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Tragédias em espaço sagrado 1 Rosângela Florczak 2 Uma sociedade assustada se choca diante das ocorrências que invadem um espaço, até bem pouco tempo, considerado sagrado, que é o espaço da escola. O que deveria ser lugar privilegiado no qual o tempo e a organização se voltam para aprender, ensinar, para conviver de forma saudável e segura, transformou-se em espaço vulnerável. Na imprensa, as escolas migraram de editoria e passam a estampar reportagens e notícias na seção policial. Os casos vão das denúncias de bullying, a ameaças e violências, até casos extremos como o massacre na escola pública de Realengo, no Rio de Janeiro. A escola deixou definitivamente de ser protegida e imune aos problemas sociais e transformou-se em palco privilegiado da maioria dos dramas e tragédias que há muito atingem toda a sociedade. Enquanto se multiplica a troca de acusações entre família e escola e as políticas públicas não conseguem acompanhar os sinais dos tempos, o que há é uma sensação de caos. A reflexão e o debate social sobre o tema não podem mais esperar. Já não é mais um problema apenas da escola ou só da família. Urge desencadear uma grande discussão pública que busque revisar todo o sistema educativo, o que inclui a educação formal da escola e a educação familiar. Não basta continuar tratando só os sintomas do problema, é preciso ousadia para encontrar e enfrentar as causas. Porque crianças e adolescentes de uma geração completamente digital têm dificuldade de suportar as metodologias e da educação formal ainda absolutamente analógica? Como famílias e escolas harmonizam suas concepções do que é formar, preparar filhos e alunos? A violência nasce em casa, nas famílias como produto de uma vida de estresse e tensão? A escola alivia esta tensão ou intensifica ainda mais? A formação dos professores assume a preparação do docente para a sociedade complexa, de incertezas na qual vivemos? São inúmeras perguntas que precisam ser feitas e muitas respostas ainda carecem de ser elaboradas. A escola está esfacelada. Famílias e estudantes não mais encontram os parâmetros necessários compreender os espaços educativos e de aprendizagem e a escola tenta se firmar sobre os pressupostos que a consolidaram há séculos, deixando de responder aos apelos das necessidades atuais. Somente um grande diálogo social poderá encontrar os caminhos para novos modelos de sistema educacional. Enquanto um movimento legítimo e efetivo não for desencadeado, continuaremos lendo sobre educação nas páginas policiais. 1 Publicado no Jornal Zero Hora (POA-RS), em 9/4/2011, pg. 17 2 Jornalista

Escola, lugar sagrado?

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Tragédias em espaço sagrado1

Rosângela Florczak2

Uma sociedade assustada se choca diante das ocorrências que invadem um espaço,

até bem pouco tempo, considerado sagrado, que é o espaço da escola. O que deveria ser lugar

privilegiado no qual o tempo e a organização se voltam para aprender, ensinar, para conviver

de forma saudável e segura, transformou-se em espaço vulnerável.

Na imprensa, as escolas migraram de editoria e passam a estampar reportagens e

notícias na seção policial. Os casos vão das denúncias de bullying, a ameaças e violências, até

casos extremos como o massacre na escola pública de Realengo, no Rio de Janeiro. A escola

deixou definitivamente de ser protegida e imune aos problemas sociais e transformou-se em

palco privilegiado da maioria dos dramas e tragédias que há muito atingem toda a sociedade.

Enquanto se multiplica a troca de acusações entre família e escola e as políticas

públicas não conseguem acompanhar os sinais dos tempos, o que há é uma sensação de caos.

A reflexão e o debate social sobre o tema não podem mais esperar. Já não é mais um

problema apenas da escola ou só da família. Urge desencadear uma grande discussão pública

que busque revisar todo o sistema educativo, o que inclui a educação formal da escola e a

educação familiar. Não basta continuar tratando só os sintomas do problema, é preciso

ousadia para encontrar e enfrentar as causas.

Porque crianças e adolescentes de uma geração completamente digital têm

dificuldade de suportar as metodologias e da educação formal ainda absolutamente analógica?

Como famílias e escolas harmonizam suas concepções do que é formar, preparar filhos e

alunos? A violência nasce em casa, nas famílias como produto de uma vida de estresse e

tensão? A escola alivia esta tensão ou intensifica ainda mais? A formação dos professores

assume a preparação do docente para a sociedade complexa, de incertezas na qual vivemos?

São inúmeras perguntas que precisam ser feitas e muitas respostas ainda carecem de ser

elaboradas.

A escola está esfacelada. Famílias e estudantes não mais encontram os parâmetros

necessários compreender os espaços educativos e de aprendizagem e a escola tenta se firmar

sobre os pressupostos que a consolidaram há séculos, deixando de responder aos apelos das

necessidades atuais. Somente um grande diálogo social poderá encontrar os caminhos para

novos modelos de sistema educacional. Enquanto um movimento legítimo e efetivo não for

desencadeado, continuaremos lendo sobre educação nas páginas policiais.

1 Publicado no Jornal Zero Hora (POA-RS), em 9/4/2011, pg. 17

2 Jornalista