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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 1 www.compos.org.br www.compos.org.br/anais_encontros.php ESFERA PÚBLICA E DESINFORMAÇÃO: estratégias de circulação e legitimação da desinformação 1 PUBLIC SPHERE AND DISINFORMATION: the strategies to spread and legitimate disinformation Felipe Bonow Soares 2 Resumo: Este estudo busca analisar campanhas de desinformação em mídias sociais. O objetivo geral é explorar estratégias de circulação e legitimação da desinformação na esfera pública em mídias sociais. Dois conjuntos de dados de conversações políticas durante as eleições brasileiras de 2018 são analisados. Utiliza-se Análise de Redes Sociais como método. Os principais resultados são: mídias partidárias e líderes de opinião são cruciais para legitimar a desinformação; ambos também são importantes para sua circulação, já que possuem grande visibilidade nas mídias sociais; outros usuários, quando em câmaras de eco, também auxiliam na circulação de desinformação ao compartilhar o conteúdo de mídias partidárias e líderes de opinião; por fim, hashtags também são utilizadas com o objetivo de aumentar a circulação de desinformação. Palavras-Chave: Análise de Redes Sociais. Desinformação. Esfera pública. Abstract: This study aims to analyze disinformation campaigns on social media. It seeks to explore the strategies to spread and legitimate disinformation on social media public sphere. Two datasets of political conversations during the 2018 Brazilian presidential elections are analyzed. Social Network Analysis is used as a method. The main findings are: partisan media and opinion leaders are crucial in disinformation legitimation; they both are also important to spread disinformation because of their visibility on social media; other users within echo chambers also helps to spread it by sharing content from partisan media and opinion leaders; hashtags are also used in order to increase disinformation circulation. Keywords: Disinformation. Public Sphere. Social Network Analysis. 1. Introdução A eleição presidencial brasileira em 2018, em que Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal PSL) saiu vencedor, foi dotada de controvérsias. Luís Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT), ex-presidente do país (2003-2010) e uma das figuras mais fortes da esquerda no âmbito político, liderava as pesquisas 3 quando foi impedido de concorrer em 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Cibercultura do XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2018. 2 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), [email protected]. 3 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/lula-lidera-intencoes-de-voto-seguido-por-bolsonaro-aponta- pesquisa-cnt.shtml.

ESFERA PÚBLICA E DESINFORMAÇÃO: estratégias de circulação ... · Sociais como método. Os principais resultados são: mídias partidárias e líderes de opinião são cruciais

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

1 www.compos.org.br

www.compos.org.br/anais_encontros.php

ESFERA PÚBLICA E DESINFORMAÇÃO: estratégias de circulação e legitimação da desinformação1

PUBLIC SPHERE AND DISINFORMATION: the strategies to spread and legitimate disinformation

Felipe Bonow Soares 2

Resumo: Este estudo busca analisar campanhas de desinformação em mídias sociais. O objetivo

geral é explorar estratégias de circulação e legitimação da desinformação na esfera

pública em mídias sociais. Dois conjuntos de dados de conversações políticas

durante as eleições brasileiras de 2018 são analisados. Utiliza-se Análise de Redes

Sociais como método. Os principais resultados são: mídias partidárias e líderes de

opinião são cruciais para legitimar a desinformação; ambos também são

importantes para sua circulação, já que possuem grande visibilidade nas mídias

sociais; outros usuários, quando em câmaras de eco, também auxiliam na circulação

de desinformação ao compartilhar o conteúdo de mídias partidárias e líderes de opinião; por fim, hashtags também são utilizadas com o objetivo de aumentar a

circulação de desinformação.

Palavras-Chave: Análise de Redes Sociais. Desinformação. Esfera pública.

Abstract: This study aims to analyze disinformation campaigns on social media. It seeks to explore

the strategies to spread and legitimate disinformation on social media public sphere.

Two datasets of political conversations during the 2018 Brazilian presidential

elections are analyzed. Social Network Analysis is used as a method. The main

findings are: partisan media and opinion leaders are crucial in disinformation

legitimation; they both are also important to spread disinformation because of their visibility on social media; other users within echo chambers also helps to spread it

by sharing content from partisan media and opinion leaders; hashtags are also used

in order to increase disinformation circulation.

Keywords: Disinformation. Public Sphere. Social Network Analysis.

1. Introdução

A eleição presidencial brasileira em 2018, em que Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal

– PSL) saiu vencedor, foi dotada de controvérsias. Luís Inácio Lula da Silva (Partido dos

Trabalhadores - PT), ex-presidente do país (2003-2010) e uma das figuras mais fortes da

esquerda no âmbito político, liderava as pesquisas3 quando foi impedido de concorrer em

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Cibercultura do XXVIII Encontro Anual da

Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2018. 2 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS), [email protected]. 3 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/lula-lidera-intencoes-de-voto-seguido-por-bolsonaro-aponta-

pesquisa-cnt.shtml.

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função de sua condenação por corrupção4. Fernando Haddad (PT) assumiu em seu lugar e

acabou derrotado no segundo turno para Bolsonaro, que é conhecido por suas posições e

declarações polêmicas5. Além disso, a campanha de Bolsonaro também foi acusada de

disseminar informações falsas6 em uma eleição que chamou a atenção pelo alto número de

conteúdo falso ou manipulado que circulou em mídias sociais7.

Contextos de desinformação se proliferam por todo o mundo, muitas vezes

impulsionados por mídias partidárias, que dizem contrapor a imprensa tradicional com versões

alternativas dos fatos (BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018; SOON & GOH, 2018;

LARSSON, 2019). Neste sentido, pretende-se explorar as estratégias utilizadas para disseminar

e legitimar desinformação na esfera pública em mídias sociais. Em específico, adota-se o

Twitter8 como plataforma observada e são analisadas conversações em duas datas importantes

durante as campanhas eleitorais de 2018: a) 28 de setembro, quando a Veja publicou acusações

da ex-mulher de Bolsonaro contra o então candidato; e b) 18 de outubro, quando a Folha de S.

Paulo divulgou esquema de Caixa 2 na campanha de Bolsonaro utilizado para disseminar

informações contra o PT. A escolha destes eventos se dá em função da presença de mídias

partidárias que diziam apresentar uma verdade alternativa ao que era divulgado pela imprensa

tradicional. Assim, é possível observar de maneira mais ampla as estratégias utilizadas na

campanha de desinformação e como isto afeta a esfera pública em mídias sociais.

2. Esfera Pública e mídias sociais

O conceito de esfera pública é especialmente associado aos estudos de Habermas (1984,

1997). A ideia de esfera pública para Habermas (1984) é necessariamente relacionada à

democracia e ao debate do que é de interesse da sociedade, de forma a legitimar a atuação do

poder público. Habermas (1997, p. 92), define a esfera pública como “uma rede adequada para

a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais

4 https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/31/maioria-dos-ministros-do-tse-vota-pela-

rejeicao-da-candidatura-de-lula.ghtml. 5 https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/as-frases-polemicas-de-jair-bolsonaro/. 6 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-

whatsapp.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha e

https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/das-123-fake-news-encontradas-por-agencias-de-checagem-104-

beneficiaram-bolsonaro/. 7 https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45666742 e https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/medir-

impacto-de-fake-news-nas-eleicoes-e-dificil-diz-chefe-de-missao-da-oea.shtml. 8 www.twitter.com.

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são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em

temas”.

A esfera pública pode ser observada a partir de dois fenômenos: a esfera da visibilidade

pública e a esfera da discussão pública (GOMES, 2008). Ambos estão entrelaçados e a perda

de qualidade de qualquer um afeta diretamente o outro e a esfera pública como um todo. A

esfera da visibilidade pública se refere a disponibilidade de temáticas e informações relevantes

para os participantes, além de pressupor a construção de uma discussão aberta em que

indivíduos possam se engajar. A esfera da discussão pública se refere a participação efetiva no

debate e a qualidade da deliberação. Assim, das estratégias que se pretende analisar neste

estudo, a busca por disseminação de desinformação está relacionada principalmente com a

esfera da visibilidade pública, enquanto a legitimação da desinformação afeta principalmente

a esfera da discussão pública.

A ideia de esfera pública é centrada na publicidade (no sentido de ser de acesso público)

de conteúdo, na abertura da discussão e na interação entre os participantes. Estes aspectos

também são levados em conta quando autores discutem a formação da esfera pública em mídias

sociais, com especial foco no último (PAPACHARISSI, 2009; BASTOS, 2011; FUCHS, 2015;

BRUNS & HIGHFIELD, 2016). De forma geral, os autores concordam que a interação é

aspecto fundamental para a qualidade da esfera pública, garantindo circulação de informações

e contraponto de ideias. Fuchs (2015), por exemplo, entende que a tendência de fragmentação

nas discussões nas mídias sociais, ou seja, a falta de interação entre os participantes, impede a

formação da esfera pública nestes espaços.

Para este estudo, assume-se a formação da esfera pública em espaços como plataformas

de redes sociais. Ainda assim, entende-se que sua qualidade como esfera pública depende de

diversos aspectos, como acesso a informações de qualidade necessárias para o debate, interação

entre os participantes e deliberação entre aqueles que defendem diferentes pontos de vista. Ou

seja, sua qualidade como esfera pública depende da qualidade das esferas da visibilidade

pública e discussão pública. Entende-se, portanto, que a fragmentação do debate (FUCHS,

2015) pela presença de grupos isolados, assim como a circulação de informações de baixa

qualidade não impedem a formação de esfera pública, mas são prejudiciais para a sua

contribuição democrática. Alguns destes elementos que podem afetar a esfera pública nas

mídias sociais são discutidos abaixo.

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3. Polarização política e desinformação

Conversações políticas em mídias sociais tendem a formar o que autores (SMITH et al.,

2014; HIMELBOIM et al., 2017) chamam de “multidões polarizadas”. Nesta estrutura de rede,

identifica-se a presença de dois grupos com opiniões antagonistas que possuem poucas

conexões entre si, de forma que os usuários que formam o grupo tendem a se conectar

preferencialmente com aqueles que possuem a mesma posição na discussão. Este tipo de

estrutura de rede é comum também nas conversações políticas no Twitter no Brasil

(RECUERO, ZAGO & SOARES, 2017).

A polarização nas discussões políticas (relacionada com a formação de multidões

polarizadas) favorece a fragmentação nas discussões apontada por Fuchs (2015) como uma

problemática para a esfera pública. É importante ressaltar que a polarização em conversações

políticas é resultado especialmente da ação dos usuários, que escolhem produzir e compartilhar

conteúdo a favor de apenas uma posição no assunto debatido (SOARES, RECUERO & ZAGO,

2018) – ainda que a filtragem social realizada por algoritmos de sites de redes sociais possa

facilitar esse processo (PARISER, 2012).

Quando há limitação na circulação de informações em redes polarizadas, as esferas da

visibilidade pública e da discussão pública são afetadas (GOMES, 2008). Na questão da

visibilidade, o acesso a conteúdo relevante tende a ser reduzido, assim como a participação em

discussões mais restrita. No caso da discussão, a tendência é que haja menor presença de

contrapontos nas discussões em pequenos grupos, já que usuários acabam se reunindo com

aqueles que compartilham suas posições, enfraquecendo a qualidade do debate.

A polarização também pode favorecer a formação de câmaras de eco (SUNSTEIN,

2001). Este conceito é utilizado para denominar grupos políticos bastante fechados com forte

tendência a homofilia. Ou seja, grupos que tendem a compartilhar um pensamento em comum

e reproduzir apenas conteúdo que reforça esse pensamento. Os indivíduos que formam uma

câmara de eco tendem a radicalizar seus posicionamentos e são pouco receptíveis a outros

pontos de vista (SUNSTEIN, 2001), de forma que a exposição a pensamentos opostos tende a

aumentar o isolamento destes grupos (BAIL et al., 2018).

Na formação de câmaras de eco, certos usuários são especialmente capazes de influenciar

a discussão. Dentre eles, destaca-se para os fins deste estudo o papel desempenhado pelos

líderes de opinião. Estes costumam ser indivíduos engajados em assuntos políticos, que

costumam ter grande visibilidade em função de seu número de seguidores e produzem

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conteúdo que reforça o posicionamento da câmara de eco da qual fazem parte, fortalecendo a

posição única dentro do grupo (SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018).

Câmaras de eco e grupos políticos isolados são espaços que favorecem a circulação de

desinformação e facilmente formam uma percepção de falso consenso (SOON & GOH, 2018).

Por desinformação, entende-se a produção e o compartilhamento de conteúdo falso ou

manipulado com a intenção de afetar a esfera pública (BENKLER, FARIS & ROBERTS,

2018). A intencionalidade da desinformação a diferencia, por exemplo, de erros em coberturas

jornalísticas, que também podem afetar a esfera pública. Em inglês, utiliza-se o termo

disinformation para a primeira (intencional) e misinformation para a segunda (não intencional)

(BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018).

Entre os atores que propagam desinformação, há destaque para mídias partidárias, isto é,

veículos jornalísticos ou que aparentam produzir jornalismo, mas que compartilham

intencionalmente informações falsas ou manipuladas. Estes veículos são normalmente nativos

digitais e costumam apresentar seu conteúdo como uma “verdade” alternativa, que não é

abordada pelo jornalismo tradicional (LARSSON, 2019).

Em contextos de conversações políticas com formação de câmara de eco e grande

circulação de desinformação, há o risco de formação de polarização assimétrica (BENKLER,

FARIS & ROBERTS, 2018). Esta ocorre quando um dos grupos que faz parte da conversação

se isola do resto da rede (como as câmaras de eco) e tem um consumo midiático enviesado,

especialmente baseado em mídias partidárias. Assim, enquanto há maior diversidade no resto

da rede, o grupo isolado possui uma narrativa própria e é hostil a posições adversas.

Naturalmente, este tipo de formação estrutural também é prejudicial para a esfera pública, já

que limita a visibilidade e enfraquece a discussão, especialmente no grupo “assimétrico”.

4. Metodologia

Os dados utilizados neste estudo foram extraídos do Twitter por meio do Social Feed

Manager9. Foram coletados tweets com a palavra-chave “Bolsonaro” durante todo o período

de campanha eleitoral no Brasil (agosto-outubro de 2018). A coleta dos dados foi realizada

diariamente, uma vez por hora. Destes dados, foram filtrados os conjuntos de dados de duas

datas para análise. Em função do objetivo de analisar a propagação e a legitimação da

desinformação, as datas escolhidas para a análise foram: 28 de setembro de 2018, quando a

9 https://library.gwu.edu/scholarly-technology-group/social-feed-manager.

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revista Veja publicou em reportagem trechos de um processo judicial em que a ex-mulher de

Bolsonaro o acusou de ocultar patrimônio e outros crimes10; e 18 de outubro de 2018, quando

o jornal Folha de S. Paulo acusou Bolsonaro pela prática de Caixa 2 para o disparo de

mensagens contra o PT no aplicativo Whatsapp11. Nas duas ocasiões, além do discurso de

veículos tradicionais jornalísticos, que repercutiram as mensagens, houveram campanhas de

contraponto as acusações, muitas vezes baseadas no espalhamento de desinformação. Com os

dados destes dias, pode-se observar como se dão as campanhas de desinformação e quais as

estratégias utilizadas.

Para a análise, será utilizado como método a Análise de Redes Sociais (ARS)

(WASSERMAN & FAUST, 1994; RECUERO, BASTOS & ZAGO, 2015). A ARS é útil para

analisar a estrutura da conversação, permitindo identificar a presença de polarização e os atores

mais centrais para a discussão. Como as redes analisadas são de conversações no Twitter, cada

nó representa um usuário da plataforma e as conexões representam menções (quando um

usuário menciona outro em uma mensagem) ou retuítes (quando um usuário compartilha a

mensagem de outro usuário com seus contatos – RT).

Duas métricas serão observadas na análise. A primeira é a modularidade, que possibilita

a identificação de grupos na rede ao cruzar as conexões entre os nós que a formam, assinalando

aqueles que possuem conexões mais fortes entre si (BLONDEL et al, 2008). Ou seja, esta

métrica consegue verificar que usuários interagiram mais entre si, formando grupos (módulos)

onde a interação entre os nós é mais densa. A segunda métrica utilizada é o grau de conexão,

em específico o grau de entrada. A métrica de grau de conexão serve para observar a força das

conexões entre nós e possui duas segmentações: o grau de entrada (indegree), que mede o

número de relações que um nó recebe, e o grau de saída (outdegree), que observa as relações

que o nó envia (FREEMAN, 1979). No caso das redes aqui analisadas, o grau de entrada se

refere ao número de menções e RT que um usuário recebe e serve para identificar atores que

alcançaram maior visibilidade nas conversações.

A tabela abaixo (TAB. 1) detalha as características das redes selecionadas para análise.

10 https://veja.abril.com.br/politica/ex-mulher-acusou-bolsonaro-de-ocultar-patrimonio-da-justica-eleitoral/. 11 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-

whatsapp.shtml.

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TABELA 1

Dados das redes analisadas

Data Nós Conexões Modularidade

28 de setembro de 2018 159.991 423.314 0,504

18 de outubro de 2018 278.188 781.547 0,516

Assumindo que as mídias partidárias podem ser fontes de desinformação, após identificar

os grupos formados na conversação, serão identificados os 20 veículos jornalísticos (incluindo

mídias partidárias) com maior grau de entrada em toda a rede. Em seguida, serão identificados

os grupos aos quais estes veículos pertencem e as mensagens que produzem (por meio do tweet

com maior RT nos dados analisados). Por fim, identificando-se a tendência de produção de

desinformação no(s) grupo(s), os 20 nós com maior indegree deste(s) grupo(s) também serão

identificados, assim como suas mensagens mais compartilhadas e o conteúdo destas será

analisado.

5. Resultados

Abaixo são apontados os resultados da análise dos dois conjuntos de dados de acordo

com os aspectos elencados na metodologia.

5.1. Análise da rede de 28 de setembro

É possível identificar na rede de 28 de setembro (FIG. 1) dois grupos principais, um em

verde e outro em fúcsia. O primeiro possui pouco mais de 40% dos usuários da rede, enquanto

o segundo tem aproximadamente 29%.

FIGURA 1 – Rede de 28 de setembro

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A maioria dos veículos com alto indegree faz parte do grupo verde (TAB. 2). Dentre eles,

está a Veja, que é o nó de maior grau de entrada da rede (incluindo outros tipos de usuários),

veículo responsável pela denúncia contra Bolsonaro. Ainda aparecem entre os nós do módulo

verde outros veículos tradicionais, como Folha de S. Paulo, Estadão, G1 e O Globo. No grupo

fúcsia, por outro lado, estão apenas quatro (dos 20) veículos identificados – todos eles nativos

digitais.

TABELA 2

Distribuição de veículos de mídia em 28 de setembro

Veículos Grau de entrada Módulo

Veja 10.915 Verde

Renova Mídia 3.437 Fúcsia

Folha de S. Paulo 2.939 Verde

Politz Oficial 2.300 Fúcsia

Conexão Política 2.291 Fúcsia

Mídia NINJA 1.954 Verde Revista Época 1.909 Verde Estadão 1765 Verde O Antagonista 1.689 Fúcsia

Revista Exame 1633 Verde G1 1069 Verde UOL 942 Verde Diário do Centro do Mundo 911 Verde UOL Notícias 735 Verde Brasil 247 689 Verde Carta Capital 598 Verde Jota.Info 472 Verde InfoMoney 451 Verde O Globo 402 Verde BuzzFeed News Brasil 373 Verde

De modo geral, os tweets dos veículos de mídia que fazem parte do grupo verde

reverberam a notícia da Veja. Mesmo veículos com linhas editoriais associadas à esquerda,

como a Carta Capital e o Diário do Centro do Mundo, dão destaque ao escândalo envolvendo

Bolsonaro de forma semelhante aos outros jornais. Alguns exemplos:

@VEJA: EXCLUSIVO: Em um processo de mais de 500 páginas, às quais VEJA

teve acesso, ex-mulher acusa Bolsonaro de furtar cofre, ocultar patrimônio, receber

pagamentos não declarados e agir com 'desmedida agressividade'12

@folha: Ex-mulher acusou Bolsonaro de furto de cofre e agressividade13

12 https://twitter.com/veja/status/1045501217995149312. 13 https://twitter.com/folha/status/1045516958249222154.

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@DCM_online: Bolsonaro furtou cofre, ocultou patrimônio e tinha “desmedida

agressividade”, acusou ex-mulher14

@cartacapital: O processo de separação de Bolsonaro e Ana Cristina, revelado por

"Veja", traz uma relação de bens que mostra um patrimônio de 4 milhões de reais do

casal à época. Bolsonaro declarou possuir 433,9 mil à Justiça Eleitoral em 200615

Já as mensagens dos veículos presentes no módulo fúcsia tem como principal foco

afirmar que a informação divulgada pela Veja não é confiável. O tweet de Renova Mídia,

veículo com maior indegree no grupo, inclusive menciona hashtag utilizada para atacar a Veja

– fruto de campanha de desinformação, que acusava a revista de receber 600 milhões de reais

para difamar Bolsonaro.

@RenovaMidia: Após utilizar informações de um divórcio conturbado, em 2007,

para atacar Jair Bolsonaro, a hashtag #Veja600Milhões é um dos assuntos mais

comentados do Twitter brasileiro na manhã desta sexta-feira.16

@PolitzOficial: Bom dia brasileiros! Hoje na madrugada publicamos a informação

com exclusividade: A Editora Abril foi a responsável pelo desarquivamento do

processo familiar de Bolsonaro e sua ex-esposa. Bolsonaro NÃO ERA RÉU no

processo. Ele foi o AUTOR da ação contra ela. Divulguem!17

@conexaopolitica: ÚLTIMAS: VEJA X Bolsonaro: o sensacionalismo por trás de

um processo de pensão alimentícia e guarda18

Em função do conteúdo produzido por veículos de mídia, pode-se induzir que o módulo

que dá visibilidade a desinformação é o fúcsia, enquanto o verde consome informações de

maior variedade de veículos. Com isso, identifica-se também indícios da existência de

polarização assimétrica (BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018), já que não há simetria no

consumo de mídia nos dois grupos – com o módulo fúcsia dando centralidade a mídias

partidárias que participam de campanha de desinformação (como pode ser visto nos tweets

destacados).

Segue-se, então, para a análise dos usuários com maior visibilidade neste grupo. Na

tabela abaixo (TAB. 3), estão os usuários com maior grau de entrada no grupo. Foram

anonimizados usuários que não foram considerados como “pessoas públicas”, ou seja, foram

anonimizados usuários que não são pessoas que optaram por receber visibilidade durante as

campanhas, assumem cargos públicos e/ou tem suas contas verificadas no Twitter. Esta medida

tem o objetivo de preservar a identidade desses usuários.

14 https://twitter.com/DCM_online/status/1045512878692929538. 15 https://twitter.com/cartacapital/status/1045610325486292992. 16 https://twitter.com/RenovaMidia/status/1045638474316107776. 17 https://twitter.com/PolitzOficial/status/1045636741539999745. 18 https://twitter.com/conexaopolitica/status/1045599242964873217.

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TABELA 3

Usuários com maior grau de entrada, módulo fúcsia, 28 de setembro

Usuário Grau de entrada Atividade

@roxmo 7918 Músico

@JanainaDoBrasil 6748 Política

@BolsonaroSP 6358 Político

@FlavioBolsonaro 5338 Político

@leandroruschel19 5173 Empresário

@filgmartin 5120 Político

@Smith_Hays 4272 Político

@usuário1 3726 -

@allantercalivre 3656 Jornalista

@Clauwild1 3593 Comentadora política20

@RenovaMidia 3437 Veículo de mídia

@jairbolsonaro 3102 Político

@usuário2 3093 -

@CarlosBolsonaro 3077 Político @PastorMalafaia 2948 Político @usuário3 2687 -

@bernardopkuster 2635 Jornalista

@usuário4 2572 -

@henriolliveira 2532 Comentador político

@OCorvo_ 2401 Conta desativada

Em suas mensagens, alguns dos usuários diminuem a importância das acusações. Roger

Moreira e Janaína Paschoal inclusive acusam o PT e seus membros de ações mais graves do

que o escândalo envolvendo Bolsonaro. Os usuários também buscam, por meio do menosprezo

pelas acusações, questionar a qualidade dos veículos e sugerir parcialidade. Alguns exemplos:

@roxmo: A menos que descubram que Bolsonaro roubou o país em bilhões, meteu

os brasileiros no comunismo, financiou ditadores pelo mundo e deixou os filhos

milionários, meu voto ainda é dele. Não tem como votar num laranja banana de um

presidiário. Tenho vergonha na cara.21

@roxmo22: Ex-mulher acusou Bolsonaro de furto de cofre e agressividade // Estavam

brigando pela guarda do filho. Alguém viu o que ele alega sobre ela? Está ficando

feio, @folha. Lembra que o molusco acusou a mulher dele de ter feito negócios sem

que ele soubesse?23

@JanainaDoBrasil: Infernizam a vida de Bolsonaro por tudo e qualquer coisa, mas ninguém vai perguntar para Haddad o que José Dirceu quis dizer ao diminuir a

19 Leandro Ruschel é tratado como pessoa pública por sua atuação no período de campanha, já que foi uma das principais vozes na disseminação de conteúdo contrário ao uso das urnas eletrônicas. 20 Foram classificados como comentadores políticos aqueles usuários que não são jornalistas, mas escrevem para

veículos de mídia, especialmente colunas de opinião. 21 https://twitter.com/roxmo/status/1045513552189108225. 22 Como Roger Moreira foi o usuário com maior indegree no grupo e teve duas mensagens com bastante

circulação, optou-se por incluir as duas na análise. 23 https://twitter.com/roxmo/status/1045706030917853184.

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importância das eleições, dado que tomarão o poder de qualquer jeito. Haddad precisa

explicar o que significa "Tomar o Poder"!24

@usuário2: É impressão minha ou as únicas coisas que acharam contra Jair

Bolsonaro até agora foi umas tretas conjugais? Nossa que malvadão este capitão!!!!

Será que ninguém na Veja foi casado ou casada? #Veja600Milhões

Ainda que menções aos veículos jornalísticos que divulgaram o escândalo já apareçam

nas mensagens acima, como destaque para o @usuário2 que utiliza #Veja600Milhões, o

discurso produzido por outros usuários centrais do módulo fúcsia tem foco ainda maior em

questionar a confiança nos veículos tradicionais – especialmente na Veja. A hashtag que acusa

a revista de receber propina para difamar Bolsonaro aparece também nestas mensagens.

@BolsonaroSP: O sistema contra-ataca contra Bolsonaro criando factóides para jogar

as mulheres contra ele. Isso é um bom sinal, representa a realidade de eleição no 1º

turno. O que não é um problema não deve ser tratado como problema.25

@leandroruschel: A matéria da Folha contra Bolsonaro foi assinada pela filha do

secretário de comunicação do PT. A matéria da Veja contra Bolsonaro é assinada por

um notório esquerdista radical, conforme pode ser visto nas suas declarações públicas

nas redes sociais.26

@Smith_Hays: A Veja pegou, usando propina e de forma 100% ilegal, um processo

sigiloso em que Bolsonaro é o AUTOR, para acusá-lo de coisas GRAVÍSSIMAS em

que não há nenhum outro processo sobre. A Veja praticou um CRIME DE LESA-

PÁTRIA! Não resta dúvida de quem recebeu: #VEJA600MILHOES27

Percebe-se que os usuários com maior centralidade no módulo fúcsia reproduzem

discurso bastante semelhante do produzido pelos veículos partidários – com foco principal em

mostrar uma verdade alternativa ao jornalismo tradicional e classificar este como tendencioso

(BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018; LARSSON, 2019). Da mesma forma, identifica-se

que os usuários com maior centralidade, que podem ser considerados líderes de opinião

(SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018), são aqueles que reforçam o posicionamento

predominante no grupo, mantendo uma narrativa pró-Bolsonaro e fortalecendo a estrutura de

câmara de eco (SUNSTEIN, 2001). Para isso, líderes de opinião e mídias partidárias

minimizam a importância das acusações, questionam a qualidade do jornalismo realizado pela

revista Veja e outros veículos tradicionais e atuam no espalhamento de hashtags de ataque à

Veja. Todas estas estratégias são dependentes do uso de desinformação, manipulando

informações e alterando o foco da discussão (para minimizar a relevância do escândalo) e

24 https://twitter.com/janainadobrasil/status/1045635809062400000. 25 https://twitter.com/bolsonarosp/status/1045647664304541696. 26 https://twitter.com/leandroruschel/status/1045675172156633088. 27 https://twitter.com/Smith_Hays/status/1045602131594678272.

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utilizando acusações falsas para indicar que a Veja não é confiável, como o suposto

recebimento de 600 milhões de reais em propina.

5.2. Análise da rede de 18 de outubro

A rede de 18 de outubro (FIG. 2) também é formada por dois grupos centrais. O grupo

verde tem pouco mais de 51% dos usuários da rede, enquanto o módulo fúcsia é composto por

aproximadamente 23% dos nós.

FIGURA 2 – Rede de 18 de outubro.

O panorama de distribuição dos veículos de mídia ao longo da rede é bastante

semelhante ao que foi encontrado em 28 de setembro. Em 18 de outubro, apenas cinco veículos

estão entre os usuários do grupo fúcsia (um a mais do que em 28 de setembro), enquanto os

outros 15 fazem parte do módulo verde. Mais uma vez, aqueles que recebem maior destaque

no módulo fúcsia são mídias partidárias (os três primeiros), como será apontado em seguida

pelo discurso que produzem. No grupo verde, há bastante variedade de veículos, contando com

vários que fazem parte da mídia tradicional no Brasil. Abaixo (TAB. 4) estão os dados sobre a

distribuição dos veículos.

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TABELA 4

Distribuição de veículos de mídia em 18 de outubro

Veículos Grau de entrada Módulo

Mídia NINJA 6191 Verde

Folha de S. Paulo 5987 Verde

O Antagonista 4068 Fúcsia

UOL Notícias 3856 Verde

Renova Mídia 3808 Fúcsia

Conexão Política 2863 Fúcsia

Revista Exame 2730 Verde

Veja 2709 Verde

Jornalistas Livres 2576 Verde

Estadão 2356 Verde

O Globo 1973 Verde

Brasil 247 1907 Verde

G1 1815 Verde

VICE Brasil 1779 Verde

El País Brasil 1722 Verde

Jovem Pan 1589 Fúcsia

Valor Econômico 1569 Fúcsia

Carta Capital 1375 Verde

Diário do Centro do Mundo 1345 Verde

Revista Fórum 1221 Verde

Apesar de ter sido o veículo responsável por acusar Bolsonaro de uso de Caixa 2 para

disparar mensagens contra o PT, a Folha de S. Paulo aparece apenas como segundo maior

indegree. Isto ocorre porque a principal mensagem do veículo no Twitter, que dá destaque ao

escândalo, não utiliza o nome do político, de forma que não entra no dataset analisado (visto

que a palavra-chave utilizada na pesquisa foi “Bolsonaro”):

@folha: Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp28

Ainda assim, a Folha de S. Paulo tem alto grau de entrada em função de outras

mensagens que também mencionam Bolsonaro (exemplo abaixo). Já os outros veículos, em

sua maioria, repercutem a acusação realizada pela Folha de S. Paulo e seus desdobramentos no

cenário eleitoral, como se pode observar nos exemplos:

@folha: Câmara pagou voos para filho de Bolsonaro treinar tiro em Santa Catarina29

@MidiaNINJA: Você, não gosta do Bolsonaro mas de repente recebeu uma

mensagem no seu whatsapp de um nº que você nem conhece com informações sobre

o candidato? Se você não deu seu nº para ninguém e não autorizou esse tipo de

mensagens, o que estão fazendo é crime eleitoral! #Caixa2doBolsonaro30

28 https://twitter.com/folha/status/1052800706065944577. 29 https://twitter.com/folha/status/1052811776625061888. 30 https://twitter.com/MidiaNINJA/status/1052910717316272130.

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@UOLNoticias: Haddad diz que Bolsonaro deixa rastro e cogita pedir prisão por ação

ilegal #UOLnasUrnas #InformacaocontraoAchismo31

@exame: PDT prepara ação para anular eleições após denúncia contra Bolsonaro32

@VEJA: Haddad e partido de Ciro irão à Justiça para cassar chapa de Bolsonaro33

Os veículos do módulo fúcsia, por sua vez, acabam relativizando as acusações, como

na mensagem da Jovem Pan, que em coluna de opinião acusa a imprensa de imparcialidade, e

no tweet da Renova Mídia, que compara os gastos com campanha (Caixa 2 não é contabilizado

nos gastos oficiais), adotando a manipulação de informações como estratégia de

desinformação. O Antagonista, veículo com maior indegree no grupo, dá visibilidade

principalmente para declarações em que Bolsonaro critica o PT, como forma de desqualificar

a acusação que recebe.

@o_antagonista: Bolsonaro: “Apoio voluntário é algo que o PT desconhece”.34

@o_antagonista35: Bolsonaro: “O PT não está sendo prejudicado por fake news, mas

pela verdade”.36

@RenovaMidia: PT pediu ao TSE que declare a inelegibilidade do seu adversário

Jair Bolsonaro (PSL) por abuso de poder econômico. Até o momento, Haddad já

gastou mais de 30 milhões na campanha, enquanto Bolsonaro menos de 400 mil.37

@conexaopolitica: ÚLTIMAS: Haddad espalha fake news: “Folha comprova que

Bolsonaro criou organização criminosa”; a informação é falsa.38

@JovemPanNews: OPINIÃO - Felipe Moura Brasil: Parcialidade da imprensa contra

Bolsonaro só fortaleceu sua candidatura | @BlogDoPim39

Novamente, o que se vê é que veículos do módulo verde repercutem a denúncia

realizada pela Folha de S. Paulo, enquanto aqueles que fazem parte do grupo fúcsia buscam

diminuir a relevância da notícia, inclusive questionando a qualidade do trabalho da imprensa

tradicional. Entende-se, portanto, que o grupo fúcsia é aquele que tem tendência a se engajar

em campanha de desinformação. Além disso, mais uma vez, a estrutura encontrada sugere a

formação de polarização assimétrica (BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018). Sendo assim,

os 20 usuários com maior grau de entrada no módulo fúcsia (TAB. 5) e suas mensagens são

analisados em busca de estratégias para espalhamento de desinformação.

31 https://twitter.com/UOLNoticias/status/1052965172472631296. 32 https://twitter.com/exame/status/1052960509727842305. 33 https://twitter.com/VEJA/status/1052978813590736896. 34 https://twitter.com/o_antagonista/status/1052977928278081536. 35 Uma vez mais, optou-se por reproduzir duas mensagens de um usuário em função de sua centralidade no grupo

e da circulação dividida em mais de um tweet. 36 https://twitter.com/o_antagonista/status/1052987194045059072. 37 https://twitter.com/RenovaMidia/status/1052722190460903426. 38 https://twitter.com/conexaopolitica/status/1052982296859607042. 39 https://twitter.com/JovemPanNews/status/1052910929342545920.

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TABELA 5 Usuários com maior grau de entrada, módulo fúcsia, 18 de outubro

Usuário Grau de entrada Atividade

@BlogDoPim 15941 Jornalista

@jairbolsonaro 9136 Político

@leandroruschel 8078 Empresário

@CarlosBolsonaro 7479 Político

@filgmartin 7473 Político

@RicaPerrone 7268 Jornalista

@JanainaDoBrasil 5961 Política

@MBLivre 5491 Organização política

@usuário5 5371 -

@bolsonaro_1 5257 Perfil fake

@carlosjordy 4680 Político

@PSL_Nacional 4503 Partido político

@o_antagonista 4068 Veículo de mídia

@usuário6 3927 -

@CarlaZambelli17 3856 Política

@RenovaMidia 3808 Veículo de mídia

@luciano_hang40 3733 Empresário

@usuário7 3729 -

@Clauwild1 3511 Comentadora política

@blogdojefferson 3476 Político

As mensagens de Felipe Moura Brasil, usuário com maior indegree no grupo fúcsia,

são basicamente reproduções dos tweets dos veículos de mídia citados acima, acusando a

imprensa de parcialidade, afirmando que o PT só é prejudicado pela verdade e que Haddad

espalhou “fake news” ao acusar Bolsonaro a partir da reportagem da Folha de S. Paulo. Dentre

os outros usuários, alguns associam as acusações da Folha de S. Paulo ao PT, indicado o partido

e Fernando Haddad como responsáveis por acusar Bolsonaro. Isto faz com que a credibilidade

do escândalo divulgado pela imprensa perca força, já que os supostos responsáveis seriam os

adversários na corrida eleitoral.

@leandroruschel: Haddad acusa Bolsonaro de Caixa 2!!! O PT usou mais de R$ 3

bilhões de reais em Caixa 2 de campanha nos últimos anos! Só psicopata pode ter

tamanha cara de pau.41

@CarlosBolsonaro: Jamais vi um candidato se vitimizar tanto como Andrade.

Bolsonaro respira e o pau mandado do corrupto preso diz que o CO2 produzido pode

mata-lo. Meu pai está se lixando pra você! Vá trabalhar e produzir algo. Esse papo

só cola com seus marketeiros e alinhados! O Brasil agradece!42

40 Luciano Hang teve participação efetiva na campanha de Bolsonaro durante as eleições, inclusive sendo acusado

de intimidar funcionários de sua empresa a votarem no político. 41 https://twitter.com/leandroruschel/status/1052937090638462976. 42 https://twitter.com/CarlosBolsonaro/status/1052893859817185280.

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Há também usuários que buscam diminuir a relevância da notícia, assim como foi visto

nos dados de 28 de setembro. O Movimento Brasil Livra fala em desonestidade da Folha de S.

Paulo, enquanto Filipe Martins (que após as eleições foi chamado para ser assessor de

Bolsonaro) minimiza a capacidade de mobilização do PT como forma de desprezar a

necessidade de uso de dinheiro para impulsionar campanha contrária ao partido. Já o jornalista

Rica Perrone menciona a prisão de Lula para minimizar a acusação contra Bolsonaro.

@MBLivre: A Folha não provou até agora qualquer relação entre Bolsonaro e os

supostos empresários bancando a campanha anti-PT. Portanto falar em caixa 2 é

desonestidade do próprio jornal e dos petistas que estão explorando isso. É uma tese

totalmente furada.43

@filgmartin: Por que diabos alguém gastaria dinheiro para impulsionar mensagens

contra o PT ou a favor de Bolsonaro? Qualquer moleque conservador tem mais

engajamento nas redes sociais do que o Marmita, que não coloca mil pessoas numa

live. Quem precisa de dinheiro pra combater isso?44

@RicaPerrone: Lula preso com 2 mil paginas de processo. "Não tem provas!"

Matéria da Folha sem uma prova, uma aspa, apenas "teria", e ZERO documentos:

"Bolsonaro bandido!!! Ta provado! Prendam!!!" Petista é tudo debil mental mesmo.

kkkk45

A mensagem do Partido Social Liberal, do qual Bolsonaro faz parte, chama os usuários

a compartilhar vídeos demonstrando seu apoio ao então candidato. A estratégia, que conta com

o uso da hashtag #MarketeirosDoJair, serve para justificar que a campanha de Bolsonaro não

necessitaria de uso de dinheiro de empresários para divulgar informações contra o PT. Apesar

de não acusar diretamente a Folha de S. Paulo de manipular informações, como no uso de

#Veja600Milhões, a hashtag também busca desqualificar a informação do veículo, já que gera

uma campanha de apoiadores que dizem ser responsáveis pela circulação de mensagens sem o

recebimento de dinheiro – o que nada tem a ver com disparos de mensagens no formato

denunciado pela reportagem.

@PSL_Nacional: Você também é um marqueteiro do Jair. Grave um vídeo contando

como você colabora para a eleição de Jair Bolsonaro e publique com a hashtag

#MarketeirosDoJair em seu Twitter ou Instagram. Vamos fortalecer ainda mais essa

campanha!46

Outros usuários com centralidade no módulo fúcsia não se remetem diretamente ao

conteúdo da reportagem da Folha de S. Paulo, mas também estão engajados na propagação de

desinformação. Luciano Hang acusa a Globo News de tentar “vender” Haddad. Já Carla

Zambelli afirma ser falsa a informação de que Bolsonaro foi proibido de falar sobre o “kit

43 https://twitter.com/MBLivre/status/1052945781357981696. 44 https://twitter.com/filgmartin/status/1052953217632485376. 45 Mensagem deletada pelo usuário. 46 https://twitter.com/PSL_Nacional/status/1052939410747117568.

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gay”47 pelo TSE – o que não é verdade: o TSE inclusive mandou retirar do ar vídeos sobre o

tema48.

@luciano_hang: A globo news esta liquidada. Fala com um público que hoje é

90/95% bolsonaro e tenta vender o Haddad. É assim que fecha uma empresa. Vende

um produto que ninguém quer comprar. @jairbolsonaro49

@CarlaZambelli17: É MENTIRA que o TSE proibiu o Bolsonaro de falar do Kit Gay. O Min. Horbach concluiu que o PT buscava "impedir que o candidato

representado chame o material de ‘kit gay’", o que "materializaria verdadeira censura

contra o candidato [Bolsonaro]". PT, PARE DE MENTIR! ALÔ, TSE!50

Quem também não menciona a reportagem da Folha de S. Paulo, mas participa de

campanha de desinformação é o próprio Jair Bolsonaro. O político compartilha em sua página

um trecho editado de um vídeo de Fernando Haddad, que daria a entender que o petista elogia

Bolsonaro – o que não ocorre na sequência do vídeo51. Ao manipular o vídeo, Bolsonaro

contribui para a propagação de desinformação.

@jairbolsonaro: Depois de Cid Gomes, agora, é a vez do próprio Andrade tentar

ajudar Bolsonaro! Kkkk...52

Ainda que a variedade de tópicos presentes nas mensagens de 18 de outubro seja maior

do que o que foi encontrado nos tweets de 28 de setembro, também se vê aqui um objetivo

central de classificar a reportagem de Folha de S. Paulo como um conteúdo não confiável,

apresentando em conjunto com mídias partidárias uma verdade alternativa (BENKLER,

FARIS & ROBERTS, 2018; LARSSON, 2019). Novamente, os líderes de opinião do grupo

(SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018) participam de ação conjunta com foco em preservar

a narrativa pró-Bolsonaro entre os usuários do grupo, o que favorece a formação da estrutura

de câmara de eco (SUNTEIN, 2001). A manipulação de informações está novamente presente

em conjunto com a campanha de desqualificação da mídia tradicional. Por fim, utiliza-se

também uma hashtag que visa, ainda que com menos ênfase do que #Veja600Milhões,

menosprezar a qualidade da reportagem da Folha de S. Paulo, destacando o apoio voluntário

entre os apoiadores de Bolsonaro (#MarketeirosDoJair).

47 O próprio “kit gay” é fruto de desinformação, já Bolsonaro afirma que Haddad, enquanto ministro da educação, teria distribuído em escolas com informações inapropriadas para crianças – o que nunca ocorreu. 48 https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/tse-diz-que-kit-gay-nao-existiu-e-proibe-bolsonaro-de-

disseminar-noticia-falsa/. 49 https://twitter.com/luciano_hang/status/1052617164119842816. 50 https://twitter.com/CarlaZambelli17/status/1052171197356617728. 51 O vídeo original pode ser visto aqui: https://www.facebook.com/watch/?v=325316861354260. 52 https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1052585112314028032.

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6. Discussão

Os resultados apresentados acima representam algumas ameaças para a formação de uma

esfera pública capaz de gerar ganhos democráticos por meio das conversações no Twitter. As

duas redes analisadas possuem a estrutura de “multidões polarizadas” (SMITH et al., 2014;

HIMELBOIM et al., 2017), com dois grupos com poucas conexões entre si. Esta estrutura

tende a fragmentar a discussão na esfera pública (FUCHS, 2015), já que são poucos os nós

capazes de possibilitar a circulação de conteúdo nos dois módulos (BRUNS & HIGHFIELD,

2016).

O consumo de mídia nos grupos também indica a formação de polarização assimétrica

(BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018), já que no módulo fúcsia as mídias partidárias

assumem centralidade entre veículos de mídia, enquanto veículos tradicionais fazem parte do

grupo verde. Como as duas redes comportam discussões de reportagens negativas para

Bolsonaro, os resultados são inconclusivos para sugerir a formação de polarização assimétrica

ao longo da campanha, já que que o isolamento do grupo e o consumo de mídia partidária pode

ser derivado das notícias negativas para o então candidato. De qualquer forma, a assimetria

encontrada nas duas redes analisadas também favorece a formação de câmara de eco

(SUNSTEIN, 2001) e isto se sustenta pelas mensagens dos líderes de opinião (SOARES,

RECUERO & ZAGO, 2018) presentes no módulo fúcsia, que produzem conteúdo de reforço

a narrativa pró-Bolsonaro – posição aparentemente geral do grupo. Estas são algumas das

possíveis razões para o fortalecimento de campanhas de desinformação entre os usuários que

formam o grupo fúcsia – o que não ocorre no módulo verde nos conjuntos de dados analisados.

Visto que o objetivo deste estudo é identificar estratégias de circulação e legitimação de

desinformação, o foco desta discussão se dá no olhar dos resultados a partir desta base. A

questão da circulação está mais fortemente associada a esfera da visibilidade pública (GOMES,

2008), já que a maior propagação de desinformação afeta a amplitude do debate e o acesso a

conteúdo de qualidade. A legitimação da desinformação, por sua vez, se aproxima da esfera da

discussão pública (GOMES, 2008), porque informações manipuladas ou falsas são tomadas

como verdade e utilizadas como premissas em uma discussão, impossibilitando que esta se

desenvolva adequadamente.

A ação de mídias partidárias é fundamental para dar visibilidade e, principalmente,

legitimidade para a desinformação. A aparência de jornalismo na produção de uma “verdade

alternativa” aos meios tradicionais (LARSSON, 2019) favorece para legitimar a informação na

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esfera pública. Por preservar a aparência jornalística, as mídias partidárias assumem a

credibilidade da atividade, que tem forte papel social. Este tipo de conteúdo também tende a

ser mais facilmente compartilhado, já que tem aparência de notícia (informativa) e se destaca

em relação com a opinião de outros tipos de usuários, afetando também a esfera da visibilidade

pública.

Os líderes de opinião (SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018) também tem ação efetiva

nas campanhas de desinformação. Por geralmente dotar de reputação/autoridade entre os

usuários do grupo, em especial em formações de câmaras de eco, além de produzir conteúdo

semelhante ao posicionamento do grupo, os líderes de opinião têm suas mensagens mais

facilmente tomadas como confiáveis (SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018). Assim, ao

publicar informações manipuladas ou falsas ou ao desqualificar veículos tradicionais de

jornalismo, os líderes de opinião legitimam estas versões alternativas do que é debatido –

assumindo em conjunto uma narrativa favorável ao seu posicionamento em conjunto com

mídias partidárias. Desta forma, afetam a esfera da discussão pública porque a desinformação

é tomada como verdade.

Os líderes de opinião também costumam ter números expressivos de seguidores – muitos

destes bastante ativos (SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018). Portanto, quando propagam

desinformação, também dão maior visibilidade a este conteúdo, influenciando na esfera da

visibilidade pública. Este processo é favorecido pela ação de outros usuários, que compartilham

estas mensagens – como foi visto nos resultados dos dados analisados, os usuários com maior

indegree no grupo fúcsia mantêm o padrão de comportamento de utilizar desinformação como

forma de manutenção da narrativa pró-Bolsonaro. Ou seja, também os outros usuários do grupo

favorecem a visibilidade da desinformação a compartilhar este tipo de conteúdo.

O uso de hashtags também tende a aumentar a visibilidade de um tweet (BODE et al.,

2014; AQUINO BITTENCOURT, 2016). Como visto na análise dos dados, nas duas redes

analisadas o uso de hashtags se fez presente. Em 18 de outubro, o uso de #MarketeirosDoJair

tem basicamente o objetivo de desqualificar a acusação da Folha de S. Paulo. Já em 28 de

setembro, o uso de #Veja600Milhões também é uma forma de atacar diretamente a revista,

lançando desconfiança sobre seus critérios na produção jornalística. Ainda que o conteúdo das

hashtags seja relevante, sua principal influência na esfera pública se dá na questão da

visibilidade, já que geram campanhas de compartilhamento e aumentam a visibilidade do

conteúdo produzido.

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Por fim, outra estratégia presente nos dados foi a tentativa de alterar o assunto debatido.

Esta se fez mais presente em 18 de outubro, quando o próprio Jair Bolsonaro publica vídeo

manipulado em que Haddad parece o elogiar e outros usuários também deram destaque para

temáticas mais amplas. Ainda que esta estratégia tenha menor influência na esfera pública, ela

acaba afetando principalmente a esfera da visibilidade pública ao aumentar o fluxo temático

relevante no momento – disputando visibilidade, portanto, com as reportagens negativas.

Em específico sobre o conteúdo da desinformação (ainda que este não seja o foco central

deste artigo), identifica-se que as mensagens para frear notícias negativas costumam focar em:

a) diminuir a relevância das acusações, ao assumir que não afetam o caráter do político e ao

mencionar possíveis acusações contra adversários em campanha; e b) questionar a

credibilidade dos veículos e das acusações, sugerindo parcialidade, ação de políticos da

oposição e até mesmo uso de dinheiro ilegal. Ao questionar a relevância das acusações e a

qualidade dos veículos jornalísticos, aqueles que propagam desinformação buscam manter

intacta a sua narrativa política – que parece ser o principal objetivo nas campanhas de

desinformação analisadas e nas estratégias adotadas para aumentar visibilidade e legitimidade

do conteúdo compartilhado.

7. Considerações finais

Este artigo buscou analisar estratégias de circulação e legitimação de desinformação na

esfera pública em mídias sociais. Foram analisadas duas conversações políticas no Twitter

durante as eleições presidenciais brasileiras, ambas repercutindo reportagens que acusavam

Jair Bolsonaro, então candidato, de crimes. Utilizou-se a análise de redes sociais como método.

Identificou-se que mídias partidárias e líderes de opinião foram cruciais no processo de

legitimação da esfera pública. As mídias partidárias utilizaram a linguagem jornalística para

apresentar uma verdade alternativa aos meios tradicionais (LARSSON, 2019), se apropriando

da credibilidade da atividade para buscar legitimar seu discurso. Já os líderes de opinião

utilizam sua reputação e autoridade entre outros usuários dos grupos políticos isolados dos

quais fazem parte (SOARES, RECUERO & ZAGO, 2018) para legitimar o conteúdo que

publicam. Assim, ambos afetam a esfera da discussão pública (GOMES, 2008), ao dar

relevância para conteúdo falso ou manipulado e, consequentemente, diminuir a qualidade do

debate.

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Pela credibilidade de mídias partidárias e líderes de opinião entre outros usuários dos

grupos políticos identificados como câmaras de eco (SUNSTEIN, 2001) em um contexto de

polarização assimétrica (BENKLER, FARIS & ROBERTS, 2018), também foi possível sugerir

que estes atores afetam a esfera da visibilidade pública (GOMES, 2008). Como líderes de

opinião possuem muitos seguidores e as mensagens de mídias partidárias aparentam o formato

jornalístico, estes atores alcançam mais facilmente grande visibilidade entre usuários que

formam as câmaras de eco – aumentando a visibilidade de conteúdo falso ou manipulado

utilizado para influenciar a esfera pública.

Desta forma, também é possível afirmar que outros usuários das câmaras de eco também

aumentam a circulação de desinformação. Ao compartilhar mensagens dos veículos partidários

e líderes de opinião (que alcançaram alto indegree na rede), os outros usuários afetam a esfera

da visibilidade pública ao difundir conteúdo de baixa qualidade. Por fim, esta também é afetada

no uso de hashtags, visto que isto aumenta a visibilidade de tweets quando utilizada, além de

gerar mobilização em seu uso – ampliando a sua circulação. Enquanto em 18 de outubro o uso

de #MarketeirosDoJair tinha principal objetivo desqualificar as acusações, em 28 de setembro

o uso de #Veja600Milhões também buscava diretamente difamar o veículo por meio de

desinformação.

Este estudo possui algumas limitações, como a análise de apenas dois conjuntos de dados.

A análise de outros datasets pode revelar outras estratégias, além de comprovar as já

identificadas aqui. Da mesma forma, forma utilizados contextos em que a mídia tradicional deu

destaque a uma notícia negativa sobre um candidato. Outros contextos também podem ser

explorados para resultados mais amplos. Além disso, estudos futuros podem observar questões

como a formação de polarização assimétrica durante as campanhas, analisando também datas

mais “neutras”. Outras plataformas também podem ser observadas para um estudo mais amplo

sobre desinformação e esfera pública, observando também a convergência de espaços digitais

na propagação de desinformação.

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