24
NESTA EDIÇÃO Nº 105 • Maio de 2011 Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ • 21040-361 www.ensp.fiocruz.br/radis Entrevista: Paulo Gadelha ‘É preciso repensar sempre o papel da Fiocruz’ Relações respeitosas, em que todos têm voz, podem ser antídoto para a maioria das expressões de violência no ambiente escolar ESCOLA , LUGAR DE BOA CONVIVÊNCIA

Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

Nesta edição

N º 1 0 5 • M a i o d e 2 0 1 1

Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ • 21040-361

www.ensp.f iocruz.br/radis

Entrevista:Paulo Gadelha

‘É preciso repensar sempre o papel

da Fiocruz’

Relações respeitosas, em que todos têm voz, podem ser antídoto para a maioria das expressões de violência no ambiente escolar

Escola, lugar dE boa convivência

Page 2: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

Adriano De Lavor

A escola é um microcosmo, onde interagem, nem sempre paci-ficamente, pessoas das mais variadas origens. Talvez por isso

tantos filmes tenham sido ambientados no espaço escolar, exibindo dramas particulares, discutindo questões como o combate ao preconceito e ao bullying e transformando em comédias, dramas e aventuras o universo do ensino e da aprendizagem. Radis traz abaixo uma se-leção de filmes que retratam a convivên-cia de alunos, professores, funcionários e suas histórias (Veja a seleção completa em www.ensp.fiocruz.br/radis). • Entre os muros da escola (Entre les murs, França, 2008). Direção: Laurent Cantet. Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e ganhador da Palma de Ouro em Cannes, mostra os desafios impostos à escola, na relação entre um professor e sua turma de alunos imigran-tes, indisciplinados e, ao mesmo tempo, críticos e inteligentes. O papel da escola está em discussão — julga e condena ou orienta a produção de conhecimento?

• Gênio Indomável (Good Will hunting, EUA, 1997). Direção: Gus Van Sant. Will, garoto dotado de grande inteligência, mesmo sem família e com pouca educa-ção formal, devora livros e guarda tudo o que aprende. Um professor do MIT descobre que Will é um gênio e quer o garoto em sua equipe de matemática.

• Índios no Brasil 2 — Nossas línguas (Brasil, 2000). Direção: Vincent Carelli. Integrante do projeto Vídeo nas Aldeias, a

produção relata a resistência à repressão às línguas indígenas praticada ao longo de 500 anos, mostrando o cotidiano do professor Joaquim Kaxinaw, na Escola da Floresta, no Acre. Acesso: http://vimeo.com/15673105 e http://www.videonasal-deias.org.br/2009/video.php?c=84.

• Má Educação (La Mala Educación, Espanha, 2004). Direção: Pedro Almo-dóvar. Ignacio e Enrique conhecem o amor, o cinema e o medo, num colégio de padres, no princípio dos anos 1960. Padre Manolo, professor de literatura, é testemunha e parte dessas desco-bertas. Os três personagens voltam a se encontrar duas vezes, no final dos anos 70 e 80.

• Uma mente brilhante (A beauti-ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de John Nash que, aos 21 anos, formulou um te-orema que provou sua genialidade. Brilhante, Nash chegou a ganhar o Prêmio Nobel. Diagnosticado como esquizofrênico pelos médicos, en-frentou batalhas em sua vida pessoal, lutando até onde pôde.

• Nenhum a menos (Yige dou buneng shao, China, 1998). Direção: Zhang Yimou. O filme mostra as dificuldades encontradas por uma menina de 13 anos para substituir seu professor, que viaja para ajudar a mãe doente. Antes de partir, ele recomenda à garota que não deixe nenhum aluno abandonar a escola. Quando um de-les desaparece, ela vai atrás.

a escola no cinema

• O pequeno Nicolau (Le petit Nicolas, França/Bélgica, 2009). Direção: Laurent Tirard. O filme é inspirado em um livro infantil de Goscinny (criador dos quadri-nhos Asterix e Obelix) e Sempé. O garoto Nicolas leva uma vida tranquila. É muito amado por seus pais, tem uma turma de amigos da escola, com quem se diverte bastante. Um dia, tudo muda quando Nicolas surpreende uma conversa entre seus pais que o faz achar que a mãe está grávida e que ele será preterido.

• Pro dia nascer feliz (Brasil, 2006). Direção: João Jardim. O documentário exibe diferentes situações que adoles-centes de 14 a 17 anos, ricos e pobres, vivem na escola: precariedade, pre-conceito, violência e esperança. Foram ouvidos alunos de escolas da periferia de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco e de dois renomados colégios particulares.

• Sociedade dos poetas mortos (Dead poet society, EUA, 1989). Direção: Pe-ter Weir. Em 1959, na Welton Academy, escola tradicional, um ex-aluno se tor-na o novo professor de literatura, mas seus métodos de incentivar os alunos a pensar por eles próprios entram em choque com a ortodoxa direção.

• Tiros em Columbine (Bowling for Co-lumbine, EUA, 2002). Direção: Michael Moore. O documentário tem como foco a atração que as armas de fogo exercem sobre os americanos e critica a cultura do país de que “a melhor defesa é o ataque”. Nesse contexto, investiga o episódio do colégio Columbine, no Colorado, onde dois adolescentes, com as armas dos pais, mataram 14 estudantes e um professor.

‘Radis’ traz seleção de filmes que retratam o espaço escolar e a convivência entre os que ali estudam e trabalham

reprodução

Page 3: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

Escola munic ipal tasso da s ilveira - realengo - rio de janeiro • 07/04/2011

editorial

Comunicação e Saúde• A escola no cinema 2

Editorial• Convivência na diferença 3

Cartum 3

Cartas 4

Súmula 5

Radis adverte 6

Toques da Redação 6

Pesquisa• Interesses particulares em jogo 8

Entrevista• Paulo Gadelha: ‘Papel nacional e internacional da Fiocruz deve ser sempre revisto’ 11

Boa convivência • (Violência) Educação e saúde na escola 15• Em escola de Campo Grande, respeito gera respeito 18•Professores relatam esgotamento e frustração 19

Desigualdades em saúde

• Para medir a discriminação 20

Serviço 22

Pós-Tudo• A reinvenção das cidades 23

Nº 105 • Maio de 2011

Capa e ilustrações Dayane Martins (D.M)Ilustrações Sérgio Eduardo de Oliveira (S.E.O.)

Cartum

Convivência na diferençaNossa matéria de capa já estava

concluída no dia 7 de abril, quando ocorreu o ataque contra a escola Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, Rio de Janeiro, em que um ex-aluno atirou con-tra os estudantes, matando mais de uma dezena. O maior massacre deste tipo já ocorrido no país surpreendeu e trauma-tizou centenas de famílias diretamente envolvidas e entristeceu profundamente quem quer que tenha acompanhado o noticiário, incluindo cada um de nós aqui na redação da Radis.

Mantivemos o texto como estava, sem o fato recente, objeto de novas informações a cada dia. Em nosso site (seção Radis na Rede), postamos sema-nalmente artigos publicados na impren-sa. Preocupa que, entre as repercussões do acontecimento haja um clamor por mais sistemas de vigilância e controle, em detrimento de se estabelecerem melhores relações dentro das escolas, assim como um reforço de estereótipos ou preconceitos em relação a pessoas com transtornos mentais, vinculando-as ao comportamento agressivo.

O ponto de partida de nossa re-portagem é a existência, no ambiente escolar, de relações frequentemente permeadas por várias formas de opres-são, como agressões físicas e verbais, humilhações, depredações, perda do valor social e baixa remuneração de professores e funcionários. Ouvimos alunos, professores e pesquisadores so-bre violências contra a escola, da escola e na escola. O ponto de convergência

nesta matéria é a convicção de que é necessário e possível que cada integran-te da comunidade escolar, assim como autoridades do Estado e o conjunto da sociedade atuem para que a escola seja um lugar de boa convivência das dife-renças e motor da transformação dessa cultura violenta na sociedade.

Da lista de 25 filmes citados na página ao lado e em nosso site, Pro dia nascer feliz (2006), dirigido por João Jardim, se destaca por mostrar com abrangência e profundidade a realidade das escolas de ensino médio brasileiras neste começo de século. Tiros em Columbine (2002), de Michael Moore, busca entender por que ataques de atiradores em sala de aula se tornaram frequentes nos Estados Unidos.

Ser discriminado marca a vida de uma pessoa. Um professor da Univer-sidade Federal de Santa Cataria, que vivenciou situações de preconceito contra parentes negros no Rio Gran-de do Sul, dedicou seu doutorado a aperfeiçoar e adaptar um instrumento de avaliação das motivações para a discriminação (por cor de pele, con-dição sócio-econômica, sexo, orien-tação sexual e outras, muitas vezes concomitantes), e dos seus efeitos. Felizmente, neste, como em muitos casos, a resposta veio na forma de ações que contribuem para o enfren-tamento das injustiças.

Rogério Lannes RochaCoordenador do Programa RADIS

SéRg

io E

DuaR

Do D

E o

livE

iRa

s.E.O.

Page 4: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 4 ]

cartas

sociofamiliar de ex-usuários de drogas. Se for possível gostaria de receber ma-teriais sobre a temática. Agradeço desde já pela atenção e aguardo resposta. • Maitana Carvalho Cardozo, Jequié, BA

Maitana, indicamos também as edições 92 (Crack), 97 (Saúde mental) e 99 (Unidades Socioeducativas) da Radis. Abraços.

Hésio Cordeiro

Embora não seja assinante, tenho acesso com muita frequência a essa

belíssima revista, que aborda assuntos de interesse geral, sobretudo, para nós, médicos, que trabalhamos no interior do estado e a quem o corre-corre não permite atualizações e reci-clagens. Sou médico nos hospitais pú-blicos de Cachoeiras de Macacu, Nova Friburgo, Bom Jardim e Duas Barras, há mais de 30 anos, tendo sido, inclusive, secretário municipal de Saúde, em Ca-choeiras, nos momentos de transição das Ações Integradas e implantação do SUS. Tudo parecia demonstrar que as municipalizações com universalidade, integralidade e ações igualitárias, e algumas adaptações, resolveriam qual-

quer questão de saúde no Brasil. Hoje, vemos que muitas dessas expectativas se deterioraram. O próprio dr. Hésio Cordeiro, um dos baluartes do SUS, em sua entrevista (Radis 102) declara que “A saúde perdeu um pouco suas bandeiras”. O princípio estabelecido de que esta é um “direito de todos e dever do Estado”, sem um programa de educação do povo, faz a procura espontânea chegar às raias do abuso. Os gestores vivem na corda bamba. Por um lado, clientes cheios de “direi-tos”. Em outras situações, promotores e juízes concedendo liminares para impor a oferta de medicamentos e recursos tecnológicos que às vezes nem existem no Brasil ou têm que ser oferecidos com despesas que quebram qualquer orçamento. O que me levou a escrever foi o livro Seguro-saúde para os brasileiros, do experiente pediatra João Hélio Rocha, de Nova Friburgo. Ele diz que “existe um excesso de demanda de serviços médicos no SUS causado pelo uso abusivo, já que os usuários não participam diretamente do custeio dos serviços”. Isto me em-polgou e me levou a imaginar que uma reforma do SUS poderia ser no sentido de definir que “a saúde é dever de todos, com tutela do Estado”. • Rui Barbosa Félix, Cachoeiras de Macacu, RJ

sugestão de pauta

Sou assinante há muitos anos da Radis e acho a revista um im-

portante veículo de informação em saúde pública. Como enfermeira já usei várias reportagens em reuniões de equipe. Vocês estão de parabéns!!! Gostaria de sugerir uma matéria sobre o projeto Ciência na Estrada que é desenvolvido pela Fiocruz-BA. Trata-se de um trabalho multiprofissional em um ônibus que leva conhecimento cientí-fico a vários lugares no estado baiano.• Maria Cristina Collares, Santos, SP

Cara Maria Cristina, sugestão anotada!

A Radis solicita que a correspondência dos leitores para publicação (carta, e-mail ou fax) contenha nome, endereço e telefone. Por questão de espaço, o texto pode ser resumido.

NoRMaS PaRa CoRRESPoNDÊNCia

drogas

Gostaria de parabenizar a Radis pela excelente matéria O desa-

fio de uma política equilibrada para as drogas da revista nº 101, janeiro de 2011. Sou estudante do curso de Medicina da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus de Je-quié, e acabei de entrar no Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde Mental (PET-Saúde Mental — Crack, Álcool e outras Drogas) e essa maté-ria caiu como uma luva. Esse projeto do Ministério da Saúde é novo para nós e iniciamos o trabalho traçando proposta de ações envolvidas na prevenção, tratamento e reinserção

expediente

® é uma publicação impressa e online da Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo Programa RADIS (Reunião, Análise e Difusão de Informação sobre Saúde), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp).

Periodicidade mensalTiragem 72.000 exemplaresAssinatura grátis

(sujeita à ampliação do cadastro)

Presidente da Fiocruz Paulo gadelhaDiretor da Ensp antônio ivo de Carvalho

PRogRaMa RaDiSCoordenação Rogério lannes RochaSubcoordenação Justa Helena FrancoEdição Eliane Bardanachvili (Milênio)Reportagem Katia Machado (subedição/

Milênio), adriano De lavor, Bruno Dominguez (Milênio) e Patrícia Pimentel (estágio supervisionado)

Arte Dayane Martins (subedição/Milênio), Natalia Calzavara e Sérgio Eduardo de oliveira (estágio supervisionado)

Documentação Jorge Ricardo Pereira,

laïs Tavares e Sandra BenignoSecretaria e Administração Fábio lucas e

onésimo gouvêaInformática osvaldo José FilhoEndereço

Av. Brasil, 4.036, sala 515 — Manguinhos Rio de Janeiro / RJ • CEP 21040-361

Fale conosco (para assinatura, sugestõese críticas)Tel. (21) 3882-9118 • Fax (21) 3882-9119

E-mail [email protected]

Site www.ensp.fiocruz.br/radis (confira também a resenha semanal Radis na Rede e o Exclusivo para web, que complementam a edição impressa)

impressão Ediouro Gráfica e Editora SA

Ouvidoria Fiocruz • Telefax (21) 3885-1762Site www.fiocruz.br/ouvidoria

uSo Da iNFoRMação • O conteúdo da revista Radis pode ser livremente reproduzido, desde que acompanhado dos créditos. Solicitamos aos veículos que reproduzirem ou citarem nossas publicações que enviem exemplar, referências ou URL.

Ministérioda Saúde

Page 5: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 5 ]

Súmula

Código Florestal sem Consenso

A bancada ruralista do Congresso levou cerca de 15 mil pessoas à

Esplanada dos Ministérios, em Brasília (5/4), para pressionar o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), a votar o projeto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) que altera o Código Flores-tal e, no entendimento dos ambienta-listas, atende estritamente os interes-ses do agronegócio. O texto do relator Aldo Rabelo (PC do B-SP) está pronto para ser apreciado no plenário desde o ano passado, informou O Globo (6/4). Entre as propostas do novo código que ameaçam o meio ambiente, estão a redução dos limites das matas ciliares, que contribuem para impedir o assore-amento de rios e a erosão do solo, e a anistia a quem desmatou ilegalmente até julho de 2008. Em 7/4, foi a vez de ambientalistas irem às ruas, no Distrito Federal, contra o novo texto. De acordo com O Estado de S. Paulo (13/4), o governo começara a acenar com possibilidade de mudanças no Có-digo Florestal, como o fim da morató-ria a quem desmatou e a não redução da área de proteção permanente ao longo dos rios. As tentativas de acordo entre ambientalistas e ruralistas, ao longo do mês de abril, no entanto, não surtiram efeito. Reunião convocada pelo vice-presidente, Michel Temer (13/4), com ambientalistas e repre-sentantes da Câmara dos Deputados teve poucos avanços, como informou O Globo. O relator Aldo Rebelo acabou garantindo que o texto não permitiria o aumento da área desmatada no país e que não seria dado o mesmo tratamento a quem desmatou e a quem cumpriu a lei — com a anistia aos desmatadores, os ambientalistas receiam que se incentive a ilegalidade.

Esses dois pontos, no entanto, estão na lista dos que os ruralistas consideram “inegociáveis” (Veja Online, 11/4). Além desses, outros pontos pendentes são: reserva legal, regularização ambiental, agricultura familiar, competências dos órgãos am-bientais e instrumentos econômicos. Um dia antes da reunião com Temer (12/4), a Câmara de Negociação do Código, criada para discutir e pôr fim às divergências, mal conseguiu iniciar a discussão sobre os sete pontos. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), falando pelos ambientalistas, acusou

os colegas ruralistas de fazer política para acelerar a aprovação do texto atual, o que beneficiaria os agriculto-res. O ruralista Paulo Piau (PMDB-MG) admitiu a dificuldade de se chegar a um acordo: “Acho quase impossível ambientalistas e ruralistas abrirem mão (das propostas que defendem)”.

esCassez de água no país

O Brasil pode enfrentar problemas de abastecimento de água, segundo

diagnóstico inédito da Agência Nacional das Águas (ANA), no documento Atlas Brasil, divulgado em 22/3. De acordo com o relatório, se o país não investir R$ 22,2 bilhões em sistemas de captação e coleta de água, até 2015, pode faltar água em 3.059 municípios do país, o equivalente a 55% do total, informou O Globo (22/3). Especialistas da ANA observam que a ameaça pode prejudicar os investimentos para a organização da Copa do Mundo, em 2014, e para os Jogos Olímpicos, em 2016.

Segundo o estudo, os municípios que correm o risco de desabastecimento até o ano de 2015 representam nada menos que 73% da demanda de água do país inteiro. O estudo mostra que, embora o país detenha hoje 12% da água doce do planeta, ainda é preciso levá-la a todos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o abastecimento de água não chega a 21,5% das casas brasileiras, ou 12,4 milhões de residências.

Norte e Nordeste são as regiões com a maior necessidade de recursos em sistemas produtores de água (mais de 59% das cidades). No Norte, onde a população é menor, mas a infraestrutura hídrica é deficiente, os pequenos siste-mas de abastecimento são precários. No Sudeste, os maiores problemas estão relacionados à forte concentração ur-bana e à complexidade dos sistemas de abastecimento, o que acaba provocando disputas pelas mesmas fontes hídricas. A região detém 51% da capacidade instala-da de produção de água do país, seguida da Nordeste (21%), Sul (15%), Norte (7%) e Centro-Oeste (6%). A maior parcela dos investimentos previstos no Atlas Brasil

(R$ 16,5 bilhões ou 74% do total) deve ser destinada a 2.076 municípios de Sudeste e Nordeste, em função do maior número de aglomerados urbanos e da existência do Semiárido. São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, juntos, reúnem aproximadamente 51% dos investimen-tos, em apenas 730 cidades.

dengue: tipo 4 em CirCulação

O Ministério da Saúde divulgou nota, tratando da preocupação quanto

à circulação do tipo 4 do vírus causador da dengue. O DEN-4 não é mais agressivo que os demais, mas preocupa pelo fato de grande parte da população não estar imune a ele, uma vez que ficou sem circu-lar no país por 28 anos, informou O Globo (24/3). “A previsão é que a ausência de imunidade, associada à ocorrência de epidemias anteriores por outros soroti-pos virais, aumenta a possibilidade de ocorrência de casos graves de dengue”, informou o Ministério da Saúde, na nota. Desde o iniciio do ano, segundo nota do ministério, foram confirmados pacientes com DEN-4 Roraima (34), Amazonas (24 casos), Pará (11), Bahia (2), Pernambuco (2) e Piauí (1). No Rio de Janeiro, a chega-da do vírus tipo 4 foi confirmada em 23/3, com dois casos registrados em Niterói. O ministério só considera confirmados casos que tenham passado por análise no Instituto Evandro Chagas. Foi anunciado, no entanto, pela Secretaria de Estado de São Paulo, a presença do vírus 4 em território paulista (Portal G1, 4/4). Foram confirmados dez casos em São José do Rio Preto e arredores (Agência Brasil, 12/4).Os sintomas são os mesmos, nas infec-ções por todos os tipos do vírus: dores de cabeça, no corpo, nas articulações e atrás dos olhos, febre, diarreia e vômito. Pessoas que já tiveram dengue dos tipos 1, 2 ou 3 podem pegar e desenvolvera dengue 4 de forma grave. O governo federal orientou as secretarias estaduais e municipais de Saúde que tiveram casos suspeitos a reforçar as ações de controle ao mosquito Aedes aegypti.

Para o chefe do Laboratório de Virologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Celso Granato, apesar de o número de casos de pacientes com dengue 4 ser pequeno, há motivo para preocupação. “O número é pequeno, mas pelo visto ele está se disseminando. E a gente tem todas as condições de a doença se espalhar, porque temos muitos mosquitos e muita gente suscetível”,

Page 6: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 6 ]

disse a O Globo (24/3). No Rio de Janeiro, a previsão é se enfrentar, no próximo verão, a pior epidemia da doença, uma vez que toda a população está suscetível. “Com o fim do verão, a tendência é que os casos de dengue diminuam. Mas ainda há muitos mosquitos. Com a chegada do vírus 4, temos todos os ingredientes para uma grande epidemia”, alertou o infectologista Edmilson Migowski, em entrevista ao jornal.

HpV em Homens

Um dos maiores estudos já realizados sobre a incidência do HPV (papiloma

vírus humano) no sexo masculino, pu-blicado em março pelo jornal científico americano The Lancet, comprovou que metade dos homens saudáveis está infec-tada com o vírus. Em período de quatro anos, foram ouvidos 4.074 homens de 18 a 70 anos no Brasil, Estados Unidos e Mé-xico, informou a Folha de S. Paulo (1º/3). Dos 50% com HPV, 30% tinham a versão do vírus que pode levar ao câncer, 38% tinham o não cancerígeno e o restante tinha mais de um tipo. Na avaliação de Luisa Villa, do Instituto Ludwig e respon-sável pelo estudo no Brasil, a taxa entre os homens é considerada alta, principal-mente, se comparada às mulheres, cuja taxa média de contaminação é 14%. A pesquisa constatou ainda que o risco de adquirir o vírus é constante entre homens de 18 a 70 anos. Já com as mulheres, o risco é maior até os 25 anos e tende a diminuir com o tempo.

Uso de preservativo, circuncisão e vacina contra a doença são os métodos de prevenção mais eficazes. Estudo publicado no New England Journal e re-alizado em mais de 18 países, incluindo o Brasil, mostrou que a vacina contra o HPV

pode ser eficaz também nos homens. A aplicação na população masculina só foi aprovada em alguns países, como Estados Unidos, Panamá, Equador e Austrália. No Brasil, são usados dois tipos de vacina contra o vírus, apenas em mulheres.

transplante inédito de artéria

O Hospital São Paulo, da Unifesp, re-alizou pela primeira vez no Brasil,

em janeiro, um transplante de artéria retirada de doador morto. A cirurgia foi feita em Hamilton Bispo da Conceição, 56 anos, que, devido a má circulação em sua artéria femoral estava a ponto de ter parte da perna direita amputada. Mal conseguia andar e sentia fortes dores, informou o jornal O Globo (2/3).

O experimento — realizado pela equipe de cirurgia vascular da Escola Paulista de Medicina da universidade — busca melhorar a qualidade de vida de pessoas que sofrem de arteriosclerose. O problema leva a cem mil amputações por ano no Brasil. A técnica já vem sendo praticada em outros países, como Estados Unidos, mas é de difícil aplicação, devido à dificuldade de se conseguirem doadores e ao risco de trombose e dilatação.

No Brasil, teve bons resultados: depois de uma semana, Hamilton cami-nhava melhor e não sentia dores. O líder da equipe, José Carlos Baptista, explicou (Extra, 2/3) que artérias preservadas, retiradas de doador morto, podem ser boa opção, mas o transplante é medida de exceção, quando não há alternativa. Mesmo que Hamilton sofra trombose, a chance de perder parte da perna é menor. “O transplante ajuda a criar uma circulação colateral, mantendo o mem-bro funcionando em boas condições”.

noVo tratamento para doença de CHagas

Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) descobriram novo

tratamento para a doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi (Portal G1, 30/3). O tratamento baseia-se na conclusão de que as lesões decorrentes da doença não são neces-sariamente causadas pelo protozoário, mas pelo próprio sistema imunológico do hospedeiro — processo conhecido como autoimunidade. Ao longo de anos de estudos, os pesquisadores observaram que o micro-organismo causa mutações genéticas nas células do hospedeiro, fazendo com que o sistema imunológico produza linfócitos — células de defesa — defeituosos, que atacam o coração e podem levar à morte. Assim, eliminar

o protozoário não seria suficiente para eliminar a doença. As medidas sugeridas foram, então, matar os linfócitos e fazer um transplante de medula óssea, dois tratamentos já existentes e dos quais se pode lançar mão. Se o coração já estiver danificado, o transplante também é so-lução. A tese foi comprovada em testes feitos em galinhas — animais imunes ao T. cruzi — que desenvolveram problemas cardíacos semelhantes aos causados pela doença de Chagas após mutação genética induzida. A pesquisa foi publicada na revista PLoS Neglected Tropical Diseases.

mediCamento para transplantados na FioCruz

A Fiocruz assinou acordo (30/3) com a multinacional Roche, permitindo

à instituição produzir o medicamento micofenolato de mofetila, indicado con-tra a rejeição de órgãos transplantados, principalmente, rins. Ainda este ano, a Fiocruz começa a produzir o medica-mento, disponibilizando ao SUS nove

DENÚNCIA CONTRA O CIDADÃO — Mais uma vez, o SUS aparece na mídia como vilão e não como patri-mônio de todos, a ser preservado pela sociedade. Reportagem de O Globo (28/3) — Atendimento só no papel — é a expressão dessa distorção. Em vez de atacar os que agem contra o SUS, ataca o próprio SUS, buscando enfraquecê-lo. Sem contar que traz para o jornal o mérito de abrir os olhos da sociedade para questões que já estavam na mira do Ministério da Saúde e da auditoria do SUS — como o próprio texto, contra-ditoriamente, deixa transparecer. A re-portagem, que trata de irregularidades em cadastros dos médicos que atuam no Programa Saúde da Família e mostra casos como o de um profissional com 17 vínculos empregatícios, organiza as informações e escolhe as palavras de modo a, em vez de situar o SUS como vítima de ações externas, apresentá-lo como protagonista das distorções. Já no subtítulo, ao afirmar que “o governo paga por serviço inexistente”, é omi-tido que este já está agindo contra as

Page 7: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 7 ]

milhões de comprimidos. A partir de 2012, a instituição produzirá 20 milhões de comprimidos por ano. A parceria com a empresa farmacêutica prevê também intercâmbio científico para o desenvol-vimento de novos tratamentos e trans-ferência de tecnologia para a produção de medicamentos contra câncer, doenças neurológicas e virais.

Segundo a Agência Fiocruz de No-tícias (31/3), a parceria com a Roche permitirá reduzir o preço do medicamen-to praticado com o Ministério da Saúde durante o período de transferência de tecnologia, de R$ 1,87 para R$ 1,67, e à Fiocruz, o domínio de todas as fases do processo, incluindo a produção do insumo farmacêutico ativo (IFA). Para o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, a iniciativa é mais uma aposta no fortaleci-mento da política nacional de pesquisa e desenvolvimento, além de oportunidade para outras parcerias. “Essa capacidade de diálogo e intercâmbio tecnológico e científico é fundamental para o país e para gerar benefícios para a população e, seguramente, será usada em futuros

acordos do tipo”, ressaltou Gadelha, para quem o acordo contribui especialmente para reduzir o déficit comercial brasileiro na área da saúde.

padrão brasileiro para peso de reCém-nasCidos

Pesquisadores da Coppe/UFRJ, do Instituto de Puericultura e Pediatria

Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) coletaram informações sobre os oito mi-lhões de brasileiros nascidos entre 2003 e 2008 e chegaram ao padrão brasileiro de peso normal para recém-nascidos. O dado, até então não estabelecido no país, é informação fundamental para avaliar riscos de diversas doenças, que, se não forem diagnosticadas desde cedo, podem deixar sequelas, divulgou o jornal O Globo (25/3). Variabilidades genéticas serviram como base para a formação da tabela de peso, produzindo nove faixas de dados para cada sexo. Um menino com idade gestacional de 40

semanas, por exemplo, teria peso nor-mal entre 2,556 e 4,366 quilos. Já entre meninas da mesma idade, o peso osci-laria entre 2,492 e 4,168 quilos. Apesar dessas definições, ainda é questionável se o conceito de peso normal sofreria variações em cada região do país. “Fi-zemos uma pesquisa com dados que os brasileiros são obrigados a fornecer ao SUS, mas gostaríamos de nos aprofundar para obter outras conclusões”, explicou o professor de Engenharia Elétrica da Coppe e um dos idealizadores do pro-jeto, Carlos Pedreira.

As tabelas usadas por médicos para acompanhar o crescimento antes da descoberta do padrão brasileiro eram importadas de outros países. Em junho, a revista da Academia Brasileira de Ciências publicará a nova tabela que avalia o peso dos nascidos a partir da 22ª semana de gestação.

fraudes — como mostra leitura mais atenta do texto. A fonte das denún-cias são os próprios auditores do SUS (portanto, o SUS!). Trata-se, assim, de denunciar o que o SUS já sabe e já está buscando mudar.

Passando ao largo dos preceitos jornalísticos de ir atrás da informação, a reportagem constrói-se com os dados que colhe do SUS e não estranha o fato de, entre 2007 e 2011, 18.841 equipes do Programa Saúde da Família terem sido suspensas, em vez de regularizadas e mantidas a serviço da população. A suspensão do PSF não penaliza aqueles que cometeram irregularidades e sim os milhares de usuários do programa. A reportagem faz parte de uma série que o jornal chama de Fraudes no SUS e que trouxera, no dia anterior, com o mesmo tom, outra denúncia sobre desvios de verbas no sistema — Uma sangria a conta-gotas com o dinheiro da Saúde. Apresentar aos leitores irregularidades flagradas nas instituições públicas é atributo e dever do jornalismo. Este, no entanto, afasta-se de seus objetivos quando desqualifica o SUS como con-quista dos brasileiros.

PRÊMIO PRÓ-EQUIDADE — O Conse-lho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e o Centro de Estudos de Políticas e Informação sobre Determinantes Sociais da Saúde (Cepi-DSS) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz),

jornal O Globo (24/3), assinado pela Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação, Associação Brasileira de Bares e Restaurantes e Associação Brasileira do Indústria da Panificação e Confeitaria, critica duas consultas públicas, nº 112 e nº 117, abertas pela Anvisa e relacionadas, respectiva-mente, à proibição do uso de aditivos nos produtos derivados do tabaco e à alteração das embalagens e materiais de propaganda de cigarros, bem com a proibição da exposição dos produtos em pontos de venda. Com título Tem gente que não está vendo aquilo que (sic) o crime organizado está de olho, o anúncio não hesita em considerar “exageradas” as propostas, alegando que os fumantes se tornarão poten-ciais consumidores do mercado ilegal. Sem dar a mínima importância para a saúde da população, o anúncio tece a partir daí uma rede de consequências negativas para o país, como queda da arrecadação de impostos e redu-ção de investimentos em educação, habitação. De forma distorcida, dá a entender que a melhor forma de se evitar esse quadro é concordarmos em que a população mantenha-se perma-nentemente estimulada a se envenenar cada vez mais. Com certeza, há formas mais saudáveis e a preço bem menor do que o câncer, o enfizema e outros males provocados pelo cigarro, de se manter em alta a arrecadação de impostos, a educação e a habitação no país.

com o apoio do Ministério da Saúde, lançam o Prêmio Pró-Equidade em Saúde, visando estimular a realização de novas experiências e dar visibilidade àquelas em andamento, para que se multipliquem. O resultado do concurso será divulgado no 27º Congresso Nacio-nal de Secretarias Municipais de Saúde, em julho de 2011, em Brasília. Serão premiados os cinco melhores trabalhos do país. Os premiados terão seus traba-lhos publicados na edição especial da revista do Conasems dedicada ao con-gresso, e receberão certificado e placa. Além disso, apresentarão os trabalhos no evento. As inscrições vão até 30 de maio de 2011 e podem ser feitas pelos sites: www.conasems.org.br e http://determinantes.saude.bvs.br.

DESCULPA PARA MAIS LUCROS — Depois da polê-mica em torno da pertinente proibição dos inibidores de apetite pela Agência Nacio-nal de Vigilân-cia Sanitária (Súmula da Radis 104), parece ter virado moda justificar a manutenção no mercado de produtos que adoecem o organismo, sob pretexto de evitar sua venda ilegal. Anúncio publicado no

SÚMULA é produzida a partir do acompa-nhamento crítico do que é divulgado na mídia impressa e eletrônica.

Page 8: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 8 ]

PESQUISA

Katia Machado

O apoio financeiro das em-presas de planos de saúde a candidatos das eleições de 2010 foi maior do que

o registrado em 2006 e sugere in-teresse particular desse segmento econômico em todas as esferas de governo. A conclusão é do estudo Representação política e interesses particulares na saúde: o caso do fi-nanciamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de saúde no Brasil, realizado pelos pesquisadores Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP), e Lígia Bahia, do Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Eles se debruçaram sobre as doações feitas pelos planos de saúde aos candidatos a cargos de deputados, senadores, governadores e presidente da República, apontando que foram destinados mais de R$ 12 milhões a campanhas eleitorais de 157 candida-tos de 20 partidos, contribuindo para a eleição de 38 deputados federais, 26 deputados estaduais, cinco senadores, além de cinco governadores e da pre-sidenta da República, Dilma Rousseff. Outros 82 candidatos, não eleitos, também receberam apoio financeiro.

Em 2006, informam Lígia e Scheffer, que estudam a temática desde as eleições de 2002, os planos de saúde destinaram R$ 7,1 milhões às campa-nhas eleitorais, quase R$ 5 milhões a menos que no ano passado (Figura 1). De acordo com o estudo, cujo relatório foi divulgado em fevereiro deste ano e que tomou como base a prestação de contas dos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram identificadas doações de 49

Interesses particulares em jogoApoio financeiro das empresas de planos de saúde a candidatos das eleições de 2010 lança alerta sobre

lobbies e contrapartidas, aponta estudo

empresas de planos de saúde, contra 62, em 2006, e 15, em 2002. “Mais do que saber quem recebeu mais de quem, o importante é focalizar o que está em jogo nas doações”, aponta Mário Scheffer.

TROCA DE fAvORES

O estudo mostra que o setor da saúde suplementar, em 2009, faturou R$ 64,2 bilhões; ao todo, 1.061 empresas de planos de saúde médico-hospitalares atuam no mercado; e 46 milhões de usuários estão vinculados aos planos de saúde. Os autores reconhecem não ser fácil comprovar a relação causal entre o financiamento das campanhas e a atu-ação do parlamentar ou do governante em defesa dos planos de saúde. “Mas a doação pode ter relação com troca de favores ou com compromissos e envolvimentos anteriores do candidato com o setor da saúde suplementar”, observam no estudo.

Lígia e Scheffer elencam uma série de possibilidades de atuação ou de poten-

ciais contrapartidas daqueles que foram beneficiados pelos planos de saúde, a começar pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Nas duas casas parlamentares, são recorrentes as apre-sentações de projetos de lei, relatórios, pareceres, requerimentos e votações em defesa dos interesses dos planos de saúde e, principalmente, a atuação para barrar proposituras que contrariam esses mesmos interesses. “Também podem protagonizar apoio à saúde suplemen-tar ou manifestações de descrédito dirigidas ao SUS”, diz Lígia.

Os projetos de lei que dispõem sobre saúde suplementar no Congresso Nacional, explicam os pesquisadores, costumam ser agrupados segundo co-berturas assistenciais — alguns projetos pedem a ampliação e outros a redução da abrangência dos contratos dos planos de saúde —; critérios para a definição de honorários médicos e para o credencia-mento de profissionais e estabelecimen-tos de saúde; regras para o ingresso de pacientes em estabelecimentos de saúde

Figur a 1 Empresas de planos de saúde doadoras erecursos investidos nas eleições, Brasil, 2010

* Valores corrigidos (IPCA-julho 2010)

Elaboração dos autores. Fonte: TSE

(Não calculado)*

Eleições 2002 Eleições 2006 Eleições 2010

Recursos repassados (em R$)Nº empresas doadoras

(1.398.040,40)*

15

6249

(8.626.256,69)*

839.000.00

7.138.208,18

12.034.436,69

Page 9: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 9 ]

públicos e privados; mudanças na Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98); projetos de ampliação de isenções e deduções fis-cais para a oferta e a demanda de planos de saúde; e organização, funcionamento e tributação específica de cooperativas.

Tanto na Câmara quanto no Senado, é comum a atuação de parlamentares na defesa dos planos de saúde em comissões permanentes, como Seguridade Social e Saúde e Defesa do Consumidor, em co-missões especiais e audiências públicas. “Durante a tramitação da Lei dos Planos de Saúde, em 1997 e 1998, e durante a CPI dos Planos de Saúde, em 2003, ficou evidente o lobby das empresas do setor que, por meio de parlamentares porta-vozes, impediram avanços e investiga-ções”, exemplificam.

Entre outras práticas comuns, des-tacam-se a defesa dos planos de saúde na Frente Parlamentar da Saúde, que tem atuação decisiva em proposições sobre as políticas de saúde do país; influência na contratação, com recursos públicos, de planos de saúde privados para o fun-cionalismo público, do Executivo e do Legislativo; e aprovação em sabatina, no Senado Federal, após indicação do Presidente da República, de nomes vin-culados a planos de saúde para os cargos de diretores da ANS.

‘fILA DUPLA’

Nas Assembleias Legislativas, são recorrentes práticas como a definição de políticas fiscais e tributárias que se tra-duzem em isenções e benefícios para as empresas de planos de saúde e cooperati-vas, a ampliação do leque de articulações em defesa dos interesses dos planos de saúde que, mesmo com pautas de âmbito nacional, podem obter mais êxito com o apoio das lideranças políticas locais e a aprovação de leis estaduais que per-mitem contratos, parcerias e convênios entre o SUS e os planos de saúde. “Em exemplo recente, em dezembro de 2010, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou lei que destina até 25% dos leitos de hospitais públicos administrados por organizações sociais para o atendimento de usuários de planos de saúde”, citam Lígia e Scheffer no relatório.

Nos governos federal e estaduais, as possibilidades de atuação significam, por exemplo, viabilização de parcerias para o compartilhamento de instalações, equipamentos e atendimento de usuários da saúde suplementar nas unidades do SUS — “isso já ocorre em muitos hospi-tais universitários federais e estaduais, caracterizando a chamada fila dupla”, exemplificam; e preservação de obs-táculos que impedem a efetivação do ressarcimento ao SUS, toda vez que um

usuário de plano de saúde é atendido em hospital público, conforme a legislação vigente. “Para se ter uma ideia, o valor que os planos ressarciram ao SUS em 2009 (R$ 5,6 milhões) é inferior aos R$ 12 milhões que o setor destinou a cam-panhas eleitorais em 2010”, criticam os pesquisadores.

Outras práticas comuns nos gover-nos são: garantia de representantes dos interesses dos planos de saúde em cargos estratégicos da ANS, que atua na regula-ção e na fiscalização dos planos de saúde e contratos com ministérios, secretarias e órgãos do Legislativo para a assistên-cia médico-hospitalar do funcionalismo público. O estudo cita que, no fim de 2010, três dos cinco diretores da ANS, inclusive o diretor-presidente, eram qua-dros oriundos de empresas de planos de saúde. Quanto ao financiamento público para planos privados, somente o governo

federal destina cerca de R$ 1 bilhão por ano para a compra de planos de saúde privados para os funcionários públicos.

MAIS TRANSPARÊNCIA

Para eles, o financiamento de cam-panhas e o lobby das empresas de planos de saúde excluem severamente muitos dos interesses públicos e coletivos. “É necessário tornar a representação dos interesses privados, no caso os planos de saúde, ainda que legítimos, mais transparente, equitativa, me-nos fragmentada e mais próxima da defesa dos interesses da sociedade sub-representados”, apontam. Eles ainda orientam: “Os estudos sobre os interesses particulares envolvidos nas representações políticas devem ser aprofundados e somados ao combate sistemático à corrupção, à conquista

Figur a 2 Empresas de planos de saúde doadoras nas eleições de 2010, segundo modalidade empresarial, Brasil, 2010

Elaboração dos autores. Fonte: TSE, 2011Cooperativa Médica Administradora/CorretoraSeguradoraMedicina de Grupo

Valor doado

7.817.436,69 (64,96%)

2.116.000,00 (17,58%)

1.401.000,00 (11,64%)

Total = 12.034.436.69 (100%)

700.000,00 (5,82%)

Nº empresas

22

23

3

Total = 49

1

Tabel a 1 Destinação de recursos doados por empresas de planos de saúde, segundo partido político dos candidatos, Brasil, 2010

Elaboração dos autores. Fonte: TSE, 2011OBS: Os recursos foram doados aos candidatos, com exceção de uma doação feita à Direção Estadual do PMDB de Roraima

Partido valor em R$ %

PMDB 3.482.236,69 28,94

PSDB 2.185.500,00 18,16

PT 1.691.000,00 14,05

PV 1.211.200,00 10,07

DEM 910.000,00 7,56

PP 649.000,00 5,39

PSB 487.500,00 4,05

PSC 420.000,00 3,49

PPS 398.500,00 3,31

PDT 205.000,00 1,70 Total R$ 12.034.436,69 100,00 %

Partido valor em R$ %

PTB 195.000,00 1,62

PC do B 95.000,00 0,79

PR 90.000,00 0,75

PTC 5.000,00 0,04

PSL 2.500,00 0,02

PMN 2.500,00 0,02

PRB 2.000,00 0,02

PSOL 1.500,00 0,01

PRP 1.000,00 0,01

Page 10: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 10 ]

de uma reforma política que viabilize a democracia participativa e ao fim do ‘loteamento’ político de cargos e postos estratégicos nos governos e nas agências reguladoras”.

DOAçõES POR SEgMENTO

Os pesquisadores analisaram o quantitativo de doações por segmento de atuação dos planos de saúde (Figura 2), identificando maior participação das cooperativas médicas (64,96%), seguidas pelas administradoras e corre-toras (17,58%); empresas de Medicina de Grupo (11,64%); e seguradoras (5,82%) . Destacaram-se no primeiro quesito, as cooperativas médicas Unimed. “Primeiro lugar no ranking geral de doações, a Uni-med do Estado de São Paulo — Federação Estadual das Cooperativas Médicas desti-nou às campanhas eleitorais de 2010 R$ 3.570.000”, informam os pesquisadores. Em 2006, a empresa também foi a. “Na ocasião, ela desembolsou cerca de R$ 2,9 milhões”, aponta o estudo.

Na categoria administradora/cor-retora, referente a empresas que atuam na gestão de benefícios e na viabilização, comercialização e administração de planos de saúde coletivos por adesão, destacaram-se a Qualicorp Corretora de Seguros, Aliança e Unimed Goiânia Cor-retora de Seguros. A Qualicorp, segundo lugar no ranking de doações, destinou à campanha da presidente Dilma Rousseff (PT) R$ 1 milhão e ao candidato derro-tado, José Serra (PSDB), R$ 500 mil — ao todo, a empresa doou R$ 1,9 milhão. Já a Aliança doou R$ 306 mil e a Unimed Goiânia Corretora de Seguros, R$ 90 mil. “Os grupos Aliança e Qualicorp aparecem pela primeira vez no financiamento for-mal de campanhas eleitorais, coincidindo com o momento de crescimento deste ramo de administração de benefícios, objeto de regulamentação específica da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2009”, ressalta o estudo.

Entre as empresas de Medicina de Grupo, as maiores doadoras em 2010 foram a Amil, a Vitallis Saúde e a Amico Saúde. Na ocasião, a Amil doou R$ 300 mil para as campanhas eleitorais, a Vitallis, R$ 260 mil, e a Amico, R$ 220 mil. “A Amil é a empresa de planos de saúde que mais se expandiu no Brasil nos últimos anos”, salienta Scheffer.

Os pesquisadores perceberam, nas doações contabilizadas, ausência das seguradoras de saúde — que comer-cializam seguros de saúde, cobrindo custos médicos cobertos na apólice —, à exceção da Unimed Seguradora, que doou ano passado R$ 700 mil. “Algumas seguradoras e bancos figuram como do-adores, mas não foram computados no

estudo, pois comercializam vários tipos de seguros, não só seguro saúde”, expli-cam. Eles comentam ainda que, no caso dos planos de saúde de autogestão, não foram relacionadas doações, “embora algumas empresas que mantêm planos próprios para seus empregados tenham apoiado candidatos financeiramente”. Já os hospitais filantrópicos que comer-cializam planos de saúde não aparecem no estudo, pois são proibidos, pela le-gislação eleitoral, de doar recursos para campanhas eleitorais.

CANDIDATOS

Ao analisar a distribuição de re-cursos entre os partidos dos candidatos que foram beneficiados com doações dos planos de saúde nas eleições de 2010, independentemente de terem ou não sido eleitos, o estudo revelou que a maior fatia dos recursos foi para ao PMDB (28,94%), seguido do PSDB (18,16%) e PT (14,5%). “Em 2006, os candidatos do DEM ficaram com 24,53% das doações, seguido do PSDB e do PV”, comparam. No relatório, os pesquisadores revelam que, em 2010, candidatos de 19 partidos diferentes receberam doações. Em 2007, foram 17 partidos. “Do ponto de vista político-partidário, isso demonstra uma distribuição bastante diversificada das doações”, descrevem (Tabela 1).

De acordo com os pesquisadores, os planos de saúde apoiaram candidatos de diversos partidos políticos, tanto aque-les mais de centro-direita no espectro ideológico, quanto os considerados de esquerda. “O mercado da saúde suple-mentar aposta em indivíduos, indepen-dentemente do partido”, observam. Em 2010, lembram, o crescimento da ban-cada da saúde suplementar na Câmara dos Deputados e no Senado Federal foi proporcional ao incremento das doações.

De acordo com o estudo, o deputado federal Marco Aurélio Ubiali (PSB-SP), primeiro lugar no ranking de doações, ganhou da Unimed do Estado de São Paulo R$ 285 mil, seguido do deputado José Saraiva Felipe (PMDB-MG), que recebeu da Vitallis Saúde R$ 170 mil, e da Fede-ração Interfederativa das Cooperativas de Trabalho Médico do Estado de MG, R$ 100 mil, totalizando R$ 270 mil.

É possível perceber, na análise, a opção pelo apoio a candidatos loca-lizados na mesma unidade federada da empresa de plano de saúde, ou em territórios contíguos. “Isso parece orientar uma parte da escolha dos destinatários das doações”, acredita Scheffer. “Mas existem candidatos que foram apoiados por empresas sediadas e atuantes em várias unidades da fede-ração, o que parece indicar expecta-tivas de um desempenho parlamentar voltado à defesa em bloco ou em bancada deste interesse setorizado”, ressalva Lígia Bahia.

Chamou atenção dos pesquisa-dores o fato de alguns candidatos terem recebido doações vultosas de determinadas empresas de planos de saúde. Em certos casos, ressaltam, o segmento suplementar foi a princi-pal fonte de financiamento de suas campanhas. “Essa especialização das fontes de financiamento pode ser indicativa de apostas na atuação par-ticularista do representante político”, acreditam. Na avaliação de Scheffer, é preciso aprofundar o conhecimento sobre a gênese dos lobbies na saúde, “a fim de elaborar estratégias para o enfrentamento da corrupção”. “Es-tamos diante de desafios inadiáveis, colocados aos partidos políticos e às entidades da sociedade civil que pos-tulam a defesa do interesse público na saúde”, acrescenta Lígia.

Os dados analisados pelos pesqui-sadores foram colhidos do site do

Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde se encontra o sistema de prestação de contas eleitorais. De acordo com Lígia Bahia e Mário Scheffer, a pesquisa foi realizada em três campos do site: prestação de contas de candidatos; prestação de contas do comitê finan-ceiro do partido político; e prestação de contas de doadora de campanha. Para identificar os planos de saúde doadores, eles consultaram dados como razão social e CNPJ de 1.061 empresas operadoras em atividade no

Brasil, registradas oficialmente na ANS no ano de 2010. “A partir da relação dos planos de saúde registrados na agência, chegamos aos planos de saúde doadores, aos candidatos beneficiados e ao montante doado por cada empresa no site do TSE”, explicaram, revelando que a principal limitação do estudo foi a impossibilidade de calcular nas campanhas eleitorais o “caixa dois” ou os “recursos não contabilizados”.

O relatório completo desse estudo está disponível no site do Centro Brasileiro de Estudos em Saú-de (Cebes), em www.cebes.org.br.

Sobre a fonte dos dados

Page 11: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 11 ]

Entrevista

Paulo gadelha

‘Papel nacional e internacional da Fiocruz deve ser sempre revisto’

FoTo

: Sé

Rgio

ED

ua

RDo

DE

oli

vEiR

a

Eliane Bardanachvili, Katia Machado e Rogério Lannes

A natureza e a vocação da Fiocruz, seu papel ao longo da história e os desafios que a ela se impõem hoje, como instituição singular,

que ao mesmo tempo é suporte das polí-ticas de Estado e elemento crítico desse mesmo Estado; que vem fortalecendo sua presença no país e em âmbito internacio-nal; e que, há mais de 110 anos, atua, em sentido amplo e estrito, nas prioridades da saúde pública brasileira, estão no foco da entrevista que o presidente da instituição, o médico sanitarista Paulo Gadelha, concedeu à Radis. Com olhar analítico e crítico sobre a Fiocruz, da qual é profundo conhecedor, Gadelha chama a atenção para a necessidade de essa insti-tuição tão complexa e diversificada estar sempre se repensando, para manter sua essência. Um dos principais responsáveis pela criação da Casa de Oswaldo Cruz (COC), unidade da qual foi diretor de 1985 a 1997, e do Museu da Vida da COC, do qual também foi coordenador; e vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento

Institucional, entre 2001 e 2009, Gadelha pode concluir: “A Fiocruz é diferente de tudo o que existe no mundo”.

Quais são as prioridades da saúde pública brasileira hoje?

Uma pergunta como essa normal-mente seria respondida pela disjuntiva gestão-financiamento. A primeira coisa é não aceitar esse tipo de abordagem. De fato, são dois elementos importantes de equacionamento de um problema no campo da saúde. Há uma evidência da busca por se pensarem as ações inter-federativas, prover contratualizações. O próprio Ministério da Saúde está de-finindo a criação dos mapas sanitários, para, em torno deles, estabelecer melhor essas contratualizações e fixar metas. São aperfeiçoamentos importantes, mas, até aqui, estamos falando de meios. Temos que ter clareza dos diagnósticos da saúde e reunir lucidez do ponto de vista programático, político e social para transformar de fato a saúde em agenda principal do desenvolvimento do país. Uma das principais demandas da Saúde é conquistar esse espaço. Se não conseguirmos ganhar corações e mentes

da sociedade, deixar claros nossos ob-jetivos, as outras questões — também fundamentais — serão insuficientes para se chegar a bom termo em um processo mais amplo do campo da Saúde.

Que papel tem a fiocruz como ins-tituição a serviço da saúde pública?

Desde o nascedouro, a Fiocruz in-corporou a ideia de seu sentido nacional. Ela surge envolvida em um projeto de construção da nacionalidade e como ins-trumento central para redefinir o papel do Estado no campo da Saúde, da Ciência e da Tecnologia, e chega à plenitude de sua vocação, quando consegue alinhar sua atividade com grandes temários nacionais. No início, com Oswaldo Cruz, tratava-se de repensar o Brasil, uma recém-república, reconfigurando sua imagem, buscando superar seu passado colonial escravista para dar lugar a uma metrópole moderna, com novas formas de relacionamento nacionais e interna-cionais. Logo em seguida, pensar o Brasil significou buscar os chamados sertões, o Brasil abandonado, em que o Estado não chegava. Repensar a integração foi tarefa essencial da Fiocruz, com outros movimentos sociais que adentraram o país, reconhecendo questões centrais, como combater um fatalismo de raça, um fatalismo geográfico, e perceber que as barreiras ao desenvolvimento estavam na não presença do Estado dando conta das doenças, da pobreza, na base desse atraso. A Fiocruz nasce desse veio, e, ao longo do tempo, vive momentos, de maior ou menor relevância.

Pode citar um desses momentos?Um momento contemporâneo em

que a Fiocruz adquire reconhecimento social se deu no processo de redemocra-tização. A Fiocruz incorporou a visão de que pensar a saúde era também pensar o país, a sociedade. Esse foi o tom do movimento da Reforma Sanitária, pen-sada de forma associada à construção da democracia, da cidadania, o que deu ao movimento a capacidade de encontrar

Page 12: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 12 ]

alianças, ressonância social e política. Isso seria impossível se a reforma se configurasse apenas como movimento setorial. A questão central é como atua-lizar esse papel da Fiocruz de instituição estratégica do Estado para a saúde e o que significa ter uma ação de presença e permanência do Estado, ao mesmo tem-po em que é suporte importante para a formulação das políticas no campo social.

E como se responde a isso?A Fiocruz tem discutido muito uma

revisão do seu papel nacional, também em relação a algumas questões que são desafios seculares do país. Por exemplo, a iniquidade regional, marcada pela con-centração de recursos no Sudeste, pela forma de distribuição de oportunidades, e que tem na saúde uma expressão sig-nificativa. A Fiocruz identificou que todas as suas instituições, e ela como um todo, têm que se repensar, olhando aquilo que as torna referências e as relações que se dão ao nível de um município, de um estado, e também da nação. É muito importante a Fiocruz estar presente diretamente na região Amazônica. Nes-se sentido da presença in loco, quando diagnosticamos que iríamos criar unida-des no Paraná, Ceará, Piauí, Rondônia e Mato Grosso do Sul, houve vários critérios para definir essa presença, como história, identificação de lacunas em ciência e tecnologia, realidades epidemiológicas, temas novos em que a proximidade da Fiocruz permitiria maior convergência com oportunidades locais. Uma situação, por exemplo, que pesou muito, no caso da definição por Rondônia, Mato Grosso do Sul e Paraná, foi a questão da saúde das fronteiras. Esses estados configuram um contínuo de fronteiras secas do país, certamente, uma das maiores das Américas.

De que forma repensar o papel da fiocruz sem perder a natureza e a vocação históricas da instituição?

Em certo sentido, sempre pen-samos nacionalmente, mas não havia uma clareza e um chamamento quanto aos vazios nacionais, do ponto de vista da heterogeneidade do país, com os quais a Fiocruz tem que lidar; quanto ao peso da presença da Fiocruz numa região. A Fiocruz age como uma espécie de catalisador, com movimentos que vão muito além do campo da saúde. A presença da Fiocruz movimenta ener-gias, movimenta a área da saúde, da ciência e tecnologia, da educação, do desenvolvimento econômico, estimula articulações em rede. Isso ficou muito claro nesse processo de criação de no-vas unidades. No Ceará, se conseguiu criar um doutorado interinstitucional

reunindo 17 instituições. Lideranças, expoentes reconhecidos nacionalmente nos disseram: “foi muito importante a presença de vocês, porque aquilo que fazemos agora tem uma visibilidade para outras áreas que não tinha antes”.

E isso é diferente do que a fiocruz fazia desde sua criação?

Mal comparando, o trabalho que a Fiocruz fazia, no início do século, de romper as fronteiras, quer dizer, ir para o interior, reconhecer o interior, em outros termos e com outras características, está acontecendo hoje no país. O René Rachou [unidade de pesquisa da Fiocruz em Minas Gerais], uma instituição das mais

tradicionais, que já tinha um modelo muito rico de pesquisa básica e pesquisa sanitária, desempenha, hoje, uma função de Estado muito mais ampla e integral do que alguns anos atrás. Está caminhando para ter uma escola e uma pós-graduação em Saúde Pública, é uma referência para o processo de desenvolvimento do com-plexo econômico industrial da saúde em Minas Gerais, é um ator fundamental, por exemplo, do pólo tecnológico BHTEc. É, hoje, o interlocutor da política de estado em Minas Gerais. Esse reconhecimento e essa percepção estão se sedimentando, e a capacidade que a Fiocruz tem de convocar o conjunto da instituição para se planejar integralmente de maneira mais organizada facilita isso. No Rio de Janeiro, algumas iniciativas dão também uma conformação diferenciada. Ao de-senvolver o Teias — Escola Manguinhos, dentro do Projeto Teias [Território Inte-grado de Atenção à Saúde, estratégia de aperfeiçoamento político-institucional, gerencial e de organização da atenção do SUS], a Fiocruz está caminhando no sentido de ser responsável pela governança de um território de saúde. Ao mesmo tempo, está gerando efeitos de pesquisa, de ensino, a partir de uma estratégia que pode ser modelar para pensar questões mais nacionais. A ação é local, mas pode ser referência para pensar um tema central da saúde pública

que é a regionalização, a integralidade, o acolhimento. Não pretendemos ter uma ação permanente de governança de Estado, mas o fato de nos ser atribuída essa possibilidade muda a concepção do papel da Fiocruz. O Teias é um projeto exemplar para dentro e para fora.

Que outros exemplos teríamos dessa nova abrangência da fiocruz?

Uma unidade recém-constituída, como o Instituto Carlos Chagas [unidade de pesquisa da Fiocruz no Paraná], refe-rência para o desenvolvimento, não só da saúde, mas do complexo econômico do estado, e com ação nacional na interface com o Tecpar [Instituto de Tecnologia do Paraná], também desempenha papel fundamental de referência no campo da Saúde, do suporte de vigilância para o Cone Sul. Nós não tínhamos essa instância que, dentro da política internacional, da saúde global, da solidariedade regional, pudesse ter a capacidade de interagir numa região do Cone Sul. Também em Rondônia, que teve uma crise séria, do ponto de vista da atenção hospitalar, e onde uma unidade nossa está se consti-tuindo, já temos uma tradição de pesqui-sa, mas estamos ampliando seu escopo, porque a matriz da Fiocruz é essa. Esta-mos buscando papéis que não estavam antes configurados no grupo inicial. Nosso grupo de Rondônia com a retaguarda do conjunto da Fiocruz está criando uma re-lação de cooperação com o estado. Como poderíamos atuar na questão do impacto das hidrelétricas, como no caso de Jirau, no rio Madeira, sem a presença física ali? A qualidade da interação, da mobilização de forças locais e a efetividade desse tra-balho seria de outra ordem. E temos São Paulo, um dos nossos maiores desafios. Existem várias cooperações tradicionais da Fiocruz com institutos paulistas, mas nunca houve uma maneira organizada de pensar ações integradas. Atualmente, estamos tentando fortalecer as relações políticas com o estado, fazendo acordos de tecnologia com institutos avançados e ampliando acordos já estabelecidos. A Fiocruz não precisa ser necessariamente a instituição exclusiva ou com o maior porte e maior capacidade de resposta de determinada região. O importante é que tenha clareza de que, ao estar presente, desempenhe papel de articulação, de sinergia, de canal de atração.

A propósito dessa capacidade de arti-culação da fiocruz, fale da instituição no cenário internacional.

Os projetos nacional e internacio-nal da Fiocruz têm processos comuns, é óbvio, mas também têm especificidades, nas formas de atuar, de diagnóstico, de estratégias. No campo internacional,

Não se tem um lugar Na história garaNtido por iNércia. ou você está o tempo todo se atualizaNdo, se reveNdo, ou pode morrer

Page 13: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 13 ]

implícita e explicitamente, a Fiocruz é uma estrutura de suporte central para políticas de relações exteriores do Brasil em Saúde, no momento em que a saúde adquire proeminência nessa dinâmica internacional. E as razões são muito óbvias: saúde como direito universal, relacionada a solidariedade, segurança, geopolítica, fronteiras tecnológicas e trocas comerciais. Se for pensar do ponto de vista global e da diplomacia, não há movimento significativo no campo das relações internacionais em que a saúde não tenha peso grande. O Brasil fez um movimento de ascender como ator central no campo internacional. Ora, se a saúde é central, se o Brasil adquire protagonismo e se a Fiocruz é a institui-ção do Estado, não apenas por desejo, mas por sua história, estrutura e com-petência, o campo está dado. Depende da nossa capacidade materializar isso. E estamos materializando de maneira muito competente.

Que exemplos poderia citar?Uma novidade foi a formatação

multilateral de estratégias de saúde na CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]. Quem deu sustentação a isso foram a Fiocruz e o IHMT (Instituto de Higiene e Medicina Tropical de Lis-boa]. Outra grande presença é na Unasul [União das Nações Sul-Americanas], que tem como um dos grandes amálgamas a saúde. A saúde tem essa capacidade de ser mais fluida, passar por barreiras, criar malhas de possibilidades de agregação, mais do que outras áreas.

De que maneira associar saúde a desenvolvimento econômico?

No âmbito nacional, no momento em que ficar claro que o modelo de desenvolvimento do país só pode ser mesmo de desenvolvimento se incorporar melhoria das condições de saúde, e que essa melhoria terá ação virtuosa nos processos de políticas industriais, econô-micas do país, a relação começará a ser sentida como algo novo. A saúde, para além de sua referência central que é ser um direito, é essencial para induzir novas formas de desenvolvimento num sentido da justiça social. No Congresso Interno da Fiocruz [2010], mencionamos que pensar o direito à saúde sem uma base produtiva que dê sustentação e materialidade a esses direitos vira um ideal retórico. Se falamos de modelo de desenvolvimento que não responde à melhoria da quali-dade de vida e da saúde, falamos de um processo perverso. É preciso demarcar essa possível união virtuosa.

Como conciliar as prioridades da fio-cruz e os projetos do novo governo?

Tem que se pensar o novo governo como um governo que imprime suas mar-cas, mas que é de continuidade de um projeto social e político inaugurado pelos mandatos do ex-presidente Lula. Muitas das visões e diretrizes são atualizações ou produções que reforçam essas grandes li-nhas. As ideias de inclusão social, combate à pobreza, busca de desenvolvimento mais autônomo no campo da Ciência e Tecnologia, de projeto industrial para o país, de se combater a iniquidade con-tinuam existindo. Se formos pensar que valores presidem nossa ação no campo da Saúde, veremos que eles estão firmados no movimento da Reforma Sanitária, valores que não se expressaram plena-

mente na realidade, mas que continuam sendo os ideários que movimentam os esforços no campo da saúde pública.

valores que estão na Constituição...Sim, e portanto já atingiram um

grau de legalidade e são referências constantes para cobrar dos governantes, se eles se desviam desse processo, seja porque não estão tendo capacidade de buscar as ferramentas e as formas de fazer, seja porque têm visões ideologica-mente ou programaticamente diferentes.

A fiocruz tem um papel nesse pro-cesso, de olhar criticamente para os governos dos quais faz parte...

Sem dúvida. A Fiocruz gravita em uma situação rica e interessante, mas que exige equilíbrio. É um órgão do Mi-nistério da Saúde e do SUS, mas, tanto do ponto de vista de sua conformação jurídica autárquica, como no sentido da sua configuração entre acadêmica e operacional, é, ao mesmo tempo, su-porte e elemento crítico. A Fiocruz pode expressar visões divergentes pela sua atuação, sua posição acadêmica, e, ao mesmo tempo, buscar constantemente alinhamento dos seus nortes estratégicos à visão de Estado e de governo. A Fiocruz é diferente de tudo o que existe no mun-do. Não há equivalente à maneira como a

Fiocruz se constituiu e adquiriu sua feição atual. Uma instituição que se construiu fora da universidade, que se constituiu no modelo do Pasteur [Instituto Pasteur, na França], integrando várias áreas de pes-quisa, mas que, ao contrário do Pasteur, é uma instituição de Estado. Algumas instituições podem ter essas atribuições, mas não a atribuição de ser também for-muladoras. E, principalmente, nenhuma com estrutura próxima dessa configura-ção tem a magnitude da Fiocruz.

Por que é importante para a socieda-de e para o Estado uma instituição com essa singularidade?

O Estado não pode prescindir de estruturas que sejam ao mesmo tempo solidárias e críticas. Qualquer Estado que fizesse isso estaria condenado a um enrijecimento; perderia a capacidade de lidar com a complexidade, com os matizes dos problemas. O papel de instituições como a Fiocruz é estar em um nó de configurações de funções que possibilitam uma interface entre o social e a ação governamental dura. Isso exige sabedoria institucional grande. A Fiocruz teve que viver processos de insulamento fortes, quando a realidade de governo apresentava dissonância grande em relação aos seus ideais e se constituía como ameaça. Sempre que essa contra-dição era muito forte, a tendência de insulamento era maior. Na medida em que avança a sociedade e aumenta a sintonia com o que pensa e o que está nas origens e no processo de constituição de consciência da Fiocruz, essa necessidade de preservação, obviamente, reflui.

O que confere à fiocruz essa capaci-dade de preservação de sua essência?

É um processo histórico, o que não significa uma garantia de que esteja preservada. Uma instituição vive muito do seu imaginário, de como sua história é apropriada, recriada. Essa ideia de que estamos situados num campo emi-nentemente social, para dar conta das demandas, das carências da população, é um legado com o qual convivemos, do qual nos utilizamos. E vamos mantendo esses valores. Quando digo que não há uma garantia é porque, ao longo de sua história, a Fiocruz também teve momen-tos de grandes descensos.

Que momentos teriam sido esses?O momento áureo da instituição se

deu até o período Chagas. Na Revolução de 30, o país começa a viver processos mais centralizadores e o Ministério da Saúde passa a ter uma estrutura mais centralizada. Tanto pela ação externa, quanto pela falta de capacidade de atualizar seu projeto, a instituição foi

como um estado pode se orgaNizar teNdo como base a clivagem jurídico-iNstitucioNal de que uma coisa é a área ecoNômica e outra é a área social?

Page 14: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 14 ]

perdendo muito do seu sentido, começou a ser esvaziada. Um momento grave foi o governo militar. Temos o processo de cassação, a instituição muito direcionada à área de produção. As áreas mais críti-cas resolveram optar, como uma saída quase in extremis, por buscar o futuro da Fiocruz descolado do campo do Mi-nistério da Saúde, dentro do Ministério de Ciência e Tecnologia. Erro grave, do ponto de vista de visão estratégica. Se tivesse ocorrido isso, diria que a cassação teria sido duplicada, a cabeça e o corpo. O movimento de retomada [na gestão de Sergio Arouca] e, depois, toda a mudança de cultura política, organizacional, para fazer com que a Fiocruz voltasse a se sentir no centro do eixo da saúde, foi a maior conquista dessas duas décadas.

Que não se perdeu mais...Não se perdeu, mas não há ga-

rantia de que não perca. Não há como se imunizar. Não se tem um lugar na história garantido por inércia. Ou você está se atualizando, se revendo o tem-po todo ou pode morrer.

O que é necessário à fiocruz, hoje?Você precisa de maturidade institu-

cional, de instrumentos de planejamen-to, de excelência no campo da gestão, do ponto de vista da profissionalização, dos instrumentos de informação, de co-municação, de monitoramento. E, para podermos operar o que pretendemos, temos que conseguir mudanças no país. É bobagem imaginar que se trata de movi-mento isolado da Fiocruz ou que depende só dela. Temos um modelo de Estado ana-crônico. Esse Estado, ao mesmo tempo indutor, coordenador, comprometido com inclusão social, transparente, democrá-tico, participativo, inclusivo, não tem equivalência com as estruturas do mode-lo político do país. Como um Estado pode se organizar tendo como base a clivagem jurídico-institucional de que uma coisa é a área econômica e outra é a área social? Isso é uma aberração e bate na Fiocruz como um mastodonte. A instituição tem a missão central de política social e, para fazer isso, tem que interferir na atividade econômica. Não se faz política social sem interferir na atividade econômica.

Observa alguma mudança nesse sentido?

O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha [ex-vice-presiden-te de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz], falou ao Valor Econômico (17/3)sobre uma inovação. Vai ser proposta uma legislação que permitirá dispensa de licitação para compras de produtos nacionais, no campo dos insumos de

saúde considerados de valor agregado importante para o desenvolvimento tec-nológico ou necessidade social, mesmo que sejam 25% mais caros do que o valor de mercado. Isso representa enorme avanço para o desenvolvimento tecnoló-gico ou para suprir necessidades sociais, bem como para o trabalho da Fiocruz. Se o Estado não muda, se a legislação não muda, há constrangimentos de tal ordem que não se consegue fazer o que é preciso. Na área de pessoal, muitas das impossibilidades de estruturar o Estado para dar conta do seu papel deve-se a não se poder contratar pessoal depois de um certo nível, porque bate na Lei

de Responsabilidade Fiscal. As institui-ções começam a buscar mil formas para driblar. São essas contradições.

É possível criar alternativas?Acabamos de criar no IOC [Instituto

Oswaldo Cruz], e estamos estendendo agora para o conjunto de unidades da Fiocruz, o Proep [Programa de Excelência em Pesquisa], uma forma que vinha sen-do tentada há alguns anos. O Proep define critérios para melhoria no campo da pesquisa, faz um convênio com o CNPq, a Fiocruz repassa o recurso, e aqueles que estão credenciados podem utilizar uma parte dos custeios, por contas bancárias diretas. Isso é uma inovação de flexibili-dade, republicana, transparente, acom-panhada, definida institucionalmente. Tem essas questões do campo normativo em que muita coisa avançou, mas temos um certo ceticismo quanto à viabilidade política de se operar, pela conformação das alianças e do poder político no Brasil, uma verdadeira reforma de Estado, mais ampla, especificamente no campo da ad-ministração pública. Acho que vamos ter que conviver durante longo tempo com melhorias parciais, que abram algumas oportunidades, mas sem um desenho confortável, em que possamos otimizar a nossa atuação de maneira mais plena.

Como avaliar o melhor formato jurí-dico para a fiocruz nesse contexto?

Um caminho que se pode pensar para a Fiocruz é o de um conglomerado público, uma ideia que se está traba-lhando muito no SUS. A Fiocruz é estatal e tem formas de governar que garantem seu alinhamento com o Estado, e pode haver ali formas jurídicas diferenciadas dentro desse mesmo conglomerado. Se viermos a ter uma subsidiária ou vincu-lada da Fiocruz, ela será uma vinculada do conglomerado público estatal, será governada pela estrutura do conglo-merado, que é a Fiocruz. Na verdade, já somos um conglomerado esquisitão, essa é a verdade. Porque temos metade do nosso pessoal terceirizado, temos uma fundação de apoio que hoje já gere quase 30% do nosso orçamento, temos duas outras estruturas de atividades muito específicas, que são a Fiotec e o Fioprev, previdência complementar, cujo componente de saúde suplementar, agora, passa à conformação de uma caixa de assistência. Tudo isso está sob a gover-nança direta da presidência da Fiocruz. Quem nomeia o presidente da Fiotec, do Fioprev, da Caixa de Assistência, é o presidente da Fiocruz.

E em relação à imposição, por parte do governo, de cortes nos gastos?

Vou falar com toda clareza. Exis-tem razões sérias pelas quais o governo precisa responder a uma turbulência no equilíbrio econômico. Isso é inegável. Há a ameaça de inflação, situações de cenário internacional que mudaram, enfim, o governo tem tido razões sérias para buscar mecanismos de contenção. Sei também que é preciso, muitas vezes, fazer um movimento inicial linear, que é cheio de distorções. Dado isso tudo, es-pero que muito rapidamente se comece a corrigir as distorções, e, portanto, a atuar de maneira seletiva, qualitativa, condicionada a realidades distintas. É incompatível imaginar que se pode fazer uma regra geral linear para o conjunto do país. Veja a questão dos concursos públicos: seria uma total irracionalidade imaginar que se fez esse movimento todo de identificar demandas, configurar os perfis profissionais, investimento enorme também de energia das pessoas, na busca da redução de terceirização, e não se vá incorporar os aprovados, dentro do prazo vigente. Você estaria criando uma disfunção de Estado, uma contradição na política de Estado, que alocou recursos, se comprometeu com o Ministério Públi-co com a necessidade de substituir os terceirizados. Tenho plena convicção de que, dentro do prazo, os aprova-dos serão convocados. A ênfase que a presidenta Dilma tem dado a não haver retrocesso nas políticas sociais é clara e a saúde é central nisso.

temos um certo ceticismo quaNto à viabilidade política de se operar uma verdadeira reforma de estado, mais ampla

Page 15: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 15 ]

boa convivência

Bruno Dominguez

Está na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: a educação, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para

o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Mas, ao se comparar a escola ideal e a escola real, é impos-sível não constatar que o esperado ambiente de relações harmoniosas está permeado por manifestações de violência, muitas vezes, expressas em situações de opressão veladas ou, ao menos, pouco evidentes à primeira vista.

Essas, ao lado de situações mais perceptíveis, como agressões físicas ou verbais, humilhações, depredações e, ainda, baixos salários pagos aos professores, acabam por ferir grande parte dos princípios do ensino estabelecidos pelo texto legal: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a

cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; respeito à liberdade e apreço à tolerância; e valorização do profissional da educação escolar. Formas de violência que deixam marcas físicas e psicológicas em alunos, professores e funcionários, impedindo que todos cumpram integralmente seus papéis.

Cursos voltados a professores e programa do Ministério da Educação com foco nas relações escolares são algumas mostras de que o tema mobiliza e é alvo de preocupação. “O uso da violência, seja física ou psicológica, constrói, na sala de aula, um ambiente pouco propício à aprendizagem e, na escola pública, constitui mais um fator de agravamento da exclusão social a que estão submetidas as parcelas de baixo nível socioeconômico da população”, avalia a pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp/Fiocruz) Simone Gonçalves de Assis.

Uma das coordenadoras do Curso de Atualização em Enfrentamento da Violência e Defesa de Direitos na Escola, Simone explica que há três categorias de violência no ambien-

Agressões, situações opressivas e más condições de trabalho afastam ambiente escolar do pleno

desenvolvimento do aluno e preocupam especialistas

RADIS 105 • MAI/2011

[ 15 ]Fo

ToS:

Day

aN

E M

aRT

iNS

Esta reportagem estava concluída quando ocorreu o trágico episódio da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo,

Rio de Janeiro, alvo de um franco atirador que tirou a vida de mais de uma dezena de alunos. Nós da Radis estamos solidários

com a dor de todos os envolvidos — famílias, professores, funcionários e alunos.

Page 16: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 16 ]

te escolar: contra a escola, da escola e na escola. A violência contra a escola tem a ver com as condições de trabalho, os baixos salários e a formação equivocada de professores. “Há uma gama de fatores estruturais que são uma forma concreta de violência, como a má localização das unidades e a falta de equipamentos em sala”, exemplifica Simone.

Ao longo dos anos, analisa a pesqui-sadora, as políticas públicas nesse setor provocaram o sucateamento das escolas e a desvalorização social do professor. “Essas ações se refletiram profundamen-te na queda da autoestima dos profissio-nais e da qualidade do ensino, criando um cenário propício à escalada da violência”. Também se incluem nessa categoria atitudes violentas de pessoas ou grupos externos à escola: depredações, roubos e uso do espaço para tráfico de drogas.

Se a escola é vítima, tam-bém é agressora. A violência da escola está ligada às relações hierárquicas do sistema educa-cional, diz Simone. Vários estudos sobre o tema indicam a violência

simbólica como a principal forma de vio-lência promovida pela escola — violência simbólica é um conceito do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), que via a sociedade como um campo de do-minação e de reprodução dissimulada das desigualdades sociais nas instituições.

A violência na escola mais visível e mais comentada se expressa em várias modalidades: violência entre alunos, violência do aluno contra o professor, da escola e do professor contra o aluno, entre os profissionais da educação, do sistema de ensino contra a escola e o professor, do funcionário contra o aluno, do aluno contra o patrimônio da escola. Nessa categoria, explica Simone, pesquisas apontam a violên-cia protagonizada pelos alunos como a mais frequente e que mais afeta o cotidiano escolar.

‘BULLyINg’

Embora seja apenas uma das di-versas formas de violência entre alunos, o bullying é hoje a que mais chama a atenção de pais, professores e da mídia. Bullying é palavra da língua inglesa que designa abuso do poder físico ou psicoló-gico entre pares, envolvendo dominação e prepotência, por um lado, e submissão, conformismo e sentimentos de impotên-cia, raiva e medo, por outro. O conceito abrange práticas como colocar apelidos, humilhar, discriminar, divulgar comentá-rios maldosos, amedrontar, bater, empur-rar, roubar, excluir, ignorar e ameaçar.

O livro Impacto da violência na escola — Um diálogo com professores (Editora Fiocruz), material do curso co-ordenado por Simone e do qual ela é uma das organizadoras (ao lado de Patrícia Constantino e Joviana Quintes Avanci), informa que o bullying pode ser identi-ficado a partir de três tipos de compor-tamento: agressivo e intencionalmente nocivo; repetitivo; e que se estabelece em uma relação interpessoal assimétrica, de dominação. Outras características são o fato de a vítima se sentir incapaz de se defender e até de perceber a si mesma como vítima, e de a agressão acontecer sem provocação ou motivo evidente.

Pesquisas internacionais divergem quanto à porcentagem de alunos envolvi-dos nessa prática, como vítimas ou como agressores, com índices que variam de 10% a 76,8%. No Brasil, a Pesquisa Nacio-nal da Saúde do Escolar 2009, realizada pelo IBGE, concluiu que quase um terço dos alunos entrevistados (30,8%) sofre-ram bullying. Estudantes do 9º ano do ensino fundamental (antiga 8ª série) de

6.780 escolas públicas ou privadas das ca-pitais e do Distrito Federal responderam a pergunta: “Nos últimos 30 dias, com que frequência algum dos seus colegas de escola o esculachou, zoou, mangou, intimidou ou caçoou tanto que você ficou magoado/incomodado/aborrecido?”. Os que se disseram alvo desse tipo de vio-lência raramente ou às vezes somaram 25,4%; os que afirmaram ter sido vítimas na maior parte das vezes ou sempre foram 5,4%. A ocorrência de bullying foi verificada em maior proporção entre alunos de escolas privadas (35,9%, contra 29,5% nos de públicas) e entre meninos (32,6% ante 28,3% de meninas).

PRECONCEITO E DISCRIMINAçÃO

Grande parte das manifestações de violência no espaço escolar pode ser atri-buída ao preconceito e à discriminação — por gênero, cor da pele, orientação sexu-al ou deficiência. A pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar, encomendada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC) à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), consta-tou que pessoas com deficiência, negras e homossexuais são as que mais sofrem.

Foram entrevistados 18.599 estu-dantes, pais e mães, professores e fun-cionários da rede pública de 500 escolas de todos os estados do país. Desses, 99,3% declararam ter algum tipo de preconceito — 96,5% com relação a pessoas com defi-ciência, 94,2% de caráter étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% de condição socioeconômica, 87,3% de orientação sexual e 75,95% territorial.

Quando perguntados sobre o nível de proximidade que estabeleceriam com esses grupos, 72% revelaram o desejo de manter distância de homossexuais, 70,9%, de pessoas com deficiência in-telectual, 70,4%, de ciganos, 61,8%, de pessoas com deficiência física, 61,6%, de índios, 61,4%, de moradores da periferia e/ou de favelas, 60,8%, de pessoas po-bres, 56,4%, de moradores e/ou trabalha-dores de áreas rurais, e 55%, de negros.

Os que relataram conhecer o bullying contra alunos apontaram como motivação o fato de a víti-ma ser negra (19%), pobre (18,2%) ou homossexual (17,4%). No caso

Simone aponta três categorias de violência: contra a escola, da escola e na escola

FoTo

: Sé

Rgio

ED

ua

RDo

DE

oli

vEiR

a

“tratamos todos com respeito, logo Não admitimos desrespeito com NiNguém” rosaNa leite de farias, diretora do ceNtro iNterescolar estadual miécimo da silva

Page 17: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 17 ]

dos professores, o bullying é mais associado à idade (8,9%) e, no de funcionários, à pobreza (7,9%).

REfLExOS DA SOCIEDADE

No Ministério da Educação, o tema é tratado principalmente pelo programa Escola que Protege, voltado à promoção e defesa dos direitos de crianças e adoles-centes e ao enfrentamento e prevenção das violências no contexto escolar. A ação se dá pelo financiamento de projetos de formação continuada de profissionais da rede pública de educação básica e pela produção de materiais didáticos e para-didáticos. Segundo a coordenadora-geral de Articulação Institucional da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC), Rosiléa Wille, o objetivo é levar as escolas a adotar mecanismos pedagógicos para enfrentar as violências de modo educativo e não repressivo. “As pessoas devem apren-der a dialogar para que os conflitos no ambiente escolar sejam motivadores de conhecimento pessoal e crescimen-to coletivo, favorecendo um clima de aprendizagem e boa convivência”, diz.

Ainda este ano, 6 mil escolas públi-cas devem receber cartilha, cartazes e ví-deos sobre homossexualidade. O anúncio da preparação desse conteúdo provocou polêmica, em mais um exemplo de que a discriminação no ambiente escolar é reflexo de uma sociedade que ainda não sabe lidar com a diversidade. O material passou a ser chamado de kit gay e apon-tado como estímulo à homossexualidade entre crianças e adolescentes.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou comunicado apoian-do o kit anti-homofobia: “Os materiais estão adequados às faixas etárias e de desenvolvimento afetivo-cognitivo a que se destinam, de acordo com a Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade, publicada pela Unesco em 2010”.

A maneira correta de se lidar com a diversidade não é consenso nem na Educação. Na Conferência Nacional de Educação, realizada em março de 2010, representantes dos surdos defenderam uma escola própria — proposta que aca-bou rejeitada. “Dinheiro público é para

a escola pública de qualidade para todos, não só para os que têm deficiência, nem só para os que não têm deficiência”, de-fendeu o delegado David de Souza, mem-bro do Conselho Nacional de Juventude, com paralisia cerebral. “Não queremos uma escola para os surdos, queremos uma escola para todos” (Radis 94).

ESCOLA INCLUSIvA

Para a jornalista Claudia Werneck, superintendente geral da Escola de Gen-te, organização da sociedade civil voltada a comunicação e inclusão, a escola brasi-leira está longe de tratar corretamente a diversidade. Ela defende a escola inclu-siva, que se baseia no direito de todos a receber uma educação de qualidade que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem e enriqueça suas vidas.

“Nosso sistema é violento e dis-criminador”, critica a jornalista, para quem a agressividade entre estudantes é a representação máxima de uma proposta pedagógica excludente. Ela se lembra do gordinho afastado do jogo de vôlei, do desafinado retirado da sala de música e de tantas outras situações que se repetem na maior parte das escolas, sem que os envolvidos percebam que estão praticando violência.

Para Claudia, toda escola pública ou privada que se recusa a se tornar

inclusiva, aberta à diversidade humana, voltada à educação de quem existe de fato, e não quem se gostaria que existis-se, é violenta. “As escolas devem abrigar todo o tipo de criança, as que andam ou não, os filhos de cigano, os filhos de afegão, os filhos de mãe assassina, com nariz escorrendo, com doença”. E faz um alerta: “Os pais podem ter certeza de que a escola que discrimina uma criança por ser deficiente discrimina seus filhos por outras razões”. Em outras palavras, “quando se fere uma criança, se fere todo o sistema educacional”.

O doutor em Educação Miguel Ar-royo, professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, também ressalta que a relação pedagógica deve ser um diálogo de saberes, vivências, valo-res, culturas, formas de pensar e de ler o mundo. “Essa concepção pedagógica de reconhecimento da diversidade instaura outra relação nas salas de aula, enri-quece a docência-aprendizagem mútuas”, avalia.

Arroyo defende que se entenda essa relação como um processo educa-tivo-formador, em que as duas pontas — educador e educando — estão em formação e humanização. “Essa con-cepção de prática pedagógica instaura relacionamentos mais delicados”.

“quaNdo a pessoa se chateia, já Não é mais só briNcadeira”ferNaNda ayres, represeNtaNte da turma do 4º aNo do curso

técNico de admiNistração do miécimo da silva

FoTo

: N

aTa

lia

Calz

ava

Ra

FoTo

: EB

ER F

aio

li/u

FMg

Arroyo: reconhecimento da diversidade instaura outra relação nas salas de aula

Claudia: escola deve se voltar a quem existe de fato, não a quem se gostaria que existisse

Page 18: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 18 ]

“miNha Nova turma me recebeu bem, como se Nada tivesse acoNtecido”pedro zacharias, do 1º aNo de admiNistração do eNsiNo médio iNtegrado

“O papel da escola começa em admitir que é um local passível de bullying, infor-mar professores e alunos e

deixar claro que o estabelecimento não admitirá a prática”, diz o cartaz afixado no mural do Centro Interescolar Estadual Miécimo da Silva, localizado no bairro de Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. A receita é simples e, nessa escola, parece funcionar.

O Miécimo, como é conhecido, é uma escola pública, com 1.592 alunos cursando ensino médio, médio integrado

(isto é, que oferece também o curso técnico) e pós-médio (curso técnico voltado àqueles que con-cluíram o ensino médio) — profis-sionalização em Administração, Edificações e Informática. Quem

percorre os corredores que circundam o pátio central vê paredes limpas e salas bem conservadas, e observa um aparen-te clima de cordialidade entre alunos, professores e funcionários.

Os casos de violência são raros no Miécimo: “Os alunos acabam se adap-tando ao jeito da escola”, busca explicar a diretora Rosana Leite de Farias, que assumiu a função há dois anos, depois de passar seis como adjunta. “Nossa escola não tem violência”, afirma, ressalvando que ocasionalmente precisa lidar com “questões pontuais” — principalmente bullying contra alunos e professores. “Tratamos todos com respeito, logo não admitimos desrespeito com ninguém”.

A escola opta pela prevenção. Os alunos participam de palestras e deba-tes, voltados a temas como diversidade e violência. Os representantes de turma são reunidos em seminários para discutir questões relacionadas à escola e, em seguida, compartilham o que discutiram com os colegas. Atuar “imediatamente”, nas poucas vezes em que se detecta algum tipo de discriminação, também surte efeito. O aluno agressor é chamado para uma conversa. Se a medida não for suficiente, os pais são envolvidos e vêm

Em escola de Campo Grande, respeito gera respeito

à escola para ficar cientes da situação e fazer sua parte na busca de uma mu-dança de comportamento do aluno. Os casos que persistem são comunicados ao Conselho Tutelar — o que só ocorreu duas vezes, em oito anos. “Foram casos de alunos que debochavam de professores e colegas”, conta Rosana. Em última ins-tância, o aluno pode ser convidado a sair da escola, o que até hoje não aconteceu.

SEMINáRIOS

Quando fui reprovado, achei que seria zoado por estar repetindo o ano, mas minha nova turma me recebeu bem, como se nada tivesse acontecido”, conta Pedro Taranta Zacharias, aluno do 1º ano de Administração, no ensino médio inte-grado. Fernanda Ayres, representante de sua turma do 4º ano de Administra-ção, diz que nunca viu caso de bullying ou outra forma de agressão na escola. “Muitos colegas têm apelidos, mas não são ofensivos”, diz. E como diferenciar brincadeira de agressão? Ela responde: “Quando a pessoa se chateia, já não é mais brincadeira”.

Fernanda participou dos seminários voltados à prevenção de violência. Em 2009, o tema foi bullying. No ano passado, a diversidade esteve em pauta. Coube à professora de Sociologia e Filosofia Jessica Zacarias falar sobre diversidade cultural.

“Conversamos sobre o estranhamento natural que sentimos em relação a pessoas de outras culturas, tentando trazer a ques-tão para o cotidiano e passar a mensagem de não discriminação”, relata. Jessica não esconde as dificuldades da profissão, mas diz se sentir mais plena do que angustiada. “Sempre destaco os aspectos positivos dessa carreira: ver os alunos crescendo para além de seus limites, alguns estimu-lados a se tornar professores”.

Nas aulas de inglês, todo ano, os alunos são chamados a apresentar trabalhos sobre bullying — iniciativa do professor da disciplina, que, ao longo da vida profissional, fora alvo de discrimi-nação. Jefferson Alves e Ana Carolina Sansão, do 4º ano de Administração, fizeram o trabalho juntos e concordam em que não é comum ver na escola ca-sos como os que examinaram. “É muito difícil acontecer e quando acontece logo é resolvido”, diz Ana.

Thamires Alves, do 2º ano, tam-bém relata um ambiente de bem estar. “Fazemos parte de uma família, somos conhecidos pelo nome”. Na sala da dire-ção, alunos entram e saem livremente. “Atendo todo mundo sem hora marca-da”, conta Rosana. “É muito importante termos um ambiente como esse”, diz Fabianne Cristine Bernardes, do 4º ano de Administração. “Quando passo por problemas, é aqui que me livro deles”.

Alunos participam de palestras e debates sobre a rotina escolar, diversidade e violência

Page 19: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 19 ]

Sensação frequente de esgota-mento, frustração e até vontade de mudar de profissão. Essas são apenas algumas consequências

das falhas estruturais da educação e da rotina exaustiva dos professores. “Nosso desafio é enorme, mas quando as relações na escola não estão boas o sentimento é o de nadar contra a maré”, comenta Anne Pimentel dos Santos, professora há 22 anos — atual-mente trabalhando na rede pública do município do Rio de Janeiro.

Pesquisa sobre violência nas es-colas realizada em 2007 pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) com de-legados de seu 19º encontro descreve um ambiente de mal-estar, permeado por desencontros, em que as agres-sões verbais fazem parte do dia a dia. “Comportamentos antes vistos como comuns são, agora, encarados como ameaçadores, provocando medo”, diz o relatório final, que reporta a impres-são de que os conflitos da instituição escolar não podem mais ser tratados pedagogicamente — o que “reitera a posição de fragilidade e escassa autoridade dos integrantes do corpo profissional da escola”.

Entre os professores entrevis-tados, 87% afirmaram ter ciência de casos de violência ocorridos na escola onde trabalhavam em 2006. A violência verbal foi a prática mais ci-tada, seguida por atos de vandalismo, agressão física e furto: 77% já foram xingados por alunos, sendo que em 23% dos casos os insultos são frequentes. Nesse cenário, a saúde do profissional da educação é diretamente afetada. Apesar de investigarem grupos teori-camente distintos, pesquisas sobre as condições de trabalho dos professores no Rio Grande do Sul e em São Paulo indicaram questões semelhantes.

Encomendado pela Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul

(Fetee-Sul), o primeiro ouviu professores de escolas particulares do estado, em 2008 e 2009. A jornada semanal de tra-balho dos entrevistados variava de 25 a 40 horas, mas havia um contingente que ultrapassava as 51 horas semanais. Era comum que, encerrado o expediente, os professores se dedicassem a tarefas como preparação de aulas e correção de provas: 70% sempre ou frequentemente trabalhavam fora do horário.

O estudo de São Paulo ouviu pro-fessores do ensino fundamental e médio da rede pública estadual, pré-delegados do 23º Congresso da Apeoesp, em 2010. Nesse universo, 32,6% tinham carga horária de 36 a 40 horas, 30% traba-lhavam em duas ou três escolas e 54% lecionavam para turmas com mais de 35 alunos. O salário bruto concentrava-se entre R$ 1.201 e R$ 2.400 para mais da metade dos entrevistados.

“Quando o professor trabalha em várias escolas ou passa o dia todo dentro da mesma escola, não tem tempo para pensar no seu fazer, quando o magistério exige a reflexão sobre a prática pedagó-gica”, observa Anne, cuja experiência no magistério contribuiu para a elaboração do livro Impactos da violência na escola — Um diálogo com professores.

Entre os entrevistados no Rio Grande do Sul, 76% sentiram cansaço ou esgotamento frequente nos últimos

seis meses. Mais: 71% tiveram dores no corpo após o dia de trabalho, 59% apresentaram dificuldade para dormir, 49% ficaram roucos, 44% sofreram com dores na articulação e 33%, com enxa-queca. Muitos se disseram estressados (35%), ansiosos (32%) e depressivos (11%). Esse quadro é característico da Síndrome de Burnout (do inglês to burn out ou queimar por completo), também chamada de síndrome do es-gotamento profissional, comum entre profissionais da educação.

Mais de 40% dos professores ou-vidos em São Paulo disseram sentir frequentemente cansaço, so-brecarga, frustração e exaus-tão emocional em relação ao trabalho, e 77,6% declararam ter vontade de mudar de pro-fissão, frequentemente ou às vezes. Entre as situações que mais lhes causavam sofrimento estavam a dificuldade de aprendizagem dos alu-nos (75,5%), a superlotação das salas de aula (66,2%), a jornada de trabalho excessiva (60,1%) e a violência na esco-la (57,5%). Na pesquisa do Rio Grande do Sul, registrou-se alto índice de docentes que se sentiam pressionados, por chefes superiores (35%), chefes imediatos (32%), alunos (27%), colegas (14%) e pais de alunos (14%). Quanto às situações de violência, 17% dos pro-fessores vivenciaram ou presenciaram agressões dentro da escola.

Na avaliação da pesquisadora do Claves Simone de Assis, os professores não estão preparados para lidar com esse ambiente opressivo e, por isso, precisam ser capacitados e estimula-dos. O curso que coordena na Ensp/Fiocruz é uma das iniciativas que visam à criação de energia para a ação: ao final dos três meses de aulas, cada participante desenvolve um projeto estratégico com a finalidade de di-minuir a violência na escola em que trabalha. Mas Simone ressalva que “o enfrentamento da violência deve ser relacional mas também estrutural”.

Professores relatam esgotamento e frustração

“sempre destaco os aspectos positivos dessa carreira: ver os aluNos cresceNdo para além de seus limites”

jéssica zacarias, professora de sociologia e filosofia

quaNdo as relações Na escola Não estão boas, Nosso seNtimeNto é de Nadar coNtra a maré

aNNe pimeNtel dos saNtos, professora

Page 20: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 20 ]

desigualdades em saúde

Adriano De Lavor

A experiência de uma pes-soa que sofreu algum tipo de discriminação, assim como as implicações des-

sa ocorrência para a saúde, pode ser mensurada. O professor da Universidade Federal de Santa Ca-tarina João Luiz Dornelles Bastos desenvolveu instrumento inovador, baseado em questionários e grupos focais e voltado especificamente às características da população brasileira, que leva a identificar os diferentes motivos pelos quais se deu a discriminação (como cor, sexo ou condição socioeconômica). Fruto de tese de doutorado do autor, inserida na linha de pesquisa Desi-gualdades em saúde do Programa de Pós-Graduação em Epidemio-logia da Universidade de Pelotas (RS), a proposta foi apresentada na sessão científica Desenvolvimento, descrição e propriedades psico-métricas de um instrumento para aferir discriminação no Brasil e sua aplicabilidade para a área de saúde

pública, promovida pelo Programa de Epidemiologia em Saúde Pública da Ensp/Fiocruz, em fevereiro.

João Luiz explicou que a pes-quisa foi motivada pela experiência que viveu na infância e adoles-cência, de acompanhar situações

de discriminação contra parentes negros, em Porto Alegre. Para cons-truir seu instrumento de aferição, diante das muitas abordagens do tema, no Brasil e no exterior, João recorreu à literatura das ciências sociais e se deparou com estra-

João Luiz teve a pesquisa motivada por situações de discriminação que presenciou na adolescência

FoTo

: Fl

ávi

o C

ESa

R/ C

Ci/

ENSP

/ Fi

oCR

uz

Instrumento brasileiro, baseado em questionários e grupos focais, avalia efeitos do tratamento

diferenciado sobre a saúde do indivíduo

Page 21: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 21 ]

tégias propostas pela economista americana Rebecca Blank e outros autores, em estudo publicado em 2001 (acessar em http://www.nap.edu/catalog.php?record_id=10887), pela Comissão Nacional de Estatís-tica (CNSTAT). De acordo com esse estudo americano, a discriminação racial poderia ser aferida através de experimentos laboratoriais, ex-perimentos de campo ou naturais, além de indicadores populacionais.

Os experimentos laboratoriais foram comuns durante os anos 1970, nas universidades americanas, e avaliavam se candidatos brancos e negros eram submetidos aos mesmos critérios em processos fictícios de seleção; as experiências de campo, também chamadas estudos de au-ditagem, simulam situações “mais próximas da vida real”. Um exemplo são os estudos que avaliam o desem-penho de candidatos negros e bran-cos, com currículos semelhantes, ao disputar uma vaga no mercado.

Já as experiências naturais são aquelas em que se avalia o impacto das mudanças de cenário na situação de grupos discriminados; investiga-ções que identificam como reage de-terminado grupo vulnerável, depois de uma mudança na legislação que o favoreça (ou aumente sua exclusão).

ExPERIÊNCIAS COM A DISCRIMINAçÃO

O trabalho de João se identifica com a estratégia dos indicadores populacionais. São questionários estruturados que indagam os indi-víduos sobre suas experiências com a discriminação. Quando revisou os questionários que vinham sendo utilizados, João percebeu que eles se concentravam em estudos reali-zados com populações específicas dos Estados Unidos. O pesquisador decidiu, então, propor uma escala de avaliação para o Brasil, que pu-desse ser usada com diferentes gru-pos, contextos e condições sociais, e que “permitisse comparações” entre estudos.

Segundo João, o que há de brasileiro em sua proposta é con-ceber que o sujeito que responde à pesquisa identifique diferentes motivos que o levam a ser discrimi-nado (como cor, sexo ou condição socioeconômica) e não apenas um, como acontece na maioria das pes-quisas internacionais. O cidadão que é discriminado por ser negro, gay e pobre, ao ser abordado pelas demais pesquisas, escolhe um desses moti-

vos como causa da discriminação. O instrumento brasileiro possibilita que o cidadão aponte tantos motivos quantos identificar, levando a uma análise mais completa e complexa do quadro.

João justificou a relação discri-minação e condições de saúde com a questão: Quem relata mais dis-criminação tem piores condições de saúde? O pesquisador se apoiou na definição de discriminação propos-ta pela epidemiologista americana Nancy Krieger — “processo pelo qual membros de um grupo socialmente definido são tratados diferente-mente (especialmente, de maneira injusta) devido ao pertencimento àquele grupo”. Ele lembrou que diferentes tipos de discriminação podem interagir e ser experimen-tados concomitantemente.

Sua pesquisa se limitou à ava-liação da discriminação explícita

—ofensas à reputação ou comen-tários depreciativos; restrição de contatos; práticas segregacionistas; agressões físicas e extermínio de grupos ou indivíduos — e gerou um questionário piloto, aplicado com estudantes universitários de uma instituição pública de ensino supe-rior, na cidade do Rio de Janeiro.

Composta de questionário ini-cial e grupos focais, a pesquisa ava-liou situações de discriminação em diferentes contextos (mercado de trabalho, educação, habitação, Jus-tiça criminal e serviços de saúde) e suas “fontes” (acesso, desempenho, avanço e agentes perpetradores). O que João queria entender eram os sentidos atribuídos pelos universitá-rios à experiência de discriminação e preconceito, incluindo o ponto de vista do entrevistado.

Eles foram questionados se já haviam sido sujeitos de uma expe-riência de tratamento diferenciado; se identificavam neste tratamento uma discriminação; se afirmavam

conhecer a razão desta diferença e o grau de incômodo gerado pela situ-ação. O aspecto inovador do estudo, segundo João, é ser uma escala de avaliação apropriada para a situação de diversidade do Brasil e incluir a opinião do entrevistado — se ele considera que foi (ou não) vítima de discriminação. Os entrevista-dos foram perguntados, ainda, se haviam testemunhado tratamentos diferenciados contra outras pessoas.

DISCRIMINAçÃO RACIAL

A primeira fase da aplicação do instrumento envolveu 424 estudan-tes de graduação. Eles responderam questionário, que também avaliou condições e comportamentos re-lacionados à saúde. As perguntas foram reaplicadas em 55 destes, 15 dias depois. E as questões foram, a seguir, aprofundadas em grupos focais. Ao cruzar as informações, o que se buscava era o padrão de relações existentes entre discri-minação e condições de saúde da população investigada.

Entre as conclusões prévias do estudo, constatou-se que a discriminação racial é mais rela-tada por aqueles que apresentam maior grau de escolaridade; e que a discriminação, em geral, é mais frequente em grupos menos favo-recidos economicamente.

João observa que seu estudo é relevante para a saúde coletiva na medida em que acrescenta um “ele-mento de complexidade” à discussão sobre as iniquidades. “Esse diagnós-tico situacional pode contribuir para sensibilizar os sujeitos e apontar tendências de comportamento”, aponta. A correlação dos dados pode indicar, também, que decisões e condições de saúde consideradas ruins podem ser relacionadas à ex-periência de discriminação.

Para Ricardo Ventura, pesqui-sador do Departamento de Ende-mias da Ensp/Fiocruz, o diferencial inovador do trabalho de João reside no fato de a proposta ir contra as abordagens ditas universalistas, utilizadas no mundo inteiro, mas que refletem a realidade ameri-cana, bem como por sua dimensão pedagógica, já que suscita no entrevistado uma reflexão sobre o processo social e político que leva à experiência da discriminação. “Isso possibilita perceber que as modalidades de discriminação po-dem ser diferentes em diferentes contextos”, observa.

esse diagNóstico situacioNal pode coNtribuir para seNsibilizar sujeitos e apoNtar teNdêNcias

joão luiz dorNelles bastos

Page 22: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 22 ]

EvENTO

2º simpósio de polítiCa e saúde do Centro brasileiro de estudos de saúde

O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) promove a segun-

da edição de seu simpósio Política e Saúde, tendo como foco a Reforma Sanitária brasileira. O evento reúne especialistas que discutirão temas como modelo de atenção e de gestão, reforma do Estado, relação público-pri-vado, financiamento e acesso à saúde e participação e determinação social. Haverá também grupos de trabalho e exibição de vídeos. Na ocasião, será escolhida a nova diretoria da instituição (gestão 2011/2013), eleita por meio da Assembleia Geral.

Data 7 a 9 julhoLocal Fiocruz Brasília, DF.Mais informaçõesTel. (21) 3882-9140E-mail [email protected] www.cebes.org.br

víDEOS

doenças negligenCiadas

A VideoSaúde-Distribuidora da Fiocruz e a Secretaria de Vigilância em

Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) lançam uma série de vídeos que tratam do controle de doenças negligenciadas e seus impactos na saúde pública, como parte do projeto Comunicação em Saú-de, produção audiovisual em vigilância em saúde. Ao todo, são seis títulos: Vi-gilância em saúde nos desastres, a expe-riência de Rio Branco (AC), dirigido por Ieda Rozenfeld; A saúde em rede contra os surtos — diarreia e outros sintomas de contaminação, de Homero Teixeira de Carvalho; Esquistossomose, quebrando o ciclo, com direção de Silvia Santos; e Leishmaniose visceral: conhecer para controlar, Doença de Chagas ontem e

Serviço

Editora fiocruzTel. (21) 3882-9039 e 3882-9006E-mail [email protected] www.fiocruz.br/editora

Editora SenacTel. (11) 2187-4450 e 2187-4486Site www.editorasenacsp.com.br

endereço

hoje e Institucional SVS-MS, dirigidos por Eduardo Thielen. Os vídeos estão disponíveis para consulta e aquisição no site da distribuidora (www.fiocruz.br/videosaude).

PUBLICAçõES

Homenagens a CHagas FilHo

Carlos Chagas Filho, cientista brasileiro, pro-fissão esperança, de Nara Azevedo e Ana Luce Girão Soares de Lima (Editora Fiocruz), faz uma homena-gem a esse cientista, cujo centenário se comemorou em 2010. O livro relata a trajetória de Carlos Chagas Filho, em texto, pesquisa e imagens. Entre as fotos, destaca-se a que mostra o cientista, médico formado, jovem e confiante. Nas palavras do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, que assina o prefácio do livro, “foi com esse perfil que o cientista, após passar pelo Ins-tituto Oswaldo Cruz, pegaria o navio em direção à Europa, para recriar, com nova amplitude, os passos de seus mestres”. O livro apresenta também imagens de Chagas Filho coordenan-do missões e instituições, entre elas o Instituto de Biofísica, uma de suas maiores criações, em 1945.

Em Recordações de Carlos Chagas Filho, organizado por Darcy Fontoura de Almeida e Wan-derley de Souza (Editora Fiocruz), pesquisadores que conviveram com Carlos Chagas Filho descrevem e analisam as contribuições do cientis-ta, com destaques para a formação do Instituto de Biofísica da UFRJ e a política universitária e científica brasileira. Entre os autores dos ar-tigos reunidos no livro estão, além dos organizadores, os pesquisadores Eloi S. Garcia e José Rodrigues Cou-ra, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), e João Carlos Pinto Dias, do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR/Fiocruz MG).

eduCação e teCnologia

Educação sem distân-cia – As tecnologias interativas na redu-ção de distâncias em ensino e aprendiza-gem (Editora Senac São Paulo e Escola do Futuro), de Ro-mero Tori, trata da aproximação entre professores e alunos e da importância de se quebrarem as barreiras entre aulas presenciais e virtu-ais, utilizando-se ambas em prol de uma “educação sem distância”.

museu emílio goeldi

Coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907), de Nelson San-jad (Editora Fiocruz), é fruto de premiada tese de doutorado. O livro investiga a construção institucional do Museu Emílio Goeldi, no Pará, na transição do país de Império a República e defende que o re-gime republicano e o sistema federativo foram marcos fundamentais para a tra-jetória da instituição e sua consolidação no cenário científico, especialmente sob a administração do cientista suíço Emílio Goeldi, de 1894 a 1907. A partir de fontes documentais variadas, algumas inéditas, o autor analisa temas como os projetos modernizantes locais, as mudanças ins-titucionais, o contato entre gerações de intelectuais e o discurso cientificista da nova elite dirigente do Pará. A publicação traz também um panorama da enorme produção científica do museu e da grande diversidade de temas e disciplinas estu-dados por Goeldi e seus colegas.

Page 23: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de

RADIS 105 • MAI/2011

[ 23 ]

Ana Lagôa *

Os deslizamentos e enchentes que atingiram a Região Ser-rana fluminense em 12 de janeiro deste ano quebraram

paradigmas importantes no campo da geologia, da climatologia e da sociologia das catástrofes. Reunidos em Teresópolis, nos dias 26 e 27 de fevereiro, pesquisa-dores e representantes da sociedade civil das sete cidades atingidas fizeram do 1º Fórum Nacional de Prevenção e Gerencia-mento em Eventos Extremos um marco ao redigirem a Carta de Teresópolis. Resumo das principais apresentações, a carta traz demandas a partir de algumas conclusões: as tempestades do tipo da que arrasou 50 quilômetros de encostas serranas serão cada vez mais fortes e mais frequentes; nem a população, nem os gestores públicos estão preparados para tal impacto e urge que as prefeitu-ras estabeleçam um plano emergencial adequado aos novos padrões climáticos, dando atenção especial à forma de ocupação do solo, aos alertas de tem-pestades e ao treinamento adequado da população civil.

Organizado pelo Centro de Ecologia Aplicada de Teresópolis (Ceat), com apoio de empresários da cidade, o fórum — que ganhou caráter permanente — possibili-tou a troca de experiências com gestores de outras cidades que passam por proble-mas semelhantes. João Paulo Kleinubing, prefeito de Blumenau (SC), tornou-se referência para as propostas surgidas

durante o encontro, no sentido de se trabalhar, não apenas pela reconstrução do que foi destruído pelas águas, mas pela reinvenção das cidades, em outras bases arquitetônicas, ambientais e urba-nísticas, respeitando-se as características naturais e removendo efetivamente as populações das áreas de risco.

Outro ponto importante do en-contro foi a valorização das pesquisas acadêmicas pelas autoridades que administram as cidades. “As parcerias são indispensáveis para que os gover-nantes tomem decisões em cima de dados corretos e não apenas a partir de percepções de risco que nem sempre correspondem à realidade”, afirmou Kleinubing, depois de visitar os pontos mais dramáticos de Teresópolis e tam-bém outras cidades da região.

Na Saúde, representantes da área médica dos principais hospitais da ci-dade se mostraram preocupados com as possíveis epidemias, sobretudo da leptospirose, já que os sobreviventes — por conta própria ou resgatados — tiveram que atravessar zonas cobertas de lama, muitas vezes mergulhando até a altura do peito. O professor e médico sanitarista Luiz Guilherme Peixoto do Nascimento, epidemiologista da rede pública de saúde, explicou detalhada-mente as causas e a evolução da doença, mas garantiu que a rede está preparada para atender a população.

“A Carta de Teresópolis se tornou o documento-base para os próximos encontros do fórum e para a edição da Cartilha dos Eventos Extremos”, afirma o presidente do Ceat, o médico Augusto Braga. “A viabilidade da proposta, que vai muito além das ações emergenciais de praxe, vem sendo discutida também com representantes da sociedade civil das

outras cidades serranas e será entregue aos seus administradores”. A Carta será levada também para debate entre estu-dantes, tanto nas universidades como nos níveis médio e fundamental.

A Carta de Teresópolis reforça a ne-cessidade de maior proximidade entre os interesses públicos e privados, tendo em vista que — não só em Teresópolis, mas também em grande parte dos municípios brasileiros — a vida humana está sendo relegada em favor de investimentos que visam o lucro e a especulação. É importante destacar, ainda, que as de-mandas listadas no documento dão novo sentido à relação do homem com o meio ambiente, superando definitivamente a visão ingênua que, por longos anos, impregnou o discurso verde. A realidade, dura e crua, da destruição avassaladora que as populações serranas fluminen-ses seguem vivendo (embora a grande imprensa tenha esquecido o assunto) certamente é um marco histórico, tan-to por estar quebrando paradigmas da geologia e da climatologia, como por estar impondo novas atitudes, tanto da sociedade civil, como do poder público, sob o risco de se ter comprometido o futuro de várias gerações de serranos. Ou seja: é premente que se façam mu-danças amplas e profundas nas políticas de ocupação do solo, de gestão de crise e de educação ambiental. Fechar os olhos para isso é esquecer que somos o lado frágil do embate homem-natureza; é preparar terreno fácil para que as próximas tempestades se transformem novamente em catástrofes.

Pós-tudo

* Ana Lagôa é voluntária do Centro de Ecologia Aplicada de Teresópolis, jornalista e coordenadora do Núcleo de Estudos de Comunicação e Educação (Nece).

A reinvenção das cidades

Ilu

stra

ção

: d

.m.

Ver a íntegra da Carta de Teresópo-lis em www.ecoaplicada.com e em www.ensp.fiocruz.br/radis.

Page 24: Escola, · ful mind, EUA, 2001). Direção: Ron Howard. Baseado no livro A beautiful mind: a biography of John Forbes Nash Jr., de Sylvia Nasar. O filme conta a história real de