpe foi estatístico do

Ministério da Educação, membro do Conselho Nacional de Economia (CNE) e consultor

econômico e da SUMOC. Após o golpe foi diretor executivo da SUMOC, o primeiro

presidente do Banco Central, recém-criado, e membro do Conselho Monetário Nacional.

Formou-se em economia na Universidade do Rio de Janeiro e formou-se na School of

Graduate Students na Universidade de Michigan, nos EUA. Filiou-se ao IPÊS em 1962 e foi

líder do GED. Consta como contribuinte da instituição a partir de 1963. Foi do Conselho

Diretor da instituição em 1962, fundador e membro do Conselho Orientador do IPÊS/GB em

1964 e membro do Conselho Orientador em 1967 e em 1968. Trata-se de uma liderança

importante do IPÊS que permaneceu atuando em sua estrutura mesmo após o golpe de 1964.

João Paulo dos Reis Velloso atuou, antes do golpe, inicialmente no Instituto de

Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) como escriturário e oficial administrativo,

de 1952 a 1955. Posteriormente, foi assessor da presidência da República, assessor da

presidência do Banco do Brasil e assessor do Ministro da Fazenda. Após o golpe, foi

presidente do IPEA, secretário-geral do Ministro do Planejamento, membro do Conselho

Federal de Educação, membro do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), Ministro do

Planejamento e membro do Conselho de Administração do Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico (BNDE). Formou-se em Ciências Econômicas na UERJ em

1960. Fez mestrado em Economia em 1964 na Universidade de Yale. Fez cursos de pós-

graduação em economia. Em 1961, no Conselho Nacional de Economia, e em 1962 no Centro

de Aperfeiçoamento de Economistas, atual Escola de Pós-Graduação em Economia, da

Fundação Getúlio Vargas. Sua atuação no IPÊS foi apenas como colaborador, atuando na

elaboração do Estatuto do Trabalhador Rural após o golpe de 1964 com um amplo grupo de

técnicos.

88

José Garrido Torres, no pré-1964, foi membro do Conselho Nacional de Economia,

(1954 a 1964), assistente técnico do Banco do Brasil e superintendente da SUMOC. Após o

golpe, foi presidente do BNDE e membro do Conselho Monetário Nacional. Formou-se em

Ciências Econômicas na Universidade de Nova Iorque, em 1945. Diplomou-se pela ESG em

1955 e fez pós-graduação em Ciências Econômicas na Universidade de Nova Iorque em 1946.

No IPÊS, atuou como líder do GED, foi membro do Conselho Diretor em 1962, fundador e

membro do Conselho Orientador do IPÊS/GB em 1964, e membro do Conselho Orientador

em 1967 e 1968. Ingressou no IPÊS em 1962, mas sua contribuição financeira aparece apenas

a partir de setembro de 1963.

Og Francisco Leme ocupou CPFs apenas após o golpe de 1964. Trabalhou como

assessor de gabinete do Ministério do Planejamento (1966) e como fundador e diretor do

Centro de Treinamento para o Desenvolvimento Econômico e Social (CENDEC) de 1966 a

1971. Além disso, foi professor do Instituto Rio Branco a partir de 1967. Og Leme formou-se

em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e em Direito pela USP,

além de ter feito Mestrado em Economia na Universidade de Chicago, onde estudou com

Milton Friedman. No IPÊS, atuou no GED e foi professor do Curso Superior de Estudos

Financeiros (CURSEF). Fez parte do corpo técnico do Instituto Liberal no Rio de Janeiro.

Olavo Bilac Pereira Pinto, antes de 1964, foi professor da Universidade de Minas

Gerais e da Universidade do Brasil. Após o golpe, atuou como embaixador do Brasil em

Paris, juiz do Tribunal Superior Eleitoral e ministro e vice-presidente do Supremo Tribunal

Federal. Formou-se em Direito na UFMG em 1929, e teve parte de sua formação nos EUA e

na Europa. No IPÊS, atuou como ativista e colaborador, além de ter feito parte da rede ADP.

Era político da UDN.

Roberto de Oliveira Campos seguiu carreira diplomática antes do golpe de 1964 e

atuou como embaixador do Brasil nos EUA de 1961 a 1964. Posteriormente, foi Ministro do

Planejamento e Ministro da Fazenda. Formou-se em Teologia e em Filosofia em Belo

Horizonte, e fez Pós-Graduação em Economia na Universidade de Washington nos anos

1940. Diplomou-se pela ESG em 1965. Era associado do IPÊS, cooperava com o GED, atuou

como conferencista e participava da Ação Comunitária.

Cabe lembrar que muitos desses ipesianos também estão na lista dos

hiperespecializados, que veremos a seguir. Antes, no entanto, analisaremos a questão da

nacionalidade estrangeira dos ipesianos de nosso N e se há alguma correlação entre tal

nacionalidade, suas diferentes formações e a ocupação de CPFs.

89

2.2.3. Nacionalidade e formação

O N dessa pesquisa é bastante heterogêneo e destacam-se indivíduos de nacionalidade

estrangeira e que contribuíram com sua formação e seu trabalho no IPÊS e em outros cargos.

Aqui, analisaremos as trajetórias específicas desses indivíduos, com dados principalmente

qualitativos, mas também os contextualizando no N, de forma que se permita tirar conclusões

sobre esse tipo de indivíduo. São 456 indivíduos com nacionalidades estrangeiras.

Alexandre Kafka nasceu em Praga, Tchecoslováquia. Economista formado em

Genebra, no Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, foi aluno de Ludwig von

Mises, expoente da escola austríaca de economia. Estudou também no Balliol College, em

Oxford, onde se formou em Relações Internacionais. No IPÊS, pertenceu ao GED. Atuou

como conselheiro da SUMOC, a partir de 1951, e como membro da Comissão Nacional de

Planejamento, a partir de 1961. Trabalhou como professor universitário desde 1941. Foi

assessor do Ministro do Planejamento após o golpe de 1964. A trajetória prévia

provavelmente é um fator relevante para ter chegado ao cargo de assessor do Ministro do

Planejamento. Sua formação prévia como professor lhe permitiu se destacar como economista

de prestígio. Neste caso, a nacionalidade e a formação acadêmica foram importantes, pois

possibilitaram sua atuação como professor universitário, o que provavelmente alavancou sua

carreira profissional.

Estanislau Fischlowitz era polonês e participou do GED do IPÊS. Publicou vários

livros sobre política social, previdenciária e migração. Era ligado a John Watson Foster

Dulles, filho do ex-secretário de Estado dos Estados Unidos John Foster Dulles, pois este o

agradeceu no livro “Vargas of Brazil: a Political Biography”, pela leitura do manuscrito. Teria

apoiado reforma agrária com outros colegas em estudo sobre ampliação da legislação social

ao campo. Segundo diversas fontes, era sociólogo, e era tratado como tal, mas sua formação

foi em Direito.

Trabalhou no DASP como Técnico em Previdência Social de 1942 a 1944. Recebeu

distinção, com outros colegas, por ter trabalhado no estudo de aumento de salário mínimo em

final de 1943. Trabalhou como Técnico do MTPS de 1954 a 1967, ou seja, manteve seu cargo

após o golpe de 1964. A partir de agosto de 1964, o MTPS autorizou seu trabalho como

Assessor de Gabinete do Ministro do Planejamento, Roberto Campos, durante um ano. Após

essa atividade, não há mais registro de ocupação de cargo público por Estanislau Fischlowitz.

56 Alexandre Kafka, Estanislau Fischlowitz, Luiz Dumont Villares e Mircea Buescu. Luís Viana Filho, embora

tenha nascido em Paris, veio pouco depois do nascimento para o Brasil.

90

O cargo mais alto assumido por Estanislau foi o de Assessor de Roberto Campos, por

apenas um ano, constituindo uma exceção em sua carreira pública. Após o golpe de 1964,

permaneceu por apenas um ano na estrutura federal e não retornou. A tese da colonização do

Estado, nesse caso, não se comprova, pois o indivíduo não participou mais do governo. Além

disso, a formação externa ou nacionalidade não contribuíram para carreira pública federal,

seja antes ou depois do golpe.

Luiz Dumont Villares nasceu na cidade do Porto, em Portugal. Formado em Direito,

atuava como empresário e era sobrinho de Alberto Santos Dumont. Foi o idealizador da

primeira garagem automática do Brasil e foi pioneiro na fabricação de trólebus. A partir de

1953, atuou na Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis do Conselho de

Desenvolvimento Industrial. De 1957 a 1961, foi membro do Conselho Consultivo da

Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA), e, posteriormente, em 1963, assumiu a

presidência da instituição, permanecendo neste cargo até 1965, após o golpe. Seu parentesco

parece ter algum peso na área de atuação do indivíduo, que é do ramo dos transportes, mas a

nacionalidade e sua formação não parecem ter qualquer influência na ocupação de CPFs. A

atuação como empresário certamente tem mais peso. Luiz Dumont Villares já havia ocupado

algum CPF quando entrou na estrutura da COSIPA, e seu cargo como presidente foi ocupado

antes do golpe. Portanto, manteve seu cargo na transição de regimes. Aqui, também, a ideia

de colonização não se concretiza.

Mircea Buescu nasceu em Bucareste, na Romênia. Formado em Direito em Bucareste,

atuou como economista. Emigrou para o Brasil em 1949, aos 35 anos, e obteve a

nacionalidade em 1954. Foi professor de várias instituições, inclusive da PUCRJ, após o

golpe, e da FGV. Publicou vários livros sobre economia. Foi professor do Instituto Rio

Branco e Assessor do Gabinete do Ministro da Fazenda, principal cargo que ocupou em sua

carreira, de 1967 a 1986. Mircea Buescu atuou no GED do IPÊS. Vinculou-se à Editora

APEC, difusora de autores do liberalismo econômico, a partir de 1962. Posteriormente, em

1972, tornou-se diretor da editora. Mesmo considerando seus cargos na iniciativa privada, é

possível observar que sua carreira profissional só deslanchou após o golpe de 1964, ao menos

10 anos após a obtenção da nacionalidade brasileira. É provável que, neste caso, a

participação no IPÊS e as afinidades com o pensamento liberal, em oposição à política

econômica do governo João Goulart e às ideias cepalinas, tenham resultado em seu

recrutamento para o cargo de Assessor do Gabinete do Ministro da Fazenda. Com Mircea

Buescu, é possível que o IPÊS tenha, sim, servido como trampolim para CPF de relevância.

Além disso, a nacionalidade e formação estrangeiras, com maior conhecimento sobre os

91

autores liberais em comparação com os cursos brasileiros, com outro viés, naquele contexto

dos anos 1960, contribuíram para sua carreira.

Como é possível depreender das análises acima, 2 indivíduos tiveram e 2 não tiveram

influência de sua nacionalidade e de sua formação estrangeira na ocupação dos cargos

públicos pós-1964. Como não houve nenhum destaque, não parece compor um fator

explicativo relevante na análise do N, embora este equilíbrio tenha que ser provado

empiricamente, como foi exposto acima, para o desenvolvimento da tese.

2.2.4. Os 10 hiperespecializados: o ápice da formação técnica entre os ipesianos

Em nosso N, podemos isolar alguns indivíduos que possuem alta formação, se

comparados com os outros. Selecionamos os 1057 que possuem doutorado, do total de 118

indivíduos. Desses, apenas Octávio Gouveia de Bulhões teve formação nos Estados Unidos e

apenas Fernando Bastos D'Ávila e Julian Alfonso Magalhães Chacel fizeram doutorado no

exterior. Esse número representa 8,47% do N total, um número bastante reduzido.

O GED e o GDE do IPÊS eram os centros de estudos com maior necessidade de

quadros técnicos altamente qualificados. Afinal, nessas unidades eram produzidas as minutas

de projeto de lei que eram difundidas na imprensa e no Congresso para aprovar políticas

públicas por meio da influência da instituição.

No entanto, dos 10, apenas metade atuava no GED ou no GDE do IPÊS.58 Cabe

destacar que todos obtiveram seus títulos de doutores antes da atuação no IPÊS. Esse dado

indica que, mesmo no recrutamento de indivíduos para a própria instituição, os maiores

quadros técnicos não atuaram nas unidades específicas para esse tipo de formação. Os que não

atuavam nessas unidades ou eram ligados ao IPÊS (Raimundo Augusto de Castro Moniz de

Aragão, Miguel Seabra Fagundes, Iberê Gilson e Fernando Bastos D'Ávila) ou atuaram como

membro de Conselho Orientador (Lucas Nogueira Garcez). Portanto, os outros indivíduos

com doutorado, ou seja, hiperespecializados, não tinham vinculação forte com a instituição.

A seguir, podemos analisar a ocupação de CPFs 1 e 2 desses ipesianos

hiperespecializados antes do golpe de 1964:

57 Antônio Delfim Netto, Antônio Dias Leite Júnior, Fernando Bastos D'Ávila, Iberê Gilson, Jessé de Souza

Montello, Julian Alfonso Magalhães Chacel, Lucas Nogueira Garcez, Octávio Gouveia de Bulhões, Raimundo

Augusto de Castro Moniz de Aragão e Miguel Seabra Fagundes. 58 Antônio Delfim Netto, Antônio Dias Leite Júnior, Jessé de Souza Montello, Julian Alfonso Magalhães Chacel

e Octávio Gouveia de Bulhões.

92

Tabela 8 - Hiperespecializados e CPFs 1 e 2 ocupados antes do golpe

Nome CPFs CPFs PRÉ CPFs 1

PRÉ

CPFs 2

PRÉ

Antônio Delfim Netto 9 0 0 0

Antônio Dias Leite Júnior 8 3 0 1

Fernando Bastos D'Ávila 3 1 0 0

Iberê Gilson 27 16 1 4

Jessé de Souza Montello 8 5 0 0

Julian Alfonso Magalhães Chacel 11 2 0 0

Lucas Nogueira Garcez 5 1 0 0

Octávio Gouveia de Bulhões 24 16 1 8

Raimundo Augusto de Castro Moniz

de Aragão 20 8 0 1

Miguel Seabra Fagundes 7 5 2 2

Total 126 59 4 16

Fonte: elaborada pelo autor.

Dos 10 ipesianos hiperespecializados, 5 (50%) ocuparam cargos de nível 1 ou 2, ou

seja, de alta relevância, no período pré-golpe. Trata-se de um grau importante de ocupação do

Estado antes de 1964 e que indica que esses indivíduos já tinham uma carreira pública federal

de alta qualidade, o que reforça a nossa tese de que um número expressivo de ipesianos já

estava no Estado de muitas formas, com CPFs de graus variados.

Da Tabela 8, podemos observar que 3 deles ocuparam CPFs 1 antes de 1964, e 5 deles

ao menos um CPF 2. Como vimos na descrição dos CPFs, os de tipo 1 são reservados a

presidentes e ministros. No caso, 3 indivíduos foram ministros antes do golpe de 1964: Iberê

Gilson foi Ministro do Ministério Público no Distrito Federal; Octávio Gouveia de Bulhões

foi Ministro da Fazenda de 20/09/1954 a 09/11/1954; e Miguel Seabra Fagundes foi ministro

do Ministério da Justiça de 24/08/1954 a 14/02/1955.

O hiperespecializado com menos cargos em sua carreira pública federal foi o padre

Fernando Bastos D’Ávila. Formou-se em Humanidades, Retórica e Filosofia Escolástica e,

além disso, fez um mestrado em Roma, em Filosofia e Teologia, na Universidade Gregoriana.

Fez doutorado em Ciências Políticas e Sociais na Universidade Católica de Louvain, na

Bélgica, com a tese “L’Immigration au Brésil”. No IPÊS, atuou como colaborador, na

categoria C. Deu conferências, palestrou em simpósios e atuou como professor, além de ter

participado também do Fórum de Educação. Antes do golpe, participou apenas de um grupo

93

de trabalho para compor o Código Penitenciário Nacional em 30/07/1956, um CPF 5. Após o

golpe, seus únicos cargos foram de membro do Conselho Consultivo de Planejamento

(CONSPLAN) e de um grupo de trabalho para compor a Reforma Universitária. Deu aulas

durante longo período na PUC-Rio e participou ativamente da instituição, tendo fundado seu

Departamento de Sociologia e Política. Sua carreira pública federal, entretanto, foi bastante

curta, e não foi além de 1968, tendo passado pela CONSPLAN em 1965. Nesse caso,

portanto, claramente não houve colonização do Estado, pois sua carreira pública federal antes

e depois do golpe foi apenas pontual. Por outro lado, seu cargo de maior relevância foi,

efetivamente, após o golpe de 1964, como membro do CONSPLAN, no qual havia uma série

de ipesianos. Sua formação foi certamente utilizada em seus cargos federais, como sociólogo

e educador, mas é possível dizer que atuou muito mais tempo no IPÊS, seja como

conferencista, integrante de simpósio ou colaborador e mesmo na PUC-Rio, do que em sua

carreira pública federal. Por outro lado, não houve carreira pública federal consistente no pré-

golpe, também, questão que estamos analisando de maneira específica referente à Tabela 8.

O hiperespecializado com a carreira pública federal mais extensa foi Iberê Gilson.

Inclusive, mais da metade dos CPFs que ocupou foram antes do golpe de 1964, demonstrando

um equilíbrio em números absolutos e uma consistência na atuação dentro do Estado no pré-

golpe. No caso de CPFs 1 e 2, foi diretor do BNDE, assessor da Companhia Siderúrgica

Nacional (CSN), chefe de gabinete do Ministro da Fazenda, presidente da Rede Ferroviária

Federal S/A, presidente do Conselho Consultivo da mesma instituição e subchefe da Casa

Civil da Presidência da República durante sua carreira pública federal pré-golpe.

Octávio Gouveia de Bulhões foi o ipesiano hiperespecializado que ocupou mais CPFs

1 e 2 antes do golpe: somou 9 cargos, contra 5 do segundo colocado, Iberê Gilson, referido

acima. Foi membro da Comissão de Investimentos do Ministério da Fazenda, membro do

Conselho Técnico do Departamento Nacional de Previdência Social, vice-governador da

Organização das Nações Unidas (ONU), governador da ONU, membro do CNE, diretor da

SUMOC e Ministro da Fazenda, em sua carreira pública federal pré-golpe.59 Ou seja, também

possuía uma carreira consistente antes de 1964.

A seguir, poderemos analisar os CPFs 1 e 2 ocupados após o golpe de 1964 pelos

hiperespecializados, conforme Tabela 9:

59 Há 9 cargos registrados pois os de diretor da SUMOC e de membro do Conselho Nacional de Economia

ocorreram em duas entradas diferentes, ou seja, em duas datas de ingresso e de saída diferentes.

94

Tabela 9 - Hiperespecializados e CPFs 1 e 2 ocupados depois do golpe

Nome CPFs CPF PÓS CPF A1

PÓS

CPF A2

PÓS

Antônio Delfim Netto 9 9 3 6

Antônio Dias Leite Júnior 8 5 1 2

Fernando Bastos D'Ávila 3 2 0 1

Iberê Gilson 27 6 3 2

Jessé de Souza Montello 8 3 0 2

Julian Alfonso Magalhães Chacel 11 9 0 2

Lucas Nogueira Garcez 5 4 0 4

Octávio Gouveia de Bulhões 24 6 2 3

Raimundo Augusto de Castro Moniz de

Aragão 20 12 5 7

Miguel Seabra Fagundes 7 1 0 0

Total 126 57 14 29

Fonte: elaborada pelo autor.

Dos 10 indivíduos hiperespecializados, 4 (Iberê Gilson, Jessé de Souza Montello,

Octávio Gouveia de Bulhões e Miguel Seabra Fagundes) deles, ou seja, 40%, ocuparam mais

CPFs pós-golpe do que antes do golpe. Ou seja, para 60% deles, foi constatado que havia uma

carreira pública federal prévia consistente (mais cargos antes do golpe do que após), e para o

restante, foi possível identificar que houve a ocupação de uma carreira prévia menos

consistente do que a ocorrida após o golpe.

Um dado chama a atenção: há 2 ipesianos hiperespecializados, Antônio Delfim Netto

e Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão, cuja carreira pública federal pós-golpe foi

composta apenas de CPFs 1 e 2, ou seja, de cargos de alta relevância. Respectivamente,

ocuparam 9 e 12 CPFs pós-golpe, o mesmo valor para os CPFs 1 e 2 somados para cada um

dos indivíduos, conforme podemos ver na Tabela 9. Antônio Delfm Netto, após o golpe de

1964, foi Ministro da Agricultura, Ministro da Fazenda e Ministro do Planejamento, além de

embaixador do Brasil na França, membro do CONSPLAN, membro do CNE, entre outros

cargos importantes. Ou seja, sua carreira pública federal pós-golpe foi constituída de cargos

de alta relevância. Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão atuou como Ministro da

Educação em momentos distintos, como Reitor da UFRJ, como membro do Conselho Federal

de Educação e do Conselho Federal de Cultura, além de diretor do Ministério da Educação

95

(MEC) e vice-presidente do CNPq. Todos, também, CPFs de alta qualidade (tipo 1 e 2). Ou

seja, há 100% de cargos de alta relevância ocupados por esses ipesianos hiperespecializados

após o golpe, o que indica um sucesso na carreira pública federal que pode ter como fator

explicativo importante as suas formações acadêmicas.

A seguir, analisaremos o comparativo entre os CPFs ocupados antes do golpe e após o

golpe no caso dos ipesianos hiperespecializados, conforme Tabela 10:

Tabela 10 - Hiperespecializados e CPFs 1 e 2 ocupados antes e depois do golpe

Nome CPFs CPF

PRÉ

CPF

PÓS

CPF A1

e A2

PRÉ

CPF A1

e A2

PÓS

CPF 1 e

2

TOTAL

Antônio Delfim Netto 9 1 9 0 9 9

Antônio Dias Leite Júnior 8 3 5 1 3 4

Fernando Bastos D'Ávila 3 1 2 0 1 1

Iberê Gilson 27 16 6 5 5 10

Jessé de Souza Montello 8 5 3 0 2 2

Julian Alfonso Magalhães

Chacel 11 2 9 0 2 2

Lucas Nogueira Garcez 5 1 4 0 4 4

Octávio Gouveia de

Bulhões 24 16 6 9 5 14

Raimundo Augusto de

Castro Moniz de Aragão 20 8 12 1 12 13

Miguel Seabra Fagundes 7 5 1 4 0 4

Total 122 58 57 20 43 63

Fonte: elaborada pelo autor.

Como podemos observar, todos ocuparam ao menos um cargo público federal prévio

ao golpe. A maior parte dos cargos públicos pré-golpe dos indivíduos hiperespecializados

eram de outros tipos, do CPF3 até CPF5, com exceção de Octávio Gouveia de Bulhões e

Miguel Seabra Fagundes. Por outro lado, 7 dos 10 indivíduos ocuparam metade ou a maioria

do total de CPFs pós-golpe com cargos tipo CPF1 e CPF2. Ou seja, a maior parte de sua

carreira pública federal pós golpe, para a maioria desses indivíduos, foi de CPFs de alta

relevância.

Dos 10, 6 ocuparam mais cargos públicos após o golpe do que antes. Ou seja, 4 deles

tiveram uma carreira prévia mais numerosa. No entanto, se analisarmos a quantidade de

96

cargos A1 e A2 ocupados antes do golpe (4 e 16, respectivamente, somando 20), e após o

golpe (14 e 29, respectivamente, somando 43), há um claro incremento qualitativo no tipo de

cargo ocupado nos dois períodos, bem como quantitativo, pois o número de CPFs ocupados

duplicou. Assim, concluímos que houve, no caso dos hiperespecializados, um aumento do

número de cargos de maior qualidade ocupados após o golpe em comparação com o período

anterior, que pode ter um fator explicativo a sua formação técnica.

Na soma, há 58 cargos federais pré-golpe e 57 cargos federais pós-golpe no grupo.

Nota-se, portanto, uma estabilidade no número de CPFs ocupados antes e depois do golpe,

como já constatamos no início deste Capítulo. É evidente que Iberê Gilson, Octávio Gouveia

de Bulhões e Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão distorcem a soma dos cargos

ocupados, pois concentram mais CPFs que os outros, mas tal soma serve como parâmetro

geral.

Outra informação relevante é a ocupação de cargo de ministro. Metade desses

indivíduos ocupou ao menos um cargo de ministro na carreira, seja antes ou depois do golpe,

seja de Estado ou não, o que constitui elemento altamente relevante em nossa explicação.

Com exceção de Otávio Gouveia de Bulhões, que assumiu o Ministério da Fazenda antes do

golpe, de 20/09/1954 a 09/11/1954, os outros 4 indivíduos ocuparam seu ou seus cargos de

ministro após o golpe. De todos os 118 indivíduos de nosso N, 37 ocuparam cargos de

ministro, o que constitui 31,35% de todo o grupo, um número bastante alto do ponto de vista

da importância do cargo. Portanto, nesse seleto grupo de hiperespecializados, com 5

indivíduos que ocuparam cargo de ministro, temos 13,5% de todos os ocupantes de cargo de

ministro aqui examinados (o total de 37). Trata-se, evidentemente, de número bastante alto.

Por todo o exposto, consideramos, portanto, que houve sucesso dos hiperespecializados em

converter formação em ocupação de CPFs de relevância, seja antes ou depois do golpe de

1964.

É notável, também, o fato de que a soma dos cargos de alta relevância do pré (20) e do

pós-golpe (43), no total de 63, significa mais da metade dos 122 CPFs ocupados no total

pelos ipesianos especializados em suas carreiras públicas federais, contabilizando todos os

tipos de cargos.

2.2.7. A ESG e a negação de sua diplomação como atestado ideológico

97

A ESG foi criada no pós-guerra, em 1949, para integração entre militares e civis no

desenvolvimento de ideias para o país. A historiografia60 já tratou sobre a importância dessa

relação entre civis e militares em contexto de Guerra Fria. Muitos militares que conspiraram

para a eclosão do golpe de 1964, bem como atuaram durante a ditadura subsequente, tiveram

formação na ESG. É comum, na historiografia, a ideia de que a formação na ESG funcionava

como uma espécie de atestado ideológico para a ocupação de cargos públicos relevantes após

o golpe de 1964. Os diplomados na ESG teriam uma visão de mundo compartilhada que

serviria aos interesses do Estado brasileiro naquele período. Segundo René Dreifuss, a ESG

funcionavam como “um filtro político e ideológico para a promoção dento da hierarquia do

Exército e em postos administrativos do Estado, bem como um instrumento de cooptação e

doutrinação de novos recrutas civis e militares que já estavam ocupando cargos no aparelho

do Estado” (1986, p. 419). Além disso, conforme Alves,

O Complexo ESG/IPES/IBAD tornou-se uma verdadeira e eficiente burocracia

paralela para o planejamento de um novo Estado. Muitas das propostas que tomaram

corpo na ESG no final dos anos 50 e no início dos 60 seriam posteriormente

incorporadas à legislação. Um exemplo: a sugestão, feita por David Carneiro em

1959, de que fosse limitado o número de partidos políticos e se tornasse obrigatória

a fidelidade partidária nas votações seria incorporada ao Ato Institucional Nº 2

(1965) e à Lei de Fidelidade Partidária (...) (p. 25)

Ou seja, a formação na ESG teria uma consequência real em políticas públicas em

função de alinhamento com uma visão de mundo específica, atrelada ao bloco capitalista. A

respeito do golpe de 1964 e da participação da ESG e do IPÊS no governo, Alves argumenta

que

O General Castelo Branco tornou-se o primeiro presidente do novo Estado. Seu

ministério foi quase totalmente composto de membros e colaboradores do complexo

ESG/IPES/IBAD. Além disso, grande parte dos cargos administrativos secundários

das estruturas de Estado foram ocupados por integrantes da aliança de classe

institucionalizada nos três organismos. Uma vez em controle de todos os níveis do

poder de Estado, a aliança de classes clientelísticas civis e militares deu início à

aplicação de seus planos, erigindo um formidável aparato de Estado para sustentar

seu monopólio de poder. (1984, p. 26)

Nesse sentido, analisamos os dados referentes ao nosso N, que participaram do IPÊS e

ocuparam CPFs, para compreender quantos se formaram na ESG. É importante frisar que

consideramos formado na ESG apenas os listados como diplomados no site oficial da

60 Sobre a relação entre civis e militares com foco na ESG, ver RIZZO, 1987; e STEPAN, 1975.

98

instituição.61 Não averiguamos dados de palestras proferidas na ESG pelos indivíduos

elencados nesta pesquisa pois considerei que a informação mais relevante para responder as

questões desta etapa do trabalho é apenas a formação efetiva, e não palestra realizada, embora

seja possível compreendê-las como visão de mundo compartilhada.62

Dos 118 indivíduos de nosso N, 85 (72%) não foram formados pela ESG. Ou seja,

quase três quartos dos indivíduos que ocuparam CPFs no pós-golpe não foram diplomados

pela instituição, conforme Tabela 11:

Tabela 11 - Ipesianos diplomados pela ESG

Diplomado ESG? N %

Sim 33 28%

Não 85 72%

Total 118 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

Portanto, a ideia de que essa formação era necessária para alcançar cargos importantes

é falsa no caso dos ipesianos, tanto civis como militares. Além disso, dos 33 que foram

diplomados pela ESG, 1263 fizeram seu curso após o golpe (no mínimo a partir de 1965) e já

ocupavam CPFs antes de sua formação, como podemos observar na Tabela 12:

Tabela 12 - Ano de formação na ESG

Ano ESG N %

Antes de 1964 21 63,63%

Depois de 1964 12 36,36%

Total 33 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

61 Diplomados. Disponível em: <http://www.esg.br/index.php/br/2014-02-19-17-51-50/diplomados>. Acesso

em: 25 out. 2016. 62 Roberto Campos, por exemplo, embora tenha sido Ministro do Planejamento de Castelo Branco, não foi

diplomado na ESG. Segundo Stepan, “desde os meados da década de 1950 ele ministrava em média duas

conferências por ano na SG e uma das razões por que Castello Branco o escolheu para Ministro do Planejamento

foi ter assistido às conferências de Campos e concordado com elas em sua essência” (1975, p. 136). 63 Orlando Beckmann Geisel, Roberto de Oliveira Campos, Severo Fagundes Gomes, Wanderbilt Duarte de

Barros, Hélio Marques Vianna, Gustavo de Morais Rego Reis, Antônio Delfim Netto, João Paulo dos Reis

Velloso, José Costa Cavalcanti, Mário Henrique Simonsen, João Eduardo Magalhães Motta e Antônio Carlos

Ferreira de Queiroz.

99

Ou seja, esses indivíduos que se formaram após 1964 não utilizaram a ESG como

atestado ideológico. Portanto, do total de 118 indivíduos, 97 (82,2%), a soma dos que não se

diplomaram com os que se diplomaram apenas após o golpe, não utilizaram tal atestado

ideológico para a ocupação de CPFs no pós-64. Ainda é possível fazer um cruzamento tendo

como ponto de partida os militares e sua formação ou não na ESG, conforme Tabela 13:

Tabela 13 - ESG e militares

ESG? N %

Sim 12 41,37%

Não 17 58,62%

Total 29 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

Dos 29 militares do N, 12 (41,37%) fizeram ESG e 17 (58,62%) não fizeram. No

entanto, dos que fizeram ESG, 4 formaram-se de 1965 em diante. Ou seja, dos 29 ipesianos,

21 (72,4%) não utilizaram sua formação como forma de ocupar cargo público após o golpe. É

possível afirmar que não houve impacto dessa formação no recrutamento desses indivíduos

para CPFs no pós-golpe. Talvez a passagem pela ESG possa ter desempenhado algum papel

na manutenção desses cargos, ou tais indivíduos foram “cooptados” pela pensamento da ESG,

como afirma Dreifuss, mas com os dados obtidos não é possível fazer tais afirmações.

É possível dividir os resultados por um subgrupo constituído pelos integrantes do

GED, do IPÊS do Rio de Janeiro, e do GDE, do IPÊS de São Paulo, que fazem parte do N.

Segundo Ramírez, o GED era “constituído por um agrupamento de unidades de

pesquisa, preparava estudos que formavam a base para teses e diretrizes de longo prazo e

fornecia materiais para o GLC e o GPE” (2005, p. 203). Ou seja, era órgão estratégico do

IPÊS, assim como seu congênere GDE, em SP, e necessitava de técnicos qualificados.

Por meio de análise dos dados, fica claro que, para a maioria dos principais quadros

técnicos da instituição, não houve a necessidade de uma formação na ESG para a ocupação de

cargos públicos. Na verdade, dos 16 indivíduos do N que faziam parte do GED ou do GDE,

10 não fizeram ESG e 3 deles, Roberto de Oliveira Campos, Mário Henrique Simonsen e

Antônio Delfim Netto, graduaram-se a partir de 1965 e já ocupavam cargos públicos

importantes antes do ano de formatura. Portanto, 13 dos 16 não podem ser considerados como

indivíduos que utilizaram atestado ideológico da ESG. Esse dado contribui para a

compreensão de que o Estado brasileiro optou pelo recrutamento de indivíduos com

100

capacidade técnica e alinhados ao pensamento do governo, mas que não necessariamente

deveriam comprovar participação na ESG para referendar sua visão de mundo perante seus

recrutadores.

Guilherme Julio Borghoff cursou ESG em 1956 e não teve carreira pública federal

pré-1964. No entanto, foi superintendente da Superintendência Nacional de Abastecimento

(SUNAB) a partir de 29/09/1964. Evidentemente, não se trata de uma relação causal, mas a

relevância do cargo ocupado sem qualquer trajetória pública pode ter na formação esguiana

um indício da explicação para seu recrutamento. Jaul Pires de Castro cursou ESG em 1956 e

havia sido apenas oficial de gabinete do Ministério da Guerra em 1947 em sua carreira

pública. Posteriormente, foi diretor e presidente do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

(IBRA) a partir de 1965, e membro do conselho da Superintendência de Desenvolvimento da

Amazônia (SUDAM) em 1968. Cabe a mesma interpretação aplicada a Borghoff. Por outro

lado, Luiz Antônio Gama e Silva ocupou 6 CPFs antes do golpe e 6 após o golpe, mesmo sem

ter cursado ESG. Além disso, desses cargos, foi ministro 4 vezes após o golpe. Portanto, no

caso dos ipesianos, o argumento da ESG como atestado ideológico não resiste à análise

empírica.

Muitos dos indivíduos que cursaram ESG no pré-golpe tinham uma carreira pública

prévia, e esses dois elementos devem ser levados em conta para explicar os cargos públicos

ocupados após o golpe, e não apenas a formação esguiana, que constitui apenas parte do

quadro. Da mesma forma, muitos indivíduos não tiveram formação esguiana e ocuparam

cargos de grande relevância, inclusive no primeiro escalão.

2.3. IPÊS COMO RECURSO PARA OCUPAÇÃO DE CPF?

Nesta seção, analisaremos variáveis referentes à participação dos indivíduos do N e

discutiremos se a participação no IPÊS foi um fator explicativo para a ocupação de CPF após

o golpe de 1964 e se houve continuidade burocrática na ocupação desses CPFs.

2.3.1 Ingressos no IPÊS antes e depois do golpe

A participação dos indivíduos do N no IPÊS foi variada. Muitos foram apenas

doadores como pessoas físicas, jurídicas ou ambas. Outros entraram após o golpe de 1964 na

entidade. Muitos ingressaram antes do golpe ou antes do presidencialismo. Alguns

101

participaram de unidades executivas, diretivas, ou ocuparam papeis de liderança ativa. O

cruzamento desses dados com os da carreira pública desses indivíduos pode auxiliar na

identificação de correlações importantes entre a participação no IPÊS e a ocupação de CPFs

pós-golpe, bem como a qualidade desses cargos.

Desde sua fundação, o IPÊS buscou articular frações do empresariado para a defesa da

“democracia” e o combate ao que pensavam ser o “crescente comunismo”. Não

reproduziremos aqui as ideias da instituição, que já foram explicitadas na introdução desta

tese, mas é importante destacar que após o plebiscito que culminou com o retorno ao

presidencialismo, em janeiro de 1963, houve um ponto de inflexão no IPÊS. A instituição

passou a agir de forma mais incisiva e passou a contar com maiores doações, e constitui um

corte possível entre os apoiadores de primeira hora da instituição e os apoiadores de ocasião,

que uniram forças para depor João Goulart. Outro corte possível é com os indivíduos que

ingressaram na instituição após o golpe de 1964, constituindo um apoio posterior, que foi

menos relevante.

É importante ressaltar que temos data de entrada apenas de 30 dos 118 indivíduos do

N, mas arrolamos informações concretas a respeito de sua entrada no IPÊS ou apoio à

entidade antes ou depois do golpe e do presidencialismo da maioria do N total. Não pudemos

averiguar informações desse tipo em apenas 16 dos 118 indivíduos.

Dos 118 indivíduos, é possível identificar, conforme Tabela 14 abaixo, que a maioria

dos indivíduos entrou no IPÊS antes do golpe, e a maioria entrou também antes do

presidencialismo64:

64 Se o ipesiano ingressou no IPÊS antes do presidencialismo, ele automaticamente está tabulado como

participante antes do golpe, também.

102

Tabela 14 - Períodos de ingresso no IPÊS – Presidencialismo e Golpe

Período N %

Antes do presidencialismo 83 70,33%

Depois do presidencialismo 14 11,86%

Sem informação 21 17,79%

Total 118 100%

Antes do golpe 91 77,11%

Depois do golpe 11 9,32%

Sem Informação 16 13,55%

Total 118 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

Cruzando-se os dados de ingresso antes do presidencialismo e após, bem como antes

do golpe e após, podemos perceber que não há um incremento importante no número de

integrantes do IPÊS após o presidencialismo e antes do golpe de 1964. Nesse período teria

havido uma atividade mais intensa do IPÊS na desestabilização de João Goulart. Ou seja, o

que ocorreu foi mais uma intensificação da atividade dos que já estavam no IPÊS do que um

incremento na sua lista de filiados. Para tanto, é importante retomar o dilema da ação coletiva

de Olson, referida no Capítulo 1, que encontra confirmação nesses dados. Os ipesianos, no

período mais crítico do governo de João Goulart (após janeiro de 1963 e antes do golpe de

1964), avaliaram que o custo de uma filiação formal ainda assim era muito alto para que

compensasse os benefícios colhidos coletivamente se João Goulart fosse retirado do poder.

Portanto, não houve maior adesão nesse período, que foi o mais conturbado politicamente

desde 1961, quando o IPÊS foi criado.

Após o golpe de 1964 apenas 11 (9,32%) indivíduos ingressaram no IPÊS, o que

indica claramente o problema da renovação dos quadros e da falta de força da instituição no

pós-1964 que Ramírez refere em sua tese. Para o autor,

As necessidades de mudanças tinham sido percebidas, mas elas não puderam ser

realizadas, e uma vez passado o vigoroso impulso inicial, os membros do Instituto

tiveram que fazer frente aos “instintos” humanos, encarnados, nesse momento, pelos

empresários brasileiros, que outra vez mais deram razão à tese de Marcus Olson.

(2005, p. 213)

103

Após o plebiscito de 6 de janeiro de 1963, previsto no início do regime

parlamentarista, para que a população fosse consultada a respeito do regime político a ser

adotado no país, foi determinado o retorno do presidencialismo por 9.457.448 votos contra

2.073.582. Após o retorno ao presidencialismo, é que o IPÊS conseguiu arregimentar maiores

forças e tornou-se mais combativo contra João Goulart. O fato de um indivíduo entrar logo

após o retorno do presidencialismo, embora antes do golpe, indica um apoio de última hora,

que diz mais a respeito de sua relação com o IPÊS do que a respeito de sua carreira.

Apenas 4 indivíduos ingressaram no IPÊS após o presidencialismo e antes do golpe.

1 deles ocupou CPFs 1 e os 4 ocuparam CPFs 2 após o golpe. Todos ocuparam CPFs 1, 2 ou

ambos. Todos ocuparam, no mínimo, 1 CPF antes do golpe, ou seja, já tinham carreira prévia,

fazendo parte de uma continuidade burocrática e endossando a ideia já referida de que o IPÊS

constituiu apenas parte do quadro para explicar a ocupação desses cargos. Conforme Cardoso

(1982, pp. 41-62), o Estado, após o golpe de 1964, permaneceu capitalista, embora o regime

político tenha mudado. Aqui, podemos fazer uma apropriação dessa ideia de Cardoso para a

questão da burocracia federal, embora não seja o foco de sua análise. Embora o regime

político tenha mudado, os indivíduos que ocupavam determinadas posições na burocracia

pública federal já estavam no Estado previamente e, portanto, não houve grandes mudanças

nesse sentido.

Se levarmos em conta o tipo de participação que tiveram no IPÊS, 2 deles estavam

apenas ligados ao IPÊS (tipo de atuação C), e os outros 2 participaram de diversas formas,

mas principalmente a nível de direção e de atividade em unidades diretivas do IPÊS (tipo de

atuação A e subcategorias A1, A2 e A51).

De modo geral, a participação no IPÊS antes do golpe e após o presidencialismo

constitui parte da explicação do quadro geral, mas não contribui de forma específica para

compreender melhor o IPÊS como instituição e as correlações possíveis entre ingresso na

instituição em períodos de diferentes atuações e a ocupação de CPFs posteriormente.

Por outro lado, é possível também analisar os indivíduos que entraram no IPÊS

apenas após o golpe, que são 9. Apenas 1 deles ocupou cargo tipo 1, e 7 deles ocuparam

cargos tipo 1 ou 2. 2 deles não ocuparam nenhum dos dois tipos de cargos. No grupo, esses

dados são muito reduzidos para conclusões sobre a instituição. O número reduzido de

apoiadores que ingressaram após o golpe pode ser explicado em parte pela lenta decadência

da instituição, que, após 1964, não conseguiu mobilizar integrantes nem se manter,

culminando em sua extinção em 1971. Ramírez (2005) argumenta que, após 1964,

104

as mudanças organizativas foram escassas e a maioria delas correspondeu apenas a

pequenos agregados ou modificações de pouca importância na estrutura existente

[...] As necessidades de mudanças tinham sido percebidas, mas elas não puderam ser

realizadas, e uma vez passado o vigoroso impulso inicial, os membros do Instituto

tiveram que fazer frente aos “instintos” humanos, encarnados, nesse momento, pelos

empresários brasileiros, que outra vez mais deram razão à tese de Marcus Olson.

(pp. 212-213)

Além disso, argumenta que o IPÊS, após o golpe,

Foi incapaz de criar uma estrutura independente de intelectuais profissionais que

fossem tomando conta de suas atividades acadêmicas, gravitando em excesso

durante toda sua existência em torno de um grupo de empresário, secundado em suas

funções administrativas e, às vezes, diretivas, por um grupo de militares reformados,

que não obstante terem contatos fluidos com seus colegas no poder, não pareciam

ser os mais capacitados para encarregarem-se de algumas tarefas importantes, como

a preparação dos cursos, e a estratégia global definida para os mesmos, incorrendo

repetidas vezes em ações pouco apropriadas ou decididamente erradas, as que

finalmente decidiriam sua sorte [...] Em abril de 1971, a situação do Instituto era tão crítica, que suas autoridades

apresentaram um plano concreto e pormenorizado para sua desmobilização ou

dissolução.” (p. 218)

Embora não seja possível tirar conclusões com poucos dados a respeito dos que

ingressarem no IPÊS após o golpe, é possível analisar casos concretos desses três cortes.

Como exemplo de indivíduo que ingressou no IPÊS antes do golpe, podemos citar

Dênio Chagas Nogueira. Ele ingressou em 1963 e foi líder do GED. Foi CD em 1962,

fundador e CO/GB em 1964, CO em 1967 e 1968, e doador desde o início janeiro de 1963.

Antes do golpe, ocupou 5 CPFs e após o golpe 3, de tipo 2. Dênio Chagas Nogueira já possuía

uma carreira pública prévia ao seu ingresso no IPÊS, e mesmo com o papel de liderança que

tinha, não conquistou cargos públicos de relevância de forma coerente com sua liderança no

IPÊS. Já Frederico César Maragliano Cardoso, que atuou no GED do IPÊS, ocupou apenas

um CPF antes do golpe, e posteriormente ocupou 7 CPFs. Nesse caso, é possível afirmar que

tal indivíduo pode ter utilizado a participação no IPÊS como recurso para ocupar CPFs pós-

golpe.

No caso de indivíduos que ingressaram antes do golpe, mas depois do

presidencialismo, podemos citar João Nicolau Mader Gonçalves, que ocupou posições de

liderança e direção no IPÊS, mas que ocupou apenas um CPF, de nível 2, após o golpe. A

atuação após o presidencialismo poderia indicar um apoio indispensável à instituição, que

precisava de mais recursos e força de ataque naquele momento, e que poderia ser utilizado

105

como recurso para ocupar posições de poder. No entanto, isso não se confirmou para esse

indivíduo.

Alfredo Buzaid, por exemplo, entrou no IPÊS em 1967, três anos após o golpe. Seus

principais cargos na carreira foram de Ministro da Justiça (1969-1974) e de Ministro do

Supremo Tribunal Federal (1982-1984). O primeiro ocorreu em uma fase decadente do IPÊS,

quando certamente não valia capital algum para ascender a algum cargo. No segundo caso, o

IPÊS já não existia mais. Alfredo Buzaid foi do Conselho Orientador do IPÊS de São Paulo

em 1967. Jorge Duprat de Brito Pereira, no entanto, ingressou no IPÊS logo após o golpe, e

ocupou os cargos de fundador e de membro do Grupo de Integração ainda em 1964. Antes do

golpe, atuou como assistente técnico no BNDE e tornou-se economista da instituição em

1962, cargo no qual permaneceu até dezembro de 1964, mesmo ano em que ingressou no

IPÊS. Aqui, também, não houve qualquer utilização do IPÊS como capital para assumir

cargos, pois já estava no BNDE e sua carreira pós-golpe permanece coerente com a existente

no pré-golpe.

De modo geral, podemos depreender que os indivíduos que entraram no IPÊS após o

golpe ocuparam seus CPFs por outros motivos que não a participação no IPÊS,

necessariamente. Na verdade, dos 9, 5 foram apenas ligados ao IPÊS, sem um envolvimento

maior com a instituição, o que pode corroborar nossa hipótese. Por outro lado, há 4 indivíduos

que atuaram como lideranças ou diretores na instituição, e entraram após 1964. Se o IPÊS

pôde ter alguma influência na ocupação de cargos públicos, ela foi bem mais forte se o

indivíduo participou da instituição antes do golpe. A participação posterior não garante um

capital de apoiador de primeira hora na defesa da “democracia” contra o “comunismo”, é

apenas ratificadora do que já ocorreu, sem a sua colaboração direta ou indireta. Ou seja, não

podemos estabelecer qualquer correlação entre a participação no IPÊS pós-golpe e a ocupação

de CPFs, independentemente do tipo.

Nesse sentido, é mais provável que ipesianos que ingressaram na instituição antes do

golpe de 1964 tenham ascendido a CPFs após o golpe, e que a participação no IPÊS tenha

alguma relevância para isso, como veremos posteriormente.

2.3.2 Tipos de atuação no IPÊS

Os ipesianos ocuparam diversos tipos de cargos e atuaram de diferentes formas na

entidade. Para cada tipo de cargo estipulamos um código, seja ele de liderança, direção de

106

unidade, membro de unidade ou mesmo de doador como pessoa física ou jurídica. Julgamos

importante fazer essa divisão pois o grau de atividade na instituição poderia ter resultado em

ocupação de CPFs após o golpe em maior número ou em maior qualidade e, além disso, é

fundamental verificar se houve, de fato, uma colonização do Estado pós-1964 ou uma

continuidade burocrática em carreira pública federal pelos indivíduos que participaram do

IPÊS.

A seguir, podemos analisar, por meio da Tabela 15, o número de ipesianos que

ocuparam CPFs pós-golpe por tipo de atuação na instituição.65

Tabela 15 - Ipesianos por tipo de atuação

Atuação Quantidade

A1 17

A2 21

A3 33

A4 2

B2 1

C 61

Fonte: elaborada pelo autor.

Podemos observar que a maioria dos ipesianos eram apenas ligados ao IPÊS (C), não

filiados nem doadores, mas que atuaram de alguma forma minimamente relevante para que

fosse considerado ipesiano e compusesse nosso N. De qualquer forma, são indivíduos que não

atuaram de forma frequente na instituição em alguma unidade ou instância diretiva e não

ocuparam papeis de liderança. No entanto, ocuparam CPFs após o golpe de 1964. Portanto,

em outras palavras, mais da metade dos ipesianos de nosso N e que ocuparam CPFs pós-golpe

são apenas ligados ao IPÊS, ou seja, é difícil afirmar que ocuparam esses cargos por terem

participado da instituição anteriormente, ou que tal fato constitui um fator explicativo

relevante. Isto é, como o ponto de partida desta tese, e o critério definidor do N, são

indivíduos que ocuparam CPFs pós-golpe e desempenharam alguma atividade consistente no

IPÊS, seja de liderança, ou mesmo de ligação com a entidade, é difícil estabelecer uma

65 O mesmo indivíduo pode ter atuado em mais de uma categoria, motivo pelo qual a soma resulta maior que

118, referente ao N total.

107

correlação entre participação no IPÊS e ocupação de cargos públicos, visto que a maioria era

apenas de ligados ao IPÊS. Possivelmente, para esses indivíduos, que são maioria, a

participação na entidade constituiu apenas um momento de sua carreira e não serviu como

capital para ocupação dos CPFs pré ou pós-golpe, independentemente do tipo ou da extensão.

A seguir, cruzaremos os dados de carreira dos indivíduos que atuaram apenas como C

(ligados ao IPÊS) na instituição, para averiguar se eram cargos de relevância ou não,

conforme Tabela 1666:

Tabela 16 - Atuação C no IPÊS e CPFs ocupados de alta relevância (N=61)

CPF Quantidade

CPFs pré-golpe 174

CPFs pós-golpe 181

CPFs tipo 1 pré-golpe 12

CPFs tipo 2 pré-golpe 54

CPFs tipos 1 e 2 pré-golpe 66

CPFs tipo 1 pós-golpe 48

CPFs tipo 2 pós-golpe 88

CPFs tipos 1 e 2 pós-golpe 136

Fonte: elaborada pelo autor.

Como podemos observar, os ipesianos que atuaram na entidade na categoria C (ligado

ao IPÊS) ocuparam cargos de alta relevância antes e depois do golpe. Se somarmos os CPFs

de alta relevância (CPFs 1 e 2) antes do golpe e depois do golpe, temos 202, o que representa

51,53% dos cargos ocupados por esses indivíduos em suas carreiras públicas federais (que

totalizam 392 CPFs). Portanto, mais da metade da atuação dos ipesianos tipo C foi de alta

relevância. Isso reforça o argumento de que, como já referimos, os indivíduos que atuaram

apenas como “ligados ao IPÊS” constituíram uma parcela importante dos ocupantes de CPFs

após o golpe de 1964 e que passaram pelo IPÊS. Se compararmos o número de CPFs desse

grupo (392) com o número de CPFs total (727), veremos que o primeiro representa 53,92%

66 A diferença entre a soma de CPFs pré-golpe (174) e CPFs pós-golpe (181) e o total, que não está na Tabela 16

(392 CPFs) é resultante de uma questão metodológica. Para alguns cargos não foi possível tabular a data de

entrada e data de saída nem o ano. Para os cargos que temos certeza que foram ocupados antes ou depois do

golpe, tabulamos nos tipos e na temporalidade (pré e pós golpe). Para os cargos que não encontramos informação

sobre o ano de ocupação, não tabulamos o tipo nem a temporalidade. Portanto, o total de CPFs pré-golpe e pós-

golpe, é maior que a soma total dos CPFs ocupados. Esta situação ocorrerá em outras tabelas.

108

de todos os CPFs ocupados pelo N. Além disso, se compararmos o número de CPFs de alta

relevância (1 e 2) desse grupo (202) com os ocupados por todo o N (386), o primeiro

representa 51% de todos CPFs de alta relevância do N. Ou seja, trata-se do recorte mais

numeroso da tese e que mais concentrou CPFs de alta relevância. Ao mesmo tempo, é o grupo

que menos adesão teve ao IPÊS em relação às outras categorias criadas (A1, A2, A3, A4, A4

e B2). Conclui-se, portanto, que a maior parte dos ipesianos (no caso, os de atuação C)

concentrou a maior parte dos cargos de alta relevância e, ao mesmo tempo, eram os com

menor adesão à instituição, ou seja, é pouco provável que sua atuação na instituição seja um

fator explicativo para a ocupação de CPFs. Além disso, é importante destacar que apenas 6

deles (total de 61) ocuparam ao menos 1 CPF tipo 1 no pré-golpe e no pós-golpe 27 ocuparam

ao menos 1 CPF tipo 1. Ou seja, no pré-golpe 9,83% dos ipesianos que atuaram como C

ocuparam CPFs 1, número bastante reduzido, e no pós golpe, 44,26% deles ocuparam CPFs

1, porcentagem alta, mas mais baixa do que os valores gerais referidos anteriormente.

Além disso, cabe, para uma análise mais aprofundada, uma comparação dos CPFs

ocupados pelos ipesianos C com os CPFs ocupados pelos ipesianos que atuaram como

lideranças (A1) para avaliar se há uma maior ocupação de CPFs de alta relevância entre os de

atuação C ou de atuação A1, que será feita em seguida, nesta seção.

Com base na Tabela 16, também podemos perceber que, embora os CPFs pré-golpe

(174) e os pós-golpe (181) não demonstrem muita variação, indicando uma estabilidade na

ocupação de CPFs, há um incremento de cargos de alta relevância (CPFs 1 e 2) de um período

para o outro. Os de tipo 1 passaram de 12 para 48, e os e tipo 2 passaram de 54 para 88. Há

uma variação maior no caso dos cargos de maior relevância, portanto. É possível concluir que

os ipesianos C ocuparam mais CPFs de alta relevância após o golpe, mas, no entanto, é pouco

provável que haja relação com sua participação no IPÊS, pois foi relativamente pequena para

que fossem percebidos como quadros relevantes da entidade. Portanto, ser ligado ao IPÊS não

fez diferença em relação à ocupação do cargo.

A seguir, poderemos proceder a análise dos ipesianos que atuaram como liderança

(A1) e que ocuparam CPFs de alta relevância (tipo 1 e 2) antes e depois do golpe de 1964,

conforme Tabela 1767:

67 O número total de CPFs ocupados para este recorte é 83, maior que a soma entre os CPFs pré e pós golpe, que

resulta 73.

109

Tabela 17 - Atuação A1 no IPÊS e CPFs ocupados de alta relevância (N=17)

CPF Quantidade

CPFs pré-golpe 37

CPFs pós-golpe 36

CPFs A1 pré-golpe 1

CPFs A2 pré-golpe 10

CPFs A1 e A2 pré-golpe 11

CPFs A1 pós-golpe 2

CPFs A2 pós-golpe 25

CPFs A1 e A2 pós-golpe 27

Fonte: elaborada pelo autor.

Na Tabela 17, podemos analisar os CPFs de tipo 1 e 2 antes e depois do golpe de 1964

ocupados por ipesianos que atuaram na instituição em posições de liderança. Os CPFs 1 e 2

pré e pós golpe somados (38) representam 45,78% dos CPFs ocupados por esses indivíduos

(83), o que é uma porcentagem bastante alta. Por outro lado, os CPFs tipo 1 e 2 dessas

lideranças ipesianas representam apenas 9,84% de todos os CPFs 1 e 2 ocupados pelo N

(386), ou seja, no quadro mais geral, o que constitui uma parcela reduzida dos cargos de alta

relevância. Portanto, é possível concluir que, embora quase a metade dos CPFs ocupados

antes e depois do golpe pelas lideranças ipesianas sejam de alta relevância, na comparação

com o quadro maior esses indivíduos representam pouco da ocupação de cargos de alta

relevância no total. Poucos líderes do IPÊS ocuparam CPFs após o golpe de 1964, e é por isso

que compõem uma parcela tão pequena de nosso N (17 de 118). No entanto, embora em

número reduzido, essas lideranças ocuparam CPFs de alta relevância.

Por outro lado, devemos estabelecer uma comparação entre os CPFs de alta relevância

ocupados pelos ipesianos que atuaram como A1 (liderança) e os que atuaram como C (ligado

ao IPÊS). Assim, os ipesianos do tipo A1 têm porcentagem de ocupação de CPFs 1 e 2 que

representam 45,78% dos ocupados por eles, contra 51,53% dos ipesianos tipo C em relação

aos CPFs 1 e 2 ocupados por eles. Ou seja, não há uma diferença muito grande na proporção

de CPFs 1 e 2 ocupados por ipesianos de cada um dos tipos, apenas em valores absolutos.

Portanto, em ambos os casos houve uma alta porcentagem de ocupação de cargos de alta

relevância em relação aos CPFs ocupados por cada tipo.

110

Além disso, os ipesianos tipo A1, em comparação com todos os CPFs 1 e 2 do N, têm

taxa de ocupação de CPFs que representa 9,84% de todos esses cargos, contra 53,92% no

mesmo caso referente aos ipesianos tipo C. Nesse caso, podemos perceber que as lideranças,

por serem poucas que ocuparam CPFs após o golpe de 1964, e, portanto, poucos que

compuseram nosso N, ocuparam cargos de alta relevância que representam apenas 9,84% do

total desses cargos. A maioria é, efetivamente, de indivíduos que estão apenas “ligados” ao

IPÊS. Se os cargos ocupados foram de longa duração ou de curta duração é outra questão a

ser respondida, que abordaremos no Capítulo 3.

Dos 91 que participaram do IPÊS antes do golpe, 36 ocuparam cargos de presidente ou

de ministro (CPF tipo 1) após o golpe. No entanto, 23 desses 36 ocuparam ao menos um CPF

de qualquer tipo antes do golpe. Por outro lado, desses 23, apenas 6 ocuparam cargos de tipo

1 antes do golpe, o que significa algum incremento de qualidade na ocupação de cargos no

período posterior, pois 36 ocuparam CPFs tipo 1 após o golpe, conforme referimos. Ou seja, o

número de indivíduos que participaram do IPÊS antes do golpe e que ocuparam CPFs de

nível 1 após o golpe (36 indivíduos), cargos da mais alta relevância e que poderiam indicar

que utilizaram o IPÊS como suporte para acessá-los, é alto, e representa 31,35% do N total

(118). Ou seja, houve, de fato, ocupação de CPFs pós-golpe da maior relevância por uma

parcela importante dos ipesianos, mas é necessário destacar que, se desses 36 indivíduos 23 já

tinham carreira prévia, é porque 63,8% deles já estavam no Estado antes do golpe de 1964, e

o que houve foi um salto qualitativo. Portanto, não houve colonização do Estado, mas um

aumento da qualidade dos cargos ocupados através de um incremento na continuidade

burocrática. Por outro lado, é importante ponderar se mesmo com esse salto qualitativo o

tempo em exercício neles foi longo ou breve. Trataremos da questão da extensão dos CPFs no

Capítulo 3.

65 indivíduos ocuparam ao menos um CPF tipo 2 após o golpe. Se considerarmos

indivíduos únicos, 77 deles ocuparam CPFs pós-golpe tipo 1 ou 2 ou ambos do total de 91

indivíduos que atuaram no IPÊS antes do golpe e ocuparam CPFs após o golpe. Esses dados

levam à compreensão de que a maioria dos indivíduos desse corte (entrada antes do golpe no

IPÊS), inclusive do N total, ocupou cargos de alta relevância após o golpe, embora isso não

tenha relação com cargo de liderança no IPÊS, por exemplo, pois a maioria desses CPFs foi

ocupada por indivíduos apenas ligados à instituição, ou seja, de cargo tipo C.

Além disso, se verificarmos a quantidade de CPFs antes do golpe para esses mesmos

indivíduos (os que entraram no IPÊS antes do golpe e assumiram CPFs de tipo 1 ou 2 ou

ambos depois do golpe), temos que, do total de 77, apenas 24 não ocuparam nenhum CPF

111

antes do golpe, mas 53 ocuparam ao menos um CPF, de qualquer tipo. Ou seja, 68,83% dos

ipesianos que ocuparam CPFs 1, 2 ou ambos (cargos de alta relevância) após o golpe e

ingressaram no IPÊS no pré-1964 já atuavam no Estado em ao menos 1 CPF de qualquer

tipo antes do golpe. Além disso, dos 91 que entraram no IPÊS antes do golpe e ocuparam

CPFs após o golpe, 28 não ocuparam nenhum CPF antes do golpe, e 63 ocuparam ao menos

um. Ou seja, a maioria desses indivíduos já tinha uma carreira pública prévia e já estavam no

Estado antes do golpe de 1964.

Em suma, temos que, mesmo com muitos indivíduos ocupando cargos públicos

relevantes (A1, A2 ou ambos) após o golpe, e com a confirmação de sua participação no IPÊS

antes desse evento, o cruzamento dos dados do banco elaborado para esta tese a respeito dos

CPFs antes de 1964 fornece indícios de que não houve uma colonização do Estado pós-1964.

Esses indivíduos já estavam, presentes no Estado brasileiro, configurando, em grande medida,

uma continuidade burocrática. Há correlação entre participação no IPÊS antes do golpe e a

ocupação de cargos relevantes pós-1964, mas não uma relação causal. Antes, é apenas um

fator a ser considerado no quadro explicativo, pois a participação no IPÊS pode ter sido

apenas eventual, como é o caso dos ipesianos que atuaram como C (ligados ao IPÊS).

Dos 118 indivíduos, apenas 17 fizeram parte da cúpula do IPÊS (cargos de tipo A1

e/ou cargos menores), seja na presidência ou na direção de unidades. Desses 17, apenas 1

deles ocupou CPF tipo 1 após o golpe, mas 14 deles ocuparam CPFs de tipo 2 após o golpe.

Calculando por indivíduo, apenas 3 dos 17 indivíduos não ocupou CPF 1 ou 2 após o golpe de

1964. Portanto, há uma correlação entre a atividade de presidência ou direção no IPÊS e a

ocupação de cargos públicos de relevância no aparato público federal após o golpe, embora o

número de CPFs seja bem menor do que no caso dos ipesianos que atuaram como tipo C

(ligados ao IPÊS).

Abaixo do cargo A1 no IPÊS houve poucos indivíduos tabulados e, portanto, é difícil

inferir qualquer conclusão com base nesses dados. Houve 21 indivíduos que ocuparam cargos

A2 e/ou menores no IPÊS. Desses, 4 ocuparam CPFs tipo 1 após o golpe, e apenas 3 não

ocuparam CPFs tipo 1 ou 2 após o golpe. Do N total 33 ocuparam cargos tipo A3 e/ou

menores no IPÊS. 10 desses ocuparam CPFs tipo 1 após o golpe e 26 ocuparam ou tipo 1 ou

tipo 2 após o golpe. 25 em CPFs tipo 2, desconsiderando os que ocuparam de tipo 1. Dos 118

indivíduos do N, apenas 2 ocuparam cargo de tipo A4 e/ou cargos menores no IPÊS. Os dois

ocuparam, respectivamente, um CPF tipo 2 após o golpe, mas nenhum de tipo 1. Não há

nenhum indivíduo com cargo de tipo A5 isolado no IPÊS, e há apenas um de tipo B. Já os

cargos tipo C no IPÊS já foram bem trabalhados anteriormente.

112

Além disso, podemos analisar o número de cargos ocupados antes e depois do golpe,

tipo 1 e 2 e geral, por indivíduos que atuaram de diferentes formas no IPÊS. A Tabela 18

resume os dados a serem analisados:

Tabela 18 - Cargos no IPÊS e ocupação de CPFs 1 e 2 antes e depois do golpe

Cargo no

IPÊS CPFs

CPF

PRÉ

CPFs 1

PRÉ

CPFs 2

PRÉ

CPFs

PÓS

CPFs 1

PÓS

CPFs 2

PÓS

A 327 132 7 40 172 28 82

A1 79 37 1 10 32 0 23

A2 100 50 2 18 46 8 28

A3 231 97 5 25 121 20 51

A4 4 0 0 0 4 0 2

B2 8 2 0 1 4 0 3

C 392 174 12 54 181 48 88

Fonte: elaborada pelo autor.

Como é possível perceber, os indivíduos apenas ligados ao IPÊS (tipo C) ocuparam 4

vezes mais CPFs da maior relevância após o golpe (tipo 1), em comparação com o número

que ocupavam antes. Ou seja, os indivíduos com menor ligação com o IPÊS foram alguns dos

que tiveram resultado mais positivo na ocupação de cargos públicos relevantes. A baixa

aderência ao IPÊS na atividade de tipo C não implica, portanto, uma correlação importante

entre atividade no IPÊS e os CPFs 1 ocupados após o golpe.

Por outro lado, os dirigentes do IPÊS (A1) não tiveram sucesso em CPFs tipo 1

(diminuiu de 1 para 0), e tiveram um relativo sucesso em CPFs tipo 2 (de 10 para 23 cargos

ocupados). No entanto, como já referimos anteriormente, a soma dos CPFs tipo 1 e 2

ocupados no pós-golpe pelos dirigentes do IPÊS (23 cargos no total) representa 71,87% dos

CPFs ocupados após o golpe. Então, a cúpula do IPÊS não teve, de modo geral, cargos que

refletissem sua importância na instituição, mas se compararmos com o total de cargos

ocupados por esse recorte, o número de CPFs de alta relevância ocupados após o golpe é

bastante alto.

Os membros de diretoria, cargos de tipo A2 do IPÊS, tiveram resultado parcialmente

diverso. De 1 CPF tipo 1 no pré golpe foi para 8, e de 18 CPFs tipo 2 no pré-golpe foram para

28. Houve, portanto, resultado positivo na ocupação de cargos públicos relevantes,

condizentes com a ocupação no IPÊS. Aqui, ocorre o mesmo fenômeno referido

113

anteriormente, pois há ocupação de CPFs de alta relevância, mas pouco numerosos, pois

também eram poucos os cargos de médio escalão no IPÊS. Por outro lado, houve um salto

qualitativo no caso de CPFs tipo 2.

No caso de membros de unidade executiva (atuação tipo A3 no IPÊS), como GED,

GDE, GLC, GOP, etc houve um sucesso semelhante ao dos indivíduos de atuação tipo C no

IPÊS. De 5 CPFs tipo 1 passaram para 20, bem como de 25 CPFs tipo 2 passaram para 51.

Aqui, consideramos que as unidades executivas obtiveram sucesso na ocupação de CPFs de

relevância após o golpe, e que eles eram condizentes ou superiores à sua atuação no IPÊS.

Comparado com o caso dos ipesianos de cargos tipo A2 no IPÊS, os ocupantes de cargos tipo

A3 foram bem mais sucedidos do que os de A2.

Portanto, analisando os dados da Tabela 18 de forma conjunta, podemos concluir que

não há correlação nem relação causal entre o tipo de atuação no IPÊS, pensando em níveis

hierárquicos, e os CPFs ocupados após o golpe. A conclusão é que a maioria dos indivíduos

do IPÊS, independentemente de sua atividade na entidade, ocupou CPFs de relevância. Ou

seja, se levarmos em conta apenas esses dados, concluímos que a participação no IPÊS

constituiu um fator importante para a ocupação de CPFs tipo 1 e 2 no pós-golpe. No entanto,

como já referimos, a maior parte desses indivíduos já ocupava CPFs de vários tipos, inclusive

de alta relevância, no pré-golpe. Deve-se considerar também outras variáveis, como a

manutenção de cargos entre regimes políticos, a duração do cargo ocupado e uma avaliação

de grupo das carreiras públicas de todos os indivíduos, considerando-se os cargos pré e pós-

golpe, incluindo suas qualidades. A segunda conclusão é que a cúpula do IPÊS obteve sucesso

na ocupação dos CPFs, mas não tanto quanto os indivíduos apenas ligados ao IPÊS, que

obtiveram amplo sucesso.

Como exemplos representativos das conclusões a que chegamos, podemos citar

Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão, que, embora tenha sido apenas ligado ao

IPÊS, com pouca aderência à instituição em relação aos demais cargos mas, mesmo assim,

constitutivo de nosso N, ocupou 12 CPFs após o golpe, sendo 7 tipo 1 e 5 tipo 2. A

relativamente fraca participação no IPÊS não o impediu de acumular muitos cargos relevantes

no pós-golpe. Além disso, podemos citar uma liderança do IPÊS, Glycon de Paiva, que

ocupou 16 CPFs antes do golpe, sendo 3 deles do tipo 2, e 3 após o golpe, sendo todos de tipo

2. Ou seja, houve, também, ocupação de CPFs relevantes, embora nenhuma liderança tenha

ocupado CPFs tipo 1 após o golpe. Por outro lado, se pegarmos um ipesiano que atuou como

A3 (diretor de unidade), como Danilo Venturini, perceberemos que ele teve maior sucesso na

114

ocupação de CPFs pós-golpe. Antes de 1964, não ocupou nenhum CPF. Após o golpe, ocupou

8 CPFs, sendo 2 tipo 1 e 5 do tipo 2. Ou seja, houve amplo sucesso.

2.4 CONCLUSÃO

Os dados analisados neste Capítulo sugerem algumas questões, que serão melhor

aprofundadas no Capítulo 3. Em primeiro lugar, o número de cargos ocupados por civis antes

do golpe e depois do golpe é estável. Isso demonstra, de forma geral, que os ipesianos que

ocupavam CPFs após o golpe já estavam no Estado, configurando uma continuidade

burocrática.

Identificamos que, nas atividades desempenhadas pelos indivíduos estudados, havia

muitos engenheiros e economistas, o que já era esperado, mas também muitos políticos que

atuavam na política partidária e como parlamentares.

Ao analisarmos as diferentes formações dos indivíduos de nosso N, percebemos um

grupo de hiperespecializados, com doutorado, que tiveram sucesso na ocupação de cargos

públicos relevantes, e julgamos que sua formação teve papel de destaque nesse sentido. Além

disso, constatamos que poucos indivíduos tiveram formação nos EUA, mas dos que tiveram,

consideramos que foram bem-sucedidos na ocupação de CPFs, também. Na questão da

nacionalidade dos ipesianos, não tivemos elementos suficientes para avaliar se foi um fator

relevante na ocupação de cargos públicos ou não, pois foram poucos casos.

Além disso, pudemos verificar que a maioria dos ipesianos de nosso N não cursou a

ESG, o que nos permite concluir que a ESG não funcionou como atestado ideológico para

ocupação de CPFs pós-1964, embora, como já ressalvamos, muitos possam ter contribuído na

instituição como conferencistas.

A respeito do momento de entrada no IPÊS (antes do golpe, após o presidencialismo e

antes do golpe ou após o golpe), identificamos, por meio de cruzamentos com os dados de

carreira dos indivíduos, que não há relação causal efetiva entre o momento de entrada no

IPÊS e a ocupação de CPF relevante, mas há indício de que a entrada antes do golpe

configura maior chance de ocupação de CPF relevante.

Em relação aos cargos ocupados no IPÊS e sua relação com a carreira pública dos

indivíduos estudados, identificamos que houve pouco sucesso em ocupação de cargos da mais

alta relevância no caso da cúpula do IPÊS, mas um sucesso bastante efetivo no caso de

indivíduos com uma ligação mais fraca com a instituição. Por outro lado, os cargos de médio

115

escalão no IPÊS (A2 e A3, por exemplo) tiveram um sucesso maior que os que atuaram como

A1 na instituição em termos de cargos de alta relevância (CPFs tipo 1 e 2). Ou seja, não há

correlação entre o tipo de cargo ocupado no IPÊS e o tipo de CPF ocupado após o golpe. Em

todos os casos também identificamos uma carreira pública prévia, seja com ocupação

posterior de CPFs tipo 1 ou 2, que são os de alta relevância, ou não, o que indica, portanto,

uma continuidade burocrática em relação aos CPFs ocupados pelos ipesianos após o golpe de

1964. Esses indivíduos já atuavam no Estado anteriormente.

116

3 AS CARREIRAS PÚBLICAS FEDERAIS DOS IPESIANOS EM PERSPECTIVA:

AS DINÂMICAS DE SUAS POSIÇÕES NO ESTADO

Neste Capítulo, analisaremos as carreiras públicas federais dos ipesianos de nosso N e

aplicaremos os quatro conceitos-chave que utilizamos ao longo desta tese: o de continuidade

burocrática, o de interrupção burocrática, o de ascensão burocrática e o de descenso

burocrático. No Capítulo 2, efetuamos vários recortes dentro do N, por diferentes tipos de

atuação no IPÊS, formação acadêmica, diplomação na ESG etc. Neste Capítulo, analisaremos

a totalidade do N e alguns recortes dentro da carreira pública federal dos ipesianos, com

variáveis que ainda não foram utilizadas nos Capítulos 1 e 2.

Inicialmente, trabalharemos com o quadro geral de CPFs ocupados, para em seguida

analisarmos os CPFs pré-golpe. Posteriormente, analisaremos os ipesianos que ocuparam

cargos na transição entre regimes políticos e que os mantiveram, o que configura uma

continuidade burocrática especial, pois evidencia uma de nossas hipóteses. Em seguida,

analisaremos os CPFs ocupados após o golpe de 1964. Depois, trabalharemos com a questão

da permanência em CPFs pós-golpe, analisando se houve uma colonização do Estado ou uma

interrupção burocrática, ou seja, se houve exercício desses cargos por um tempo

minimamente razoável ou se parte dos ipesianos desapareceu da vida pública federal após

determinado período, retornando ou não posteriormente. Depois, trabalharemos com esses

indivíduos que saíram dessa esfera e retornaram posteriormente, por vezes já no período após

a ditadura. Em seguida, analisaremos qual o papel que a política partidária pode ter

desempenhado na carreira pública federal dos ipesianos. Por último, desenvolveremos de

forma mais aprofundada os conceitos de continuidade burocrática e de interrupção

burocrática, tendo em vista uma proposta de interpretação da ocupação de CPFs pelos

ipesianos após o golpe de 1964 alternativa à visão da colonização do Estado.

3.1. A OCUPAÇÃO DE CPFS PELOS IPESIANOS EM PERSPECTIVA GLOBAL

Nesta seção, trabalharemos com o quadro geral de ocupação de CPFs do N desta tese.

Os 118 indivíduos ocuparam, no total, 727 CPFs, conforme Tabela 1968 abaixo:

68 O total de CPFs com tipo tabulado é 716, conforme resulta a soma dos CPFs da Tabela 19. No entanto, o total

de CPFs ocupados é 727, pois não foi possível classificar com certeza o tipo de 10 CPFs.

117

Tabela 19 - Quantidade de CPFs por tipo

Fonte: elaborada pelo autor.

É importante destacar que o número de CPFs do tipo 2, código referente aos ocupantes

de cargos de membro ou presidente de conselhos federais, e diretor ou presidente ou vice de

instituição estatal, é o que mais destoa de todos os outros, somando mais de 40%. A soma dos

CPFs de tipo 3, 4 e 5 dá 45,37%, quase a mesma porcentagem de um tipo de cargo isolado.

Portanto, podemos concluir que a maior parte dos CPFs ocupados pelos ipesianos é de alto

escalão, se mantivermos nossa interpretação de que os cargos de tipo 1 e 2 são de alta

relevância. Por outro lado, se compreendermos os cargos de tipo 2 de outra forma, podemos

afirmar que a maioria é composta por cargos de médio escalão. De qualquer maneira,

podemos concluir que a maior parte dos cargos era, portanto, de alto e médio escalão, e não

de baixa relevância.

Além disso, é possível perceber que mais da metade dos cargos (53,08%) ocupados

foram de alta relevância, configurando, de modo geral, carreiras bem-sucedidas quanto à

qualidade de seus cargos. Os ipesianos tiveram uma carreira pública federal composta em sua

maioria por cargos importantes, o que reforça a nossa hipótese de que houve uma

continuidade burocrática entre os cargos pré-golpe e os pós-golpe da maioria de nosso N. Ou

seja, esses indivíduos atuaram em CPFs antes do golpe e continuaram atuando em CPFs de

tipos semelhantes após a mudança de regime político, e, via de regra, eram posições de alta

relevância, o que imprime maior responsabilidade na estrutura do Estado ao exercer tais

funções.

Por outro lado, é possível que alguns indivíduos tenham concentrado muitos CPFs, e,

portanto, a análise deve ser feita também com base em outros cortes. Por exemplo, no caso

dos CPFs de tipo 1, 12 pessoas ocuparam 3 ou mais cargos desse tipo, acumulando, no total,

48. Ou seja, trata-se de mais da metade dos CPFs tipo 1 para 10,16% de nosso N. Por outro

lado 75 indivíduos não ocuparam nenhum CPF tipo 1, ou seja, 63,55% do nosso N, e 16 deles

CPFs Quantidade %

1 94 12,92%

2 292 40,16%

3 112 15,40%

4 119 16,36%

5 99 13,61%

118

ocuparam apenas 1 CPF tipo 1. Na soma, temos que 91, ou 77,11% dos ipesianos ocuparam

nenhum ou apenas 1 CPF de tipo 1 (o de mais alta relevância). Trata-se, portanto, de claro

indício de acumulação de cargos no caso dos de tipo 1. Esses dados apontam para a ocupação

de muitos CPFs de outros tipos pelo restante do N.

Já em CPFs tipo 2, apenas 16 indivíduos não ocuparam nenhum cargo desse tipo, bem

diferente dos 75 referidos anteriormente para CPFs tipo 1. Além disso, 33 deles ocuparam

apenas 1 CPF tipo 2, somando 49 ipesianos que ocuparam nenhum ou no máximo 1 CPF tipo

2, o que representa 41,52% do N, porcentagem bastante alta. Aqui, também há indício de que

houve distribuição de CPFs em número maior nos outros tipos para a maioria do N.

É possível identificar, também, o número de ipesianos que não ocupou nenhum cargo

de alta relevância, ou seja, do tipo 1 ou tipo 2 somados. Nesse caso, tratam-se de 11 ipesianos,

que só ocuparam CPFs de tipo 3 ou mais baixos.

Por outro lado, também temos que 30 ipesianos ocuparam 1 CPF de alta relevância

(tipo 1 ou tipo 2 somados), o que representa 25,42% do N. Por fim, podemos afirmar que 41

ipesianos ocuparam no máximo 1 CPF de alta relevância, incluindo os que não ocuparam

nenhum, somando 34,74% do N.

Os indivíduos que mais ocuparam CPFs foram Jayme Magrassi de Sá, com 35, e Iberê

Gilson, com 27. O primeiro, embora com o maior número de CPFs do N, tem ligação do tipo

C com o IPÊS (ligado ao IPÊS) e não ocupou nenhum CPF de tipo 1, e 5 de tipo 2. Na

verdade, a maioria de sua carreira foi composta por cargos do tipo 5, principalmente

participações em grupos de trabalho e em comissões pontuais, somando 14 cargos. Por outro

lado, seus CPFs de alta relevância passaram de 1 antes do golpe para 4 após o golpe de 1964.

O número de cargos ocupados antes do golpe foi 21, e depois do golpe foi 6. Já Iberê Gilson

ocupou 12 CPFs de alta relevância, sendo 5 antes do golpe e 5 depois do golpe. Os tipos de

cargos ocupados foram bem distribuídos, sem destaques, e ocupou 16 CPFs antes do golpe e 6

após o golpe.

Nesse sentido, podemos concluir que, independentemente do número de cargos

ocupados pelos ipesianos, a ocupação de cargos de alta relevância e o incremento desses

cargos após o golpe em comparação com o período anterior é bastante variável. Portanto, o

número de CPFs total indica mais a existência de uma carreira pública federal consistente,

com ampla possibilidade de ter participado do Estado pré-1964 de forma mais aprofundada,

do que alguma relação com o tipo de cargo ocupado.

Há 33 indivíduos que ocuparam apenas 1 CPF, ou seja, o cargo pós-golpe que o

habilitou a compor o N desta tese. Falaremos mais dessa questão na seção sobre CPFs

119

ocupados após o golpe. No entanto, é importante destacar que esses indivíduos não tiveram

carreira pública federal prévia ao golpe de 1964 e que, posteriormente, também não

permaneceram no exercício do cargo por muito tempo.

Na próxima seção, trabalharemos com os CPFs ocupados antes do golpe de 1964 e

detalharemos a continuidade burocrática que ocorreu entre as carreiras públicas federais pré-

1964 e pós-1964 dos ipesianos estudados.

3.2 CPFS ANTES DO GOLPE: A CARREIRA PÚBLICA FEDERAL PRÉVIA COMO

EVIDÊNCIA DA CONTINUIDADE BUROCRÁTICA

O número e o tipo de cargos ocupados antes do golpe de 1964 pode indicar uma

carreira pública federal prévia que é importante para analisarmos a questão da colonização do

Estado pós-1964. Podemos, dessa forma, avaliar se houve uma atuação consistente no Estado

pré-1964 que tenha prosseguido após a mudança de regime político, configurando uma

continuidade burocrática. Para tanto, necessitamos de evidências empíricas que confirmem

essa hipótese. Os ipesianos, para René Dreifuss, eram, no geral, tecnoempresários, ou seja,

não poderiam ser considerados apenas técnicos que produziam estudos, mas era importante

delimitar suas relações empresariais. Em vários momentos o autor refere o passado público e

privado dos ipesianos, com maior destaque para os cargos privados, mas de maneira pouco

sistemática, a não ser em seu Apêndice B.69 Como já referimos no Capítulo 1, é muito difícil

definirmos em um conceito os indivíduos do IPÊS, tampouco suas carreiras. O conceito de

tecnoempresário não abrange todos os ipesianos, e não dá indícios da carreira pública federal

pré-golpe que desempenharam.

Nesta seção, para além das generalizações sobre os ipesianos, poderemos apresentar

em categorias referentes ao tipo de CPF a qualidade desses cargos ocupados antes do golpe de

1964 e em que medida isso evidencia uma continuidade burocrática em relação aos que

foram ocupados no pós-golpe. Para tanto, faremos uma análise das carreiras públicas federais

antes do golpe de 1964, que, pela sua própria existência, já corroboram parcialmente nossa

hipótese. Inicialmente, apresentaremos a Tabela 2070, com o número de CPFs ocupados no

pré-golpe divididos por tipo:

69 No Apêndice B (pp. 501-573), o autor elenca ipesianos e cargos privados e públicos ocupados antes do golpe

de 1964 e ligações entre acionistas e outros ipesianos, bem como o tipo de atuação que o indivíduo teve no IPÊS. 70 O total de CPFs ocupados no pré-golpe é 311, mas o número de CPFs tabulados é 308.

120

Tabela 20 - CPFs ocupados no pré-golpe por tipo

CPFs Quantidade %

1 19 6,16%

2 95 30,84%

3 56 18,18%

4 93 30,19%

5 48 15,58%

Fonte: elaborada pelo autor.

Como podemos observar, há poucos CPFs da mais alta relevância (1) ocupados no

período pré-golpe, constituído apenas 6,16% desse recorte. Os tipos de CPFs que obtiveram

maior ocupação são os 2 e o 4, que somam 61% de todos os cargos do recorte. No entanto,

para avaliarmos se há concentração ou não de CPFs por parte de alguns indivíduos, devemos

analisar esses dados de forma específica, sem generalizar os CPFs.

Os 19 cargos de tipo 1 são ocupados por 11 pessoas do N. Apenas 2 pessoas ocuparam

mais de 2 desse tipo de CPF: Armando Falcão, com 5 CPFs tipo 1 no pré-golpe, e José Sete

Câmara Filho, com 3. Os outros 9 indivíduos ocuparam 2 CPFs tipo 1 ou menos.

Já os CPFs tipo 2 constituem a maior parte dos CPFs pré-golpe ocupados pelo N, com

95 CPFs e 30,84%, seguido de CPFs tipo 4, com 93 CPFs e 30,19%. No caso dos de tipo 2,

72 pessoas dos 118 do N total não ocuparam nenhum desses cargos, e 22 ocuparam apenas

um deles. Ou seja, 79,66% dos indivíduos do N ocuparam nenhum ou apenas 1 CPF tipo 2

no pré-golpe. Dos outros 24 indivíduos restantes, três deles ocuparam os maiores números de

CPFs tipo 2: Octávio Gouveia de Bulhões, com 8, e Edgar Teixeira Leite e Themístocles

Brandão Cavalcanti, com 5.

Os CPFs de alta relevância (tipos 1 e 2), portanto, concentraram-se em 57 indivíduos

dos 118 do N, pouco menos que a metade do total (48,3%), o que não indica alta

concentração de cargos de alta relevância no pré-golpe, pois estavam bem distribuídos.

Além de pouco concentrados, há uma continuidade burocrática em relação aos CPFs

ocupados antes do golpe e depois da mudança de regime político, conforme podemos

observar no número de CPFs ocupados por tipo no pós-golpe, por meio da Tabela 2171:

71 O total de CPFs pós-golpe é 357, mas 356 deles foram tabulados.

121

Tabela 21 - CPFs ocupados no pós-golpe por tipo

CPF Quantidade %

1 76 21,28%

2 173 48,45%

3 46 12,88%

4 22 6,16%

5 39 10,92%

Fonte: elaborada pelo autor.

Aqui, é possível perceber a estabilidade no número de CPFs no quadro geral, como já

referimos no Capítulo 2. De 308 CPFs pré-golpe, esse número passou para 357 CPFs pós

golpe. Ou seja, não há grande diferença na quantidade de cargos ocupados entre esses dois

períodos, o que confirma empiricamente a ideia da continuidade burocrática em termos

absolutos. Resta, evidentemente, analisar esses dados por tipo e por concentração, que

faremos posteriormente neste Capítulo.

Além disso, também podemos perceber um incremento no número de CPFs ocupados

do tipo 1, do tipo 2, e na soma dos de alta relevância (tipo 1 e 2), configurando uma

característica da ocupação de CPFs pelos ipesianos no pós-golpe que, igualmente,

aprofundaremos posteriormente neste Capítulo.

Por outro lado, para argumentarmos que houve uma continuidade burocrática, é

necessário analisar em que momentos esses ipesianos ocuparam seu primeiro CPF.

Dependendo do período em que seu primeiro CPF foi ocupado, antes do golpe, após o golpe

ou ao longo dos anos 1970, poderemos reafirmar a prevalência da continuidade burocrática.

Na Tabela 22, podemos identificar as décadas de ocupação do primeiro CPF, o N e a

porcentagem do total.

122

Tabela 22 - Décadas em que ipesianos ocuparam seu 1º CPF

Década N %

1910 1 0,84%

1920 4 3,38%

1930 16 13,55%

1940 22 18,64%

1950 29 24,57%

1960 (antes do golpe) 9 7,62%

1960 (depois do golpe) 31 26,27%

1970 3 2,54%

Sem Informação 3 2,54%

Total 118 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

Na Tabela 22, é possível identificar que apenas 34 indivíduos tiveram seu primeiro

CPF ocupado após o golpe de 1964. No entanto, os outros 84 indivíduos ocuparam seu

primeiro CPF antes do golpe de 1964, ou seja, iniciaram sua carreira pública federal

previamente. Somando esse dado com a estabilidade que pudemos identificar na ocupação de

CPFs pré-golpe e pós-golpe, na Tabela 22 e 23, é possível comprovar empiricamente a

continuidade burocrática dos CPFs desses ipesianos na estrutura federal.

Se analisarmos tão somente os dados dos anos 1960 após o golpe, que contém o maior

número de indivíduos com ocupação de seu primeiro CPF nesse período, teríamos um dado

que corroboraria parcialmente a tese da colonização do Estado. No entanto, cabe fazer a

análise do inteiro teor da tabela, que nos indica que, em parte, não foi esse o caso, e que há

uma dinâmica de aumento e diminuição da qualidade dos cargos ocupados, sobre a qual

falaremos posteriormente neste Capítulo.

3.3 MANUTENÇÃO DE CARGOS ENTRE REGIMES POLÍTICOS DIFERENTES: O

ESPÍRITO DA CONTINUIDADE BUROCRÁTICA

Até este momento, trabalhamos na tese com ipesianos que ocuparam CPFs antes e

depois do golpe de 1964, buscando analisar a carreira pública federal desses indivíduos com

diferentes recortes. Conforme a análise, pudemos perceber a continuidade burocrática da

carreira pública federal dos ipesianos no pré-golpe após o golpe, ou seja, já havia uma

123

trajetória consistente de muitos indivíduos na estrutura federal antes do golpe de 1964,

conforme já referimos neste Capítulo anteriormente. Pudemos observar, também, que em

muitas carreiras houve a ocupação de poucos CPFs pós-golpe ou de pouco tempo de

exercício, seja com ocupação de CPFs pré-golpe ou não, o que, em nossa visão, não configura

uma colonização do Estado após o golpe. Percebemos, nesses casos, uma interrupção

burocrática, ou seja, esses indivíduos não participaram mais da estrutura pública federal.

Ao longo da pesquisa, identificamos um tipo de ocupação de CPF diferente, que se

refere a cargos ocupados antes do golpe de 1964 e que permaneceram providos após esse fato,

sem interrupção de seu exercício. Ou seja, a mudança de regime não interferiu na carreira

desses indivíduos naquele momento específico, não foi um ponto de inflexão em suas

trajetórias públicas federais. A manutenção de cargos entre diferentes tipos de regimes

políticos oferece evidência empírica de que não houve colonização do Estado pós-1964 pela

ocupação sistemática de CPFs, configurando ocupação posicional, no caso de 23 indivíduos

do IPÊS, representando quase 20% do N, conforme Tabela 23 abaixo:

Tabela 23 - Ipesianos que mantiveram seu cargo após o golpe de 1964

Manteve cargo N %

Não 95 80,50%

Sim 23 19,49%

Total 118 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

Aqui, tratamos, portanto, da continuidade burocrática em estado puro. Conforme

Fernando Henrique Cardoso, é necessário diferenciar Estado de regime político, pois “uma

forma idêntica de estado – capitalista e dependente, no caso da América Latina – pode

coexistir com uma variedade de regimes políticos: autoritário, fascista, corporativista e até

democrático” (1982, p. 47). Ou seja, embora o regime político tenha mudado, o Estado

permanece capitalista e sua estrutura, em essência, não se transforma. Aqui, como já

referimos, podemos fazer uma apropriação dessa ideia de Cardoso para a questão da

burocracia federal, embora não seja o foco de sua análise. Embora o regime político tenha

mudado, esses ipesianos já estavam situados na burocracia pública federal, e não houve

grandes mudanças nesse sentido. Com essa manutenção de CPFs observada na Tabela 23, fica

claro que a estrutura da burocracia pública federal em parte não sofreu alterações. Houve, sim,

como já referimos em diversos lugares nessa tese e como já é bastante afirmado na

124

historiografia sobre o golpe, uma acumulação de CPFs importantes em poucos indivíduos,

configurando um poder que pôde se impor em um regime político diferente do democrático,

que não sujeita as decisões ao escrutínio público. Outros tantos ocuparam CPFs logo após o

golpe de 1964 mesmo sem carreira pública federal prévia, embora parte desses tenham

cessado tais carreiras em pouco tempo, seja no governo Castelo Branco, seja no governo

Costa e Silva, configurando a interrupção burocrática. Aqui, no entanto, destacamos essa

espécie de isolamento desses CPFs da turbulência política de 1964. No Quadro 3, podemos

observar o nome de cada um desses ipesianos e o cargo que foi mantido na transição de um

regime para o outro.

125

Quadro 3- Nome e cargo(s) mantido(s) entre regimes políticos

Nome Cargo(s) mantido(s)

Álvaro Gonzalo Americano de

Oliveira e Souza Conselheiro do BNDE

Antônio Dias Leite Júnior Professor universitário

Carlos José de Assis Ribeiro Procurador do Conselho Superior das Caixas

Econômicas Federais

Casimiro Antônio Ribeiro Membro do Conselho de Política Aduaneira

Dênio Chagas Nogueira Membro do Conselho Nacional de Economia

Edmundo Macedo Soares e Silva Membro da Comissão do Plano do Carvão

Frederico César Maragliano

Cardoso Redator do Conselho Nacional de Economia.

Hélio Schlittler Silva Professor da UFRJ e professor do Instituto Rio Branco

Iberê Gilson

Subchefe da Casa Civil da Presidência da República,

Diretor da UFRJ, membro de Conselho da UFRJ,

Professor da Faculdade Brasileira de Ciências

Jurídicas, Decano da UFRJ

Jessé de Souza Montello Chefe de Divisão do BNDE e Professor da Escola

Nacional de Ciências Estatísticas.

João Batista Pinheiro Diplomata

Joaquim Ferreira Mangia Presidente de Comissão no Conselho de Política

Aduaneira.

Jorge Duprat de Brito Pereira Economista no BNDE

José Maria de Araújo Costa Escrevente-Datilógrafo do Ministério da Agricultura.

Julian Alfonso Magalhães Chacel Professor da UFRJ.

Luiz Dumont Villares Presidente da COSIPA

Nestor Jost Diretor do Banco do Brasil

Oscar de Oliveira Professor da Escola Nacional de Engenharia.

Roberto de Oliveira Campos Embaixador

José Sete Câmara Filho Diplomata

Themístocles Brandão Cavalcanti Professor da UFRJ

Vasco Tristão Leitão da Cunha Embaixador

Fonte: elaborado pelo autor.

Os cargos ocupados são de tipos variados, e referendam a nossa hipótese da

continuidade burocrática. Podemos identificar desde professores universitários, passando por

126

membro de conselhos federais e chefe de unidades administrativas importantes de estatais ou

mesmo chefes de estatais. Não são, portanto, no geral, cargos de baixa relevância, como

poderia se argumentar.

Alguns casos são paradigmáticos em relação à continuidade burocrática. Álvaro

Gonzalo Americano de Oliveira e Souza, por exemplo, manteve seu cargo de conselheiro do

BNDE (BNDES a partir de 1982). Sua atuação foi de 1960 a 1968, constituindo, portanto,

uma estabilidade que foi do governo Juscelino Kubitschek ao governo Costa e Silva. Dreifuss,

no entanto, elenca Álvaro Americano como um dos tantos indivíduos que colonizaram o

Estado, nesse caso, por meio do BNDE (1986, p. 431). Como já referimos anteriormente, não

houve colonização, e sim uma continuidade burocrática de muitos dos ipesianos nas suas

carreiras públicas federais pós-golpe em relação às pré-golpe. Ou seja, não era um fato novo a

atuação de Álvaro Americano como conselheiro do BNDE, ele apenas constava na nominata

pós-golpe, e era ipesiano. Outro indivíduo que estava na mesma listagem foi Jessé de Souza

Montello, que foi Chefe de Divisão do BNDE de 1958 a 1967, referentes aos mesmo períodos

dos governos já referidos, constituindo, portanto outra continuidade burocrática.

Outro caso bastante relevante é o de Luiz Dumont Villares, que foi presidente da

COSIPA de 196372 a 1965. Ele está elencado por Ramírez como um dos integrantes do grupo

de indivíduos responsáveis por assumir “o comando de toda a estrutura industrial do aço,

através de diferentes empresas” (2005, p. 364). No entanto, Luiz Dumont Villares já havia

sido membro do Conselho de Desenvolvimento Industrial, em 1963, e membro do Conselho

Consultivo da COSIPA de 1957 a 1961. Portanto, já tinha uma carreira pública federal prévia

referente à indústria e à própria COSIPA. Além disso, ele já era presidente da instituição em

1963, não foi um cargo ocupado pós-golpe, e sim mantido. Portanto, não configura uma

colonização do Estado pós-1964, e sim mais um caso relevante de continuidade burocrática

com manutenção de cargo entre regimes políticos diferentes.

Na mesma esteira, Nestor Jost, que manteve o cargo de diretor do Banco do Brasil, já

o exercia há bastante tempo. Nestor Jost atuou como diretor da instituição de 1961 a 1967, ou

seja, muito antes do golpe de 1964. Essa trajetória prévia no Banco do Brasil permitiu que

Nestor Jost fosse alçado a presidente da instituição de 1967 a 1974 e membro de seu conselho

em 1979. Ou seja, sua carreira pública federal é perpassada pela atuação no Banco do Brasil.

Conforme René Dreifuss, o controle do Banco do Brasil “deu aos empresários do IPES uma

posição invejável na alocação de recursos para a agricultura” (1986, p. 431). No entanto,

72 O ano de entrada trata-se da primeira menção ao cargo encontrada no Diário Oficial da União.

127

Como já referimos, Nestor Jost já era diretor da instituição antes do golpe de 1964, embora

ainda não fosse presidente73. Da mesma forma, trata-se de mais um caso de continuidade

burocrática.

Joaquim Ferreira Mangia foi presidente de comissão no Conselho de Política

Aduaneira de 1961 a 1970, ou seja, manteve esse cargo por um longo tempo. Além disso, foi

membro do mesmo Conselho de 195774 a 1961, e atuou no BNDE como Chefe da Divisão de

Economia Rural de 1958 a 1959. Foi economista do Ministério do Trabalho em 1947. Ou

seja, Joaquim Ferreira Mangia já tinha uma carreira pública federal consistente em diversas

instituições antes do golpe de 1964. No entanto, seu cargo também foi arrolado como CPF

ocupado no pós-golpe por um ipesiano, da mesma forma que os outros casos referidos

anteriormente.

Conforme o que foi analisado, mais do que novidade no Estado, esses indivíduos já

atuavam em cargos públicos federais relevantes, inclusive em outros cargos nas mesmas

instituições nas quais assumiram cargos após o golpe de 1964. Trata-se de uma continuidade

burocrática de tipo especial, pois além de ter base na carreira pública federal prévia dos

indivíduos, que prosseguiu após o golpe, também tem como base um cargo que foi mantido

entre regimes políticos, o que configura uma forma específica de continuidade burocrática.

3.4. CPFS APÓS O GOLPE E COMPARAÇÃO COM O PRÉ-GOLPE: A ASCENSÃO

BUROCRÁTICA E O DESCENSO BUROCRÁTICO COMO DINÂMICAS

ALTERNATIVAS À COLONIZAÇÃO DO ESTADO PÓS-1964

Os CPFs ocupados por ipesianos após o golpe de 1964 foram o ponto de partida desta

tese. A partir de cargos pontuais elencados em obras de referência na historiografia sobre o

IPÊS e o golpe de 1964, pudemos passar para a coleta de dados sobre as carreiras públicas

federais de cada um dos indivíduos que compuseram nosso N. É usual na historiografia tratar

os cargos públicos ocupados pelos ipesianos após o golpe de 1964 como uma colonização do

Estado por meio da influência direta desses indivíduos nas políticas públicas levadas a cabo

pela administração federal. No entanto, não há sistematização dos diferentes tipos de cargos

que foram assumidos pelos ipesianos após o golpe de 1964. Tampouco há um estudo sobre o

que a carreira pública federal prévia desses indivíduos auxilia na compreensão do IPÊS e do

73 Após o golpe de 1964, foi nomeado Arnaldo Blank para a presidência do Banco do Brasil, indicado pela Junta

militar, que oi substituído por Luiz de Moraes Barros, líder do IPÊS e banqueiro. Posteriormente, Nestor Jost o

substituiu, em 1967. 74 O ano de entrada trata-se da primeira menção ao cargo encontrada no Diário Oficial da União.

128

caráter do Estado frente à ocupação de tais cargos. Após tabulação de cada CPF e seu tipo

pudemos compor a Tabela 24, para comparação entre os CPFs pré e pós-golpe.

Tabela 24 - CPFs por tipo ocupados antes e depois do golpe de 1964

CPFs pré-golpe CPFs pós-golpe

CPF Quantidade % CPF Quantidade %

1 18 5,80% 1 76 21,34%

2 95 30,64% 2 173 48,59%

3 56 18,06% 3 46 12,92%

4 93 30,00% 4 22 6,17%

5 48 15,48% 5 39 10,95%

Total 310 100% Total 356 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

Podemos observar que o número de CPFs tipo 2 é o mais alto da lista de cargos do

pós-golpe. O segundo número mais alto é o de CPFs tipo 1. Ambos compõem os CPFs de alta

relevância, e somam quase 70% de todos os CPFs ocupados após o golpe de 1964. Em

comparação com os cargos pré-golpe, temos um incremento no número de CPFs (de 310 para

356), mas bastante reduzido, o que indica uma estabilidade de CPFs, como já foi referido.

Além disso, houve um grande aumento de CPFs do tipo 1 (18 para 76) e tipo 2 (95 para 173),

o que repercute, evidentemente, no cálculo dos CPFs de alta relevância (tipo 1 e 2). Assim, se

após o golpe os CPFs de alta relevância somam quase 70% desses cargos, no pré-golpe

representam 36%, ou seja, quase metade.

O que significa esse aumento exponencial de CPFs de alta relevância após o golpe?

Seria indício de que houve efetivamente uma colonização do Estado pós-1964? Não

exatamente. Inicialmente, é importante analisar a concentração de CPFs por tipo e quais

ocuparam mais e menos desses CPFs.

No caso de CPFs tipo 1, 77 dos ipesianos não ocuparam nenhum cargo desses após o

golpe de 1964, o que representa 65,25% do N, uma quantidade bastante expressiva. Dos 118

do N total, 19 ocuparam 1 CPF tipo 1. Ou seja, 96 dos 118 ipesianos ocuparam nenhum ou

apenas 1 CPF tipo 1 após o golpe, o que constitui 81,35% do N. O indivíduo que mais

ocupou CPFs 1 após o golpe de 1964 foi Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão,

com 5 cargos, seguido de Luiz Antônio Gama e Silva e Golbery do Couto e Silva, ambos com

4.

129

No caso de CPFs 2, 31 indivíduos do N não ocuparam nenhum desses, totalizando

26,27% do N. Além disso, 43 indivíduos ocuparam apenas 1 CPF desse tipo. Ou seja, 74

indivíduos, ou 62,71% do N, não ocuparam ou ocuparam apenas 1 CPF tipo 2. O indivíduo

que mais ocupou cargos desse tipo após o golpe foi Raimundo Augusto de Castro Moniz de

Aragão, com 7 cargos, seguido de Antônio Delfim Netto, com 6.

No caso de CPFs tipo 1 e 2, ou seja, os CPFs de alta relevância, é necessário analisar

com base em indivíduos únicos que ocuparam ao menos um dos dois tipos de cargos.

Portanto, apenas 18 indivíduos não ocuparam nenhum CPF de alta relevância, representando

15,25% do N. Ou seja, 100 indivíduos, ou 84,75% do N ocuparam ao menos 1 CPF de alta

relevância após o golpe de 1964. Houve uma relativa estabilidade no número de CPFs

ocupados entre o pré e o pós-golpe, com alguns CPFs a mais no segundo período, mas com

muitos CPFs de alta relevância ocupados no período pós-golpe.

Esses dados apontariam para a ideia de que houve uma colonização do Estado. No

entanto, há mais informações que devem ser levadas em conta nessa análise. Há uma

especificidade das carreiras públicas federais dos ipesianos que, além de muitos já terem

carreira prévia, com ao menos 1 CPF ocupado no pré-golpe, esses ipesianos também, em

grande medida, tiveram um incremento no número de CPFs de tipo 1, tipo 2, e, por

consequência, no número de CPFs de alta relevância. No entanto, esse fato não configura

necessariamente uma colonização do Estado pós-1964, pois esses indivíduos, como temos

referido, já estavam presentes no aparato estatal federal. Portanto, pensamos que o conceito

mais adequado é o de ascensão burocrática75. Ou seja, esses indivíduos galgaram postos mais

relevantes em suas carreiras após o golpe de 1964, e um fator explicativo para esse sucesso é

a carreira pública federal prévia. Vejamos a Tabela 25:

Tabela 25 - Comparativo entre CPFs 1 e 2 antes e depois do golpe de ipesianos que

ocuparam ao menos 1 CPF pré-golpe (N=79)

CPFs Aumentou % Diminuiu % Igual %

1 24 30,37% 4 5,06% 51 64,55%

2 37 46,83% 26 32,91% 16 20,25%

1 e 2 43 54,43% 21 26,58% 15 18,98%

Fonte: elaborada pelo autor.

75 No entanto, a ascensão burocrática e o descenso burocrático não são isentos de conflito. Nesta tese, não

analisamos as disputas, as conquistas ou os fracassos envolvidos na ocupação de CPFs com maior ou menor

qualidade ao longo da carreira de cada indivíduo, e sim a evidência empírica de que houve tal dinâmica e quais

foram suas características, bem como interpretações sobre as carreiras.

130

Na Tabela 25, analisamos todos os ipesianos que tiveram carreira pública federal

prévia ao golpe de 1964 (79 indivíduos, 66,94% do N total) e o comparativo entre o número

de CPFs tipo 1, 2, e ambos, que são os CPFs de alta relevância, ocupados antes do golpe de

1964 e depois do golpe de 1964, visando a comparar se o número aumentou, diminuiu ou

permaneceu igual.

No caso de CPFs tipo 1, a maioria permaneceu igual. É importante destacar que dos 51

indivíduos cujos CPFs desse tipo permaneceram iguais em quantidade no comparativo entre

antes e depois do golpe, 49 não ocuparam cargo algum. Ou seja, o número permaneceu igual

pois não houve ocupação de CPF tipo 1. Nos outros dois casos, a quantidade foi 1 antes do

golpe e 1 após o golpe. Esse fato explica, portanto, o motivo de a maioria ter mantido sua

quantidade. Por outro lado, cerca de 30% dos indivíduos aumentaram a quantidade de CPFs

tipo 1, configurando, portanto, uma ascensão burocrática em relação ao número de CPFs

desse tipo antes do golpe. Nesse tipo de cargo, apenas 4 indivíduos tiveram seu número de

CPFs 1 reduzido.

Nos CPFs 2, podemos observar que quase metade do N desse recorte (79) tiveram um

aumento na quantidade desse tipo de cargo. Por outro lado, houve uma diminuição que

também é bastante expressiva, constituindo 32,91% desse N. No caso dos indivíduos que não

tiveram alteração na quantidade desse tipo de cargo em nossa comparação, apenas 9 dos 16

não ocuparam nenhum cargo do tipo, seja antes ou depois do golpe de 1964. Podemos

observar que houve uma ascensão burocrática nos CPFs 1 e, ao mesmo tempo, um descenso

burocrático nos CPFs 2.

No entanto, se analisarmos a Tabela 25 sob o ponto de vista dos CPFs de alta

relevância, podemos observar que, no geral, houve uma ascensão burocrática de mais da

metade dos indivíduos (54,43%) e um descenso burocrático de 26,58% desses. Assim,

podemos concluir que não houve colonização do Estado pós-1964, mas um fenômeno

dinâmico de ascensões e de descensos burocráticos. A existência de diminuição na

quantidade de cargos de alta relevância no caso de indivíduos que já tinham uma carreira

pública federal prévia indica, portanto, a inadequação do uso do conceito de colonização.

Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão foi o indivíduo que mais aumentou

seu número de CPFs 1 após o golpe, passando de nenhum para 5, constituindo o maior caso

de ascensão burocrática do recorte em questão. Já Armando Falcão foi o que teve o maior

descenso burocrático, diminuindo seu número de CPFs ocupados desse tipo de 5 para 1.

131

Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão também foi o ipesiano que mais

aumentou seu número de CPFs 2, passando de 1 cargo para 7. Por outro lado, Octávio

Gouveia de Bulhões foi o que teve o maior descenso burocrático, passando de 8 pra 3 CPFs

tipo 2.

Raimundo Augusto de Castro Moniz de Aragão, mais uma vez, foi o que teve a maior

ascensão burocrática para cargos de alta relevância, passando de 1 pra 12, seguido de Mário

Henrique Simonsen, que passou de nenhum CPF 2 ocupado para 5. Já Armando Falcão foi o

ipesiano que teve o maior descenso burocrático em termos de CPFs de alta relevância,

diminuindo o número de cargos ocupados de 7 no pré-golpe para 1 após o golpe.

Há, também, como já referimos, 33 indivíduos que ocuparam apenas um CPF após o

golpe, ou seja, o cargo que os habilitou a compor o N desta pesquisa, conforme podemos ver

na Tabela 26.

Tabela 26 – CPFs por tipo de quem ocupou apenas 1 após o golpe (N=34)

CPF Quantidade %

1 7 21,21%

2 19 54,54%

3 5 15,15%

4 2 6,06%

5 1 3,03%

Total 34 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

Podemos observar que a maioria dos CPFs ocupados pelos indivíduos que ocuparam

apenas 1 CPF após o golpe de 1964 eram do tipo 2 e que os de alta relevância (tipo 1 e 2)

também constituem maioria. No entanto, como esses caros foram os únicos das carreiras

públicas federais de cada um desses indivíduos, são casos de interrupção burocrática, pois

também não foram longevos.

3.5. PERMANÊNCIA EM CPFS APÓS O GOLPE DE 1964: COLONIZAÇÃO DO ESTADO

OU INTERRUPÇÃO BUROCRÁTICA?

Conforme as seções anteriores deste Capítulo, pudemos averiguar que os ipesianos

ocuparam muitos CPFs de alta relevância após o golpe de 1964. 36 dos 118 do N total tiveram

132

seu primeiro CPF após a troca de regime político, ou seja, não tinham carreira pública

federal prévia. Essa afirmação abre espaço para a ideia de que houve uma colonização do

Estado pós-1964 por esses ipesianos que não tinham carreira prévia. No entanto, é importante

analisarmos qual o tempo que permaneceram nesses cargos. Iniciaremos com o quadro geral,

com a Tabela 27, que nos auxiliará a compreender melhor qual foi a extensão da ocupação

dos cargos de todos os ipesianos, dividindo por período de saída do último CPF ocupado na

carreira pública federal de todos os 118.

Tabela 27 - Período de saída do último CPF da carreira

Período de Saída N %

Governo Castelo Branco 14 11,86%

Governo Costa e Silva 24 20,33%

Anos 1970 20 16,94%

Anos 1980 15 12,71%

Redemocratização 8 6,77%

Sem Informação76 37 31,35%

Total 118 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

A Tabela 27 indica que embora grande parte dos ipesianos tenha encerrado sua

carreira pública federal dos anos 1970 em diante (43 indivíduos, totalizando 36,44% do N),

uma parcela igualmente relevante saiu de seu último CPF na carreira no governo Castelo

Branco ou no Governo Costa e Silva, somando, entre os dois, 38 ipesianos (32,20% do N).

Portanto, estes indivíduos desapareceram da estrutura pública federal em um período

relativamente pequeno na ditadura civil-militar, se comparado com os outros períodos da

Tabela 27: no máximo em 1969. Ou seja, até 5 anos após a mudança do regime político.77

Nesses casos, não há como afirmar que houve colonização do Estado pós-1964. Não houve,

portanto, perenidade na ocupação de CPFs por parte desses indivíduos após o golpe de 1964.

76 Os dados da Tabela 27, bem como os da Tabela 28 e da Tabela 29 sobre os quais não se tem informação se

devem ao fato de que na busca pelos CPFs ocupados pelos indivíduos de nosso N em fontes primárias e

secundárias não foi possível confirmar com precisão o ano de saída do último CPF ocupado após o golpe de

1964 ou que não encontramos o ano, embora haja menção da ocupação do cargo e, portanto, uma data ou ano de

entrada. 77 O período de ocupação variou, mas o máximo foi 5 anos para este exemplo.

133

Talvez pudéssemos argumentar que houve a colonização se esses ipesianos apresentassem

ocupação de CPFs de qualquer outro tipo posteriormente, mesmo que fossem os menos

relevantes de nossas categorias (tipo 4 e 5, por exemplo). Entretanto, não foi o caso. O que

houve foi uma interrupção burocrática na carreira pública federal78 desses ipesianos, ou seja,

não houve continuidade da sua influência direta a nível federal.

Após esse quadro geral, trabalharemos com um recorte mais específico. Já referimos

que 36 dos 118 ipesianos tiveram seu 1º CPF após o golpe. Por outro lado, 82 ipesianos

ocuparam seu primeiro CPF antes do golpe de 1964, o que indica, portanto, carreira pública

federal prévia. Nesse sentido, podemos dividir o ano de saída do último CPF ocupado por

esses indivíduos por períodos, conforme a Tabela 28.

Tabela 28 - Período de saída do último CPF da carreira de quem ocupou o 1º CPF antes

do golpe

Período de Saída N %

Governo Castelo Branco 9 10,97%

Governo Costa e Silva 19 23,17%

Anos 1970 17 20,73%

Anos 1980 5 6,09%

Redemocratização 6 7,31%

Sem Informação 26 31,70%

Total 82 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

A Tabela 28 mostra que os indivíduos que ocuparam seu primeiro CPF antes do golpe

de 1964, em sua maioria, tiveram carreira pública federal encerrada no Governo Costa e Silva,

mas muitos também tiveram seu término nos anos 1970. No caso de término nos anos 1970,

1980 e na redemocratização, tratam-se de carreiras públicas federais longevas, pois iniciaram

antes do golpe de 1964, seja pouco antes ou muito antes, nos anos 1950, 1930 ou mesmo mais

cedo.79 No entanto, a maior parte dos ipesianos desse corte encerrou sua carreira pública

78 Não foi objetivo desta tese trabalhar com cargos públicos estaduais ou municipais. Tampouco elencamos

cargos privados ocupados pelos ipesianos ao longo de sua carreira. Portanto, é possível que esses indivíduos

tenham focado em outras esferas sua carreira pública ou concentrado esforços na carreira privada. 79 Aqui, há uma questão geracional importante. É possível que muitos ipesianos que ocuparam seu primeiro CPF

antes do golpe de 1964 já tivessem idade avançada nesse momento, e o término de sua carreira pública federal

até o governo Costa e Silva pode ser explicado dessa forma. No entanto, o mesmo valeria para os que tiveram

134

federal entre o governo Castelo Branco e o governo Costa e silva, somando 28 indivíduos dos

82 do recorte e representando 34,14%. Portanto, para essa parcela, tratou-se de uma

interrupção burocrática de sua carreira pública federal. Ao mesmo tempo, podemos concluir

que 28 indivíduos encerraram sua carreira dos anos 1970 até o período da redemocratização,

ou seja, metade dos indivíduos com informação. Trata-se, portanto, de uma dinâmica entre

interrupção burocrática e carreiras longevas que, no entanto, não podem configurar

colonização do Estado por terem sido iniciadas antes do golpe de 1964.

Como já referimos, 36 dos 118 ipesianos tiveram seu 1º CPF após o golpe. Desses 36

que tiveram primeiro CPF após o golpe, o que poderia significar uma colonização do Estado

pós-1964, em função, principalmente, da proximidade com essa mudança de regime na

ocupação de seu primeiro CPF, inaugurando sua carreira pública federal, podemos observar o

seguinte em relação a seus períodos de seu último CPF, conforme Tabela 29.

Tabela 29 - Período de saída do último CPF da carreira de quem ocupou o 1º CPF após

o golpe

Período de Saída N %

Governo Castelo Branco 5 13,88%

Governo Costa e Silva 5 13,88%

Anos 1970 3 8,33%

Anos 1980 10 27,77%

Redemocratização 2 5,55%

Sem Informação 11 30,55%

Total 36 100%

Fonte: elaborada pelo autor.

Como podemos observar, 10 dos 36 indivíduos tiveram uma carreira pública federal

muito pequena, pois findaram até o governo Costa e Silva. Por outro lado, a maioria dessas

carreiras (10, representando 27,77%) terminou nos anos 1980, antes da redemocratização.

Portanto, podemos concluir que os indivíduos que tiveram seu primeiro CPF ocupado após o

golpe de 1964 passaram por uma síntese de interrupção burocrática e, neste caso, de

colonização do Estado pós-1964. Efetivamente, aqui caberia o uso desse conceito, pois as

carreira pública federal pós-golpe longeva, como os indivíduos que a concluíram dos anos 1970 em diante, como

já foi referido.

135

carreiras públicas federais desses ipesianos iniciaram após o golpe de 1964 e foram longevas,

configurando uma ocupação perene de posições no aparato estatal federal.80

Aqui, também podemos referir uma questão geracional importante, conforme dados da

Tabela 29, pois é mais provável que uma carreira pública federal que iniciou após o golpe de

1964 seja mais longeva do que uma que iniciou antes. Portanto, esses dados devem ser

relevados, nesse sentido.

Conclui-se, portanto, que para os indivíduos que ocuparam seu primeiro CPF antes do

golpe de 1964 houve uma dinâmica entre interrupção burocrática e carreiras mais longevas,

que não podem ser consideradas casos de colonização do Estado pós-1964 justamente pela

existência de carreiras públicas federais prévias para esses indivíduos. Além disso, para os

ipesianos que ocuparam seu primeiro CPF após o golpe de 1964, houve uma síntese entre

interrupção burocrática e colonização do Estado pós-1964, se não levarmos em conta os

tipos de CPFs ocupados nesse período, pois parte dos indivíduos teve sua carreira pública

federal interrompida e parte teve uma carreira longeva.

3.6. A COLONIZAÇÃO DO ESTADO EM PERSPECTIVA: AS DINÂMICAS DAS

CARREIRAS PÚBLICAS FEDERAIS DE IPESIANOS QUE OCUPARAM CPFS APÓS O

GOLPE DE 1964

Na Introdução e no Capítulo 1 dessa tese construímos uma apresentação da

historiografia sobre o IPÊS e as interpretações sobre o que ocorreu antes do golpe de 1964, o

evento em si, e que tipo de Estado se configurou após a deflagração do golpe. O IPÊS, nesse

contexto, assumiu um papel relevante como grupo de interesse que agiu como grupo de

pressão, tendo como fundamento de sua ação a defesa da “democracia” contra o “crescente

comunismo”. Ao longo de sua trajetória, o IPÊS desenvolveu soluções para problemas

políticos, econômicos e sociais de todos os tipos, análogas às reformas de base, em discussão

no governo de João Goulart. Inclusive, o IPÊS fez um seminário justamente para propor

ideias alternativas às reformas de base das esquerdas.81 A entidade auxiliou na campanha de

desestabilização do governo de João Goulart e, por fim, foi bem-sucedida, com a deposição

do presidente. Muitos ipesianos ocuparam cargos públicos federais importantes após o golpe

80 No entanto, não levamos em conta, nesta análise, a qualidade dos CPFs ocupados por tal recorte, podendo ser

de alta relevância ou do tipo menos relevante. 81 Em 1963 o IPÊS realizou o Primeiro Congresso Brasileiro para a Definição de Reformas de Base,

congregando profissionais de várias áreas e trabalhando com temas como legislação trabalhista, inflação,

participação dos empregados no lucro da empresa, reforma agrária, energia atômica, entre outros. Portanto, uma

série de temas importantes em discussão no país foram contemplados neste evento.

136

de 1964, no que a historiografia, notadamente René Dreifuss, denomina de colonização do

Estado.

Para Dreifuss, a conquista do Estado pós-1964 teria se dado, portanto, quando

interesses específicos da fração de classe multinacional e associada tornaram-se Estado, isto é,

quando indivíduos que atuaram no IPÊS passaram a ocupar postos-chave que os habilitavam a

implementar políticas públicas de acordo com os seus interesses de classe. Além disso, como

argumenta Dreifuss, os membros do IPÊS ocuparam sistematicamente cargos no aparto estatal

após o golpe militar em 1964 (1986, p. 417-479), e também há uma

congruência das reformas administrativas, econômicas e políticas pós-1964 com as

propostas de reformas aventadas pelos grupos de Estudo e Doutrina do IPES, que

forneceu as diretrizes e a orientação para as reformas estruturais e mudanças

organizacionais da administração pós-1964, e muitas dessas diretrizes políticas

haviam sido desenvolvidas pela elite orgânica empresarial durante sua vitoriosa

campanha de 1961 a 1964. Os tecno-empresários e empresários puderam assegurar,

através de seus cargos públicos, o rumo do Estado brasileiro ao longo de uma via

capitalista, servindo aos interesses gerais dos industriais e banqueiros multinacionais

e associados. (1986, p. 417).

Ou seja, a missão política dos integrantes do IPÊS teria sido bem-sucedida e, uma vez

ocupando cargos públicos federais no aparato estatal, puderam consolidar a ditadura civil-

militar de acordo com seus interesses, que associavam também ao interesse de todos os

brasileiros, visto que a “democracia” deveria ser defendida contra o “comunismo”.

Não é objetivo desta tese avaliar se houve ou não houve sucesso na implantação de

projetos ipesianos ou afinados com as ideias do IPÊS como políticas públicas no Estado pós-

1964. No entanto, é importante referir que há essa interpretação de que, dentro do Estado,

esses indivíduos atuaram em benefício de seus interesses. É importante destacar, também, que

há projetos que não eram necessariamente originais do IPÊS, mas que foram encampadas pela

entidade e implementadas após o golpe. A criação do Banco Central, por exemplo, que foi

levada a cabo pela ditadura civil-militar ainda em 1964, e que teve como primeiro diretor um

ipesiano, Dênio Chagas Nogueira, já era proposta desde a criação da SUMOC.82 Portanto, há

de se ter cuidado com o estabelecimento de relações causais entre projetos do IPÊS e

implantação no pós-1964, ainda que hajam correlações importantes a serem analisadas.

Nesse sentido, detemo-nos, portanto, nas carreiras públicas federais dos ipesianos, no

tipo de cargo que eles ocuparam, configurando sua qualidade, e no tempo de exercício com

82 A SUMOC foi criada no final do primeiro período de Getúlio Vargas como presidente da República, em 2 de

fevereiro de 1945, e, segundo Corazza, em relação ao Banco Central, “tinha mandato específico para preparar

sua criação” (2006, p. 6). Além disso, o autor também afirma que “Em 1946, o presidente Dutra previa a criação

do banco central no seu Projeto de Reforma Bancária enviada ao Congresso” (Idem).

137

base no ano, demonstrando a extensão dessa ocupação. Buscamos, assim, compreender qual a

relação entre as carreiras públicas federais dos ipesianos e a colonização do Estado pós-1964

que Dreifuss afirma. Entretanto, como vimos ao longo do Capítulo 2 e do Capítulo 3 desta

tese, a ideia da colonização do Estado não se sustenta totalmente quando submetida a uma

análise empírica mais complexa, que vá além do período após o golpe de 1964 em termos de

carreiras dos ipesianos.83 Antes de analisarmos essa questão, cabe destacar o pensamento de

Dreifuss a respeito da nova forma que o IPÊS e seus membros assumiram após o golpe de

1964 na sua relação com o Estado e entre si e a representação empresarial, bem como a

ocupação de postos-chave no aparato estatal federal:

Conforme foi visto nas páginas anteriores, os associados e colaboradores do IPES

assumiram posições-chave não só nos ministérios, mas também na administração

pública em geral. Enquanto isso, os que assumiram o controle da organização em

lugar dos que foram para cargos públicos desenvolveram, depois de 1964, uma série

de novas funções para o IPES. Essas funções envolviam a criação [página] de uma

série de canais e meios de assegurar a fácil comunicação entre os empresários como

um todo, representados pelo IPES, os empresários do IPES e a administração

pública. É nítido que os empresários do IPES tiravam proveito do relacionamento

informal e bastante próximo que tinham com os ocupantes de cargos públicos. Mas

o IPES também desenvolveu uma outra rede elaborada de interpenetração entre o

Estado e os setores dominantes da sociedade civil. No entanto o locus para o

exercício desta influência estava fora do Estado e dentro do IPES, o que levou ao

desenvolvimento de uma estrutura exclusivamente neocorporativista de articulação

de interesses. Esse foi outro nível em que ocorreu a interpenetração objetiva do

Estado com a estrutura oligopolista do capitalismo moderno industrial e financeiro,

garantindo a previsibilidade de sua atitude recíproca futura. A consolidação dessas

ligações fora do Estado, não institucionalizadas e, portanto, menos visíveis, não

forneceram os únicos mecanismos de controle empresarial sobre o Governo. Os

mecanismos mais significativos foram, como ficou óbvio, profundamente

enraizados dentro do Estado devido à presença do IPES no aparelho estatal. Depois de abril de 1964, o IPES foi transformado em um eficaz “órgão

intermediário” para a elaboração de diretrizes políticas. Operava como um mediador

entre o Estado, onde tinha seus homens-chave em cargos vitais, e os grandes

interesses privados, dos quais seus ativistas eram figuras de destaque. (pp. 448-449,

grifos em negrito nossos)

Aqui, Dreifuss aponta a importância da nova forma assumida pelo IPÊS após o golpe,

como mediador das relações entre seus integrantes e o Estado e entre o empresariado que

representava e o Estado. No entanto, como grifamos, essa influência fora da estrutura estatal

era relevante, pois proporcionava canais de comunicação para os debates internos sobre

políticas públicas e a elaboração de projetos conjuntos, mas não era a mais importante, pois

quem efetivamente poderia levar a cabo os projetos eram os ocupantes de determinadas

posições no poder federal. Fica claro, portanto, para o autor, que a posição dos atores era

83 Não se trata de uma crítica à ausência ou escassez de elementos históricos ou de análise estrutural do contexto

pré-1964 na interpretação de René Dreifuss sobre o período e sobre o IPÊS, pois há uma longa e complexa

análise desses fenômenos. Trata-se, tão somente, de lançar luz sobre as carreiras públicas federais pré-1964 dos

ipesianos, questão negligenciada pela historiografia sobre o golpe.

138

relevante para compreender o caráter do Estado pós-1964 e suas relações com as entidades

representativas e o próprio IPÊS. Concordamos com essa argumentação, mas e se muitos

desses ipesianos tivessem permanecido no poder por pouco tempo? Seria o caso de perda da

influência direta que exerciam.

Como vimos anteriormente nesse Capítulo, ocorreram muitas interrupções

burocráticas entre os ipesianos que ocuparam CPFs após o golpe de 1964. Muitos desses

indivíduos que ocuparam seu primeiro CPF após o golpe de 1964 ou mesmo antes desse

evento tiveram suas últimas ocupações de CPFs no governo Castelo Branco ou no governo

Costa e Silva. Igualmente, outros ipesianos seguiram carreira pública federal. No entanto, é

importante destacar essa informação relevante da interrupção burocrática, pois ela implica

mudança fundamental na interpretação da relação dos ipesianos com o Estado pós-1964:

muitos deles perderam a capacidade de influenciar diretamente as políticas públicas por meio

de sua posição de poder.

Podemos afirmar que, conforme o IPÊS foi falhando na capacidade de renovar seus

quadros e a própria instituição, foi também perdendo as posições de poder que havia

conquistado para influência direta nas políticas públicas de Estado. O IPÊS foi extinto em

1971, mas já agonizava há alguns anos, o que coincide com o período de interrupção

burocrática de muitos ipesianos.

A carreira pública federal prévia dos ipesianos também fornece indícios que permitem

apresentar uma interpretação alternativa de sua relação com o Estado pós-1964. Como já

referimos neste Capítulo, muitos dos ipesianos que ocuparam CPFs após o golpe já tinham

uma carreira pública federal prévia, seja pouco ou altamente relevante, curta ou extensa.

Portanto, não é adequado argumentar que houve uma colonização do Estado pós-1964, e sim

uma continuidade burocrática bastante ampla entre os cargos nos quais esses ipesianos

atuaram antes da mudança de regime político e no período posterior. Muitos, inclusive,

mantiveram seus cargos durante essa transição, o que configura uma continuidade

burocrática ainda maior, pois garantiu estabilidade em CPFs em um momento bastante

conturbado.

No caso de ocupação de cargos públicos federais pelos ipesianos, o golpe de 1964 não

foi necessariamente um ponto de inflexão. Esses indivíduos já participavam do Estado pré-

1964, estabelecendo uma continuidade burocrática em relação aos cargos que ocuparam

posteriormente. Além disso, muitos dos ipesianos que ocuparam seu primeiro CPF após o

golpe de 1964 não continuaram suas carreiras públicas federais, ou continuaram por um breve

período de tempo, constituindo uma interrupção burocrática que se impõe sobre a

139

interpretação de que houve uma colonização ou ocupação do Estado pós-1964. Fora da

estrutura do Estado, esses ipesianos não poderiam atuar diretamente em benefício de seus

interesses.

Nos casos em que poderia ter havido colonização do Estado pós-1964, ou seja, quando

os ipesianos ocuparam CPFs de maior qualidade após o golpe de 1964, há, na verdade, apenas

a ascensão de um indivíduo que já estava situado na estrutura federal para outro cargo de

maior relevância. Ou seja, não há necessariamente colonização, mas uma ascensão

burocrática dos indivíduos que já estavam situados dentro do Estado. De fato, como já

referimos, há um incremento dos CPFs de alta relevância (tipos 1 e 2) na comparação entre

pré e pós-golpe. Portanto, os ipesianos, que conformaram um grupo bastante heterogêneo,

embora tivessem um fio condutor da “defesa da democracia” encabeçada pela instituição,

atuaram de diferentes formas no Estado brasileiro em diferentes períodos, e não é possível

generalizar suas carreiras tomando como paradigma a colonização do Estado após o golpe de

1964, de forma a interpretar as suas presenças ou ausências nesses cargos após a mudança de

regime político como sucesso ou insucesso do IPÊS, ou mesmo como critério para verificar

sucesso na implementação de políticas públicas ou seu fracasso.

Conforme o exposto, é necessário pensar a relação desses ipesianos com o IPÊS e com

o Estado de forma diferente do que tem sido proposto até o momento na historiografia. Não

ocorreu, como já referimos, colonização do Estado pelos ipesianos, tampouco em grande

escala. Há, na verdade, um tipo de ocupação de CPFs que guarda pouca relação com a sua

participação no IPÊS ou com a troca de regime político. Trata-se, em grande medida, de

pessoas que acumularam uma série de recursos em suas trajetórias, seja em termos de

formação técnica, atuação em empresas privadas, escritórios de consultoria, e mesmo em

cargos públicos municipais e estaduais, e que puderam, em algum ou em vários momentos de

suas carreiras públicas, alcançar um cargo público federal. Ou seja, muitos capitais e

motivações podem ter contribuído para o provimento desses cargos por indivíduos que

fizeram parte do IPÊS. Ao longo dos Capítulos 2 e 3, pudemos apontar várias dessas

correlações e esboçar algumas explicações. Ocorreu, e isso já havia sido referido na

historiografia, um acúmulo de posições-chave em poucos indivíduos, que detiveram poder

suficiente para implementar políticas públicas, e muitos desses indivíduos eram ipesianos.

Pessoas como Octávio Gouveia de Bulhões, Roberto Campos e Antônio Delfim Netto

ocuparam sistematicamente posições de alta relevância no aparato estatal federal, e haviam

participado do IPÊS anteriormente.

140

Não há, portanto, um padrão na ocupação de CPFs pós-golpe que possamos

caracterizar. A única questão relevante nesse sentido é a própria estabilidade no número de

CPFs, que indica, ela mesma, uma conservação desses ipesianos nas suas carreiras públicas

federais em termos quantitativos, ressalvadas as especificidades dos casos de acumulação de

muitos cargos ou dos cargos altamente relevantes em poucas pessoas. De resto, suas carreiras

foram bastante heterogêneas e não há como limitar a sua complexidade à questão da ocupação

de CPF no imediato pós-golpe.

Ao mesmo tempo, é necessário evitar a visão retrospectiva, ou seja, o fato de

sabermos, como historiadores, o desenlace dos fatos que estudamos. Nesse sentido, deve-se

destacar que os ipesianos que ocuparam CPFs após o golpe não eram ipesianos em suas

carreiras prévias à mudança de regime político, pois o IPÊS, fundado em final de 1961, ainda

não existia. Também não sabiam que haveria um golpe de Estado que derrubaria o presidente

da República, embora trabalhassem para desestabilizar o seu governo. Portanto, a ideia de que

o Estado foi conquistado, e que era projeto de longa data da fração de classe do empresariado

ligado ao capital multinacional e associado não se sustenta. Muitos já estavam no Estado, ou

seja, ele já havia sido “conquistado”. A ideia de projeto e de conquista do Estado é fruto da

visão retrospectiva. Se muitos já fizeram carreira pública federal, como já referimos, á mais

adequado utilizarmos conceitos como o de continuidade burocrática somado com a

interrupção burocrática, a ascensão burocrática e o descenso burocrático para explicar os

períodos pré e pós-golpe do que propriamente uma colonização, ocupação ou conquista do

Estado. Talvez muitos dos atores do referido projeto sejam os mesmos, mas, após o golpe,

com maior poder e ideias diferentes. No entanto, esses atores já estavam no cenário federal,

atuando com suas próprias ideias, afinadas ou não com os discursos do IPÊS.84

3.7 CONCLUSÃO

Neste capítulo, concluímos, em relação ao quadro geral, que, independentemente do

número de cargos ocupados pelos ipesianos, a ocupação de cargos de alta relevância e o

incremento desses cargos após o golpe em comparação com o período anterior é bastante

variável. Portanto, o número de CPFs total indica mais a existência de uma carreira pública

federal consistente, com ampla possibilidade de ter participado do Estado pré-1964 de forma

mais aprofundada, do que alguma relação com o tipo de cargo ocupado.

84 Como já foi referido na Introdução, não trabalhamos com a atuação dos ipesianos em seus CPFs, o que

constitui objeto para ser estudado em outra tese, da qual nosso trabalho pode constituir um ponto de partida.

141

Em relação aos CPFs ocupados antes do golpe de 1964, analisamos que os CPFs de

alta relevância se concentraram em 57 indivíduos dos 118 do N, pouco menos que a metade

do total (48,3%), o que não indica alta concentração de cargos de alta relevância no pré-golpe,

pois estavam bem distribuídos. Além de pouco concentrados, há uma continuidade

burocrática desses cargos em relação aos CPFs ocupados antes do golpe e depois da mudança

de regime político. Além disso, não há grande diferença na quantidade de cargos ocupados

entre esses dois períodos, o que confirma empiricamente a ideia da continuidade burocrática

em termos absolutos. Foi possível identificar que apenas 34 indivíduos tiveram seu primeiro

CPF ocupado após o golpe de 1964. No entanto, os outros 84 indivíduos ocuparam seu

primeiro CPF antes do golpe de 1964, ou seja, iniciaram sua carreira pública federal

previamente. Somando esse dado com a estabilidade que pudemos identificar na ocupação de

CPFs pré-golpe e pós-golpe, é possível comprovar empiricamente a continuidade burocrática

dos CPFs desses ipesianos na estrutura federal.

A respeito dos CPFs ocupados que foram mantidos após a troca de regime político,

mais do que novidade no Estado, esses indivíduos já atuavam em cargos públicos federais

relevantes, inclusive em outros cargos nas mesmas instituições nas quais assumiram cargos

após o golpe de 1964. Trata-se de uma continuidade burocrática de tipo especial, pois além

de ter base na carreira pública federal prévia dos indivíduos, que prosseguiu após o golpe,

também tem como base um cargo que foi mantido entre regimes políticos, o que configura

uma forma específica de continuidade burocrática.

Em relação aos CPFs ocupados após o golpe de 1964, e na comparação entre os CPFs

pré-golpe e pós-golpe, concluímos que não houve colonização do Estado pós-1964, mas um

fenômeno dinâmico de ascensões e de descensos burocráticos. A existência de diminuição na

quantidade de cargos de alta relevância no caso de indivíduos que já tinham uma carreira

pública federal prévia indica, portanto, a inadequação do uso do conceito de colonização.

Em relação à questão da interrupção burocrática, concluímos que, para os indivíduos

que ocuparam seu primeiro CPF antes do golpe de 1964 houve uma dinâmica entre

interrupção burocrática e carreiras mais longevas, que não podem ser consideradas casos de

colonização do Estado pós-1964 justamente pela existência de carreiras públicas federais

prévias para esses indivíduos. Além disso, para os ipesianos que ocuparam seu primeiro CPF

após o golpe de 1964, houve uma síntese entre interrupção burocrática e colonização do

Estado pós-1964, se não levarmos em conta os tipos de CPFs ocupados nesse período, pois

parte dos indivíduos teve sua carreira pública federal interrompida e parte teve uma carreira

longeva.

142

CONCLUSÃO

Essa tese surgiu por meio de questões controversas com a historiografia relativa ao

golpe de 1964 e a participação do IPÊS e de seus integrantes na desestabilização do governo

de João Goulart e na ocupação de cargos públicos após a mudança do regime político.

Notadamente, a interpretação mais consensual é a de ocorreu uma conquista do Estado, ou

seja, ipesianos ocuparam posições-chave de poder e, dentro do Estado, impuseram seus

projetos para políticas públicas, beneficiando seus interesses específicos em detrimento do

interesse público. No entanto, como vimos ao longo dessa tese, a questão da ocupação do

Estado pelos ipesianos é mais complexa.

Essa tese não visou a negar que ipesianos ocuparam cargos-chave na administração

federal pós-1964. Visou a analisar as carreiras públicas federais dos ipesianos que ocuparam

cargos públicos federais de forma mais complexa, sem focar no momento do imediato pós-

golpe. Ou seja, é evidente que ipesianos, de muito ou pouco prestígio, com alta ou baixa

formação técnica, ocuparam posições de poder. O que analisamos ao longo desse trabalho foi

qual a qualidade de cada cargo ocupado, qual a sua extensão, e o que isso significa para

pensarmos o caráter do Estado pós-1964 e o próprio IPÊS, como instituição que teve que

assumir novos papeis após a mudança de regime-político.

Com base na discussão com a historiografia, questionamos qual a relação das carreiras

públicas federais dos ipesianos com a colonização do Estado pós-1964. Assim, definimos

algumas hipóteses de trabalho, definindo os contornos do que seriam os conceitos abordados

durante o Capítulo 2 e 3 de continuidade burocrática, interrupção burocrática, ascensão

burocrática e descenso burocrático. Para dar conta do que foi proposto, tendo como base as

hipóteses definidas, estabelecemos como objetivo principal analisar qual a relação entre a

formação técnica, o tempo de exercício e o tipo de cargos ocupados na carreira pública federal

pré e pós-golpe dos ipesianos que ocuparam CPFs após o golpe de 1964 e a questão da

colonização do Estado.

No Capítulo 1, definimos o golpe de 1964 como um golpe militar e a ditadura como

civil-militar. Optamos pelo destaque ao elemento civil dado por René Dreifuss, e não o

referido por Daniel Aarão Reis Filho. Destacamos a discussão sobre o revisionismo na

historiografia sobre o golpe de 1964 e concluímos pela necessidade de pluralidade de ideias

no debate. Definimos o IPÊS como um grupo de interesse que agiu como grupo de pressão.

Definimos o grupo de indivíduos a serem trabalhados por meio de uma série de filtros, além

143

de um debate com a historiografia. Assim, pudemos montar o panorama teórico-metodológico

desta tese.

No Capítulo 2, vimos que o número de cargos ocupados por civis antes do golpe e

depois do golpe é estável, o que demonstra que os ipesianos que ocupavam CPFs após o golpe

já estavam no Estado, configurando uma continuidade burocrática. Analisamos que nas

atividades desempenhadas pelos ipesianos, havia muitos engenheiros e economistas, o que já

era esperado, mas também muitos políticos que atuavam na política partidária. Em relação à

formação dos ipesianos, percebemos um grupo de hiperespecializados, com doutorado, que

tiveram sucesso na ocupação de cargos públicos relevantes, e concluímos que sua formação

teve papel de destaque nesse sentido. Além disso, constatamos que poucos indivíduos tiveram

formação nos EUA, mas consideramos que os que tiveram foram bem-sucedidos na ocupação

de CPFs, também. Além disso, pudemos verificar que a maioria dos ipesianos de nosso N não

cursou a ESG, o que nos permite concluir que a ESG não funcionou como atestado ideológico

para ocupação de CPFs pós-1964. A respeito do momento de entrada dos indivíduos

estudados no IPÊS, identificamos, por meio de cruzamentos com os seus dados de carreira,

que não há relação causal efetiva entre o momento de entrada no IPÊS e a ocupação de CPF

relevante, mas há indício de que a entrada antes do golpe configura maior chance de ocupação

de CPF relevante. Sobre os cargos ocupados no IPÊS e sua relação com a carreira pública

federal dos indivíduos estudados, identificamos que houve pouco sucesso em ocupação de

cargos da mais alta relevância (tipo 1) no caso da cúpula do IPÊS, mas um sucesso bastante

efetivo no caso de indivíduos com uma ligação mais fraca com a instituição (tipo C, apenas

ligados ao IPÊS). Por outro lado, os cargos de médio escalão no IPÊS (A2 e A3, por exemplo)

tiveram um sucesso maior que os que atuaram como A1 (líderes) na instituição em termos de

cargos de alta relevância (CPFs tipo 1 e 2). Ou seja, não há correlação entre o tipo de cargo

ocupado no IPÊS e o tipo de CPF ocupado após o golpe. Em todos os casos também

identificamos uma carreira pública prévia, seja com ocupação posterior de CPFs tipo 1 ou 2,

que são os de alta relevância, ou não, o que indica, portanto, uma continuidade burocrática

em relação aos CPFs ocupados pelos ipesianos após o golpe de 1964. Ou seja, esses

indivíduos já atuavam no Estado anteriormente.

No Capítulo 3, concluímos, em relação ao quadro geral, que, independentemente do

número de cargos ocupados pelos ipesianos, a ocupação de cargos de alta relevância e o

incremento desses cargos após o golpe em comparação com o período anterior é bastante

variável. Portanto, o número de CPFs total indica mais a existência de uma carreira pública

144

federal consistente, com ampla possibilidade de ter participado do Estado pré-1964 de forma

mais aprofundada, do que alguma relação com o tipo de cargo ocupado.

Em relação aos CPFs ocupados antes do golpe de 1964, analisamos que os CPFs de

alta relevância concentraram-se em 57 indivíduos dos 118 do N, pouco menos que a metade

do total (48,3%), o que não indica alta concentração de cargos de alta relevância no pré-golpe,

pois estavam bem distribuídos. Além de pouco concentrados, há uma continuidade

burocrática desses cargos em relação aos CPFs ocupados antes do golpe e depois da mudança

de regime político. Além disso, não há grande diferença na quantidade de cargos ocupados

entre esses dois períodos, o que confirma empiricamente a ideia da continuidade burocrática

em termos absolutos. Foi possível identificar que apenas 34 indivíduos tiveram seu primeiro

CPF ocupado após o golpe de 1964. No entanto, os outros 84 indivíduos ocuparam seu

primeiro CPF antes do golpe de 1964, ou seja, iniciaram sua carreira pública federal

previamente. Somando esse dado com a estabilidade que pudemos identificar na ocupação de

CPFs pré-golpe e pós-golpe, é possível comprovar empiricamente a continuidade burocrática

dos CPFs desses ipesianos na estrutura federal.

A respeito dos CPFs ocupados que foram mantidos após a troca de regime político,

mais do que novidade no Estado, esses indivíduos já atuavam em cargos públicos federais

relevantes, inclusive em outros cargos nas mesmas instituições nas quais assumiram cargos

após o golpe de 1964. Trata-se de uma continuidade burocrática de tipo especial, pois além de

ter base na carreira pública federal prévia dos indivíduos, que prosseguiu após o golpe,

também tem como base um cargo que foi mantido entre regimes políticos, o que configura

uma forma específica de continuidade burocrática.

Em relação aos CPFs ocupados após o golpe de 1964, e na comparação entre os CPFs

pré-golpe e pós-golpe, concluímos que não houve colonização do Estado pós-1964, mas um

fenômeno dinâmico de ascensões e de descensos burocráticos. A existência de diminuição na

quantidade de cargos de alta relevância no caso de indivíduos que já tinham uma carreira

pública federal prévia indica, portanto, a inadequação do uso do conceito de colonização.

Em relação à questão da interrupção burocrática, concluímos que, para os indivíduos

que ocuparam seu primeiro CPF antes do golpe de 1964 houve uma dinâmica entre

interrupção burocrática e carreiras mais longevas, que não podem ser consideradas casos de

colonização do Estado pós-1964 justamente pela existência de carreiras públicas federais

prévias para esses indivíduos. Além disso, para os ipesianos que ocuparam seu primeiro CPF

após o golpe de 1964, houve uma síntese entre interrupção burocrática e colonização do

Estado pós-1964, se não levarmos em conta os tipos de CPFs ocupados nesse período, pois

145

parte dos indivíduos teve sua carreira pública federal interrompida e parte teve uma carreira

longeva.

Com base nos três Capítulos dessa tese, podemos concluir que a colonização do

Estado pós-1964 não se deu efetivamente nesses termos, e que o mais adequado seria

argumentar que houve uma dinâmica de continuidade burocrática, interrupção burocrática,

ascensão burocrática e descenso burocrático de indivíduos que já estavam dentro do Estado

ocupando CPFs. Na mesma esteira, muitos dos ipesianos sofreram uma interrupção

burocrática após o golpe de 1964, o que vai de encontro a uma colonização do Estado efetiva.

Por outro lado, há uma continuidade burocrática na maioria das carreiras dos ipesianos que

ocuparam CPFs pós-1964, indicando uma carreira pública federal prévia que também vai de

encontro à ideia de colonização do Estado, pois esses ipesianos já atuavam no aparato estatal

federal. Portanto, concluímos que houve uma dinâmica de carreira complexa com nosso N

que impôs a criação de conceitos que pudessem abrangê-los, de modo a não analisar de forma

cristalizada a atuação dos ipesianos no momento imediatamente pós-1964.

É importante destacar este trabalho foi resultado de uma série de decisões, que o

direcionaram para determinados caminhos em detrimento de outros. As opções são vastas, o

que as torna imensamente difíceis, pois implica o abandono de alternativas estimulantes, que

podem constituir futuras pesquisas. A história deste estudo prosopográfico poderia ser outra.

A preocupação, aqui, foi o cruzamento entre atuação no IPÊS e ocupação de CPFs.

Caso o segundo elemento fosse deixado de lado e nos ocupássemos exclusivamente com

indivíduos ligados ao IPÊS, certamente a pesquisa tomaria outro rumo, e os resultados seriam

diferentes. Os líderes do IPÊS e seus filiados têm outro perfil em relação aos que ocuparam

cargos públicos. Alguns líderes sequer ocuparam algum cargo público em sua trajetória de

vida, o que sugere outro tipo de interpretação destes indivíduos no quadro de uma biografia

coletiva.

Outro caminho possível, independente do corte do N, é a análise da atuação dos

ipesianos nos cargos públicos de sua carreira. Este tipo de pesquisa garantiria qualidade e

precisão maiores, de forma complementar à pesquisa quantitativa. Nesse sentido, seria

possível comparar os projetos do IPÊS com a atuação desses indivíduos em seus cargos

dentro do Estado, buscando compor um quadro possível do sucesso ou fracasso de projetos

gestados pelo IPÊS antes e depois do golpe de 1964.

Além disso, um caminho alternativo de pesquisa seria uma análise da carreira pública

e privada de todos os indivíduos do IPÊS, que ocuparam ou não cargos públicos,

146

possibilitando uma base de comparação importante para saber qual foi o grau de inserção dos

ipesianos no Estado e as possíveis relações desses indivíduos com a iniciativa privada.

Nessa pesquisa também não utilizamos variáveis que indiquem relação de um

indivíduo com outro em termos de sociedade econômica. Isso seria relevante para uma

pesquisa que buscasse compreender que interesses foram perseguidos dentro do Estado por

meio da atuação em cargos públicos pelos ipesianos e qual a relação dessas possíveis ações

com suas empresas e sociedades entre si.

Um recurso que não foi utilizado para além do material já disponível foi a história

oral. Há vários ipesianos vivos que poderiam, por meio de entrevistas, oferecer informações

mais focadas a respeito do IPÊS e da estrutura do Estado no contexto dos anos 1960 e após o

golpe de 1964. Optamos por utilizar apenas material de história oral já publicado. Por outro

lado, as biografias existentes acabam negligenciando, na maior parte das vezes, a atuação

desses indivíduos no IPÊS.

A descendência dos ipesianos também pode ser uma variável importante para uma

pesquisa mais ampla. Verificar descendentes desses indivíduos e suas carreiras públicas e

privadas pode auxiliar a averiguar a influência dessas famílias no aparato estatal e,

possivelmente, na busca por seus interesses específicos.

Embora existam muitos caminhos para a ampliação e o aprimoramento dessa tese,

pensamos ter contribuído para a discussão sobre o IPÊS, seus integrantes e suas carreiras

públicas federais, bem como sobre as relações entre a ocupação de CPFs, as suas qualidades e

diferentes extensões, construindo conceitos como a continuidade burocrática, a interrupção

burocrática, a ascensão burocrática e o descenso burocrático, que possibilitaram novas

interpretações para os ipesianos que ocuparam CPFs pós-golpe e para o IPÊS.

147

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154

APÊNDICE A – Lista dos indivíduos analisados com número de CPFs ocupados pré e

pós-golpe

Nome Número de CPFs

pré-golpe

Número de CPFs

pós-golpe

Ademar de Queirós 0 3

Agostinho Teixeira Cortes 0 1

Alexandre Kafka 5 1

Alfredo Buzaid 0 2

Álvaro Gonzalo Americano de Oliveira e

Souza 2 0

Amaro Lanari Júnior 2 4

Antônio Bastos 0 1

Antônio Carlos Ferreira de Queiroz 1 1

Antônio Delfim Netto 0 9

Antônio Dias Leite Júnior 3 5

Arlindo Lopes Corrêa 0 9

Armando Falcão 10 1

Ari Campista 1 2

Olavo Bilac Pereira Pinto 3 4

Carlos Eduardo Guimarães D'Álamo

Lousada 2 1

Carlos de Castro Torres 1 1

Carlos José de Assis Ribeiro 4 7

Casimiro Antônio Ribeiro 7 4

Oswaldo Cordeiro de Farias 2 1

Daniel Agostinho Faraco 1 3

Danilo Venturini 0 8

Dênio Chagas Nogueira 5 3

Edgar Teixeira Leite 7 2

Edmar de Souza 1 3

Edmundo Falcão da Silva 3 3

Edmundo Macedo Soares e Silva 13 2

Ernesto Barbosa Tomanik 3 3

Ernesto Geisel 6 4

155

Estanislau Fishlowitz 2 1

Eudes de Souza Leão Pinto 2 3

Fernando Bastos D'Ávila 1 2

Fernando Machado Portella 1 1

Frederico César Maragliano Cardoso 1 7

Gastão Eduardo de Bueno Vidigal 1 3

Glycon de Paiva 16 3

Golbery do Couto e Silva 0 5

Guilherme Julio Borghoff 0 1

Gustavo de Morais Rego Reis 1 6

Harold Cecil Polland 1 1

Heitor Almeida Herrera 0 1

Heitor de Aquino Ferreira 0 3

Hélio Beltrão 4 6

Hélio Cássio Muniz de Souza 0 1

Hélio Marques Vianna 1 5

Hélio Schlittler Silva 5 5

Herculano Borges da Fonseca 2 3

Iberê Gilson 16 6

Jaul Pires de Castro 1 5

Jayme Magrassi de Sá 21 6

Jaime Portela de Melo 0 3

Jessé de Souza Montello 5 3

João Baptista de Carvalho Athayde 0 3

João Baptista Figueiredo 0 4

João Batista Pinheiro 2 5

João Camilo de Oliveira Torres 1 2

João Eduardo Magalhães Motta 0 1

João Paulo dos Reis Velloso 6 6

Joaquim Ferreira Mangia 4 3

John Reginald Cotrim 1 4

Jorge Duprat de Brito Pereira 2 0

José Cláudio Beltrão Frederico 2 3

José Costa Cavalcanti 0 4

156

José Garrido Torres 3 2

José Gomes da Silva 0 2

José Maria de Araújo Costa 2 2

José Marques Neto 0 3

José Piquet Carneiro 0 1

José Rotta 0 2

Joviano Rodrigues de Moraes Jardim 2 2

Julian Alfonso Magalhães Chacel 2 9

Juracy Montenegro Magalhães 2 3

Hélio Leôncio Martins 1 1

Liberato da Cunha Friedrich 0 3

Lucas Nogueira Garcez 1 4

Luiz Antônio Gama e Silva 0 5

Luiz Cabral de Menezes 1 1

Luiz Cássio dos Santos Werneck 0 3

Luiz de Moraes Barros 1 1

Luiz Dumont Villares 3 0

Luís Viana Filho 1 3

Luiz Victor D'Arinos Silva 1 5

João Nicolau Mader Gonçalves 5 1

Mário Henrique Simonsen 3 5

Mário Leão Ludolf 4 1

Mário Trindade 1 3

Maurício Cibulares 1 0

Mem de Azambuja Sá 2 2

Mircea Buescu 0 1

Moacyr Gaya 0 3

Ney Amintas de Barros Braga 0 4

Nestor Jost 1 5

Octávio Aguiar de Medeiros 0 6

Octávio Gouveia de Bulhões 16 6

Octávio Marcondes Ferraz 2 2

Og Francisco Leme 0 3

Olympio Mourão Filho 1 1

157

Orlando Beckmann Geisel 1 1

Oscar Augusto de Camargo 2 1

Oscar de Oliveira 5 2

Oscar Thompson Filho 0 1

Paulo Camillo de Oliveira Penna 0 1

Paulo de Assis Ribeiro 9 3

Paulo Egydio Martins 0 3

Paulo Salim Maluf 0 1

Raimundo Augusto de Castro Moniz de

Aragão 8 12

Roberto de Oliveira Campos 9 3

Rondon Pacheco 0 1

Rui de Castro Magalhães 1 1

Rui Aguiar da Silva Leme 0 8

Sandra Martins Cavalcanti de Albuquerque 0 1

Miguel Seabra Fagundes 5 1

José Sete Câmara Filho 6 1

Severo Fagundes Gomes 1 2

Themístocles Brandão Cavalcanti 8 2

Vasco Tristão Leitão da Cunha 11 4

Walter Leicester Maurício Lorch 0 5

Walter Peracchi Barcellos 0 1

Wanderbilt Duarte de Barros 6 3

158

APÊNDICE B – Ficha Prosopográfica

Dados Pessoais

Código

Militar? (s/n)

Marcador de Grupo

Cidade de Nascimento

Estado de Nascimento

Nacionalidade

Cidade de Falecimento

Estado de Falecimento

Atividade

Política Partidária? (s/n)

Observações 1

Formação 1

Código

Instituição

Curso

Local

Ano da Formatura

Observações 2

Formação 2

Código

Ensino Superior? (s/n)

Ensino Superior no Exterior? (s/n)

Especialização? (s/n)

Especialização no Exterior? (s/n)

Mestrado? (s/n)

Mestrado no Exterior? (s/n)

Doutorado? (s/n)

Doutorado no Exterior? (s/n)

Formação nos EUA? (s/n)

ESG? (s/n)

Ano ESG:

Observações 3

IPÊS

Código

Qual IPÊS?

Categoria 1

159

Categoria 2

Categoria 3

Categoria 4

Categoria 5

Marcador de Grupo

Data de Entrada

Última referência no IPÊS

Participou antes ou depois do golpe? (antes/depois)

Participou antes ou depois do presidencialismo? (antes/depois)

Observações 3

Carreira

Código

Nome

Cargo

Instituição

Estado

Cidade

Data de Ingresso

Data de Saída

Tempo (dias)

Categoria

Subcategoria

Marcador de Grupo

Observações 4

Carreira 2

Número CPFs

Número CPFs 1

Número CPFs 2

Número CPFs 3

Número CPFs 4

Número CPFs 5

Número CPFs pré-golpe

Número CPFs 1 pré-golpe

Número CPFs 2 pré-golpe

Número CPFs 3 pré-golpe

Número CPFs 4 pré-golpe

Número CPFs 5 pré-golpe

Número CPFs pós-golpe

Número CPFs 1 pós-golpe

Número CPFs 2 pós-golpe

Número CPFs 3 pós-golpe

Número CPFs 4 pós-golpe

Número CPFs 5 pós-golpe

Manteve cargo com o golpe?

160

Qual?

Ocupou cargo de Ministro?

Observações 5

Ascensão e Descenso burocrático

Número de CPFs pré-golpe

Número de CPFs 1 pré-golpe

Número de CPFs 1 pós-golpe

Aumentou CPFs 1?

Número de CPFs 2 pré-golpe

Número de CPFs 2 pós-golpe

Aumentou CPFs 2?

Aumentou CPFs alta relevância?

Observações 6

Interrupção burocrática

Ano do 1º CPF

Ano do último CPF (entrada)

1º CPF foi após o golpe?

Tipo de CPF, se o 1º foi após o golpe

Ano do 1º CPF pós-golpe

Ano de saída do 1º CPF pós-golpe

Ano de entrada do último CPF pós-golpe

Ano de saída do último CPF pós-golpe

Período de saída

Observações 7

Outras Informações

Código

Outras Informações

Fonte

DHBB?

Observações 8

161

APÊNDICE C – Lista de Acervos Consultados

Fonte/Acervo Instituição Localização Descrição

Instituto de Pesquisas

e Estudos Sociais

(IPÊS)

Arquivo

Nacional Rio de Janeiro

Dados diversos. Atas, agendas de

reuniões, discursos, convites,

currículos, boletins, fichas e livros

contábeis, estatutos, relatórios,

recortes de jornais, programas,

projetos, depósitos bancários, cursos,

relatórios anuais, conferências e

simpósios sobre democracia, igreja,

regimes totalitários, programas e

cursos educacionais anticomunistas.

Acervo já fotografado e organizado.

Paulo de Assis

Ribeiro

Arquivo

Nacional Rio de Janeiro

Dados diversos. Correspondência,

boletins, publicações, estatutos, atas,

teses, monografias, organogramas,

relatórios, balanços, dossiês, planos

de ação, recortes de jornais, relações

referentes ao escritório técnico

pertencente ao titular.

Luiz Viana Filho Arquivo

Nacional Rio de Janeiro

Dados diversos do ipesiano, Chefe

da Casa Civil do governo de Castelo

Branco.

Documentos

burocráticos diversos

Arquivo

Nacional

Rio de Janeiro

/Brasília

Documentos burocráticos em geral

das instituições nas quais os

ipesianos atuaram após 1964.

Jornal do Brasil Online Online Acervo online integral do Jornal do

Brasil. Pesquisa por texto.

O Estado de S. Paulo Online Online Acervo online integral do Jornal do

Brasil. Pesquisa por texto.

Jornais diversos

Museu de

Comunicação

Social Hipólito

José da Costa

Porto Alegre Periódicos diversos.

Assembleia

Legislativa do Rio

Grande do Sul

Assembleia

Legislativa do

Rio Grande do

Sul

Online, e Porto

Alegre Acervo de leis e atas de sessões.

Câmara Municipal de

Porto Alegre

Câmara

Municipal de

Porto Alegre

Online, e Porto

Alegre

Acervo de Leis e Sessões Plenárias.

Parcialmente digitalizado.

Acervo Pessoal de

Carlos Gastaud

Gonçalves

Acervo Pessoal Porto Alegre

Acervo pessoal deste integrante do

IPESUL, ainda vivo, com o qual o

autor tem contato.

162

Acervo AIB/PRP do

Delfos

Biblioteca

Central da

PUCRS

Porto Alegre Rico material sobre as direitas,

incluindo os anos 1960 e 1970.

Biblioteca Central da

PUCRS PUCRS Porto Alegre

Dicionários biográficos, anuários

sociais etc.

Biblioteca Central e

Biblioteca da

Faculdade de

Economia

UFRGS Porto Alegre

Dicionários biográficos, anuários

sociais, Revista BANAS, relatórios

industriais, etc.

Diário Oficial da

União Site JusBrasil Online Digitalizado. Pesquisa por texto.

Diário Oficial do

Estado do RS Site JusBrasil Online Digitalizado.

Diário Oficial do

Estado de SP Site JusBrasil Online Digitalizado. Pesquisa por texto.

Diário Oficial do

Estado de MG Site JusBrasil Online Digitalizado.

Diário Oficial do

Estado de RJ Site JusBrasil Online Digitalizado.

Títulos e Documentos

Pessoas Jurídicas –

Serviço de Registros

de Porto Alegre

Instituição

Privada

Avenida Borges de

Medeiros, n. 308,

2º andar.

Acervo Privado. Registro de todas as

entidades criadas em Porto Alegre,

com ata de fundação e alterações

estatutárias.

Depoimentos diversos CPDOC

Depoimentos de personagens

importantes da política e economia

brasileiras, publicados ou não. Como

exemplo, citamos o de Octávio

Gouveia de Bulhões, Oscar Flores,

Eugênio Gudin, dentre outros.

Dicionário Histórico-

Biográfico Brasileiro CPDOC-FGV Online Dicionário Histórico-Biográfico.

Who’s Who in Brazil,

1971. 2v.

Biblioteca

Central da

PUCRS

Porto Alegre Anuário Social

Dicionário biográfico

de Minas Gerais:

período republicano

1889/1991. Belo

Horizonte:

Assembleia

Legislativa, 1994. 2 v.

Biblioteca

Central da

UFRGS

Porto Alegre Dicionário Biográfico de Minas

Gerais.

163