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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA – EST INSTITUTO ECUMÊNICO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA FLÁVIO RICARDO HASTEN REITER ARTIGAS CONHECIMENTO E PIEDADE VITAL: UM EXERCÍCIO HERMENÊUTICO PARA A PASTORAL ESCOLAR E UNIVERSITÁRIA E OS INDICATIVOS PARA UMA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO São Leopoldo 2008

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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA – EST

INSTITUTO ECUMÊNICO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

FLÁVIO RICARDO HASTEN REITER ARTIGAS

CONHECIMENTO E PIEDADE VITAL: UM EXERCÍCIO HERMENÊUTICO PARA A PASTORAL ESCOLAR E UNIVERSITÁRIA E OS INDICATIVOS PARA

UMA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO

São Leopoldo

2008

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FLÁVIO RICARDO HASTEN REITER ARTIGAS

CONHECIMENTO E PIEDADE VITAL: UM EXERCÍCIO HERMENÊUTICO PARA A PASTORAL ESCOLAR E UNIVERSITÁRIA E OS INDICATIVOS PARA

UMA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Dissertação de Mestrado Para obtenção do grau de Mestre em Teologia Escola Superior de Teologia Programa de Pós Graduação Área de concentração: Religião e Educação

Orientador: Dr. Manfredo Carlos Wachs

São Leopoldo

2008

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A791c Artigas, Flávio Ricardo Hasten Reiter Conhecimento e piedade vital : um exercício hermenêutico

para a pastoral escolar e universitária e os indicativos para uma teologia da educação / Flávio Ricardo Hasten Reiter Artigas ; orientador Manfredo Carlos Wachs. – São Leopoldo : EST/PPG, 2008.

138 f. Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Teologia. Programa de Pós-Graduação. Mestrado em Teologia. São Leopoldo, 2008.

1. Igreja Metodista – Educação. 2. Igreja Metodista – História. 3. Obras da igreja junto aos estudantes. 4. Wesley, John (1703-1791). I. Wachs, Manfredo Carlos. II. Título.

Ficha elaborada pela Biblioteca da EST

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FLÁVIO RICARDO HASTEN REITER ARTIGAS

CONHECIMENTO E PIEDADE VITAL: UM EXERCÍCIO HERMENÊUTICO PARA A PASTORAL ESCOLAR E UNIVERSITÁRIA E OS INDICATIVOS PARA

UMA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Dissertação de Mestrado Para obtenção do grau de Mestre em Teologia Escola Superior de Teologia Programa de Pós Graduação Área de concentração: Religião e Educação

Data: 30 de junho de 2008 Dr. Manfredo Carlos Wachs – EST _____________________________________ Dr. Remi Klein – EST ______________________________________ Dr. Luis Wesley de Souza – Emory University ______________________________________

4

RESUMO

Uma pesquisa com base na interpretação hermenêutica de textos da tradição wesleyana, com ênfase no conceito “Conhecimento e Piedade Vital”, a partir regulamentação oficial e da prática da Pastoral Escolar e Universitária, na instituição de ensino da Igreja Metodista. A pesquisa é desenvolvida em três momentos complementares. No primeiro capítulo há um resgate da história e teologia de John Wesley e sua ênfase na educação. Segue uma análise do Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias, a partir de suas funções, por meio de uma leitura interpretativa vinculando a herança wesleyana, as diretrizes e a prática diária da Pastoral na instituição de ensino. Também são considerados outros documentos basilares para a educação e a vida da Igreja além das “Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista”: o Plano para a Vida Missão da Igreja Metodista e o Credo Social. O terceiro capítulo a traz uma abordagem hermenêutica, buscando mesclar a tradição wesleyana de teologia e história, e as funções da Pastoral Escolar e Universitária a partir de sua prática diária, seus desafios, suas dúvidas e o vislumbre das possibilidades. Para finalizar o terceiro capítulo são abordadas algumas indicações para uma teologia da educação para pesquisas posteriores. Na articulação entre história, teologia e prática as conclusões buscam desafiar ao debate e construção de conhecimento sistematizado que responda e subsidie a prática da Missão na Igreja Metodista em suas instituições de ensino a partir da herança de John Wesley, e do envolvimento do Metodismo com a educação numa perspectiva de Missão.

Palavras-chave: John Wesley e educação; Pastoral Escolar e Universitária; Metodismo e Educação; Conhecimento e Piedade Vital.

5

ABSTRACT

An hermeneutic interpretative research in wesleyan heritage texts, with emphasis on the concept of “knowledge and vital piety”, considering the practices of School and Universitary Pastoral Ministry, in the Methodist education instituition. This research is developed in three complementary moments. There is a John Wesley’s historical and theological rescue in the first chapter, in his education emphasis. Followed by an analysis in the School and Universitary Pastoral Ministry regimental statements, it functions, with an interpretative reading crossing the wesleyan heritage, and daily practices of Pastoral on methodist education instituition. Also considering other main documents for education an methodism than “Diretrizes para a Educacao na Igreja Metodista”, as “Plano para a Vida e Missao da Igreja Metodista” and “Credo Social”. In the last chapter an interpretation combine wesleyan theological and historical tradition, and School and Universitary Pastoral Ministry function and practices, challenges, doubts and possibilities. Third chapter evaluate some indications toward a theology of education settling for further researches. In this history, theological and practice combined, conclusions build ideas to challenge knowledge construction to answer and be helpfull for Methodist Church Mission practices through it education instituition with wesleyan heritage, and Methodist educational efforts in the Mission perspective. Keywords: John Wesley and education; Chaplaincy, School and Universitary Pastoral; Methodism and Education; Knowledge and Vital Piety.

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SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................... 4 ABSTRACT ................................................................................................................. 5 SUMÁRIO ................................................................................................................... 6 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 1. O CARÁTER DO METODISMO: UM MOVIMENTO COM PRETENSÕES .......... 12

1.1. As bases que fundamentam um desafio ......................................................... 15 1.1.1. Reformar a Nação e a Igreja, pensamento abrangente da missão cristã . 18 1.1.2. O mundo é minha paróquia - a visão abrangente de Wesley ................... 21 1.1.3. Características da santidade bíblica wesleyana ....................................... 23

1.2. O Quadrilátero Wesleyano .............................................................................. 25 1.2.1. Quadrilátero, uma metáfora: caixa, móbile ou mensageiro dos ventos? .. 26 1.2.2. Revelação ................................................................................................ 28 1.2.3. A Razão ................................................................................................... 30 1.2.4. Tradição ................................................................................................... 33 1.2.5. Experiência Pessoal ................................................................................. 35

1.3. Conhecimento e Piedade Vital ........................................................................ 36 1.3.1. Conhecimento de Deus, de si e do mundo .............................................. 37 1.3.2. O Conhecimento, a Educação e Wesley .................................................. 38 1.3.3. A Missão “ad populum”, ações e subsídios para a educação .................. 43 1.3.4. Kingswood School para a educação de crianças ..................................... 44

1.4. Piedade um conceito vital para o Metodismo ................................................. 46 1.4.1. Para compreender a Piedade .................................................................. 47 1.4.2. Imagem de Deus ...................................................................................... 54 1.4.3. Atos de Piedade ....................................................................................... 59 1.4.4. Obras de Misericórdia .............................................................................. 61

2. PASTORAL ESCOLAR E UNIVERSITÁRIA, SUAS FUNÇÕES REGULAMENTARES NA EDUCAÇÃO METODISTA, A PARTIR DAS DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO NA IGREJA METODISTA .................................................... 65

2.1. Funções regimentais da Pastoral Escolar e Universitária ............................... 67 2.1.1. Sua Missão e propósito evangelizador ..................................................... 67 2.1.2. Profética ................................................................................................... 73 2.1.3. Sacerdotal ................................................................................................ 75 2.1.4. Pastoral .................................................................................................... 78 2.1.5. Consciência crítica ................................................................................... 80

2.2. Conceito de educação nas Diretrizes ............................................................. 82 2.2.1. Formação melhor qualificada ................................................................... 85 2.2.2. Desenvolvimento de consciência crítica ................................................... 86 2.2.3. Compromisso com a transformação da sociedade .................................. 86 2.2.4. Segundo a missão de Jesus Cristo .......................................................... 89

2.3. Os Desafios da Pastoral frente à educação na instituição metodista de ensino ............................................................................................................................... 90

2.3.1. “Superar a repetição de conteúdos” ......................................................... 91

7

2.3.2. O Reino de Deus ou a afirmação de uma missio educatio ....................... 93 3. EDUCAÇÃO METODISTA: CONHECIMENTO E PIEDADE VITAL NA PASTORAL ESCOLAR E UNIVERSITÁRIA ............................................................ 95

3.1. “Unir o par a tanto separado”: A educação e a religião .................................. 97 3.2. “Conhecimento e a Piedade vital”: As ações sacerdotais ............................. 101 3.3. “A verdade e o amor faças a todos ver”: As ações proféticas ....................... 104 3.4. “Reformar a Nação e a Igreja” com “a aprendizagem e a santidade combinadas”: as ações pastorais por meio da Pastoral Escolar e Universitária .. 106 3.5. “O mundo é minha paróquia”: Uma eclesiologia de alcance irrestrito ........... 110 3.6. “A Imagem de Deus”: Uma pedagogia da transformação ............................. 114 3.7. Indicativos de uma teologia da educação metodista .................................... 118

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 122 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 128

8

INTRODUÇÃO

Une o par a tanto separado, Conhecimento e piedade vital Aprendizado e santidade combinados, E verdade e amor, faça todos os homens ver Por quem por Ti nos damos, Por Ti, inteiramente por Ti, para morrer e viver. 1

A escolha do mestrado em teologia, com área de concentração em Religião

e Educação, dá-se num momento bastante peculiar. De um lado o exercício do

ministério pastoral ordenado da Igreja Metodista vinculado à instituição de ensino, na

coordenação da Pastoral Escolar e Universitária da Rede Metodista de Educação do

Sul, composto pelo Centro Universitário Metodista IPA, Faculdade Metodista de

Santa Maria, Colégio Metodista Americano, Colégio Metodista Centenário de Santa

Maria, e Colégio Metodista União de Uruguaiana, com cerca de treze mil alunos. De

outro, pelas recentes decisões da Igreja Metodista, tomadas em seu XIX Concílio

Geral2 em 2006, afirmando a necessidade de aproximação maior das instituições de

ensino à Igreja e a participação conjunta na Missão. Também houve debates e

decisões sobre o posicionamento ecumênico e o crescimento de uma teologia mais

pentecostalizada, além de mudanças na estrutura administrativa das instituições de

ensino.

1 WESLEY, Charles. Kingswood School for Children. In: The Works of John Wesley: Bicentenial Edition. Nashville, Abongdon. 2003. “Unite the pair so long disjoined,/Knowledge and vital piety:/ Learning and holiness combined,/ And truth and love, let all men see / In the whom up thee we give,/ Thine, wholly thine, to die and live.” (todas as traduções são versões pessoais de livre tradução, onde não for o caso será devidamente indicado) 2 O Concílio Geral é a instância máxima de decisão na Igreja Metodista no Brasil, reunindo representação paritária de delegados leigos e clérigos das Igrejas de todas as oito Regiões. Reúne-se a cada qüinqüênio.

9

A ação de uma Pastoral Escolar e Universitária, num ambiente em que a

educação se entrelaça com a religião e com todas as diretrizes e utopias para a

educação metodista, precisa de subsídios para resgatar os conteúdos históricos da

herança wesleyana e propor possibilidades para alcançar os objetivos do conceito

de uma educação confessional metodista. Estar, portanto, num ambiente acadêmico,

com funções pastorais, envolvido nas instâncias acadêmicas ou pedagógicas,

administrativas e comunitárias das instituições, desperta desafios próprios de uma

pastoral que vá além da capelania, e que articule e propague os conteúdos de uma

educação comprometida com a vida e transformação da sociedade conforme a

missão de Jesus Cristo. A pesquisa bibliográfica nutre-se da realidade da prática

cotidiana e busca, na interpretação da herança histórica e da ação cotidiana, novos

horizontes da ação das Pastorais como presença da própria Igreja Metodista no

ambiente acadêmico.

Há necessidade de desenvolvimento de pesquisa que considere e

sistematize os temas de religião e educação na Igreja Metodista. Não foi possível

encontrar, no transcurso dessa pesquisa material teológico sistematizado que verse

sobre uma teologia da educação ou do ensino, mesmo que haja historicamente

envolvimento de diversas igrejas cristãs com a educação. No âmbito do metodismo

há escassez de material crítico sobre o tema, sendo possível encontrar artigos

esparsos nas Revistas de Educação do COGEIME3, e um ou outro título que podem

oferecer subsídios. Foi necessário então, para a pesquisa, recorrer à bibliografia não

sistematizada sobre o assunto, buscando nas obras originais de John Wesley a base

para o trabalho. Mesmo nos centros de pesquisa do Metodismo e da tradição da

herança wesleyana pouco se tem feito para ler John Wesley por essa perspectiva

presente efetivamente na prática, que é a educação, podendo se encontrar trabalhos

na área de educação cristã.

Na obra de Heitzenrater, “The Elusive Mr. Wesley”4 há uma relação de

pesquisas sobre John Wesley em diversas áreas nos capítulos 34 e 35. A

descoberta desse conteúdo aconteceu já no final da pesquisa o que tornou inviável a

procura pelos títulos em livrarias dos Estados Unidos e Europa, seja pelo valor das 3 A Revista de Educação do Cogeime, começa a ser publicada em 1992, em Piracicaba, tendo duas edições por ano. A responsabilidade da publicação é do Cogeime, cuja denominação jurídica evoluiu para “Instituto Metodista de Serviços Educacionais”. Para outras informações sobre o Cogeime é possível acessar seus histórico e outros conteúdos em <www.cogeime.org.br>. 4 HEITZENRATER, Richard P. The elusive Mr. Wesley. 2.ed. Abingdon: Nashvile. 2003.

10

aquisições, seja pela demora de remessa e atraso que infligiria à pesquisa. Se estes

títulos existem em alguma biblioteca no Brasil, não há informações. Fica registrado,

portanto que há outras possibilidades de pesquisa não abordadas nesse trabalho

pela limitação de bibliografia.

De artigos esparsos muitos foram coletados em formato eletrônico, no

Wesley Center OnLine, do Wesley Center for Applied Tehology, da Northwest

Nazarene University. Para o início da pesquisa foi de grande utilidade, conseguindo

pontos de vista diferentes da literatura que há sobre Wesley em português. O

contato por email com o pesquisador Dr. Richard P. Heitzenrater, professor titular

“William Kellon Quick Professor of Church History and Wesley Studies” da Divinity

School da Duke University trouxe idéias e orientações de textos sobre Wesley. É

dele que surgiu a orientação de procedimentos de melhor uso da versão eletrônica

em Cd-Rom do “The Works of John Wesley”5 contendo a tradicional versão de

catorze volumes de Thomas Jackson (Jackson Edition) e a nova versão chamada

“The Bicentennial Edition” cujo trabalho foi liderado pelo pesquisador. Heitzenrater e

Randy Maddox lideram o Wesley Summer Seminary, do Center for Studies in the

Wesleyan Tradition, também na Duke. A pesquisa sofreu com o fracasso da viagem

ao Summer Seminary em junho de 2006, onde a convite de Heitzenrater e

juntamente a outros 19 pesquisadores haveria a possibilidade de trinta dias de

pesquisa nos acervos da bibliotecas da Duke University. A viagem e participação foi

frustrada pela negativa de visto para viagem aos Estados Unidos.

A escolha de lidar com o material histórico, teológico, regulamentar e prático

com a chave hermenêutica do conhecimento e piedade, vai além da simples

interpretação ou debate das fontes da pesquisa. Há no processo de envolvimento da

Pastoral Escolar e Universitária muito mais do que está escrito. A experiência

construída e as experiências diárias contínuas exercem papel desafiador para uma

interpretação que seja relevante para o cotidiano de instituições de ensino e Igreja.

Unir conhecimento e piedade tem muito maior tarefa que apenas propor uma

aproximação multidisciplinar de razão e fé, ou ciência e fé ou ainda educação e

religião. Há processos, valores, filosofias, diretrizes, ações, planos e situações reais

nas quais é necessário um fundamento articulado.

5 HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press, 2005. CD-ROM.

11

Nessa perspectiva de pesquisador envolvido com o ambiente pesquisado, o

exercício de distanciamento foi constante para que o trabalho não se tornasse

panfletário ou propagandístico. Valiosas as observações do orientador da pesquisa,

Dr. Manfredo Carlos Wach, que exerceu sua crítica colaborando na percepção dos

rumos necessários para o trabalho.

A pesquisa está desenvolvida em três momentos complementares. No

primeiro capítulo há um resgate da história e teologia de John Wesley e sua

vinculação e ênfase na educação, a partir do paradigma do conhecimento e piedade

vital. Ali a ênfase vai recair sobre as questões da graça, da piedade que se realiza e

deve ser sempre realizada na prática da vida, que é onde tem significado, e a

doutrina da Imagem de Deus que tem íntima ligação com o motivo da educação.

Em seguida é analisado o Regulamento das Pastorais Escolares e

Universitárias, a partir de suas funções. Isto se faz por meio de uma leitura

interpretativa vinculando a herança, as diretrizes e a prática diária da Pastoral na

instituição de ensino. Também são considerados outros documentos basilares para

a educação e a vida da Igreja além das “Diretrizes para a Educação na Igreja

Metodista”: o Plano para a Vida Missão da Igreja Metodista e o Credo Social que

completa o centenário de sua primeira versão. Algo a se notar é a tensão constante

que a Pastoral sofre no exercício de seu ministério.

O terceiro capítulo busca uma abordagem onde a ação hermenêutica é mais

notada. É uma tentativa de mesclar o material prévio dos dois primeiros capítulos, e,

a partir de frases ou expressões de wesleyana, analisar as funções da Pastoral

Escolar e Universitária a partir de sua prática diária, seus desafios, suas dúvidas e o

vislumbre das possibilidades. Para finalizar o terceiro capítulo algumas indicações

para uma teologia da educação são ensejadas como provocação para pesquisas

posteriores.

No exercício da pesquisa surge o exame das relações entre a tradição e

herança wesleyana e as funções e práticas da Pastoral. Nessa articulação entre

história, teologia e prática as conclusões buscam desafiar ao debate e construção de

conhecimento sistematizado que responda e subsidie a prática da Missão na Igreja

Metodista em suas instituições de ensino.

12

1. O CARÁTER DO METODISMO: UM MOVIMENTO COM PRETENSÕES

Esta a religião queremos ver estabelecida no mundo, a religião do amor, da alegria e da paz; estando assentada no coração, no mais profundo da alma, porém sempre sendo mostrada por meio dos frutos, continuamente jorrando, não apenas em todo ato inocente – que por amor não faz mal a seu vizinho – mais que isso em todo tipo de beneficência, espalhando virtude e felicidade a seu redor6

O Metodismo foi um movimento religioso do século dezoito, dentro da Igreja

da Inglaterra, liderado por John Wesley, que trouxe uma “nova preocupação com a

renovação tanto individual como institucional”7 e um encontro entre a fé

proposicional e a experiência pessoal de fé8. Ele estruturou um movimento com

objetivo de viver uma vida cristã prática, de cultivo da espiritualidade, obras de

misericórdia e atos de piedade. Wesley foi “o líder de um reavivamento evangélico

que iria, durante a sua vida, se espalhar por toda a parte e se tornar um movimento

6 “(...) This religion we long to see established in the world, a religion of love, ad joy, and peace; having its seat in the heart, in the inmost soul, but ever showing itself by its fruits, continually springing forth, not only in all innocence – for love not worketh no ill to[our] neighbor – but likewise in every kind of beneficence, spreading virtue and happines all aroun it” (WESLEY, John. Sermons on several occasion. Sermon 132, On laying the foundation of New Chapel. Vol 7. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 7 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o povo chamado metodista. Editeo/Bennet: São Paulo/Rio de Janeiro, 1996. p. 1. 8 HEITZENRATER, 1996, p.1.

13

que cruzaria o Atlântico”9 e chegaria até o Brasil já no século dezenove. Com

ênfase no “caráter integral do Evangelho”10 tem sublinhada a importância da

educação, sendo um movimento “evangélico eminentemente educacional”11.

John Wesley e os metodistas definiram o propósito do movimento em

Conferências que reuniam os pregadores metodistas. O resultado das

conversações, debates e decisões era registrado nas “Minutes of Some Late

Conversations”12, também chamadas de “Large Minutes”. Eram minutas das

reuniões, um registro escrito de questões doutrinárias, estruturais e de orientação

para os pregadores e metodistas. O documento tem uma estrutura de pergunta e

resposta e registra a intenção do metodismo e de sua divulgação como segue:

Questão: O que podemos razoavelmente crer como sendo plano de Deus no surgimento de pregadores chamados metodistas? Resposta: Para reformar a nação e, em particular, a Igreja; para espalhar a santidade bíblica sobre a terra13.

É uma definição ousada, com certa tendência hegemônica, que pode ser

entendida como registro de uma visão abrangente. É um propósito de vida que serve

de fundamento para o envolvimento de John Wesley e seus companheiros de

universidade no Movimento Metodista. Suas ações deviam transformar a nação, a

Igreja e a pessoa, pois o proclamador da santidade deve ser portador da mesma. É

um interesse reformador de amplo alcance, e pressupõe ou exige, que os

pregadores metodistas fossem o referencial e modelo da santidade bíblica em

prática piedosa e boas obras. O resultado seria a proclamação da mensagem cristã

que se espalharia pela nação Inglesa e as Colônias da Geórgia, como realmente

aconteceu, alcançando mais de duzentos países incluindo o Brasil.

Richard Heitzenrater14 afirma que o metodismo teve três surgimentos,

localizados entre os anos de 1725 a 1739, todos tendo a pessoa de John Wesley

9 HEITZENRATER, 1996, p.1. 10 MATTOS, Paulo Ayres. Mais de um século de educação metodista. Cogeime: Piracicaba, 2000. p. 11 11 MATTOS, 2000, p. 11. 12 Talvez a melhor tradução seja “Minutas de Conferências”, que “foram juntadas e revisadas num panfleto de dezesseis páginas, por volta de 1753, [...] contendo uma seleção atualizada dos principais pontos de doutrina e estruturação para a conexão” de pregadores metodistas. Elas foram ampliadas outras vezes, por exemplo em 1763. (HEITZENRATER, 1996. p.212). É possível ler o material original nas publicações do Wesley’s Works (The Works of John Wesley. Ed. Thomas Jackson. 14vols. Abingson Press, Nashville.) ou na versão mais atualizada de HEITZENRATER, R.P. The Works of John Wesley – The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Abingdom Press: Nashville, 2005. CD-ROM. 13 HEITZENRATER, 1996, p. 214. 14 HEITZENRATER, 1996, p. 33-58.

14

como referência. O primeiro na Universidade de Oxford, Inglaterra, entre estudantes

tutorados por Wesley, eleito fellow15 do Lincoln College. Eles eram convidados a

uma vida de disciplina metódica e dedicação aos estudos, e à vida e prática

espiritual. Um dos inícios do metodismo16, o “Clube Santo”17, reunia jovens cristãos

estudantes da Universidade de Oxford liderados por John Wesley. Nesse Clube os

jovens decidiram-se por uma vida de estrita disciplina, de exercícios de

espiritualidade, de rigoroso estudo e de prática de solidariedade social18. Eram

“células de pessoas interessadas em buscar seriamente o estudo e o viver santo”19

Visitavam enfermos, viúvas, encarcerados, condenados à morte e desejavam ver

sua pátria transformada pelo amor de Cristo que resgata e salva20.

Antes do final do ano de 1733 havia grupos ligados aos Metodistas de

Oxford, totalizando cerca de “quarenta pessoas associadas” que “[...] tinham vinte

anos ou poucos mais, mas muitos ainda eram adolescentes, alguns com apenas

catorze anos” e “representavam oito colleges: Christ Church, Lincoln, Queen´s,

Bresemore, Pembroke, Merton, Magdalen e Exeter”21. Suas vidas eram marcadas

por várias regras e métodos. Atividades com jejuar, levantar cedo, escrever

resoluções pessoais, questões para auto-exame, estudar a Bíblia, orar particular e

publicamente, e manter um diário de anotações com minuciosos detalhes em busca

de santidade, e registros de visitas, leituras, escritos, conversas, todas com

avaliação do “grau de atenção.”22

15 O Fellow era um professor tutor eleito para o cargo pela Universidade de Oxford, devia ser solteiro. (HEITZENRATER, 1999, p. 34) 16 Heitzenrater alude ao fato de que devem ser considerados pelo menos “três inícios” do Metodismo: O Clube Santo em Oxford, a viagem missionária às Colônias da Geórgia, e a primeira Sociedade Unidas. 17 Heitzenrater relata que “Kirkham [Robert] foi o primeiro a sentir a violência das brincadeiras maldosas de seus colegas no Merton College por ser um membro do que eles chamavam ironicamente de “O Clube Santo”. Esse apelido foi logo substituído por uma série de outros nomes zombeteiros que proclamavam seus esforços para o bem: Clube Religioso, Traças da Bíblia, Homens de Superrogação. Como sempre acontece nesses casos, os boatos a respeito de suas atividades havia ultrapassado o seu verdadeiro esquema de atividades, com o resultado de que eles ganharam a reputação de serem (como João relatou a seu pai) “amigos somente daqueles que são tão esquisitos quanto nós mesmos”. Wesley não gostava que os chamassem de “Clube”, e apesar de ele mesmo ocasionalmente usar o termo, estava hesitante em adotar qualquer designação formal como uma “sociedade”. (HEITZENRATER, 1996, p. 41-42). 18 HEITZENRATER, 1996, p. 40. 19 HEITZENRATER, 1996, p. 49. 20 HEITZENRATER, 1996, p. 40. 21 HEITZENRATER, 1996, p. 49. 22 HEITZENRATER, 1996, p. 49 e 52.

15

Um segundo surgimento, descrito por Heitzenrater, acontece nas colônias da

Geórgia, no Novo Mundo, desembarcando como capelão missionário em Savannah

em 6 de fevereiro de 1736, para pregar o Evangelho aos nativos e aos

colonizadores. A viagem em barco a vela, no inverno e com mar tempestuoso, faz

que ele questione sua vida e sua morte. Depara-se com a perspectiva de viver o

evangelho e temer por sua vida. A experiência na Colônia não lhe foi muito

favorável, o que obriga um retorno sorrateiro para Londres.

O terceiro surgimento, em Londres no ano de 1738 é o acontecimento que

dá impulso às intenções do Movimento Metodista como ação renovadora da Igreja

Inglesa. É muito valorizado o evento conhecido como experiência do “Coração

Aquecido”, o marco considerado principal do surgimento do metodismo.Trata-se de

uma experiência pessoal de “sentir o coração estranhamente aquecido” como ele

narra em seu diário. É a partir daí que o movimento tem crescimento para conquistar

toda a Inglaterra com organização, disciplina, material de divulgação impresso, e

inovações no ministério de pregação da palavra ao ar livre e com pregadores leigos.

1.1. As bases que fundamentam um desafio

John Wesley, um dos nove filhos do presbítero anglicano ordenado Rev.

Samuel Wesley e Susanna Annesley, conviveu com o estudo disciplinado e a

educação com objetivos intelectuais desde cedo a partir de sua casa. Ele foi

alfabetizado aos quatro anos de idade, um costume de sua família, começando com

a freqüência diária e rigorosa às aulas domésticas a partir do dia do aniversário das

crianças. Meninos e meninas eram ensinados pela mãe Susanna. Ao final do

primeiro ano de escola doméstica já haviam lido pela primeira vez a Bíblia. É

possível encontrar a descrição do método e filosofia de educação empregada por

Susanna com seus filhos e filhas numa carta enviada em resposta a John. Ele havia

questionado a mãe quanto sua forma de educar tantas crianças. A carta de Susanna

é datada de 24 de julho de 1732 e é citada na íntegra num trecho do Journal23 de

Wesley.

23 O Journal era um diário escrito para ser publicado, ao contrário do Diary que contém símbolos, abreviações e códigos pessoais de Wesley. A carta resposta de sua mãe é da data de 1 de agosto de

16

Uma situação interessante é que seus pais foram criados em lares não-

conformistas24 e optado posteriormente pela teologia e autoridade da Igreja

Anglicana. O avô de Wesley, de nome John Westley, teve muitos problemas com a

Igreja da Inglaterra, por seu posicionamento não-conformista, tendo sido punido com

o afastamento da paróquia, e até prisões. Há uma obra que registra a confrontação

de Westley com o bispo de Bristol, a The Nonconformist Memorial, escrita por

Edmund Calamy25. Ao decidir retornar à comunhão plena com a Igreja Anglicana

retornam as oportunidades de acesso à Universidade de Oxford. Duas

características marcavam a vida em família: a sede pelo conhecimento e a estrita

disciplina. John Wesley estudou na Charterhouse School, uma escola preparatória

para Oxford, com uma bolsa do Conde de Buckingham. O percurso de John em

Oxford é assim descrita por Nascimento,

chegou a Oxford em 1720 tornando-se membro do Christ College. Graduou-se em 1727, com o Magister Artium. Foi “Fellow” do Lincoln College e permaneceu vinculado à academia até 1751. Foi, assim, muito influenciado pelo ambiente acadêmico e ilustrado, vivendo “inter sylvas academicas”. De 1726 a 1730 e entre 1729 e 1734 ele foi Lecturer in Greek, de 1726 a 1730 ele foi também Lecturer in Logic, e de 1730 a 1735 ele foi Lecturer in Philosophy em Oxford.26

A dedicação acadêmica era tão intensa quanto a dedicação à busca por uma

espiritualidade profunda, inspirada por autores pietistas. A imensa carga de leitura

durante sua formação em Oxford27 e durante toda a vida lhe garantia uma vasta

compreensão dos mais diversos temas. De conhecimento enciclopédico utilizou

todas as ferramentas a seu dispor para cumprir sua vocação missionária a seu povo,

1742 porém está entre as anotações de Wesley sobre a morte e funeral dela. (WESLEY, John. Journal and Diaries II (1738-1743). Vol XIX. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 24 Ainda nos anos 1600, Charles I foi derrubado do trono e Oliver Cromwell assumiu o Parlamento com propósitos puritanos de liberdade religiosa e grande “fanatismo” religioso, suspendendo a autoridade da Igreja da Inglaterra, destituindo os Bispos e abolindo a doutrina considerada por muito frouxa, com base nos Trinta e Nove Artigos de Religião. Com a queda de Cromwell e o convite do Parlamento para que Charles II retornasse ao trono, toda a tradição da Igreja Anglicana foi restaurada, os Trinta e Nove Artigos, o Episcopado nomeado pelo Rei, o Livro de Oração Comum e o Livro de Homilías. Foram re-editados o Ato de Supremacia e o Ato de Uniformidade que definia os parâmetros da religiosidade oficial inglesa, e aqueles que discordavam dessa posição mais aberta e defendiam uma teologia mais radical foram forçados a uma decisão de aceitação, caso contrário seriam não-conformistas diante dos Atos e perderiam suas nomeações e benefícios eclesiásticos (HEITZENRATER, 1996, p. 12-14.) 25 HEITZENRATER, 1996, p.15. 26 NASCIMENTO, Amós. John Wesley o iluminismo e a educação na Inglaterra. Piracicaba: UNIMEP, 2003. 27 Wesley leu cerca de 900 títulos em 10 anos de formação acadêmica. (HEITZENRATER.R.P. Wesley and education. In: HELS, Sharon. ed. From Roots to fulfilment. GBHEM: Nashville, 2000. p. 4.)

17

suas intenções estavam voltadas para a prática. Foram marcas distintivas do

metodismo: a pregação ao ar livre, a teologia prática, o uso extensivo de publicações

impressas, a ação direta sobre a educação com colégios e locais de ensino e

alfabetização, bibliotecas fixas e ambulantes entre outros. É possível afirmar a

vocação pedagógica do metodismo quando capelas e salas de aula compartilhavam

o mesmo ambiente. “Wesley era o professor do Metodismo. Havia um propósito

docente para quase tudo que ele fazia, e ele desejava ensinar a qualquer um que de

alguma forma se mostrasse aberto e responsivo”28

Richey29 afirma que Wesley exercitava o que na teologia é chama de ofício

do magistério, que na tradição cristã era um “ofício exercido pelos bispos e, no

Catolicismo Romano, pelo bispo de Roma, o papa”. Ele enfatiza, ainda, que Wesley

tornou o metodismo numa sala de aula gigante.30 O Movimento Metodista surge e se

desenvolve no ambiente da Revolução Industrial, com todas as conseqüências

surgidas da produção em larga escala, do mercantilismo, das teorias econômicas, do

Iluminismo, do racionalismo, do empirismo e do misticismo puritano de Cromwel.

A teologia de John Wesley, de raiz arminiana31, reformada e pietista, com

base na graça de Deus e na fé salvífica em Cristo, tem orientação declaradamente

prática. O centro do pensamento teológico de John Wesley é a Graça, e, a fé que

atua pelo amor foi seu mote para uma religião estritamente social, que não se

28 “Wesley was the teacher for Methodism. There was a teaching puprose to almost everything he did, and He was willing to teach anyone He met Who proved in any way open and resposnive” (RICHEY, Russel E. Connectionalism and college. In: HELS, Sharon. ed. From Roots to fulfilment. GBHEM: Nashville, 2000. p. 58.) 29 “theologians call the “teaching office”. In Christian tradition that Office was exercised by the bishops – and, in Roman Catholicism, by the Bishop of Rome, the Pope” (RICHEY, Russel E. Connectionalism and college. In: HELS, Sharon. ed. From Roots to fulfilment. GBHEM: Nashville, 2000. p.59). 30 RICHEY, 2000, p. 59. 31 A doutrina arminiana, do holandês Jacobus Arminius, ou Jakobs Hermanns, tem uma ênfase principal no Livre Arbítrio e na expiação niversal. Foi defendida após sua morte pelo partido arminiano na obra “Remonstrantia” em cinco artigos principais: o primeiro que a predestinação era de que Deus que os que seriam salvos seriam aqueles que creriam em Cristo; o segundo que Cristo morreu por toda a humanidade; o terceiro rejeita o pelagianismo e diz que nada de bom pode ser feito pelo ser humano a não ser pela graça de Deus; o quarto rejeita à graça irresistível e o quinto artigo trata sobre a possibilidade de perder a graça ou não (GONZÁLEZ, Justo L. A era dos dogmas e das dúvidas. Vol 8. Uma história ilustrada do cristianismo. 1ed. Vida Nova, São Paulo: 1984, p. 116-117). Já Macquiban resume esse “Arminianismo de John Wesley (que oferece salvação a todos e via a educação e o crescimento Cristão como central para a ênfase de Wesley no crescimento na perfeição Cristã) [...]” (John Wesley’s Aminianism (which offered salvation to all and saw education anda Christina nurture as central to Wesley’s emphasis on growth in Christian perfection)[...]” (MACQUIBAN, Tim. John Wesley’s Oxford: Methodism na education. In: HELS, Sharon. ed. From Roots to fulfilment. GBHEM: Nashville, 2000. p.15). Há também um livreto comparativo interessante entre Arminianismo e Metodismo, que de forma simples faz um estudo sobre o tema. (SALVADOR, José Gonçalves. Arminianismo e Metodismo. São Paulo: Junta Geral de Educação Cristã. sd.)

18

realiza, nem existe no isolamento humano. Os teólogos Klaiber e Marquardt

escrevem:

Tal como muitos reformadores antes dele, João Wesley estava convencido de que não fundou, de forma alguma, uma “nova religião”: “o assim chamado metodismo”- afirma em 1777 na colocação dos alicerces de uma nova capela em Londres – “é a velha religião da Bíblia, a religião da Antiga Igreja, a religião da Igreja da Inglaterra. E continua: “nada mais é que amor, amor a Deus e a toda a humanidade(...)”32

É essa velha religião da Bíblia que oferece conhecimento da verdade para

que haja libertação. Amar a humanidade é doar o que de melhor se possui, e a

possibilidade de compartilhar conhecimento e fé, desafia essa pesquisa. A herança

wesleyana é um permanente desafio para a prática da Pastoral Escolar e

Universitária, e, conhecer tal herança é imprescindível para compreender a Missão

que acontece diariamente nas instituições de ensino da Igreja Metodista.

1.1.1. Reformar a Nação e a Igreja, pensamento abrangente da missão cristã

O Metodismo influenciou a história e as reformas sociais da Inglaterra33,

influenciou a vida espiritual de milhares de pessoas para além das fronteiras do

Reino Unido e das Colônias da Geórgia. Sua motivação prática estava no exercício

de vincular a educação ao processo missionário de pregação do evangelho de Jesus

Cristo, crendo na regeneração do ser humano à imagem de Deus. Sua ação

missionária convidava a quem quisesse ouvir, para experimentar o amor de Deus e

Sua graça, que santifica e reaproxima a criatura do Criador, e por resultado

transforma a vida e a sociedade. Assim, além de todo o mundo ser sua paróquia34

(sua é a frase “Vejo todo o mundo como minha paróquia”35) toda pessoa era

32 KLAIBER, Walter e MARQUARDT, Manfred. Viver a graça de Deus: um compêndio da teologia metodista. São Bernardo do Campo/São Paulo: Editeo/Cedro, 1999. p. 6. 33 KEEFER, Luke L. Jr. John Wesley, the Methodists, and social reform in England. Nampa, Wesleyan Theological Journal, The Wesleyan Theological Society, Wesley Center for Apllied Theology, Northwest Nazarene University. [Volume 25, Number 1, Spring 1990] <http://wesley.nnu.edu/wesleyan_theology/theojrnl/21-25/25-01.htm>. Acesso: 23 setembro 2005. 34 Esse tema será tratado a seguir no item 1.1.2. 35 “I look upon all the world as my parish; thus far I mean, that, in whatever part of it I am, I judge it meet, right, and my bounden duty, to declare unto all that are willing to hear, the glad tidings of salvation.” (WESLEY, John. The Journal of John Wesley. Vol 1.In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.)

19

convidada a juntar-se em favor da uma nova Criação (“se o teu coração é igual ao

meu coração, nada mais te pergunto, dá-me tua mão”36 numa visão ecumênica).

Tudo numa prática de espiritualidade engajada e aplicada, para fazer o bem a todas

as pessoas e que utiliza tanto a razão, quanto a revelação ou as Escrituras, e que

busca compreender o significado dessa relação com Deus, e experimentar sua

realidade, apropriando-se de uma nova imagem de si conformada em Deus.

É uma organização em quatro elementos essenciais que permeia a teologia

e a prática cristã, e o que sustenta a formulação da doutrina metodista: Revelação

(ou Escrituras), Razão, Tradição, Experiência Pessoal. Cada um dos termos traz em

si as marcas da formação teórica de John Wesley e a compreensão de seu tempo. É

também uma estrutura que não é rígida, mas que se articula como a própria vida

humana. Há uma expressão que foi um termo cunhado por Albert Outler, pois nunca

foi usado deliberadamente por John Wesley: “Quadrilátero Wesleyano”. É como uma

metáfora que indica a unidade e organização com elementos que, aparentemente

opostos se complementam e expressam algo maior.

Para compreender um termo chave, o binômio “Conhecimento e Piedade

Vital”, considerando-o como um paradigma para o metodismo, buscam-se pistas de

uma compreensão entre razão e revelação, conhecimento e fé, educação e religião,

como parte de um único processo humano que redireciona a criatura ao seu Criador,

em busca da salvação que resgata a imagem perfeita de Deus no ser humano.

Surge então a necessidade de definir o entendimento wesleyano sobre o termo

“conhecimento” e como esse conceito está intimamente ligado com as questões de

fé, salvação, e a Graça de Deus. É a partir da capacidade racional de conhecer que

o ser humano aproxima-se de Deus em Sua plenitude da prática do amor revelado

em Cristo. O termo “piedade”, vem expor a dimensão pública, de um cristianismo

social, que é a prática de algo que foi sentido e experimentado na vida do crente e

que lhe converte o coração, a mente e todas as suas forças em direção à

transformação da Criação. É santidade que se conhece, experimenta e vive com

ações concretas no mundo.

36 “Let them never come into sight. "If thine heart is as my heart," if thou lovest God and all mankind, I ask no more: "Give me thine hand." (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 39, Catholic spirit. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.)

20

Para que a educação alcance todas as pessoas é necessário que sejam

criadas oportunidades de aprendizado. Por isso, Wesley vê na educação o caminho

para a transformação de uma nação, resgatando da ignorância, da superstição e do

pecado, para um caminho de santificação e re-criação da imagem de Deus. Esses

elementos aparecem como reflexo de sua experiência pessoal com a preparação

intelectual cultivada em sua casa e família e na Universidade de Oxford, na

capacidade de leitura e estudo, de produção de material escrito e impresso, e a

capacidade de utilizar métodos modernos (para sua época) de comunicação e

ensino.

Como fruto e aplicação, uma escola metodista torna-se precursora de muitas

outras: Kingswood School, que foi concebida para crianças carentes, filhos e filhas

de mineradores da região de Bath, próximo a Bristol, e era sustentada por doações.

Apresentava um currículo amplo, uma disciplina rigorosa, uma visão ousada e

resultados surpreendentes. Todas as ações do movimento metodista são formatadas

para alcançar o máximo possível de pessoas, incluindo-as. Por isso, o intelectual de

Oxford decide ser “ad populum”37, ou seja, voltado para o povo simples, falando de

temas profundos com simplicidade e elaborando material para o acesso de todas as

pessoas às fontes de conhecimento. Torna-se tarefa precípua de todo pregador

metodista preparar-se em rígida e disciplinada vida de estudo e dedicar-se ao ensino

onde quer que esteja.

A Piedade Vital deve, da mesma forma, alcançar a todas as pessoas, “a

verdade e o amor, faças a todos ver”, diz o hino de inauguração do Kingswood

School. Esta deve sempre estar combinada com a capacidade de provar,

experimentar e articular logicamente os conteúdos da fé que levam ao compromisso

prático. É por meio dessa ação de cultivo espiritual que a imagem de Deus no ser

humano vai sendo resgatada, numa transformação que passa pelo reconhecimento

do pecado e afastamento do ideal divino, resultando a perda de Sua perfeita imagem

e semelhança. Ao reconhecer o chamado de Deus, que é sempre anterior a

qualquer vontade humana, e ao trilhar um caminho de santidade em relacionamento 37 Este termo está baseado na diferenciação feita pelo Bispo de Lincoln, Robert Sanders, indicando quatro estilos de sermões: ad aulam – indicado para uma audiência ilustrada; ad magistratum – sermões para ocasiões civis, para a corte ou similares; ad clerum – sermões para os clérigos; e ad populum – sermões para pessoas simples. Sua intenção está declarada no prefácio da primeira série dos Sermões (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Preface. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.)

21

com Deus e com o próximo, encontra-se a salvação, a santificação e um caminho de

perfeição na prática do amor. Tudo se volta então para o resgate da humanidade,

para a transformação da nação e o alcance de todo o mundo, incluindo quem está

excluído.

1.1.2. O mundo é minha paróquia - a visão abrangente de Wesley

Se a intenção do metodismo era reformar a nação, sua missão é ampliada a

partir dessa visão de que o mundo todo é o campo de atuação do cristão e do

metodista. Essa afirmação nasce do cerceamento imposto a Wesley, sacerdote

ordenado, de utilizar os púlpitos da Igreja Anglicana. Certamente marca profunda foi

a experiência de junho de 1742, quando foi proibido de usar o púlpito de igreja de

Epworth, local onde foi criado e igreja que foi pastoreada por seu pai Samuel Wesley

por mais de quarenta anos. O relato, escrito em seu diário recorda:

Domingo, 6 de junho de 1742. Pouco antes da hora do culto, fui ter com o Sr. Romley, o vigário, e me ofereci para ajudá-lo, ou pregando ou lendo as orações. Mas ele recusou a minha ajuda. A igreja estava repleta na hora do culto, à tarde, pois a notícia correu de que eu ia pregar. [...] Depois do sermão, enquanto o povo saia da igreja, João Taylor, ficando no pátio, disse ao povo: “o Sr. Wesley, não sendo permitido pregar na igreja, pregará aqui hoje, às 18 horas”. De acordo com o aviso, eu fui às 18 horas, e achei a maior congregação que jamais eu vira em Epworth. Fiquei do lado da igreja, e, subindo no túmulo de meu pai, falei sobre: “o reino do céu não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”.38

A compreensão a partir do conceito de Criação, onde tudo o que existe é

fruto da ação divina, ou seja, Deus é criador de tudo, gera uma visão ampla do

mundo e de sua organização. Wesley acreditava que todas as coisas no mundo têm

seu devido lugar e estão divinamente organizados, desde a menor até a maior, para

equilíbrio e funcionalidade da vida. Nessa estrutura todas as coisas criadas

interagem e tem participação nos processos naturais. Então, John Wesley nada

descarta como imprestável ou sem significado e sentido. Quando afirma que o

cristianismo é uma religião social, reflete que a construção comunitária e

compartilhada da vida é a que respeita a ordem criada, pois ninguém tem condições

38 BUYERS, Paul Eugene. Trechos do Diário de Wesley. [trad]. São Paulo, JGEC da Igreja Metodista, 1965. p. 74.

22

de viver isoladamente, nem, portanto, de crer e cumprir as ordenanças de Deus

solitariamente.

Nessa visão orgânica do mundo, a Igreja então está por toda parte, invisível,

mas sensível, realizada em lugares diversos, mas onipresente como é Onipresente o

Deus que a chamou à existência. Beals assim resume o conceito de Igreja ou

paróquia presente em John Wesley:

1. seu conceito sobre Igreja desenvolveu-se a partir de sua experiência em Aldersgate. Ele cria que toda obrigação eclesiástica estava à serviço da salvação das almas. 2. Ele cria na Igreja universal e invisível, que foi vocacionada por um Deus santo para ser santa em sua natureza. 3. Ele amou a Igreja da Inglaterra até a morte, [...] 4. ainda que ele possa ter crido de forma diferente, ele evitou tanto quanto possível a ordenação de clérigos e ministração de sacramentos, temendo antes de tudo a falta de caridade num cisma. 5. Ele manteve os sacramentos como meios de graça a todos os que recebiam, inseparavelmente ligados à Igreja.39

Essa universalidade da ação da Igreja desafia o crente a agir em todas as

oportunidades possíveis, em todos os lugares possíveis, com todo e qualquer

recurso que estiver em suas mãos ou que puder ser mobilizado à favor da missão de

Deus em Cristo para redenção. A missão acontece, portanto por meio da pregação

ao ar livre, uma inovação para os tempos de Wesley e por meio também dos

pregadores leigos. A educação é um meio que caminha pari passu com a

evangelização e é parte indissociável dessa. Seja com colégios para crianças, com

orfanatos, casas para viúvas, escolas para adultos, bibliotecas ambulantes, banco

para empréstimos populares, cartas para autoridades, publicações diversas – como

contra a escravidão, ou sobre a escassez de alimentos – todo lugar e toda

oportunidade é usada para levar à cabo a missão de Deus. A Igreja está presente

em todo lugar, o mundo é a paróquia e a paróquia é uma grande sala de aula, nas

palavras de Richey40.

39 “1) His concept of the Church grew out of his Aldersgate experience. He eventually came to believe that every ecclesiastical obligation was subservient to the salvation of souls.2) He believed in the universal and invisible Church, which was called by a holy God to be holy in nature.3) He loved the Church of England to his death, and this accounts for a large part of any seeming inconsistency of thought or interpretation. 4) Even though he may possibly have believed otherwise, he put off as long as possible the ordination of clergymen and administration of the sacraments, fearing more than anything the lack of charity in schism. 5) He held the sacraments to be inseparably linked to the Church as means of grace to all who would receive. (BEALS, J. D. John Wesley´s concept of the church. Disponível em: <http://wesley.nnu.edu/wesleyan_theology/theojrnl/06-10/09-3.htm>. acesso: 10 de junho de 2007.) 40 Ver nota de rodapé 23.

23

1.1.3. Características da santidade bíblica wesleyana

O metodismo tem ênfase na santidade cristã bíblica. Mas, diferente do

conceito da santidade ermitã, monástica, isolada do mundo, refugiada dos desafios

e fugindo das tentações, aqui se propõe um envolvimento radical com Deus e com o

mundo. Se toda a organização do mundo está sob o domínio da Criação de Deus, e

todo o mundo é a paróquia onde Deus age e o crente vive, é nesse espaço

ampliado, não mais reservado, alienado, privado, que se dá a santidade.

A Santidade no contexto wesleyano é social. É social, pois está relacionada

a todas as criaturas de Deus que são alvo de seu amor e da exigência do amor

cristão. Sua visão de santidade é mais e vai além da visão de, apenas um evangelho

ou uma fé que se vêm envolvidos com as lutas da sociedade, ou que se preocupa

com a injustiça, e que se vincula às estruturas sociais de classe para cumprir sua

missão. É, pois, uma missão que envolve diferentes agentes, estruturas, processos,

eventos, dinâmicas para cumprir sua missão. Tem um caráter ecumênico, próprio da

igreja invisível, que se manifesta pela vontade de Deus.

O crente é então convocado a experimentar o amor de Deus que transforma

sua vida, pela fé em Jesus Cristo, redimindo e regenerando o pecador. Esse novo

ser tocado pelo amor salvífico de Deus, é convidado ao caminho de salvação que

lhe educa nessa nova forma restaurada de viver. A santificação alcança então um

patamar de realização no crente, até chegar a um estado de perfeição na prática do

amor direcionado verticalmente a Deus e horizontalmente às pessoas.

Numa certa dimensão, a obra de Deus já está realizada, pois a redenção já

se fez completa no coração do ser humano redimido. Isso o impele, quase que

inevitavelmente a doar-se a outros, em amor, no cumprimento da missão e sua

vocação. É uma espécie de vida sacramental, onde a interação social é o lugar da

ação sagrada da realização dos propósitos de Deus.

John Wesley produziu quantidade de material em diversas áreas para suprir

o movimento metodista de informação, formação intelectual, direção doutrinária e

reflexão teológica sempre vinculada à prática. Ele pode ser considerado um teólogo

prático:

24

Quando Wesley disse em sua Conferência que o propósito de Deus em levantar os pregadores Metodistas era “reformar a nação (particularmente a Igreja) e espalhar a santidade bíblica por toda a terra”, ele estava, mais do que tudo, descrevendo sua própria vocação. Promover santidade era a meta prática para cada iniciativa sua, o propósito implícito para cada atividade. Ao mesmo tempo, ele era igualmente interessado e conhecedor da teologia.41

Wesley se apropriava das ferramentas para alcançar a todas as pessoas,

pois seu “desafio era colocar seu aprendizado à serviço de sua vocação, para que

então, as verdades do evangelho pudessem ser compreendidas e apropriadas tanto

por pobres, quanto por ricos, por reles carvoeiros e por estudantes universitários”42.

Ainda que ele não tenha elaborado uma teologia sistematizada, é possível

compreender sua intenção organizadora dos conteúdos com uma lógica de

desenvolvimento. Através dos sermões, diários, journals – uma espécie de diários

publicados – e outros materiais instrutivos, como séries de perguntas e respostas (as

já citas “Minutes”), e tantos outros ensaios, fica evidente uma estrutura de

concepção teológica em quatro elementos principais.

No pensamento de Wesley transparece a compreensão de que todo

conhecimento e espiritualidade devem caminhar unidos para o bem das pessoas e

da sociedade. A teologia praticada por John Wesley evidencia essa compreensão de

unidade entre conhecimento, a capacidade da razão e piedade vital, a experiência

religiosa e espiritual aplicada na prática da vida. A revelação de Deus, ou as

Escrituras, são apreendidas e compreendidas pela razão que também é dom de

Deus presenteado ao ser humano.

Há na construção doutrinária e teológica do metodismo, uma compreensão

estrutural denominada de “quadrilátero wesleyano” que apresenta as fontes do

conhecimento religioso: Revelação (ou Escrituras), Razão, Tradição e Experiência

Pessoal. Mostra-se no pensamento wesleyano um equilíbrio e uma dialética que

considera conceitos e pensamentos supostamente em oposição e pretende

41 HEITZENRATER, R.P. The Elusive Mr. Wesley. [2nd.Ed]. Nashville: Abingdon Press, 2003. p. 140. “When Wesley told his Conference that teh purpose of God in raising up the methodist preacher was “to reform the nation (particularly the Church) and to spread scriptural holiness across the land”, he was, more than anything else, describing his own vocation. Promoting holiness was the practical goal for ever endeavor, the implicit purpose os his every activity. At the same time, was both interested and knowledgeable in theology.” 42 HEITZENRATER, 2003, p. 140. “The challenge was to put his learning into the employ of his vocation, so that the truths of the gospel might be understood and appropriated by the poor as well as the rich, the tin miner as well as the university student”

25

sintetizar conteúdos numa unidade organizada que é o ser humano. Assim, a razão

compreende a revelação e põe em prática o conhecimento adquirido em prol da vida

humana com objetivo maior de fazer conhecida a vontade de Deus ao mundo.

1.2. O Quadrilátero Wesleyano

O quadrilátero é uma tentativa de sistematizar a concepção da teologia, da

religião e do cristão. É um avanço de John Wesley a partir do entendimento clássico

do anglicanismo das fontes de autoridade para a doutrina, estabelecidos como

“resumo definitivo e a defesa da via média do Estabelecimento Elisabetano”43

apresentado por Richard Hooker para “promover uma exposição da estruturação e

da doutrina da Igreja”44 Anglicana. Esses elementos eram: as Escrituras, a Tradição

e a Razão. A estes Wesley acresceu a Experiência Pessoal formando assim a

estrutura de quatro elementos que permeia todo o pensamento e prática teológica

de Wesley.

É uma estrutura que mostra um equilíbrio entre o que é transcendente e o

que é humano. Revela o conceito de cristianismo expresso por Wesley de que o

cristianismo é uma religião social por necessitar do relacionamento com a sociedade

e não existir apenas como inspiração pessoal. Há, então, a revelação de Deus,

Jesus Cristo, expresso nas Escrituras que através da razão pode ser interpretada. A

Experiência Pessoal tem dois aspectos: um transcendente, de espiritualidade, e

outro verificado na prática que experimenta a certeza da salvação na vida diária.

Ambos aspectos precisam confirmar a salvação e da regeneração, um de forma

propositiva e outro experimental. A isso, Wesley soma a Tradição, ou seja, história

de outras pessoas, grupos, movimentos que viveram a experiência social e

comunitária da fé, da certeza da apreensão e compreensão de Deus, seu amor e

sua salvação. De modo especial a tradição patrística influencia grandemente o

pensamento de Wesley e a interpretação das Escrituras.

Há a busca por compreender melhor essa estrutura que sustenta a teologia

wesleyana e subsidia a pesquisa de temas importantes para entendimento da 43 HEITZENRATER, 1996, p. 10. Elisabeth I estabeleceu a Via Media, um equilíbrio ou caminho de entendimento entre o Protestantismo e o Catolicismo Romano. 44 HEITZENRATER, 1996, p. 09.

26

herança wesleyana, pois uma vez que no metodismo não houve sistematização em

compêndios teológicos há que se firmarem chaves de leitura que sistematizem essa

aproximação aos textos da teologia wesleyana e metodista. O “Quadrilátero

Wesleyano” é uma dessas ferramentas, que pretendem compreender afirmações

tais como, o par unido “conhecimento e piedade vital” devem ser elucidados e

aplicados para a atualidade.

1.2.1. Quadrilátero, uma metáfora: caixa, móbile ou mensageiro dos ventos?

A idéia de um quadrilátero oferece uma imagem equilibrada, de quatro

elementos interdependentes, e intercomunicativos, sendo considerada indissociável

como experiência religiosa. O conceito de quadrilátero foi utilizado pela primeira vez

num debate para o “Livro de Disciplina” da Igreja Metodista Unida dos Estados

Unidos (United Methodist Church) em 197245. Porém, o termo “Quadrilátero

Wesleyano” não foi usado em documentos oficiais.

Paul Wesley Chilcote46 cita num artigo, a partir de uma conversa pessoal

com Albert Outler um brevíssimo histórico do uso do termo e transcreve o lamento

do estudioso metodista:

Eu nunca vou esquecer a conversa que tive numa tarde em agosto de 1982 com o Professor Albert Outler na Universidade de Oxford. Estávamos falando acerca dos vários termos que ele havia cunhado. Ele bruscamente disse. “Há uma frase que desejaria nunca ter usado: o ‘Quadrilátero Wesleyano’. Isso criou uma imagem errada na mente de muitas pessoas, e tenho certeza, vai levar a todo tipo de controvérsias”. Sem dúvida alguma, suas palavras foram proféticas.47

É uma constatação real essa de Outler. No Brasil a corrente de estudo

wesleyano, principalmente da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, fez uma

45 CHILCOTE, Paul Wesley. Rethinking the wesleyan quadrilateral. In: GoodNews Magazine, Jan/Feb 2005 – Wilmore. <http://www.goodnewsmag.org/magazine/JanuaryFebruary/jf05Quadrilateral.htm> acesso: 15 de abril de 2007 46 Chilcote é Ph. D. estudioso do metodismo e professor visitante da Duke University na área de “Practice of Evangelism”, autor de vários títulos sobre o metodismo e Wesley. 47 “I will never forget a conversation I had one August afternoon in 1982 at Oxford University with Professor Albert Outler. We were talking about the many terms he had coined over the years. He said rather abruptly, "There is one phrase I wish I had never used: the 'Wesleyan Quadrilateral.' It has created the wrong image in the minds of so many people and, I am sure, will lead to all kinds of controversy. Without question, his words were prophetic." (CHILCOTE, 2005, p.1.)

27

escolha de incrementar o Quadrilátero, incluindo um quinto elemento: a Criação.

Além disso, relutam em utilizar o termo Revelação, optando por utilizar Escrituras ou

Bíblia. Para essa pesquisa optamos pela concepção dos autores mais tradicionais,

que têm pesquisado Wesley a mais tempo e têm acesso a material inédito e original.

Também porque muito que está construído no Brasil está feito sobre escasso

material de pesquisa na língua portuguesa. Fazer a opção pelo formato que tem

origem norte-americana, com a estrutura dos quatro termos – Revelação, Razão,

Tradição e Experiência Pessoal – organizada num quadrilátero acompanha a

literatura consultada, em sua maioria textos em inglês. Chilcote, porém, no citado

artigo e a partir do comentário do criador do termo, propõe uma interpretação

metafórica para o Quadrilátero. Seu objetivo é despertar uma nova visão de que os

elementos apresentam movimento conjunto, interdependente.

A imagem de um quadrilátero se apresenta muito cartesiana e estanque,

talvez com algum movimento progressivo, de fases ou graus da experiência

religiosa. Cada um em seu lugar, com suas características mais ou menos se

relacionando. O termo “quadrilátero” também pode expressar a idéia de algo

fechado, dogmatizado, não sendo algo dinâmico e não permitindo uma re-

interpretação. Podemos dizer que o uso deste termo pode, também, comunicar uma

compreensão e uma visão teológica de Igreja.

A metáfora proposta por Chilcote convida á visão de um móbile, onde os

elementos se afetam e se relacionam mutuamente, conectados entre si, suspensos

por um único ligamento. Porém sua percepção evoluiu para um novo objeto. Uma

nova metáfora surge, com novas possibilidades: a imagem do mensageiro dos

ventos. Um artefato da cultura chinesa e tibetana, feito de bambu, vidro ou metal. É

normalmente uma escala de tons formada pelo corte em diferentes tamanhos das

estruturas cilíndricas. Como num órgão de tubos ou num carrilhão cada tubo emite

um tom, assim, o mensageiro dos ventos tem vários tamanhos, que são tocados por

uma esfera fixada ao centro dessa estrutura, também pendurada.

Nessa metáfora, o centro da estrutura e sua base sustentadora é a

Revelação, fonte do conhecimento de Deus e de toda a orientação para o crente e

para a Igreja. Emitindo seus sons peculiares estão a Razão, a Tradição e a

Experiência Pessoal. A esfera que é responsável por percutir os tubos suspensos,

para produzir o som é a Igreja. O objetivo do mensageiro dos ventos é produzir sons.

28

Ele é acionado pelo vento. Muitas imagens são possíveis a partir dessa idéia. A

Igreja em sua ação dinâmica interage com as diferentes faces da experiência

religiosa. O quadrilátero, dessa forma se apresenta dinâmico, cristocêntrico a partir

das Escrituras e sendo agitado pelo sopro do Espírito Santo que continua sua ação

na vida da Igreja.

1.2.2. Revelação

Deus se revela ao ser humano e é compreendido por ele. Essa revelação é

vital para a fé e para a religião e se deu através de diferentes ferramentas para

distintas épocas e pessoas. A criação é elemento principal da revelação de Deus ao

ser humano e pode ser compreendida. No relato bíblico Deus é revelado por sua

própria voz, por manifestações naturais como vento, terremotos, fogo, nuvens ou por

enviados especiais como profetas em êxtase ou seres angelicais. A idéia é a de que

Deus está se dando a conhecer, trazendo ao conhecimento algo oculto e às vezes

secreto que se torna revelado então para todos. As epifanias revelam Deus e sua

vontade às pessoas, seu povo e ao mundo. A revelação de Deus atesta seu amor

por sua criação. Então Jesus Cristo é a grande revelação do amor de Deus ao

gênero humano, oferecendo-lhe a salvação. É Deus em auto-manifestação, que “sai

de seu ocultamento e encontra o homem dentro as condições de sua capacidade

perceptiva”48.

É o texto de Hebreus, capítulo primeiro49 que evidencia esse processo de

um Deus que se revela “muitas vezes de muitas maneiras” e que se manifesta

através de Jesus de Nazaré. Isso traz à ordem a idéia de que a teologia e em

específico a metodista não é teologia sobre Deus em si, mas teologia sobre o que

Deus revelou sobre si ao ser humano até agora50. Ou seja, é possível conhecer mais

daquilo que Deus deseja pedagogicamente ensinar sobre si ao ser humano.

Destaque deve ser dado ao entendimento wesleyano de que há uma revelação

progressiva de Deus, onde a geração posterior terá mais conhecimento de Deus que 48 KLAIBER, W e MARQUARDT, M. 1999. p. 10. 49 “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho” (Hebreus, capítulo 1, versículo 1. In: Bíblia Sagrada. Sociedade Bíblica do Brasil, São Paulo.) 50 KLAIBER, W e MARQUARDT, M. 1999, p. 7-35.

29

a geração precedente. Por esse motivo a Igreja deve estar sempre pronta a

aprender de Deus e a ensinar os cristãos por meio da razão no conhecimento da

revelação de Deus.

É a “centralização cristológica do conceito bíblico de revelação” onde “a

revelação de Deus é, em seu núcleo e na sua essência, não a comunicação de

quaisquer verdades, mas o desvendamento do caminho da salvação que Deus trilha

com os homens no mundo”51. A revelação, por ser a manifestação do caminho da

salvação necessita posicionamento e exige resposta, nas palavras de Klaiber e

Marquardt:

Assim, revelação, no entender da Bíblia, jamais é somente manifestação de uma realidade divina, de outro modo inatingível, mas sempre um evento aberto a uma resposta, uma comunicação que embasa uma nova relação entre Deus e o homem, isto é, a fé. Revelação espera uma resposta.52

E essa resposta será dada de diversas formas pelo ser humano. Pode ser

no cultivo da espiritualidade em busca de Deus que se comunicou, por meio de

orações, exercícios espirituais, tratamento do caráter cristão, enfim, atos de piedade

íntima, que consistem no aperfeiçoamento do amor de Deus no crente. E também

pela prática de obras, ações que exprimem esse evento interior, que repercutem a

voz comunicada de Deus revelado. É mediante essa ação na vida, entre as pessoas,

envolvido com o mundo e a sociedade que a santificação é realizada, também em

obras de misericórdia em favor das pessoas, criação de Deus.

Mas Deus se revela também na Palavra. Uma vez que há essa centralidade

da revelação de Cristo em Jesus de Nazaré, surge mais uma vez o encontro de

Deus com o ser-humano. Se Cristo é a Palavra (Verbo) feita carne que habita entre

a criação, aqui a revelação é ao mesmo tempo manifestação transcendente de Deus

e realidade palpável de seu caminho de salvação que se dá a conhecer da forma

mais evidente possível: Jesus de Nazaré, o Cristo, Ele vem em pessoa. Jesus é a

palavra viva, “é a Palavra eterna e feita carne, que ele nos falou em Jesus Cristo e

na qual se revelou na profundidade de seu ser, isto é, no seu inquebrantável

amor”53.

51 KLAIBER, W e MARQUARDT, M. 1999, p. 13. 52 KLAIBER, W e MARQUARDT, M. 1999, p. 10. 53 KLAIBER, W e MARQUARDT, M. 1999, p. 16.

30

Para explicitar esse relacionamento entre Revelação e Palavra, Klaiber e

Marquardt54 resumem em quatro pontos: primeiro, a revelação de Deus precede a

Sagrada Escritura; a Escritura é testemunho da revelação acontecida; segundo, o

traço característico da revelação é ser revelação da salvação; terceiro, Revelação e

Sagradas Escrituras não são idênticas, mas também não podem ser separadas uma

da outra; e quarto, também a Palavra anunciada hoje por testemunhas cristãs, é a

Palavra de Deus, pela qual Deus mesmo se dirige aos homens e neles produz fé.

1.2.3. A Razão

John Wesley, em seu Sermão de número setenta, “The Case of Reason

Impartially Considered” (“O caso da razão imparcialmente considerado”) define razão

como compreensão ou entendimento, “significa uma faculdade da alma humana;

aquela que se empenha em três caminhos: pela simples apreensão; pelo julgamento

e pelo raciocínio”55. Ele prossegue em sua conceituação de razão a partir do

entendimento:

A simples apreensão é somente a concepção de uma coisa na mente; a primeira e mais simples ação do entendimento. O julgamento é a determinação de que as coisas, antes de serem concebidas, elas concordam ou diferem uma da outra. O raciocínio, estritamente falando, é o movimento ou progresso da mente de um julgamento a outro. A faculdade da alma que inclui estas três operações, eu aqui significo pelo termo razão56.

Razão então é composta de três elementos – apreensão, julgamento e

raciocínio – capacidade a pessoa a lidar com a manifestação do caminho de Deus

em direção a salvação. É mediante a razão que a revelação é compreendida, pois

54 KLAIBER, W e MARQUARDT, M.,1999, p. 16 -17. 55 “It means a faculty of the human soul; that faculty which exerts itself in three ways: by simple apprehension, by judgment, and by discourse”. (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 70, Case of reason impartially considered. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 56 “Simple apprehension is barely conceiving a thing in the mind, the first and most simple act of understanding. Judgment is the determining that the things before conceived either agree with or differ from each other. Discourse (strictly speaking) is the motion of progress of the mind from one judgment to another. The faculty of the soul which includes these three operations I here mean by the term reason.”( WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 70, Case of reason impartially considered. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.)

31

conforme Wesley nesse mesmo Sermão, o “fundamento da religião verdadeira se

situa na Palavra de Deus”57 e essa palavra é a revelação de Deus.

Ele pretendia evitar o misticismo que eliminava a razão como instrumento

divino para aproximar-se da revelação. Mas tampouco ele é racionalista. Wesley

mesmo afirma que a razão é auxiliada pelo Espírito Santo para a capacidade

interpretativa da Palavra de Deus. Através da razão é possível compreender o

caminho da salvação explícito através da revelação da Palavra viva, Cristo. Ele diz

que “Deus tem nos dado a razão como um guia” e também que “é apenas agindo de

acordo aos ditames dela, usando todo o entendimento que Deus nos tem dado que

podemos ter a consciência isenta da ofensa em direção a Deus e ao homem”58. Mas

a razão não pode produzir a fé, pois esta é dom divino e refere-se à convicção e às

evidências de coisas não vistas.

A razão não pode igualmente produzir por si a esperança, pois esperança

nasce da fé, nasce da crença no poder renovador, restaurador, justificador e

salvador de Deus em Cristo. E ainda no sermão sobre a razão, Wesley escreve que

a razão não pode produzir o amor de Deus. Este é um ponto crucial no

entendimento da religião, da teologia e da doutrina metodistas, onde Wesley teoriza

que o amor é a principal marca do crente. É a principal marca de propósito da

revelação e salvação de Deus. A santidade, processo decorrente da conversão,

passo seguinte da aceitação pela fé da obra redentora de Deus em Cristo, é a

plenitude da prática do amor. John Wesley continua em seu sermão:

Mas o que pode a fria razão fazer quanto a esse assunto? [produzir o amor de Deus] Ela pode nos presentear com idéias consideráveis, ela pode esboçar um belo quadro de amor: mas isto é apenas fogo artificial. E, mais além, a razão não pode ir. Eu tentei, durante anos. Eu coletei os mais finos hinos, orações e meditações que eu pude encontrar em qualquer língua; e falei, cantei, li, várias vezes, com toda a seriedade e atenção possível. Mas ainda assim, eu fui como os ossos na visão de Ezequiel: a pele os cobriu, mas não existia fôlego de vida neles.59

57 “The foundation of true religion stands upon the oracles of God.” (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 70, Case of reason impartially considered. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 58 “And it is only by acting up to the dictates of it, by using all the understanding which God hath given us, that we can have a conscience void of offence towards God and towards man.” (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 70, Case of reason impartially considered. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 59 “But what can cold reason do in this matter? It may present us with fair ideas: it can draw a fine picture of love; but this is only a painted fire! And farther than this reason cannot go. I made the trial for

32

Mas a razão, continua afirmando Wesley, não pode produzir, nessa

seqüência, fé, esperança, amor de Deus e então, amor ao próximo, “a calma, a

generosidade, a benevolência desinteressada pelo filho do homem”, o que só é

possível pela proximidade, mediante a fé, do Criador. Nos exercícios espirituais,

próprios do pietismo ou do puritanismo, em práticas ascéticas. Algo ainda faltava.

Essa era a busca do intelectual sacerdote e professor que tinha o conhecimento

racional dos propósitos de seus exercícios e busca espirituais. Ele suspeitava que

houvesse algo mais que lhe ajudaria a compreender a ação de Deus, que a razão

não conseguia suprir. Assim, virtude alguma poderia ser produzida pela razão longe

ou afastada de Deus, e conseqüentemente a felicidade está excluída de uma razão

sem o amor revelado em Cristo,

[...] então ela não pode dar a felicidade desde que separada desses, [separada da fé, esperança, amor ou virtude] não pode haver felicidade para alguma criatura inteligente. É verdade que aqueles que estão vazios de toda virtude podem ter prazeres, tais como eles são, mas felicidade eles não têm. Eles não podem ter. Não: ‘sua alegria é toda tristeza, sua força não tem valor, seu sorriso é loucura, e seu prazer é dor!’60

E a razão não pode e nem deve ser menosprezada, isso não é de forma

alguma benefício para Deus ou sua obra, nem tampouco para o exercício da

espiritualidade ou compreensão da revelação. A razão é a possibilidade de

compreender a revelação, julgar seu conteúdo, aplicar na prática o seu todo, sendo

guia para a santidade interior e exterior, ela é a “luz do Senhor que tem sido fixada

em nossas almas para propósitos excelentes”61. A razão é a resposta possível para

o clamor paulino, explícito no metodismo, através de toda a organização da religião many years. I collected the finest hymns, prayers, and meditations which I could find in any language; and I said, sung, or read them over and over with all possible seriousness and attention; but still I was like the bones in Ezekiel's vision: 'The skin covered them above; but there was no breath in them.'” (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 70. Case of reason impartially considered. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 60 “And as it cannot give either faith, hope, love, or virtue, so it cannot give happiness, since separate from these there can be no happiness for any intelligent creature. It is true, those who are void of all virtue may have pleasures such as they are; but happiness they have not, cannot have. No: Their joy is all sadness,/Their mirth is all vain:/Their laughter is madness:/Their pleasure is pain!” (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 70, Case of reason impartially considered. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 61 “'the candle of the Lord', which he hath fixed in our souls for excellent purposes” (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 70, Case of reason impartially considered. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.).

33

nada mais é que o “culto racional” e, “que cada parte dele, devidamente cumprido é

o exercício mais alto do nosso entendimento?” Wesley termina esse seu sermão

com um apelo a quem “supervaloriza a razão”, chamando a um caminho médio de

deixar à razão seu papel exato de apreensão e julgamento pelo raciocínio e à

revelação a função de manifestar o amor de Deus capaz de gerar a fé, a esperança,

o amor, as virtudes e a felicidade.

Porém é possível à razão compreender Deus antes mesmo da revelação: “A

razão auxiliada pela graça preveniente pode ver a Deus e suas obras mesmo antes

que ocorra uma revelação direta”62. É o amor de Deus que se estende a toda a

humanidade por pura ação da graça, antes mesmo que o ser humano tenha

qualquer atitude.

1.2.4. Tradição

Outro dos elementos considerados fundamentais na teologia wesleyana é a

Tradição. Nela está presente toda a experiência do cristianismo e da relação entre

crentes e revelação durante todo o período da história. A doutrina da igreja, fixada

através das convenções e acordos dos Concílios, a partir das disputas, debates,

heresias, interpretações teológicas, vivências nas mais diferentes comunidades em

torno do mundo e da história, é uma das partes dessa tradição que faz parte

fundamental da estrutura da teologia e do cristianismo.

A adoração e o relacionamento que ficam gravados como experiência de

espiritualidade dos povos cristãos, a organização do culto, a celebração ritualística

dos temas mais próprios da revelação e passados de geração a geração são

igualmente válidos e importantes para a vida cristã, a teologia e a igreja. Recebemos

uma herança da antiga igreja mais do que somos criadores de novas tradições.

Houve ação de Deus desde os tempos mais remotos, onde mesmo sem a presença

encarnada de Cristo, sua presença é notada na vida de homens e mulheres que

andaram em obediência a Deus. A Tradição é a descrição sistematizada das

62 GRAY, Jr. Wallace G. The place of reason in the theology of John Wesley. Michigan: Michigan University. [Doctoral dissertation series, University Microfilms 5509] fotocópia. 1953. p 119.

34

experiências de muitas gerações no relacionamento com Deus, sua igreja e com o

mundo.

Têm importância aqui os escritos dos Cristãos através dos séculos, dos

profetas aos pais da igreja, e, citando uma carta de Wesley “Ao Dr. Conyers

Middleton”, lemos uma pequena relação de autores e sua impressão dessa herança

da tradição:

Clemente Romanus, Inácio, Policarpo, Justino Mártir, Irineu, Orígenes, Clemente Alexandrinus, Cipriano, aos quais eu acrescentaria Macário e Efraim Syrus. [...] Contudo reverencio excessivamente tanto a eles como aos seus escritos e os avalio altamente em amor. Reverencio-os porque eram cristãos, [...]. Reverencio os seus escritos porque descrevem um Cristianismo verdadeiro e genuíno e nos guiam à evidência, mas forte da doutrina cristã. [...] Reverencio muito estes antigos cristãos com todas as suas falhas porque vejo tão poucos cristãos atualmente, porque leio tão poucos nos escritos dos últimos tempos e ouço tão pouco de cristianismo genuíno, e porque a maioria dos cristãos modernos (assim chamados) não contentes com o serem totalmente ignorantes a respeito do cristianismo têm profundos preconceitos contra ele chamando-o “entusiasmo” e não sei mais o que.63

É esta a visão de Wesley quanto ao considerar a tradição, ou o percurso dos

cristãos durante os séculos, criando padrões históricos para a doutrina, permitindo

que a revelação seja reinterpretada em perspectiva, com base de comparação, com

registro de sua ação e atuação nas comunidades. Mas que se esclareça que John

Wesley tomava sempre a tradição a partir de uma interpretação crivada pelo

evangelho na articulação do quadrilátero. A tradição está também a serviço da

demonstração da perenidade da mensagem de Cristo, da revelação de Deus entre

os seres humanos, e que não se trata apenas de alienação ou gente animada ou

entusiasmada com a possibilidade do divino. Certamente uma resposta ao mundo

iluminista que banalizava a fé e os crentes, freqüentemente escrevendo que o

metodismo transformava as pessoas em entusiastas irracionais64. O uso da tradição

e de todo o seu conteúdo era o antídoto contra qualquer tentativa de criar uma nova

seita, seja pelo misticismo de apenas ouvir a voz divina abandonando preceitos

consagrados pelo uso na história cristã, seja pelo caminho do antinomianismo de

uma fé sem regras. A tradição forçava a compreensão crítica desses conteúdos

deixados como herança para as gerações de crentes.

63 BURTNER, Robert W. e CHILES, Robert E. Coletânea da teologia de João Wesley. São Paulo: JGEC da Igreja Metodista, 1960. p. 35-36. 64 O livro de Heitzenrater “The Elusive Mr Wesley”, relacionado na bibliografia dessa pesquisa apresenta John Wesley também a partir de escritos de seus detratores.

35

1.2.5. Experiência Pessoal

Toda a experiência registrada na comunidade, no uso da razão para a

interpretação da revelação na seqüência dos séculos e antes mesmo do evento de

Cristo, a Experiência Pessoal surge para confirmar pessoalmente que a salvação foi

“para mim”, individual e pessoal, ainda que universal e social. Isso é alcançado

mediante a fé de que Ele, Deus, estava reconciliando consigo o mundo, em Cristo,

mas objetivamente reconciliando ao indivíduo.

É o Espírito Santo que usa todos os meios, inclusive a escritura e a tradição

para trazer a fé da justificação em Jesus Cristo. Mas é mediante a graça de Deus

que se recebe essa experiência de fé, não por capacidade pessoal. É evidente na

experiência pessoal de John Wesley, que vivenciou esse tipo de encontro com Deus,

espiritual, subjetivo, confortador, inquietante, mas ao mesmo tempo síntese de toda

uma busca de vida de santidade, de ações espirituais, de regras de conduta e

métodos de encontro com a bondade e o amor. É nessa experiência que a graça de

Deus se manifesta ao ser humano, ao crente. Nada mais é feito por terrível

obrigação de escapar da ira vindoura, mas mediante o amor suave e gentil

demonstrado por Deus em Cristo, ainda que constrangedor e talvez irresistível.

Na experiência de John Wesley em 24 de maio de 1738, considerada um

dos inícios do metodismo, é possível reconhecer a culminância de uma vida de

busca por respostas aos anseios existenciais, e que são respondidos de uma

estranha forma: um coração estranhamente aquecido. Mais do que apenas um

sentimento estranho no peito, nasce aqui a certeza da salvação, uma das doutrinas

também fundamentais do metodismo. A experiência pessoal confirma ao crente a

certeza da salvação, quando através do Testemunho do Espírito, ele compreende

que é filho de Deus. É nesse testemunho que se compreende tal desígnio

abscôndito de Deus que não só é revelado, mas confirmado como realidade objetiva

através dessa certeza inabalável. Tal certeza traz alegria incomparável, e vai

produzir frutos que serão sentidos por outras pessoas alcançadas pela obras das

mãos do crente que teve sua fé e suas dúvidas respondidas pelo amor de Deus. Há

36

um sermão doutrinário de Wesley “O Testemunho do Espírito” que explica o

conceito:

Mas qual é o testemunho do Espírito de Deus que do alto aquele se adiciona e se junta? Como dá Ele testemunho juntamente com nosso espírito de que somos filhos de Deus? É difícil encontrarmos palavras na linguagem dos homens para explicar “as profundas coisas de Deus”. Na realidade nenhuma palavra expressará adequadamente o que os filhos de Deus experimentaram. Mas talvez alguém pudesse dizer (desejando que alguém que seja instruído por Deus corrija, abrande ou fortaleça a expressão) que o testemunho do Espírito é uma impressão interna sobre a alma onde o Espírito de Deus dá diretamente testemunho com meu espírito de que sou filho de Deus; que Jesus Cristo me amou e deu-se a si mesmo por mim, e que todos os meus pecados são apagados e eu, eu mesmo, sou reconciliado com Deus.65

Wesley entendia também que haveria variações nessas experiências por

serem experiências pessoais. Então não haveria normativa de como se processaria

esse caminho até a certeza, até o testemunho do Espírito. Entretanto é certo que

essa experiência deveria produzir seus frutos de comportamentos, ações,

compromissos e mudanças rumo à santidade de coração e vida, um amor

constrangedor por fazer a vontade de Cristo e buscar perfeição na prática desse

amor a todas as pessoas.

1.3. Conhecimento e Piedade Vital

O pesquisador e historiador metodista Richard Heitzenrater, da Duke

University, faz uma reveladora comparação utilizando-se do exemplo encontrado na

capela da Duke na Carolina do Norte, Estados Unidos da América. Atrás do altar há

duas estátuas, “Eruditio et Religio”66, que representam o lema daquela universidade

inspiradas nas palavras de Wesley. Ele destaca que ao contemplar as estátuas, o

65 “7. But what is that testimony of God's Spirit which is superadded to and conjoined with this? How does he 'bear witness with our spirit that we are the children of God'? It is hard to find words in the language of men to explain 'the deep things of God'.29 Indeed there are none that will adequately express what the children of God experience. But perhaps one might say (desiring any who are taught of God to correct, to soften or strengthen the expression), the testimony of the Spirit is an inward impression on the soul, whereby the Spirit of God directly 'witnesses to my spirit that I am a child of God'; that Jesus Christ hath loved me, and given himself for me;30 that all my sins are blotted out,31 and I, even I, am reconciled to God” (WESLEY, John. Sermon 10, Witness of the Spirit. Vol 6. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 66 HEITZENRATER, 2000, p. 9-10.

37

visitante não identifica nenhum traço diferente na comparação entre conhecimento e

religião. Assim, ao tratar do termo conhecimento do binômio enfatizado nesse

trabalho corre-se o risco de encontrar os mesmos conceitos fundamentais.

Heitzenrater afirma que ambas parecem piedosas e pensativas. Para Wesley

conhecimento “não é tanto um atributo puramente intelectual, mas sim um canal de

auto-compreensão, que é crucial para a salvação.”67 O pesquisador afirma que os

termos conhecimento e educação se equivalem, e também sabedoria, e razão.

1.3.1. Conhecimento de Deus, de si e do mundo

Os teólogos alemães Klaiber e Marquardt, em sua busca por uma

sistemática metodista, produzem a obra “Viver a Graça de Deus – um Compêndio da

Teologia Metodista” e indicam algumas fontes do conhecimento, referindo-se ao

conhecimento de Deus. É possível conhecer a Deus: a partir da experiência; nas

religiões; pela razão; de forma natural. Eles dizem: “a opinião de que existe, embora

provisório, conhecimento de Deus fora do âmbito e da fonte da mensagem bíblica,

sempre foi e é afirmada na Teologia Metodista”68. Por ser inseparável da

espiritualidade ou piedade, o conhecimento estará sempre se referindo a Deus. Este

conceito em Wesley evidencia-se a partir da compreensão de que toda a Criação é

divina e, portanto, qualquer que seja o produto das criaturas está sob a égide divina.

Todo conhecimento é útil para a compreensão de si mesmo, dos outros, do mundo e

finalmente de Deus. Toda educação deveria ser construção da salvação e da

santidade, uma estrutura para a santidade interior e exterior, a capacitação para a

operação do amor de Deus através do ser humano, ou como diz Wesley, o

conhecimento

(...) é plantado, em toda a alma humana, para propósitos excelentes. Ele é pretendido para impedir nossa inércia em qualquer coisa aqui embaixo; erguendo nossos pensamentos para objetos mais altos, mais merecedores de nossa consideração, até que ascendamos à Fonte de todo conhecimento e toda excelência, o Criador de toda sabedoria e toda graça.69

67 “for him, knowledge is not purely intellectual attribute but rather a channel os self-understanding, which is crucial for salvation” (HEITZENRATER, 2000. p. 24.) 68 KLAIBER, W e MARQUARDT, M, 1999, p.19 69 “it is planted in every human soul for excellent purposes. It is intended to hinder our taking up our rest in anything here below; to raise our thoughts to higher and higher objects, more and more worthy our consideration, till we ascend to the Source of all knowledge and all excellence, the all-wise and all-

38

O conhecimento colabora para remover uma fé ingênua, ainda que a razão

ou o conhecimento não possam produzir fé, o estudo de temas que vão além do

texto bíblico colabora para compreender melhor a própria fé. Não é ser radicalmente

favorável à razão em detrimento da fé, nem tampouco considerar que apenas a

revelação é a fonte do conhecimento de Deus. Como já foi descrito, a razão é o

instrumento da apreensão e compreensão da revelação. A fé erudita deve conviver

com facilidade com o mundo da razão e sua busca por conhecimento, porém todo

questionamento devia estar vinculado do propósito maior que é conhecer a Deus e

sua salvação.

Wesley mesmo exercitou suas capacidades intelectuais através de suas

leituras, seus escritos, e sua vida acadêmica, permanecendo como professor ligado

à Oxford até os 48 anos. Conforme a narrativa de Amós Nascimento70, Wesley

chegou em Oxford em 1720, ingressando no Christ Church, graduando-se em 1727

como Mestre em Artes; de 1726 a 1734 foi Professor de Grego (Lecturer in Greek),

também de 1726 a 1730 Professor de Lógica, e de 1730 a 1735 Professor de

Filosofia. A partir de 1731 “tornou-se responsável pela presidência dos debates

públicos no Lincoln College, de onde vem não somente sua prática retórica e

argumentativa, que depois lhe será de grande valia para os seus sermões e

polêmicas” diz Nascimento, “ele permaneceu vinculado à academia até 1751”71 .

1.3.2. O Conhecimento, a Educação e Wesley

Na introdução do Sermão de número sessenta e nove, sobre “A Imperfeição

do Conhecimento Humano”72 alguns argumentos importantes sobre conhecimento

são estabelecidos: 1) O desejo do conhecimento é um princípio universal no homem,

gracious Creator. (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 69, Imperfection of human knowledge. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 70 NASCIMENTO, A. John Wesley, o iluminismo e a educação metodista na Inglaterra. In: Revista do Cogeime. Ano 12, número 22. Piracicaba: Cogeime, 2003. p. 89-104. 71 NASCIMENTO, 2003, p. 90. 72 WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 69, Imperfection of human knowledge. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.

39

fixado em sua natureza mais íntima, e isso significa que o crente também usará e

responderá a esse desejo, não constituindo pecado, mas necessidade intrínseca da

humanidade; 2) E ele é insaciável, ou seja, a humanidade sempre estará a busca de

novos conhecimentos que respondam novos questionamentos sobre si, sobre o

mundo, sobre sua história, sobre Deus; 3) O presente conhecimento do homem está

exatamente adaptado para as suas necessidades presentes, o que por um lado

limita o conhecimento de uma época; 4) fazendo com que saibamos o suficiente da

natureza e qualidades sensíveis das coisas que estão à nossa volta, para que a vida

seja sustentada e 5) o conhecimento é constante e não variável em toda criatura

racional. Uma das tensões na compreensão do conhecimento é de que nenhuma

quantidade de conhecimento alcançado pela razão pode produzir aquela

combinação de qualidades que denominamos teologicamente de salvação, mas que

popularmente designamos felicidade.73 É claro que essa felicidade é criada por e

composta de conhecimento do amor do Deus verdadeiro.74

Mas há diferença clara entre conhecimento e sabedoria, Wesley diz que

conhecimento de nós mesmos é verdadeira humildade, “e nessa nossa ignorância

profunda é vista a bondade, tanto quanto a sabedoria de Deus, resumindo seu

conhecimento de todos os lados, com o propósito de encobrir a vaidade do

homem”.75 É a santidade que transforma conhecimento especulativo ou

desinteressado em sabedoria que exercita o amor de Deus. Essa sabedoria para o

amor, que constrói diariamente a salvação e a confirma, caminha para uma

perfeição na prática do amor, ainda em vida. Todo esse processo visa reatar o ser

humano à perfeição de Deus, transformando o mundo, salvando o mundo e as

pessoas mediante a graça salvadora de Cristo.

Na descrição de uma pedagogia wesleyana, Amós Nascimento apresenta

dois pontos nessa direção: “1. sua visão sui generis sobre a racionalidade e o

método científico característico das ciências naturais e a compatibilização dessa

73 WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 69, Imperfection of human knowledge. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM. 74 GRAY, W. 1953. p. 98 75 “And in this our deep ignorance is seen the goodness as well as the wisdom of God, in cutting short his knowledge on every side, on purpose to "hide pride from man." (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 69, Imperfection of human knowledge. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.)

40

ênfase na disciplina metódica com o Metodismo; 2. a tradução e aplicação dessa

dimensão racional e confessional em uma perspectiva social, levando à criação de

escolas nas quais esses métodos foram aplicados”76. E ainda continua,

[...] comum a essa insistência na praticidade do ensino e à primazia do método é a base iluminista do século XVIII. Mas, além disso, o currículo combinava a educação religiosa e secular, segundo o modelo de educação religiosa que Wesley propusera em Instruction for Children, e com base numa série de manuais que ele mesmo escreveu para o uso na escola. [...]Podemos concluir, baseados na tentativa de articulação entre racionalidade e a emocionalidade religiosa proposta por Wesley, que ele via uma tensão e também a continuidade entre a educação e a confessionalidade, do mesmo modo como a via entre a educação infantil e a educação adulta. Um exemplo disso se vê na sua luta contra o analfabetismo adulto, já que este era um empecilho à vida cristã.77

É interessante lançar olhares também para a estrutura do Movimento

Metodista como forma de cumprir a ação missionária através da educação. Wesley

organizou os grupos que iam crescendo em Sociedades – grupos heterogêneos de

pessoas e

1. que eles se encontrariam uma vez por semana para confessarem suas faltas uns aoas outros e para orarem também uns pelos outros a fim de que fossem curados; 2. que qualquer outra pessoa, de cuja sinceridade eles estivessem seguros, poderia, se assim o desejasse, reunir-se com eles para aquele propósito.78

Havia também os bands, grupos homogêneos – de homens, de mulheres,

de solteiros, de casados - de cinco a dez pessoas que se reuniam para oração,

apoio mútuo, edificação e apoio espiritual. As Sociedades eram ainda divididas em

“classes (do latim, classis, ou “divisão”) subdivisões por vizinhança de cerca de doze

pessoas, cada classe tendo um líder determinado”79. Eram agrupadas

geograficamente e geravam uma informação sobre o estado e as necessidades dos

metodistas a partir das rondas feitas pelos líderes. Essas ferramentas

proporcionavam um direcionamento das atividades, ações e necessidades para o

aperfeiçoamento do povo.

John Wesley agia sempre para orientar todo o movimento, criando assim

suas diretrizes e identidades. Divulgava seus posicionamentos teóricos sem temer 76 NASCIMENTO, 2003, p. 91. 77 NASCIMENTO, 2003, p. 97. 78 HEITZENRATER, 1996, p. 79. 79 HEITZENRATER, 1996, p. 118.

41

reações e polêmicas. Sobre o pensador escocês David Hume, da sua época,

escreveu motivado pelo

[...] ceticismo de Hume e sua irônica crítica da religião, mas também a sua polêmica defesa da escravidão africana, ao que Wesley veemente protestou, liderando uma campanha contra o filósofo escocês. A conclusão à qual se pode chegar a partir dessas rápidas referências é a de que seu trabalho foi, como o de muitos no século XVIII, o de popularizar a nova ciência natural; mas, ao mesmo tempo, contrário a muitos iluministas, ele tentou afirmar que a ciência era compatível com a religião.80

O conhecimento, e a educação eram oportunidades para o exercício da

disciplina. O estudo disciplinado era a base para a vida do metodista, agradava a

Wesley o uso do método científico, característico das ciências naturais, na

elaboração e aplicação de regras metódicas na vida diária e na busca por

conhecimento. Essa disciplina e metodologia podem ser verificadas nas regras do

Kingswood School, o primeiro colégio metodista interno para crianças, seja pelas

regras de comportamento estritas quanto ao horário de alvorada – às quatro horas e

trinta minutos – ou pelo currículo elaborado pelo próprio Wesley e que contemplava

diferentes âmbitos do saber, próximos ao currículo da educação inglesa.

Wesley montou um currículo com a possibilidade dialética de contraposição

de autores divergentes em seus conceitos. Mas acima de tudo a disciplina era a

regra maior a ser obedecida, pois apenas dessa forma o conhecimento estaria a

serviço de outras pessoas. Certamente a disciplina chama a humildade, onde seguir

um caminho desafiador e rigoroso capacita para a aplicação do conhecimento em

prol da sociedade. John Wesley preferia a ciência ao senso comum e se opunha

com facilidade às idéias que considerava impróprias aos metodistas. Foi assim, na

matéria do senso comum, contra Shaftesbury, Joseph Butler, Francis Hutchinson,

Adam Smith e David Hume.

De acordo com o pensamento wesleyano, o conhecimento já foi uma vez

perfeito, mas foi pervertido pela Queda. O ser humano longe de Deus tem

prejudicada a capacidade do conhecimento de si e do conhecimento de Deus.

Mesmo que, seja possível, mediante a graça preveniente conhecer algo consistente

antes da revelação, ainda não é possível conhecer plenamente. Então, o

conhecimento tem limites:

80 NASCIMENTO, 2003, p. 92.

42

Mas, embora nosso desejo de conhecimento não tenha limites, nosso conhecimento, em si mesmo, tem. Ele é, de fato, confinado, nos mesmos limites estreitos; muito mais estreitos do que as pessoas comuns possam imaginar, ou homens letrados estão dispostos a admitir: uma forte sugestão, (já que o Criador não faz coisa alguma em vão), que possa haver algumas condições futuras de existência, por meio das quais, este, até o momento, desejo insaciável, possa ser satisfeito, e não haja distância tão grande entre o apetite e o objeto dele.81

Wesley compreendia claramente que por mais desejado que fosse o

conhecimento este seria sempre limitado por variados fatores. É possível que isso

tenha evitado que o metodismo seguisse caminhos dogmáticos e fechados em si e

em suas crenças. Daí vem a tradição metodista do livre pensar, que certamente é

uma das aproximações notadas por Mesquida82 aos movimentos liberais e

principalmente à Maçonaria. Uma das idéias cultivadas pelo metodismo que

representa essa abertura é o pensar e deixar pensar. Nessa perspectiva o

questionamento ou o pensamento arguto, que busca aprofundar o conhecimento,

não oferece risco à fé. É antes a oportunidade de confirmar a fé pela experiência, e

compreender a revelação.

John Wesley estudou na Universidade de Oxford, referência do saber

mundial no século dezoito. A educação era reservada apenas para a nobreza e para

outros poucos que tivessem a graça de receberem bolsas de estudo, ou que

desejassem preparar-se para o sacerdócio anglicano. Esse foi o caso de John

Wesley e seu irmão Charles Wesley, filhos e netos de sacerdotes anglicanos,

Samuel Wesley e John Wesley respectivamente, que também cursaram teologia em

Oxford. John e Charles estudaram no Christ Church83 a faculdade reservada para a

nobreza.

Além do registro de leitura de mais de novecentos livros, no período de dez

anos, “a partir de 1725, Wesley registrou praticamente a quase totalidade das

leituras que fez, abrangendo mais de 1.400 diferente autores em mais de 3.000

81 “2. But although our desire of knowledge has no bounds, yet our knowledge itself has. It is, indeed, confined within very narrow bounds; abundantly narrower than common people imagine, or men of learning are willing to acknowledge: A strong intimation, (since the great Creator doeth nothing in vain,) that there will be some future state of being, wherein that now insatiable desire will be satisfied, and there will be no longer so immense a distance between the appetite and the object of it.” (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 69, Imperfection of human knowledge. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 82 MESQUIDA, Peri. Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil. Juiz de Fora/São Bernardo do Campo: EDUFJF/Editeo, 1994. p. 18,22. 83 HEITZENRATER, 2003, p. 14.

43

diferentes documentos”84. É um interesse extensivo e variado em muitos assuntos

diferentes, Clory Trindade de Oliveira citando a pesquisa de Albert Outler sobre que

autores Wesley lera:

[...] cita entre outros: Horácio, Virgílio, Ovídio, Cícero, Juvenal, Aristófanes, Adriano, Homero, Lucasso, Lucrécio, Pérsides, Píndaro, Sêneca, Agostinho, Kempis; cita autores da Patrística, os Místicos Medievais, escritores seculares da Renascença e autores da ciência moderna.85

Mais que isso sua educação escolar e sua família proporcionaram

oportunidades de aprendizado, sua mãe Susanna Annesley “levou a sério o seu

preparo intelectual desde cedo”86. Oliveira prossegue citando Fitchett a respeito de

Susanna:

Possuía natural inclinação para o estudo; ela sabia grego, latim e francês antes de ter vinte anos, e achava-se saturada de teologia. (...) Ela lia os padres primitivos e lutava com as sutilezas da metafísica. (...) Com treze anos apenas, ela recusou toda a matéria em discussão sobre os Dissidentes e a Igreja, opinando contra a posição do pai.87

No ambiente doméstico dois traços ficam marcados na educação de John

Wesley e em sua prática: a erudição e a disciplina. Essas serão marcas do

metodismo desde seus inícios na Universidade de Oxford, com o Clube Santo e

posteriormente com o Movimento já organizado.

1.3.3. A Missão “ad populum”, ações e subsídios para a educação

Na realidade da pobreza e marginalidade surgida com o aglomerado de

gente nas cidades, fruto do êxodo rural na Revolução Industrial, um erudito, mestre

da Universidade de Oxford, sacerdote da igreja oficial se aproxima das pessoas

carentes para compartilhar seus conhecimentos e sua vocação. John Wesley e o

84 OLIVEIRA, Clory Trindade. Aspectos da filosofia educacional de John Wesley. In: Revista do Cogeime. Ano 12, número 22, Piracicaba: Cogeime, 2003. p. 74. 85 OLIVEIRA, 2003, p. 74. 86 OLIVEIRA, 2003, p. 72. 87 Os pais de Susanna eram não-conformistas, em OLIVEIRA. (2003, p.72.) há o seguinte relato: “Dr. Samuel Annesley, pai de Susanna Wesley e sobrinho de Arthur, primeiro Conde de Anglesea era, igualmente, pessoa de elevada educação (...), foi educado no Queen´s College, na Universidade de Oxford, (...) foi ordenado capelão no navio Globe de sua Majestade (...) mais tarde, foi pastor em Cliff, no condado de Kent. (...) Mais tarde foi expulso de sua paróquia, por seu um Não-conformista”

44

grupo de estudantes que seu reunia no “Clube Santo”, com o propósito de cultivar

práticas de espiritualidade, cumprir o acordo universitário de estudos, decidiu

compartilhar com a sociedade seu conhecimento.

John Wesley faz uma opção clara pelas pessoas simples – “plain people” – e

resolve falar simples, como opção que tinha88 ao construir seus escritos, sermões e

diversas publicações. Assim o metodismo, aliado às práticas de alfabetização

oportuniza uma nova possibilidade para o povo. Foram produzidos os mais diversos

materiais utilizados sempre com fins didáticos. As obras de John Wesley estão

reunidas no “The Works of John Wesley”, obra organizada por Thomas Jackson com

quatorze volumes, publicado pela Abingdon Press. Nessa pesquisa é utilizada a

versão digital, em CD-Rom, editada por Heitzenrater.

Os subsídios versavam sobre assuntos diversos, de Sermões com conteúdo

doutrinário a resumos de obras sobre medicina, de panfletos de defesa das

interpretações teológicas metodistas à gramáticas de línguas como latim, grego,

francês e outros livros didáticos para as escolas metodistas. Wesley conseguia

“encontrar tempo para publicar uma média de doze títulos por ano”89. Marcantes são

as correspondências que manteve (“Letters”), além de seus diários pessoais

(“Diaries”) e outros diários que eram publicados (“Journals”). Além disso, organizou e

republicou centenas de outros textos e livros, com destaque para a “Christian

Library”, de 1750, contendo cinqüenta volumes com uma seleção de textos sobre a

vida cristã90. Foram publicadas coletâneas de Hinos usados para instrução

doutrinária e do conteúdo do ensino bíblico. Foram cinco mil hinos compostos por

Charles Wesley e outros mil e novecentos compostos por John Wesley, com

melodias populares e de fácil compreensão e canto.

1.3.4. Kingswood School para a educação de crianças

88 Conforme nota de rodapé número 30 sobre as possibilidades do endereçamento dos sermões. 89 HEITZENRATER, 1996, p. 154. 90 A “A CHRISTIAN LIBRARY”, “Extracts from and Abridgments of the Choicest Pieces of Practical Divinity Which Have Been Published in the English Tongue". A obra está disponível em formato digital no site da Northwest Nazarene University, Nampa, no Wesley Center for Applied Theology, a partir da edição de 1821 com 30 volumes <http://wesley.nnu.edu/john_wesley/christian_library/index.htm> Acesso em: 10 de agosto de 2007.

45

Para o exercício da educação na concepção metodista, Wesley produziu

publicações para subsidiar as escolas, dando orientações sobre a educação de

crianças e a responsabilidade da família:

Seu texto “Thougth on the Manner of Educating Children” (1783) reforça a importância da disciplina e o significado da religião verdadeira para uma boa educação. Seu sermão “On The Education of Children” (1783) é um comentário prolongado sobre as responsabilidades dos pais na educação da família91.

Acreditava que a criança precisava aprender antes de tudo a subjugar seus

desejos e dedicar-se à disciplina. Por isso, no Kingswood School e nas outras

escolas metodistas92 a regra era rígida. Levantar às quatro e meia da manhã para

oração e louvor, com horários para outras diversas atividades como trabalhos

manuais e profundos estudos, rígidos para os dias atuais, mas “estavam de acordo

com as sugestões de Locke e de outros”93:

[...] uma pesquisa no currículo de Kingswood revela a execução prática dos princípios de Wesley na área da educação secundária. Sua intenção era incluir cada área de aprendizagem “útil” ou estudos práticos. O curso principal foi projetado para ensinar leitura, escrita, e aritmética; inglês, francês, latim, grego e hebraico; história, geografia e cronologia; retórica e lógica; geometria, álgebra, física, música e ética. Outros assuntos foram logo adicionados, como pintura e a astronomia.94

Havia também um currículo diferenciado, de quatro anos, que Wesley

comparava a um currículo universitário. Possuía dez áreas básicas:

[...] gramática, clássicos, história, poesia, escritores franceses, matemática e ciências, ética e filosofia, Bíblia, doutrina, e teologia prática. A de clássicos incluía o estudo de Homero, Cícero, Tácito, Platão e outros. [...] A matemática e a ciência incluíam Euclides, Isaac Newton e a astronomia de Watt. A filosofia envolvia o estudo de Locke, Malebranche.95

91 HEITZENRATER. 2003, p. 17. 92 Heitzenrater relaciona algumas das primeiras escolas metodistas que sucederam Kingswood School: “Foundery Day School, em Londres e, posteriormente, numa escola em Woodhouse-Grove. Seus seguidores e compatriotas também fundaram colégios com programas similares em Leystone (Mary Bosanquet, Ann Bolton, etc.) Trevecca (Senhora Hutingdon) e em High Wycombe (Hannah Ball)” HEITZENRATER. 2003, p 19. 93 HEITZENRATER. 2003, p. 22. 94 HEITZENRATER. 2003, p. 19-20. 95 HEITZENRATER. 2003, p. 20.

46

Um destaque feito por Heitzenrater, de que o currículo contemplava o estudo

de um empirista, Locke e de um cartesiano, Malebranche, uma ação que favorecia o

debate de idéias no confronto de diferente correntes teóricas.

Wesley publicou outras obras voltadas para educação, e de uso específico

no processo educacional. Foram cinco gramáticas de línguas (inglês, grego, latim,

alemão e francês), uma “Concise History of England em quatro volumes” e o

“Compendium of Logic, assim como outros livros didáticos para a Kingswood School

(cerca de 24 trabalhos)”96

Além disso, Wesley publicou muitas outras obras que se relacionam de algum modo com seu programa educacional. Em parte sua monumental editora integrava sua missão educacional. Ele lançou quase quinhentos trabalhos sobre todo tipo de assuntos (muitos dos quais foram publicados em vários volumes), incluindo A Short History of Rome, Natural Philosophy (três volumes) e muitos outros. [...] Estava tentando educar seu povo.97

Todo esse conteúdo era distribuído através dos pregadores metodistas,

leigos, que assumiam a tarefa de compartilhar toda oportunidade para educar o

povo.

1.4. Piedade um conceito vital para o Metodismo

O metodismo teve como ênfase e destaque sua busca por santidade pessoal

e social. A pessoa ao ser alcançada pela graça justificadora de Deus tem sua vida

transformada pela decisão de fé que a conduz para um caminho de santificação, a

graça tem ação ou efeito santificador também. Tal caminho tem como diretriz a

mudança de caráter, substituindo comportamentos e valores puramente humanos

por valores e comportamentos bíblicos, na perspectiva da imitação da vida de Cristo.

Para isso, a lista como apresentada pelo apóstolo Paulo no livro de Gálatas, falando

sobre o “fruto do Espírito”, é meta para o metodista que busca maturidade pessoal

em santidade de vida. A santidade é expressa através de um compromisso com

Deus e sua obra de redenção humana, especialmente revelada através do amor.

Yirigoyen ressalta que “um dos assuntos mais impressionantes sobre John Wesley,

96 HEITZENRATER. 2003, p. 18. 97 HEITZENRATER. 2003, p. 18.

47

foi sua luta para ser a pessoa que Deus desejava que ele fosse, alguém que fosse

santo de coração e vida.”98 Foi uma perfeita união entre conhecimento e piedade.

Certamente a influência pietista marca sua busca pelo estilo de vida, descrito

em livros como de Thomas à Kempis, “A Imitação de Cristo” e de William Law

“Exercícios para o Viver e Morrer Santos” e “Perfeição Cristã”. O compromisso com

Deus e seu amor irá obrigatoriamente refletir-se na comunidade através do amor ao

próximo. São os “frutos dignos de arrependimento”, ou seja, um comportamento

repleto de frutos de bondade e fraternidade nascidas no amor de Deus revelado na

vida do crente. É assim que o crente vai expressar sua vida cristã através de Atos de

Piedade e Obras de Misericórdia.

1.4.1. Para compreender a Piedade

Para a compreensão moderna a piedade é uma virtude piegas. É um

sentimento de pena, comiseração, dó, compaixão pelo sofrimento alheio e

misericórdia, como pode ser encontrado em definição no dicionário de Houaiss99.

Nesse conceito pessoa piedosa é aquela que tem olhos caídos, sorriso angelical,

talvez maltrapilha por escolha própria, fala mansa, coração de manteiga,

desprendimento da vida e horror aos acontecimentos mundanos que podem roubar

sua quietude interior e afetar sua prática contemplativa e alienada das lutas e

labores profanos. Nessa compreensão não há espaço para considerar que o

envolvimento com a vida, os sofrimentos, processos humanos, organização social e

política. Tudo o mais que não seja a verticalização das atenções humanas é perda

de tempo e ação contrária à comunhão com Deus.

É a visão dualista entre sagrado e profano, o mundo e a santidade, o bem e

o mal, o céu de Deus e o mundo do maligno, e a piedade é a ferramenta de escape

desse mundo malvado, decaído, que não merece a intervenção em suas estruturas

corrompidas, nem o resgate de sua babel humana distante de Deus. Está longe da

98 YIRIGOYEN, Charles Jr. John Wesley holiness of heartg and life. Nashvile: Abingdon Press,1999. p. 40. 99 HOUAISS, A. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva. 2002. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br>. Acessado em: 25 de setembro de 2007.

48

oração sacerdotal de Jesus no evangelho de João100, que pede que permaneçam no

mundo com capacidade para lidar com o mal.

Na cultura da competição, da luta por fatias do mercado a piedade é uma

qualidade indesejável, pois o concorrente precisa ser esmagado impiedosamente.

Porém, o mesmo dicionário indica seu conteúdo religioso com a descrição de ser, a

piedade, o amor pelas coisas religiosas, a religiosidade, a devoção, a “virtude que

permite render a Deus o culto que lhe é devido.”

No aspecto etimológico101 piedade tem raízes no cumprimento do dever de

cultuar aos deuses familiares ou antepassados. Esse conceito tende para a

espiritualidade do crente rendida a seu deus. Isto significava fidelidade a sua fé e às

expressões dessa fé escolhida, e ao deus a quem se servia. É um conceito mais

antigo onde a piedade é o que se expressa a uma divindade, portanto de orientação

vertical. Seja qual for o entendimento há certa influência religiosa no significado de

piedade, em direção a Deus ou em direção aos pares sofredores102.

É possível encontrar as raízes do conceito de piedade no texto bíblico, tanto

no Antigo (e.g. Sl 4.3; 32.6) quanto no Novo Testamento (e.g. 1 Tm 4.7 e 8; 6.5 e 6)

e elas indicam um aspecto pessoal de relacionamento para com Deus e outro

vinculado a ter ou não misericórdia e compaixão.

Na história da Igreja a piedade assume contornos de movimento no século

XVII por meio de Philip Jacob Spener, na Alemanha, publicando a obra Pia

Desideria – desejos piedosos – e acrescido aos estudos piedosos de seus “colégios

de piedade”. Sua ênfase estava no cultivo de uma vida de fidelidade a Deus mais

que à Igreja, e busca de uma santidade pessoal, sendo uma proposta de acréscimo

à Reforma. Foi a tentativa de resgatar o foco em Deus, e naquilo que Ele deseja do

crente, em contraposição à ortodoxia e academicismo dos sacerdotes. Outro

personagem importante é August Herman Francke, seguidor de Spener que passou

a divulgar as idéias de seu mentor em Leipzig em conferências que atraíam jovens

teólogos. Sua ênfase recaía na alegria da vida cristã, no gozo que “devia converter-

100 BÍBLIA SAGRADA. Evangelho de João. Capítulo 17, versículos 1 a 26. 101 Possivelmente começou a ser utilizada no século treze, “do latim piètas,átis 'cumprimento do dever, virtude, justiça, fidelidade; piedade (para com os deuses e familiares), culto, devoção', der. de pìus,a,um 'que cumpre o dever, virtuoso, puro'” (HOUAISS. 2004) 102 FIORES, Stefano de e GOFFI, Tullo.org. Dicionário de espiritualidade. São Paulo:Paulus. 1993. p. 372-6

49

se em um canto ao Senhor”103. Eles se preocupavam em atender necessidades das

“pessoas ao seu redor, fundando escolas, orfanatos e instituições de serviço

social”104. O pietismo teve grande aceitação e também recebeu muitas críticas por

parte de teólogos, e deixou sua marca no luteranismo. O movimento pietista pode

ser considerado também o início do movimento missionário protestante.

Spener foi padrinho de um jovem nobre que seria um dos grandes

colaboradores do pietismo e forte influência sobre John Wesley e o metodismo:

Nicholas Ludwig, Graf von Zinzendorf, o Conde de Zinzendorf. O jovem devoto a

Deus, reconhecido por seu gosto pelos assuntos espirituais, foi servir na corte em

Dresden onde teve o primeiro contato com o grupo religioso dos moravianos. Ele

acolheu um grupo de moravianos, seguidores de John Huss, membros da Unitas

Fratrum assentando em terras suas alguns exilados morávios, vítimas da Guerra dos

Trinta Anos. Fundou mais tarde a comunidade de Herrnhut, termo que pode ser

traduzido por “o redil do Senhor”. A obra do movimento morávio, sob comando de

Zinzendorf “estava destinada a fazer um papel importantíssimo na história das

missões”, diz Gonzalez105. Sua estratégia era interessante, com todos os traços da

espiritualidade pietista, aliada à vida em comunidade e ao afã missionário de

proclamar o Evangelho. Os moravianos acabaram por se separar da Igreja Luterana

com Zinzendorf tornando-se bispo em 1735, consagrado pelos continuadores da

Unitas Fratrum. Eles fundaram comunidades nos Estados Unidos, principalmente na

Pensilvânia, enviaram missionários para as Américas, África e Índia e trabalhos em

indígenas.

John Wesley recebeu grande influência e impacto em sua vida na aventura

missionária como capelão nas Colônias da Geórgia, na cidade de Savannah. Lá teve

contato com grupos de moravianos, membros da Unitas Fratrum. Na travessia de

retorno à Inglaterra, em meio à tempestade que ameaçava a embarcação, ele temeu

por sua vida e por sua salvação. No meio da tempestade um grupo de moravianos,

tranquilamente, cantava hinos e orava. Era a certeza da fé, fruto da experiência

pietista.

103 GONZALEZ, J. L. A era dos dogmas e das dúvidas. Uma história ilustrada do cristianismo. Vol.8. Vida Nova. São Paulo. 1984. p. 161. 104 GONZALEZ. 1984, p.162. 105 GONZALEZ. 1984, p.161.

50

Em Londres, uma semana depois de seu retorno, no início do ano de 1738,

Wesley estabeleceu contato com Peter Bohler, “um ministro luterano (ordenado mais

tarde por Zinzendorf para o ministério morávio) recentemente chegado da Alemanha

e a caminho da América”106. Ele serviu de mentor a John Wesley que desejava ter

“certeza de sua fé”, e isto o levou “cada vez mais para visão morávia da salvação,

que ele procurava entender nos termos de sua própria tradição”107. Bohler continuou

a acompanhar a Wesley e um grupo de metodistas de Oxford, e em 1º de maio de

1738 organizou as regras para a busca e crescimento espiritual, fundando assim a

primeira sociedade conhecida como Sociedade Fetter Lane. Esses encontros e

partilhas favoreceram o evento do dia de 24 de maio de 1738 quando Wesley sente

seu “coração estranhamente aquecido” num culto na Igreja dos Irmãos na

Aldersgate Street em Londres. Esse evento confirma a John Wesley a Graça de

Deus, e lhe dá a certeza da salvação, conforme seus relatos nos Diários.

A influência de Böhler e do estilo moraviano é vital para essa experiência,

tanto que logo após faz uma visita a Herrnhut e outros locais moravianos entre o

período de 13 de junho a 16 de setembro de 1738. Visita também a cidade de Halle,

local onde Francke108 edificou sua obra. Em Hernnhut teve oportunidade de conviver

e aprofundar a compreensão sobre salvação, santificação, certeza ou segurança da

fé, e avaliar a teologia moraviana. Notou que havia grandes diferenças e

divergências a interpretação de Böhler e de outros Irmãos da Inglaterra. Ali

aprendeu a prática da reunião “em grupos de vizinhança, chamados ‘coros”, que

“fornecia a base para onze ‘classes’ baseadas na localização geográfica”, diz

Heitzenrater109, que serviam para acompanhamento e supervisão diária da

espiritualidade e conversões. Ele prossegue relatando que no “coração de seu

programa de edificação espiritual estavam noventa bands110 que se encontravam

duas ou três vezes por semana”.

Em Halle, Wesley registrou em seu Journal “interesse em particular pela

famosa Casa dos Órfãos que abrigava 650 crianças e dava instrução a três mil. Ele

ficou interessado especialmente em como eram sustentadas, incluindo a renda de 106 HEITZENRATER. 1996. p. 76. 107 HEITZENRATER. 1996. p. 76. 108 John Wesley utilizava os livros de Francke para estudo entre os metodistas de Oxford. HEITZENRATER. 1996. p. 84. 109 HEITZENRATER. 1996. p. 84. 110 Essa nomenclatura de bands e classes, e o formato e organização em reuniões organizadas por vizinhança geográfica, por gênero e por maturidade espiritual Wesley utilizou no metodismo.

51

sua publicadora, a venda de livros e a farmácia.”111 A busca dele era muito objetiva e

determinada. Se sua espiritualidade estava em teste, ou em experiência sistemática,

lógica e coerentemente, ele também era pragmático ao compreender os formatos de

organização religiosa comunitária que ajudariam, em muito, na organização do

metodismo. Vários pontos de proximidades poderiam ser estudados na comparação

entre a estrutura, visão de vida cristã e as organizações de Herrnhut e Halle e do

movimento metodista112.

É fato que John Wesley estudou detidamente os pietistas alemães e isso

influenciou sua formação teológica. Em 1725 seus estudos “começaram a focalizar

os pietistas da tradição do viver santo. Thomas Kempis deu o fundamento para esta

perspectiva; Wesley começou lendo A Imitação de Cristo regularmente” afirma

Heitzenrater113, e também escolheu Jeremy Taylor, com Rule and Exercises of Holy

Living and Holy Dying (Regras e exercícios do viver santo e do morrer santo). Estes

dois livros causaram imenso impacto em Wesley. A conseqüência dessa influência

pietista se identifica na disciplina quase obsessiva que ele impõe a si em busca da

certeza de sua fé, e o princípio de que todas as coisas aí interferem, “que a

verdadeira religião estava assentada no coração, e que a lei de Deus se estendia

por todos os nossos pensamentos assim como pelas palavras e ações”114. É mais

do que “agir bem, mas o melhor possível [...] de que não há atos indiferentes – que

cada ação tem um valor moral, com bem ou mau.”115 Isso o levou a um ativismo tão

intenso que passou a ser julgado por seus amigos como uma busca legalista pela

justificação pelas obras.

Este princípio, de agir o melhor possível e de que toda atitude e ação são

reflexos da vida de santidade, vai aparecer de forma evidente no debate sobre

sacerdócio. Seu pai, Samuel, já velho e doente, abre um debate para que John

aceitasse sucedê-lo como pastor na paróquia de Epworth. O irmão mais velho

Samuel Jr. foi incumbido de cobrar e convencer o irmão em nome do pai, afim de

111 HEITZENRATER, 1996, p. 84. 112 Há possibilidades, por exemplo: trabalhos diversos para sustentar a missão, visão missionária ou o mundo como paróquia, envio de missionários, desejo de espalhar a santidade bíblica por toda o mundo, não criar uma nova Igreja, vinculação com a Igreja oficial, estilo de organização em comunidades/sociedades, a vida de santidade, e outras influências da piedade pessoal e comunitária. Porém essa não é a proposta aqui. 113 HEITZENRATER, 1996, p. 35. 114 HEITZENRATER, 1996, p. 36. 115 HEITZENRATER, 1996, p. 43.

52

que a Igreja de toda a vida dos Wesley permanecesse sob liderança da família. John

argumenta de forma lógica e organizada diante da afirmação de seu pai de que o

ministério do pastoreio na Igreja local seria mais excelente: “A glória de Deus e os

diferentes modos de promovê-la devem ser a nossa única preocupação. [...] O curso

da vida se inclina mais à glória de Deus onde quer que possamos promover a

santidade em nós mesmo e nos outros.”116 Sua compreensão de santidade é aquela

que pode ser evidenciada externamente por atos, obras, palavras pois são fruto da

ação interior da transformação operada por Deus no ser humano. Se algo aconteceu

no coração humano, isso será óbvio e público, transformado em ação em favor das

pessoas, pois absolutamente tudo está ligado aos propósitos de Deus. John Wesley

permaneceu em Oxford e não assumiu o ministério em Epworth.

O ponto de mudança e talvez rompimento com o pietismo alemão,

principalmente de Zinzendorf, é a compreensão wesleyana de que santidade, ou

seja, o caminho e o resultado do exercício da piedade acontece como dádiva de

Deus ao crente, mas é igualmente desenvolvida com marcas exteriores do que

ocorre no coração, ou seja por obras, ou melhor por obras dignas de

arrependimento. Para o pietismo e para Zinzendorf “os cristão são em Cristo

plenamente santificados e aperfeiçoados pela fé e no amor; mas, o são somente em

Cristo e não “in se” (em si mesmos), e o fato de serem mais ou menos fervorosos no

amor, não desempenha nenhum papel para a santificação.”117 Para Wesley não

havia santificação que não santificação social118 pois o exercício da fé que atua pelo

amor necessita de alguém como objetivo do amor, e é necessário do próximo para

cumprir o mandamento do amor.

Na perspectiva do equilíbrio entre racionalismo acadêmico do ambiente

iluminista, marca do século em que viveu Wesley, e o misticismo dos movimentos

pietistas e puritanos, a compreensão wesleyana representa um avanço. Sua

concepção da santidade que expressa a espiritualidade íntima e também se

evidencia em gestos reais, realça uma santidade prática ou uma prática santa.

Talvez, um registro mais evidente é o que surge na estrofe de composição de

Charles Wesley para Kingswood School, quando na quinta estrofe inicia “une o par a

tanto desunido, o conhecimento e a piedade vital; a aprendizagem e a santidade 116 HEITZENRATER, 1996, p. 54. 117 KLAIBER, e MARQUARDT, 1999, p. 302. 118 KLAIBER, e MARQUARDT, 1999, p. 308.

53

combinadas”119. Piedade ou santidade, conhecimento ou aprendizagem, devem

passar pelo crivo da experiência com Deus, para que a ignorância e o erro sejam

removidos e o conhecimento ser purificado, com pensamentos guardados com a

verdade divina, antecipa a terceira estrofe do mesmo hino.

Fica registrado no hino como que uma declaração do programa educativo

para Kingswood. Uma declaração de concepção epistemológica que esclarece como

todo o conteúdo estudado deve ser ministrado. Todas as ações educativas devem

expressar a missão maior que envolve tanto a espiritualidade pessoal, a

santificação, o conhecimento da revelação de Deus, quanto o exercício sistemático

da razão, na apreensão, julgamento e raciocínio, no conhecimento, na ciência.

Numa carta a Miss Mary Bishop, em 17 de maio de 1781, ele escreve:

“Faça-os Cristãos, querida irmã, faça-os Cristãos! Que seja esse seu principal propósito. [...] Deixe tudo o que você ensina ser subordinado a isto. Cuide antes de tudo de uma coisa! Que seja dito das moças que você educa, ‘Graça esteve em cada passo delas, o céu em seus olhos,/em todos os seus gestos santidade e amor.”120

No hino de inauguração de Kingswood School, santidade e aprendizado se

equivalem e revelam o objetivo do metodismo. Corroboram para a compreensão de

que o crescimento pessoal da vida cristã utiliza meios da espiritualidade e da

realidade encarnada da vida. Os termos oração e estudo, fé e razão, amor e

aprendizagem, santidade e educação, religião e educação, conhecimento e piedade

vital, são termos que se equivalem em âmbitos diferentes. Entretanto, significam

que: Santidade é relação com Deus e relação entre as pessoas. A função e a ação

do pastor e do educador são as mesmas, “e verdade e amor, faça todos os homens

ver” diz o hino. A escola e a igreja caminhando juntas, sem antagonismos, com o

propósito de formar pessoas no amor e na prática do amor de Jesus Cristo.

A partir das considerações da herança do pietismo em Wesley, da sua visão

sobre a localização da experiência da vida cristã, de sua busca por conhecimento e

o equilíbrio entre racionalismo e a santidade, que surge a possibilidade de

119 HEITZENRATER, 2003, p.31. 120 “Make Christians, my dear sister, make Christians! Let this be your leading view. […] Let everything else which you teach be subordinate to this. Mind one thing in all! Let it be said of the young women you educate, "Grace was in all her steps, heaven in her eye,/In all her gestures sanctity and love." (WESLEY, John. Letters from the Rev John Wesley, to various persons. vol13. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.)

54

compreender piedade vital ligada à vida e também imprescindível. Onde o exercício

e as expressões de culto a Deus, verticais, e misericórdia e compaixão, horizontais,

estejam amalgamadas numa espiritualidade que reflete a caminhada de santificação

e aperfeiçoamento cristão.

A piedade repercute no cotidiano das ações no ambiente profissional e

doméstico, social e familiar, de expectativas e do relacionamento com o mundo. É

um estilo de vida no qual nenhuma ação é isolada e alheia à espiritualidade, onde

não há distinção ou delimitação entre o sagrado e o profano, uma vez que o véu do

Templo foi rasgado. Nesse estilo de vida a oração tem tanto valor quanto o

envolvimento com uma classe de alfabetização, o ministério clérigo é tão santo

quanto o magistério docente, a exegese do estudo bíblico é tão espiritual quanto a

análise crítica de declarações oficiais repletas de ideologia. É a possibilidade de orar

de olhos fechados, buscando contemplação e orar de olhos abertos “batendo

massa” para prover moradia a sem-teto. É a expressão da criatividade humana que

descobre novas maneiras de prestar seu culto a Deus amando ao seu próximo como

a si mesmo e assim construindo uma espiritualidade profundamente arraigada e fiel

a Deus e seus propósitos, e misericordiosa e compassiva na responsabilidade para

com seus semelhantes.

Ela é também vital, pois imprescindível, inevitável, indispensável e urgente,

pois ela distingue e afasta a religiosidade do campo meramente individual e privado,

ascético e contemplativo, para aproximá-la a ação humana, mundana, de atitudes

concretas. É urgente e imprescindível para que obstáculos sejam ultrapassados e a

piedade seja resgatada como virtude que alia simultaneamente dimensões Teo-

cristocêntricas, refletidos nos Atos de Piedade; e Antropocêntricas praticadas nas

Obras de Misericórdia.

1.4.2. Imagem de Deus

O ser humano tem, em sua concepção de semelhança divina a intenção de

bondade e santidade, que o aproxima de Deus e de sua vontade, principalmente seu

amor, ele é imagem de Deus, com entendimento, e mais importante com Livre

Arbítrio. Na liberdade de escolher, entretanto, o ser humano pecou e seu pecado, ou

a Queda, afastou-o desse ideal de santidade, pureza e amor. Mas a mesma

55

liberdade de sua vontade que o fez optar pelo pecado é o que o capacita para a

virtude. Wesley argumenta que a Imagem Natural do Homem (em decorrência da

Imagem Natural de Deus) “consiste nestes elementos: o poder do movimento

próprio, o entendimento, a vontade e a liberdade [...] um poder de usa-los de

maneira certa ou errada, de escolher o bem ou o mal.”121 É a noção de que

obrigatoriamente é necessário ao ser humano passar por uma transformação de sua

natureza, realizada na redenção, na obra de Cristo.

A Queda resultou na corrupção da boa criação do amor de Deus que ao usar

a liberdade perde o acesso pleno ao próprio Deus, causando obstáculos ao

conhecimento, ao entendimento, à compreensão de si, do mundo e de Deus,

trazendo a injustiça e os vícios para o centro da existência. Se Adão é o momento

decisivo desse acontecimento, o diabo é o causador dessa ação maligna, uma vez

que é o primeiro e maior pecador da história. Nos escritos dos “Minutos de

Conversações Tardias” onde o modelo de perguntas e respostas era muito usado,

encontra-se a seguinte anotação de 25 de junho de 1744:

em que sentido é o pecado de Adão imputado a toda a humanidade? Resposta: em Adão todos morrem, isto é: 1) nosso corpo tornou-se então mortal. 2) nossa alma morreu, isto é: separou-se de Deus e daí 3) todos nós nascemos com uma natureza pecadora e diabólica. Por esta razão 4) somos filhos da ira, sujeitos à morte eterna (Rom 5:18; Ef 2:3).122

Mas, ser humano criado por Deus tem em si a Imagem de Deus123. Wesley

escreve em seu Sermão de número 45 “O Novo Nascimento”124 que ter criado o ser

humano à sua imagem e semelhança é mais que apenas ter lhe concedido sua

Imagem Natural, sua Imagem Política e sua Imagem Moral. É mais que a razão

defendida pelos deístas como Imagem de Deus, e mais que a consciência defendida

por Kant125, diz Runyon que Wesley “entende a imagem mais relacionalmente, não

tanto como algo que o ser humano possui, mas o modo como ele se relaciona com

121 BURTNER e CHILES. 1960, p. 111. 122 BURTNER e CHILES. 1960. p. 118-9 123 Bíblia Sagrada. Gênesis. Capítulo1, versículo 26 e 27 124 WESLEY, John. Sermons on several ocasions. Sermon 45, The New Birth. Vol 6. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 125 RUNYON, T. A teologia de João Wesley hoje. São Bernardo do Campo: Editeo, 2002. p. 23.

56

Deus e vive essa relação no mundo.”126 É um agente que “precisa receber de Deus,

constantemente aquilo que transmite”, que “ revela o Criador em sua ações.”127

Se a imagem de Deus depende do relacionamento com ele, pode ser

então distorcida, perdida ou pervertida128 caso o relacionamento não se dê ou seja

interrompido. Mas ela pode ser “melhor descrita como uma vocação à qual o ser

humano é chamado e cujo desempenho constitui seu verdadeiro destino” diz

Runyon129. Com o pecado a Imagem de Deus pode ficar embaçada, mas não

obliterada130. São três os modos de manifestação: Imagem Natural, Imagem Política

e Imagem Moral. No Sermão “O Novo Nascimento Wesley assim descreve:

Então Deus criou o ser humano à sua própria imagem, à imagem de Deus o criou (Gen 1.27 e 27). Não apenas à sua imagem natural, um retrato de sua própria imortalidade; um ser espiritual, dotado de entendimento, liberdade de vontade, várias afeições; não meramente à sua imagem política, o governante desse mundo inferior, tendo “domínio sobre os peixes do mar, e sobre toda a terra”; mas principalmente em sua imagem moral, que, de acordo com o Apóstolo é “justiça (ou retidão) e verdadeira santidade” (Ef 4.24). [grifos meus]

Mesmo que haja a corrupção pelo pecado, a doutrina da Graça de

Deus sugere que a imagem de Deus permanece latente no ser humano. É natural do

ser humano a capacidade da razão, da volição e do livre arbítrio, ou seja, o

entendimento, a vontade e a liberdade, conforme Runyon, presentes na imagem

natural131. A razão, que Wesley prefere definir por entendimento132 é constitutiva do

ser humano e “funciona em três aspectos muito importantes: na percepção,

“conceber algo na mente”; no juízo, comparando percepções umas com as outras; e

no discurso, o “avanço da mente de um juízo a outro”133. A razão é meio para

conhecimento de Deus como fica evidente na organização proposta por Outler, o

Quadrilátero, e é indispensável. É pela graça que a Imagem de Deus se faz presente

no ser humano, a Graça Preveniente que garante a Imagem de Deus, pois mesmo o

homem corrompido desde seu nascimento, pode ter restaurada em si tal imagem.

126 RUNYON, 2002, p. 23. 127 RUNYON, 2002, p. 24. 128 RUNYON, 2002, p. 24. 129 RUNYON, 2002, p. 24. 130 THORSEN, D. The wesleyan quadrilateral. Light and Life: Indianapolis. 1997. p. 170. 131 RUNYON. 2002. p. 24. 132 RUNYON. 2002. p. 25. 133 RUNYON. 2002. p. 25

57

Na imagem política, a capacidade de governo, de domínio, de liderar

processos, vinculada ao conceito do Livre Arbítrio nos dá a noção de um ser humano

capaz de decidir sobre si e sobre se mundo. Não se trata de um ser criado para ser

joguete nas mãos de algum deus, mas alguém que recebe um convite para ser

participante na obra da criação e de uma nova criação no resgate em nome de

Deus. Isto é característica de refletir a imagem política de Deus, pois Ele “dotou essa

criatura com capacidade de liderança e administração”134. São notórios e sensíveis

atributos como mordomia e zelo pela criação, que são exercidos a partir da

fidelidade ao Senhor da Criação que será refletida no mundo pelo exercício da

benevolência e da capacidade de ordenação do mundo.

A imagem moral é a “principal marca do relacionamento humano com

Deus, de acordo com Wesley, mas também a mais facilmente distorcida”.135 Se a

imagem natural são dons divinos que permaneceram depois da queda, portanto uma

capacidade, e a imagem política uma função que expressa quem Deus pretende ser,

em benevolência, administração e liderança, a imagem moral depende

completamente do relacionamento humano com Deus, “no qual a criatura recebe

continuamente do Criador e passa adiante, como mediadora, aquilo que recebeu.”136

No Sermão “O Novo Nascimento” Wesley escreve:

À imagem de Deus o ser humano foi feito. “Deus é amor”: conseqüentemente, o ser humano ao ser criado estava cheio de amor; o qual era o único princípio de todas as suas disposições, pensamentos, palavras e atos. Deus é cheio de justiça, misericórdia e verdade: de modo que o ser humano assim era, tal como ao sair das mãos de seu criador. Deus é imaculada pureza, e assim era o ser humano no início, puro de toda mancha de pecado; do contrário Deus não teria dito dele, como de todas as demais obras de suas mãos, “muito bom” (Gen 1.31). E tal não poderia ser, se não fosse puro de pecado, cheio da justiça (ou retidão) e verdadeira santidade. Para isso não há meio termo: se supusermos que uma criatura inteligente não ama a Deus, não seja justa (reta) e santa, necessariamente suporemos que ela não seja muito boa afinal; menos ainda “muito boa”.137

134 RUNYON. 2002. p. 27. 135 RUNYON. 2002. p. 29. 136 RUNYON. 2002. p. 29 137 “So God created man in his own image, in the image of God created he him:" (Gen. i. 26, 27:)—Not barely in his natural image, a picture of his own immortality; a spiritual being, endued with understanding, freedom of will, and various affections;—nor merely in his political image, the governor of this lower world, having "dominion over the fishes of the sea, and over all the earth;"—but chiefly in his moral image; which, according to the Apostle, is "righteousness and true holiness." (Eph. iv. 24.) In this image of God was man made. "God is love:" Accordingly, man at his creation was full of love; which was the sole principle of all his tempers, thoughts, words, and actions. God is full of justice, mercy, and truth; so was man as he came from the hands of his Creator. God is spotless purity; and so man was in the beginning pure from every sinful blot; otherwise God could not have pronounced him, as well as all the other work of his hands, "very good." (Gen. i. 31.) This he could not have been,

58

Escreve ainda que “paixão e preconceito governam o mundo; apenas sob

rótulo da razão. Cabe a nós, pela religião e razão associadas, neutralizá-las como

pudermos [...] Benditos sejam os pacificadores!”138 É onde podem se encontrar,

tanto a piedade quanto o conhecimento, e a concepção da regeneração da imagem

de Deus no ser humano pode ser realizada. Alcançado pela graça de Deus o ser

humano tem liberdade para responder ou não ao chamado gracioso desse Deus

redentor, justificador, salvador e santificador. Ele precisa receber de Deus o que vai

transmitir, pois mesmo com capacidades e funções dadas por Deus e mantidas

depois da corrupção pelo pecado, suas ações tenderão para o pecado e para a

morte. O ser humano precisa responder à vocação de ter em si restaurada a

Imagem de Deus, não apenas em capacidades e funções, mas principalmente na

capacidade de relacionamento com Deus. É o que traz a capacidade de ser

qualificado como “muito bom”, a possibilidade de tornar a ser novamente aquilo que

foi e para que foi criado, recuperar em si a Imagem de Deus.

É nesse processo de relacionamento que suas ações passam a ser justas,

retas e benevolentes e tudo o mais toma perspectiva e significado. Mais que isso é

um caminho de santificação, tão importante para o entendimento da teologia

wesleyana, que se realiza tanto em Atos de Piedade quanto em Obras de

Misericórdia. É o Conhecimento de si, do mundo e Deus que o desperta do sono do

pecado139 para a vida em Cristo. É a Piedade que se torna vital, indispensável à

had he not been pure from sin, and filled with righteousness and true holiness. For there is no medium: If we suppose an intelligent creature not to love God, not to be righteous and holy, we necessarily suppose him not to be good at all; much less to be "very good." (WESLEY, John. Sermons on several ocasions. Sermon 45, The New Birth. Vol 6. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 138 Passion and prejudice govern the world; only under the name of reason. It is our part, by religion and reason joined, to counteract them all we can. It is yours, in particular, to do all that in you lies to soften the prejudices of those that are round about you, and to calm the passions from which they spring. Blessed are the peace-makers! (WESLEY, John. Letters from the Rev John Wesley, to various persons. vol13. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 139 O Sermão de número 3, “Desperta ó tu que dormes”, pregado na Universidade de Oxford é um claro apelo que em três pontos é desenvolvido: Primeiro. Descriver os dormentes/adormecidos, para que se está falando; Segundo, reforçar a exortação, “desperta, tu que dormes e levante da morte”, e Terceiro, expor as promessas feitas para quem acorda e levanta: Cristo te dará a luz” – (First. Describe the sleepers, to whom they are spoken: Secondly. Enforce the exhortation, "Awake, thou that sleepest, and arise from the dead:" And, Thirdly. Explain the promise made to such as do awake and arise: "Christ shall give thee light". WESLEY, John. Sermons on several occasion. Sermon 3, Awake thou that sleep. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.)

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vida, pois é um meio de relacionamento com Deus, recebendo dele o que será

compartilhado generosamente em amor pleno à humanidade.

1.4.3. Atos de Piedade

Pode-se aqui compreender atos de piedade como sinônimo de

espiritualidade ou da prática espiritual com vistas à santificação. A santificação é o

processo que trata o ser humano resgatado de sua vida de pecado e depravação

conformando-o às virtudes de Cristo, com o objetivo de resgatar aquele estado

perfeito de retidão moral, de amor e perfeição no qual foi criado. Vão fazer parte

desses atos toda a lista dos meios de graça que o crente tem a sua disposição. É

mediante da Graça Santificadora que Deus provê o crente de possibilidades para

seu crescimento e maturidade na prática do amor que é afinal o objetivo da

santificação.

Entre esses atos, enfaticamente recomendados por Wesley aos metodistas

nas Regras Gerais da Sociedade Metodistas, Yrigoyen Jr. destaca seis delas e mais

duas declarações básicas sobre o caráter do metodista. São elas: pesquisa nas

escrituras, oração, jejum, a Ceia do Senhor, encontros cristãos, culto público e evitar

o mal e praticar o bem. Importa considerar os cinco termos:

1) Pesquisa nas Escrituras é um dever de todo aquele que deseja

maturidade e conhecimento da vontade de Deus. Wesley chega a dizer que ele era

um “Homo Unius Libri”140, Homem de um Só Livro, quando mesmo na imensa

quantidade de autores e títulos que leu tinha as Escrituras como a fonte segura e

única da revelação e do conhecimento de Deus. O texto sagrado tem todo o

conhecimento necessário para a vida em santidade e Wesley, como bom metodista

expõe seu método de leitura e pesquisa bíblica, em seis pontos:

1. se possível separe um pequeno tempo de manhã ou à noite todos os dias para ler a Bíblia. 2. é recomendável ler um capítulo tanto do Antigo Testamento quanto do Novo Testamento, 3. leia com um único propósito – conhecer a vontade de Deus, 4. procure pela conexões entre a passagem

140 “"In 1727 I read Mr. Law’s 'Christian Perfection,’ and 'Serious Call,’ and more explicitly resolved to be all devoted to God, in body, soul, and spirit. In 1730 I began to be homo unius libri;8 to study (comparatively) no book but the Bible.” (WESLEY, John. An extract of the Rev.Mr John Wesley’s journal. vol 3. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.)

60

da Escrituras que está lendo e as idéias fundamentais da fé cristã, 5. em oração busque por orientação e instrução do Espírito Santo enquanto você lê e 6. decida colocar em prática o que Deus o ensinou em sua leitura e estudo.141

2) A Oração, o grande meio de estar perto de Deus, era utilizada a partir

primeiramente do Livro de Oração Comum da Igreja Inglesa, depois com outras

orações propostas nos livros de William Law e Jeremy Taylor, usava também

orações cantadas. Oração é considerada essencial na busca piedosa da vontade de

Deus e deixa o crente conectado com Deus, os metodistas eram advertidos a orar

continuamente. No prefácio ao Livro de Orações para crianças ele escreveu:

“tenham certeza de que vocês não vão omitir, pelo menos de manhã e à noite,

apresentar-se de joelhos diante de Deus.”142

3) O Jejum foi uma prática freqüente de Wesley que era requerida dos

metodistas como um dos exercícios por excelência do cultivo da espiritualidade e

santidade. No sermão “Causas da Ineficácia do Cristianismo”, de 1789, Wesley

critica que muitos metodistas não estavam observando os jejuns semanais às

sextas-feiras. O jejum demonstrava: “1. um sentimento de pesar pelo pecado; 2. é

um sinal especial de penitência pelo pecado permitir-se comer e beber em excesso;

3. é um auxílio à oração, pois permite que quem jejua separe mais tempo para

orar.”143

4) A Ceia do Senhor era para Wesley um grande símbolo indispensável do

compromisso cristão e da graça de Deus. Na Ceia convergiam três tipos de graça

“graça preveniente (que ele chamava de “graça convincente”), graça justificadora

(que ele chamava de “graça convertedora”), e graça sustentadora (que ele designou

de “graça santificadora”)”. Ele participava em média de 4 a 5 vezes por semana

desse momento especial da vida cristã.

5) Os Encontros Cristãos (Christian Conferences), consistia em um exercício

de piedade muito simples, o encontro com outros cristãos para celebrar em alegria

em adoração, comunhão, e ministração, pois crescimento espiritual é pessoal mas

não privado. “Santidade de coração não pode ser desenvolvida em isolamento.”144

141 YRIGOYEN Jr. p. 41-42. 142 YRIGOYEN.1999. p. 45. Citando o texto de Wesley, de 1772, “Prayer for Children”. 143 YRIGOYEN.1999. p.45. Citando o texto de Wesley, de 1789, “Causes of the inefficacy of Christianity.” 144 YRIGOYEN.1999. p. 50

61

Com regras claras, as pessoas se encontravam para orar uma pelas outras,

confessar pecados e mútuo encorajamento. As classes, ‘bands’ e sociedades eram

os lugares preparados para esse fim.

6) O Culto público, consistia na oportunidade em comunidade manifestar a

alegria pela graça sustentadora de Deus, em especial duas liturgias chamam a

atenção, a Festa do Amor e o Culto de Renovação do Pacto. Na primeira um ritual

de partilha de pão e água, e manifestação de testemunhos pessoais da experiência

com Deus, com muitos cânticos e objetivo de estreitar laços de fraternidade e

companheirismo. Na outra, iniciado em 1755 os metodistas eram chamados a

renovar seu compromisso sério de fidelidade diante de Deus “num pacto de servir a

Deus de todo nosso coração, de toda nossa alma.”145

Por fim destaca-se o chamamento explícito nas Regras Gerais das

Sociedades Metodistas, preservadas até a atualidade como fundamento doutrinal

dos metodistas, através de duas de suas três regras: não praticar o mal; e

zelosamente praticar o bem146. A Piedade está em evitar toda forma de mal, ou

conforme a tradição veterotestamentária do pentateuco, escolher o caminho da

benção e não da maldição, é um chamado a um compromisso radical. Mas apenas

não praticar o mal é postura passiva com relação a vida, por isso o chamamento de

praticar zelosamente o bem, de forma ativa, como escolha consciente da

compreensão da vontade de Deus revelada em Cristo e apreendida pelo crente em

sua salvação. É também o sublinhar da idéia de que o crente tem a responsabilidade

por sua salvação através das decisões que toma com relação a sua vida.

1.4.4. Obras de Misericórdia

Essa compreensão de que a piedade não fica restrita aos exercícios

individuais e pessoais de espiritualidade é uma forte reação ao pietismo que

enveredou por práticas como o quietismo e a contemplação onde o crente nada

pode ou deve fazer por sua salvação, a não ser aguardar quieto a manifestação de

Deus e Sua vontade, deve quedar-se em silêncio. Esse foi um dos motivos pelos 145 YRIGOYEN.1999. p. 53. 146 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Cânones da Igreja Metodista 2006. São Paulo, Cedro. 2006. p. 47.

62

quais ele rompeu com os moravianos, além do misticismo, duramente rejeitado por

Wesley, por conter, tanto o antonomianismo, ou a rejeição da autoridade da lei

mosaica, quanto o quietismo, e, somando-se a isso a busca por uma quase “a-

racionalidade” ou “anti-racionalidade”, levada pelos ventos dos mistérios do Espírito,

o que na verdade significava uma prática desregrada da fé cristã.

O que importa é compreender que a espiritualidade devia ocupar-se sempre

com questões práticas, a ritualística devia servir para fins práticos da experiência

real e diária dos crentes, que sustenta a fé para a vida eterna. É relevante recordar

que o metodismo é marcado por essa busca incessante de uma vida regrada,

organizada, metódica, onde tudo deve convergir para a salvação, na prática da

santidade que é amor à Deus e ao próximo, é a superação do caos da

irracionalidade, da alienação do ser humano do mundo ou da negação da piedade

ou espiritualidade na vida diária.

No contexto de uma piedade profunda, pessoal, comunitária, vertical (a

Deus) e horizontal (às pessoas) a aplicação prática de todas as descobertas sobre

Deus e sobre o relacionamento de fé com a salvação em Cristo gera como

conseqüência obrigatória um novo comportamento regenerado. Nas palavras da

doutrina metodista as “Obras Dignas de Arrependimento”, que nascem da pregação

de João Batista e depois têm sua fundamentação no livro de Tiago sobre a fé que

age. As obras de misericórdia inserem-se nesse meio onde a fé deve ser prática e

toda prática deve estar fundamentada na fé que atua pelo amor.

Assim, o metodismo organizou as mais diversas ações com fim maior de

operacionalizar essa fé que toca o íntimo do ser humano, mas deve extrapolar os

limites privados. Foram asilos para viúvas, escolas dominicais para alfabetização,

envolvimento para transformação do sistema prisional inglês, colégios e escolas

paroquiais que chegaram a mais de novecentas no século dezenove, as publicações

que serviam para alimentar o conhecimento do povo que passava pelo letramento.

As instruções para os pregadores metodistas eram precisas: eles deviam aplicar-se

o máximo possível em conhecimento e espiritualidade e fornecer o máximo de

assistência e acesso a todas as pessoas quantas possíveis a educação, à

espiritualidade, à saúde, à esperança da vida transformada em Cristo.

Num dos sermões sobre o Sermão do Monte, ele recomenda, alimentar os

famintos, vestir os nus, assistir aos estrangeiros, visitar aqueles que estão doentes

63

ou nas prisões, confortar os aflitos, instruir os ignorantes, reprovar os perversos,

exortando e encorajando os benfeitores, e se há alguma outra obra de misericórdia

ela deve estar igualmente inclusa nessas orientações.147

As obras de Misericórdia não deviam restringir-se ao assistencialismo ou à

esmola ao miserável. A ação social devia estender-se a todas as influências a

pessoas, organizações, governos, instâncias decisórias através das quais mudanças

para toda a sociedade, não apenas aos metodistas pudessem ser conquistadas. É

assim que Wesley e os metodistas influenciaram legislações sobre trabalho,

descansos semanais, proibições de venda de bebidas alcoólicas, ou restrição de

jogos violentos, até a luta pela abolição da escravatura. Wesley envolvia-se com

todo tema que considerava pertinente à expansão do cristianismo e da salvação em

Jesus Cristo. Desde disputas sobre o calvinismo e a igreja romana, a manifestos

contra a escravidão ou contra o uso de cereais para a fabricação de bebidas

alcoólicas e não para alimentação.

O metodista devia compreender que sua relevância estava na capacidade

de compreender seu mundo, sua época, “estar com a bíblia numa mão e o jornal

noutra”, e agir com toda sua capacidade a favor da vida humana, das pessoas para

que todos compreendessem o amor de Deus em Cristo através dessas atitudes de

misericórdia. É por isso que o metodismo criou farmácias com medicamentos

gatuitos para os pobres, além do trabalho de visita e assistência aos enfermos. O

próprio Wesley prescrevia medicamentos e atendia enfermos de todo tipo e editou

livros de medicina popular como o Primitive Physick . Uma espiritualidade que está

sempre direcionada para a prática, para o próximo, para outros, assim a vida de

santidade se realiza. Esses frutos do amor são a melhor definição de cristianismo,

como diz Wesley no sermão “On Laying the foundation of a New Chapel”, de 1777:

amar a Deus de todo o coração, alma e forças, como tendo ele primeiramente nos amado, como a fonte de todo o bem que recebemos de tudo o que ainda almejamos desfrutar; e o amor a cada alma que Deus tenha feito, cada pessoa sobre a Terra, como a nossa própria alma. Este amor nós cremos ser o remédio para a vida, o remédio que nunca falha contra todos os males e desordens do mundo, para todas as misérias e vícios da raça humana [...] esta religião é a que desejamos ver estabelecida no mundo, uma religião do amor, e da alegria, e da paz; tendo seu lugar no coração, no mais íntimo da alma, mas sempre mostrando seus frutos, continuamente como fonte a jorrar, não apenas sobre toda a inocência – pois o amor não deseja nenhum mal ao nosso próximo – mas igualmente

147 YIRIGOYEN. 1999. p.58

64

através de todo tipo benignidade, espalhando virtude e felicidade em torno de si.148

Essa perspectiva dupla da vida cristã, Atos de Piedade e Obras de

Misericórdia, já fornece pistas suficientes para compreendermos esse amálgama

wesleyano, onde conhecimento deve ser permeado pelo amor recebido de Deus e

aplicado a outras pessoas, seja qual for a ocasião, assunto, local, o cristianismo é

esse serviço dedicado em amor. É então que o conceito programático expresso no

hino de inauguração do Kingswood School for Children, o primeiro colégio metodista,

ecoa forte. Piedade vital e conhecimento, compreensão do que poder ser a busca

equilibrada e simultânea da glória de Deus e da promoção humana, mesmo na atual

tensão entre vida de espiritualidade consagrada a Deus, monástica, isolada e

contemplativa; e ativa, secular, engajada e socialmente compartilhada da vida

chamada profana. É na verdade uma possibilidade de superação dessa dicotomia

perversa onde academia e igreja buscam a anulação mútua. Uma possibilidade de

convivência e complementaridade.

148. “the loving God with all our heart, and soul, and strength, as having first loved us, as the fountain of all the good we have received, and of all we ever hope to enjoy; and the loving every soul which God hath made, every man on earth as our own soul. This love is the great medicine of life; the never-failing remedy for all the evils of a disordered world; for all the miseries and vices of men. Wherever this is, there are virtue and happiness going hand in hand; there is humbleness of mind, gentleness, long-suffering, the whole image of God; and, at the same time, a 'peace that passeth all understanding,’ with 'joy unspeakable and full of glory.’ This religion of love, and joy, and peace, has its seat in the inmost soul; but is ever showing itself by its fruits, continually springing up, not only in all innocence, (for love worketh no ill to his neighbour,) but, likewise, in every kind of beneficence, spreading virtue and happiness to all around it." (WESLEY, John. Sermons on several occasion. Sermon 132, On laying the foundation of New Chapel. Vol 7. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM).

65

2. PASTORAL ESCOLAR E UNIVERSITÁRIA, SUAS FUNÇÕES REGULAMENTARES NA EDUCAÇÃO METODISTA, A PARTIR DAS DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO NA IGREJA METODISTA

O envolvimento do metodismo com a educação inicia tão logo o Movimento

vai crescendo em estrutura. As Sociedades, classes, bands, grupos seletos, eram

partes da organização do movimento utilizadas como ferramentas de ensino.149

Depois disso, na criação de escolas, a exemplo do “Kingswood School” em Bath, ou

da “Fundição” em Londres, e nas oportunidades de alfabetização nos locais onde as

Sociedades Metodistas se faziam presentes, o Metodismo expressa sua ênfase em

educar e salvar vidas. Assim também os missionários norte-americanos que chegam

ao Brasil150 trazem consigo a proposta da educação para abrir portas para a

implantação da Igreja Metodista151. Essa vocação dupla para a missão evangelística

e para a educação está presente no início do metodismo em terras brasileiras. Por

influências históricas como a propaganda das terras brasileiras para os norte-

149 TRACY, Wesley. Christian education in the wesleyan mode. http://wesley.nnu.edu/wesleyan_theology/theojrnl/16-20/17-04.htm. ACESSO EM: 30 de setembro de 2005. 22:58h. (nesse texto on-line Tracy analisa que a organização do Movimento Metodista tinha objetivos de educação) 150 MESQUIDA, 1994, p. 124, 131ss. A obra de Mesquida apresenta uma análise crítica das intenções da missão Metodista no Brasil, sendo referência, escreve, por exemplo, que os “missionários, considerando-se “soldados de Cristo”, conduziam seu combate construindo “fortalezas” (escolas) que podiam servir-lhes de centro estratégico para “ocupar a terra” e “ganhar o país para Jesus Cristo” (p.131); Sobre o interesse da sociedade da época, do século dezenove, escreve que havia intenção: “Esta elite [imigrante norte-americanos e a elite progressista] regional, maçônica, positivista, liberal e anticlerical, tendo como referência a sociedade norte-americana, estava convencida de que o modelo de educação não correspondia a suas expectativas.[...] Por isso, a presença da educação escolar metodista no Brasil respondia à convicção da elite intelectual e política da Região Sudeste...” (p.21) 151 O primeiro missionário norte-americano metodista permanente no Brasil foi Rev. Junius Eastham Newman, chegando ao Rio de Janeiro em 5 de agosto de 1867. Depois dele veio John James Ramson em 1876 para o trabalho entre a população brasileira. “Ramson lutou pela fundação do primeiro educandário metodista” que se efetiva em Piracicaba em 13 de setembro de 1881, com a missionária educadora Martha Watts. (REILY, Duncan Alexander. História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1984. p. 87-90.)

66

americanos, ou o aproveitamento da mentalidade liberal e humanista ligada à

maçonaria que pretendia mais espaço para o progresso e a democracia.152

As escolas são administradas em seu início por missionários e todo seu

sustento, desde a implantação, nasce dos cofres norte-americanos, pois as escolas

tinham caráter estratégico para a expansão missionária. Com a Autonomia da Igreja

Metodista, proclamada em 2 de setembro de 1930153, há gradual passagem de

poder e sustento da Igreja Metodista Episcopal do Sul para a Igreja Metodista

brasileira. No intento de substituir os missionários, as lideranças brasileiras

deparam-se com a novidade de administrar, planejar e zelar pelas instituições

metodistas de ensino. É quando começa a aparecer na história dos Concílios Gerais

“o problema da educação”. Nas muitas tentativas de normatizar ou criar filosofias, ou

políticas para a educação metodista que colaborassem para sua existência e

funcionamento, vários documentos foram esboçados. Finalmente, no XIII Concílio

Geral da Igreja Metodista, no ano de 1982154, é aprovado o documento “Diretrizes

para a Educação na Igreja Metodista” as “DEIM”155. É a busca por identidade, por

unidade, por direcionamento. As Pastorais Escolares e Universitárias, no modelo em

que existem hoje, são normatizadas nesse documento, que tem desdobramento num

Regulamento próprio para elas156.

152 MESQUIDA. 1994. p. 34-39 e 125-130. 153 Para a declaração de autonomia seriam necessárias a auto-propagação e o auto-sustento, mas isso não aconteceu de fato e a “autonomia não esperou a obtenção do sustento próprio e nem totalmente da auto-propagação (expansão através de obreiros nacionais)” (REILY, 1984.p.189-190). Curiosamente, com a Autonomia sendo proclamada em 2 de setembro de 1930, a Conferência Geral escolhe um bispo norte-americano, John William Tarboux, porém forma uma comissão para assumir os assuntos de pessoal e auxílio financeiro, o primeiro bispo brasileiro foi eleito em 1934 (REILY, 1984.p.190-195) 154 “Mais da metade do tempo do concílio foi dedicado à discussão dos três documentos balizadores da missão metodista...” entre eles as Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista (CASTRO, Clóvis Pinto. A dimensão pública e cidadã das instituições metodistas de educação. In:RIBEIRO, Claudio e LOPES, Nicanor.Org. Vinte anos depois: a vida e a missão da igreja em foco. São Bernardo do Campo:Editeo.p.58.) O relato histórico documental pode ser encontrado em: IGREJA METODISTA. Atas e documentos do XII Concílio Geral. Belo Horizonte, 18 a 28 de julho de 1982. 155 É possível uma consulta on-line das DEIM no portal da Sede Nacional da Igreja Metodista < http://www.metodista.org.br/> no link <Documentos Oficiais><Downloads Gerais>, acessando <Cânones 2007> páginas 111 a 128, num documento em formato Adobe PDF. 156 O Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias também pode ser acessado on-line no mesmo endereço citado acima, acessando <Regulamento das Pastorais Escolares e Universtárias>

67

2.1. Funções regimentais da Pastoral Escolar e Universitária O primeiro regimento das Pastorais foi aprovado em 4 de novembro de 1983

pelo Colégio Episcopal, com o denominação de “Diretrizes para as Pastorais

Escolares” que evoluiu para “Diretrizes para as Pastorais Escolares e Universitárias”

em nova redação com alguma novidade em 5 de março de 1993. Após o XVII

Concílio Geral, nova versão é aprovada com a nova denominação de “Regulamento

das Pastorais Escolares e Universitárias” em 20 de março de 2003. Em 2004 o

Colégio Episcopal convocou uma consulta sobre as Pastorais Escolares e

Universitárias que resultou numa outra versão do Regulamento. Após o XVIII

Concílio Geral, uma comissão reunida por designação do Colégio Episcopal

analisou, atualizou e deu nova redação ao Regulamento que foi aprovado em 28 de

agosto de 2007. Não há registro que sistematize tais documentos das Pastorais e

mesmo seu órgão representativo nacional a Coordenação Nacional das Pastorais

Escolares e Universitárias (Conapeu) não possui um arquivo com tais documentos.

A pesquisa desses Regulamentos anteriores foi possível nos arquivos da Pastoral

Escolar e Universitária da Rede Metodista de Educação do Sul, devendo registrar-se

crédito às equipes anteriores no cuidado com a guarda de documentos de valor

histórico157.

2.1.1. Sua Missão e propósito evangelizador

O Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias, revisto e aprovado

pelo Colégio Episcopal em 28 de agosto de 2007 publica em seu primeiro artigo:

Artigo 1º - De acordo com as Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, a missão da Pastoral é “atuar como consciência crítica das instituições de ensino, em todos os seus aspectos, exercendo suas funções proféticas e sacerdotais, dentro e fora delas” (DEIM, inciso IV, alínea A, item 3). 158

Às Pastorais está regulamentado que sua missão é exercer um ministério

pastoral, profético, sacerdotal e de consciência crítica, consciente de sua própria

157 Os Regulamentos anteriores estão em fotocópia, juntamente com material de transcrição de gravações de Congressos Nacionais das Pastorais Escolares e Universitárias desde o ano de 1980. 158 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007.

68

identidade e das tensões permanentes que seu trabalho representa. E de que está

envolvida numa instituição de ensino confessional, com os fatores da realidade

social de seu contexto imediato e maior, das barreiras de discriminação social,

étnica, de gênero e religiosa com as quais precisa lidar, e mesmo e principalmente

dos limites de suas ações, participações e posturas. Além disso, a Pastoral precisa

responder aos anseios da membresia das Igrejas locais, e às expectativas

institucionais da Igreja. Há portanto uma perspectiva conflitante entre o que deve

fazer, o que pode fazer e o que esperam que faça. Rodeada de interesses diversos

e distintos a Pastoral necessita de subsídios constantes para responder à

pluralidade que envolve seu ministério.

Mais do que esperar que as Pastorais sejam a panacéia que soluciona todos

os impasses da humanidade, da Igreja e da educação, é construir uma práxis onde

confiabilidade, autoridade que nasce ética, atos de misericórdia, defesa da justiça,

semear da esperança e expressão de uma espiritualidade engajada com a vida

sejam nela reconhecidos. Uma expectativa dessa natureza parece estar presente

nos documentos oficiais, nos discursos de Coordenadores/as e agentes, e no anseio

próprio do ministério proposto à Pastoral. Certamente é um desejo por demais

exigente e fadado ao fracasso, pelo menos parcial, ao atender alguns e desagradar

a outros.

Assim, deve existir disposição para correr o risco de ser incompreendida ao

exercer sua função profética, que, conscientemente crítica, julga, discerne e age

questionando todas as formas de arbitrariedade sejam sociais, institucionais ou da

própria Igreja que é a instituidora e a quem responde. Deve ter capacidade de

articular a essa postura crítica, questionadora, duvidante até certo ponto autônoma

com suas outras funções, pastoral e sacerdotal. Em seu regulamento como segundo

artigo de sua “Missão e seu propósito Evangelizador” é possível ler que,

Art. 2º - É sua tarefa, ao lado dos demais representantes da Igreja: I - Fomentar a consciência crítica em todas as áreas da vida institucional; II- Fortalecer todas as ações que despertem o sentido da confessionalidade metodista; III - Participar da vida da instituição em suas diferentes dimensões, especialmente na área de avaliação institucional e nos órgãos superiores de decisão, pautada pela dimensão ética do Evangelho.

Este conceito de missão e propósito evangelizador das Pastorais, presente

desde o documento inicial aprovado em 4 de novembro de 1983, era assim definido:

69

A Missão da Pastoral Escolar é atuar como consciência crítica das instituições de ensino, em todos os seus aspectos, exercendo suas funções proféticas e sacerdotais dentro e fora delas.[...]159

e quanto ao propósito evangelizador: 2.1.1. “Confrontar o ser humano e as estruturas sociais com Jesus Cristo e o Reino por Ele proclamado, a fim de que as pessoas e a sociedade o confessem como Senhor, Salvador e Libertador, e as estruturas sejam transformadas segundo o Evangelho.” (sic) 2.1.2.“Libertar a pessoa e a comunidade, através de Cristo, de tudo que as escraviza e conduzi-las à plena comunhão com Deus e o próximo.” (sic) 2.1.3. conscientizar e prepara a pessoa para a vida.160

As duas primeiras afirmações são compilações do texto do Plano para a Vida

e Missão da Igreja Metodista elaborado em 1983 e expressam ações engajadas

ideologicamente e comprometidas com o Evangelho. No texto de novo

Regulamento, dez anos depois, a redação é revista e aprovada em 05 de março de

1993:

1.1. De acordo com as Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, a missão da Pastoral é “atuar como consciência crítica das instituições de ensino, em todos os seus aspectos, exercendo suas funções proféticas e sacerdotais, dentro e fora delas” (DEIM, inciso IV, alínea A, item 3). 1.2. A experiência de trabalho da Pastoral amplia a visão de sua missão e de seu papel. É sua tarefa ao lado dos demais representantes da Igreja: 1.2.1. Fermentar (sic) a consciência crítica em todas as áreas da vida institucional; 1.2.2. Fortalecer todas ações que despertem o sentido da confessionalidade metodistas; 1.2.3. Estar presente na construção e avaliação do saber pedagógico, nos respectivos colegiados decisórios internos e marcar com a dimensão ética do Evangelho todas as atividades e atitudes institucionais.161

Quanto ao propósito evangelizador, além da manutenção das citações do

Plano para a Vida e Missão da Igreja Metodista nos dois primeiros itens, que, note-

se estão entre aspas, a modificação surge na redação do terceiro, amenizando o

texto do decênio passado e assumindo uma postura mais ideológica:

1.3.3. Ajudar as pessoas a tomar consciência dos sinais de vida e de morte no mundo, e se posicionar diante deles.162

Na versão aprovada igualmente pelo Colégio Episcopal, em 20 de março de

2003, a única modificação em comparação ao texto de 1993 é que o termo

159 EXPOSITOR CRISTÃO. São Paulo: Igreja Metodista. Dezembro de 1983. n. Bimestral. 160 EXPOSITOR CRISTÃO. 1983. 161 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. 162 EXPOSITOR CRISTÃO. 1983.

70

“fermentar” é substituído ou corrigido para “fomentar”. Houve a tendência de rever a

ação das pastorais a cada década de trabalho nas instituições, e daí uma

reavaliação de seu documento orientador, que estabelece sua missão e propósito

evangelizador, seu funcionamento e objetivos. A última versão aprovada e em

vigência atual (2008) esvazia a definição do “propósito evangelizador” tornando as

citações do Plano para a Vida e Missão dos Regulamentos anteriores como

constituintes dos objetivos das Pastorais Escolares e Universitárias, especificamente

os itens V e VI do título II, Objetivos da Pastoral163.

Entretanto os objetivos explicitam ações desejadas pela Igreja Metodista por

meio de suas Pastorais Escolares e Universitárias que devem exercer seus

ministérios evangelizadores, pois afirma em seu terceiro artigo:

Artigo 3º. - A Pastoral confessa, à luz da revelação bíblica e do metodismo histórico, na perspectiva de uma Igreja de dons e mistérios, que se percebe como “comunidade missionária a serviço do povo”, que o projeto do Reino de Deus visa a construção da dignidade da vida. Afirma que as Instituições Metodistas de Educação são confessionais como um todo, cabendo à Pastoral, fomentar a consciência crítica, profética, sacerdotal e pastoral na realização deste ministério.164

Este artigo afirma a identidade de uma igreja “missionária a serviço do povo”,

que se estende às Pastorais nas instituições de ensino com um aspecto crítico de

avaliação de contexto voltada à vida humana e sua dignidade. O termo “pastoral”

junto à “consciência crítica, profética, sacerdotal” é uma inclusão que vem resolver

questionamentos sobre as ações de capelania também exercida, no contato pessoal

e individual na comunidade. É, pois, um ministério amplo que pretende muito mais

do que é capaz de realizar. Nesse intento ainda diz o Regulamento que:

A partir destes princípios, busca estimular e apoiar a instituição na implantação e manutenção de uma espiritualidade que possibilite a vivência do Evangelho em sua plenitude.165

163 “V. “Confrontar o ser humano e as estruturas sociais com Jesus Cristo e o Reino por Ele proclamado, a fim de que as pessoas e a sociedade o confessem como Senhor, Salvador e Libertador, e as estruturas sejam transformadas segundo o Evangelho.” (PVMI, E 2.1.- Cânones, p.103)” e “VI. “Libertar a pessoa e a comunidade, através de Cristo, de tudo que as escraviza e conduzi-las à plena comunhão com Deus e o próximo.” (PVMI, E 2.2. - Cânones, p.103).” (IGREJA METODISTA. Regulamentos das Pastorais. 2007. p.1. II. V – VI.) 164 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias. 2007. [Documento fotocopiado. Arquivo pessoal.]. p.1. 165 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias. 2007. [Documento fotocopiado. Arquivo pessoal.]. p.1.

71

É mais uma vez um rompimento histórico que é avaliado como retrocesso por

quem enxerga a religião como evento social e manifestação que deve ser

secularizada, e celebrada como retorno da tarefa de fazer novos membros em local

tão propício à evangelização. Na prática é o desejo de que as Pastorais estejam

mais próximas da realidade das igrejas locais e suas funções evangelísticas,

rendendo novos membros para a denominação. Para isso, o Regulamento inicia os

objetivos das Pastorais com a exigência de que as Pastorais devem:

I. Testemunhar o evangelho de Jesus Cristo na dinâmica da vida institucional. II. Confrontar as pessoas com o evangelho e a pessoa de Cristo, oferecendo-lhes a opção de fé como começo do processo transformador e formador do novo homem e da nova mulher em Cristo. III. Estimular as pessoas que fazem parte da vida institucional a participarem de uma comunidade de fé como uma forma de viver a graça de Deus e de dar um novo sentido à sua existência.166

São declarações ousadas, destacadas nas expressões em grifo, e de longo

alcance para a ação das Pastorais Escolares e Universitárias, que incluem um

resgate de laços, ao menos documentais com a ação das Igrejas Locais. Isso pode

ser compreendido também na exigência de que todo clérigo ou clériga nomeado nas

instituições de ensino tenha, igualmente, nomeação para uma igreja local onde

exerce suas funções. Essas indicações e exigências fazem da missão e do propósito

evangelizador das Pastorais um serviço de amplitude que abrange desde as ações

mais específicas em participações e voz em planejamentos pedagógicos,

administrativos e das instâncias superiores de decisão; passando pelas ações

celebrativas e cúlticas onde se evidenciam atos de espiritualidade, por palavras em

eventos onde a presença confessional se mostra; chegando à proposição de ações

vinculadas à formação da consciência crítica e evidência dos sinais de morte e vida

em projetos de extensão, de pesquisa e ensino, voltando-se para a comunidade

onde está inserida, fora e dentro da igreja.

A tensão nas tarefas pastorais de celebração da fé, do amor, da esperança é

colocada em teste diante das situações que a Pastoral presencia. A perda da

confiabilidade ministerial e pastoral pode se dar quando há conflitos, crises,

demissões, reestruturações ou fechamento de instituições. A Pastoral é desafiada a

166 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias. 2007. [Documento fotocopiado. Arquivo pessoal.]. (Grifos meus.)

72

escolher e a declarar sua opção. Como ministrar a pessoas que lutam entre si pelo

poder e surgem à frente da congregação para expressar a comunhão no momento

da Ceia do Senhor? Como a Pastoral lida com as forças que exprimem sua

contrariedade ao projeto institucional da Igreja, e de seus documentos e diretrizes,

mesmo e principalmente sendo metodistas? A Pastoral participa de reuniões que

decidem pelo “saneamento da instituição”, expressão que significa demissões

lineares e injustas, como continuar a celebrar no ambiente do caos, da injustiça e do

distanciamento do Reino de Deus? A Pastoral vai servir ao poder ou à vida?

O que se pretende das Pastorais está muitas vezes além de sua capacidade

de execução, seja por limitações políticas e de humores institucionais, seja pela

grande demanda de trabalho que assume ao buscar estar presente em todos os

momentos que envolvem suas atribuições, ou quer seja pelo dimensionamento das

equipes. É uma “faca de dois gumes”, o dilema da Pastoral: pode participar de

reuniões e atividades para se fazer presente e atuante em sua missão e perder-se

na miríade de debates variados das muitas instâncias e colegiados da instituição

não cumprindo suas funções essenciais, que talvez seja uma estratégia de anulação

por sobrecarga; ou pode buscar o pastoreio e o cuidado à vida e não se envolver

com nenhuma das instâncias e colegiados para preservar a pureza de suas funções.

Talvez caia também na anulação e invalidação de sua presença por falta de

legitimidade construída no compartilhar participativo.

É possível verificar essas tendências nas diferentes experiências de Pastorais

Escolares e Universitárias atuais, entretanto não é o objetivo aqui. Surge a

necessidade de exercício constante de busca por discernimento entre aquilo que é

vital e o que acessório, para que prioridades sejam estabelecidas e sejam

alcançadas, para que seja tanto pastoral quanto profética, tanto consciência crítica

quanto evangelizadora e celebrativa.

Outro exercício inescapável é a busca e definição de uma base teológica

consistente para a ação das Pastorais Escolares e Universitárias que sirva de

pressupostos a sua existência e subsidie os conceitos de confessionalidade,

educação confessional e existência de missão por meio da educação na Igreja

Metodista. A escassez de pesquisadores/as sistemáticos privilegia outros assuntos

como prioritários para as pesquisas e elaborações dissertativas. Porém a Pastoral

necessita de bases fundamentais de teologia e doutrina articuladas com a educação.

73

2.1.2. Profética

Uma das funções expressas da Pastoral Escolar e Universitária é a ação

profética. Na tradição bíblica, o profetismo nasce no Antigo Testamento como a

manifestação da presença e vontade de Deus que é mediada pelo profeta. Ele é um

porta-voz de Deus, alguém com autorização para transmitir a palavra de Deus (p.ex.

Êx 7.1 e 2)167. O profeta é escolhido e enviado em nome de Deus para pronunciar

destinos, exortar, proferir juízos e anunciar a justiça, estabelecendo ou

restabelecendo a esperança em Deus e em sua pronta intervenção na realidade ou

reavivando a fé nessa possibilidade. A ação profética tinha ainda o objetivo de

recordar os valores próprios da confissão de fé do povo de Deus, uma espécie de

representante da confessionalidade judaica/israelita. Havia profetas itinerantes,

profetas profissionais, profetas do Templo de Jerusalém e profetas das cortes

monárquicas168.

Possivelmente a ênfase da Pastoral no profetismo de denúncia da injustiça

surja dessa tradição do profeta. Esse posicionamento apenas voltado à denúncia

gera desentendimentos quanto à presença e legitimidade da Pastoral Escolar e

Universitária, pois em muitos momentos ela se tornou como que um ombudsman169

da instituição.

Será mesmo possível à Pastoral exercer um ministério que responda ao nível

crítico proposto nos documentos? Nas idas e vindas da história da vida das

instituições metodistas de ensino as Pastorais são ora admiradas e ora odiadas. Em

algumas determinadas disputas políticas e eclesiásticas a Pastoral é chamada à 167 “Então disse o SENHOR a Moisés: Eis que te tenho posto por deus sobre Faraó, e Arão, teu irmão, será o teu profeta. Tu falarás tudo o que eu te mandar; e Arão, teu irmão, falará a Faraó, que deixe ir os filhos de Israel da sua terra.” (BÍBLIA SAGRADA) 168 HARRIS, R. Laird. Org. Dicionário internacional de teologia. São Paulo: Vida Nova. 1998. P.904-906 169 OMBUDSMAN pessoa encarregada pelo Estado de defender os direitos dos cidadãos, recebendo e investigando queixas e denúncias de abuso de poder ou de mau serviço por parte de funcionários ou instituições públicas. Por extensão de sentido, em empresas públicas ou privadas, indivíduo encarregado do estabelecimento de um canal de comunicação entre consumidores, empregados e diretores. Na Etimologia, do sueco ombudsman lit. 'representante', do sueco ant. umboth 'comissão' e mathr 'homem'; a significação moderna, em sueco, data de 1809, com a legislação que criou o cargo de 'agente parlamentar de justiça' para limitar os poderes do rei; pelo ing. ombudsman (1959), tomado de empréstimo ao sueco. (HOUAISS, A. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva. 2004. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br>. Acessado em: 2 de janeiro de 2008.)

74

cena, para compor partido. Entretanto há situações em que a presença da Pastoral

significa a linha direta com o Colégio Episcopal, o que pode representar ameaça e

“igrejismo e clericalismo” em excesso dizem vozes anticlericais presentes na Igreja.

As Pastorais Escolares e Universitárias são admiradas quando estão alinhadas com

os Conselhos Diretores e as Direções Gerais dando suporte a todas as suas

decisões, sem exceção. São odiadas quando por razões óbvias decidem questionar

ou expor a fragilidade e ilusão de decisões que desrespeitam a vida humana, os

valores confessionais e os objetivos da missão. Há casos de tentativa de cooptar a

Pastoral para assim, esvaziar sua autoridade e ação.

A ação profética proclama, na denuncia da injustiça e anúncio da justiça e

esperança em Deus e em Seu Reino, os valores da confessionalidade da educação

proposta pela Igreja Metodista.170 O termo confessionalidade é um neologismo que

não consta ainda nos dicionários171 e tem o significado de expor o que se crê e,

portanto se confessa como conteúdo inerente ao fazer educativo das instituições

metodistas de ensino. A confessionalidade pretende ser a marca diferencial da

educação realizada nas instituições de ensino da Igreja Metodista, resultado da

herança dos propósitos do movimento metodista com John Wesley, na Inglaterra, e

dos objetivos de missionários e missionárias norte-americanos na implantação de

escolas na missão no Brasil. Exercer a função profética na instituição envolve alguns

elementos, que podem ser: obedecer a diretriz bíblica numa interpretação relevante

para a ação educativa, a tradição wesleyana de ensino comprometida com a

transformação social, a ousadia e vanguarda de missionários e de missionárias e o

conhecimento das intenções da educação expressa nos documentos.

Ao considerar todas essas variantes é preciso ainda compreender que a voz

profética é dom divino172, tornado capaz pela ação do Espírito Santo. Ao se

colocarem, ou serem colocados em função profética pelos Regulamentos, os

170 O capítulo 1 dessa pesquisa busca na tradição wesleyana os elementos dessa confessionalidade, e um auxílio na compreensão dos conceitos de piedade e imagem de Deus, nos itens 1.4.1 e 2. 171 Uma das definições de confessionalidade pode ser consultada em JOSGRILBERG, Rui de Souza. Estruturas existenciais da confessionalidade na educação. In: Revista do Cogeime. n.13. ano 7. Piracicaba: Cogeime. 1998. p. 21-39 . Há a prática, nas Revistas do Cogeime, de contemplar o tema da confessionalidade na maioria das publicações. Há pelo menos dois exemplares que tratam especificamente sobre o tema confessionalidade com artigos de autores variados, a edição 7 de 1998 citada acima, a primeira edição da Revista, número1, de 1992, Educação e Confessionalidade.Qual a missão de nossas instituições de ensino? É importante destacar que não há também pesquisa específica sobre o tema da confessionalidade metodista. 172 HARRIS, R. Laird. 1998. p.904-906

75

agentes e as agentes de Pastoral Escolar e Universitária representam a voz da

Igreja que os instituiu e num aspecto místico a voz de Deus para a instituição. Torna-

se momento importante discernir a quem serve esse/a profeta, se a Deus que o/a

vocacionou, à Igreja que o ordenou ao ministério pastoral (quando clérigo/a), à

instituição que lhe dá sustento financeiro ou ao rei ou rainha que dirige a instituição,

com quem compartilha as crises e oportunidades diárias.

Deve ter consciência desse ministério, que por ser profético necessita da

compreensão do contexto que vive em todas as dimensões, de sensibilidade social e

humana, coragem de envolvimento com essas lutas e capacidade política,

diplomacia, conhecimento de administração de conflitos e serenidade para manter-

se fiel ao chamado que tem de ser voz profética, sem sucumbir às benesses ou

ameaças que tem pela frente.

São, portanto, seus objetivos: “confrontar permanentemente as filosofias com

o Evangelho; apoiar os movimentos que visem à libertação dos oprimidos dentro do

espírito do Evangelho Libertador de Jesus Cristo; despertar a consciência crítica

sensibilizada para o problema da injustiça num mundo marcado pela opressão”.173

Dessa forma “não basta que em nossas instituições façamos uma produção

científica que responda aos princípios da ética geral. Ela tem que, além disso, dar

conta de responder às imensas disparidades sociais da sociedade brasileira.”174

2.1.3. Sacerdotal

Outra função regulamentar das Pastorais Escolares e Universitárias é a

função sacerdotal. No contexto bíblico podemos resgatar significados profundos e

abrangentes desse ministério. O significado da função sacerdotal pode ser buscado

na pessoa do sacerdote, alguém que se aproximava de Deus, que oficiava

sacrifícios, que oferecia vítimas à divindade. Num período primeiro na tradição

vetero-testamentária, cada pessoa agia como sacerdote de si mesmo apresentando

pessoalmente seus sacrifícios e ofertas. Depois a tradição bíblica restringe o 173 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Cânones da Igreja Metodista 2007. São Paulo: Colégio Episcopal da Igreja Metodista. 2007.p. 121 174 DA SILVA, Luis Eduardo Prates. Relacionamentos e Estrutura. Documento fotocopiado apresentado no Fórum do Colégio Episcopal sobre as Pastorais Escolares e Universitárias. 2004. Arquivo pessoal.

76

sacerdócio aos filhos de Arão e aos levitas. Há tempos onde filhos de Davi exercem

o cargo de sacerdotes175

Na tradição neo-testamentária todas as pessoas são convidados a assumir o

sacerdócio, o sacerdócio universal de todos os crentes. Em Cristo se oferece o

sacrifício bastante para a humanidade e nenhuma vítima necessita ser apresentada,

na manifestação da graça de Deus176. “A função básica deles era oficiar no novo

santuário (Dt 18.5) e orar pelo povo (Jl 2.7). Eles também deviam estabelecer um

exemplo pessoal de santidade (Dt 33.9), “consultar Deus” em oráculos e ensinar a lei

(Lv 10.11; Mq 3.11; Ml 2.7[...])”177. Podiam ser considerados conselheiros

confidenciais, amigos do rei, ou vistos como “tipos de Cristo (Hb 8.1).”178

Mesmo que de forma resumida a visão do significado do ministério sacerdotal

na tradição bíblica lança luzes sobre o modo para o exercício de tal função na

Pastoral Escolar e Universitária. A presença sacerdotal pode representar apenas a

anuência aos poderes que agem sobre a instituição, tal como se dava com o

sacerdócio que se calava frente aos desmandos dos reis e poderosos. Mais

temeroso ainda é vislumbrar um sacerdócio que busca vítimas para o altar dos

poderosos, servindo de algoz que procura divinizar o sacrifício de suas vítimas

escolhidas. Parece haver uma contradição entre ser profeta e ser sacerdote ao

enxergarmos por esse viés, quando o profeta denuncia, e o sacerdote alicia

mancomunado com a situação do poder.

Longe de ser essa a função sacerdotal e, portanto afastando a possibilidade

de inviabilidade entre profeta e sacerdote, este convida ao exercício da

espiritualidade profunda, comunitária, celebrativa, relevante, terapêutica,

transformadora e engajada à realidade da vida e aos valores do Reino de Deus. O

estilo de celebração da fé e da confessionalidade necessitam evidenciar o conteúdo

crítico como parte essencial da vida. É compreender a salvação em Cristo, a

regeneração pela Graça de Dues, e a caminhada de santificação, porém com a

consciência da luta constante com o pecado. Uma celebração que busque orar com

um olho fechado enquanto outro está bem aberto de prontidão para expressar a fé e

a esperança na vida. Isso pode ser muito bem expresso por liturgias simples e

175 HARRIS, R. Laird. 1998. P.704-705 176 HARRIS, R. Laird. 1998. P.704 177 HARRIS, R. Laird. 1998. P.704 178 HARRIS, R. Laird. 1998. P.704

77

corajosas em cultos e em pequenos grupos. É o sacerdote que utiliza os conteúdos

proféticos para despertar a consciência crítica e edificar a maturidade para a fé

cristã.

Na Pastoral Escolar e Universitária a função sacerdotal é construída na

sensibilização a partir da vivência de uma espiritualidade que desafia à prática do

potencial da ciência em prol da vida e de quem sofre mais. É ato de confessar uma

espiritualidade encarnada, viva e comprometida, integral que “assume as condições

concretas do povo – sua cultura, sua luta pela vida, pelo sustento da família,

educação, etc.”179. É continuamente questionar e provocar o questionamento sobre

quanto de vida humana e qualidade de vida resultarão os planejamentos, pesquisas,

projetos e ações da escola e da universidade, e isso, em todos os âmbitos, nas

comunidades acadêmica, científica, funcional, administrativa e de quem tiver

envolvimento com o fazer educativo.

Na prática é verificar se os cursos são elaborados com propósitos

transformadores da sociedade, e, se conteúdos acadêmicos de disciplinas e

debates, estão formando consciência crítica ou apenas realizam um trabalho de

repetição de conteúdos. Essa verificação pode ocorrer nos colegiados acadêmicos,

e nas instâncias administrativas. É participar das elaborações de políticas de

prevenção, apoiando campanhas e assistindo indivíduos da comunidade. É

participar dos debates éticos, de limites e responsabilidades da ciência e da

autonomia universitária, compreendendo ser uma falácia tratar a produção de

conhecimento como ação humana isenta de ideologias e políticas. Entre outras

oportunidades é indicar a posição confessional de uma Igreja que acredita que a

razão e o conhecimento são ferramentas para um ser humano melhor e resgatado,

cada vez mais próximo da imagem perfeita de Deus.

A prática sacerdotal se faz visível por meio de celebrações, momentos

devocionais, reflexões, fomentando a restauração do bem-estar pleno do ser

humano; alinhando-se “com a compreensão de John Wesley da salvação como ‘cura

da alma’ (therapeia psychas)” que “pressupõe o pecado universal como doença fatal

que aflige a humanidade”180. Além disso, a piedade pessoal também é elemento

179 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Igreja: Comunidade missionária a serviço do povo. São Paulo: Colégio Episcopal da Igreja Metodista, 1991. p.12. 180 MATTOS, Paulo Ayres. A educação metodista e os desafios para um novo tempo. In: Revista do Cogeime. n.13. ano 7. Piracicaba: Cogeime. 1998. p.66

78

importante e interfere nos relacionamentos que são vitais para a credibilidade da

palavra anunciada e do exemplo de vida do sacerdote. A função sacerdotal

apresenta, de forma simbólica, os conteúdos, os valores, as declarações de sua

confissão de fé, desafiando e sensibilizando a ciência por meio da espiritualidade.

2.1.4. Pastoral

A Pastoral Escolar e Universitária tem ainda que exercer sua função pastoral.

Ao buscar na tradição bíblica o significado do pastoreio e do apascentar, é possível

encontrar pistas suficientes para compreender essa função e as ações próprias dela.

A imagem do pastor é reconhecida na humanidade como quem provê condições

para a vida dos rebanhos, conduz até locais de alimento, garante segurança, tem

proximidade e intimidade. Os reis da antiguidade eram considerados “pastores” de

seu povo desde, por exemplo, Hamurabi, rei da babilônia, dezoito séculos antes de

Cristo, responsáveis por suprir as necessidades de alimentação e segurança. Deus

é considerado pastor de seu povo, que lhe conduz e protege181. “Esse atributo divino

é uma das características dos ofícios de profeta, sacerdote e rei”182 e era o que

legitimava a liderança de quem era escolhido por Deus para tais funções. No Novo

Testamento encontramos a figura do pastor no discurso de Jesus identificando-se

como tal, e, indo além, qualificando o cuidado pastoral que dá a vida pelos seus de

“o bom pastor” (Jo 10.1).

O termo pastoral assume diferentes significados. Pode ser a ação política e

socialmente engajada que surge nos movimentos católicos pós Vaticano II183, com

Pastorais como o da Criança, da Sobriedade, a Carcerária, das Dst/Aids, de

Pescadores, de Migrantes, totalizando aproximadamente vinte e cinco diferentes

pastorais, dentre elas a Pastoral Universitária. É uma compreensão de ação da

Igreja que se organiza para atender grupos ou situações específicas. No mundo

evangélico a compreensão de ação pastoral pode ser representada pela figura do

líder eclesial, que cuida do rebanho da igreja local que é pastoreado. Porém, o

exercício do pastoreio pode ser feito por leigos e leigos que assumem igualmente 181 HARRIS. 1998. p. 2185 182 HARRIS. 1998. p. 2185 183 FIORES, Stefano e GOFFI, Tullo. Org. Dicionário de espiritualidade. São Paulo: Paulus. 1993. P 560.

79

responsabilidades sobre seus pares em busca de alimento espiritual, crescimento

em comunhão entre si e Deus, apoio mútuo e orientação, que pode ser estendida

para um sentimento de proteção mútua.

A ação pastoral é manifesta na ação “inteira e totalmente voltada para

relacionar o Evangelho com as diversas situações da vida cotidiana, abrindo

espaços para uma real e concreta experiência da fé cristã” e também “consiste na

comunicação e alimentação da fé comprometida com Deus, com o irmão e com a

transformação da sociedade em Reino de Deus”184. Para isso relaciona-se pessoal e

individualmente, bem como apóia e assiste a comunidade interna e externa em

experiências mais significativas de vida, afirmando ser possível viver a Vida

Abundante e o Reino de Deus. E “como uma extensão da Igreja, deverá levar em

conta que qualquer forma de separação, distância ou isolamento contraria o

objetivo” da dinâmica do Reino de Deus.185

A função pastoral se torna prática na expressão confessional do cuidado com

o ser humano em suas lutas e vitórias, fracassos e conquistas, na construção do

conhecimento e no cultivo da espiritualidade. É momento precioso de estar próximo,

em comunhão, assistindo, nutrindo, acompanhando, apascentando e tornando

papável, pelo exemplo, o amor cristão que transforma as pessoas e o mundo. Por

meio de aconselhamentos, reflexões, visitas, pequenos grupos, apoios diversos a

situações de luto, gravidez indesejada, drogadição, solidão, desespero, entre outras

oportunidades é que o pastoreio da Pastoral Escolar e Universitária desempenha

suas funções. É então mais que capelania, pois está integrada num panorama maior

que envolve as funções proféticas e sacerdotais.

A propósito da compreensão reducionista da ação das Pastorais Escolares e

Universitárias na forma da capelania, é interessante compreender a origem do

significado desse termo186. Capelania deriva de “capela”, assim relata Gonzalez

“Martim e seus companheiros estavam entrando na cidade de Amiens quando um

mendigo seminu, tiritando de frio no meio da neve, lhes pediu uma esmola. Martim

não tinha dinheiro para lhe dar, mas tomou a sua capa, rasgou-a em duas partes, e

184 MAIA, Adriel de Souza. Pastoral Universitária. In: Revista da Pastoral. São Bernardo do Campo: Pastoral Escolar e Universitária. 1998. s.p. 185 MAIA. 1998.s.p. 186 GONZALEZ, J. Uma história ilustrada do cristianismo. A era dos gigantes. Vol2. 1 ed. Vida Nova. São Paulo. 1978. p. 74

80

lhe deu uma metade. Nesta noite Martim viu em sonhos Jesus Cristo envolto em sua

meia capa, dizendo-lhe: “tudo o que fizeste a um destes meus pequeninos a mim o

fizeste”. Este episódio ficou tão famoso que a partir de então Martim é geralmente

representado repartindo a sua capa com um mendigo. Além disso, deriva deste

episódio nosso termo “capela”, pois algum tempo depois era conservada em um

pequeno templo o que se dizia ser a meia capa – a “capela” de Martim – e daquele

pequeno templo nossas “capelas” e “capelães” de hoje derivam seu nome.

2.1.5. Consciência crítica

O atual Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias rege que estas

devem “atuar como consciência crítica das instituições de ensino, em todos os seus

aspectos” e têm a tarefa de “fomentar a consciência crítica em todas as áreas da

vida institucional”187. Isto implica na prática constante de avaliação da realidade, o

questionamento permanente do estado presente das coisas, a avaliação sistemática

de enunciados, de propostas, de documentos, de legislações, de comportamentos,

de culturas humanas e institucionais, tradições religiosas, interpretações bíblicas,

escolhas teológicas e ideológicas, compreendendo os contextos envolvidos nos

processos da sociedade humana, da educação e da Igreja Metodista.

É tarefa árdua, pois envolve duvidar e crer. Duvidar de toda proposta e suas

premissas, afirmações, dogmas, resultados e conclusões, e crer que sempre será

possível construir uma sociedade onde haja justiça, paz, igualdade, fraternidade e

solidariedade inspirados pelo Reino de Deus, por Jesus Cristo e a Missão de Deus

para a humanidade. É compreender que:

Toda a ação educativa se baseia numa filosofia, isto é, numa visão a respeito do mundo e das pessoas. Em nosso caso, a filosofia é iluminada pela fé, estando por isso sempre relacionada com a reflexão teológica, à luz da revelação bíblica, em confronto com a realidade.188

A consciência crítica também exige a capacidade racional de aplicar

inteligência sobre conteúdos e processos reais ou abstratos que constroem a

existência humana e organizam ou desorganizam o mundo. Alcança o ser humano 187 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias. 2007. [Título I – A Pastoral: sua Missão e seu propósito Evangelizador. Artigo 1º e 2º] 188 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p.118.

81

como um todo, pois precisa da consciência, que impõe a necessidade de

compreensão da existência individual e as relações com o mundo, as pessoas, suas

instituições e tudo o mais. É deixar um estado de candidez189, de inocência e

ingenuidade quase supersticiosa. É inclusive questionar e avaliar a proposta de

educação com que trabalha a instituição metodista.

Entretanto, mesmo vasculhando a vida e o mundo em busca de compreensão

mantém um ponto de vista declarado, assumido, uma escolha feita quando no ponto

inicial de sua crítica: a fé cristã, denominacionalmente definida como de tradição

metodista, com todas as implicações que essa escolha traz, no contexto brasileiro de

educação privada e confessional. É a razão que se une à fé para ir além da simples

constatação de injustiças e mal, crendo na esperança da transformação humana e

da sociedade.

Surge então uma redação, presente no último Regulamento das Pastorais

Escolares e Universitárias, de 2007, como fruto das reivindicações de alguns setores

ligados às instituições de que a fica “cabendo à Pastoral, fomentar a consciência

crítica [...].”190 Mesmo que permaneça a conceituação da missão da Pastoral no

artigo primeiro, citação das Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, como

“atuar como consciência crítica da instituição”, esse conceito tende ao esvaziamento.

Entrementes permanece a responsabilidade prescrita no Regulamento.

Ao cumprir tal responsabilidade as Pastorais devem avançar para além da

compreensão de que são apenas agências de leitura contextual, e que devem

permanecer nas interpretações da academia e alinhar-se com suas metodologias.

Mais que isso a Pastoral é a agência de um conceito que pretende sensibilizar o ser

humano integral, que vive, pensa, sente e é afetado por forças e ideologias de

morte. Nessa empreitada deve deixar claro que crê, tal qual profeta, que a

impiedade não prevalecerá, e deve ter influência pastoral suficiente para oferecer tal

provisão de alimento de esperança, sendo elemento confiável como fonte de

inspiração motivadora de atitudes transformadoras. É nesse trabalho que celebra,

cultua, convida à espiritualidade, acompanha, pastoreia, conforta e consola, desafia, 189 Cândido ou o otimista contumaz, de Voltaire, que fora ensinado por seu preceptor Pangloss a acreditar que todo evento continha em si algo de bom e proveitoso, num otimismo ingênuo que era na verdade uma tentativa de fuga da vida e da realidade. Voltaire. Cândido ou o otimismo. 2 ed. Scipione. São Paulo. 1991. 190 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias. 2007. Documento fotocopiado. Arquivo pessoal.

82

provoca, questiona, e ama “efetivamente as pessoas caminhando com elas até as

últimas conseqüências para a sua libertação dos problemas e sua autopromoção

integral.”191

2.2. Conceito de educação nas Diretrizes

O documento que orienta a educação das Instituições Metodistas de Ensino é

o “Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista”, implantado a partir de 1982 no

XII Concílio Geral da Igreja Metodista. Paulo Ayres Mattos faz um interessante

resgate histórico sobre os documentos e tentativas de unidade e de “solucionar os

problemas dos colégios da Igreja”192 em seu livro “Mais de um século de educação

metodista”193 publicado pelo Conselho Geral das Instituições Metodistas de Ensino

no ano de 2000. As tentativas de um documento que garantisse a identidade, a

política e filosofia, bem como a confessionalidade das escolas inicia já em 1938, oito

anos após a proclamação da autonomia da Igreja Metodista, quando a liderança e

governo dos missionários começam a passar para os brasileiros. Sucessivamente

mais ou menos tempo era dedicado nos Concílios Gerais em busca de saneamento

para os problemas das instituições.

É verdade que não há um aporte teológico que justifique com clareza a

existência da missão da Igreja por meio da educação. O documento de 1982,

juntamente com o “Plano para a Vida e a Missão da Igreja”, afirma que a missão

“acontece quando a Igreja sai de si mesma, envolve-se com a comunidade e se

torna instrumento da novidade do Reino de Deus.”194 Ali se encontra a prescrição de

que:

A Educação como parte de Missão é o processo que visa oferecer à pessoa e comunidade, uma compreensão da vida e da sociedade, comprometida com uma prática libertadora, recriando a vida e a sociedade,

191 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Credo Social. In: Cânones da Igreja Metodista 2007. p.60. 192 MATTOS. 2000. p.65. 193 O livro do Bispo Paulo Ayres Mattos é leitura crítica sobre os acontecimentos históricos que envolvem a construção dessa identidade da educação metodista no Brasil, com apreciação de dados da história dos Concílios Gerais, os conflitos internos da Igreja e os documentos construídos em resposta às necessidades de sanar conflitos, presentes até a atualidade. 194 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p.83

83

segundo o modelo de Jesus Cristo, e questionando os sistemas de dominação e morte, à luz do Reino de Deus195.

Não há pesquisa ou estudo mais extenso sobre as declarações do PVMI ou

das DEIM. A Igreja Metodista carece de reflexão teológica, missiológica e

eclesiológica que justifique a educação como parte da missão. A herança wesleyana

e do metodismo norte-americano é evocada como justificativa, e tem sua validade,

pois o metodismo nasce em ambiente acadêmico e utiliza a educação em

concomitância a evangelização. Cumpre então apresentar brevemente alguns dos

temas presentes nas Diretrizes que provocam, definem a educação feita pela Igreja

Metodista e desafiam a missão da Pastoral Escolar e Universitária no intuito de

preservar e proclamar suas funções e por meio delas defender que Conhecimento e

Piedade Vital podem permanecer unidos.

A Igreja entende a Educação Secular que promove como o “processo que oferece formação melhor qualificada nas suas diversas fases, possibilitando às pessoas o desenvolvimento de uma consciência crítica e seu comprometimento com a transformação da sociedade, segundo a missão de Jesus Cristo”( Plano Para a Vida e a Missão da Igreja).196

Mattos relata que houve “setores inconformados com o tom político” das

DEIM, e que, desfavoráveis ao documento proclamavam suas críticas, tais como:

que não se considerou adequadamente a situação das escolas e por isso as

diretrizes não poderiam servir nem à administração nem à orientação pedagógica; é

um documento “demasiadamente teológico e discriminatório contra as classes média

e alta”; não encontra respaldo na tradição metodista brasileira e tem muita teologia

da libertação e que o “tipo de presença e atuação proposta para a Pastoral Escolar

cria conflitos de competência dentro da instituição.”197 Os conflitos ocorrem, e essa é

uma tese presente nas instituições. Mas o debate precisa ponderar sobre essas

forças que atuam no campo relacional político, administrativo e teológico entre Igreja

e instituições de ensino. Também as intencionalidades que revestem indivíduos

defensores dessa e daquela ideologia na Igreja ou na instituição.

O relato das críticas dos setores favoráveis é exposto por Mattos, e entre elas

se lê:

195 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 95 196 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 123 197 MATTOS. 2000. p. 85-7

84

faltam eixos que possibilitariam uma teologia da Missão devidamente articulada para toda a Igreja; [..] equivocadamente supervaloriza a educação como instrumento de transformação social; teoricamente dá uma visão libertária do processo pedagógico, mas não tem força suficiente para motivar inovações educacionais, acabando por reforçar o imobilismo generalizado de muitas de nossas escolas.198

Ainda assim ele afirma que “os elementos mais centrais das Diretrizes

pretendem ser resultantes dessa intenção missionária”199 que se buscou na

elaboração do Plano para a Vida e a Missão da Igreja e as Diretrizes para a

Educação na Igreja Metodista. Ele afirma em seu texto que a relevância do

documento e suas propostas foram comprometidas pelo teor de seus “elementos

teóricos e práticos” e “limitações que inviabilizaram a implementação na ação

educativa da Igreja.”200 Considera ainda que é injusto acreditar que tais limitações

inviabilizaram a ação do documento e/ou mesmo que um documento apenas seria

responsável por produzir e unificar a vontade política em torno de suas propostas.

Escreve, reconhecendo que é ingenuidade “pretender que a realidade pode ser

mudada por uma decisão do Concílio Geral.”201 Mesmo com toda deficiência que

possa existir, de satisfações realizadas ou insatisfações permanentes, as Diretrizes

continuam a vigir como documento oficial da Igreja Metodista para a educação, bem

como a definição da compreensão da educação na Igreja.

O documento faz o que promete, são diretrizes, utopias, desafios. A utilização

na vida institucional, porém, não consegue materializar os sonhos das Diretrizes.

Numa perspectiva otimista, o conhecimento do documento e de suas propostas

permanece num nível instrumental, sendo utilizado para citações charmosas e com

um toque de subversão ao modelo de mercado presente na instituição. A prática

permanece distante, quando, senão por opção é evitada. A Pastoral realiza esforços

constantes para a promoção dos preceitos das Diretrizes, utilizando toda

oportunidade para reafirmar os fundamentos e compromisso da educação metodista.

Mesmo não sendo suficiente é um trabalho que deve ser feito.

198 MATTOS. 2000. p. 85-7. 199 MATTOS. 2000. p. 88. 200 MATTOS. 2000. p. 89. 201 MATTOS. 2000. p. 90.

85

2.2.1. Formação melhor qualificada

A primeira afirmação que conceitua a educação pretendida nas instituições

metodistas de ensino revela a intenção de construir conhecimento com excelência

acadêmica. Ou seja, que o exercício da razão e da inteligência é capaz de exercitar

o método científico, criando, questionando e compartilhando conteúdos ligados ao

saber. Isso deve estar presente em todos os âmbitos do ensino, da educação infantil

à pós-graduação. Esse intuito, porém, logo é complementado quando esclarece que

mesmo sendo necessária a criação “de novas expressões do saber.”202 Prescreve

que esses saberes não podem repetir os sistemas vigentes de dominação e

opressão, “proporcionando aos participantes condições para que se libertem das

injustiças e males sociais que se manifestem na organização da sociedade.”203 Pois

a “busca destes novos caminhos deve procurar a superação do modelo educacional

vigente.”204

As instituições metodistas de ensino no Brasil, fruto da ação de missionários

metodistas norte-americanos nascem como vanguarda da educação no Brasil, com

a vocação liberal de que o indivíduo educado corretamente será um ser humano

aperfeiçoado para o bem. Continha uma ética individualista, própria do pietismo e do

arminianismo wesleyano. Foram representantes da aspiração de modernização e

democracia, que Mesquida, em “Hegemonia norte-americana e educação

protestante no Brasil” evidencia pormenorizadamente, a partir de quatro

interpelações: ao desejo das elites em se aproximar dos modelos políticos,

econômicos e culturais norte-americanos; ao interesse norte-americano de exercer

hegemonia sobre o Brasil; ao fato de que a maçonaria foi fator impulsionador da

educação com seus ideais republicanos e liberais; e ao aproveitar a desestruturação

da sociedade brasileira para implantar a Igreja Metodista Episcopal do Sul dos

Estados Unidos através da educação.205 A afirmação das Diretrizes pretende

continuar a buscar vanguarda na educação, porém com novos compromissos, ao

menos como ideais.

202 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 123. 203 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 122. 204 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 120. 205 MESQUIDA. 1994. p.22

86

2.2.2. Desenvolvimento de consciência crítica

Se a ação educativa metodista procura empreender a formação humana,

mais que apenas a oferta de educação ou titulação acadêmica, ela precisa ter seu

compromisso com a vida como um todo. É preciso que a educação não esteja

limitada a repetições de conteúdos que contém os traços das culturas, ideologias e

opções de mundo. A capacidade racional precisa estar a serviço da vida, e o

resultado do ensino, do conhecimento deve ser a possibilidade de compreender as

forças que atuam contra a vida. É assim que a capacidade de questionar, a

consciência que possibilita a avaliação das estruturas, enunciados, teorias, escolhas

políticas, organizações sociais e humanas, enfim, todas as manifestações dos

grupos humanos devem ser alvo da capacidade racional e inteligência construída no

ambiente da educação.

No caso dos documentos que conceituam a educação, essa capacidade

crítica deve voltar-se aos desassistidos, aos pobres, aos excluídos e excluídas de

uma sociedade que oprime e mata. O cunho marxista, e da Teologia da Libertação,

que busca estabelecer muito claramente os locais onde estão atuando as diferentes

classes fica marcado nas afirmações das Diretrizes, e, portanto subjazem ao

Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias. É preciso compreender, na

visão desses documentos quais são os aparelhos de morte, de dominação, de

opressão e de exclusão. É preciso compreender seu funcionamento, saber que

nenhuma experiência humana é neutra e que mesmo a educação está tomada por

ideologias e poderes.

2.2.3. Compromisso com a transformação da sociedade

A perspectiva de transformações é presente e ressaltada nas Diretrizes, uma

das declarações surge na descrição dos objetivos da ação educativa da Igreja

Metodista afirmando que esta necessita:

1. dar continuidade, sob a ação do Espírito Santo, ao processo educativo realizado por Deus em Cristo, que promove a transformação da pessoa em nova criatura e do mundo em novo mundo, na perspectiva do Reino de Deus; 2. motivar educadores e educandos a se tornarem agentes positivos de libertação, através de uma prática educativa de acordo com o

87

Evangelho; 3. confrontar permanentemente as filosofias vigentes com o Evangelho; 4. denunciar todo e qualquer tipo de discriminação ou dominação que marginalize a pessoa humana, e anunciar a libertação em Jesus Cristo; 5. respeitar e valorizar a cultura dos participantes do processo educativo, na medida em que estejam de acordo com os valores do Reino de Deus; 6. apoiar os movimentos que visem à libertação dos oprimidos dentro do espírito do Evangelho libertador de Jesus Cristo; 7. despertar consciência crítica e sensibilizada para o problema da justiça, num mundo marcado pela opressão.206

Fazem parte desse processo, a fé – na ação do Espírito Santo, na proposta

de boa-nova do Evangelho, na ação salvífica de Jesus Cristo e na ação educativa –

e a razão – processo educativo, cultura dos participantes, consciência crítica.

Então, revendo o enunciado do Plano para a Vida e a Missão da Igreja, as

Diretrizes trazem à memória que,

A Educação na perspectiva cristã “como parte da Missão é o processo que visa oferecer, à pessoa e à comunidade, uma compreensão da vida e da sociedade, comprometida com uma prática libertadora; recriando a vida e a sociedade, segundo o modelo de Jesus Cristo, e questionando os sitemas de dominações e morte, à luz do Reino de Deus”207

O exercício da capacidade crítica, que deve ser colocada a serviço da vida,

precisa ter, então, um compromisso claro e evidente com a sociedade onde está

inserida. Sendo assim é de se esperar que a construção do conhecimento nessas

instituições desafie estudantes, docentes e colaboradores administrativos ao

envolvimento e participação ativa na vida da sociedade. É de se esperar que surjam

lideranças sociais, gente engajada com essa visão crítica do mundo, com

capacidade intelectual e teórica, para transpor à prática os ideais mais valiosos que

são expressos nos documentos. Em outras palavras o objetivo é que a educação,

sob esse conceito metodista, transforme-se em vida para toda a sociedade e,

especialmente, para as pessoas mais oprimidas da sociedade, ao menos é possível

exercitar e fé e trabalhar para esse milagre.

Parte desse compromisso com a transformação da sociedade é possível

verificar nas políticas de bolsa concedidas dentro da filantropia institucional. Além

disso, há bolsas direcionadas, em sistema de cotas, antecipando-se a todos os

movimentos e debates sobre o tema, para afro-descentes, indígenas, educadores

206 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 120-1. 207 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 119.

88

populares, movimento sem terra, mulheres apenadas208, e adesão ao Programa

Universidade para Todos do governo federal. Há também programas que recebem

estudantes estrangeiros, preferencialmente de países onde houve ou há distúrbios

de guerra ou guerra civil, Moçambique, Timor Leste, Angola e Haiti, a quem a

Pastoral também assiste.

É possível vislumbrar a influência desses objetivos propostos pelas Diretrizes

de compromisso com a transformação da sociedade por meio de estudantes que se

tornaram lideranças sociais, ainda que seja um fator bastante subjetivo afirmar que a

educação metodista foi a real responsável pela posição de liderança social que

alcançaram. Mesmo assim, transformar a sociedade é valor fundamental para a

educação que faz a Igreja Metodista. Porém é tarefa delicada e inevitável que se

conceitue o que é esperado dessa transformação da sociedade: se um alinhamento

total aos poderes vigentes que tendem a compreender que incluído é quem pode

consumir e está participando do mercado no modelo neo-liberal e mercantilista?; ou

se é alguma proposta que subverte a ordem vigente e atende ao excluído, ao pobre

e discriminado e potencializa um novo modelo de humanidade e organização social?

É oportuno recordar a pesquisa de Mesquida que revela a intenção da

educação metodista herança do trabalho missionário norte-americano. A agenda

norte-americana, a ênfase liberal e a tentativa de transformar a sociedade, por meio

do estilo de vida, cultura e economia americanas. A isso é acrescido o objetivo de

educar as elites como meio de influenciar a sociedade. Se a transformação do

mundo continua a ser empreita dirigida à classe dominante as Diretrizes não tem

muita razão de existir. Este modelo já está ultrapassado e o que se busca

atualmente é a profissionalização das administrações e o equilíbrio financeiro das

instituições, sobrando pouco espaço para sonhos mais engajados.

208 Um exemplo: como o benefício de cursos dentro da unidade prisional feminina Madre Peletier em Porto Alegre, quando o Centro Universitário Metodista IPA conseguiu a permissão, não sem muita batalha, para o funcionamento do Curso de Serviço Social – escolhido pelas apenadas – dentro das instalações da penitenciária, e realizou cursos de EJA – Educação de Jovens e Adultos - para que outras apenadas pudessem ter acesso à graduação. As aulas acontecem desde 2006 dentro da unidade prisional em sala especialmente preparada onde docentes do Centro Universitário ministram aulas diariamente. No curso participam apenadas e agentes penitenciários compartilhando da mesma sala. Todas as apenadas têm bolsa integral garantida.

89

2.2.4. Segundo a missão de Jesus Cristo

As Diretrizes afirmam que a educação metodista deve oferecer formação

melhor qualificada, que precisa desenvolver consciência crítica e que precisa

comprometer-se com a transformação da sociedade. Tais ações precisam estar

firmemente alicerçadas num valor maior e essencial para a compreensão da

existência das instituições de ensino da Igreja Metodista: a missão de Jesus Cristo.

Esta aparece definida como a construção ou implantação do Reino de Deus. Mas

surge a questão latente e sem resposta imediata sobre que missão trata o

documento para uma diretriz consistente para a educação metodista. Mattos

escreve, que diante da fragmentação própria da época atual, as diferentes faces da

Igreja Metodista e a inexistência de uma prática conciliatória de projetos,

planejamentos, filosofias das instituições, das regiões eclesiásticas e mesmo entre

bispos e bispa, prejudica a implementação das Diretrizes. Ele pondera que para a

formulação de uma filosofia que identifique a missão metodista na educação,

[...] é, portanto, fundamental que se coloque previamente com clareza a necessidade de definir qual Igreja Metodista, e qual missão para que possamos definir qual escola e qual ensino. É evidente que estamos diante de um a priori eclesiológico e missiológico. Da clareza da definição consensual, coerente e vital sobre a identidade e a Missão da Igreja Metodista é que poderá nasce a vontade política para a implantação de qualquer proposta missionária digna do nome metodista (sic), inclusive para o seu projeto educacional.209

Ao exercer a função no episcopado honorário da Igreja Metodista, Mattos tem

a visão crítica que, enfrentando as dificuldades de articular a Missão na instituição

Igreja e na instituição Escola, apresenta a exigência da elaboração que vai além dos

documentos absolutos promulgados em Concílios que sugerem panacéias para a

Igreja. Aparentemente um texto pessimista, pode e deve ser lido como oportunidade

para a atualização do discurso missiológico, eclesiológico e cristológico que dê

suporte a uma teologia metodista para a Igreja brasileira e a educação confessional.

Considerados os argumentos, é possível notar que a afirmação “segundo a

missão de Jesus Cristo” é mais complexa que tratar sobre a “implantação do Reino

Deus.” A implantação do Reino de Deus é Missão do Deus Pai, realizada com ou

sem a participação humana. A missão de Jesus Cristo é a encarnação do amor que 209 MATTOS. 2000. p. 91.

90

vai ao sacrifício, que dá sua vida pelo outro/a, que abre mão de si em amor

sacrificial. Ao suspender a leitura ideológica de ousar construir o Reino de Deus, em

favor de uma ação solidária, altruísta, comunitária, salvífica é talvez possível antever

um novo modelo de ação confessional na educação. Convida a vislumbrar uma ação

política participativa e comunitária, e não do exercício do poder em nome do Rei.

Uma liderança baseada no serviço e no amor, antes que no poder, na luta de

classes e na segregação entre quem é do reino e quem não é.

Se a Pastoral Escolar e Universitária deve ser consciência crítica, pastoral,

profética, sacerdotal e evangelizadora na instituição no papel de presença da Igreja

na academia, esta tarefa parece de difícil prática. Então, a Pastoral obedece a

missão de Jesus Cristo, procurando compreender quem está envolvido em tais

elaborações e tarefas e busca, no exercício da fé e confiança na ação do Espírito

Santo e, na avaliação criteriosa, crítica e inteligente dos cenários da Instituição de

ensino e da Igreja o ambiente para seu trabalho. Ela vislumbra, pela fé,

possibilidades maiores que aquelas utilizadas pro forma nos ambientes

institucionais.

2.3. Os Desafios da Pastoral frente à educação na instituição metodista de ensino

Para cumprir os objetivos propostos, em sua característica pastoral, profética,

sacerdotal e evangelizadora, a Pastoral Escolar e Universitária tem desafios

históricos a resolver, se pretende ser o local por excelência onde se manifesta o

“conhecimento e piedade vital” da tradição metodista. É quando suas ações

precisam estar firmemente edificadas na missão proposta nos documentos que

regem a proposta de educação nas instituições metodistas, e em sua fidelidade ao

chamado eclesiástico compreender que rigor científico e exercício da

confessionalidade são indissociáveis, tanto quanto se manifestam nos âmbitos

pastorais, proféticos e sacerdotais de sua atuação. Precisa lidar com as

idiossincrasias de programas pessoais que buscam distância dos documentos e

propostas do Evangelho e da Igreja Metodista para suas instituições. Tem que lidar

91

com a contraposição entre ciência e religião defendida pela academia. Tem que lidar

também com o paradoxo das exigências de um mercado da educação, ou da

educação como negócio, com registros na Organização Mundial do Comércio e que

transformou conhecimento em commodities.210 Precisa fomentar a inclusão de

excluídos que estudam com incentivos de bolsa e filantropia, precisa desafiar elites

que podem pagar as altas mensalidades a uma nova visão de mundo e sociedade.

Precisa conhecer muito bem a academia e seus processos sem, contudo, se perder

numa religião burocrática, secularizada e eventualmente cristã.

Precisa estar presente nos planejamentos pedagógicos, administrativos e

acadêmicos, sendo voz das utopias metodistas na educação e, preservar-se de

tornar a Pastoral Escolar e Universitária um enclave de poder da própria Igreja

Metodista. Precisa responder diretamente ao Colégio Episcopal da Igreja Metodista

sem buscar uma presença interventora e de relativização da Direção Geral, reitorias

e outras lideranças institucionais. Precisa ser voz evangelizadora num local onde

religião significa alienação, ameaça, obscurantismo e matéria a ser evitada. Precisa

estar de prontidão para o pastoreio ou capelania, para a celebração e o luto, para

propor o cultivo da espiritualidade cristã, cristocêntrica, e dialogar com todas as

demais expressões religiosas e de espiritualidade.

Precisa, antes de tudo compreender o que é sua tarefa e o que não deverá

fazer, o que lhe compete e o que lhe é acessório. Diante desses e de outros

desafios são focados quatro aspectos presentes nos documentos que parecem

acolher em si parte do debate necessário.

2.3.1. “Superar a repetição de conteúdos”

O ensino nunca é neutro, e precisa ser tratado com “ação política explícita e

consciente”, diz Gutiérrez211. Ideologias, poderes, projetos estão todos a serviço de

uma visão de mundo e um programa humano e como escreve Gutiérrez na

introdução de seu livro que, “uma das principais causas do desvirtuamento, 210 Commodities são títulos correspondentes a negociações com produtos agropecuários, metais, minérios e outros produtos primários nas bolsas de mercadorias. Estes negócios se referem a entrega futura de mercadorias, mas não significa necessariamente que há movimento físico de produtos nas bolsas. O que se negocia são contratos. 211 GUTIÉRREZ, Francisco. Educação como Práxis política. Summus. São Paulo. 1998. p 17.

92

deterioração, ineficiência e fracasso do sistema de ensino reside no fato de que,

intencional e sistematicamente, não se tem querido reconhecer sua dimensão e

caráter político.”212 É nesse sentido e compreensão que as Diretrizes para a

Educação na Igreja Metodista registram que pretendem que as Instituições

Metodistas de Ensino sejam mais que apenas repetidoras de conteúdos forjados por

sistemas excludentes, injustos e que tem como objetivo a manutenção do poder,

assumindo publicamente sua identidade voltada para a transformação da sociedade

e “do mundo em novo mundo”.

A educação é ideológica, e sua força é maior do que normalmente

imaginamos, diz Freire, pois a função da ideologia “tem que ver diretamente com a

ocultação da verdade dos fatos, com o uso de uma linguagem para penumbrar ou

opacizar a realidade ao mesmo tempo que nos torna “míopes.”213 É necessário a

consciência crítica, para que esse objetivo de não repetição seja alcançado, e de

que há uma ideologia na educação. É necessário o compromisso e compreensão do

corpo docente para com tais possibilidades, seja na escolha de métodos ou escolas

pedagógicas, no material didático e principalmente nos planejamentos das

disciplinas. Também através de projetos que confrontem a realidade, ao mesmo

tempo evidenciando uma sociedade injusta e cruel, e sinalizando a esperança em

gente que se forma engajado na solução humana. Essas ações, de sensibilização,

confronto, desafio e esperança, devem ter lugar na educação básica, ensino

fundamental, no ensino superior, na graduação e pós-graduação, pois constitui parte

essencial da identidade da educação metodista. Tais ações podem estar em ação

nos projetos de pesquisa, nos programas de extensão e na busca constante por

ambiente onde a reflexão sobre temas controversos e debates sobre a realidade da

injustiça e dos fenômenos de exclusão sejam prática constante.

Esse é um exercício necessário desde a mais tenra idade, na educação

infantil, e mesmo no ambiente da educação básica, e no ensino fundamental,

alternativas a uma educação “conteudista”, pois é inacabada e estará sempre em

construção diz Freire.214 As oportunidades de desenvolver a capacidade crítica em

indivíduos, que mesmo crescendo em ambiente de luxos, confortos e privilégios,

212 GUTIÉRREZ. 1998. p. 11. 213 FREIRE. P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34 ed. Paz e Terra. São Paulo. 2006. p. 125. 214 FREIRE, 2006, p.50.

93

podem ser sensibilizados e vir a tornar-se um ser humano completo, autônomo, livre

e interagindo socialmente de modo responsável com uma visão transformadora da

sociedade e do mundo.

Enfrentar o consumismo, o mercantilismo, em face de uma sociedade fútil e

superficial, parece ser uma barreira a ser vencida numa instituição privada, com

mensalidades que excluem a maioria da população no país. Permanecer com as

utopias de sua identidade própria de educação é outra das dificuldades no cenário

competitivo das escolas, faculdades e universidades que se orientam por um senso

de competição e de mercado tratando o ensino como mercadoria. Nesse contexto a

necessidade de padronização do ensino, por meio de notas, avaliações nacionais,

rankings, índices, aprovações, vulnerabiliza propostas engajadas numa perspectiva

diferente da vida e da sociedade.

2.3.2. O Reino de Deus ou a afirmação de uma missio educatio

Um dos fatos mais desafiadores para a ação das Pastorais Escolares e

Universitárias, e não só para elas, é ter habilidade para articular todas as

necessidades, contextos, crises e oportunidades da educação com as utopias, ideais

e diretrizes da educação metodista. Num mundo marcado pela intolerância, a

superficialidade, a banalização da vida, a hegemonia da mercadoria e do consumo,

pela fragmentação da vida, a violência e a exclusão, propugnar por uma educação

que apóia um mundo e sociedade diferente do que se vive no hoje se apresenta

como exigência. Mais ainda, quando a tradição do metodismo e as Diretrizes atuais

da Igreja Metodista para a educação e para a missão da Igreja indicam que outro

caminho é necessário e possível, pois,

a Educação tem sido um dos instrumentos sempre presentes na ação da Igreja Metodista no Brasil. Como instrumento de transformação social, ela é parte essencial do envolvimento da Igreja no processo da implantação do Reino de Deus.215

Ao afirmar sua tradição, sua herança e seu compromisso no âmbito do

metodismo, a proposta para a educação necessita de clareza teológica e doutrinária,

215 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007.p.113.

94

assim a Pastoral Escolar e Universitária pode atuar em suas funções pastoral,

profética e sacerdotal. É talvez possível então, cogitar numa proposta de missão da

educação, uma missio educatio, que articule conteúdos sistematizados de uma

teologia que considere tradição, revelação, razão, Bíblia e as exigências da

realidade do mundo confrontadas com a Igreja. Além disso, é necessário também

considerar o motivo pelo qual a Missio Dei por meio da Igreja precisa ou não de

envolvimento com a educação e especificamente com instituições de ensino. Pode

parecer óbvia uma resposta, mas ela tem se mostrado mais complexa que apenas

citar alguns textos bíblicos, motivos de ordem, da tradição e da história.

É arriscar a mediar uma aliança entre as diferentes manifestações da tradição

wesleyana, ou não, presentes na Igreja Metodista brasileira da atualidade, já

ressaltado por Mattos, convidando ideologias divergentes, posições políticas

diametralmente opostas, manifestações da fé que se combatem, teologias diversas à

ousada mesa da comunhão e do consenso em torno da missão. A Pastoral Escolar e

Universitária não é o único responsável por tal ousadia, nem mesmo é sua

competência conduzir tal empreitada, porém ela está no vórtice desse impasse. É

quem precisa divulgar a confessionalidade metodista com seus conteúdos, e lidar

com a angústia de verificar que a proposta nem sempre é prática e/ou mesmo

respeitada nas instituições.

É aperfeiçoar sua capacidade acadêmica, teórica e crítica para dialogar com a

escola, e ao mesmo tempo reafirmar seu compromisso com a Missão, com a Igreja

Metodista e sua doutrina, mesmo que a questione e disseque, e compromisso com a

vida, as pessoas e o mundo. Talvez seja almejar demais para a Pastoral que precisa

responder à suas responsabilidades imediatas e diárias, mas certamente é esta

mesma Pastoral que conhece os ânimos e aspirações dos diversos envolvidos

nesse imbróglio: a estrutura da Igreja, a estrutura da instituição e seus atores, os

crentes e os desejos da igreja local, bem como os desafios humanos e sociais

dessas instâncias. Pode ser então a Pastoral a responder ao desafio de provocar o

debate, suprir informações, debruçar-se sobre os fatos e as suscetibilidades de todo

o processo da Igreja envolvida com a academia. É necessário despertar para o

desafio de articular Conhecimento e Piedade Vital com diretrizes, filosofias, políticas,

e teologias, doutrinas e interpretações que consigam suprir a necessidade de uma

definição de relevância da escola para a Missão.

95

3. EDUCAÇÃO METODISTA: CONHECIMENTO E PIEDADE VITAL NA PASTORAL ESCOLAR E UNIVERSITÁRIA

A Pastoral Escolar e Universitária exerce suas atividades no contexto das

instituições de ensino da Igreja Metodista, com suas funções regulamentadas pelo

Colégio Episcopal216 e estando diretamente subordinada a essa instância na

estrutura da Igreja.217 No desempenho de suas funções proféticas, sacerdotais e

pastorais, envolve-se com as diversas áreas das instituições de ensino, a fim de

cumprir sua presença como consciência crítica. Precisa articular seu trânsito entre o

acadêmico, o administrativo e o religioso, participa com sua presença, por exemplo,

em caráter ex-oficio no Conselho Universitário218, nos colegiados de Coordenações

de Cursos, Pró-Reitorias, Direção dos Colégios, Grupos de Trabalho diversos e

outros momentos de decisões e planejamentos institucionais. É um serviço visível da

confessionalidade por meio da Pastoral, e tal presença deve garantir sempre a voz

da Igreja, dos documentos, da identidade, da herança e dos projetos e intenções da

educação metodista. A Pastoral tem presença garantida tendo privilégio de voz,

porém, sem voto.

216 O Regulamento das Pastorais Escolares e Universitárias é aprovado pelo Colégio Episcopal da Igreja Metodista. 217 O governo da Igreja Metodista é episcopal, composta por 7 bispos e 1 bispa ativos, que presidem uma das oito Regiões da Igreja Metodista no Brasil. Reunidos formam o colegiado de bispos, chamado Colégio Episcopal, que conta com a presença dos bispos honorários e eméritos. Os bispos são eleitos ou reeleitos para períodos eclesiásticos de cinco anos, não sendo portanto nem uma ordem clériga e nem um cargo vitalício. Os bispos e bispa tem a funções administrativas, de preservação da unidade da Igreja, da doutrina e do pastoreio. São os bispos que nomeiam os ministros/as clérigos/as. A Pastoral Escolar e Universitária é um ministério ligado à Área Nacional da Igreja Metodista, seus clérigos/as são cedidos por suas Regiões eclesiásticas para o serviço nas instituições, portanto, a nomeação para as vagas da Pastoral são de responsabilidade do Bispo Presidente do Colégio Episcopal, a quem respondem. (COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Cânones 2006. p.25-32) 218 CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA DO SUL. Estatuto do Centro Universitário, composição do CONSUNI.

96

Nesse exercício, sua ação pode ser confundida com os encaminhamentos do

legislador ou administrador, ou pode ser conceituada como enclave de poder que

interfere, intervém ou impede os caminhos da educação e da construção do ensino,

pesquisa e extensão. Sua ação e papel podem também ser confundidos com um

instrumento de crítica permanente e combativa contra qualquer política institucional.

Se a Pastoral permitir-se envolver em embates de poder entre a instituição de ensino

e a Igreja, ficará na tensão de uma identidade confusa, cooptada e, portanto não

confiável e tampouco ética. O desafio proposto nessa pesquisa é perceber uma

hermenêutica e uma epistemologia que subsidiem a Pastoral Escolar e Universitária

e, portanto, também a Instituição de Ensino e a Igreja, sobre a pertinência e

significado de suas ações no contexto da educação metodista.

Ao considerar a herança wesleyana e sua teologia, como proposto no

primeiro capítulo, e reafirmando os documentos da educação metodista, se mostra

urgente uma reflexão sobre a Missão de Deus que acontece na Igreja Metodista

realizada no serviço de ensino que oferece ao mundo, comprometida com a missão

de Jesus Cristo e com a transformação da sociedade. É uma reflexão que procura

considerar os desafios de gestão de uma instituição filantrópica, sem fins

econômicos, num mercado competitivo, capitalista e mercantilizado, e que mantenha

sua visão missionária, cristã, inclusiva, de justiça e paz e questionadora, mas ao

mesmo tempo seja sustentável, tenha excelente nível acadêmico e permaneça fiel

aos seus conteúdos confessionais.

Na dinâmica da Pastoral que se envolve com o administrativo e o acadêmico

e exercendo suas funções regulamentares, ela é ameaçada a deixar sua fé e tornar-

se qualquer outra agência que não uma Pastoral. Também necessita discernir, como

fruto da reflexão e maturidade, sobre as dinâmicas próprias do ensino e da

pesquisa, evitando ou não, tornar-se o setor de censura de conteúdos, indexando e

cerceando o livre debate próprio da autonomia universitária. E mais, seu serviço

pastoral deve alcançar estudantes, famílias e docentes dos colégios, com

características distintas e que se relacionam de forma mais próxima e afetiva do que

na graduação e pós-graduação do ensino superior.

É então, inspirado pela estrofe wesleyana, que este último capítulo busca

discernir a possibilidade ou impossibilidade de unir “o par a tanto desunido,

conhecimento e piedade vital” e sua localização privilegiada de reflexão e expressão

na Pastoral Escolar e Universitária. Ao buscar tal discernimento, as funções da

97

Pastoral – evangelizadora, pastoral, profética e sacerdotal – e sua responsabilidade

como consciência crítica institucional podem ser esclarecidas. Da mesma maneira

na teologia e doutrina do metodismo, de John Wesley, se pretende aclarar caminhos

possíveis para esse desafio constante do ensino como missão na Igreja Metodista.

3.1. “Unir o par a tanto separado”: A educação e a religião

Heitzenrater escreve sobre a experiência de visita à capela da Duke

University, na Carolina do Norte, Estados Unidos da América219. Há duas estátuas

atrás do altar, que são a representação do lema da Duke University “Eruditio et

Religio”220, e que ecoa o lema wesleyano de “conhecimento e piedade vital”. Aos

olhos do observador as esculturas não se identificam com facilidade. Ambas

parecem piedosas e pensativas. Heitzerater diz que “a compreensão de Wesley de

conhecimento e piedade vital tem o mesmo tipo de sobreposição”, pois,

“conhecimento para ele, não é tanto um atributo puramente intelectual, mas sim um

canal de auto-compreensão que é crucial para a salvação”221.

A concepção wesleyana de piedade vai além do exercício pessoal privado,

pois “envolve não somente uma postura de devoção com base no amor a Deus, mas

também uma extensão social exemplificada pelo amor ao próximo”222. Heitzenrater

busca ainda outro argumento para essa compreensão, afirmando que “Wesley

reforça essa relação entre os dois conceitos quando reitera a idéia de que “sem

amor, todo aprendizado é apenas ignorância esplêndida”223. Ou mais, em uma carta

ao Bispo Lowth, em 10 de agosto de 1780, Heitzenrater argumenta que Wesley “não

despreza de modo algum o aprendizado” mas o “[...] que é para um homem que não

tenha religião? É como uma jóia no focinho de um porco.”224 Essa concepção

219 HEITZENRATER, 2003, p. 24. 220 Uma explanação sobre o selo, símbolo e moto da Duke University, “Eruditio et Religio” pode ser encontrado no endereço eletrônico, <http://library.duke.edu/uarchives/history/histnotes/insignia.html>, com a reprodução de um artigo publicado no The Duke Dialogue, em 5 abril de 1996, por KING, William E. University Archivist, 1972-2002. 221 HEITZENRATER, 2003, p. 24. 222 HEITZENRATER, 2003, p. 24. 223 HEITZENRATER, 2003, p. 25. 224 “My Lord, I do by no means despise learning: I know the value of it too well. But what is this, particularly in a Christian Minister, compared to piety? What is it in a man that has no religion? "As a jewel in a swine's snout." (WESLEY, John. Letters from the Rev John Wesley, to various persons. vol13. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.).

98

marcava as ações que juntaram religião e educação como ações necessariamente

vinculadas, na fundação de colégios e nos ambiente propícios para educação de

todos e todas sem discriminação, e a exigência da vida disciplinada para a

transformação da vida, numa combinação de regras e virtudes, obrigação e virtude

ética. Tal “processo da formação espiritual e intelectual pode ser visto em muitas das

autobiografias metodistas do período”225.

Essa tensão dinâmica e positiva se vê reapresentada na articulação feita por

Albert C. Outler no paradigma226 do “quadrilátero wesleyano”227. Nesse paradigma

sistematizado por Outler, Razão e Escrituras ou Revelação são apresentados como

elementos indissociáveis na perspectiva da teologia de John Wesley, mais a

Experiência Pessoal e a Tradição formando os quatro termos que se repetem nos

escritos wesleyanos. A Revelação é compreendida por meio da Razão e é

confirmada pela Experiência Pessoal.

Wesley avança para além do extremismo iluminista do racionalismo, e

igualmente da concepção pietista ou mesmo quietista.228 Ele opta por uma fé que

tem sua essência na revelação de Deus e seu amor salvífico em Jesus Cristo e sua

graça. Tal revelação é apreendida e compreendida pela razão229, dom de Deus que

deve ser cultivada e desenvolvida para além da simplicidade supersticiosa presente

em sua época. É um desafio superar um modo fracionado da “metodologia

fragmentada que é a características de nossas disciplinas acadêmicas.”230

Um paradigma renovado é exigência de um contexto de mudanças,

questionamentos e ressignificações. A tentativa de John Wesley e do metodismo de

unir “o par a tanto desunido, conhecimento e piedade vital, a aprendizagem e a

santidade combinadas, a verdade e o amor” permanece uma possibilidade a ser

estudada, desenvolvida, compreendida e praticada. A Pastoral Escolar e

225 HEITZENRATER, 2003, p. 27. 226 THORSEN, D. A. D. The Wesleyan quadrilateral: scripture, tradition, reason and experience as a model of evangelical theology. Indianapolis. Light and Life. 1990. p. 21. 227 OUTLER. A. C. The wesleyan quadrlateral in John Wesley. In: LANGFORD, T. A. Doctrine and theology in the United Methodist Church. Nashvile.1991. p 75-90. 228 O quietismo, era uma corrente do pietismo que inspirada numa frase do Salmo 46.10 “espera no Senhor” abria mão de qualquer atitude de busca de Deus, de fé ou de manifestação qualquer, até que houvesse fé suficiente e certeza absoluta da salvação e da disposição para a santidade, dada por Deus. “O argumento de Molther [um morávio alemão] era de que não havia “meios de graça”, mas sim Cristo, e assim, até que as pessoas tivessem fé verdadeira em Cristo, deveriam abster-se daquilo que era chamado meios de graça, especialmente da Ceia do Senhor” (HEITZENRATER. 1996. p.106) 229 THORSEN. 1990. p 22. 230 CAPRA. F. O ponto de mutação. São Paulo. Cultrix. 20ed. 1997. P.23.

99

Universitária pode ser o lugar de privilégio de reflexão e prática desta re-união,

mediante suas ações sacerdotais, proféticas, pastorais e evangelizadoras no

ambiente acadêmico, pois “o homem, criado à imagem de Deus é feito para

conhecer, amar e desfrutar de seu Criador por toda a eternidade”231.

Talvez, porém, mais que articular a união ou reunião entre razão e fé,

conhecimento e piedade, tarefas mais imediatas, e que têm sua essência nesse

debate de religião e educação, precisam de atenção. No contexto das instituições

metodistas de ensino, e quiçá das instituições de ensino confessionais há tensões

que necessitam debate para solucionar impasses no relacionamento e nas

estruturas de poder entre Igreja e escola. Para almejar a articulação entre piedade e

conhecimento é imprescindível que haja amplo conhecimento do papel das

instituições de ensino, suas funções, responsabilidades e limitações que lhes são

próprias. Na mesma via é inadiável que um sentimento de respeito piedoso esteja

presente ao se tratar da instituição de ensino enquanto Missão.

Outra articulação necessária é a que possa sustentar os argumentos para

uma confissão cristã instituir, como ação missionária, uma instituição de ensino

privada, filantrópica, com alegados objetivos de compromisso social e que justifique

também sua inserção no mercado agressivo de educação que se desenvolveu

recentemente no Brasil. O desafio da sustentabilidade econômico-financeira, num

panorama de exploração da educação como negócio com fins meramente lucrativos,

é posto a debate frente à explícita declaração das Diretrizes para a Educação na

Metodista. Prover acesso aos estudantes carentes e ter habilidade de cumprir as

obrigações cotidianas e exigências inerentes à empreitada do ensino é o ponto

nevrálgico na articulação da Missão cristã, metodista, utópica, inclusiva, libertadora,

não elitista versus o mercado da educação e a sustentabilidade do projeto.

Há também questões no que concerne à confessionalidade e à administração.

A tendência do olhar da Igreja sobre as instituições educativas é de apaziguar

situações, protelar decisões, evitar o conflito, amar ao próximo e tolerar

personalismos. Na outra ponta há as teorias de administração que exigem decisões

e respostas rápidas, que, unidas ao marketing têm como objetivo o desenvolvimento

231 “…to man, created in the image of God, and designed to know, to love, and enjoy his Creator to all eternity. “ (WESLEY, JOHN. Sermons on several occasions. Sermon 56, God´s approbation of his works. Vol 13 In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.).

100

da instituição, largando muitas vezes pelos acostamentos do caminho os mortos e

feridos que não se encaixaram nos processos da administração. São situações que

às vezes surgem no discurso de direções, conselhos diretores e mesmo clérigos e

lideranças de que a Igreja Metodista, a instituidora, não deve ter presença,

participação ou interferência nas instituições. Isso sabota a tradição metodista,

evitando assim a possibilidade wesleyana de unir conhecimento e piedade na prática

diária do ensino.

A Pastoral é exigida de ambos os lados como fiel da balança. De um lado, se

exige que ela defenda a confessionalidade cristã, evangélica e metodista, e participe

também dos âmbitos administrativos como lembrança constante desses valores.

Porém ao envolver-se com o administrativo pode perder sua credibilidade frente ao

jogo de intenções e política própria da instituição. Será que a Pastoral é a Igreja, que

com um olhar materno protege, afaga e perdoa, ou é como um algoz que anui e

endossa todo choque de gestão e ação necessária para a saúde institucional? Entre

esses dois extremos, por exemplo, ela é exigida pelos dispostos no regulamento,

pelo compromisso com a Missão e pela realidade vivenciada diariamente na

instituição. Nessa escolha pode vir a tornar-se incômodo, em situações diversas,

tanto à Igreja quanto à instituição. Unir o par a tanto desunido pode significar

intermediar, a partir de sua reflexão e prática, os poderes e desejos da Igreja e da

Instituição.

A articulação clara, sincera, aberta e ampla de religião e de educação e mais

especificamente de Igreja e instituições de ensino deveria preceder a re-união de

conhecimento e piedade vital. Ou talvez seja exatamente esse o grande desafio:

subsidiar a Igreja com uma interpretação consistente da teologia wesleyana, da

tradição e da doutrina metodista que seja a base para sua ação ou aventura

missionária nas instituições de ensino. A Pastoral se encontra, então, em meio a

todos esses questionamentos de sua pertinência, se ela apenas faz orações, numa

concepção estreita e limitada de toda a implicação de uma Igreja fazer Missão por

meio do ensino. Ou se ela se aproxima realmente de todo o fazer administrativo,

pedagógico, acadêmico, estratégico do ensino exercendo consciência crítica em

relação à Instituição e à Igreja. Tais respostas, atualmente, exigem a reflexão por

uma clara teologia do ensino ou educação, e uma abrangente teologia da missão.

101

Para Wesley essa resposta era tão evidente que escola e igreja, conhecimento e

piedade vital, aprendizagem e santidade caminhavam unidas.

3.2. “Conhecimento e a Piedade vital”: As ações sacerdotais

Um sacerdote é a pessoa que tem autorização para oficiar aquilo que é

sagrado232, seja o sacrifício para aplacar a ira, adorar ou festejar a divindade, seja a

instrução necessária de crentes ao reto caminho da observância da religiosidade e

fé professada. O sacerdote é um representante oficial de Deus que pode operar a

expiação pelos pecados. Ele ora pelo povo, é exemplo de santidade, tem o privilégio

de oficiar os sacrifícios diante de Deus e consultar os oráculos, e até serviam como

juízes. No contexto do Novo Testamento, o sacerdote final é Cristo, “que operou a

derradeira propiciação pelos pecados do povo”233, o sacerdote é quem deve orar e

cultivar uma vida de oração, ele tem a autoridade de proclamar o mistério da

salvação234. Cada crente, porém, é visto como sacerdote a partir da compreensão do

sacerdócio universal de todos os crentes.

Os atos da função sacerdotal da Pastoral Escolar e Universitária, que

resgatam a tradição wesleyana, se realizam na prática das Obras de Misericórdia e

dos Atos de Piedades, que integram o conceito de Wesley de “Os Meios de Graça”.

No Sermão 92 “Sobre o Zelo”235 John Wesley cita que as Obras de Piedade236

cultivam os temperamentos santos237 vitais para a vida cristã. É essa imersão no

relacionamento com Deus que gera um estilo de vida que tem por base “o amor de

Deus e do homem, que preenche todo o coração, e reina sem rival”238. É onde a

232 A referência à ação do sacerdote pode ser revista no segundo capítulo, item 2.1.3 principalmente quanto é tratada a função sacerdotal da Pastoral, aqui se faz um resumo daqueles conceitos. 233 HARRIS. 1998. P. 958-9. 234 FIORES e GOFFI. 1993.p. 847. 235 WESLEY. John. Sermon 92, On zeal. Vol.13. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM. 236 Obras de Piedade, conforme o mesmo sermão “Sobre o Zelo” constituem-se de: oração privada em em público, a participação na Ceia do Senhor, ler, ouvir e meditar na Palavra, jejum e abstinência. 237. Tais temperamentos são: longanimidade, gentileza, mansidão, fidelidade, temperança, e a mente que estava em Jesus. (WESLEY. John. Sermon 92, On zeal. Vol.13. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 238 “And, above all, do you use every means in your power to save souls from death?” (WESLEY. John. Sermon 92, On zeal. Vol.13. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The

102

Graça de Deus – Preveniente, Justificadora e Salvífica – são experimentadas e

confirmadas na vida do crente, obtendo certeza de sua fé e tornando-a, portanto,

externa em ações.

As ações externas são chamadas de Obras de Misericórdia, e definidas por

Wesley no mesmo sermão “Sobre o Zelo” como usar de toda diligência, para

alimentar o faminto, vestir o nu, visitar aqueles que estão doentes e na prisão. Ele

questiona se, antes de tudo “usam de todos os meios em seu poder para salvar as

almas da morte?”239. É a ênfase em viver permanentemente atento àquilo que é

possível fazer para expressar a Graça de Deus a todas as pessoas. As Obras de

Misericórdia são ao mesmo tempo ordenança e dever, mas também oportunidade de

aperfeiçoamento no conhecimento de Deus na prática do amor.

É por esse motivo que Wesley afirma que ambos devem ser buscados com

afinco. Ele diz: “sejam mais zelosos por todas essas ordenanças que nosso

abençoado Senhor tem designado; para continuarem nelas, até o fim do mundo.”

Enfatiza a ação em favor das pessoas, quando prega: “Sejam mais zelos pelas

obras de misericórdia [grifo meu]; esses 'sacrifícios dos quais Deus se agrada';

essas marcas, por meio das quais o Pastor de Israel conhecerá suas ovelhas no dia

final”. Porém tudo nasce de um coração que conheceu a Deus, à sua palavra e

graça e é aperfeiçoado na prática do amor:

Sejam ainda mais zelosos pelos temperamentos santos, pela longanimidade, gentileza, mansidão, humildade, resignação; mas sejam mais zelosos do que tudo, pelo amor, a rainha de todas as graças, a mais alta perfeição na terra e céu, a própria imagem do Deus invisível, tanto nos homens abaixo, quanto nos anjos acima. Porque 'Deus é amor; e aquele que habita no amor, habita em Deus, e Deus nele’240.

A função sacerdotal da Pastoral Escolar e Universitária tem sob sua

responsabilidade promover, nessa perspectiva, o cultivo da espiritualidade essencial

à experiência da vida. É buscar uma experiência espiritual que sensibilize o bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 239 WESLEY. John. Sermon 92, On zeal. Vol.13. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 240 “11. But of all holy tempers, and above all others, see that you be most zealous for love. Count all things loss in comparison of this, the love of God and all mankind. It is most sure, that if you give all your goods to feed the poor, yea, and your body to be burned, and have not humble, gentle, patient love, it profiteth you nothing. O let this be deep engraven upon your heart: "All is nothing without love!" (WESLEY. John. Sermon 92, On zeal. Vol.13. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.).

103

estudante, o docente, o funcionário, a ação administrativa e acadêmica das

instituições metodistas de ensino para as realidades da injustiça, da desigualdade,

da violência, pois a “esperança no Reino permite que participemos de projetos

históricos que visam à libertação da sociedade e do ser humano”241. É uma

espiritualidade que se ministra por meio do Espírito Santo e seu dom que “é a força

e o poder que faz brotar entre nós os sinais do Reino de Deus e sua justiça, da nova

criação, do novo homem, da nova mulher, da nova sociedade (2 Co 5.5,14-17)”242.

São exercícios de piedade pessoal e comunitária, atos de piedade, que

transformam, renovam e motivam a vida na salvação em Jesus Cristo.

Na perspectiva sacerdotal de ministração da obra salvífica em Cristo a

Pastoral inspira-se na afirmação de que a “educação, na perspectiva cristã, como

parte da Missão visa oferecer à pessoa e à comunidade uma compreensão da vida e

da sociedade, comprometida com uma prática libertadora, recriando a vida e a

sociedade segundo o modelo de Jesus Cristo [...]”243. Uma das bases para o

exercício dessa espiritualidade, encontra-se na celebração cúltica, que no Credo

Social244 confessa que “o culto verdadeiro que Deus aceita dos homens (sic) é

aquele que inclui a manifestação de uma vivência de amor, na prática da justiça e no

caminho da humildade junto com o Senhor”245. Uma espiritualidade que encontra

nos atos de piedade a motivação para o serviço solidário e transformador da

sociedade, e se envolve num projeto maior que qualquer iniciativa humana,246 que é

o propósito de Deus de reconciliar consigo mesmo o ser humano, libertando-o de

toda as coisas que o escravizam, concedendo-lhe uma nova vida à imagem de

Jesus Cristo[...]”247.

241 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p.117. 242 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p.116. 243 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007.p.119. 244 O Credo Social é um documento da Igreja Metodista que registra o compromisso com a sociedade e a nação, a partir de uma leitura de contexto e um posicionamento crítico, em obediência à Bíblia, e em consonância com a tradição metodista. Nesse ano de 2008 é celebrado o centenário do primeiro texto do Credo Social da Igreja Metodista. 245 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p.53. 246 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p 116. 247 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p.80.

104

3.3. “A verdade e o amor faças a todos ver”: As ações proféticas

É no ensejo de uma espiritualidade que não se restringe ao indivíduo, mas

proclama que útil é aquilo que tem valor social248, é que a Pastoral Escolar e

Universitária encontra a base para a prática de sua função profética. Valorizar a

realidade da vida das pessoas, do mundo, da organização social, das forças que

atuam na sociedade, os interesses que lutam contra a vida e as intenções que se

disfarçam em projetos legais, porém imorais. Os profetas exerciam um ministério

examinador, conforme relata Von Rad249, e essa interpretação é um bom conceito

para o profeta da Pastoral Escolar e Universitária. Precisam ser “pessoas de grande

vivacidade intelectual e de julgamento incorruptível, possuidoras de um grande

conhecimento do homem (sic), e familiarizadas com as tradições religiosas [...]”250 A

função profética exige mais que apenas um clérigo ou leigo que decide envolver-se

criticamente em terreno pantanoso das relações entre igreja e escola.

Além disso, os profetas eram marcados pela liberdade da escolha ou renúncia

da tarefa profética. Tinham liberdade também na forma como apresentavam a

sentença divina para seus destinatários, ainda conforme a descrição de Von Rad

para a ação do profeta. O profeta era marcado pelo sofrimento ao enfrentar os reis e

seus profetas profissionais, a perda da simpatia frente a mensagens nada populares

e de puro juízo e condenação. Nessa atividade, se tornaram personalidades de suas

épocas, pois a mensagem estava ligada ao indivíduo e ele não era substituível. Sua

autoridade e liberdade lhe proporcionavam a possibilidade de escolher a forma mais

apropriada para proclamar a mensagem. O profeta é um sujeito que representa a

tradição, o ensino, o conteúdo da vontade de Deus, tem liberdades – de aceitar ou

não a missão e do formato do ministério - para com quem o vocacionou e no

exercício de sua função tende aos confrontos e ao permanente estado de avaliações

críticas. Por isso vai sofrer incompreensões.

Tal profeta apresentado por Von Rad está muito próximo da tradição

wesleyana e da intenção da atual prática da Pastoral. O Movimento Metodista, sob

comando de John Wesley enfrentou hostilidades por sua liberdade em transitar pelo

248 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 119. 249 VON RAD, Gerhard. Teologia do antigo testamento. Vol.2. São Paulo: ASTE, 1986. p.70-9. 250 VON RAD. 1986. p. 75.

105

anglicanismo, a universidade, os movimentos religiosos (e.g. o pietismo) da forma

como desejava. Em controvérsias com professores, teólogos, presbíteros, lideranças

e pensadores, Wesley e os metodistas colocaram em risco a estabilidade entre as

classes sociais. Seja por proporcionar acesso aos pobres a privilégios nobres como

à educação, ou por sua pregação moralizadora dos costumes251, ou ainda por serem

entusiastas ou “perturbadores do mundo” pois rompiam limites da organização

política e geográfica com modelos de pregação leiga, itinerante. Havia uma

“ausência de controle oficial”252 pois o metodismo escolhia locais em “áreas

marginais, comunidades dispersas, e novas áreas industriais e ambiente de

mineração”. Ali se deu o testemunho profético do metodismo com base na graça de

Deus para todas as pessoas e no amor a Deus e às pessoas.

A função profética da Pastoral que surge da compreensão do papel do/a

profeta na Bíblia, da tradição wesleyana, das diretrizes, documento e regulamentos

que lhes orientam, depara com a necessidade de exercer exame crítico permanente

do mundo que o rodeia e onde especificamente se encontra. As idiossincrasias

institucionais, as necessidades sociais, as injustiças estruturais, os personalismos e

lutas pelo poder, a eminência de colapso de uma proposta alinhada com a

transformação social, são temas que desafiam a Pastoral. Seus posicionamentos

podem ser radicais ou não, arraigados nos documentos e tradições, pois ao

pertencer ao corpo vocacionado da Igreja mantém sua fidelidade missionária, e ao

encontrar-se imerso no fazer diário da instituição de ensino conhece, ou deve

conhecer suas exigências, seus meandros e manhas.

O profeta, na Pastoral, talvez venha a ser considerado o metodista

“perturbador do mundo” diante do mundo acadêmico que aspira por uma educação

ateísta. É onde ele poderá ser reputado por representante do obscurantismo da

religião que se envolve com a ciência e lhe castra e limita. Pode ser visto ainda

como uma voz a ser cooptada para os movimentos simpáticos aos sofredores. Pode

ser, ainda, um arrogante que pretende anunciar a Verdade no ambiente da dúvida

permanente do sistema científico. Pode ser apenas a voz discordante e 251. Os Cânones da Igreja Metodista contém, como parte de sua doutrina os Costumes, onde por exemplo, se prescreve a abstinência do uso do álcool como bebida, entre outros catorze itens. (COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 47) 252 “This lack of official control was exacerbated by the fact that Methodism often took strongest root in marginal areas, scattered settlement, and new industrial and mining environments where the traditional social cement was weakest.” (HEMPTON, D. Methodism empire of spirit. New Haven. Yale University Press. 2005. p.87.).

106

desestabilizadora de um enclave eclesiástico na instituição, para limitar a autonomia

da educação. Nesse mar de desafio e indefinição sua voz profética precisa optar

livremente, usando o conceito de Von Rad, por quem serve e a quem é fiel, e de

quem procede sua voz: se da Igreja real e governante, se dos documentos dessa

Igreja que representam sua utopia, se do academicismo que repele a fé e exige o

rigor do distanciamento humano a favor da pesquisa, se de nenhum desses ou de

outras possibilidades.

No escopo da pesquisa e do encontro de fé e razão, conhecimento e piedade,

santidade e aprendizagem, amor e verdade, da tradição metodista, uma síntese que

considere a teologia, a missiologia, a pastoral, a epistemolgia, a educação e todas

as implicações das propostas documentais para a educação metodista precisam ser

construídas. A função profética da Pastoral vai transitar nessa autonomia de

interpretar a vontade de Deus e do Reino aplicados ao cotidiano institucional, e, a

partir disso ministrar e pastorear a instituição.

3.4. “Reformar a Nação e a Igreja” com “a aprendizagem e a santidade combinadas”: as ações pastorais por meio da Pastoral Escolar e Universitária

Uma menção inicial deve ser feita. O uso do conceito de pastoreio ou de

ações pastorais pela Pastoral Escolar e Universitária é nova. Mesmo que não

desenvolvida em tratados que especificam que estilo de pastoreio ou que teologia

pastoral lhe subsidia, passa a ser uma leitura mais atenta a sua própria

denominação, Pastoral, que ultrapassou os limites da capelania. As Diretrizes para a

Educação na Igreja Metodista expressam que:

Terá prioridade a existência de pastorais escolares que atuem como consciência crítica das instituições, em todos os seus aspectos, exercendo suas funções profética e sacerdotal dentro e fora delas.253

Como tentativa de evitar um trabalho meramente de capelania, inocente

quanto às aspirações políticas e sociais presentes no contexto da elaboração dos

documentos a partir do ano de 1982, que se restringia às ações de condução de

orações ou celebrações religiosas, surgem ênfases nas funções proféticas e

253 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p.124.

107

sacerdotais. Foi uma reação à herança pietista norte-americana dos missionários e

missionárias, o “outro lado da moeda” de sua teologia “de índole liberal.”254 A

Pastoral Escolar e Universitária precisava ir além e estar engajada politicamente,

dando preferência para os mais pobres, expressos nos documentos redigidos.255 O

Pastoreio então passa a ser considerado obra menor e de somenos importância no

ambiente da razão acadêmica, onde a ciência tem respostas e a fé atrapalha ou até

esvazia a capacidade de reivindicação de uma sociedade melhor.

O serviço de pastoreio é aqui qualificado como aquelas ações que vão

expressar a confessionalidade da instituição metodista de ensino. De maneira mais

específica, identificar o serviço da Pastoral com a ação de cuidado,

acompanhamento e desafio ao crescimento e ao conhecimento da vida e do mundo.

É o ato de oferecer e compartilhar a fé cristã, em Jesus Cristo, como possibilidade

de transformação pessoal e inspiração para a tarefa maior que é de compromisso

com a transformação da sociedade como agentes positivos de libertação. É dispor-

se ao acompanhamento pastoral a todas as pessoas envolvidas no processo

educacional, oferecendo a elas uma opção de vida e fé. Tem sua base na teologia

prática wesleyana. São as ênfases apresentadas no “Regulamento das Pastorais”

em seus três primeiros itens dos “Objetivos da Pastoral”: I. Testemunhar o evangelho de Jesus Cristo na dinâmica da vida institucional. II. “Confrontar as pessoas com o evangelho e a pessoa de Cristo, oferecendo-lhes a opção de fé como começo do processo transformador e formador do novo homem e da nova mulher em Cristo”.(sic) III. Estimular as pessoas que fazem parte da vida institucional a participarem de uma comunidade de fé como uma forma de viver a graça de Deus e de dar um novo sentido à sua existência.

É importante para a definição de Pastoral Escolar e Universitária, que em seu

âmbito de pastoreio haja a exigência explícita de oferta do Evangelho como o início

do processo de transformação da vida. Mesmo que não seja articulada

sistematicamente, esperar que a Pastoral persuada a academia a fazer uma opção

de fé e localizar nessa opção de fé cristã e metodista a raiz epistemológica dos

processos de transformação, é afirmação poderosa da confessionalidade ou talvez

ingênua esperança de uma instituição cristianizada. É uma ação que compreende a

254 Mattos. 2000. p.59. 255 Os documentos que foram aprovados no XIII Concílio Geral da Igreja Metodista permanecem vigentes: Plano para a Vida e a Missão da Igreja; Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista; Credo Social.

108

presença dos pastores e pastoras na instituição como agentes evangelizadores que

geram resultados para o crescimento numérico da Igreja Metodista.

Surgem, nesse horizonte, diversos obstáculos para a ação do pastoreio.

Considerando o relacionamento com docentes, funcionários/as, discentes a

necessidade de conquistar novos crentes para uma comunidade de fé pode levar a

Pastoral a um comportamento meramente propagandista e disso decorre uma

suspeição quanto à isenção e validade de seu discurso.

A Pastoral Escolar e Universitária tem um caráter não proselitista, o que lhe

proporciona, de alguma forma, um caráter muito mais humanista e acadêmico do

que propriamente pastoral. Assumir uma ação evangelizadora declaradamente

proselitista, multiplicadora de membros para as fileiras metodistas suscita debates e

problemas. Há a possibilidade, nessa perspectiva, de que a Pastoral seja apenas

mais uma das ações oportunistas que aproveitam a concentração de consumidores

no universo institucional para fazer propaganda e conseguir novos clientes. Assim

fazem os bancos com seus cartões de crédito, as casas de show, os salões de

beleza, e outras empresas que aproveitam a circulação de consumidores num

mesmo espaço para distribuir panfletos, fazer sua propaganda e vender seus

produtos.

Se a Pastoral não é apenas mais uma propaganda de uma opção de

religiosidade, mas o convite para um estilo de vida que está intimamente vinculado

com a própria identidade institucional, e se ela consegue articular e expressar de

forma coerente sua proposta, surge, pelo menos, mais um obstáculo. Caso haja

conversões ao cristianismo ou ao metodismo, estas opções serão aceitas como

plenamente válidas pela Igreja? Em termos objetivos, se um docente decide tornar-

se membro da Igreja Metodista será aceito como um novo colaborador do Reino e

parceiro na construção desse Reino no mundo e na instituição ou será apenas um

carreirista e oportunista buscando inserção na Igreja para conseguir novos cargos?

Se a Pastoral cumpre com sucesso suas funções de pastoreio, e estas

resultam em opções pela membresia metodista, está agindo, então, em favor da

“reforma da nação”? Deve, da mesma maneira, provocar uma transformação

109

“particularmente da Igreja”256 seja para aceitar novos membros oriundos da

instituição, ou seja para não ter que produzir novos membros, mas sim cidadãos

comprometidos com a vida humana. No cotidiano institucional a adesão ao

metodismo está invariavelmente cercada de desconfianças e reservas. É um

comportamento dúbio da Igreja, de desejo de ver novos membros e a dúvida sobre a

decisão pela membresia estar viciada por interesses de carreira profissional.

Essa é apenas uma faceta da ação de pastoreio que pode demandar

mudanças de comportamento nas instituições. Se considerarmos que a reforma da

nação e da Igreja tem base na herança histórica e teológica da “santidade bíblica”,

os questionamentos de ordem moral, ético e comportamental estarão na ordem do

dia da presença pastoral. Terá então a Pastoral a responsabilidade de vigiar

pastoralmente as ações e o estilo de vida de docentes, discentes e funcionários que,

comprometidos com a confissão de fé cristã e metodista, convivem diariamente na

instituição? Será mesmo assim? Ou então, circunscrita em seus objetivos de

acompanhamento de todas as instâncias da instituição como presença da Igreja e

agente da confessionalidade irá exigir ações éticas das decisões administrativas,

engajamento social e comunitário, vida santa e exemplar a todos e todas? Ou será a

fiscal dos temas, assuntos, encaminhamentos, debates, e disciplinas da instituição?

O Plano para a Vida e Missão da Igreja, preconiza que:

O Reino de Deus é o alvo do Deus Trino e significa o surgimento do novo mundo, da nova vida, do perfeito amor, da justiça plena, da autêntica liberdade e da completa paz. Tudo isto está introduzido em nós e no mundo como semente que o espírito Santo está fazendo brotar, como lemos em Rm. 8.23: "nós temos as primícias do Espírito, aguardando a adoção de filhos", ou ainda em 2Co 7.21-22: "mas aquele que nos confirma convosco em Cristo, e nos ungiu, é Deus, que também nos selou e nos deu o penhor do Espírito em nossos corações".257

E as Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista enfatizam em seu título

IV, inciso 1258: “Dar continuidade, sob a ação do Espírito Santo, ao processo

256 Estes dois termos estão presente no conceito de John Wesley para o movimento metodista “não formar uma nova seita, mas reformar a nação, particularmente a Igreja e espalhar a santidade bíblica sobre a face da terra”. (Q. 3. What may we reasonably believe to be God's design in raising up the Preachers called Methodists? A. Not to form any new sect; but to reform the nation, particularly the Church; and to spread scriptural holiness over the land.) WESLEY, John. Minutes of several conversation between The Rev. Mr. Wesley and others. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 257 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 80. 258 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p 120-1.

110

educativo realizado por Deus em Cristo, que promove a transformação da pessoa

em nova criatura e do mundo em novo mundo, na perspectiva do Reino de Deus”. É

a crença simplificada de que a transformação da pessoa transforma a realidade

social toda. Talvez nos questionamentos sobre o pastoreio ou as ações pastorais da

Pastoral Escolar e Universitária surja o ponto vital a ser esclarecido: é pertinente ao

processo educativo de Deus em Cristo utilizar-se da instituição de ensino privado

para promover a reforma da nação, a transformação da pessoa e do mundo? Em

termo simples é questionar se a Igreja precisa ter escolas para reformar a nação e a

própria Igreja.

Urge construir uma resposta coerente e bem fundamentada. Essa pesquisa

tem outro objetivo, porém ao considerar a herança wesleyana, a tradição metodista,

as possibilidades de Missão e as carências do povo brasileiro a tarefa parece

irresistível. Não se trata de algo impossível, é sim inevitável realizar uma construção

sistemática de argumentos que fundamentam a missão metodista na educação.

Importa reconhecer a o perfil prático da ação de transformar a nação e o mundo. É,

porém imprescindível, considerar a herança wesleyana essencial à Igreja Metodista,

mesmo que reelaborada.

3.5. “O mundo é minha paróquia”: Uma eclesiologia de alcance irrestrito

Uma das grandes questões no desenvolvimento da compreensão sobre

ensino como Missão e da reunião de conhecimento e piedade vital, está sobre a

compreensão de limites, de fronteiras ou de áreas próprias para a ação do povo que

crê? Até onde deve ou não deve ir a Igreja? O conceito de Igreja no Metodismo pode

ser encontrado no décimo terceiro artigo de religião, fonte da doutrina da Igreja

Metodista brasileira: “A Igreja visível de Cristo é uma congregação de fiéis na qual se

prega a pura Palavra de Deus e se ministram devidamente os sacramentos, com

todas as coisas a eles necessárias, conforme a instituição de Cristo”259. John Wesley

partilhava da compreensão de que havia uma Igreja visível que assim se tornava

pela reunião dos crentes e sua comunhão na mesa da Ceia do Senhor, e de que

259 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 40.

111

uma Igreja Invisível se fazia presente e a quem todo verdadeiro cristão estaria

ligado260 como um ramo da grande oliveira do Senhor.261

Essa compreensão de que há uma Igreja Invisível, maior que a qualquer

instituição humana262, é essencial para a compreensão do papel da Pastoral Escolar

e Universitária como agente de uma Igreja presente e atuante, e revela muito da

intenção da Igreja Metodista de ter a educação como parte da Missão. As Diretrizes

para a Educação na Igreja Metodista indicam essa compreensão de que a ação

libertadora e transformadora é um “processo educativo realizado por Deus em

Cristo.”263 Heitzenrater escreve que para Wesley “a finalidade da educação é de

certa forma a mesma meta da religião.”264 A meta é “nada menos que a recuperação

da imagem de Deus, a “única coisa necessária.”265 Ele continua: “Conhecimento e

piedade vital, sabedoria e santidade, aprendizado e amor são essencialmente

unidos em sua visão sobre o propósito de Deus para a humanidade.”266

A Igreja passa a atuar onde está o missionário ou missionária, que, ao aceitar

participar da Missão que é de Deus, proclama a salvação, o amor e a graça do

evangelho. Klaiber e Marquardt afirmam que para “Wesley, a missão era a chave

para o entendimento do Evangelho” e que nesse sentido mais amplo, Missão é

“testemunho da Igreja sobre Jesus Cristo como resposta de Deus presente no

mundo e sinal do Reino de Deus.”267 É a ação pedagógica que ensina, resultando

em “modificação da pessoal como um todo – corpo, mente e espírito.”268 Essa

prática estava presente no programa educacional de Wesley. Ele desejava que “as

pessoas pudessem sempre afastar os limites do pecado e ignorância, descobrindo

260 WESLEY. 2003. (An earnest appel to men of reason and religion. Vol.8. Parágrafo 77) 261 (2.) This olive-tree is not barely the outward, visible Church, but the invisible, consisting of holy believers. So the text: "If the first fruit be holy, the lump is holy; and if the root be holy, so are the branches." And "because of unbelief they were broken off, and thou standest by faith." (WESLEY, John. The difference betwen moravian and wesley’s predestiantion. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 262 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p. 116. 263 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007. p120 264 “For Wesley, then, the end of education is in some sense the same as the goal of religion.” (HEITZENRATER. 2000. p.11.) 265 “The goal of this transformation in the believer is nothing less than recovery of the image of God, the “one thing necessary” (HEITZENRATER. 2000. p.11.) 266 “Knowledge and vital piety, wisdom and holiness, learning and love are essentially linked in his vision of God’s purpose for humanity” (HEITZENRATER. 2000. p.11.) 267 KLAIBER W. e MANFRED. M. 1996.p. 373. 268 “Another feature of Wesley’s educational program was that it involved hinging the whole person – body, mind, and spirit.” (HEITZENRATER. 2000. p.11.)

112

as possibilidades do que poderiam conhecer e vir a ser”269, uma expectativa de

aperfeiçoamento, de desenvolvimento, crescimento ou maturidade para vida

humana.

A Pastoral Escolar e Universitária encontra-se num campo de ação

privilegiado para o cumprimento dessa visão de Igreja: uma Igreja Invisível que se

estende e perpassa toda e qualquer outra estrutura ou instituição, mas que também

se faz presente e atuante onde se encontra o missionário ou missionária. Agir nesse

campo é reafirmar a herança wesleyana da compreensão de que o Evangelho é

pregado em qualquer lugar onde haja um ser humano. É indicar uma ausência de

territórios profanos ou sagrados, é a afirmação de que as divisões são artificiais e

que dessa forma conhecimento e piedade estão mais próximos e unidos. É um

desafio presente e um debate inglório. A Pastoral tem a tarefa de persuadir as

comunidades envolvidas, Igreja e Academia, de que há muito mais de missionário

numa instituição de ensino do que se supõe, e de que há muito mais de cristão e

eclesial numa opção de educação inclusiva270 do que se espera.

Está presente a necessidade de provocar o debate e buscar a compreensão

de que a Igreja é mais que apenas um linguajar ou estilo de comportamento, ou que

se restringe a um espaço declarado sagrado. Os documentos da Igreja Metodista

vigentes desde o Concílio Geral de 1982 desafiam a Igreja a sair de si, do limite de

seus templos e interagir com o mundo271. Essa interação gera novidades, mas está

de acordo com a herança wesleyana que, por ser um movimento eminentemente

prático, realizava modificações, adaptando-se às novas realidades que encontrava

no avanço missionário como na construção em Two-Mile Hill272. É um exemplo de

adaptação de Escola e Igreja juntas num mesmo espaço para que sabedoria e

virtudes fossem desenvolvidas diante de necessidades presentes. É refletir sobre a

possibilidade de que diante dessa herança, a instituição de ensino é uma Igreja que 269 “Wesley wished that people would always push the boundaries of sin and ignorance, discovering the possibilities of what one might know and become” (HEITZENRATER. 2000. p.11.) 270 Espera-se que a inclusão seja abrangente, sendo social, econômica, de gênero, etnia, confessional. 271 COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. 2007.p. 82 272 “em junho, Wesley também se encarregou de resolver outro problema na região de Bristol. Na ótica wesleyana de ver as coisas, o conhecimento era contraparte crucial para a piedade vital. Nessa ocasião, não havia um local escolar nas instalações das minas de Kingswood. Ele, portanto, levou advante um plano que foi concebido primeiramente por Whitefield: construiu uma escola perto de Two-Mile Hill, com um grande espaço para pregação, acomodação de dois professores, e um convite para estudantes de todas as idades, incluindo aqueles de cabelos brancos”. (HEITZENRATER. 1996. p. 105.)

113

celebra de forma diferente. No mesmo debate é a instituição de ensino questionar e

considerar que sua função, enquanto confessional cristã metodista, é mais

evangelística e promotora de valores e virtudes evangélicos do que pretende. É

compreender que o ensino que promove deve estar ligada aos princípios e objetivos

dos documentos metodistas e que isso necessariamente não significa agressão a

sua autonomia, nem ao processo científico, nem cerceamento de suas atividades de

ensino, pesquisa e extensão.

A Pastoral Escolar e Universitária encontra-se nesse contexto de ser Igreja e

ao mesmo tempo Academia. Então reflete sobre suas questões propriamente

teológicas e pastorais, seu compromisso com suas funções regulamentares, sua

essência vocacional ligada à essa Igreja Invisível, vinculando-as ao cotidiano da

instituição de ensino e seus desafios de legitimidade e pertinência. Retomando

Beals que postula que o conceito de Igreja de Wesley “desenvolveu-se a partir de

sua experiência em Aldersgate”, e que ele “cria que toda obrigação eclesiástica

estava à serviço da salvação das almas”273, os limites da Igreja, da paróquia não são

definidos por lugares determinados ou construções com arquiteturas definidas como

eclesiásticas. Tal concepção de Igreja maior que a instituição aparece no Plano para

a Vida e a Missão da Igreja, em seus artigos.274

Ao considerar o mundo todo como paróquia já não há limites para atuação do

missionário ou da missionária, não há limites para a ação do pastor ou pastora, a

Igreja está presente a toda estrutura para proclamar e agir pelo Reino de Deus. A

Pastoral está geograficamente num espaço privilegiado para articular o tema da

eclesiologia e da missão, e para vivenciar na prática essa eclesiologia irrestrita.

273 HEITZENRATER. 1996.p.105. 274 Dentre os Elementos Fundamentais da Unidade Metodista: j) O Metodismo afirma que a vivência e a fé do cristão e da Igreja se fundamentam na revelação e ação da graça divina [...] Fé obediente, amorosa e ativa, centralizada na ação histórica de Deus, na pessoa, vida e obra de Jesus Cristo e na ação atualizadora do Espírito Santo.[...]” e k) “O metodismo afirma que a Igreja, antes de ser organização, instituição ou grupo social, é um corpo, um organismo vivo, uma comunidade de Cristo (Ef1.22-23;1Co12.27). Sua vivência deve ser expressa como uma comunidade de fé. Adoração, crescimento, testemunho, amor, apoio e serviço (At 2.42-47; Rm 12.9-21)” (COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA. Plano para a Vida e a Missão da Igreja. In:Cânones da Igreja Metodista 2007. p. 78 -9. 2007.).

114

3.6. “A Imagem de Deus”: Uma pedagogia da transformação

A salvação em Jesus Cristo, para a teologia wesleyana traz consigo dois

pressupostos fundamentais: redenção e salvação.275 Wesley “entende e anuncia a

ação salvífica de Deus no homem (sic) como um acontecimento presente e atual,

que abrange a todo o homem (sic) e toda a sua vida.”276 Conforme a leitura de

Klaiber e Marquardt, ao falar de redenção e salvação, Wesley enfatiza as dimensões

de justificação e santificação. Eles citam parte do Sermão 85277 de John Wesley,

explicando que na justificação somos feitos capazes de ser recebidos novamente

por Deus, e que na santificação somos afastados do pecado e “restabelecidos à

imagem de Deus.”278

A regeneração do ser humano à Imagem de Deus é a obra que além de

requalificar as capacidades e funções que o ser humano tem, confere a este a

capacidade de relacionamento com Deus. Relacionar-se com Deus é a vocação

soberana da revelação do amor que é transmitido em plenitude ao ser humano e

este se torna capaz de compartilhar com outras pessoas. É um processo de

aprendizado ou reaprendizado no qual o pecado vai cedendo lugar ao amor de Deus

que se revela ao crente. É a santificação que convida a um novo estilo de vida.

Para tanto, espaços de ensino e aprendizagem foram dimensionados para

que o amor de Deus fosse recebido e compartilhado. Foram as Sociedades, os

Bands, as Classes279, as escolas, e todo o material publicado que deu suporte a

essa empreitada de apresentar o evangelho que transforma vidas. Os cultos, “os

encontros pessoais entre os crentes e a disposição comum ao serviço externo,

pertencem, desde o começo, à auto-compreensão dos metodistas de que Cristo os

pode usar [...]”280 A preocupação em capacitar as pessoas era evidente quando,

Wesley reúne alguns líderes para, “depois de aplicar algum tempo em oração [...]

275 KLAIBER e MARQUARDT. 1999. p 268. 276 KLAIBER e MARQUARDT. 1999. p 268. 277 WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 85, On working out our own salvation. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM. 278 KLAIBER e MARQUARDT. 1999. p. 269. 279 O primeiro capítulo explicita a função e constituição dessas instância do metodismo. Veja itens 1.3.2 e 1.4.1 280 KLAIBER e MARQUARDT. 1999. p. 375.

115

considerar: 1. O que ensinar, 2. Como ensinar e 3. O que fazer, isto é, como

regulamentar nossa doutrina, disciplina e prática.”281

As Sociedades, os bands e as classes, nasceram a partir de 1743 e tinham

por característica principal a educação para um novo estilo de vida. As regras para

as reuniões continham um roteiro de como se conduzia o momento de

compartilhamento, que poderia começar com questões íntimas tais como: “1. Que

pecados você cometeu desde nossa última reunião? 2. Que tentações você

encontrou? 3. Como lidou com elas? 4. O que você tem pensado, dito, ou feito, que

você tenha dúvidas se é ou não pecado?”282 Outras obrigações que assumiam os

membros das sociedades, bands e classes diziam respeito a comportamentos,

hábitos e costumes que expressavam valores internos de uma vida transformada

regenerada. Nesse regramento para os metodistas “a preocupação principal era que

os cristãos não deviam reduzir o ser-cristão a convicções teóricas, ou costumes

exteriores, mas serem marcados, até o íntimo de si mesmos e em todas as suas

condutas plenamente pela mente de Cristo.”283 Era a busca por uma relação mais

direta entre o que é interior e o que é exterior.

As escolas, a começar por Kingswood School, em Bath, próxima de Bristol,

numa região de mineração carbonífera, tinham sua base na compreensão de que a

salvação precisa ser cultivada a fim de recuperar a imagem de Deus no ser humano.

A função da educação em Wesley é apresentada no Sermão 95, com o título de

“Sobre a educação das crianças.”284 Ele inicia o sermão com citações de um dos

281 THE following persons being met at the Foundery, John Wesley; Charles Wesley; John Hodges, Rector of Wenvo; Henry Piers, Vicar of Bexley; Samuel Taylor, Vicar of Quinton; and John Meriton; after some time spent in prayer, the design of our meeting was proposed; namely, to consider, 1. What to teach; 2. How to teach; and, 3. What to do; that is, how to regulate our doctrine, discipline, and practice.” (WESLEY, John. Some late conversations between The Rev. Mr. Wesley and others. Vol. VIII. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.). 282 “Any of the preceding questions may be asked as often as occasion offers; the four following at every meeting:— 1. What known sins have you committed since our last meeting? 2. What temptations have you met with? 3. How were you delivered? 4. What have you thought, said, or done, of which you doubt whether it be sin or not?” (WESLEY, John. Adresses, essays, letters. Rules of the nad-societies. Vol VIII. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 283 KALIBER e MARQUARDT.1999.p. 375. 284 WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 95, On the education of children. Vol VII. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.

116

livros que influenciaram profundamente sua vida285, “Sério chamado a uma vida

devota e santa” de William Law, que inspiram sua concepção de educação nesse

sermão: assim como as doenças enfermidades trazem a necessidade de um

médico, as desordens da natureza racional humana trazem a necessidade de

educadores e tutores; ou

[...] como o único propósito de um médico é restaurar a natureza ao seu primeiro estado, então o único fim da educação é restaurar nossa natureza a seu estado próprio. Educação, assim sendo, é considerada como a razão emprestada de segunda-mão, tanto quanto possível, para suprir as perdas da perfeição original. E tal qual um médico é chamado de artista que restaura a saúde, a educação deve ser considerada sob nenhum outro aspecto senão a arte de recobrar a perfeição racional do ser humano286.

Para John Wesley, a escolha precisa ser um caminho que conduza à

perfeição e que resgata a Imagem de Deus no ser humano. A educação serve ao

conhecimento de Deus e ao relacionamento com ele, ao compartilhar desse

conhecimento duplo de Deus, na intimidade dos exercícios piedosos e no cultivo

racional que aperfeiçoa o ser humano. Ainda, citando Law em seu sermão Wesley

coteja: “Uma educação sob Pitágoras ou Sócrates tem nenhuma outra finalidade que

ensinar as crianças a pensar e agir como Pitágoras ou Sócrates.”287 É assim que a

educação deve “unir o par a tanto desunido”, pois a restauração da Imagem de Deus

é a cura do ser humano. Ele pergunta e responde:

O que pode ser feito para curá-lo? Desde o primeiro raiar de razão inculcar continuamente sobre Deus em tudo e em todo lugar. Deus fez você, e a mim, e a terra, e o sol, e a lua, e tudo o mais. E tudo o mais é seu; céu, e terra, e dessa forma tudo o que há. Deus ordena a todas as coisas: Ele faz o sol brilhar, e o vento soprar, e as árvores darem fruto. Nada acontece por acaso, esse é um conceito tolo, não há essa coisa de acaso. Por Deus ter feito o mundo ele governa o mundo e cada coisa que nele há. [...] Portanto, precisamos inculcar neles que Deus é tudo em todos.288

285 O livro “A Serious call to a devout and holy life” de autoria do pietista William Law surtiu grande efeito na vida de John Wesley, Heitzenrater escreve: “Alguns autores do século vinte têm apontado este comentário [“a luz brilhou tão poderosamente sobre minha alma, que todas as coisas parecem diferentes” (J&D, 18:244)] como uma indicação de que Wesley, nesse ponto, com certeza teve uma drástica re-orientação em sua vida espiritual – uma conversão real, de acordo com a maioria das definições do termo. (HEITZENRATER, R.P. 1996. p. 43) 286 WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 95, On the education of children. Vol VII. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM. 287 "An education under Pythagoras or Socrates had no other end, but to teach children to think and act as Pythagoras and Socrates did.” (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 95, On the education of children. Vol VII. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville: Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 288 “What can be done to cure it? From the first dawn of reason continually inculcate, God is in this and every place. God made you, and me, and the earth, and the sun, and the moon, and every thing. And

117

A educação estará ligada à santificação, e esta é o processo que resgata a

Imagem de Deus, ou a reconstrói. A influência aristotélica em John Wesley289,

expressada e adquirida na Universidade de Oxford, foi base para ele considerar a

educação como um meio de graça. Os meios de graça para o metodismo tinham

vital importância na expressão e no cultivo da fé. Eram mediadores do caminho a

Deus, construindo do existente – leitura e estudo bíblico, participação nos cultos,

oração privada e pública, a Ceia do Senhor, jejum e o estudo – o canal para a

revelação de Deus. A razão por si só é incapaz de ter o conhecimento da realidade

espiritual e de Deus, que “se revela por intermédio dos meios de graça.”290 Esse

tema tinha tal importância para Wesley que gerou desavenças com seu mentor

William Law e alguns dos metodistas de Oxford que optaram por uma abordagem

mística, do quietismo desdenhando da ação, validade ou participação dos meios de

graça.291

Com base no Sermão 57 de Wesley denominado de “A Queda do Homem”,

Heitzenrater afirma que “a educação pode então ser considerada com um meio de

graça pelo qual a perfeição original da Criação (uma criatura de sabedoria e

santidade), perdida na Queda, pode ser restaurada.”292 A Pastoral Escolar e

Universitária tem o privilégio de compartilhar esse significado de uma educação que

colabora para a regeneração humana e o resgate da Imagem de Deus. É nesse

contexto de estar nas fronteiras entre o acadêmico e o eclesial, a administração

institucional e a Igreja é que o desafio de manifestar a benção de um pressuposto

que responsabiliza a educação e o educador, da mesma for que o clérigo e o

docente, sem deixar de ter um apelo prático e concreto com cada criatura humana.

A Pastoral Escolar e Universitária tem a sua autonomia, exigência crítica,

responsabilidade pastoral e lócus operativo na dimensão única de necessariamente

buscar, construir, compartilhar e proclamar a articulação entre fé e razão, entre every thing is his; heaven, and earth, and all that is therein. God orders all things: He makes the sun shine, and the wind blow, and the trees bear fruit. Nothing comes by chance; that is a silly word; there is no such thing as chance. As God made the world, so he governs the world, and every thing that is in it. [...] He gives us all the goodness we have; every good thought, and word, and work, are from him. Without him we can neither think anything right, or do anything right. Thus it is, we are to inculcate upon them, that God is all in all.” (WESLEY, John. Sermons on several occasions. Sermon 95, On the education of children. Vol VII. In: HEITZENRATER, Richard P. The Works of John Wesley. The bicentennial edition. Editado por: Richard P. Heitzenrater. Nashville:Abingdon Press. 2005. CD-ROM.) 289 RUNYON. 2002. p.142. 290 RUNYON. 2002. p.142 291 RUNYON. 2002. p.144-145 292 HEITZENRATER.1996.p 11.

118

conhecimento e piedade, pois nessa herança ambos sinalizam, ou deveriam

sinalizar o mesmo objetivo: a Imagem de Deus a ser resgatada no ser humano. Isso,

pois o reino está no meio de nós.

3.7. Indicativos de uma teologia da educação metodista

Diante da articulação apresentada desde o quadrilátero wesleyano, proposto

por Outler um caminho desponta como novidade para a sistematização do

pensamento de John Wesley. Mais ainda ao pesquisar sobre implicações de re-

união do par a tanto separado: conhecimento e piedade vital. Também ao considerar

a herança metodista desde seu nascimento, no ambiente universitário de Oxford, e

através da implantação de escolas, colégios, faculdades e universidades, do íntimo

e amplo vínculo entre educação e religião, torna-se desafiador inspirar-se no método

prático de pensar e conceber a teologia nesse etos metodista.

Na mesma medida, a labuta cotidiana no ministério da Pastoral Escolar e

Universitária convida e até exige a reflexão sistemática dos temas ligados à tradição

wesleyana, à realidade das instituições de ensino metodistas no Brasil, a precária

sistematização de conteúdos teológicos que vinculem educação e religião numa

proposta que subsidie e justifique a compreensão missionária por meio das

instituições de ensino na Igreja Metodista. As respostas necessárias para cada

evento e situação, a partir da Pastoral, podem ser mais bem fundamentadas em

pressupostos claros e numa construção epistemológica que se torne acessível a

todo agente de Pastoral Escolar e Universitária e a toda a Igreja Metodista, seus

clérigos/as e leigos/as e que contribua para o debate sobre o lugar da Missão no

mundo contemporâneo.

No caso específico da Igreja Metodista no Brasil tais subsídios são

imprescindíveis, frente aos recentes posicionamentos de ênfases doutrinárias e de

legislação293, que trazem à tona a crise nunca resolvida da pertinência ou não de se

fazer Missão por intermédio das instituições de ensino, a principal ferramenta de 293 No XVII Concílio Geral, que aconteceu na cidade de Aracruz, ES, em julho de 2006 tomou algumas decisões que podem ser lidas criticamente. A decisão de maior impacto foi a desvinculação da Igreja Metodista das organizações ecumênicas nas quais participam a Igreja Católica Apostólica Romana; outra decisão foi a declaração de incompatibilidade entre o Metodismo e a Maçonaria e outras seitas secretas.

119

entrada do Metodismo no século dezenove. Diante da competitividade do chamado

mercado da educação, a Igreja foi desafiada a buscar profissionalização de seus

processos administrativos e acadêmicos, respeitando e respondendo às normativas

do Ministério da Educação e Cultura, cada vez mais rígidas e exigentes. A questão

que assombra as instituições sem fins econômicos é a manutenção dos certificados

de filantropia que garantem a privilégios tributários ás instituições. A escassez de

lideranças ligadas à Igreja e que por letra estatutária devem ocupar cargos de

direção também é outro dos problemas enfrentados.

Talvez o que mais gere insegurança e necessidade de autenticação diz

respeito às sucessivas crises financeiras das instituições, que de um momento a

outro vão de pujantes a decantes e necessitam de atos extremos de intervenção.

Para isso um novo modelo de gestão foi proposto no XVIII Concílio Geral,

verticalizando os processos decisórios e entregando aos Bispos e Bispa a

governança maior e instância mais alta de decisão. Num movimento organizacional

que retoma controle das instituições por parte da Igreja há a tentativa de reafirmar o

governo episcopal sobre a Igreja, da qual também fazem parte as instituições.

Mesmo assim projetos pessoais se sobrepõem ao interesse missionário da Igreja,

talvez por ausência de elaboração teórica que colabore com a dinâmica da

academia, ou talvez simples despreparo nos conteúdos da identidade da Missão.

Nesse contexto geral vivenciado diariamente pela Pastoral Escolar e

Universitária os reflexos na instituição se fazem sentir. Como lidar com a exigência

da evangelização pela Pastoral e ainda assim manter a credibilidade da mensagem

cristã num ambiente que não deseja a fé, mas a ciência? Ou seja, como se dá a

Missão e quais suas características e premissas básicas? Como exercer a

consciência crítica sobre a vida institucional e sobre a estrutura eclesiástica se há

vinculação e autonomia em ambas as direções? Ou seja, como lidar com as

questões de poder?

Outras questões pertinentes surgem: como articular a re-união do par a tanto

desunido, conhecimento e piedade vital? Como expressar a confessionalidade que

constrói uma prática educativa comprometida com a transformação social, conforme

os documentos que regem a educação metodista, e ainda assim respeitar o

processo científico que se ateísta? Quais as formas de promover a inclusão, o

diálogo, o compromisso contra as mais diversas formas de opressão, dominação e

120

escravidão que dominam o ser humano? Que mensagem é realmente necessária na

dimensão da coerência da tradição wesleyana, que expresse a necessidade de

regeneração, na redenção e salvação em Jesus Cristo? Como ser crente fiel e ao

mesmo tempo cientista?

Muitas outras questões surgem ao avaliar a ação da Pastoral Escolar e

Universitária diante de suas funções regulamentares e a história e teologia da

tradição wesleyana. Porém alguns indicativos podem ser pontuados, sem a

pretensão de iniciar um tratado que sistematize a teologia de Wesley e proponha

posteriormente subsídios para a Missão:

1. A Graça: a compreensão wesleyana de graça – preveniente, justificadora e

salvífica – talvez seja o ponto de partida para uma teologia que enfrente com

gratuidade o mundo do mercado capitalista e mercantilista onde tudo tem um

preço a ser pago. É quando se estendem as fronteiras da Igreja e se concebe

que há ainda características de dons de Deus, capacidades mesmo naqueles

e naquelas que ainda não foram justificados e salvos. A Graça é a garantia de

que Deus vai agir onde, quando, como e com quem quiser, e a Missão pode

inclusive acontecer por meio da educação.

2. A Imagem de Deus: se o resgate da Imagem de Deus pressupõe as ações

morais que são expressões de um amor profundo, fruto do relacionamento

com o Criador e com a criatura, elas se tornam ações reais nos Atos de

Piedade e Obras de Misericórdia. Essa dupla orientação vertical e horizontal,

simultâneas e que exigem compromisso total e completo nascem de uma fé

capaz de abandonar preconceitos e estar a serviço da Missão em qualquer

lugar, para qualquer pessoa. É utilizar os meios de graça como forma de

compartilhar a pedagogia da graça e do amor, num cristianismo que é e

sempre será comunitário.

3. O Quadrilátero: a metáfora do quadrilátero é talvez uma boa ferramenta

metodológica para a compreensão de uma teologia que fundamenta a ação

educativa de uma igreja. O equilíbrio entre os elementos que pressupõe a fé e

os elementos que exigem a prática convidam a uma interpretação sempre

contextualizada de uma revelação que será compreendida pela razão e

experimentada no teste da vida real.

121

4. Conhecimento e Piedade Vital: a partir da experiência da Pastoral Escolar e

Universitária o desafio do hino de inauguração do Kingswood School é uma

realidade a ser respondida. A sistematização da herança wesleyana numa

teologia que privilegie a prática, e que esteja articulada com a pastoral, pode

fornecer as vias de diálogo entre a ciência e fé, a escola e a igreja, o

conhecimento e a piedade.

A Pastoral Escolar e Universitária, por sua localização mediadora entre

Instituição de ensino e Igreja tem o ambiente propício para prospectar as dúvidas e

necessidades e com o distanciamento necessário ensejar uma teologia que sirva

para inspirar a academia, responder a Igreja e cumprir a Missão.

122

CONCLUSÃO

“Une o par a tanto desunido, conhecimento e piedade vital”, escreveu

Charles Wesley no hino de inauguração de Kingswood School. A ênfase wesleyana

de aprendizagem e santidade tornou-se identidade da Igreja Metodista que investiu

na Missão por meio das instituições de ensino em todo o mundo. Embora a tradição

e a herança wesleyana tenham trazido para o Brasil essa mesma prática de iniciar

uma escola antes ainda do que uma igreja, o tema careceu de tratamento mais

detalhado, principalmente a partir de uma perspectiva teológica. Há artigos esparsos

que essa pesquisa buscou considerar, há livretos que auxiliam na compreensão,

porém não há trabalho maior que seja referência para a área. A Pastoral Escolar e

Universitária tem que lidar com a escassez de subsídio teórico para o exercício

desse ministério. Há documentos basilares, fundamentais, que foram analisados

para o interesses da pesquisa. Há a prática diária da Pastoral que exige

posicionamentos que estão além de qualquer documento ou diretriz, e mais ainda de

elaboração teológica.

Uma boa imagem para compreender a Pastoral Escolar e Universitária é a

do marisco. Para quem aprecia a vida marinha a imagem fala muito, pois um ditado

é forjado a partir da localização do molusco bivalve agarrado às rochas e que sofre

com o arrojo das ondas. A Pastoral fica muitas vezes na situação de marisco, entre

as ondas da política institucional e os desafios da vida da academia, e as intenções,

programas, leis e cultura próprias da Igreja. Nem sempre é uma situação confortável,

talvez nunca seja. A Pastoral, ligada diretamente ao Colégio Episcopal da Igreja

Metodista, tem suas funções reguladas e avaliadas por essa instância, de onde

também recebe nomeação e designação de sua autoridade. Tem autonomia frente à

123

direção geral e ao conselho diretor das instituições, pois deve exercer suas funções

profética, sacerdotal e pastoral com liberdade, autonomia e autoridade.

A Pastoral é a consciência crítica da instituição, responsável também pela

manutenção e proclamação da confessionalidade, e pelo zelo da identidade cristã,

evangélica e metodista da instituição. É a Pastoral quem compartilha esses valores a

partir dos documentos oficiais da Igreja Metodista, e para isso participa de

colegiados e reuniões, tanto administrativas quanto acadêmicas. É convidada para

recepcionar novos funcionários/as e para opinar em decisões de soluções drásticas

da gestão. Precisa exercer a habilidade de mediar as idiossincrasias de muitos

envolvidos nos processos de decisão e gestão das instituições, porém mais que isso

precisa mostrar sua face piedosa, espiritual, evangelística e pastoral. Pode por em

risco sua confiabilidade diante das pessoas do administrativo ou do acadêmico caso

se desvie de suas funções e apenas endosse a intenção do poder maior nas

instituições. Fica, então, entre a onda e a rocha.

A Igreja nem sempre compreende a dinâmica de pastorear num ambiente

acadêmico, lidando com a ilustração intelectual e o processo científico que tem sua

base na dúvida sistemática, e onde as pessoas encaram a religiosidade com

desconfiança, temor e até repúdio. Se a Igreja espera da Pastoral apenas uma ação

“fazedora” de novos membros, a decepção é certa e o descontentamento com a

ação de pastores e agentes de pastoral será fato. Mas na mesma situação a

chegada de um funcionário ou docente para a profissão de fé ou assunção de votos

de membro, surge carregada de preconceitos e desconfianças quanto a legitimidade

da decisão. Mais uma vez a Pastoral precisa buscar segurança na verdadeira

Rocha, pois, se não traz membros é ineficaz, e se o faz suscita desconfianças.

A Pastoral localiza-se em espaço privilegiado para tratar questões como as

suscitadas nessa pesquisa. Ela tem o irresistível privilégio de fundamentar a

articulação entre conhecimento e piedade vital na educação metodista desses

tempos na Igreja Metodista no Brasil. A alegada ausência de material de pesquisa e

sistematização sobre essa forte marca da tradição wesleyana e metodista que é a

educação e a religião caminhando unidas, é notória. Mais ainda quando se trata de

buscar em John Wesley e seu monumental trabalho a sistematização de premissas

teológicas fundamentais para a realização da Missão por meio da educação, ou

ensino, ou aprendizagem.

124

A Pastoral aprende nos golpes dos vagalhões, tendo muitas vezes que

apenas reagir, e outras que improvisar ações dependendo exclusivamente da

orientação sapiencial do Espírito Santo. A Pastoral aprende na rigidez milenar da fria

rocha, à qual se agarra para não se perder no imenso mar. Muitas vezes clamando

em desespero como o profeta Habacuque “até quando gritarei e tu não me ouvirás?”

E, persistindo na esperança profética de crer que a Missão se faz em meio às

volumosas ondas – que há vezes vêm como velozes tsunamis – e à indiferença

pétrea da rocha, a Pastoral trabalha como quem obedece ao comissionamento

missionário. Espremida pelas forças do mercado, pelo poder econômico, pela sede

de poder, por rixas antigas, por desafios novos, segue lutando para sinalizar o Reino

de Deus, cumprir suas funções, atender ao regulamento, ir além pastoreando e

sendo fiel à sua vocação e sua ordenação trabalhando na Missão. Mas, impossível

de se obter a comprovação, fica a desconfiança de que o molusco grudado na rocha

e castigado pelas ondas é feliz.

A questão que surge é se agentes de Pastoral conseguem lidar com toda

essa pressão? Ou mais, se abdicam de sua autoridade profética para evitar conflitos,

ignoram as tensões e passam a considerar somente as flores do processo

tumultuado de personalismos e indefinições nas relações que precisa mediar?

Denuncia? Omite-se? Ouve um pedido de clemência e considera por resolvidas

questões cruciais que afetam diretamente a Missão? Qual será ou quem será a

salvaguarda desses agentes de Pastoral?

A Pastoral, para equacionar o exercício do ensino como Missão, sendo que

está em situação privilegiada diante da Igreja, da instituição, do conhecimento

teológico e dos documentos e diretrizes, necessita de subsídio constante que resulte

de reflexão sistemática e aprofundada. É a personagem capaz de chamar o debate

da identidade confessional metodista de unidade de religião e educação, de

conhecimento e piedade, de Igreja e instituição de ensino. É também a parte

legítima que pode buscar e propor novas expressões de fé para a Igreja estar

presente na comunidade acadêmica, e, por outro lado desafiar a quem tem

envolvimento no processo educativo a buscar caminhos sensíveis e comprometidos

com a vida, com a justiça, com a inclusão, com a solidariedade e com as ações que

vão além do simples exercício técnico profissional.

125

A Pastoral é a voz profética que denúncia a violência e o mal onde quer que

se façam presentes e anuncia a possibilidade latente de uma vida em expressão da

“fé que atua pelo amor” que transforma a sociedade e liberta as pessoas. É a ação

sacerdotal que convida indistintamente as pessoas ao cultivo da espiritualidade que

traz a revelação do amor incondicional de um Deus de graça e salvação e que

celebra a vida nessa dimensão. É a prática pastoral que acompanha as pessoas e

se faz presente como ministrantes do amor de Deus, motivando à caminhada,

discipulando, disciplinando e reunindo homens e mulheres de boa vontade.

A articulação sistematizada da intenção metodista de cumprir a Missão por

meio da educação e das instituições de ensino precisa ser esclarecida, assim

também o papel fundamental da Pastoral Escolar e Universitária que vai além da

simples capelania. Uma teologia da educação é ausência notada no exercício diário

da Pastoral, mais ainda na concepção teórica, de projetos, planos e práticas das

instituições de ensino. As funções da Pastoral são, em alguns casos e situações,

desprezadas por lideranças institucionais, mesmo, e não raro principalmente, por

membros da Igreja Metodista. Por representar diretamente uma das partes

envolvidas nas tensões políticas a Pastoral é alvo de tentativas de cooptação ou de

alijamento em processos nos quais deveria naturalmente participar. Cabe discernir,

diante do dilema proposto, a quem vai servir, a quem será fiel, principalmente em

situações nas quais emergem diversos senhores ou senhoras.

É, porém, necessário unir mais que apenas a concepção da possibilidade de

uma convivência integrada entre fé e ciência, pois conceber tal premissa pode até

ser tarefa fácil na busca de diálogo multidisciplinar na academia. Difícil é trabalhar a

união entre os poderes da Igreja e da escola, da instituição de ensino, seja por seus

objetivos divergentes, suas linguagens e opções políticas próprias ou mesmo pelos

valores financeiros que administram. Mas é urgente que trabalhem unidas em prol

da Missão. Dificuldades também estão presentes na aproximação de

confessionalidade e gestão administrativa institucional, quando as regras da

competição no mercado da educação exigem sacrifícios humanos em nome do

capital. A Pastoral denuncia e aconselha a fidelidade aos preceitos confessionais

cristãos e metodistas, ou seja, é necessário unir esses lados em parâmetros

cooperantes. Falam altas as palavras de Charles Wesley no hino de Kingswood

School, que cantam, “verdade e amor, leve todo homem ver”.

126

Há clara indicação nos documentos da Igreja Metodista que constroem a

identidade e as diretrizes para a vida e missão da Igreja e para a educação, que o

Reino de Deus se manifesta por meio de um processo educativo de Deus em Cristo

Jesus. A pesquisa buscou na tradição wesleyana as bases teológicas e históricas, e

nos documentos que regem a educação e a Pastoral na Igreja Metodista as funções

dessas áreas para, assim, perceber como a herança wesleyana e a interpretação

atual podem agir na direção da união de conhecimento e piedade vital. Tais

indicativos sinalizam a possível leitura dos textos de John Wesley na linha da

educação. Restringindo-se ao ambiente do ensino na Igreja Metodista é possível

compreender as seguintes possibilidades:

• É possível suspeitar de uma “missio educatio” que junta a religião e a

educação como cooperantes na consecução dos objetivos propostos na Missão, da

perspectiva metodista. Traz consigo a tradição, a herança wesleyana, a teologia

prática de Wesley, a experiência da Pastoral Escolar e Universitária e a prática

acadêmica das instituições metodista de ensino.

• É possível vislumbrar elementos de uma teologia da educação que seja

concebida com o equilíbrio de considerar conhecimento e piedade como

cooperantes no serviço missionário. É a oportunidade de sistematizar os conteúdos

que oferecem embasamento para uma visão da instituição de ensino, do processo

científico da dúvida sistemática e da necessária desconfiança – principalmente das

religiões - como elemento necessário na elaboração do conhecimento. É igualmente

oportuno subsidiar uma cultura eclesial que veja nesse processo mais que um

inimigo da fé, uma ocasião favorável para um cristianismo repleto de racionalidade e

repleto de piedade, bem ao estilo wesleyano.

• É também a oportunidade para reafirmar a identidade confessional da

instituição metodista de ensino. É esclarecer as funções de uma escola, faculdade

ou universidade que forma cidadãos comprometidos com seres humanos e não

apenas com o sucesso do mercado capitalista. É esclarecer que uma instituição de

ensino confessional não limita ou restringe os assuntos para o debate acadêmico,

porém escolhe conscientemente uma visão de mundo comprometida com a vida,

com o resgate humano das desigualdades, com os excluídos, pois afinal a educação

é mesmo um ato político.

127

• É subsidiar, tanto a academia, quanto a Igreja, de fundamentais

argumentos que justifiquem a ação educativa por meio de instituições confessionais.

Decorre disso que a instituição de ensino sabe que está num mercado da educação

capitalista, competitivo e agressivo, porém é capaz de fazer outra opção de objetivos

para sua ação educativa. Também auxilia a Igreja a compreender melhor o projeto

que tem características peculiares, metodologias e formato diferentes, mas continua

sendo ação missionária sob sua responsabilidade.

• É sublinhar que é parte essencial da identidade metodista o binômio

“conhecimento e piedade vital”, que, mesmo não aparecendo sistematizado nas

Obras de John Wesley surge como prática indispensável para a ação missionária,

para a “reforma da nação e da Igreja”, para o cultivo da santidade bíblica, e

principalmente para o resgate da Imagem de Deus. Vale recordar que Wesley

considerava a educação com um dos meios de graça, pelo qual a fé é edificada e

Deus efetua sua obra no ser humano.

• É oferecer à Pastoral Escolar e Universitária material que desafie sua

ação diária, que sinalize os perigos e articule possibilidades de lidar com as diversas

tensões que sofre continuamente, sempre na perspectiva do Reino e da identidade

metodista. Na melhor tradição wesleyana a Pastoral é o local por excelência da

manifestação desse conceito vital que une conhecimento e piedade. É o espaço

privilegiado que pode refletir, debater, por à prova e executar os conteúdos bíblicos,

teológicos, doutrinários e academicamente construídos. É, no melhor estilo

wesleyano eminentemente prático, porém competente para realizar o debate e

provocar a construção de material teórico adequado às partes envolvidas na missão

por meio das instituições metodistas de ensino.

128

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