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Gagos têm pior desempenho Pesquisa inglesa mostra diferença de aprendizado entre crianças com dificuldade na fala NECESSIDADES ESPECIAIS Alison Whyte THE GUARDIAN “Qual é o seu nome?” parece ser uma pergunta simples. Mas is- so pode levar Max, de 8 anos, a uma luta consigo mesmo pela sua dificuldade para falar. Boca aberta, pé batendo contra o chão, ele tenta obrigar as pala- vras a sair. Pessoas que sofrem de gagueira enfrentam dificul- dades para conversar, contar uma história, fazer uma piada, expressar uma opinião – tudo aquilo que ajuda a compor nos- sa identidade social. Os pensamentos se formam nos seus cérebros, mas ficam engasgados a caminho da boca. Eles podem ser pessoas espiri- tuosas, divertidas, de pensa- mento ágil e cheios de opinião, mas o que vemos quando olha- mos para um gago é uma pes- soa que parece ter engolido a própria língua. Esse descom- passo pode prejudicar a autoes- tima de uma criança no univer- so escolar e sua aprendizagem. A lacuna no desempenho educacional entre crianças com desordens na fala e as de- mais crianças na Inglaterra e País de Gales é imensa. Ao con- cluírem o ensino fundamental, 25% das crianças com necessi- dades especiais relativas à fala, linguagem e comunicação atin- gem o patamar esperado no en- sino do inglês, comparado a 80% das demais crianças. A diferença no ensino da ma- temática é de 46%, e nas ciên- cias, 41%. De acordo com Ber- cow, isso poderia ser evitado se as crianças recebessem o aten- dimento de que necessitam. A gagueira é um dos distúr- bios da fala mais comuns e afeta cinco entre cada cem crianças. Mas pesquisas recentes realiza- das pelo Centro Michael Palin para Crianças com Gagueira, na Grã-Bretanha, mostram que muitos professores não sabem como lidar com o problema. Em 2007, o governo pediu ao parlamentar britânico John Bercow que avaliasse os servi- ços prestados às crianças com necessidades especiais relacio- nadas à fala, linguagem e comu- nicação. No seu relatório, publi- cado em julho de 2008, Bercow relatou ter encontrado profis- sionais “frustrados” e pais “marcados por experiências ne- gativas”. Os relatos das crian- ças eram “desiludidos”, “dire- tos” e “desconcertantes”. Ao longo da pesquisa, ele acompanhou o Secretário da Educação da Inglaterra e País de Gales, Ed Balls, numa visita ao Centro Michael Palin, que oferece tratamento para crian- ças de toda Grã-Bretanha. Os dois ficaram impressionados ao ouvir um grupo de adolescen- tes descrevendo suas experiên- cias na escola. Como resultado, o Departa- mento de Crianças, Escolas e Famílias encomendou ao cen- tro a produção de um material que fosse capaz de conscienti- zar educadores a respeito do problema. Foi criado então um Programa de Informação sobre a Gagueira, que será implemen- tado em todas as regiões do país a partir de setembro. DEPOIMENTOS “Alguns professores nos disse- ram que nunca encontraram crianças com gagueira em suas turmas, mas sabemos que isto é estatisticamente improvável. Essas crianças são especialis- tas em esconder a gagueira”, diz Elaine Kelman, uma das te- rapeutas da fala e da linguagem do centro. “Algumas delas brin- cam com o problema. Suas ca- pacidades acadêmicas, sociais e intelectuais podem ser sufoca- das. Elas não estão atingindo to- do o seu potencial.” Os pesquisadores pediram a grupos de crianças e jovens de idades entre 2 anos e 18 anos que sofrem de gagueira para que escolhessem as mensagens que, segundo eles, os professo- res mais precisariam escutar. Eles então reuniram o material em dois DVDs – um para os es- pecialistas e coordenadores da área de necessidades especiais e o outro para professores em geral. Philip Bennett, de 8 anos, diz: “Não contei ao meu professor porque sinto muito medo. Isso me deixa triste. Às vezes eles tentam me ajudar de uma ma- neira ruim, como ‘ande logo com essa frase’. Às vezes eles acham que a gagueira é inven- ção minha.” Algumas das crianças dizem que são considerados menos in- teligentes do que as demais. “As pessoas tendem a pensar que sou mentalmente lerdo ou portador de alguma deficiên- cia, mas não sou”, completou Ri- cky Vachhari, de 18 anos. Ser ignorado na classe po- de ser devastador para a au- toestima de um aluno, mes- mo que o professor esteja procurando uma maneira de poupar a criança do cons- trangimento. “Não posso participar de apresenta- ções, não posso fazer coisas como falar para um grupo de pessoas, e isso faz com que eu deixe de responder mui- tas perguntas para as quais sei a resposta”, conta Sa- muel Zack, de 10 anos. Não se sabe ao certo as ra- zões da gagueira, mas acredi- ta-se que as causas do proble- ma sejam múltiplas. Há um componente genético e cer- tas pesquisas indicam que pode haver algum distúrbio na rede neural do cérebro. A gagueira geralmente come- ça entre 2 e 5 anos de idade, e é muito mais comum entre os meninos. ‘As pessoas tendem a pensar que sou lerdo’, conta aluno Professores não sabem lidar com o problema em sala de aula, diz estudo Gagos são prejudicados na escola

Escolas ignoram necessidades de alunos com gagueira

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Alunos que gaguejam são completamente ignorados em suas necessidades especiais nas escolas em que estão matriculados. Professores desconhecem qual a melhor forma de lidar com a dificuldade de fala de um aluno com gagueira e acabam agravando o problema.

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Page 1: Escolas ignoram necessidades de alunos com gagueira

Termina na quarta-feira o pra-zo para se inscrever emumdoscursosdaUniversidadeAbertaà Terceira Idade (UnATI) daUSP. Em 2007, o programa te-ve 7.011 pessoas matriculadas.AsaulassãorealizadasnaEsco-la deArtes, Ciências eHumani-dades (EACH), no câmpus dazona leste, eos interessadosde-vem termais de 60 anos e fazermatrículapessoalmente.Háva-gasgratuitasparapalestras,ofi-cinas e disciplinas de gradua-ção, preenchidas de acordocom a ordem de chegada. Paragraduação,éexigidoensinomé-dio. Tel.: (0--11) 3091- 1016.

InscriçõesemcursosdaUSPvãoatéquarta

9+

O processo seletivo dos cursosde graduação oferecidos pelaFundação Getulio Vargas(FGV), no Rio e em São Paulo,está com as inscrições abertas.Os interessados têm até o fimda tarde de 13 de agosto paraaproveitar as condições espe-ciais na taxa de inscrição e pa-garapenasR$75.Depoisdas 18horas domesmodia, o valor co-brado passará para R$ 150. Asinscrições se encerram no dia28 de setembro. EmSão Paulo,as provas serão realizadas emnovembroedezembroenoRio,nodia25deoutubro.Maisinfor-mações no endereço www.fgv.br/vestibular.

FGVabreprocessoseletivoparaRioeSP

Programaaumentausodepreservativo

TERCEIRAIDADE

VESTIBULAR

Gagostêmpiordesempenho

Simone Iwasso

Programa de educação sexualimplementado a um grupo demais de 4,5 mil alunos da redeestadual de Minas conseguiudobrar ouso regular dopreser-vativocomparceirocasualeau-mentar em 68% o uso de méto-dos anticoncepcionais na últi-ma relação sexual. Além disso,aintervençãonãoteveefeitoso-bre a idadeda primeira relaçãosexual ou na prática de ativida-des sexuais dos adolescentes –alegação frequente de quem écontrário a aulas sobre o tema.

“Os dados do programa po-dem contribuir para reduzir aresistência daqueles que ex-pressam a preocupação de quea educação sexual estimula ati-vidadessexuais, jáquenãoexis-tem evidências para tal cren-ça”, explica a médica HeloisaAndrade, coordenadora técni-ca do projeto. Ela conta que ofoco das reflexões em nenhummomentoestimulouaabstinên-cia, mas sim o comportamentosexual responsável.

Implementado pelas Secre-tarias de Educação e Saúde doEstado emparceria comaFun-dação ArcelorMittal, o projetoabrangeu 20 escolas públicasdequatromunicípios,totalizan-do4.795estudantes.Asaulasfo-ramministradas no período deumanoletivoeosresultados fo-ramacompanhadosporpesqui-sadores da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp),doCentrodePesquisasemSaú-

de Reprodutiva de Campinas edo Instituto de Comunicação eInformaçãoCientífica e Tecno-lógica emSaúde da Fiocruz.

Chamado de Programa deEducação Afetivo-Sexual(Peas),oprojetoprimeirocapa-citou todo o corpo docente dasescolas, fazendo com que pro-fessores refletissem sobre seusconhecimentos e práticas se-xuais. Em seguida, foram pro-postas atividades para os ado-lescentesde 10 a 19 anosdentroeforadesaladeaula–oobjetivofoi levantar debates e discus-sões sobre prevenção de doen-ças sexualmente transmissí-veis e gravidez não planejada.

Os estudantes deveriam de-senvolverprojetosligadosaote-ma da sexualidade e da saúdereprodutiva, elaborando pro-gramas de rádio, produção dejornal escolar, peças de teatro,entre outros. Em todos os pro-dutos, eles deveriam discutir eapresentar aos colegas os da-nosprovocadosàsaúdeporprá-ticas sexuais inseguras. “Apóso programa, eles adquiremmaior conhecimento e respon-sabilidade sobre sua saúde, in-clusive passando a procurarmais o professor para se orien-

taremquanto aquestões relati-vasàsexualidade”,complemen-ta a coordenadora-geral doPeas, Zulmira Braga.

Apesquisamostrouqueaini-ciação das atividades sexuaisocorreu, em média, em tornodos 16anos entremeninosedos18 anos entre meninas. A por-

centagemdeestudantesquede-clarou já ter tidoouter relaçõessexuais foi de 30% – os dadossãosemelhantesaosapresenta-dos por outras escolas com asmesmas condições socioeconô-micasegeográficas.Parase teruma ideia, pesquisa com 6.308estudantes de colégios particu-

lares do País mostrou que 22%delesperderamavirgindadean-tes dos 15 anos.O projeto foi criado há nove

anose jáatingiu78milestudan-tes e 1.650professores, agentesdesaúdeedeaçãosocial.Atual-mente, ele está sendo aplicadonasescolaspúblicasdeonzemu-

nicípiosdeMinas,EspíritoSan-to e Bahia – em várias dessascidades, as prefeituras assumi-ram o projeto, expandindo-ospara toda a rede.

Para o ginecologista AníbalFaundes, professor da Uni-camp e consultor da Organiza-çãoMundial deSaúde (OMS), oprograma foi eficaz em gerarmudançaspositivasnocompor-tamento sexual de adolescen-tes sem antecipar ou estimulara prática sexual, comprovandocom uma experiência brasilei-ra oque estudos internacionaisjá mostravam. “Há uma sériede estudos no mundo quemos-tram a eficácia de programasbem estruturados de educaçãosexualeaexperiênciadessepro-jetoemMinascontribuiparaes-se conhecimento”, diz.

CONSENSOMesmocomexperiênciaspositi-vas como essa, ainda falta con-sensonasescolaspúblicasepar-ticulares em tornodo tema. Pe-la recomendação doMinistérioda Educação (MEC), a educa-çãosexualdeveriaestarpresen-tenocontextodasdemaisdisci-plinas do currículo escolar. ASecretariaEstadualdeSãoPau-lo, por exemplo, recomendapa-raasclassesapartirda7ªsérie.Escolas particulares começamcom orientações e conversasaos 10 anos.“Essa pesquisa ressalta que

devemos trabalhar a educaçãosexual. Há grande número dedados que mostram que ondehá programas qualificados, háuma queda na gravidez na ado-lescênciaenasrelaçõessexuaissem proteção”, afirma MariaHelenaVilela, diretora executi-vadoInstitutoKaplan,quetam-bém desenvolve projetos do ti-po com jovens.Elaressaltaque,paraserefe-

tivo, um projeto não deve ape-nas levar informação para o jo-vem, precisa fazer com que elereflita e entenda que uma mu-dança de comportamento serábenéfica para ele. ●

SEGUNDA-FEIRAEducação

TERÇA-FEIRASaúde

QUARTA-FEIRAMeioAmbiente

QUINTA-FEIRACiência

Pesquisa inglesa mostra diferença de aprendizado entre crianças com dificuldade na fala

INICIAÇÃO–Pesquisamostrouque iníciodas relaçõessexuaisocorreu, emmédia, entre 16e18anos

CURRÍCULO

Educação sexual também nãoantecipou idade em que há relações

EDUCAÇÃO

NECESSIDADES ESPECIAIS

Alison WhyteTHE GUARDIAN

“Qualéoseunome?”pareceseruma pergunta simples. Mas is-so pode levar Max, de 8 anos, auma luta consigo mesmo pelasuadificuldadepara falar.Bocaaberta, pé batendo contra ochão, ele tenta obrigar as pala-vras a sair. Pessoas que sofremde gagueira enfrentam dificul-dades para conversar, contaruma história, fazer uma piada,expressar uma opinião – tudoaquilo que ajuda a compor nos-sa identidade social.Os pensamentos se formam

nos seus cérebros, mas ficamengasgadosacaminhodaboca.Eles podem ser pessoas espiri-tuosas, divertidas, de pensa-mento ágil e cheios de opinião,mas o que vemos quando olha-mos para um gago é uma pes-soa que parece ter engolido aprópria língua. Esse descom-passopodeprejudicaraautoes-tima de uma criança no univer-so escolar e sua aprendizagem.

A lacuna no desempenhoeducacional entre criançascom desordens na fala e as de-mais crianças na Inglaterra ePaís deGales é imensa. Ao con-cluírem o ensino fundamental,25% das crianças com necessi-

dades especiais relativas à fala,linguageme comunicação atin-gemopatamaresperadonoen-sino do inglês, comparado a80%das demais crianças.

Adiferençanoensinodama-temática é de 46%, e nas ciên-cias, 41%. De acordo com Ber-cow, isso poderia ser evitado seas crianças recebessem o aten-dimento de que necessitam.

A gagueira é um dos distúr-biosdafalamaiscomunseafetacinco entre cada cem crianças.Maspesquisasrecentesrealiza-das pelo Centro Michael Palin

para Crianças com Gagueira,naGrã-Bretanha,mostramquemuitos professores não sabemcomo lidar como problema.

Em2007,ogovernopediuaoparlamentar britânico JohnBercow que avaliasse os servi-ços prestados às crianças comnecessidades especiais relacio-nadasàfala, linguagemecomu-nicação.Noseurelatório,publi-cado em julho de 2008, Bercow

relatou ter encontrado profis-sionais “frustrados” e pais“marcadosporexperiênciasne-gativas”. Os relatos das crian-ças eram “desiludidos”, “dire-tos” e “desconcertantes”.

Ao longo da pesquisa, eleacompanhou o Secretário daEducação da Inglaterra e Paísde Gales, Ed Balls, numa visitaao Centro Michael Palin, queoferece tratamento para crian-ças de toda Grã-Bretanha. Osdois ficaram impressionadosaoouvirumgrupodeadolescen-tesdescrevendosuasexperiên-cias na escola.

Como resultado, o Departa-mento de Crianças, Escolas eFamílias encomendou ao cen-tro a produção de um materialque fosse capaz de conscienti-zar educadores a respeito doproblema. Foi criado então umProgramadeInformaçãosobreaGagueira,queseráimplemen-tadoemtodasasregiõesdopaísa partir de setembro.

DEPOIMENTOS“Alguns professores nos disse-ram que nunca encontraramcrianças comgagueira emsuasturmas,massabemosque istoéestatisticamente improvável.Essas crianças são especialis-tas em esconder a gagueira”,

diz Elaine Kelman, uma das te-rapeutasda falaeda linguagemdocentro.“Algumasdelasbrin-cam com o problema. Suas ca-pacidades acadêmicas, sociaiseintelectuaispodemsersufoca-das.Elasnãoestãoatingindoto-do o seu potencial.”Os pesquisadores pediram a

grupos de crianças e jovens deidades entre 2 anos e 18 anosque sofrem de gagueira paraqueescolhessemasmensagensque, segundo eles, os professo-res mais precisariam escutar.Eles então reuniramomaterialem dois DVDs – um para os es-pecialistas e coordenadores daárea de necessidades especiaise o outro para professores emgeral.PhilipBennett,de8anos,diz:

“Não contei ao meu professorporque sinto muito medo. Issome deixa triste. Às vezes elestentam me ajudar de uma ma-neira ruim, como ‘ande logocom essa frase’. Às vezes elesacham que a gagueira é inven-çãominha.”Algumas das crianças dizem

quesãoconsideradosmenos in-teligentes do que as demais.“As pessoas tendem a pensarque sou mentalmente lerdo ouportador de alguma deficiên-cia,masnãosou”,completouRi-

ckyVachhari, de 18 anos.Ser ignoradonaclasse po-

de ser devastador para a au-toestima de um aluno, mes-mo que o professor estejaprocurandoumamaneiradepoupar a criança do cons-trangimento. “Não possoparticipar de apresenta-ções, não posso fazer coisascomofalarparaumgrupodepessoas, e isso faz com queeu deixe de responder mui-tas perguntas para as quaissei a resposta”, conta Sa-muel Zack, de 10 anos.

Nãose sabe aocerto as ra-zõesdagagueira,masacredi-ta-sequeascausasdoproble-ma sejam múltiplas. Há umcomponente genético e cer-tas pesquisas indicam quepode haver algum distúrbiona rede neural do cérebro.Agagueira geralmente come-çaentre 2e5anosde idade, eé muito mais comum entreosmeninos. ●

PAULO LIEBERT/AE - 19/8/2008

NÚMEROS

‘As pessoastendem a pensarque sou lerdo’,conta aluno

Professores nãosabem lidar com oproblema em salade aula, diz estudo

Debates falavam deprevenção adoenças e gravidezindesejada

78 milJovens já foramatendidos desdeo início do projeto, há 9 anos

1.650Professores, agentes de saúde ede ação social foram envolvidos

A16 VIDA& SEGUNDA-FEIRA, 27 DE JULHO DE 2009O ESTADO DE S.PAULO

Gagos são prejudicados na escola