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    ESCRITA DE SI, MEMRA E ALTERIDADE: UMA ANLISE EM CONTRAPONTO

    Carme Regina SCHONS (UPF) Evandra GRIGOLETTO (UPF) 1. Algumas Palavras Iniciais

    Partindo da noo de escrita como prtica social, como cicatriz, que se articula

    entre o lingstico, o histrico, o ideolgico e o inconsciente, o presente trabalho prope uma reflexo sobre o exerccio da escrita de si. O corpus de anlise constitudo de textos produzidos por sujeitos - adolescentes e idosos - com o objetivo de analisar como esses sujeitos se subjetivam nessa prtica de escrita. Para verificar essa questo da subjetividade, mobilizamos, nas anlises, tambm outros conceitos, como os de memria, alteridade e identidade. Assim, observamos que, num constante movimento entre singularidade e alteridade, esses sujeitos se inscrevem na prtica da escrita de si e se constituem autores. No entanto, h diferenas que marcam a escrita do sujeito-adolescente e do sujeito-idoso, pois a memria scio-histrica dessa escrita, assim como a alteridade outra. Portanto, a escrita constitui-se num espao simblico, lugar de interpretao, num trabalho de memria e de construo de identidades. Ao escrever sobre si, o sujeito escreve tambm sobre o outro, que o determina na sua construo identitria.

    2. A Construo da Memria no Processo da Escrita

    O incio desta discusso o papel da memria no processo da escrita de si. Neste artigo, para discutir o papel da memria na constituio do sujeito, na perspectiva do discurso, tendo como tema a escrita de si de adolescentes e idosos, apoiamo-nos basicamente em Pcheux e Orlandi, que nos trazem contribuies no estudo sobre os lugares e o modo como a memria se efetiva.

    O corpus analisado, constitudo de textos produzidos a partir das propostas encaminhadas em oficinas, apresenta inscries que nos convidam a analisar os efeitos de sentidos construdos na escrita de si, em duas geraes, e nos levam a crer que subjetividade e alteridade so resultantes do trabalho de memria, uma vez que o sujeito-autor, ao escrever sobre si, escolhe e sistematiza, (re)edita palavras ditas em outros contextos scio-histricos e que ressoam produzindo lembranas e esquecimentos.

    Pcheux, (1999, p. 52), afirma que a memria discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os 'implcitos' (quer dizer, mais tecnicamente, os pr-construdos, elementos citados e relatados, discursos transversos etc) de que sua leitura necessita: a condio do legvel em relao ao prprio legvel.

    Na obra O presente do fazedor de machados, por exemplo, Burke e Ornstein (1998, p.17) firmam que se o que necessitamos uma nova mente, temos meios para produzi-la. Tudo o que precisamos fazer descobrir a maneira como isto sempre foi feito e faz-lo para ns mesmos. Estabelecendo relao com a ao daqueles que orientam o trabalho da escrita, o fazer pode ser entendido como uma certa tradio. S resta saber em que medida esse processo retorna ao sujeito criador.

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    A dvida por que, ento, no processo da escrita, os retornos a saberes que convocam uma tomada de posio do sujeito, tm relaes de discrepncias? De acordo com Pcheux (1975), o funcionamento das representaes e do pensamento nos processos discursivos pe em jogo a relao do sujeito com aquilo que o representa, ou seja, estabelece relao com o imaginrio. Segundo este autor (1995, p. 129), trata-se das ideologias, que no so idias, mas foras materiais, elas constituem os indivduos em sujeitosi.

    Quando dizemos retorno a um conjunto de saberes na escrita, ou qualquer outra ao do indivduo, estamos nos referindo a um sujeito que se constitui no prprio processo discursivo e que se subjetiva e (des)constri memrias. Sujeito, subjetividade e memria, interligados na prtica pedaggica, so constitutivos de prticas polticas, que produzem conhecimentos, efeitos e memrias. Desse modo, a folha de papel no apenas o espao em branco a ser preenchido com estruturas lingsticas, mas espao simblico de luta, no qual se estabelece, o tempo todo, o jogo da contradio.

    Segundo Schons (2006, p. 89), Pcheux mostra que o trabalho de interpretao um processo contnuo de construo/desconstruo e que os efeitos discursivos ocorrem de modo desigual e contraditrio, ou seja, a memria permite a repetio da histria, mas os sentidos se deslocam, porque na lngua possvel estabelecer um jogo das subverses. Por isso, o trabalho da memria no memorizao psicolgica, realiza-se na movimentao contraditria e desigual da histria e da lngua.

    Ento, a relao do sujeito-autor com a escrita de si, no espao de uma folha em branco ou na tela do computador, tenso. A relao entre a sua lngua e as prticas no decorrer de sua vida um lugar de resistncia na constituio do sujeito de linguagem. Na prtica de linguagem dos sujeitos, proveniente da histria de vida, encontra-se, portanto, todo um funcionamento discursivo atravs do qual as lembranas vm significar, reverberar de um modo muito prprio, o que efeito do esquecimento. Nesse processo, ao retornar a suas experincias durante as narrativas, mas tambm ao projetar novas experincias, o sujeito se subjetiva, colocando em questo as presenas/ausncias de sentidos silenciados que sustentam a escrita de si.

    O que se pe em cena, portanto, na escrita de si, o direito memria, o direito ao passado, que um direito que as sociedades desenvolvidas no s respeitam e provem, mas tambm tomam como critrio para as suas transformaes. Portanto, um direito ao passado que, ao mesmo tempo, projeta um direito ao futuro, o qual construdo como efeito de memria. A funo da lngua materna dar suporte para esses sujeitos por em circulao sentidos constitutivos de sua identidade. Desse modo, a relao sujeito/lngua que se constitui a partir da memria e do esquecimento da(s) prtica (s) silenciada(s) permite observar/explorar os processos de identificao no jogo entre passado presente e futuro, entre os sujeitos e o imaginrio scio-histrico que circunda o ensino e a resistncia da() lngua escrita, alm de trabalhar os aspectos simblicos que envolvem o processo de constituio da relao sujeito/escrita de si, l onde as interdies histricas funcionam no mais ntimo, no mais subterrneo. Reconhecer, pois, a possibilidade de suturar territrios simblicos cindidos, mal costurados em nossas subjetividades, pela nossa relao com a escrita e falando de ns.

    O sujeito do discurso, no seu fazer, traz consigo o refletido de sua subjetividade, ao mesmo tempo em que impe/dissimula (significando para ele o que ele e tambm o que ele no ) sua situao de assujeitamento, o que acarreta sua iluso de autonomia. Tais condies ideolgicas da reproduo/transformao das relaes de produo so determinantes no processo da escrita.

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    Logo, quele que conduz o trabalho da escrita cabe tomar dianteira na proposta do tema e no desenvolvimento de mtodos e prticas. Mas, quele que escreve lhe cabe um lugar de autor ou de espectador? O escritor desafia o leitor, fala de algum fora do limite da pgina e o escrito pe em discusso o ato de escrever. De um modo geral, mesmo com todos os avanos tecnolgicos, a modernidade tende a buscar a homogeneizao dos sentidos e dos sujeitos. certo que isso produz silenciamentos, no apenas de vozes dos sujeitos escreventes, mas de vidas que acabam no mais se dizendo, que ficam no anonimato. Porm, na margem de no-ditos, tambm se constroem sentidos. Os silncios que calam (velam a palavra) e os outros que tambm calam (ferem a alma) pem em voga o impossvel, significam e o discurso que comporta essa contradio permite apreender esses dois. E Orlandi (1999, p. 59) contribui para essa reflexo, ao afirmar que a memria feita de esquecimentos, de silncios. De sentidos no dito, de sentidos a no dizer, de silncios e de silenciamentos. Logo, o silncio significa porque est ligado a uma memria.

    Sobre as condies ideolgicas da reproduo/transformao das relaes de produo, o texto escrito produz uma memria, que lembra/esquece determinadas prticas em uma formao social, passando pelos AIEs, cuja luta de classes atravessa o modo de produo em seu conjunto, o que, na rea da ideologia, significa que a luta de classes passa pelos aparelhos ideolgicos de Estado. Vale lembrar que, de acordo com Pcheux, os AIE no so a expresso da dominao da ideologia dominante, mas so o seu lugar e o meio de realizao pela instalao dos aparelhos ideolgicos de Estado, nos quais essa ideologia [ideologia da classe dominante] a realizada e se realiza, que ela se torna dominante... (1995, p. 145)

    Conforme Pcheux, as condies ideolgicas da reproduo/transformao das relaes de produo so contraditrias e constitudas, em um momento histrico dado, e para uma formao social dada, pelo conjunto complexo dos AIE que essa formao social comporta. So relaes de contradio-desigualdade-subordinao entre os seus elementos e no uma simples lista de elementos. Por isso, a instncia ideolgica existe sob forma de formaes ideolgicas (AIE) que possuem um carter regional e comportam posies de classe. O aspecto ideolgico da luta para a transformao das relaes de produo se localiza, pois, antes de mais nada, na luta para impor, no interior do complexo dos AIE, novas relaes de desigualdade-subordinao (PCHEUX, 1995, p. 147).

    No caso da contradio reproduo/transformao que constitui a luta ideolgica de classesii no processo da escrita, a caada por sentidos nicos denuncia uma relao presente no modo de fazer da escrita com o poder. Um texto, sob o ponto de vista dos personagens, revela no apenas como o escritor se veria num espelho corporificado da pgina em branco, mas tambm refletiria como o outro o v. na perspectiva da escrita de si que o criador se coloca como autor de verdades, pelo menos daquele momento de criao, e com domnio absoluto sobre a imagem e a posteridade do poder. Tal jogo de subjetividades, o olhar sobre o outro, obriga o exerccio da disciplina. (FOUCAULT, 2001, p. 143)

    A mincia do gesto indica a cultura, o processo de fabricao do poder e os lugares ocupados pelos sujeitos. O corpo da escrita pgina em branco, que comporta a sede do saber, do pensar, da ordem e da forma representacional. Os efeitos desse jogo no processo discursivo da escrita de si so estruturados por uma memria, que estabelece relaes com sentidos j veiculados em outros espaos e entre sujeitos. Por isso as palavras seduzem, ou ferem, chocam, silenciam. Como afirma Pcheux (1999, p.

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    21), a memria a repetio sem fim de um enunciado como um eco inesgotvel apegado a um acontecimento.

    O sujeito no preexiste aos seus prprios atos de fala, de fazimento, de vontade e de desejo. Cada um de ns, enquanto sujeito, resultado de uma fabricao tecida pela rede memria e seus efeitos. Cada um faz no o que quer, seno aquilo que pode, seno aquilo que lhe cabe na posio de sujeito que ele ocupa num dado momento. Esses lugares so mveis, a rede est sempre se rompendo, aqui e ali, de modo que o ponto que cada um ocupa est sempre sujeito a variaes e sob determinados efeitos. Assim, ao tomarmos a escrita como uma prtica social, no podemos desvincul-la da memria scio-histrica, j que essa no s se constri pelos sentidos que circulam e esto sedimentados socialmente, mas tambm pelos sentidos outros que so mobilizados no gesto de interpretao produzido pelo sujeito-escrevente. O sujeito, ao se inscrever no exerccio da escrita, movimenta-se entre a sua memria individual e a memria social, a qual determina a sua escrita. Portanto, ao se constituir autor de um texto, ele tambm, em suas operaes, (des)constri memria(s), num constante movimento entre singularidade e alteridade. Ao produzir o exerccio da escrita de si, inscreve-se em si e no outro.

    Dessa forma, podemos dizer que a escrita articula-se entre o lingstico, o histrico, o social e o ideolgico, constituindo-se num espao simblico, lugar de interpretao, num trabalho de memria e de construo de identidades (GRIGOLETTO, 2006, p. 207)

    Conforme Rickes (2002, p. 66), o exerccio da escrita

    pe em marcha operaes que sustentam e desdobram a prpria constituio do sujeito. A noo de autoria, enquanto um processo sempre renovado de inscrio, interroga afirmaes que queiram situar um indivduo como autor de seu texto, em contraposio a outro que no seria passvel dessa adjetivao. Cada um pode ser visto como estando em um momento singular desta construo, que se caracteriza pela ausncia de cristalizao de categorias inconscientes que ela pe em jogo

    A partir da citao acima, podemos acrescentar mais um elemento na articulao da prtica da escrita - o inconsciente - j que certas marcas do sujeito desejante se inscrevem, de forma singular, no processo de autoria de um texto. Portanto, a autoria pode ser tomada como possibilidade de construo subjetiva e de exerccio desejante (RICKES, 2002, p. 66), o que no se concretiza seno atravs da escrita. Por isso, a escrita s pode ser construda na medida em que mobiliza experincias que coloquem em movimento as estruturas do inconsciente do sujeito escrevente (Cf. RICKES, 2002) e, como tal, pode ser considerada marca, cicatriz.

    Ento, no movimento entre singularidade e alteridade que o sujeito se inscreve na prtica da escrita e se constitui autor. A escrita, portanto, tanto pressupe a singularidade do sujeito quanto a determinao do outro - o(s) sujeito(s) a quem se dirige, o lugar que ele prprio ocupa socialmente, mas tambm o lugar que o seu leitor ocupa, as condies de produo da sua escrita etc. Produz, assim, um efeito ideolgico. Conforme afirma Schons (2005), ao escrevermos, nunca acabamos de esboar e de nos esboar, de escrever e reescrever, nunca esgotamos de nos inscrever, pois, assim como a linguagem, somos sujeitos permanentemente incompletos. A escrita , assim, uma forma do sujeito buscar uma completude, embora saibamos que ela sempre ilusria. pela/na iluso de completude, de unicidade que o sujeito se constitui autor, produzindo o que Pcheux (1975) chamou de unicidade imaginria do sujeito, a qual se produz pela

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    identificao plena do sujeito do discurso com a forma-sujeito da FD que afeta esse sujeito, e que resulta no efeito-sujeito. Nesse processo, a singularidade est determinada, no se constitui seno em funo da alteridade. Ainda, segundo Rickes (2002), a escrita faz trabalhar a falta que constitutiva do sujeito. E, ao silenciar a falta, o sujeito no faz outra coisa seno revel-la, atravs de um gesto que singular. Assim, a escrita produtora de um lugar de sujeito/autor. O sujeito busca, sobretudo na escrita de si, uma maneira de subjetivar-se, atravs da memria e das relaes de identificao com o outro.

    Numa perspectiva discursiva, segundo Orlandi (2002, p. 233) a escrita especifica a natureza da memria, ou seja, define o estatuto da memria (o saber discursivo que determina a produo dos sentidos e a posio dos sujeitos), definindo assim, pelo menos em parte, os processos de individualizao do sujeito. Ento, pelo processo da escrita que o sujeito se subjetiva, ocupa determinadas posies-sujeitoiii, inclusive a de autor.

    Para Pcheux, no existe prtica sem sujeito (1995, p. 213). Trata-se do efeito do complexo das formaes discursivas na forma-sujeito. O sujeito constitutivamente colocado como autor e responsvel por seus atos (condutas e palavras) em cada prtica que se inscreve; e isso pela determinao do complexo das formaes ideolgicas (e, em particular, das formaes discursivas) no qual ele interpelado em sujeito-responsvel. (ibidem, p. 214)

    Portanto, escrita e autoria so noes intrincadas no mbito da teoria do discurso, e esto ligadas a prticas institucionais, que determinam no s as condies scio-histricas e ideolgicas do processo da escrita, mas tambm a (des)construo de memrias. Segundo Orlandi (2006, p. 24), a inscrio do sujeito na letra um gesto simblico-histrico que lhe d unidade, corpo, no corpo social. Em outras palavras, o sujeito se singulariza no gesto da escrita, sendo que os modos de individualizao desse sujeito se do, conforme Orlandi (op. cit), de formas diferentes nas diversas conjunturas histricas. Ento, ao se inscrever socialmente pelo gesto da escrita, o sujeito, ao mesmo tempo, determinado e produz memria(s). Vamos verificar esse funcionamento discursivo da escrita, essa movimentao do sujeito nessa prtica no prximo item, ao realizarmos algumas anlises do corpus selecionado.

    3. Na Escrita de Si, a Inscrio do Outro: Algumas Anlises Os trs exemplos de textos que apresentamos a seguir, escritos por sujeitos-idosos, foram produzidos durante as aulas da oficina Escrita de Si e Memria, ministrada no 2 semestre de 2007, na Universidade de Passo Fundo, pelas autoras deste artigo. Exemplo 1:

    O GRAMOFONE

    Era Natal de 1945iv, ps guerra, eram tempos difceis l em casa. Meus avs maternos tinham uma vitrola daquelas antigas, de corda. Sempre festejvamos o Natal na casa deles. Como todas as crianas, em todos os tempos, estvamos ansiosos para ver a rvore enfeitada e os presentes.

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    Era costume l em casa enfeitar-se a rvore durante a tarde do dia 24 de dezembro. As crianas no podiam entrar na sala [os adultos faziam tudo em segredo]. Ainda se falava em Papai Noel.

    Por volta das 6 horas da tarde, era a hora de tomar banho, vestir uma roupa nova [muitas vezes reformada] e esperar.... Tnhamos, ento, o jantar do tipo tradicional europeu, com nozes, mas, bombons etc.[a quantidade e variedade de acordo com as finanas], mas sempre um jantar especial. A minha av criava galinhas, patos e coelhos. Naquele ano, os presentes eram livros, roupas e sapatos. Mas, SURPRESA, meu av [que era muito criativo] fez um lindo carrossel com o gramofone. A minha av [que tambm era muito talentosa] vestiu algumas bonequinhas e fez bandeirinhas. O carrossel rodava com as bonequinhas. Era lindo. Foi um presente muito especial. At hoje me lembro daquele Natal com emoo. Exemplo 2:

    Maro de 64: os dois lados

    Homem forte, fardado, srio, preocupado. Nem do alto escalo, mas tambm no annimo no batalho. Um militar experiente, longo caminho no exrcito, comprovada e reconhecida liderana. Calado, srio, preocupado, fardado. Por alguns dias, aquartelado. Comentrios? Nenhum. Notcias desencontradas e sussurradas. Esposa angustiada, pequenos alienados, e da adolescente rebelde o grito: Foge pro Uruguai! At ento muito prosa, ela pensava, com outros jovens, poder mudar a ptria, a sociedade, a misria, promover a igualdade e a democracia. Liberdade de voz? Utopia. Agora ali, frente ao pai e a voz da revoluo, o medo, a insegurana e o desejo de preservao do seu heri que falou mais alto. Heri que no sabia o que os grandes faziam, que por disciplina, por princpio, por lealdade, por coerncia, calmamente, retornava a obedecer ao coronel. Sem ningum saber a verdade, mesmo dentro de um quartel. O texto do exemplo 1 foi produzido a partir de uma proposta em que os alunos deveriam escrever sobre um objeto que produzisse lembranas, nesse caso, o gramofone. H que se observar, num primeiro momento, que a prpria proposta de produo textual j se inscreve numa memria e promove o encontro entre uma atualidade e um acontecimento. A partir disso, observamos, no texto, determinadas marcas lingsticas (Era Natal de 1945, ps guerra, em todos os tempos, ainda se falava em Papai Noel, naquele ano, at hoje... etc) que, ao mesmo tempo, convocam uma memria e produzem lacunas, silenciamentos. Ou seja, ao se constituir autor, o sujeito lineariza saberes que so da ordem do scio-histrico, como o caso do fim da 2 guerra mundial, o fato de as crianas acreditarem em Papai Noel, o prprio significado do Natal, entre outros, instaurando, na materialidade do texto, pr-construdos para tornar legvel a leitura. E, ao linearizar tais saberes, privilegia alguns sentidos, silenciando outros. Esse movimento do sujeito, embora da ordem do inconsciente, constitutivo da prtica da escrita. Assim, o gesto de escrever implica a inscrio do sujeito-autor, mas tambm do sujeito-leitor, em uma determinada rede de sentidos, determinados scio-historicamente. Em outras palavras, o que torna esse texto legvel, interpretvel a memria discursiva. Chama-nos a ateno ainda o modo como a autora desse texto joga com a questo da memria, pois, ao mesmo tempo em que resgata saberes, aspectos culturais do passado, atualiza esses saberes, trazendo-os para os tempos atuais. Podemos perceber esse movimento, a partir das seguintes marcas lingsticas: em todos os tempos, que

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    produz um efeito de sentido de que as crianas, sejam as do tempo de outrora, sejam as dos tempos atuais, sempre esperam ansiosas pelos presentes de Natal; ainda se falava em Papai Noel, que produz um efeito de sentido de que as crianas de hoje, ao contrrio das de antigamente, no mais, necessariamente, acreditam em Papai Noel, lembrando ao leitor que h outros sentidos que circulam a respeito do Natal, promovendo mudanas em seu significado; at hoje me lembro daquele Natal com emoo que, alm de marcar tambm uma atualizao da memria para os tempos atuais, uma marca de subjetividade que remete a um sentimento da autora. Por isso que podemos afirmar que o sujeito, ao se inscrever na prtica da escrita, determinado por uma memria que da ordem do j-dito, mas tambm, em suas operaes, (des)constri memria(s). Alm dessa marca de subjetividade, ainda observamos outras, como o caso dos comentrios entre colchetes, presentes em mais de um momento do texto, e a palavra surpresa, grafada em letras maisculas, que marcam a singularidade desse sujeito na prtica da escrita de si. Assim, como j pontuamos no item anterior do presente artigo, ao se constituir autor de um texto, retornando a suas experincias individuais durante a narrativa, o sujeito se subjetiva, movimenta-se entre a sua singularidade e a alteridade do outro. Ao produzir o exerccio da escrita de si, inscreve-se em si e no outro, promovendo encontros entre realidades, que se constitui no acontecimento. O texto do exemplo 2 foi produzido a partir de um documentrio, intitulado 15 filhos, assistido e discutido durante as aulas da oficina, o qual apresenta depoimentos de 15 filhos que tiveram seus pais desaparecidos durante a ditadura militar que vivemos no Brasil. A partir desse documentrio, foi solicitado aos alunos que escrevessem uma narrativa contando algum fato/episdio que vivenciaram nessa poca. O texto ora em anlise, Maro de 64: os dois lados, relata a histria do pai da autora, que era militar, na poca da deflagrao do golpe. E, curiosamente, o texto escrito em terceira pessoa. Ento, nesse caso, temos a inscrio de si na materialidade do texto, pelo vis das marcas lingsticas do outro: adolescente rebelde, ela. Tambm marcada por esse mesmo processo, temos a inscrio do pai da autora, caracterizado como homem forte, fardado, srio, preocupado, um militar experiente, heri etc. Dai surge a questo: o que levou a autora a escrever de si, marcando-se como outra? No podemos responder a essa questo de forma pontual, mas, considerando o sujeito discursivo, diramos que a escolha dessas marcas lingsticas e no de outras, marcam, justamente, o modo como o sujeito se subjetiva, inscreve a sua singularidade nesse texto. No exerccio da escrita de si, o sujeito, conforme j pontuamos, inscreve-se sempre em si e no outro. E, muitas vezes, ao relatar, falar de suas experincias, inscreve-se no outro para falar de si, o que pode representar uma falta, da ordem do inconsciente, que faz aflorar sentidos que estavam silenciados, apagados de sua memria. Logo, ao produzir esse texto, a autora no fez outra coisa seno revelar esses sentidos que estavam silenciados. E a questo do silenciamento aqui pode ser explicada pelo vis da memria discursiva, que resgata saberes da poca da ditadura militar em que muitos sentidos eram proibidos, censurados, como a prpria autora do texto revela, ao afirmar que a liberdade de voz era utopia. Ainda em relao memria, importante dizer que esse texto s se torna um acontecimento a ler (Pcheux, 1999), se convocarmos dizeres, saberes da poca da ditadura militar. A comear pelo ttulo, Maro de 64: os dois lados, tanto autor quanto leitor precisam resgatar a memria discursiva que marcou essa data para produzir um gesto de interpretao para esse texto, para inscrever-se na sua discursividade, para significar. E o efeito de sentido que esse ttulo produz reforado ao longo do texto,

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    quando a autora vai mostrando que, mesmo de dentro de um quartel, ningum sabia a verdade, ou seja, muitos sentidos eram silenciados, divulgando-se somente aqueles sentidos que eram de interesse dos grandes. A relao de contradio presente neste exemplo 2 atravessada pelo poltico, cuja manifestao de memria pe em voga o modo de subjetivao desse sujeito-autor que se auto-representa e representa o outro. Por fim, cabe reforar tanto o papel da memria quanto o papel da alteridade na constituio de sentidos desse texto, j que inscrevendo-se numa determinada memria scio-histrica, nesse caso da ditadura militar, que o sujeito do discurso se singulariza, ao mesmo tempo em que se constitui pelo, em funo do outro, silenciando alguns sentidos e evidenciando outros. Os dois exemplos de trechos de textos, apresentados a seguir, foram produzidos por sujeitos-adolescentes, durante uma oficina de produo textual oferecida a alunos do Ensino Mdio, e publicados no site Interfaces (www.upf.br/interfaces)v, sob a coordenao de uma das autoras desse artigo. Exemplo 3: estranho pensar no futuro e no saber o que fazer nele. Essa fase veio para mim depois de longos anos sonhando em ser engenheiro civil ou mecnico. Na verdade, isso, ao meu ver, apenas estranho, longe de incomodar ou mudar algo, atualmente, na minha vida. No estou perdendo a cabea ou correndo atrs do que realmente quero exercer. Ao meu ver, ainda tenho o tempo ao meu lado, tendo oportunidade para pensar no que fazer. O melhor para essas horas so conselhos, vindo principalmente de pessoas que j exercem a profisso h tempos. Penso em uma profisso que tenha necessariamente nmeros, frmulas ou problemas matemticos, devido a minha facilidade em lidar com eles. Algo que tenha um campo de trabalho no necessariamente extenso e tambm que me leve ao prmio Nobel. Exemplo 4: Nasci em Passo Fundo em 1989 e sou gremista desde pequeno. Ainda com trs anos, ganhei meu primeiro kit do Grmio e, desde ento, sou um torcedor apaixonado. Com seis anos, comprei meu primeiro violo, e sofri para aprender, por ser canhoto. Moral da histria: desistir de aprender com a mo esquerda e sou um destro falsificado. [...] Pretendo cursar Medicina em Passo Fundo, ou em Porto Alegre, se conseguir passar em uma federal. Este ano estou estudando mais do que estudei na minha vida toda, o que no muito, visto que no fui um bom aluno no Colgio. Mas no vivo somente estudando. Nunca perdi uma festa ou balada sequer para estudar. Estudo, mas no sou nerd! diferente... [...] , basicamente esse sou eu. Rockeiro, hiperativo e GREMISTA. Num primeiro olhar sobre esses textos, j podemos observar uma diferena em relao memria que ai se inscreve, comparados aos dois exemplos j analisados, produzidos por sujeitos-idosos. Nos exemplos 3 e 4, notamos que os sujeitos-adolescentes, ao escreverem sobre si, no s retornam a experincias j vividas, como, sobretudo, projetam novas experincias, inscrevendo, nessa materialidade, um efeito de memria futuro, que joga com o passado e com o presente. Nos textos dos sujeitos-idosos, esse efeito se d sempre em relao ao passado, jogando, algumas vezes, com o presente, mas dificilmente com o futuro. No exemplo 3, o autor, ao afirmar que estranho pensar no futuro e no saber o que fazer nele, est determinado pelo outro, pelo o que a sociedade e a famlia esperam de um adolescente de 16 anos. Embora, ao longo do texto, ele tente, ilusoriamente,

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    justificar o fato (apenas estranho, longe de incomodar ou mudar algo, atualmente, na minha vida) dele ainda no ter decidido que profisso exercer no futuro, a alteridade atravessa a sua escrita, determinando os sentidos que podem falar e os que devem calar. Observem que, ao longo desses dois pargrafos, o adolescente se subjetiva, ao projetar sua futura profisso (penso em uma profisso que tenha necessariamente nmeros, frmulas ou problemas matemticos), jogando com o passado (depois de longos anos sonhando em ser engenheiro civil ou mecnico) e com o presente (ainda tenho o tempo ao meu lado). Eis o efeito de memria futura que se produz, determinado, por sua vez, por uma memria scio-histrica, da ordem do j dito. Assim, entre lacunas, sentidos no ditos, ditos e a dizer, o sujeito se constitui autor, num constante movimento entre singularidade e alteridade. Por fim, importante salientar que o efeito dominante que se produz, a partir da leitura desse texto, o de que ele, assim como qualquer outro adolescente de 16 anos, deve pensar numa profisso. Trata-se de uma determinao social e tambm institucional que faz eco na escrita do sujeito-adolescente, orientando a inscrio de sua subjetividade, ou seja, a forte presena do Outro tambm aparece refletida nessas determinaes histrico-sociais, j que esses sujeitos esto sob determinados efeitos. Somos um ser de linguagem e no um ser que possui a linguagem, portanto, cada pgina preenchida no s empurra para os lados os outros textos, os sentidos que no podem ser lembrados, mas constitui espao de movimentaes, subjetivaes e produo dos modos de existncia ou estilos de vida. No exemplo 4, mesmo que a proposta de produo textual no encaminhasse para essa questo da profisso, como j aconteceu no texto do exemplo 3, e na maioria das apresentaes desse grupo de adolescente que participou da oficina, o autor desse texto tambm vai projetar novas experincias, entre elas, a futura profisso. Percebemos, assim, o quo determinante, na prtica da escrita, o lugar institucional, principalmente a escola. Embora a proposta da oficina fosse fugir (se que isso possvel) dos padres institucionais, observamos, na escrita dos alunos marcas muito fortes desses padres. Um exemplo disso o que acontece nesses dois textos que ora analisamos. Ou seja, ao produzir uma apresentao, esses adolescentes no conseguem se desprender dos padres escolares e falam da idade, da escola onde estudam, do dilema do vestibular e da futura profisso, entre outras caractersticas que se espera de uma apresentao pessoalvi. H sentidos que so interditados na escrita escolar, e determinadas regras esto to arraigadas na escrita desses sujeitos que, mesmo diante de uma proposta diferenciada, que no esperava essa padronizao, ao se colocarem na posio de alunos, repetem os dizeres permitidos, esperados pela instituio escolar e, por sua vez, pela ordem social e histrica. Ainda que repetindo dizeres, esses sujeitos se constituem autores, j que a autoria uma forma de inscrio no j-dito. Um j-dito, no entanto, que emerge, na materialidade lingstica desses textos, ressignificado, justamente pelo jogo de memria entre presente, passado e futuro que ai se constri. No exemplo 4, o aluno inicia sua apresentao repetindo um padro escolar (nasci em Passo Fundo em 1989), mas, em seguida, surpreende o seu leitor ao apresentar um elemento que no faz parte, normalmente, dos padres escolares (sou gremista desde pequeno). Continua o texto resgatando experincias passadas de sua memria individual (ainda com trs, ganhei meu primeiro kit grmio; com seis anos, comprei meu primeiro violo), para chegar ao presente, projetando novas experincias (pretendo cursar Medicina em Passo Fundo...). E, ao fazer esse movimento, jogando

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    com a memria do passado, do presente e do futuro, justifica a descrio final de sua personalidade: , basicamente esse sou eu. Rockeiro, hiperativo e GREMISTA. Mais do que isso, esse sujeito se subjetiva, inscrevendo marcas de singularidade na sua escrita. importante ainda dizer que essa memria individual est marcada por uma memria scio-histrica, na qual o sujeito sempre se inscreve na prtica da escrita. Uma memria que , por sua vez, marcada pelo processo da alteridade, j que, embora no parea que o trao mais marcante de sua personalidade seja o de estudante (estudo, mas no sou nerd! diferente), o lugar institucional, a sociedade controlam, determinam o que pode e deve ser dito numa apresentao. Parece-nos que esse adolescente produz um deslizamento em relao a esses sentidos controlados, ao finalizar sua apresentao resumindo sua personalidade nas seguintes caractersticas: rockeiro, hiperativo e GREMISTA. E vejam que gremista est grafado em maisculas, como se esse fosse o trao mais forte de sua personalidade. No entanto, mesmo produzindo esse deslizamento, os sentidos que so construdos a partir da leitura do texto deste aluno escapam ao seu controle, j que o sujeito, alm de singularidade, tambm alteridade, carrega em si o outro, o estranho, que o transforma e transformado por ele. (CORACINI, 2007, p. 17) Por isso, podemos reiterar que , no movimento entre singularidade e alteridade, entre a inscrio no j-dito, no dito, e no a dizer, que o sujeito se constitui autor no exerccio da escrita, o qual desde sempre marcado, afetado por uma memria, que pode ser da ordem do individual, mas tambm da ordem do scio-histrico e ideolgico.

    Consideraes Finais

    Ao finalizarmos este artigo, faz-se importante pontuar algumas questes a ttulo de concluso, embora a concluso nunca seja definitiva, justamente pela caracterstica lacunar que a escrita assume, ao ser tratada numa perspectiva discursiva. E tratar a escrita numa perspectiva discursiva, como pontuamos ao longo do artigo, significa consider-la, antes de tudo, uma prtica social que no se resume ao lingstico, mas que determinada pelo histrico e pelo ideolgico, em que o exerccio do sujeito escrevente da ordem da falta, justamente por estar afetado pelo inconsciente. Ao analisarmos textos produzidos por sujeitos idosos e adolescentes, observamos algumas caractersticas que so inerentes prtica da escrita, como as citadas no pargrafo anterior, e que, portanto, no mudam na escrita dos idosos e dos adolescentes. No entanto, h outras caractersticas que so diferentes. Vamos a elas. Em relao memria, verificamos que, enquanto os sujeitos idosos constroem uma memria produzindo um efeito de passado, jogando, algumas vezes, com o presente, os adolescentes constroem um efeito de futuro, jogando com o presente e o passado. E isso tambm marca uma diferena em relao ao modo como esses sujeitos se subjetivam ao produzirem seus textos. Enquanto os idosos, em suas narrativas, resgatam experincias j vividas, os adolescentes, na maioria das vezes, projetam novas experincias. Tal diferena se justifica pela questo da prpria idade e das condies scio-histricas e ideolgicas que cercam a vida desses sujeitos. Mas ambos, ao escreverem de si, inscrevem-se em si e no outro.

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    Outra questo que pode ser pontuada, no s pelas anlises que apresentamos, mas pela nossa experincia docente de ter trabalhado com esses grupos, a questo do desejo, da experincia subjetiva que se d pela escrita. Os exemplos analisados revelam marcas daquilo que os identifica e lhes confere identidade. Observamos que, nos exemplos 1 e 2, o trabalho da memria, a subjetivao e as movimentaes na escrita de si fazem aflorar fragilidades, sentimentos, incertezas, enfim, marcam-se cicatrizes de uma identidade construda naquilo que os torna sensveis, diferentes, autnomos, resistentes. Por sua vez, nos exemplos 3 e 4, a identidade constituda pelo efeito-autoria sustentada por aquilo que deixaria seus autores menos desiguais, ou seja, a posio-sujeito desses autores frente s determinaes institucionais no ocorre do mesmo modo. Vale lembrar que no se coloca em discusso idade, mas sim o funcionamento da memria, as prticas poltico-sociais.

    Parece fazer mais sentido, ser um exerccio mais prazeroso ao sujeito idoso escrever, j que ele resgata experincias marcantes, faz aflorar faltas que o constituem e, de repente, sentidos calados, silenciados passam a constituir a vida desses sujeitos. Portanto, ao produzir seus textos, eles no demonstram uma preocupao com a escrita formal, das regras escolares. Trata-se de uma escrita fluida, que faz aflorar sentimentos, subjetividades. J, o sujeito adolescente no sente esse mesmo prazer ao escrever. A escrita, muitas vezes, encarada como tarefa repetitiva, massante, quando no obrigatria. E encarando a escrita dessa maneira, ela marcada pela determinao do lugar institucional, o que no significa que o sujeito adolescente tambm no se subjetive nesse processo. Mas ele procura ser reconhecido pelo espetacular, identidade ligada ao perfil do sujeito construdo pela mdia. Trata-se de um sujeito moldado, atravessado, fragmentado e costurado, evidentemente, no prprio espao escolar. E, simultaneamente, pela singularidade, no exerccio da aceitao.

    Em verdade, o fazer do sujeito-autor, na escrita de si, a descoberta dos meios de (re)produzir verdades para si e para outros sujeitos. Retornos a determinados saberes, posies-sujeito, singularidades e alteridade so constitutivos da memria (re)constituda na escrita. As representaes nos processos discursivos colocam em jogo as relaes desse sujeito com/para o outro e com aquilo que o representa, formando uma rede incessante de se auto-representar em diferentes prticas.

    Referncias

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    i nessa perspectiva que Pcheux diz que preciso pensar em um processo no-subjetivo na qual o sujeito se constitui (1995, p.130). ii De acordo com Pcheux (1995, p 147), a objetividade material da instncia ideolgica caracterizada pela estrutura de desigualdade-subordinao do todo complexo com o dominante das formaes ideolgicas de uma formao social dada. iii Segundo Pcheux (1975), a posio-sujeito o modo como o sujeito da enunciao se identifica com a forma-sujeito histrica como condio necessria de existncia. iv Os grifos deste texto, assim como os dos prximos exemplos, servem para destacar algumas marcas lingsticas que sero retomadas nas anlises. v O site faz parte do projeto de pesquisa Discurso, mdia e escola: questes de identidade e escrita, coordenado por uma das pesquisadoras, autoras desse artigo, professora Dr Evandra Grigoletto. vi O interessante que, ao observarmos apresentaes pessoais desses mesmos sujeitos, em espaos diferentes do escolar, como o caso do Orkut, dos blogs etc, no h essa padronizao e eles falam de muitas coisas, menos da futura profisso. Isso comprova, mais uma vez, o que estamos verificando nessas anlises: h uma determinao institucional marcando a escrita desses sujeitos, ao se colocarem no lugar de alunos, ainda que num ambiente diferente da escola no qual eles estudam.