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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Luise Martins da Silva ESPAÇO PÚBLICO E CIDADANIA Usos e Manifestações Urbanas RIO DE JANEIRO 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Luise Martins da Silva

ESPAÇO PÚBLICO E CIDADANIA

Usos e Manifestações Urbanas

RIO DE JANEIRO

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Luise Martins da Silva

ESPAÇO PÚBLICO E CIDADANIA

Usos e Manifestações Urbanas

RIO DE JANEIRO

2009

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Silva, Luise Martins da. S586 Espaço público e cidadania: usos e manifestações urbanas / Luise Martins da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU, 2009.

168 f.: il.; 30 cm.

Orientadora: Denise Barcellos Pinheiro Machado.

Dissertação (mestrado) - UFRJ/PROURB/ Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, 2009.

Referências bibliográficas: f. 164 –168.

. 1. Urbanismo. 2. Espaços públicos. 3. Cidadania. I. Machado, Denise Barcellos Pinheiro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo. IV. Título.

CDD 711

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Luise Martins da Silva

ESPAÇO PÚBLICO E CIDADANIA

Usos e Manifestações Urbanas

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Urbanismo (PROURB), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em Urbanismo.

Orientadora: Prof. Dra Denise Barcellos Pinheiro Machado

RIO DE JANEIRO 2009

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Luise Martins da Silva

ESPAÇO PÚBLICO E CIDADANIA

Usos e Manifestações Urbanas

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Urbanismo (PROURB), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em Urbanismo.

Aprovada em:

Profa Dr

a Denise Barcellos Pinheiro Machado

Universidade Federal do Rio de Janeiro (Orientadora)

Profa Dr

a Lucia Maria Sá Antunes Costa

Universidade Federal do Rio de Janeiro (Co-orientadora)

Profa Dr

a Eliane da Silva Bessa

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Profa Dr

a Marlice Nazareth Soares de Azevedo

Universidade Federal Fluminense

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Àquela que sem a qual eu não faço sentido.

À vó Edy, a primeira pessoa que me falou sobre as delícias de se conhecer o mundo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao Prourb, por toda estrutura oferecida que possibilitou o desenvolvimento

desta pesquisa em um programa de pós-graduação de excelência.

Ao CNPq e à Faperj por contribuírem com o desenvolvimento e a difusão do conhecimento no Brasil.

À Denise Pinheiro Machado, minha orientadora, pelas contribuições valiosas direcionadas ao

desenvolvimento deste trabalho e também pelas oportunidades inigualáveis proporcionadas no

âmbito da viagem de estudos.

Aos professores do Prourb, especialmente Luciana Andrade, Eliane Bessa e Rachel Coutinho pelo

apoio prestado ao longo do curso.

Aos funcionários do Prourb, Keila, Carlos e Dona Francisca pela ajuda irrestrita.

Aos professores Kees Doevedans e Han Lörzing, da Technische Universiteit Eindhoven, pelo apoio

logístico durante o período passado na Holanda.

Ao professor Miquel Martí i Casanovas, da Universitat Politècnica de Catalunya pela conversa

esclarecedora.

Aos colegas de mestrado da turma de 2007, especialmente Aline, Ana Luisa, Malu e Simone por

compartilhar tanto o carinho, quanto o conhecimento.

Ao Raffa, por ter se tornando, mais do que um colega, um grande amigo.

Às pessoas especiais daqui ou de lá que brindaram a convivência comigo com amizade, apoio e

companheirismo desde o início dessa jornada ainda em Porto Alegre até os dias de hoje na Cidade

Maravilhosa, especialmente ao Alexandre, ao Fabio, à Fernanda, ao Gabriel, ao Guido, à Mariana e

ao Wagner. Tudo fica mais fácil quando se tem amigos.

Às minhas duas avós, principalmente a Vó Nina, que nos deixou enquanto eu estava longe, mas que

gravou em todos nós sua marca de força e doçura e seu exemplo de vida.

À Melissa, o melhor presente ganho durante o período deste curso, que com sua inocência fez

renascer em mim a busca premente por uma sociedade mais justa.

À Mariane por compartilhar comigo o verdadeiro significado da palavra “irmãs”, estando presente de

longe e de perto em absolutamente todos os momentos da minha vida.

Aos meus pais, Dico e Rosa, por serem os melhores ‘gestores’ de família que eu conheço,

viabilizando com muito esforço as condições necessárias à construção do nosso caminho. Aos dois o

meu agradecimento incondicional e eterno pelo amor desmedido.

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“¿Qué es una ciudad?

Un lugar con mucha gente.

Un espacio público, abierto y protegido.

Un lugar, es decir, un hecho material productor de sentido.

Una concentración de puntos de encuentros.

En la ciudad, lo primero son las calles y las plazas, los espacios

colectivos, después vendrán los edificios y las vías.”

(BORJA, 2003)

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RESUMO

Este trabalho discorre sobre o espaço público nas cidades contemporâneas e a sua relação com a

cidadania, buscando compreender como acontecem os mais diversos usos e formas de

manifestações urbanas nestes espaços e como os mesmos podem contribuir para a democratização

da cidadania nos dias de hoje. Parte-se de uma revisão bibliográfica que visa o entendimento da

importância do espaço público ao longo do tempo e sua relevância na atualidade, da mesma forma

que procura compreender as questões ligadas à cidadania, possibilitando construir uma relação entre

os dois termos e que serve de base para a definição do conceito de espaço-cidadão. Desenvolve-se

este conceito para designar os espaços públicos com determinadas qualidades que contribuam para

o fortalecimento da cidadania entre a população usuária. Desta forma, considera-se como espaço-

cidadão aquele que estimula a interação e as trocas sociais, possibilitando ao usuário o seu

reconhecimento enquanto indivíduo e enquanto parte de uma coletividade, bem como fortalecendo o

sentido de pertencimento, além de permitir as mais diversas formas de manifestação.

Tal conceito é utilizado para demonstrar exemplos de espaços públicos onde se podem identificar

usos e manifestações urbanas favoráveis ao fortalecimento da cidadania, localizados nas cidades de

Eindhoven, na Holanda; Barcelona, na Espanha; além da cidade do Rio de Janeiro. As

particularidades desses espaços públicos são descritas de forma a justificar a inclusão dos mesmos

na categoria de espaços-cidadão.

Entre os resultados encontrados com a pesquisa, destaca-se a questão da diversidade social como

fator preponderante para a promoção e o estímulo de práticas cidadãs que desenvolvam o vínculo

social entre a população. Chama-se atenção, também, à importância de se ter em conta as

peculiaridades de cada contexto sócio-cultural quando se pretende trabalhar com espaços públicos.

O trabalho conclui que apesar da tendência verificada por muitos estudiosos que apontam para o

declínio dos espaços públicos na cidade contemporânea, é possível encontrar diversos exemplos de

espaços que gozam de muita vitalidade e diversidade social, desempenhando um papel relevante na

construção e no fortalecimento da cidadania nos dias de hoje.

Palavras-chave: espaço público, cidadania, espaço-cidadão, Eindhoven, Barcelona, Rio de Janeiro.

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ABSTRACT

This study discusses the public spaces in contemporary cities and their relation with citizenship, trying to

understand the several uses and ways of urban manifestations and how they can contribute to the

democratization of the citizenship nowadays. A literature review intends to explain the evolution of public

space over time and its present relevance, as well as some issues related to citizenship in order to connect

both concepts and then creating bases to define the term citizen-space. This term is developed to define

public spaces which present certain qualities that may contribute to strengthen citizenship among its users.

Therefore, as citizen-space are identified places that motivate interaction and social exchange, allowing

their user to be aware of himself both as an individual and as part of a collectivity, ensuring the feeling of

belonging and the different ways to express it.

We identified public spaces that fit this concept of citizen-space in three cities: Eindhoven, Netherlands;

Barcelona, Spain; and Rio de Janeiro, Brazil. These places are described here in a way to justify their

inclusion in the citizen-space category.

Among the results found in this research, the social diversity stands out as the main factor to promote and

motivate citizen practices which develop social links among inhabitants. Another relevant matter is

represented by peculiarities of each social-cultural context when it’s planned to work with public spaces. But

mostly, the conclusion indicates that even if the trends of many specialists suggest a decline of public

spaces in the contemporary city, it’s possible to find several places with much vitality and social diversity

playing a relevant role in building and reinforcing citizenship in the current days.

Keywords: public space, citizenship, citizen-space, Eindhoven, Barcelona, Rio de Janeiro.

RESUMEN

Este trabajo versa sobre el espacio público en las ciudades contemporáneas y su relación con la

ciudadanía, buscando comprender como suceden los diversos usos y formas de manifestaciones urbanas

en estos espacios, y como los mismos pueden contribuir para la democratización de la ciudadanía en los

días de hoy. En el mismo, se realiza una revisión bibliográfica sobre la importancia del espacio público a lo

largo del tiempo y su relevancia en la actualidad, así como se busca comprender las cuestiones que tocan

a la ciudadanía, posibilitando construir una relación entre los dos términos, lo que sirve de base para la

definición del concepto de espacio-ciudadano. Este concepto es desarrollado para designar los espacios

públicos con determinadas cualidades que contribuyen para el fortalecimiento de la ciudadanía entre los

usuarios. Así, se puede considerar como espacio-ciudadano los que estimulen las interacciones y los

cambios sociales, posibilitando al usuario su reconocimiento como individuo y como parte de una

colectividad, y también permitiendo las más distintas formas de manifestación.

Tal concepto es usado para demonstrar ejemplos de espacios públicos donde se pueden identificar usos y

manifestaciones urbanas favorables para el fortalecimiento de la ciudadanía, ubicados en las ciudades de

Eindhoven, en Holanda; Barcelona, en España; y Rio de Janeiro, en Brasil. Las particularidades de estos

espacios públicos son descriptas justificando su inclusión en la categoría de espacio-ciudadano.

Entre los resultados encontrados en esta investigación se destaca el tema de la diversidad social como

cuestión imperante para la promoción y el estímulo de prácticas ciudadanas que desarrollen el enlace

social entre la población. Sobresale, también, la importancia de tener en cuenta las singularidades de cada

contexto socio-cultural. Aunque muchos estudiosos indiquen una tendencia de declinación del espacio

público en la ciudad contemporánea, es posible encontrar considerables ejemplos que disfrutan de mucha

vitalidad y diversidad social, actuando relevantemente en la construcción y fortalecimiento de la ciudadanía

en los días de hoy.

Palabras-clave: espacio público, ciudadanía, espacio-ciudadano, Eindhoven, Barcelona, Rio de Janeiro.

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SUMÁRIO

Introdução 10

Capítulo 01 Sobre espaço público e cidadania 15

1.1 Sobre espaço público 15

1.1.1 A Evolução do conceito de espaço público 18

1.1.1.1 A formação do conceito de espaço público no Brasil 22

1.1.2 Tendências de abordagem no estudo do espaço público 24

1.2 Sobre cidadania 33

1.3 Relação entre cidadania e espaço público 37

1.3.1 Espaços públicos cívicos 41

Capítulo 02 Sobre o espaço-cidadão 46

2.1 O Espaço-cidadão 47

2.1.1 Os atributos do espaço-cidadão 47

2.1.2 As condições e características do espaço-cidadão 49

2.2 Tipologias utilizadas como casos-referência 53

1.5.1 As praças 53

1.5.1 Os parques 57

2.3 Considerações sobre a análise 63

Capítulo 03 Espaços-cidadãos: o caso de Eindhoven, Holanda 66

3.1 Contextualização dos estudos de caso na evolução urbana de

Eindhoven 66

3.2 Espaços-cidadãos na cidade de Eindhoven 78

3.2.1 Catharinaplein 80

3.2.1.1 Breve histórico 80

3.2.1.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão? 81

3.2.1.3 Conclusão parcial 86

3.2.2 Marktplein 87

3.2.2.1 Breve histórico 87

3.2.2.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão? 88

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3.2.2.3 Conclusão parcial 93

Capítulo 04 Espaços-cidadãos: o caso de Barcelona, Espanha 94

4.1 Contextualização dos estudos de caso na evolução urbana de

Barcelona 95

4.2 Espaços-cidadãos na cidade de Barcelona 108

4.2.1 Plaça de Catalunya 109

4.2.1.1 Breve histórico 110

4.2.1.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão? 111

4.2.1.3 Conclusão parcial 114

4.2.2 Jardin d’Antoni Puigvert 115

4.2.2.1 Breve histórico 115

4.2.2.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão? 117

4.2.2.3 Conclusão parcial 122

4.2.3 Parc de La Ciutadella 123

4.2.3.1 Breve histórico 123

4.2.3.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão? 124

4.2.3.3 Conclusão parcial 130

Capítulo 05 Espaços-cidadãos: o caso do Rio de Janeiro, Brasil 131

5.1 Contextualização dos estudos de caso na evolução urbana do Rio de

Janeiro 131

5.2 Espaços-cidadãos na cidade do Rio de Janeiro 141

5.2.1 Praça Edmundo Rego 142

5.2.1.1 Breve histórico 142

5.2.1.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão? 143

5.2.1.3 Conclusão parcial 147

5.2.2 Parque do Flamengo 148

5.2.2.1 Breve histórico 148

5.2.2.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão? 149

5.2.2.3 Conclusão preliminar 156

Considerações finais 158

Referências Bibliográficas

Referências de Internet

164

168

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende discutir as relações entre espaço público e cidadania na

cidade contemporânea, tendo o objetivo de investigar se na atualidade esse tipo de espaço

urbano apresenta relevância no que cerne a consolidação da cidadania. Para facilitar o

entendimento destas questões, propõe-se o conceito de espaço-cidadão, referindo-se aos

espaços públicos com qualidades capazes de servirem adequadamente ao desenvolvimento

de sociabilidades e práticas cidadãs. Estes espaços seriam marcados por estimularem a

interação social, as trocas sociais e o sentimento de pertencimento, possibilitando o

reconhecimento dos habitantes enquanto cidadãos, partes integrantes de uma coletividade.

Também deveriam permitir aos usuários manifestarem-se das mais variadas formas,

socialmente, culturalmente, bem como politicamente.

Verifica-se que os espaços que apresentam condições favoráveis ao cumprimento dos

fatores acima são aqueles onde se pode apreender uma considerável diversidade social,

somada a uma densidade de usuários tal que permita o contato e estimule formas de

intercâmbio. A exclusiva concorrência de um espaço por grupos distintos não garante

necessariamente a interação ou o reconhecimento, devendo haver outras circunstâncias

favoráveis como, por exemplo, a apropriação de tal espaço por seu público frequentador.

Entende-se que o espaço-cidadão é aquele com ampla acessibilidade, propício ao uso em

função do desenho, das condições físicas e da sensação de segurança, além de possuir

certa relevância dentro do imaginário urbano da população. A definição de espaço-cidadão

constrói-se a partir das abordagens que correlacionam espaço público e cidadania. Por não

se tratar de uma definição estanque e restrita, mostra-se necessária a aplicação de tal

conceito a determinados estudos de caso com a expectativa de complementar a

compreensão das características de um espaço-cidadão, além de elucidar as diversas

formas passíveis de se relacionar espaço público e cidadania.

Para tanto, apresentam-se casos-referência de espaços-cidadãos situados em três cidades

distintas: o Rio de Janeiro, em território brasileiro, Eindhoven, localizada na Holanda, e

Barcelona, na Espanha. A decisão de utilizar estas três cidades como estudo de caso, se

deu com a intenção de aproveitar a oportunidade propiciada através do intercâmbio

acadêmico obtido dentro do Projeto Alfa, havendo assim a possibilidade de se alcançar uma

maior diversidade, abrangendo situações distintas, tanto com relação ao porte das cidades,

quanto em relação às características sociais e culturais de cada uma delas. A partir desta

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amostragem, tem-se a intenção de estabelecer um diálogo entre os três contextos,

discutindo a questão do espaço-cidadão na cidade contemporânea.

Ressalta-se que, apesar, das grandes diferenciações observadas nas características das

cidades aqui estudadas, optou-se por manter a mesma sistemática de análise, visto que o

objetivo do trabalho diz respeito à avaliação de alguns espaços públicos com a intenção de

observar de que forma se dá a aplicação do conceito de espaço-cidadão a cada um deles.

Ou seja, após percorrer o caminho teórico que possibilitou relacionar espaço público e

cidadania, e, a partir disto, construir o conceito de espaço-cidadão, considerou-se válida a

aplicação deste último em exemplares de espaços públicos concorridos das cidades às

quais se teve acesso durante o período de desenvolvimento da pesquisa. Assim sendo, os

casos-referência cumprem a tarefa de ilustrar o escopo teórico atingido neste trabalho, muito

mais do que esgotar as possibilidades de análise referentes às mais diversas tipologias de

espaços urbanos presentes em cada local. Este esclarecimento se faz necessário como

tentativa de alertar quanto a questões que podem vir a surgir a partir da leitura desta

pesquisa, já que as cidades escolhidas diferem-se muito entre si nos mais diversos

aspectos, bem como os espaços públicos escolhidos para apresentação.

O ponto de partida para a investigação do tema proposto é a observância das modificações

de cunho social, econômico e cultural pelas quais a sociedade tem passado que seriam as

responsáveis por mudanças na relação entre a população e os espaços urbanos,

principalmente nas cidades médias e grandes. Constata-se no contexto atual o surgimento

de novos equipamentos voltados ao lazer e ao consumo, o desenvolvimento das

comunicações em geral e a exacerbação de sentimentos de insegurança urbana. Tais

fatores, aliados a uma crescente perda do sentido de coletividade, desencadeariam um

processo que supõe um progressivo afastamento das pessoas dos espaços públicos.

Entretanto, se há um grupo de teóricos da atualidade que identificam tendências

relacionadas a este possível esvaziamento do espaço público, acarretando na diminuição de

sua importância na dinâmica urbana, há também aqueles que acreditam na preservação da

sua relevância dentro das cidades contemporâneas. CARR (1995:345), por exemplo,

identifica uma missão cultural nos espaços públicos, responsável por desenvolver o papel

de “cola social” integradora. Para o autor, a partir deles, nasceria uma cultura pública

coerente e inclusiva, capaz de estimular os sentimentos de igualdade.

Uma das características dos espaços públicos diz respeito ao oferecimento, ao menos

supostamente, de semelhantes condições de igualdade a todos, possibilitando a

coexistência de pessoas de diferentes grupos e com diferentes vivências, o que tornaria tais

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espaços fundamentais na manutenção dos laços sociais. Aos espaços públicos estão

associadas a expressão da diversidade, a produção de intercâmbio e o incremento da

tolerância de forma que a qualidade, a multiplicação e a acessibilidade dos mesmos possam

definir em grande medida a cidadania, que se manifestaria mais em espaços funcionalmente

diversos que favorecessem a interação (BORJA, 1998).

Tendo como base que dentro da configuração espacial de uma cidade os espaços públicos

podem ser apontados como os principais locais de reprodução da vida social,

desempenhando um papel essencial na organização e na estruturação do meio urbano,

volta-se a atenção às condições atuais do mesmo em contribuir para o fortalecimento da

cidadania e indaga-se até que ponto os espaços públicos das cidades da atualidade ainda

seriam capazes de colaborar significativamente para a vida urbana e, consequentemente,

para que a cidadania se desenvolva de maneira coerente e igualitária. Desta forma, a

relevância deste estudo está na tentativa de esclarecer como estes espaços têm se

comportado, diante de um quadro de possível recuo da cidadania, conforme indicado por

GOMES (2002). O espaço público enquanto lugar da política, da expressão das demandas

coletivas, das mobilizações sociais e das inovações culturais, continua se mantendo como o

local adequado para as manifestações de cidadania nas cidades da atualidade?

Tanto a noção de espaço público quanto o conceito de cidadania apresentam variações de

acordo com a época, o contexto e a abordagem com que são tratados. Por isso, como

embasamento teórico para o desenvolvimento desta pesquisa, mostrou-se necessário,

primeiramente, desenvolver conceitualmente questões relativas à noção de espaço público,

bem como ao entendimento da cidadania na atualidade, e posteriormente relacionar os dois

conceitos. Este é o enfoque do primeiro capítulo, no qual se apresentam os referenciais

teóricos utilizados no desenvolvimento do trabalho.

Já o segundo capítulo busca demonstrar o processo metodológico utilizado. Apresenta-se,

então, o conceito de espaço-cidadão aqui desenvolvido, relacionando os atributos que

devem estar presentes em um determinado local para que este se comporte como tal, além

das características encontradas nos mesmos. Este conceito guia o percurso realizado para

se chegar à apresentação dos casos-referência. Entre as tipologias de espaços públicos

recorrentes, escolheu-se a praça e o parque urbano como estudo de caso, o que se justifica

pelas formas de sociabilidade e interação que estes espaços permitem. Por isso, o trabalho

inclui algumas considerações sobre estas duas tipologias de modo a entender as suas

diferenciações e o porquê de serem consideradas adequadas ao desenvolvimento de

práticas cidadãs. Também no segundo capítulo, introduz-se a apresentação dos espaços

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públicos escolhidos para representarem os espaços-cidadãos das cidades incluídas neste

estudo.

Os três capítulos seguintes apresentam os casos-referência. Reforça-se a justificativa pela

escolha das três cidades em função da oportunidade obtida pela autora em desenvolver

parte da pesquisa nestes locais e assim sendo ampliar o leque de escalas, contextos e

características urbanas apresentadas, ainda que as três cidades não guardem relações

diretas muito próximas entre si a ponto de estimular o desenvolvimento de um trabalho de

natureza comparativa. Ou seja, a cada cidade forma-se um novo capítulo de maneira a

analisar separadamente cada contexto, devido às suas peculiaridades. Igualmente, dentro

de cada capítulo, apresentam-se um a um os casos-referência, visto que os exemplares

selecionados, na maioria das situações, também não se relacionam entre si, servindo

apenas para ilustrar as mais diversas formas de se entender um espaço-cidadão. Não

houve a preocupação de se eleger espaços urbanos que respondessem a categorizações

semelhantes. Dentro da tipologia geral de praças e parques, procurou-se selecionar os

espaços públicos que melhor se adaptassem à proposta de aplicação do conceito,

independente do período histórico de suas construções, bem como de sua localização,

público usuário preponderante ou relação com o entorno, entre outros aspectos.

O capítulo três é dedicado à realidade holandesa e se compõe de uma contextualização da

evolução urbana no país com enfoque para os seus espaços públicos. Em seguida,

demonstram-se dois casos de espaços-cidadãos da cidade de Eindhoven. As duas praças

escolhidas têm características semelhantes: tradicionais praças secas localizadas na área

central da cidade. Elas são apresentadas junto a um breve histórico de cada uma e da

explicação das razões que levaram os locais a serem considerados espaços-cidadãos. Nos

dois exemplos holandeses nota-se a importância da diversidade de usos no entorno das

praças para a grande concorrência das mesmas. A animação destes espaços públicos está

de sobremaneira associada aos usos comerciais e de entretenimento presentes, assim

como a sua localização privilegiada dentro da malha urbana, visto que os dois locais

englobam o restrito grupo de espaços públicos amplamente utilizados pela população de

Eindhoven, conforme se verá a seguir. Nesta cidade, a análise incluiu um parque urbano,

entretanto não se observou nele um comportamento coerente com o foco deste trabalho,

optando-se por não incluí-lo nos resultados da pesquisa.

No quarto capítulo, o enfoque recai sobre a cidade espanhola. A estrutura é a mesma

utilizada no capítulo anterior: contextualização da evolução urbana de Barcelona e

apresentação dos casos-referência. Nesta cidade, três foram os espaços estudados. Uma

praça central, considerada um dos principais espaços públicos da cidade, uma praça de

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bairro e um parque histórico de grande vitalidade. A descrição de cada um deles inclui

também um breve histórico e a demonstração do porque considerá-los espaços-cidadão. A

heterogeneidade de espaços públicos abarcadas no caso espanhol abre à possibilidade de

constatar a diversidade de formas de utilização dos espaços públicos da cidade por sua

população. Barcelona não conta com uma grande disponibilidade destes espaços dentro da

área densa e consolidada, entretanto existe uma cultura muito forte de utilização de espaços

públicos e de vida ao ar livre, o que faz com que a concorrência dos espaços disponíveis

seja elevada. Merecem destaque as políticas levadas a cabo nas últimas décadas que

visaram, entre outros pontos, a aproximação dos usuários da cidade de seus espaços

públicos, tendo como consequência a qualidade dos espaços públicos barceloneses.

O quinto capítulo trata do caso brasileiro. O contexto da cidade do Rio de Janeiro é

apresentado de forma direcionada aos espaços públicos. Os casos-referência da cidade se

constituem de uma praça de bairro e de um parque urbano localizado centralmente e

reconhecido como um dos espaços públicos mais relevantes dentro do cenário local. Cada

um deles é acompanhado de breve histórico e da demonstração das características que

fazem deles espaços-cidadão. Os dois espaços apresentados servem de contraponto entre

si tanto no que diz respeito à sua área de inserção, quanto com relação à escala e às

características de desenho. Entretanto os dois demonstram cumprir de forma satisfatória

com suas funções respectivas dentro da área de abrangência de cada um. Tanto a praça,

quanto o parque são exemplos da vivacidade de alguns espaços públicos cariocas que se

mantêm concorridos e animados, mesmo em um contexto pouco favorável à manutenção de

espaços capazes de contribuir significativamente para o desenvolvimento da vida urbana,

em função da grande diferenciação intra-urbana, da flagrante desigualdade sócio-cultural e

das altas taxas de violência urbana registradas na cidade.

Terminada a análise, parte-se às considerações finais, onde se destacam as principais

características e condições encontradas nos espaços-cidadãos comuns a todos os espaços

públicos estudados, bem como os atributos específicos encontrados em cada um dos

contextos que compõe esta pesquisa, demonstrando o valor que os espaços públicos

seguem agregando ao meio urbano. Também se destaca a importância de tratá-los de

forma preponderante no contexto de cada cidade, visto que eles continuam sendo

primordiais para o desenvolvimento dos laços sociais e para o fortalecimento da cidadania

entre a população. Dar a devida atenção aos espaços públicos da cidade contemporânea

para que se comportem como espaços-cidadãos é uma forma de amenizar as injustiças

sociais e promover a inclusão urbana de toda a sociedade.

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Capítulo 01

SOBRE ESPAÇO PÚBLICO E CIDADANIA

Na tentativa de entender como se dá a relação entre espaço público e cidadania na cidade

contemporânea, propõe-se a utilização do conceito de espaço-cidadão, como aquele espaço

responsável por possibilitar, promover e estimular práticas que desenvolvam o vínculo social

entre a população de forma a fortalecer a cidadania. Para entender qual a compreensão

pretendida para o espaço-cidadão, mostrou-se necessário percorrer um caminho teórico que

esclarecesse, primeiramente, qual o entendimento de espaço público nos dias de hoje e

qual sua relevância dentro do cenário urbano atual. Da mesma forma, foi imprescindível a

busca da evolução da noção sobre cidadania e de qual seria a melhor forma de entendê-la

na atualidade. Por isso, apresenta-se aqui, alguns aspectos da discussão contemporânea

sobre os dois conceitos chaves deste trabalho, espaço público e cidadania, bem como a

evolução histórica de cada um deles. Em um segundo momento, é feita uma tentativa de se

explorar as diversas formas possíveis de se relacionar esses dois objetos, o que culmina

com a explicação do conceito de espaço-cidadão dentro do meio urbano.

1.1 Sobre espaço público

A definição do termo “espaço público” é bastante complexa, dada as diversas variações e

interpretações feitas em relação a este conceito. Pensar em espaço público apenas como

oposição ao espaço privado é simplificar demasiadamente a questão. Da mesma forma,

considerar o status jurídico do termo não abrange toda a sua complexidade. Assim, definir

como público aquele espaço de propriedade e gestão públicas não se mostra o suficiente,

visto que se eliminaria de sua definição toda a dimensão sócio-cultural. Assim, a natureza

do espaço público, dentro da abrangência do urbanismo, diz respeito muito mais ao seu uso

e as práticas sociais que ele propicia do que ao seu estatuto jurídico. Desta forma, as

dinâmicas da cidade e da sociedade podem vir a criar espaços públicos que juridicamente

não têm este status.

Ainda, a conceituação de “espaço público” é que o termo contém em si duas dimensões:

uma territorial ou física, que se refere aos espaços urbanos, abertos e acessíveis a todos. A

outra, comunicativa ou política, que diz respeito aos “espaços” de interação comunicativa,

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como a comunicação social, a ação política e as expressões culturais, articulados ou não

com a primeira dimensão1.

Mesmo que para fins de classificação e para facilitar o entendimento, se possa falar

separadamente nas dimensões do espaço público, fica claro que este, se não pode ser

definido como o contraponto ao espaço privado e se não pode ser explicado apenas a partir

de um conceito jurídico, também não pode ser visto somente como uma categorização

espacial, sendo necessária, além da materialização física, determinadas práticas

recorrentes em tal espaço. Sob o entendimento de GOMES (2002) o “espaço público deve

considerar, por um lado, sua configuração física e, por outro, o tipo de práticas e dinâmicas

sociais que aí se desenvolvem”.

Cabe ressaltar que o presente trabalho emprega o termo “espaço público” como referência

aos “espaços livres públicos” de uma cidade (open public spaces, em inglês). Ainda que se

possa utilizar a denominação “espaço público” dentro de outras definições como as

demonstradas anteriormente, o enfoque dado aqui são os espaços abertos, livres de

edificações e públicos, representados mais do que exclusivamente através do atributo

jurídico. Existe a necessidade de salientar o significado deste termo visto que se percebe

uma tendência de se entender como espaços públicos da atualidade alguns espaços de

lazer e centros de compras, como os shopping centers, que, embora desempenhem um

papel muito próximo ao dos antigos espaços livres públicos, enquanto lugares de

sociabilidade e de encontro, não tem em si uma esfera estritamente pública associada. Da

mesma forma, é comum referenciar como espaços públicos edificações tais como escolas,

hospitais e prédios administrativos que mesmo sendo entendidos por diversos autores como

espaços públicos, são na verdade, espaços pertencentes ao Poder Público, de acesso nem

sempre irrestrito. Assim, o objeto de estudo desta pesquisa são aqueles espaços que têm

no seu conteúdo e no seu significado um comportamento verdadeiramente público, no

sentido de livre acesso à população como um todo, e que se materializam através de

praças, parques, largos, ruas, frontes marítimos, calçadões, entre tantos outros. Da mesma

forma, as mesmas tipologias, quando estiverem associadas a algum viés privado, perdem o

caráter genuinamente público. Exemplifica-se esta colocação através de jardins privados, de

ruas internas de espaços privados, bem como de parques e praças coorporativos,

pertencentes a algum ator privado, como empresas e universidades.

O espaço público tratado aqui tem seus atributos relacionados diretamente com a vida

pública. GOMES (2002:160) cita HABERMAS ao colocar o espaço público como o lugar do

1 BRANDÃO, P. como referência a Habermas.

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discurso político, sendo necessária a co-presença de indivíduos para que este lugar

desempenhe tal função2. Assim, este tipo de espaço é o lugar onde os problemas se

apresentam, tomam forma, ganham dimensão pública e, simultaneamente são resolvidos.

Fisicamente, o espaço público é qualquer tipo de espaço que não apresente obstáculos à

acessibilidade e participação de qualquer pessoa, sendo necessário que esta condição seja

“respeitada e revivida, a despeito de todas as diferenças e discórdias entre os inúmeros

segmentos sociais que aí circulam e convivem” (GOMES, 2002:162).

O espaço público moderno, de acordo com BORJA (2003:45), resulta da separação formal

entre a propriedade privada urbana e a propriedade pública, assumindo a conotação jurídica

que deveria garantir acessibilidade a todos. Supondo um domínio público, estes espaços

deveriam ter uso social, coletivo e multifuncional. Ele salienta que a dinâmica da cidade e o

comportamento dos seus habitantes podem criar espaços públicos que não tenham esta

conotação jurídica ou que não tenham este propósito assim, mais do que o estatuto jurídico,

novamente, o que define um espaço público é o seu uso. O autor também identifica uma

dimensão sócio-cultural que faz do espaço público o lugar de relação e de identificação, de

contato entre as pessoas e, às vezes, de expressão comunitária. Desta forma, o espaço

público pode ser considerado o espaço estruturador do urbanismo (como ordenador da

cidade), da cultura urbana e da cidadania, sendo um espaço físico, simbólico e político.

De acordo com o enfoque pretendido, a definição de espaço público, pode privilegiar

determinados aspectos em detrimento a outros. Para exemplificar tal questão, pode-se citar

a explicação sobre este conceito dada por ESTEBAN NOGUEIRA (2003) em material

produzido para a Diputación de Barcelona:

“A característica essencial dos espaços públicos é configurar uma rede contínua que se estende a toda a área urbana, assumindo diferentes papéis: a) estabelece relações espaciais de conectividade entre a área urbana e seu entorno territorial, físico e geográfico; b) recebe os canais de comunicação intra-urbana através dos quais nos deslocamos dentro da cidade, sendo o suporte funcional básico da mobilidade urbana interna; c) constituem a referência de parcelamento de solo para a edificação e os usos privativos, provendo de acesso e fachada independente cada parcela; d) fazem possíveis a expressão e a percepção interna da forma da cidade, além de introduzir variantes na paisagem urbana mediante diversas formas de articulação e focalização dos tecidos; e) promovem espaços de representação e de identificação social, além de espaços para o ócio do cidadão; f) facilita a disponibilidade de redes de serviços urbanos.”

3

2 Habermas em seu livro A Mudança Estrutural da Esfera Pública, desenvolve a teoria sobre o

surgimento de uma esfera entre a esfera privada e o Estado, denominada esfera pública. Este trabalho serve como inspiração para a maioria dos teóricos que vieram, posteriormente, trabalhar a questão da conceituação do espaço público. 3

ESTEBAN NOGUEIRA (2003). A Diputación de Barcelona corresponde ao nível de governo encarregado de administrar a Província de Barcelona, que consta de 24 municípios e integra a

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1.1.1 A Evolução do conceito de espaço público

Segundo GOMES (2002:40-42), a noção de espaço público enquanto local de propriedade

pública e acessível a todos, aparece pela primeira vez na civilização grega que, a partir do

desenvolvimento do seu conceito de democracia, exultando a igualdade e a reciprocidade

das relações dos seus cidadãos, cria um novo domínio da vida coletiva: o domínio público.

Esse posicionamento político tem um reflexo espacial nas cidades gregas, onde a ágora

ganha o estatuto de espaço público, lugar onde os homens livres e iguais poderiam se

encontrar em qualquer hora. A partir do momento em que a cidade passa a ser vista como o

lugar de uma sociedade civil, ela passa também a ser regida por uma série de leis e critérios

que conformam o Direito Urbano e que se desenvolve ainda mais durante o Império

Romano.

Durante a Idade Média, a organização espacial passa a se fragmentar à medida que se

modificam as hierarquias sociais. As áreas comuns, como ruelas e pequenas praças, não

podem mais ser classificadas como espaços públicos, pois não existe uma esfera social

propriamente pública que condicione um comportamento público nestes locais (GOMES,

2002:78). Embora, no período medieval pudessem se encontrar praças que tinham a função

de mercado, enquanto lugar de encontro e troca, não se pode falar generalizadamente que

em todos esses locais houvesse associada uma esfera pública de fato, já que mesmo entre

os homens livres, os espaços não eram livremente concorridos, estando subjugados à

ordem da época. Desta forma, GOMES utiliza a categoria de espaços coletivos para

classificar tais espaços comuns

Seguindo a mesma linha de raciocínio, MONTEIRO4 coloca a oposição entre público e

privado na Idade Média como uma relação entre a oposição daquilo cujo domínio ou acesso

é comum e daquilo é particular. Ela cita ARENDT5 para explicar que nesta época o ‘bem

comum’ se refere muito mais a interesses materiais e espirituais comuns de indivíduos

privados do que a uma esfera política que poderia se relacionar com o que se entende por

público.

Somente com a evolução das cidades-estado renascentistas que a organização espacial

volta a se transformar. A preocupação com a disposição das coisas sobre o espaço volta a

se tornar recorrente, podendo-se citar como exemplo a obra de Vitruvius, que já

Comunidad Autonóma da Catalunya, umas das 17 entidades territoriais em que está dividida a Espanha. 4 MONTEIRO, P. M. Sobre o Espaço Público – uma abordagem inicial de conceitos. Universidade

Federal do Rio de Janeiro, 2005. Trabalho apresentado à disciplina de Seminário de Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 ARENDT (1958:44) apud MONTEIRO (2005)

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demonstrava preocupação com o lugar dos edifícios públicos, os usos dos espaços públicos

e a forma, dimensão e localização das praças e templos. Observa-se, a partir daí, uma

nítida separação entre espaço público e privado.

O estado moderno que se sucede corresponde a territorialização de uma nova sociedade

composta por indivíduos que deveriam ser capazes de exercer a sua liberdade (GOMES,

2002:53). A intenção de criar espaços abertos, renovados e de livre acesso, nos quais as

pessoas poderiam transitar, passear e contemplar, pode ser exemplificada pelas piazzas

renascentistas italianas, as quais influenciaram o projeto de diversas outras praças em

países europeus.

A condição de uma esfera pública separada da esfera privada passa a fazer sentido a partir

da separação entre sociedade e Estado, enquanto característica da formação dos Estados

modernos (HABERMAS, 1984: 24). O século XVIII instaura uma nova cultura urbana

associada ao comportamento burguês. Eleva-se a importância da liberdade e da igualdade

entre os cidadãos e, consequentemente, as questões relacionadas à cidadania, enquanto

direitos e deveres, individuais e coletivos. Esta postura denota uma nova forma de se

relacionar com o espaço público. A cidade é vital para a burguesia, bem como os seus

espaços públicos, dentro de um entendimento que o relaciona a uma esfera pública

burguesa. Nota-se o desenvolvimento da esfera privada, simultaneamente ao incremento da

vida pública, que ao se tornar mais intensa, proporciona a ampliação das trocas sociais.

Durante o século XIX e início do século XX, grandes transformações ocorreram na

configuração de diversas cidades no mundo, como reflexo da revolução industrial e das

mudanças significativas na estrutura das relações econômicas e sociais. À exemplo das

obras de Haussmann em Paris, operações urbanas de grande porte foram levadas a cabo,

proporcionando a abertura de ruas, bulevares, parques e praças. O espaço público,

enquanto espaço de sociabilidade, toma forma paralelamente à importância dada à

circulação, às preocupações com a higiene urbana e com o embelezamento das cidades.

A partir do século XX, diversos urbanistas propuseram, com mais ou menos ênfase, planos

para as cidades que incluíam o tratamento dos espaços públicos. Entretanto, a corrente do

urbanismo que mais alterou formalmente o seu caráter foi aquela representada pelo

movimento modernista, muito bem retratado nas propostas urbanas de Le Corbusier. O

urbanismo pregado por Le Corbusier propunha a liberação do solo através da diminuição de

ocupação do mesmo, chegando a 5% de superfície construída em edificações de maior

altura, construídas sob pilotis. Essas edificações configurariam prismas isolados e distantes

uns dos outros. Com 95% de superfície livre, o espaço público seria ampliado de maneira

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bastante significativa, chegando, de acordo com os dados de Le Corbusier a um ganho de

80% em áreas destinadas ao lazer e a recreação.

A rua, espaço público por excelência, da maneira como era conhecida até então, não

deveria existir mais. Le Corbusier sempre se posicionou contra a tipologia das vias de

circulação existentes, principalmente das ruas-corredor, características de muitas cidades

de tecidos mais antigos que possuíam quarteirões consolidados. Em suas propostas, ele

incluía auto-estradas elevadas formando redes de circulação mais amplas. As ruas não

teriam mais relação com as edificações, já que o solo seria liberado e os prédios se

localizariam distantes entre si, desaparecendo as calçadas, as esquinas e os cruzamentos.

O planejamento para o automóvel era uma das prioridades dos projetos e o zoneamento

funcional era rígido.

A maneira de ver a cidade de Le Corbusier incluía pensar em uma nova sociedade, formada

por cidadãos iguais que estabeleceriam novas relações com o espaço, de maneira pura,

transparente em equilíbrio com a natureza, a partir da crença em um novo homem. Ele dava

ênfase à liberdade individual máxima. Utopicamente, havia a garantia à acessibilidade e à

utilização dos espaços públicos por parte de todos. A cidade era pensada a partir do seu

zoneamento para funções específicas, assim o espaço público era o “local programado”

para exercer a função do lazer e do culto ao corpo, tendo por trás dessa idéia, a clara

intenção de “civilizar” a sociedade, através da disciplina e da educação. Além desta função,

as demais, compostas por morar, trabalhar e circular estavam explicitadas na Carta de

Atenas6, um marco do urbanismo racionalista.

Nenhuma das propostas de Le Corbusier foi totalmente implementada, entretanto serviram

como inspiração para diversos projetos de implantação modernista ao longo do século XX.

Embora os ideais pregados pelo urbanista tenham se disseminado por diversas partes do

mundo e tenham se manifestado de forma impactante nas cidades contemporâneas, o

movimento moderno foi alvo de críticas por parte de diversos teóricos. Como exemplo,

pode-se citar JACOBS (2003), LEFEBVRE (2001) e BORJA (2003), entre outros, que

afirmam que o movimento modernista, essencialmente funcionalista, foi responsável por

descaracterizar o espaço público enquanto aglutinador de pessoas e funções diversas, em

6 A Carta de Atenas foi um manifesto que surgiu como resultado do IV CIAM (Congresso Internacional

de Arquitetura Moderna), que teve lugar no transatlântico Patris II, no trajeto entre Marselha-Atenas-Marselha, no ano de 1933. Segundo Tafuri, este documento sistematizava os temas tratados nos anos anteriores pelo CIAM, além de estabelecer instrumentos analíticos e parâmetros de intervenções aparentemente objetivos, reafirmar a confiança genérica na missão regeneradora da técnica moderna, registrar, sem apontar soluções, todas as contradições derivadas da ordem capitalista do uso do solo, e fundar a ideologia dominante da arquitetura moderna, dotando os arquitetos de um modelo de comportamento tão flexível como irrealizável (TAFURI,1978 apud ABRAHÃO).

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decorrência da ênfase dada à circulação de automóveis, ao tipo de implantação das

edificações, à negação da rua e da calçada e ao zoneamento monofuncional, causando a

erosão da vida cotidiana nas cidades. Na mesma linha, ABRAHÃO (2008), interpreta HUET7

quando este coloca que o urbanismo moderno propunha a inversão da lógica na qual o

espaço público aparecia como o estruturador do espaço privado e ordenador do meio

urbano, passando a um espaço residual, sem forma própria e sem sistema simbólico

preciso.

Diversos movimentos posteriores ao modernismo tentaram a partir de uma crítica ao

funcionalismo característico daquele período, dar uma resposta à questão da cidade, a sua

forma e a sua relação com os espaços públicos, incluindo a tendência pós-moderna de

desconstruir conceitos, à procura de um novo paradigma. Entretanto, poucos tiveram força o

suficiente para incidir de alguma maneira na materialidade do espaço público, já que, após o

grande impacto do pensamento modernista nas cidades, o próprio conceito de espaço

público tendeu a ser revisto, inclusive no que diz respeito a seu papel dentro da vida urbana.

Exemplo disso é a crescente valorização do espaço público urbano das cidades tradicionais,

principalmente a rua, enquanto “espaço de interação do homem político com o seu meio”

(ABRAHÃO, 2008:18), que aparece como uma resposta aos pressupostos do urbanismo

funcionalista já na década de 50.

Entre os movimentos urbanos mais recentes, pode-se destacar o New Urbanism como um

daqueles que tentou de alguma forma modificar o paradigma moderno, principalmente no

que diz respeitos a sua ideologia de tratamento dos espaços comuns. Este movimento,

essencialmente norte-americano, propunha recriar uma vida pública genuinamente

participativa, através de uma inspiração nos princípios do city beautiful e da cidade jardim,

apostando nos valores da cidade tradicional como maneira de superar o estilo da produção

urbana contemporâneo. A crítica a este movimento menciona o fato de que, apesar

trabalhar com o conceito de diversidade, tanto de usos, quanto de usuários, estimulando a

pedestrianização e a densificação, este utiliza mecanismos elitistas e excludentes presentes

nos subúrbios americanos, segregando-se socialmente a partir da exclusão das classes

menos favorecidas.

Pode-se considerar, então, que desde o ápice do modernismo até os dias de hoje, é

possível notar um diferente posicionamento dos autores que estudam as cidades com

relação à maneira de entender os espaços públicos. Não somente em função de sua forma

7 HUET, B. Espaços públicos, espaços residuais. In: Os centros das metrópoles: reflexões e

propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Associação Viva o Centro, 2001, p. 147-151 apud ABRAHÃO, 2008:53.

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física, em parte herança do movimento moderno, mas também como reflexo das

transformações econômicas e sociais em curso na sociedade contemporânea.

1.1.1.1 A formação do conceito de espaço público no Brasil

No livro Espaço Público: do urbano ao político, Sérgio Luís Abrahão8 investiga a origem da

construção do conceito de espaço público na literatura brasileira e demonstra que somente

a partir de 1980, adquirindo mais força depois de 1990, nota-se uma tendência a tratar os

espaços públicos urbanos dentro de um viés sócio-político, relacionando espaço público e

esfera pública, esfera privada, opinião pública e vida pública.

No novo cenário democrático que se formou durante a década de 80 com o término da

Ditadura Militar, o conceito de espaço público ganha novos contornos quando relacionado

de maneira indissociável à democracia. ABRAHÃO cita CHAUÍ9 para demonstrar que a

hegemonia política e econômica do neoliberalismo compromete, dentro da sociedade

brasileira, a relação direta entre espaço público e democracia, principalmente em função da

estrutura autoritária e hierarquizada da sociedade brasileira, onde se revela um predomínio

preponderante do privado sobre o público. A mesma autora assinala um “fascínio pelo

populismo” que se apresenta através de maneira bastante autoritária mediante a esfera

pública, demonstrando relações hierárquicas duais entre superiores e inferiores, mandantes

e mandados, fazendo valer a seu ver, relações de favor e clientela, de forma superior à

prática política da representação e da participação.

Ainda buscando a compreensão da questão do espaço público brasileiro, ABRAHÃO retoma

dois momentos da vida urbana do país, centrados na cidade de São Paulo para demonstrar

a evolução do entendimento de tal conceito. O primeiro é o Seminário de Revitalização de

Áreas Centrais, no ano de 1975, realizado durante a Ditadura Militar, a partir da iniciativa da

Prefeitura de São Paulo, especificamente da Coordenadoria Geral de Planejamento

(COGEP), com a intenção de debater uma possível revitalização da área central com um

viés de humanização da cidade. A principal proposta girava em torno da pedestrianização

desta área na tentativa de aliviar o centro do aumento progressivo de automóveis desde os

anos 50, além de outras questões referentes ao crescimento desordenado da cidade. Jaime

Lerner, então prefeito de Curitiba, se coloca contra a Carta de Atenas e prega a volta das

ruas tradicionais, trabalhadas na escala humana, estimulando os pontos de encontro e a

recreação. Este posicionamento refletia uma tendência mundial que surgiu a partir da crítica

8 ABRAHÃO, S. Espaço Público: do urbano ao político. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.

9 CHAUÍ é citada por ABRAHÃO no seu livro anteriormente citado.

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à racionalidade excessiva proposta pelo urbanismo modernista, propondo a volta da rua

tradicional e dos valores urbanos antigos e que foram bem expostos nas idéias de

valorização do coração da cidade, como forma de humanizá-la e estimular as trocas sociais

e a vida em comunidade, quebrando a rigidez da cidade funcional e que se materializariam

em torno de um centro cívico monumental, presente em muitas propostas de José Luis Sert

e Sigfried Giedion, a partir dos anos 50.

O segundo momento trabalhado por ABRAHÃO ocorreu 20 anos depois, no ano de 1995 em

um contexto bastante diferenciado do primeiro e foi o Seminário Internacional Centro XXI,

também em São Paulo. Agora, no papel de principal articular aparece a Associação Viva

Centro, financiada pelo BostonBank, um ator privado, em total oposição à primeira,

promovida para e pelo poder público. Entre os participantes deste evento estava a equipe

responsável pelo Plano Barcelona 2000, a citar Jordi Borja, Manuel Solá-Morales, Oriel

Bohigas, Joan Busquets, entre outros, responsáveis por desenvolver o modelo de

planejamento e projeto urbano que se tornou conhecido mundialmente.

ABRAHÃO se utilizou desses dois exemplos para destacar a diferença de pensamento com

relação ao espaço público nestas duas décadas que separam a realização de cada um dos

Seminários. No primeiro a rua tem um papel fundamental no pensamento do espaço urbano,

principalmente tendendo, no caso das áreas centrais à pedestreanização como estratégia

para resgatar os seus valores tradicionais. No segundo, em um momento político e

econômico totalmente diferente, a preocupação gira em torno da conveniência de acordos

entre o governo e a sociedade no papel de parcerias público-privadas, além de, seguindo o

exemplo de Barcelona, lançar a proposta de interferência em pontos estratégicos dos

espaços públicos do centro da cidade, com a expectativa de que estes irradiassem tais

transformações para o seu entorno. Neste caso, as intervenções abrangeriam o pensar além

da simples refuncionalização de ruas e praças, apontando para novos arranjos e

ordenações dos espaços públicos, de maneira a “evidenciar as qualidades de serem

simultaneamente ordenadores do território, referências urbanísticas monumentais e

simbólicas, lugares de expressão coletiva, lugares de visibilidade dos diferentes grupos

sociais, dos encontros cotidianos, das afirmações ou das confrontações e das grandes

manifestações cidadãs ou sociais” (ABRAHÃO, 2008:58), abrangendo uma diversidade de

características que fariam destes espaços, verdadeiros espaços públicos urbanos. Aqui,

ressalta-se a importância desse novo viés do pensamento urbano brasileiro, já que

conforme explicita o autor, em décadas anteriores, o termo “espaço público” não era sequer

mencionado para caracterizar os espaços abertos, tais como ruas, praças e largos.

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Assim como aconteceu em São Paulo, diversas outras cidades do país passaram por

processo semelhante, no qual até a década de setenta as proposições relacionadas ao

espaço público eram concentradas, por um lado, nas questões de mobilidade, com ênfase

ao rodoviarismo e, como conseqüência deste, a tentativa de amenizar os problemas

causados pelo crescimento excessivo das conglomerações urbanas e seu impacto na

circulação, incluindo as propostas de revitalização dos centros que tiveram como âncora as

propostas de pedestrianização total ou parcial da região. Já na década de oitenta, ganhando

vigor a partir dos anos noventa, passa-se a verificar nas cidades médias e grandes do país a

busca por projetos urbanos mais abrangentes que utilizassem o espaço público como

centralidade irradiadora de incrementos urbanos. Neste caso, não se pode negar a

influência da experiência da capital catalã na difusão deste modelo de operação urbana. Em

território brasileiro, um dos primeiros exemplos de projetos voltados para os espaços

públicos sob este novo enfoque de intervenção urbana é o Rio-Cidade, no Rio de Janeiro,

desenvolvido a partir do ano de 1993 e prevendo o resgate de algumas áreas da cidade

através de propostas voltadas para os espaços públicos como propagadores de melhorias

sociais, econômicas e culturais nos diferentes bairros. Alguns aspectos do Rio-Cidade

voltarão a ser comentados no capítulo cinco que trata especificamente sobre a cidade do

Rio de Janeiro.

1.1.2 Tendências de abordagem no estudo do espaço público

Partindo das discussões sobre a questão do espaço público, é possível identificar diferentes

maneiras de compreender estes espaços urbanos da cidade na atualidade. Por um lado,

existem estudos que apontam um declínio da esfera pública, o que incidiria negativamente

sobre os espaços públicos, fazendo com que eles percam ou diminuam o seu papel no meio

urbano. Já por outro lado, é possível associar as questões contemporâneas que dizem

respeito ao espaço que, como reflexo das atuais modificações sociais, estariam passando

por uma re-significação de sua noção, a partir do nascimento de novas formas urbanas,

novas maneiras de apropriação espacial, além do surgimento de diferentes possibilidades

de vivências do espaço urbano (CARVALHO, 2004:138-139).

Sobre a primeira forma de se entender a relevância de tais espaços, se pode dizer que

muitos dos fenômenos associados a um possível declínio do espaço público vêm tendo

lugar nas cidades há alguns séculos. HERZOG (2006) percebe uma mudança na natureza

dos lugares públicos através do tempo e dos diferentes contextos políticos, destacando

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relevantemente a passagem da era pré-industrial para a industrial/moderna, que tomou lugar

no decorrer do século XIX em diante.

As cidades pré-industriais tinham espaços públicos de múltiplas funções (coleta de água,

centro de informações, locais de expressão pública), proporcionando o seu uso diário com

estranhos coabitando um mesmo local. A partir do período industrial, as classes passam a

se separar geograficamente e isso se reflete em uma divisão espacial, dificultando o

convívio frequente no espaço urbano. O autor defende a idéia de que o século XVIII viu

ocorrer os primeiros processos de declínio gradual do espaço público, que pode ser

exemplificado a partir de três estágios. O primeiro diria respeito ao final do século XVIII,

onde os lugares públicos adquiriram características “egocêntricas”, já que eram pensados

para a celebração de reis e famílias reais. Neste período a vida pública se moveu para

ambientes fechados, cafés e teatros. O estágio seguinte se refere ao século XIX, quando a

vida se volta para o interior (no sentido de íntimo) com uma obsessão pelo que é pessoal,

enquanto a vida pública deixa de ser ativa para ser cada vez mais passiva, representada por

uma população urbana expectadora que observa a cidade a partir das mesas dos cafés. O

século XX dá lugar ao último estágio com um significante declínio da vida pública. Herzog vê

a população em geral se distanciando cada vez mais dos lugares públicos e voltando suas

vidas para o espaço da família (espaços privados), estimuladas pelas facilidades da

comunicação eletrônica e do entretenimento dentro de casa e dos escritórios. Também

SENNET (1988), se remete ao século XIX para demonstrar que a partir de tal período é

possível diagnosticar um estreitamento da esfera pública, trazendo consequências para a

vida pública e para a cidade, em função do alargamento e da interiorização da esfera

privada. A rua passa a vincular-se crescentemente com a circulação, relegada à função de

“passagem” e perdendo a significação social.

Dentro desta tendência da atualidade, Herzog destaca criticamente a relação da cultura

norte-americana com a vida pública. Segundo ele, existem traços muito fortes de anti-

urbanismo dentro da maioria das cidades dos Estados Unidos, o que representa grandes

perdas para a vida urbana dos seus habitantes. A cultura americana contemporânea,

orientada demasiadamente para a esfera individual da vida, vê ruas e espaços abertos

relacionados em grande medida ao medo e ao crime, o que contribui para o deslocamento

da vida pública para espaços fechados privatizados e segmentados, emergindo uma

possível cultura de medo dos estranhos, ao contrário de outros lugares do mundo, como a

Europa mediterrânea, onde a rua é vista como the river of life in the city (HERZOG,

2006:11). Na situação americana, amplia-se a tendência de emergência de lugares onde é

desenvolvida uma vida pseudo-pública, tais como os centros de compras, ainda que estes

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espaços tenham um caráter direcionado à artificialidade, além de serem controlados pelo

capital privado, com uma visão voltada para o mercado. Também GOSLING (apud

ABRAHÃO, 2008:55) sugere que a globalização influenciou a perda do ‘caráter público’ nos

espaços públicos das cidades americanas, o que pode ser exemplificado pela proliferação

de átrios e jardins internos dentro de edifícios enclausurados, com o acesso controlado,

além do abandono progressivo de diversos espaços públicos tradicionalmente importantes

dentro do contexto urbano. Os espaços coletivos atualmente em voga, como os shoppings

centers, não são mais públicos na sua essência já que tendem à formação de fronteiras de

classe, restringindo o acesso apenas aos selecionados, o que não garante a formação de

uma vida essencialmente pública, já que a interação se dá apenas entre iguais. Desta

maneira, os espaços públicos urbanos são ocupados apenas pelas classes marginalizadas.

A questão que se coloca em torno da exacerbação dos vieses privados da vida, em

detrimento à vida pública parece fundamental para compreender um possível declínio dos

espaços públicos na atualidade. GOMES (2002:176) identifica quatro processos associados

à atual dinâmica do espaço público que poderiam exemplificar um recuo da cidadania nos

dias de hoje10, os quatro de alguma forma relacionados a um enfraquecimento do que é

público, como decorrência do crescimento da esfera privada.

O primeiro processo diz respeito à apropriação privada dos espaços comuns, representado

pela ocupação de calçadas (Figura 1.1), fechamento de ruas com cancelas (Figura 1.2),

entre outros. A ocupação das calçadas normalmente é executada por vendedores

ambulantes, relacionando aí a questão do atual habitante da cidade ser cada vez mais um

habitante-consumidor. O fechamento das ruas está associado a sentimentos de

insegurança, entretanto o mesmo processo por ser destacado na construção de

condomínios clandestinos e nas ocupações em áreas de reserva. SERPA (2005) verifica

que na atualidade o espaço urbano se estabelece como objeto de consumo e a ampliação

do consumo na cidade contemporânea ocorreria simultaneamente à ampliação da esfera

privada, incidindo negativamente sobre os espaços públicos.

De certa forma, pode-se relacionar a este fenômeno também o crescente projeto de

“adoção” de espaços públicos por empresas privadas. Embora seja possível apontar alguns

casos de sucesso, em muitas das vezes, o que se vê é uma recriação da cultura pública

urbana de classe média. Ou seja, espaços transformados segundo o desejo da cultura

urbana dominante, incluindo as revitalizações de espaços tradicionais patrocinadas por

investidores privados, que além provocarem certa descaracterização do ambiente urbano

10 Sobre a relação entre espaço público e cidadania ver página 37 do presente estudo.

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anterior, trazem em si um marketing obviamente associado ao consumo, deixando de se

apresentarem como espaços neutros. Muitos dos projetos de “adoção” de reabilitação

propõe, entre outras medidas, o gradeamento dos espaços públicos alvos da promoção, o

que em sociedades econômica e socialmente desiguais, pode ser encarado através de um

viés segregador.

O segundo processo fala sobre a progressão das identidades territoriais, que tem como uma

de suas expressões a fragmentação do território com a consequente predominância de

determinados grupos em áreas da cidade em detrimento a outros. Esta fragmentação é

apontada em outros tantos estudos. Para citar um exemplo, HARVEY (1992) identifica a

pós-modernidade como a celebração da fragmentação, dos múltiplos e contraditórios

códigos, muito diferenciados socialmente mas presentes uns nos outros na vida cotidiana.

Além disso, ele vê um declínio na heterogeneidade da democracia e na mistura de classes e

culturas distintas nos espaços públicos, ocasionando uma perda da vida comunitária em

meio à diversidade.

Outro fenômeno apontado por GOMES é o emuralhamento da vida social, que tem como um

dos seus vieses o crescimento do individualismo, assunto apontado já nos estudos

desenvolvidos pelos teóricos representantes da Escola de Chicago no início do século XX.

Louis WIRTH (1987) relacionava o modo de vida urbano à diminuição dos laços de

vizinhança, pelo aumento de relações secundárias, marcadas pela impessoalidade,

superficialidade e transitoriedade, além do individualismo, da despersonificação e da

tendência niveladora dos indivíduos. Mais tarde, o estímulo ao individualismo foi associado

ao movimento moderno e atualmente, a exacerbação da individualidade é citada como

tendência da sociedade atual por diversos teóricos. LIPOVETSKY11 inclusive trabalha com a

idéia de “cristalização da cultura individualista da sociedade ocidental” na pós-modernidade,

trazendo o pensamento de que existe uma desideologização justificada pelo desinteresse

mundial pelos grandes sistemas de representação e opinião.

Uma das características dos espaços públicos é justamente a possibilidade de

reconhecimento da alteridade, possibilitando a expressão da individualidade dentro de um

universo forçosamente plural. Entretanto, este fenômeno, quando exacerbado, tem como

consequência a vivência cada vez menor do espaço da cidade.

11 LIPOVETESKY, G. Espace prive, espace publique à l’âge postmoderne. In: Citoyenneté et

urbanité. Paris: Edition Esprit, 1991, p. 105-22, apud ABRAHÃO, 2008:148.

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“O individualismo não obrigatoriamente contribui para o reconhecimento da alteridade. Ele pode, e esta parece ser uma das tendências que se afirmam hoje, ter um caráter hedonista e narcísico. Percebemos de diversas maneiras que o dito homem moderno dispõe de variados recursos para transformar-se em invisível e, portanto, inacessível para o contato social” (GOMES, 2002:172).

Tal processo pode ser associado ao desenvolvimento de novas formas de comunicação,

que diminuem a necessidade de trocas sociais no meio físico. Por outro lado, a questão da

mobilidade é tida como um dos pontos chave para impulsionar o declínio do espaço público,

a partir do acelerado crescimento do uso do automóvel, entre outros meios de transporte

ainda mais atuais. A crescente mobilidade amplia as possibilidades de deslocamento,

encurtando o seu tempo e, dessa forma, traz a reconfiguração dos espaços urbanos,

ocasionando a obsolescência de diversos espaços antigamente consolidados (ASCHER,

1998).

O esvaziamento de espaços de uso comum termina por levar ao seu abandono. GOMES vê

aí um processo de ocupação de tais espaços por pessoas de classe mais baixa, que

carecem de outra opção, incluindo desde moradores de rua até usuários de baixo poder

aquisitivo que ocupam majoritariamente espaços públicos como espaços de lazer. Segundo

ele, no Brasil, o que é público é associado a algo de baixa qualidade ou de uso exclusivo

das camadas mais populares, desta maneira, os espaços públicos tendem a ser

considerados território sem dono e sem regras de uso, em uma lógica na qual o que é

público não é de ninguém (GOMES, 2002:185).

O último fenômeno destacado por GOMES trata do crescimento das ilhas utópicas, que

aponta uma tendência de alguns segmentos da população pela busca de ambientes cada

vez mais homogêneos e isolados para se viver. Como exemplo, pode-se citar os

condomínios fechados, que ampliam a fragmentação das cidades e colaboram para o

desenvolvimento da segregação urbana (Figura 1.3). SOUZA (2003:269) vê esse este fato

como uma “ameaça ao fortalecimento de sentimentos e valores estimuladores de cidadania

e civilidade, por serem ambientes de socialização estimuladores de um descompromisso

com a cidade como um todo”12. Associado a esse fenômeno, não se pode ignorar o

crescimento da violência urbana e do sentimento de insegurança da população em geral,

que colabora para o seu afastamento dos espaços públicos com a consequente

deterioração dos mesmos. Em contra-ponto aos condomínios, aparecem as favelas que se

configuram como guetos urbanos, sendo uma mostra da segregação urbana não-voluntária,

12 SOUZA, M. Participação popular no planejamento e gestão de cidades sociopolítico-

espacialmente fragmentadas: um ensaio sobre enormes obstáculos e modestas possibilidades. pp. 266-275. in: CARLOS, A. F., LEMOS, A. I. Dilemas Urbanos: Novas abordagens sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2003.

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a partir da expressão de uma desigualdade social cada vez mais presente (Figura 1.4). O

esforço para promover o isolamento espacial da população já era apontado por DEBORD

(1997:172) como uma forma de controle.

O próprio shopping center pode ser associado a esse fenômeno comentando por Gomes, já

que, embora sejam espaços coletivos de grande alcance e frequência, eles criam um

espaço diferenciado do tecido urbano, fechados à vida da rua e sob constante vigilância e

controle. Desta forma, limitam uma infinidade de demonstrações e atividades político-sociais

espontâneas que tradicionalmente foram associadas aos espaços coletivos da cidade,

estimulando por outro lado, um comportamento estritamente vinculado ao consumo.

Figura 1.1: Camelôs utilizando logradouro público. Fonte: http://portoimagem.wordpress.com/

Acesso em: maio de 2009

Figura 1.2: Ruas fechadas com cancelas. Fonte: http://www.skyscrapercity.com/

Acesso em: maio de 2009

Figura 1.3: A Barra da Tijuca como um dos exemplos atuais onde se proliferam os

condomínios fechados. Fonte: http://www.ruadireita.com/

Acesso em: maio de 2009

Figura 1.4: Guetos urbanos: Exemplo da Favela da Rocinha.

Fonte: http://www.travelblog.org/South-America/Brazil

Acesso em: maio de 2009

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BORJA (2003:30) trabalha questões relativas ao papel do espaço público

contemporaneamente e vê três processos negativos atingindo as cidades atuais: dissolução,

fragmentação e privatização. Estes três processos contribuem para o quase

desaparecimento do espaço público como espaço de cidadania. Ele assinala esta questão

como preocupante, já que o espaço público é um dos responsáveis por definir a qualidade

da cidade, indicando a qualidade de vida das pessoas e o desenvolvimento da cidadania de

seus habitantes, além de ser neles onde se realiza a síntese dos lugares e fluxos de uma

cidade, formando lugares de coesão social.

A autora Otília Arantes, no seu ensaio “A Ideologia do ‘lugar público’ na arquitetura

contemporânea” (1993), expõe um panorama geral sobre a incessante busca dos arquitetos

em encontrar uma alternativa ao desenvolvimento das cidades contemporâneas que

parecem perder a capacidade de proporcionar vida urbana aos seus habitantes. Devido a

isso, nas últimas décadas, houve uma intensa busca pelo “lugar comum”, que seria “o

antídoto mais indicado para a patologia da cidade funcional”. Para tanto, levanta críticas às

correntes que procuraram reencontrar o antigo ideal de comunidade (enquanto contraponto

à sociedade) como oposição à Metrópole. Por outro lado, ela cita Sennet para demonstrar

que a obsessão em torno do retorno à vida de comunidade pode ter levado ao

desenvolvimento de uma fobia pela vida pública no que se refere à vida social ativa, uma

“idolatria intimista” (nas palavras de Sennet13).

Houve uma tentativa, por parte de arquitetos e urbanistas, de recriar a “coisa pública” a

partir da preservação ou reconstrução de “fatos urbanos”, enquanto tentativa de revigoração

de lugares passíveis de trazer de volta uma vida social perdida. Essa tentativa se deu

através de intervenções pontuais. Entretanto, o que Arantes atenta, apoiada nos exemplos

de teorização da constatação de declínio da vida pública partidos dos mais diversos autores

é que se deve ter cuidado para evitar a aposta nostálgica de que seja possível, para além da

ideologia, reviver o ambiente urbano que permitia as antigas relações de comunidade nas

cidades atuais, as quais demandam novas exigências, vide o contexto econômico e social

apreensível na atualidade.

A teoria pós-modernista, dentro do pensamento de HERZOG (2006) ratifica os mesmos

processos de diminuição da importância da vida pública, já observados anteriormente por

outras correntes teóricas. As causas apontadas são as mesmas relacionadas às novas

tecnologias e às novas necessidades pós-capitalistas. Entretanto, o mesmo autor vê que

apesar de todas correntes contrárias, que supõe que o homem urbano precisa cada vez

13 SENNET, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das

Letras, 1998.

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menos da cidade enquanto materialidade, a necessidade de lugares de convivência coletiva

ainda se faz presentes, visto o acrescente número de malls, feiras e parques temáticos,

ainda que sob a forma de entretenimento público.

Entretanto, diversos teóricos direcionam suas constatações sobre o espaço público da

contemporaneidade para um entendimento mais positivo no que diz respeito à relação da

população com estes espaços. Os estudiosos que desenvolvem seus trabalhos nesta linha,

embora não neguem todos os processos de reconfiguração social e espacial pelos quais

passam as cidades contemporâneas, interpretam de forma mais positiva tais fenômenos.

Conforme coloca CARVALHO (2004), em função dos avanços tecnológicos e do crescente

desenvolvimento das cidades, haveria cada vez menos tempo disponível para relações

sociais e a para a utilização informal do espaço urbano como espaço de vivência.

Entretanto, tal situação poderia estar também estimulando novas maneiras de utilização dos

espaços urbanos a partir de distintas formas de sociabilidade.

Se por um lado, o aumento da mobilidade é associado à diminuição do uso dos espaços

públicos, por outro, a circulação incrementada pode trazer um aumento das inter-relações e

das trocas sociais. CARVALHO cita Bordreuil, alertando para outras sociabilidades

nascentes, talvez mais dinâmicas e efêmeras:

“Este grande fluxo de informações e o aumento da velocidade na dinâmica da vida contemporânea parecem estar modificando as relações humanas nas cidades, criando talvez novos hábitos e valores da vida social e coletiva. Ao que tudo indica, estes novos comportamentos sociais estão gerando novas práticas em relação aos espaços livres públicos, criando ou re-significando os ‘territórios’ de sociabilidade nas cidades”. (BORDREUIL, apud CARVALHO, 2004:166)

Também com relação às novas formas de sociabilidade em função da mobilidade crescente,

CASTELLS coloca que, com a flexibilidade do tempo, os lugares se tornam mais singulares,

já que as pessoas circulam entre eles em um padrão cada vez mais móvel.

Outro autor que trata positivamente o futuro dos espaços públicos é Stephen Carr (1995).

Ele identifica uma proliferação de novos espaços públicos, além da renovação de antigos

espaços abertos, principalmente nas cidades americanas, nas quais se poderia notar o

desenvolvimento de uma nova cultura de espaços públicos. Ele vê a relação entre estes

espaços e a vida pública de maneira dinâmica e recíproca, assim, novas formas de vida

pública demandariam novos espaços.

Ainda que alguns considerem que as sociedades antigas fossem fundamentadas em um

imaginário, uma identificação e um projeto coletivos de vida, não se pode supor que,

necessariamente, a passagem da civilização ocidental para um modo de vida moderno,

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tenha ocasionado um debilitamento total da esfera coletiva da sociedade. Martí (2004)

compreende que, com relação ao espaço público, o que houve foi uma transformação, como

consequência do desenvolvimento da sociedade como um todo. Conforme comentado

anteriormente, muitas das experimentações urbanísticas do século XX contribuíram para a

degradação do espaço público, prejudicando o seu sentido coletivo. Entretanto, em meio às

tendências de esvaziamento do sentido do espaço público, pode-se verificar que, embora

com um caráter diferenciado com relação aos tempos anteriores, o espaço público

contemporâneo ainda se mostra capaz de suscitar um comportamento coletivo nos cidadãos

que o utilizam. Assim, são de suma importância o estudo e a compreensão de tais espaços

para que se possa potencializá-los urbanisticamente de maneira a proporcionar mais

possibilidades de vivência coletiva e cidadã. “A vigência do espaço público cívico na cidade

contemporânea não depende de dinâmicas sócio-culturais inelutáveis, e sim do modelo de

cidade (e em última instância, o modelo de sociedade) pelo qual se opte.” (Marti, 2004: 39)

A aposta de que o espaço público continua tendo o papel de “estrutura fundamental sobre a

qual se apóia a grande duração que assegura a permanência da cidade” (PANERAI,

1994:70) tem sido ratificada pelo governo de diversas cidades ao redor do mundo que,

principalmente a partir da última década de setenta, têm apoiado suas propostas de reforma

urbana na priorização do espaço público como base do movimento de renovação urbana.

Isso significa dizer que se acredita na possibilidade de, a partir da requalificação do espaço

público, expandir um rol de transformações que qualificariam as cidades contemporâneas.

Como exemplo, cita-se Barcelona, Frankfurt, Londres, Nova Iorque, entre tantas outras.

Os estudos relacionados a esta maneira positiva de compreender as transformações do

espaço público ainda são em menor número, portanto, a idéia de associar a re-significação

dos espaços públicos da atualidade a novas formas de sociabilidade e novas maneiras de

se relacionar com o espaço, a partir da busca por novas conotações simbólicas e valores,

ainda carece de maior desenvolvimento. Talvez seja necessário repensar as formas de

tratar o espaço e suas relações para que se torne possível, assim, entender qual o impacto

das transformações sociais em curso nos espaços públicos das cidades contemporâneas.

Por supor que esta última é a visão mais adequada para se compreender o funcionamento

de tais espaços nas cidades contemporâneas, este trabalho utiliza como pressuposto a idéia

de que o espaço público, mesmo passando por um período transformação, não perde sua

importância dentro da vida urbana. Assim sendo, a análise desenvolvida no decorrer da

pesquisa, procura determinar de que maneira se dá a relação entre alguns espaços públicos

da atualidade e o fortalecimento da cidadania.

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1.2 Sobre cidadania

A possibilidade de se relacionar cidadania e espaço público advém das próprias

características deste último como principal local de reprodução da vida social dentro do meio

urbano.

A cidadania, por ter um conceito muito amplo e por ser foco de diversas áreas de estudo,

pode ser entendida a partir de pontos de vista variados. Comumente, costuma-se fazer

referência ao apogeu da era grega para definir a origem desse termo. Embora a cidadania

que se conhece hoje, não tenha uma continuidade com relação àquela que se desenvolveu

na Grécia Antiga, mostra-se importante analisar o princípio da formação do conceito, para

entender o sentido do termo na atualidade.

O período clássico grego é marcado pelo desenvolvimento da vida política, pelo princípio da

democracia e pelo envolvimento de todos os cidadãos nas questões que se referem à

cidade. Apesar de indivíduo e comunidade integrarem uma relação dialética, onde o Estado

não se distinguia da comunidade, sendo sua expressão, a cidadania grega tinha como base

uma grande exclusão interna, visto que o pertencimento a uma comunidade que lhe

garantisse a sua cidadania era negado a muitos estrangeiros, aos povos dominados, aos

escravos e às mulheres.

O período romano é marcado pelo desenvolvimento das questões jurídicas, necessárias

para organizar a população, que se mostrava cada vez maior e mais heterogênea. A

cidadania deixa de representar a comunidade dos habitantes de um território circunscrito já

que é a aberta a possibilidade de obtenção da cidadania romana mesmo aqueles habitantes

de outras cidades-estado sob domínio romano. A participação na vida pública começa a

diminuir mudando o caráter da cidadania, já que todos os cidadãos romanos tornam-se

súditos do imperador.

A universalização da cidadania romana teve como uma de suas consequências a sua

desvalorização e a criação de novas formas de diferenciação social. Por outro lado, a

cidadania romana deixou à margem grandes parcelas da população que não se inseria

dentro do padrão necessário para sua obtenção. O cristianismo aparece nesse momento

como o movimento capaz de cobrir uma área social negligenciada pela administração

romana, se configurando como uma luta organizada por serviços nos campos sociais dentro

da sociedade romana, o que atribuiu grande força à Igreja nos períodos seguintes.

Utilizando-se como exemplo a sociedade grega e a romana, dentro da primeira, aqueles que

obtinham o status de cidadão viam crescer as formas abertas de participação coletiva na

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vida política. Desta forma, a cidadania era diretamente relacionada à democracia, tendo um

caráter ativo. Por outro lado, a cidadania romana esteve relacionada à aquisição e

manutenção de direitos, principalmente no que diz respeito a questões jurídicas e políticas,

referindo-se mais a um status legal do que a uma rotina de vida cotidiana (BESSA,

2006:62).

Os dois entendimentos de cidadania se diferenciam, principalmente, pelo envolvimento e

pela participação dos cidadãos dentro do debate político. Assim, a cidadania grega é

entendida como ativa, enquanto a cidadania aos moldes romanos é vista como passiva.

Esta última é a base do pensamento liberal, a partir da formação dos Estados-nações e do

desenvolvimento do capitalismo. Por outro lado, a cidadania grega era o exemplo buscado

durante o período republicano para ampliar a participação da população na formulação das

leis às quais ela deveria obedecer. (ROUSSEAU apud BESSA, 2006:64) Desta forma, é

possível entender a tradição republicana como associada a princípios comunitários e a

tradição liberal aos direitos individuais14.

A cidadania tal qual a entendemos hoje é a expressão concreta do exercício da democracia.

Esta visão do conceito15 teve seu princípio a partir dos processos de lutas que culminaram

na Revolução Inglesa - entre os anos de 1640 e 1688 - seguida, preponderantemente, pelo

processo de Independência dos Estados Unidos da América – que teve seu ápice no ano de

1776 - e pela Revolução Francesa, ocorrida no ano de 1789.

A Revolução Inglesa é marcada pelo respeito ao direito dos indivíduos. Emerge uma nova

visão de mundo que exigia o questionamento dos princípios embasadores do sistema

estamental de privilégios. Este momento é conhecido pela primeira revolução burguesa,

surgindo aí o princípio do capitalismo. A liberdade está vinculada às posses, o que

desenvolve uma cidadania excludente. A revolução de independência americana vê

justamente a liberdade constituída no fator de integração da nova nação em construção,

sendo vista como o ponto de combate à tirania do Estado. Embora com conceito inovador, a

liberdade e a cidadania ainda eram bastante restritas e não alcançavam mulheres, pobres,

índios e escravos. O desenrolar da revolução francesa trata com mesmo empenho da

questão da liberdade, mas desta vez, enquanto meta coletiva. Data desta época a famosa

declaração universal dos direitos do homem e do cidadão que tinha a expectativa de

alcançar a humanidade como um todo. Depois de tantos séculos nos quais o homem esteve

sempre subordinado a um sistema de poder e hierarquias inquestionáveis, pela primeira vez

14 Citação de BESSA (2006:65) em referência aos fundamentos da teoria democrática: PUTNAM, R.

Comunidade e Democracia. A experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996. 15

PINSKY, PINSKY (2005:10)

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se fala em igualdade entre os seres humanos e em um Estado a serviço do cidadão. Nas

palavras de Odalia: “O Estado não é um fim em si mesmo; seu objetivo maior é assegurar

que os direitos civis sejam usufruídos pelo cidadão. Quando o Estado falhar sua principal

missão, ao cidadão resta o direito de sublevação”.16

Os desdobramentos da história mundial, a partir da Revolução Francesa levaram, entre

outros, ao desenvolvimento dos pensamentos de tendência socialista, que a princípio

miravam o bem da humanidade, estando acima do compromisso com a promoção dos

interesses de algum grupo em particular17. Em um contexto de pleno desenvolvimento

capitalista, pós-revolução industrial e de consequente ampliação das desigualdades sociais,

cresceu consideravelmente a luta por direitos sociais que primeiramente tinham um viés de

promoção de melhores condições de trabalho. Por outro lado, o crescente número do

desemprego, levou milhares de pessoas a situações de indigência e mendicância. Enquanto

o liberalismo era apoiado por toda a burguesia industrial e comercial, o proletariado buscava

soluções de influência socialista para generalizar os direitos sociais. A Inglaterra, no século

XIX, é o primeiro país a intensificar a instituição de regulação do trabalho. Já a compreensão

do bem-estar como direito tem lugar primeiramente na Alemanha, onde são aprovadas as

primeiras leis de proteção social. Entretanto, apenas a partir da década de 20 do século XX

que se desenvolve o entendimento de que os direitos sociais deveriam ser estendidos a

todo e qualquer cidadão de forma homogênea, tendo como responsável pela gestão o

Estado. As décadas seguintes vêem o fortalecimento do Estado do bem-estar social que

entra em declínio já nas últimas décadas do século passado em função, principalmente, da

disseminação do neoliberalismo nas principais economias do mundo, atingindo, mais cedo

ou mais tarde, todos os continentes. O sistema econômico vigente volta a estimular o

individualismo, com uma diminuição do papel ativo do Estado, tendo os interesses privados

como principal medida das relações.

Em formulações datadas no período pós-guerras, Marshall18 desenvolveu um conceito

bastante amplo sobre cidadania que parece ser válido até hoje. Ele a relaciona às seguintes

dimensões aplicadas ao direito:

16 ODALIA, N. Revolução francesa: A liberdade como meta coletiva. In: PINSKY, J. PINSKY, C.

História da cidadania (completar) 17

PINSKY, PINSKY (2005:173) 18

Marshall entende a cidadania relacionada à aquisição de direitos, civis, políticos e sociais, a partir de uma concepção estritamente europeia que toma a Grã-Bretanha como refererência. BESSA cita a cultura política norte-americana relacionada aos direitos sociais como o contraponto às postulações de Marshall. MARSCHALL, T. H.: Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1967. apud: BESSA (2005).

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• Civil: que diz respeito à liberdade (física e de pensamento), à propriedade e à justiça.

• Política: como a possibilidade de todos participarem da vida política.

• Social: que se relaciona à proteção social (saúde, trabalho e educação).

Cada um dos direitos foi conquistado em épocas distintas, sendo o direito civil alcançado no

século XVIII (estado de direito) e o direito político uma conquista do século XIX (estado

democrático). O direito social foi o último a ser discutido, tendo se afirmado de fato a partir

da supressão do Estado liberal pelo Estado do bem-estar social (GOMES, 2002:157).

Após tantas lutas por todas as formas de reivindicações que contribuíssem para a

legitimação da cidadania, desde o sufrágio universal, à regulamentação das leis de trabalho,

à liberdade de expressão, à gratuidade e obrigatoriedade da educação, à igualdade entre

sexos e raças, à assistência aos mais desfavorecidos, às questões ligadas à saúde e, mais

atualmente, às reivindicações urbanas de direito à cidade, ainda assim, a cidadania não é

plenamente assegurada em todas as partes do mundo e, mesmo dentro de um mesmo país,

não engloba homogeneamente toda a população. Após tantos progressos, estagnações e

retrocessos pelos direitos do cidadão, ainda existem grupos específicos que se encontram à

margem de todas as conquistas logradas até os dias de hoje.

No Brasil, a maneira de compreender a cidadania passa por questões relevantes no

desenvolvimento da mesma, como por exemplo, a herança colonial, o sistema escravagista,

o período de ditadura e as flagrantes desigualdades sociais. Apesar de contar com uma

constituição que colocaria o país como um dos mais completos estados de bem-estar social

do mundo19, sabe-se que existe um distanciamento bastante grande entre a aprovação de

leis e a colocação em prática das mesmas. Por um lado, pode-se dizer que a constituição

em vigor, datada de 1988, embora bastante abrangente no que diz respeito aos direitos do

cidadão, foi promulgada em um momento onde já estava em andamento uma contra-

revolução neoliberal nos países de economia mais adiantada, com reflexos nítidos na

América Latina. Após a década de noventa com a abertura da economia à entrada de

mercadorias e capital estrangeiro, parece mais visível o andamento de uma crise social que,

acompanhada de um progressivo enfraquecimento do Estado, prejudica a manutenção da

cidadania como um todo por parte da população.

Atualmente, a cidadania é associada muito mais à garantia de direitos individuais (onde o

indivíduo é visto como consumidor) do que à luta por direitos coletivos. Esta situação pode

ser verificada não somente no Brasil, como em diversas partes do mundo, em função do

19 PINSKY, PINSKY (2005:252)

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sistema econômico mundial vigente. Entretanto, uma concepção adequada de cidadania

deveria abranger um equilibro entre direitos e responsabilidades (BESSA, 2006), além de

incluir as três dimensões de direito, associadas à cidadania de maneira a se

complementarem entre si.

Dentre as diversas maneiras de se entender a cidadania, a abordagem que se faz presente

aqui, neste trabalho, cerne às características identificáveis nos espaços livres públicos que

fazem deles um espaço-cidadão. Isso inclui avaliar o quanto tais espaços contribuem para o

desenvolvimento da cidadania e o quanto estão de acordo com as necessidades urbanas do

cidadão. Se por um lado, falar em cidadania nos remete a pensar em direitos e deveres,

falar sobre espaços públicos cidadãos, relaciona-se diretamente com a busca da igualdade

e da justiça no espaço urbano, questões que devem ser demonstradas a seguir.

1.3 Relação entre espaço público e cidadania

O termo cidadania tem relação direta com a cidade enquanto fenômeno urbano. Ainda que

diversas áreas do conhecimento a tenham como objeto de estudo, é impossível não vinculá-

la ao surgimento das cidades e, especificamente, com o rebatimento espacial das

aglomerações urbanas. Ao justificar a relação entre cidadania e espaço físico, GOMES

(2002:134) coloca que tanto a democracia, quanto a cidadania surgem a partir de uma

reorganização territorial20. Segundo o seu entendimento, a cidadania seria um pacto social

estabelecido simultaneamente como uma relação de pertencimento a um grupo e de

pertencimento a um território. Ele coloca que:

“os princípios fundamentais que orientam a construção desse espaço [público] são extraídos de uma concepção de espacialidade que repousa sobre a lei, geral, uniforme e democrática. Trata-se de uma formalização social que possui em sua base uma divisão territorial das práticas sociais, seguindo a idéia de direito e de justiça” (GOMES, 2002:173).

Desta forma, não haveria cidadania sem democracia, nem cidadania sem espaços públicos

e o espaço público não poderia existir sem uma dimensão física. O mesmo autor entende

que o espaço público tem uma centralidade absoluta na condução de uma análise sobre a

apreciação da cidadania hoje. “De tal forma essas categorias estão associadas – espaço

público e cidadania - que a configuração e a transformação da primeira significam mudanças

20 “A democracia começa quando uma divisão territorial das tribos é adotada, segundo a maior parte dos historiadores, e termina ou se enfraquece, segundo alguns, pela excessiva fragmentação territorial”. (GOMES, 2002:134)

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absolutas na segunda” (GOMES, 2002:188). Entretanto, ele aponta uma redefinição nos

quadros da vida social e coletiva que teria como consequência a modificação do estatuto de

práticas sociais e espaciais, estimulando um processo que ele chama de recuo da

cidadania, conforme foi mencionado anteriormente quando se tratou sobre os processos da

dinâmica urbana associados ao declínio do espaço público.

A compreensão do conceito de cidadania atualmente pode ser expressa através da seguinte

colocação de Borja:

“Entendemos por cidadania um status que reconhece os mesmos direitos e deveres para todos os que vivem – e convivem – em um mesmo território caracterizado por uma forte continuidade física e relacional com uma grande diversidade de atividades e funções” (BORJA, 2003:106).

Em termos físicos, um sistema de espaços públicos eficiente e bem estruturado seria uma

das formas de contribuir para que a cidadania se desenvolva dentro de uma aglomeração

urbana, integrando distintas áreas das cidades, marcadas pela fragmentação e pela grande

diferenciação social, além de promover a acessibilidade à cidade como um todo e

possibilitar o intercâmbio social.

A relação entre espaço público e cidadania pode ser entendida também através da análise

destes espaços tanto do ponto de vista de sua configuração física, quanto das práticas e

dinâmicas sociais que ele possibilita, formando um conjunto indissociável de formas e

práticas sociais. SOJA (1993:99) verifica uma dialética sócio-espacial, na qual a estrutura do

espaço organizado não aparece como uma estrutura independente, sendo o espaço

dialeticamente definido a partir das relações de produção gerais, que são simultaneamente

sociais e espaciais. O espaço não seria o puro reflexo da sociedade e sim, a sua expressão,

desta maneira as transformações estruturais da sociedade acarretariam em novas formas e

processos espaciais (CASTELLS, 2006:499).

Assim é possível compreender que um espaço público que cumpra suas funções no que diz

respeito à cidadania, ofereça determinadas condições para as práticas sociais dos cidadãos,

mas também seja constantemente modificado por elas, sofrendo os reflexos das

transformações da sociedade e das características específicas locais ao mesmo tempo em

que estimula ou desestimula determinadas práticas. Desta maneira, mostra-se arriscado

supor que um espaço público possua os mesmos atributos que o fizeram estar em acordo

com as manifestações de cidadania ao longo do tempo, já que tanto o ideal de um espaço

dito público, quanto aquilo que se entende por cidadania vem sofrendo variações no

decorrer dos diversos períodos econômicos, sociais, políticos e culturais pelos quais tem

passado a nossa civilização. O mesmo deve-se esperar das diversas especificidades que

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possuem as sociedades contemporâneas, o que significa que a própria relação entre a

cidadania e os espaços públicos não deve ser universal e válida para toda e qualquer

situação, já que estes espaços comporiam a forma de expressão de cada sociedade.

Entretanto, a partir do entendimento que se tem por cidadania nos tempos atuais, é possível

identificar alguns fatores comuns nos espaços públicos que genericamente e em um plano

ideal serviriam como palco para o desenvolvimento de práticas cidadãs. Transpondo aquilo

que Marshall vê como cidadania na modernidade, para a realidade urbana atual e

relacionando-a com a questão do espaço público, chega-se ao entendimento de que a

conquista e a manutenção da cidadania seriam facilitadas dentro do espaço público quando

as seguintes condições estivessem garantidas:

Cidadania Civil: espaços públicos acessíveis a todos, tanto a acessibilidade

relacionada à circulação e permanência, quanto a acessibilidade universal.

Distribuição equânime de espaços públicos dentro das cidades.

Cidadania Política: espaços públicos que possibilitassem a participação de todos no

seu projeto e na sua gestão, estimulando a vida pública e a vivência da cidade, bem

como propiciando o reconhecimento dos seus habitantes enquanto cidadãos-

políticos.

Cidadania Social: espaços públicos com a infra-estrutura mínima que possibilite sua

utilização, bem como a manutenção da mesma, além de segurança assegurada

dentro de tais espaços.

Com relação à cidadania conquistada através do direito civil, se ressalta a importância da

acessibilidade como uma das principais características a estarem presentes nos espaços

públicos. LYNCH (1981) traduz acessibilidade como a capacidade de encontrar outras

pessoas, atividades, recursos, serviços, informações ou lugares, em quantidade e

diversidade. Pode-se falar também em acessibilidade irrestrita e universal que dá condições

a todos de acessarem e utilizarem determinado espaço, independente de sua classe social

ou cultural e de suas limitações físicas.

A questão da acessibilidade, muitas vezes, esbarra em situações que vão além dos

elementos físicos que possam dificultar o acesso a um lugar, mas que dizem respeito a

intimidações mais sutis e, às vezes, pouco perceptíveis, e que podem expressar relações de

poder e apropriação por parte de determinados grupos. Desta forma, ainda que no espaço

seja possível identificar demarcações territoriais por parte de grupos ou categorias de

usuários específicos, um espaço público deve garantir a possibilidade de acesso e utilização

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irrestrito a todos. LYNCH (1971) também relaciona o acesso e a franqueza dos espaços

com a livre escolha de ações pelos seus usuários.

A disponibilidade e a distribuição de espaços públicos dentro de uma cidade também são

fatores que se relacionam à cidadania, visto que a igualdade de seus habitantes no que diz

respeito a direitos e deveres, deveria garantir a todos o acesso a estes espaços a partir de

uma distribuição equânime dos mesmos dentro do território urbano. MONTEIRO citando

CARRERA coloca que: “cada cidadão tem acesso a poucos espaços privados, enquanto os

espaços considerados públicos são acessíveis a todos e a cada um dos cidadãos, e por

esta razão estes se tornam politicamente democráticos.”(MONTEIRO, 2005:24)

A cidadania conquistada através do direito político, no âmbito dos espaços públicos, pode

ser exemplificada através do envolvimento da população no processo de criação e gestão

dos espaços, embora nem sempre esta prática possa ser adequada a todas as situações e

formas de governo. LYNCH (1985) defende a intervenção urbana participativa, na qual a

comunidade local estaria presente desde o desenvolvimento da proposta até a sua

implantação. Atualmente, no Brasil, uma das formas mais recorrentes de participação dos

habitantes nas decisões que se referem ao espaço público pode ser exemplificada através

do Orçamento Participativo21, nas cidades onde tal ferramenta é utilizada. As associações

de bairro e as associações de moradores22 também desempenham um papel importante no

que diz respeito à aproximação da população à vida política de um local.

A capacidade de um espaço público estimular o exercício de participação na vida pública se

dá, também, pela possibilidade da co-habitação e do encontro. Como já foi dito

anteriormente, a relevância de espaços públicos dentro de uma cidade está relacionada, em

grande parte, ao fato de permitir o convívio dos diferentes, o contato visual e físico, a

tomada de consciência da heterogeneidade e da diversidade. Está claro, que nesse sentido,

21 O orçamento participativo é um mecanismo democrático de políticas públicas que visa a

participação da população nas decisões referentes ao orçamento público, funcionando de forma direta através da atuação dos habitantes na decisão do destino de aplicação de parte de recursos e serviços. Embora tenham sido realizadas algumas experiências nesse sentido desde a década de 70, essa modalidade de participação popular ganhou força a partir da promulgação da Constituição de 1988, que incorporou tal direito. Uma das maiores referências deste exercício se deu na cidade de Porto Alegre durante a gestão municipal a cargo do Partido dos Trabalhadores, a partir do ano de 1989, estando atualmente difundido por diversas cidades brasileiras. Através do Orçamento Participativo, a população tem condições de reivindicar pela alocação de investimentos, por exemplo, na construção e na manutenção de espaços públicos, tais como ruas, praças e parques, e da infra-estrutura necessária para o funcionamento e a conservação dos mesmos. 22

As associações de bairro e de moradores são organizações espontâneas dos habitantes de uma parcela da cidade com características comuns que visam a formação de um espaço comunitário através do qual se fortaleça a comunicação entre comunidade e poder público. Embora bastante recorrente, esse tipo de associação ganhou força enquanto canal de participação popular também após a aprovação da Constituição em vigor no Brasil.

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a conquista ou manutenção da cidadania passa pela afirmação da coletividade e sendo

assim, dentro de um quadro que demonstra uma tendência ao crescimento de práticas que

seguem interesses individuais, os espaços públicos, devem, mais do que nunca, se mostrar

capazes de proporcionar condições onde se desenvolvam trocas sociais.

Por último, a possibilidade de um espaço público demonstrar o grau de cidadania alcançado

por uma população através do que é compreendido como direito social se dá quando são

oferecidas condições adequadas para os habitantes frequentarem tal espaço. Isto pode ser

entendido tanto através de aspectos físicos, enquanto garantia de infra-estrutura urbana,

quanto pela segurança urbana disponível.

Um espaço, para ser utilizado pelos mais diversos habitantes de uma cidade deve

apresentar equipamentos e mobiliários adequados ao seu uso, bem como ser alvo de

manutenção constante. Os espaços podem ser caracterizados como locais de passagem ou

de permanência e para tal, devem ter seus aspectos físicos em acordância. Resgatando a

condição de igualdade de direitos que deveria ser garantida a toda população, a infra-

estrutura e a manutenção dos espaços públicos deveriam ser distribuídas igualmente dentro

de todas as áreas da cidade.

Uma das questões mais relevantes na discussão sobre os espaços públicos da atualidade

se refere à segurança urbana. A crescente insegurança percebida pela população das

cidades, principalmente no Brasil, tende a afastar as pessoas das ruas. Tal fato pode ser a

expressão da crescente desigualdade social, mas também pode ser entendido como

descaso do poder público e como carência (quando não, ausência) de políticas públicas

voltadas a minimizar esta questão. Quando se trata de segurança no espaço público, sabe-

se que, embora não seja determinante, o número de transeuntes, a diversidade de usuários

e de atividades desenvolvidas nas suas proximidades, as condições da sua conservação, a

presença de iluminação, bem como a sua forma física, também podem contribuir para

ampliar a sensação de segurança de um local.

1.3.1 Espaços Públicos Cívicos

Miquel Martí, em sua tese de doutoramento defendida no ano de 2004 e intitulada “A la

recerca de la civitas contemporània” (À procura da civitas contemporânea), trata o espaço

público capaz de gerar significados e vivências de ordem coletiva, como espaço público

cívico. Segundo este autor, são justamente as vivências que se produzem no espaço

público o seu principal valor.

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Esta maneira de pensar o espaço público, através das experiências significativas de ordem

coletiva, apresenta-se como uma outra possibilidade de se aproximar algumas questões

relativas à cidadania em tais espaços. Martí vê o espaço urbano como capaz de gerar

experiências emocionais, mesmo em um contexto onde a cidade e a sociedade

contemporâneas fomentam uma atitude de percepção passiva que impedem uma vivência

afetiva do espaço. A vivência cívica do espaço público aparece como uma experiência de

convivência e de encontro com o outro, a partir do contato cotidiano com a diversidade no

uso compartilhado do espaço. Assim, os espaços públicos cívicos são os lugares que os

cidadãos se apropriam e fazem seus, não somente em situações de excepcionalidade, mas

cotidianamente.

O autor vê o caráter cívico de um espaço intimamente vinculado a um lugar e uma

comunidade que o utiliza em um tempo histórico determinado. Alguns espaços históricos

têm tanta vinculação entre o espaço e a comunidade que o seu caráter cívico perdura ao

longo do tempo. Da mesma forma, os novos espaços públicos somente adquirirão tal caráter

se forem concebidos para facilitar a apropriação por parte dos cidadãos.

Novamente, a sociedade contemporânea é associada a uma presença maior de formas de

individualidade. Nessa situação, o sentido cívico do espaço urbano é indissociável da

experiência da diversidade presente na nossa sociedade.

“É através da confrontação vivida com a diversidade no espaço público que pode ter lugar o processo de individualização que permite a cada um afastar-se da sua comunidade de origem, e ao mesmo tempo em que se toma consciência das diferenças se desvela o sentido daquilo comum, do que é compartilhado, do sentido de existência de um projeto de convivência coletivo, sentido sobre o qual repousa a identidade coletiva de uma sociedade. A experiência cívica é, simultaneamente, experiência de individualidade e de pertencimento a um grupo.” (MARTI, 2004:12)

Entretanto, não é possível associar o caráter cívico a qualquer tipo de espaço público, já

que, para isso, são necessárias algumas condições que favoreçam o uso, a apropriação e o

comportamento compatível com tal caráter por parte de seus usuários. O autor identifica

seis categorias nas quais se podem agrupar os fatores a se levar em conta para identificar o

caráter cívico em um determinado espaço público. Quatro das categorias se apresentam em

forma de condições constitutivas do espaço público cívico, sendo elas:

a) Condições Sociais e Urbanas - Se refere a fatores como a ordem sócio-política, a questão

da segurança, o modelo de cidade/densidade, além dos mecanismos de participação dos

cidadãos.

Com relação à segurança, Martí coloca que tê-la assegurada, é de extrema importância

para que um espaço público possa ser naturalmente utilizado. Esta segurança deveria ser

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garantida sem medidas policiais e coercitivas, e sim, através de um controle social informal,

mais propício de ser produzido nas situações nas quais “a estrutura social de uma

coletividade não repousa sobre desequilíbrios flagrantes que tornem quase impossível a

convivência da diversidade” (MARTI, 2004:16)

Outro ponto que merece destaque é a análise sobre o modelo de cidade e sua consequente

densidade. Segundo sua análise, uma cidade compacta e mista apresenta mais chances

para a existência de espaços cívicos que aquela de baixa densidade e funcionalmente

segregada. Densidades maiores são mais propícias ao encontro entre cidadãos no espaço

público, da mesma forma atividades mistas, favorecem a diversidade de usos e usuários do

espaço.

Umas das questões que são mais enfatizadas dentro dessa categoria de análise são os

mecanismos de participação dos cidadãos na concepção e na gestão dos espaços públicos.

A inclusão da população dentro do processo de produção dos espaços públicos tende a

favorecer a identificação dos cidadãos com a comunidade e a apropriação dos espaços da

cidade influenciando positivamente no significado coletivo do espaço urbano, principalmente

no espaço público, onde a vivência do fato urbano é produzida de maneira intensa e

imediata.

b) Condições Funcionais - Diz respeito, basicamente, ao uso do espaço, incluindo a

diversidade de uso, a adaptabilidade do espaço, as características que fazem um espaço

ser inclusivo e compatível com a mobilidade de pedestres.

O uso do espaço determina a sua vitalidade, questão indispensável para o seu sentido

cívico, já que este resulta da experiência vivida em determinado espaço, não sendo

redutível apenas a uma questão formal. Verifica-se a necessidade de haver a coexistência

de diversos usos, já que, segundo o autor, um espaço público monofuncional dificilmente

será um espaço cívico. Martí ressalta que alguns usos específicos podem favorecer o

caráter cívico, tais como os usos institucionais, lúdicos e recreativos, além das atividades

comerciais abertas ao espaço público e integradas ao tecido urbano.

Ainda com relação aos usos, quanto maior a adaptabilidade do espaço, maior a diversidade

de usos que tal espaço pode acolher, o que possibilita múltiplas formas de apropriação,

incluindo a variável da imprevisibilidade dentro das possibilidades de utilização de um

espaço.

A importância da compatibilidade de um espaço à presença de pedestres é destacada em

função de ser, justamente, nas situações de mobilidade a pé em que estão as maiores

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circunstâncias de encontro e vivência da alteridade. A isto se agrega outro fator: a inclusão

no espaço, que diz respeito aos espaços públicos abertos a todos, sem nenhum tipo de

restrição, com acessibilidade garantida.

c) Condições Formais – Diz respeito à legibilidade do espaço, enquanto configuração

espacial compreensível, ou seja, formas capazes de serem identificadas e reconhecidas.

Isto inclui: limites espaciais perceptíveis, unidade espacial (integração e articulação entre as

partes) e clareza compositiva (noção de ordem enquanto oposição ao caótico).

d) Condições Estruturais – Propõe que os espaços estejam integrados a um sistema de

espaços urbanos, no qual se baseia a estrutura de uma cidade, possibilitando o

reconhecimento de uma estrutura urbana legível. Espaços públicos articulados com outros

espaços, formando um sistema de espaços livres, geram movimentos dinâmicos e incitam

que sejam percorridos e reconhecidos.

Além das quatro condições acima descritas, o autor identifica dois fatores que potencializam

o seu sentido cívico:

e) Grau de Complexidade - A complexidade tratada aqui é valorizada a partir da vivência do

espaço público, podendo contribuir para fomentar o seu caráter cívico na medida em que

não impedir a percepção e a identificação de uma ordenação necessária à legibilidade do

espaço. A complexidade, assim, aparece como um fator que incrementa a experiência da

alteridade e da diversidade.

f) Signos de Identidade - Trata dos signos físicos associados à memória coletiva capazes de

sustentar a identidade enquanto coletividade.

O autor relaciona primeiramente tais signos principalmente aos monumentos, desde

edificações de arquitetura singular até elementos escultóricos, dispostos no espaço urbano,

mas alerta que na contemporaneidade a presença destes monumentos mostra-se menos

recorrente do que em outros tempos, fazendo-se necessário encontrar novas referências

formais que reforcem o sentido cívico enquanto permanência histórica da coletividade.

O desenvolvimento dos estudos sobre espaços públicos cívicos por Martí contribui para o

presente trabalho à medida que se considera que muitos dos aspectos mencionados por ele

como condicionantes de um caráter cívico dentro dos espaços urbanos são os mesmos que

criam um ambiente favorável à identificação de práticas cidadãs dentro de tais espaços.

Falar sobre espaços públicos cívicos inclui falar sobre espaços públicos que deem as

mesmas condições de utilização a toda população, que permitam que os usuários circulem e

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se reconheçam enquanto cidadãos-políticos, integrantes de uma coletividade, que

reconheçam a alteridade, que tenham contato com a diversidade, que usufruam dos

espaços da cidade, fatores estes que podem ser identificados como primordiais para a

existência de uma esfera cidadã dentro do espaço urbano.

Não restam dúvidas de que existem várias abordagens para o mesmo assunto, mas na

intenção específica de se analisar de que forma se relacionam espaço público e cidadania

na contemporaneidade, a aproximação que parece ser a mais acertada para o

desenvolvimento deste trabalho vem através do entendimento do espaço público como

espaço-cidadão. Isto significa dizer que espaços com determinadas características são mais

propícios a se tornarem palco para manifestações de cidadania, a partir da consideração de

que estes locais podem funcionar tanto no sentido de fomentar tais manifestações, quanto

no sentido oposto, configurando-se como desagregadores do meio urbano. Assim, o espaço

que permite à população em geral a sua utilização de maneira a contribuir com os preceitos

de cidadania, será um espaço-cidadão. A partir das diversas considerações teóricas

desenvolvidas até aqui, é possível identificar os contextos e características que fazem um

espaço público funcionar como espaço-cidadão.

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Capítulo 02

SOBRE O ESPAÇO-CIDADÃO

Este capítulo tem por objetivo o esclarecimento da maneira como foi desenvolvida a

posterior análise. Pretende-se demonstrar as ferramentas utilizadas na compreensão de

cada espaço público selecionado como estudo de caso, o que inclui considerações

concernentes ao conceito-chave desenvolvido – o espaço-cidadão - bem como uma breve

exposição acerca das tipologias urbanas escolhidas para a aplicação do tema proposto - as

praças e os parques.

Vencido o percurso conceitual através do qual se procurou compreender o significado dos

termos “espaço público” e “cidadania”, bem como algumas das formas possíveis de

relacioná-los, tem-se o embasamento necessário para determinar aquela que parece ser a

concepção mais adequada para designar os espaços públicos capazes de contribuir para o

fortalecimento da cidadania: o espaço-cidadão.

A noção de espaço-cidadão proposta pela autora se desenvolve a partir das questões mais

relevantes sugeridas ao se correlacionar espaço público e cidadania, chegando-se ao

entendimento de que a categoria de espaço-cidadão deve identificar os locais onde se

reconheça uma atmosfera propícia à realização de práticas relacionadas aos preceitos de

cidadania, no que diz respeito, principalmente aos aspectos que fazem desta última um dos

meios de se promover a igualdade e a justiça social. Ou seja, sugere-se aqui que os

espaços públicos tenham a missão de serem um dos diversos alicerces sobre os quais se

possam apoiar o desenvolvimento, o fortalecimento e a consolidação da cidadania em uma

sociedade. Estes espaços seriam os locais adequados e, provavelmente um dos únicos

possíveis, considerando-se o contexto contemporâneo, para desenvolvimento de práticas

sociais capazes de promover de forma equânime e justa a interação, as trocas sociais, o

reconhecimento, o pertencimento e a manifestação, fatores de suma importância no tocante

a contribuir para o desfrute da cidadania por toda a população, incluindo os diversos

aspectos que o estatuto possa encerrar em si, através do fortalecimento dos vínculos

sociais.

Almeja-se evidenciar a seguir as razões pelas quais se denomina como espaço-cidadão o

espaço público que contribui para o fortalecimento da cidadania, indicando as condições que

devem ser atendidas para o reconhecimento de um espaço enquanto espaço-cidadão, bem

como de algumas características que os mesmos devem possuir.

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2.1 O espaço-cidadão

O espaço-cidadão é, antes de tudo, uma forma de se referir qualitativamente aos espaços

públicos que cumprem positivamente o seu papel enquanto palco privilegiado de práticas

cidadãs.

A cidadania pode ser vista, segundo KURI (2003), como o fortalecimento do vínculo social

que implica em relações de pertencimento, confiança, reciprocidade, cooperação e

compromisso cívico. Através deste entendimento, considera-se que os vínculos sociais se

fortalecem na medida em que as pessoas dispõem de lugares de comunicação e de

encontro, de mais zonas de contato e de experiências compartilhadas. O espaço público

cumpriria, assim, o papel de lugar comum de conflito e sociabilidade, proporcionando o

reconhecimento e a integração de diversos públicos e fortalecendo os vínculos sociais.

Atualmente, nem todo espaço público é capaz de congregar cidadãos e contribuir

efetivamente para o fortalecimento da cidadania. Uma das características dos espaços

públicos é a de evidenciar os problemas de injustiça social, econômica e política, portanto, a

fragilidade destes espaços seriam potencializadores negativos das diferenças (BORJA,

2003:61), não contribuindo para o enriquecimento das relações sociais.

Desta forma, apenas os espaços públicos de qualidade estariam aptos para cumprirem um

papel relevante na ampliação de relações democráticas entre cidadãos, conformando-se

como espaços de reconhecimento e interação de extrema importância na atualidade, onde

nota-se menos envolvimento com as questões coletivas da sociedade em função dos efeitos

fragmentadores derivados dos processos sociais de transformação urbana. Para BORJA, a

qualidade do espaço público se verifica pela intensidade e qualidade das relações sociais

que facilita, pela força da interação de grupos, pelas trocas e mesclas de comportamento,

além da capacidade de estimular a identificação simbólica, a expressão e a integração

cultural. O espaço-cidadão estaria diretamente ligado à qualidade do espaço público. E

mais, segundo o seu entendimento, qualquer projeto ou políticas de espaços públicos devia

se apoiar em valores inclusivos e éticos de liberdade, tolerância e solidariedade. Assim, para

ele o espaço-cidadão seria o próprio espaço público.

2.1.1 Os atributos do espaço-cidadão

Embora o espaço-cidadão possa ser associado tanto a um espaço institucional virtual

dedicado ao contato entre órgãos institucionais e a população, de modo a criar um canal de

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comunicação com seu público alvo, quanto a um espaço físico utilizado por prefeituras,

associações de funcionários, instituições sociais, empresas públicas, universidades, entre

outros, onde são promovidos eventos, serviços assistenciais e de facilitação a uma

determinada população, a acepção desenvolvida para este trabalho faz referência ao seu

viés urbanístico.

Em termos urbanos, o espaço-cidadão coloca-se, basicamente, como um espaço livre

público que atende a tais condições e com determinadas características que o tornam um

espaço de interação, de trocas, de pertencimento, de reconhecimento e de

manifestação.

A interação social é entendida como uma das formas mais relevantes de se promover a

vida social seja através do contato ou da comunicação, da mesma forma que as trocas

sociais. O simples contato não garante que haja uma troca, já que para isso é necessário

estabelecer um relação entre os indivíduos, é imprescindível que os mesmos interajam entre

si. A importância da interação social e das trocas sociais reside na promoção de

sociabilidades, responsáveis por diluir o isolamento entre a população. Em um momento da

sociedade contemporânea onde algumas facetas do isolamento se fazem visíveis, tanto na

escala urbana - através dos enclaves e dos guetos urbanos, além da fragmentação e da

dispersão da urbanização - quanto com relação ao isolamento social promovido pelo

crescente individualismo imposto, em parte, pelo desenvolvimento das novas tecnologias de

comunicação e mobilidade, o espaço público tem um papel preponderante ao propiciar e

estimular a interação social e as trocas sociais. Não obstante, deve-se atentar para o fato de

que a interação não diz respeito apenas às trocas harmônicas, já que o conflito faz parte das

diversas formas de contato e comunicação e umas das maiores riquezas do espaço público

é a possibilidade de se administrar estes conflitos de forma positiva.

O sentido de pertencimento está diretamente relacionado à noção de inserção a uma

coletividade, fazendo parte de um grupo mais amplo que o das relações primárias, como a

família, por exemplo. Neste caso, a inclusão e a coesão social mostram-se imprescindíveis

para a legitimação da cidadania, já que trazem a consciência de co-responsabilidade. Ou

seja, sentir-se parte de uma comunidade estimula a participação de cada indivíduo nas

questões coletivas. Por um lado, o mundo contemporâneo vê as relações sociais e

econômicas cada vez mais envolvidas em um processo de globalização, diluindo fronteiras e

identidades, conforme as teorias desenvolvidas por diversos autores. No entanto, como

contrapartida, se faz necessária uma valorização do lugar e de identidades locais como

reafirmação dos laços sociais. Sob este ponto de vista, os espaços públicos aparecem como

locais estratégicos no que concerne a gerar o sentido de pertencimento, forjando o

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sentimento de comunidade e ganha destaque no atual contexto social, no qual muitas vezes

o pertencer a um grupo se confunde ao ato de consumir signos no intento de criar uma

identidade coletiva. Por razões semelhantes, inclui-se o reconhecimento como um dos

atributos associados aos espaços públicos que se mostram indispensáveis no tocante ao

fortalecimento da cidadania. Entende-se por este atributo, tanto o reconhecimento do

indivíduo enquanto cidadão parte da coletividade, quanto o reconhecimento da alteridade,

de forma que a consciência da pluralidade se torna demasiadamente importante dentro

desta concepção.

Quanto à possibilidade de manifestação, a sua importância na qualificação de um espaço

público está relacionada a diversos fatores, tais como: a liberdade de expressão individual e

coletiva; a possibilidade de reivindicação de cunho social e político; a visibilidade, o “ver e

ser visto”; o acesso a informações e tendências sociais, etc. No espaço público, a

manifestação é tanto uma forma de interação social, já que supõe algum tipo de troca, ainda

que semiótica, quanto um meio de se fomentar o sentido de pertencimento, bem como o

reconhecimento do papel do indivíduo na coletividade. O espaço-cidadão deve permitir a

manifestação em todos os seus vieses, política, social ou cultural, que pode incluir aspectos

artísticos, religiosos, esportivos, entre outras. É pertinente destacar que a manifestação,

enquanto expressão social sempre tem mais êxito em contextos no quais não há

cerceamento de liberdades individuais.

2.1.2 As condições e características do espaço-cidadão

Supondo que o espaço-cidadão seja aquele que permite a interação, as trocas sociais, o

sentimento de pertencimento, o reconhecimento e a manifestação conforme explicitado

acima, existem algumas condições mínimas que devem ser identificadas para que estes

atributos possam, de fato, se tornarem possíveis, como por exemplo: a apropriação do

espaço por parte de seus usuários, a diversidade social, uma densidade mínima que

possibilite o encontro e uma esfera que permita a sua utilização de forma equânime e justa

por todos os usuários.

A apropriação do espaço é o que garante que o mesmo seja realmente utilizado. O espaço

público, praça ou parque, neste caso, cujos usuários frequentam e tratam como seus é mais

valorizado e mais eficiente no que concerne à promoção dos atributos descritos

anteriormente. A apropriação do espaço incide também na sua conservação, visto que há

uma tendência maior à conservação daquilo que se conhece e se valoriza. Da mesma

forma, espaços públicos apropriados pela população tendem a ser mais seguros e mais

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freqüentados de um modo geral. Não se pode deixar de atentar para o fato de que a

apropriação é positiva na medida em que não constrange o acesso e a utilização por parte

de outros, já que se um determinado grupo se apropria de tal espaço de maneira excessiva,

pode-se prejudicar a diversidade social e diminuir a tolerância com estranhos. Como

exemplo, cita-se praças de bairro nas quais se observa o controle abusivo por parte de

alguns moradores intimidando a livre utilização da população como um todo. O mesmo

acontece com espaços públicos localizados em áreas de predomínio de uma determinada

classe social, onde membros de outras classes não são bem-vindos. A apropriação dos

espaços por seus usuários é positiva e amplamente necessária quando estimula o contato e

a comunicação, estreita os laços sociais e promove o sentido de pertencimento, de forma

justa e equânime.

A outra condição a ser garantida dentro de um espaço-cidadão é a diversidade social. Este

talvez seja um dos aspectos no qual resida uma das maiores riquezas dos espaços

públicos. Se por um lado permite ao indivíduo o reconhecimento de sua unicidade, por outro

permite o reconhecimento da coletividade. A diversidade social inclui o contato com a

diferença de classes, de culturas, de raças, de gênero, de idade, de religião, de opção

sexual, bem como a diversidade de pensamento, de posição política, de gostos e de

personalidades. A cidadania depende da diversidade, principalmente em sociedades

marcadas pela diferenciação de sua população, como a brasileira, nas quais nota-se a

diferença de acesso, de condições sócio-culturais, bem como as diferenciações étnicas. A

diversidade possibilita o exercício da tolerância, estimula a interação, permite o

conhecimento da realidade social. Os espaços públicos que suportam usos multifuncionais

ou que se encontram em zonas da cidade onde estão localizados usos diversos

demonstram serem mais propícios à promoção da diversidade social, ou seja, espaços

públicos situados em áreas monofuncionais tendem a ter usuários mais homogêneos. Da

mesma forma, praças e parques localizados em áreas onde se observa o claro predomínio

de um grupo em detrimento a outros, normalmente não apresentam diversidade social

considerável.

A densidade de usuários é outra condição que contribui diretamente para a interação

social, as trocas, o reconhecimento e a própria manifestação, visto que espaços pouco

freqüentados são menos propícios ao contato e à comunicação. Há uma densidade mínima

que permite a fricção social, ou seja, que possibilita aos usuários serem vistos e

reconhecidos, mesmo que permaneçam no anonimato. Assim, espaços públicos localizados

em áreas de urbanização rarefeita ou dispersa apresentam mais restrições a serem

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categorizados como espaços-cidadãos já que se supõe um menor número de usuários. Já

cidades mais densas costumam ter seus espaços públicos mais concorridos.

Novamente, a estas condições estão associadas algumas características - sociais e físicas -

que, quando encontradas nos espaços públicos, facilitam o atendimento destas condições,

estimulando, por sua vez, a concretude dos atributos identificados no espaço-cidadão. Tanto

mais será apropriado pelos usuários, terá um público diverso, uma densidade razoável

aquele espaço que estiver bem localizado dentro da malha urbana da cidade, com

acessibilidade facilitada, proporcionando a sensação de segurança, além de, através do

seu desenho e suas condições físicas, tornarem o local aprazível para ser frequentado.

Mostra-se importante que este espaço público esteja de alguma forma presente

positivamente no imaginário urbano de seus habitantes.

A localização que aqui se refere, conforme se expôs acima pode ser entendida como um

local bem situado com relação à acessibilidade, de forma que facilite a sua utilização,

garantindo uma densidade mínima de usuários. Também é desejável que se encontre em

áreas de usos diversos e relativamente densas, de modo que seja razoavelmente concorrido

por diferentes públicos, não sendo restrito a um grupo específico.

Ter fácil acessibilidade é um fator imperante para que se cumpram as condições e os

atributos necessários para um espaço público seja considerado um espaço-cidadão. Locais

facilmente acessados são mais utilizados e possuem um público mais diverso. Para uma

boa acessibilidade, leva-se em conta tanto a localização, quanto os meios de transporte

disponíveis, priorizando-se os transportes coletivos, a bicicleta ou a mobilidade a pé.

A questão da segurança urbana conforme discutida no capítulo anterior depende de vários

fatores, os quais não cabem aqui serem apresentados. Vale destacar que espaços mais

concorridos, mais diversos e em boas condições de uso costumam apresentar melhores

índices no que diz respeito à segurança urbana, Dialeticamente, espaços públicos mais

seguros devem ser mais freqüentados e diversos.

O desenho e as condições de uso se referem aos equipamentos presentes, à infra-

estrutura urbana disponível, às condições de conservação e manutenção. Com relação às

condições de um espaço-cidadão, aborda-se este ponto com a intenção de ressaltar que os

espaços públicos em boas condições de uso são mais aprazíveis de serem freqüentados,

atraindo um número maior de usuários.

A presença do espaço-cidadão no imaginário urbano da população mostra-se importante

porque contribui para gerar um sentido de pertencimento e reforçar a identidade local. Os

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espaços públicos capazes de gerar vivências emocionais, normalmente incorporam a

memória afetiva coletiva, contribuindo para a coesão social a partir do compartilhamento de

valores comuns que podem encontrar sua expressão em alguns espaços públicos. Tal fato

pode contribuir para a boa utilização dos mesmos e, consequentemente, colaborar para o

fortalecimento da cidadania.

De uma forma mais geral, também estariam relacionadas à conformação de um espaço-

cidadão a sua continuidade no espaço urbano e a sua faculdade ordenadora do mesmo,

assim como a sua inserção em um sistema maior de espaços livres.

É necessário destacar que as características responsáveis por sustentar as condições

essenciais para que se desenvolvam práticas relacionadas ao que se entende aqui como

espaço-cidadão, se complementam mas não são estanques, podendo variar de acordo com

cada contexto. Por outro lado, é importante lembrar que, de acordo com o modelo da

dialética sócio-espacial23 de SOJA, a relação entre características, condições e atributos do

espaço público e as representações sociais que ali tem lugar, não obedecem

necessariamente a um modelo linear de uma só direção, sendo as práticas sociais a causa

e a consequência da estrutura do espaço.

O esquema que representa a estruturação do espaço-cidadão aqui utilizada pode ser

demonstrado da seguinte maneira:

Figura 2.1: Esquema de estruturação do entendimento de espaço-cidadão. Fonte: Montado pela autora.

23 Para ver dialética sócio-espacial, consultar página 50.

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2.2 Tipologias utilizadas como casos-referência

Conforme foi visto até aqui, existe uma série de condições e características físicas e sociais

encontradas nos espaços públicos que estão associadas ao seu comportamento como

espaço-cidadão, a partir da compreensão de tal termo enquanto promotor da interação e

das trocas sociais, do sentido de pertencimento, do seu reconhecimento enquanto

coletividade, bem como o reconhecimento da alteridade, além de permitir a manifestação

social. Sabe-se que algumas tipologias de espaços públicos são mais propícias para o

desenvolvimento de sociabilidades, do que outras. É o caso da praça e do parque urbano.

Estas duas tipologias apresentam características que as fazem um lugar de encontro bem

mais do que de mobilidade, permitindo o desenvolvimento dos vínculos sociais, necessários

para o fortalecimento da cidadania dentro do âmbito urbano. Os próximos parágrafos

pretendem contextualizar brevemente a evolução das duas tipologias, praça e parque, ao

longo do tempo.

2.2.1 As Praças

As praças são consideradas para muitos o centro e o símbolo da cidade. Ainda que nelas se

desenvolvam diferentes atividades, pode-se dizer que a maioria delas tem a função de

encontro24, abrindo a possibilidade de contato com novas experiências e contato com

estranhos. Com seu desenho adaptado ao longo dos anos para se adequar à mudança de

demanda dos seus usuários, as praças estão intimamente conectadas às mudanças da

sociedade, sendo, além de lugar de encontro, repositório da história urbana e local onde as

tendências sociais se tornam visíveis (MELIK, 2008:29). Elas são tidas como a mais antiga

forma de espaço aberto conhecida, podendo ter origem planejada ou se desenvolver a partir

da evolução de espaços, como por exemplo, a interseção de vias importantes, alargamento

de ruas, locais de acesso a pontes, portões, além dos espaços em frente a igrejas ou outras

edificações diferenciadas dentro da malha urbana, etc. Os principais exemplares de praças

planejadas se desenvolveram na antiguidade, nas civilizações gregas e romanas, além das

bastides francesas e inglesas e, posteriormente, a partir da Renascença. Por outro lado,

durante a época medieval, proliferaram espaços de crescimento orgânico.

Quando se trata da evolução das praças dentro do contexto urbano, não se pode deixar de

mencionar a ágora grega como o primeiro exemplar próximo a esta tipologia. A sociedade

romana tem o fórum como o grande espaço público que faz a vez de praça. Entretanto, um

24 MELIK (2008:29) trata o uso dos espaços públicos como “where people spend time in”, o que em

uma livre tradução para o português, se referiria ao ato de gastar o tempo livre.

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dos momentos mais significativos dentro do desenvolvimento das praças foi o período

medieval, sendo possível encontrar exemplares daquela época ainda hoje em muitas

cidades europeias que mantiveram preservados o seu tecido histórico. Durante a Idade

Média, as praças se configuravam como espaços surgidos organicamente para facilitar

atividades tais quais: a coleta de água, a cobrança de taxas da igreja, a compra e a venda

de mercadorias, a troca de informações e mesmo o entretenimento, celebrações religiosas e

procissões (HERZOG, 2006:14). O fim do período medieval, se por um lado, vê parte da

vida pública se mover em direção a ambientes fechados, por outro lado, traz, a partir da

Renascença, uma outra maneira de se pensar o espaço público, incluindo primordialmente,

as praças. O período renascentista, principalmente na Itália, em termos de artes, é marcado

pela descoberta da perspectiva, da escala e da proporção, que estiveram fortemente

presentes na concepção das piazzas italianas. O período barroco que se seguiu traz a

utilização extrema da geometria e da ornamentação para transformar as praças em

verdadeiros monumentos de expressão da superioridade e do poder das famílias reais.

Durante a Idade Moderna, pode-se considerar que a maior evolução no que diz respeito à

forma, ao desenho e ao uso de praças aconteceu em cidades italianas e francesas.

ZUCKER (1959) ressalta algumas características específicas destes lugares que poderiam

justificar o sucesso no desenvolvimento de espaços públicos. Primeiramente, as condições

climáticas destes locais, que contribuem para o acontecimento da vida ao ar livre. Junto a

isso, se somam as características culturais destes povos, além de seu estilo de vida, que

conduziram para uma exitosa vida pública, criando uma esfera apropriada para a utilização

desta tipologia de espaços abertos. Este mesmo autor ressalta que outros lugares, como a

Espanha e Grécia, embora compartilhassem das mesmas condições climáticas favoráveis

do Mediterrâneo, não chegaram a presenciar uma proliferação tão exitosa de praças. Com

relação à Espanha, mesmo durante o auge do seu poderio econômico e político, a estrutura

da sociedade e a atitude psicológica da população espanhola, não foi suficiente para formar

uma esfera especialmente favorável ao investimento na construção abundante destes

espaços públicos durante aquela época (ZUCKER, 1959:04). Por outro lado, países ao

norte, como a Inglaterra e a Holanda, apesar de terem passado por grandes períodos de

pujança econômica, tiveram, em parte no rigor do clima, mas também na característica de

seus habitantes de enfatizarem a vida privada, a justificativa para inexistência de uma

grande quantidade de exemplares significativos de praças durante este período.

A compreensão da praça enquanto um elemento estrutural definido dentro da trama urbana

de uma cidade perde a força a partir do século XIX, quando o entendimento da praça como

um espaço tridimensional - conformado pelo plano vertical das edificações circundantes,

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pelo plano do piso e por um plano virtual em direção ao céu - é deixado de lado. Neste

momento as praças se tornam mais um espaço que recebe uma cobertura vegetal, com

uma função específica de contemplação, sem uma articulação espacial significativa, sendo,

quando muito, uma tentativa de recriar o parque dentro do ambiente urbano.

Mais adiante, é a influência do urbanismo modernista que prejudica o desenho das praças

urbanas, em função das mesmas razões já citadas anteriormente quando se referiu ao

impacto deste movimento nos espaços públicos. Por um lado, o uso monofuncional de

determinadas áreas da cidade, mina os seus espaços públicos por tirar destes a vitalidade

associada à diversidade de atividades. Por outro lado, a morfologia de espaços urbanos

disseminada por esta corrente de pensamento, descaracteriza os espaços abertos,

incentivando elementos urbanos amórficos ou de tamanho tal que se perde a sua

legibilidade. As consequências desta diferenciação na composição espacial podem ser

notadas tomando-se como exemplo o contraste observado entre a praça modernista e a

praça medieval. Enquanto esta última, em função de sua proporção, de sua escala e das

características do entorno, viabiliza que as pessoas ao passarem por ela parem, desfrutem

do ambiente, relaxem, escapando da agitação da vida urbana, a primeira, com tamanho

bem mais avantajado, sem a devida coerência espacial e sem uma relação direta com o

entorno, tende a “permanecer vazia, em meio ao tédio opressivo” (MOUGHTIN, 2003:101).

Como se pode ver, as duas principais variáveis que condicionam o entendimento e a própria

classificação da tipologia “praças” são a sua forma e o seu uso. Com relação a esta última,

pode-se dizer que o caráter de uma praça é definido basicamente pelas atividades que tem

lugar no seu interior e no seu entorno. Destaca-se que a diversidade de usos e atividades é

proporcional à vitalidade de determinado espaço. “As praças de maior sucesso, embora

tenham uma função predominante, são aquelas que suscitam uma diversidade de outros

usos” (MOUGHTIN, 2003). À questão dos usos, se pode relacionar também a relevância de

tal espaço dentro do meio urbano em função de sua centralidade para àquela porção de

cidade, ou para a cidade como um todo. O espaço que se configura como atrator de

usuários, é possivelmente, um espaço que encampa uma diversidade de usos, tendo

consequentemente uma relevância dentro da memória coletiva urbana, o que lhe imbui

também um sentido. Algumas das praças mais dinâmicas até hoje conhecidas eram aquelas

que, além de funcionarem como local de mercado, serviam como local de coleta de água,

além de promoverem a sociabilidade, o encontro, o lazer, o ócio e o acesso às informações.

A variável “usos” também pode ser relacionada a sua função principal, incluindo praças

cívicas, praças ligadas a edificações religiosas ou a estabelecimentos de ensino, entre

outras, sendo que a cada tipo pode-se observar variações na dinâmica urbana. Da mesma

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forma, com relação à localização, uma praça de bairro ou um praça central proporcionam

diferentes formas de interação entre seus usuários, podendo haver variações no grau de

diversidade e no perfil dos freqüentadores.

Com relação à forma, uma das classificações possíveis é a utilizada por Zucker, que divide

esta tipologia de espaço urbano em cinco principais categorias: a Praça Enclausurada

(espaço contido em si); a Praça Dominada (espaço direcionado); a Praça Nuclear (espaço

formado em torno de um centro); a Praça Agrupada (unidades espaciais combinadas); e a

Praça Amorfa (espaço ilimitado). A cada uma delas se atribuem uma série de condições e

características formais, que incidem no senso de unidade, na legibilidade, no sentido, nas

visuais, potencializando ou minimizando a intensidade de se experienciar o espaço.

As próximas imagens exemplificam algumas praças com as mais diversas funções no

continente Europeu e, também, no Brasil.

Figura 2.2: Waterlooplein, Amsterdam.

Fonte: www.wikimedia.org Acesso em: junho de 2009

Figura 2.3: Place des Vosges, Paris. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 2.4: Plaza de la Almoina, Valencia.

Fonte: Foto da autora, 2008. Figura 2.5: Stadhuisplein, Eindhoven.

Fonte: Cortesi, Fabio, 2009.

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Figura 2.6: Place Georges Pompideu, Paris.

Fonte: Foto da autora, 2008. Figura 2.7: Largo Glênio Peres, Porto Alegre.

Fonte: panoramio.com

2.2.2 Os Parques

Ao contrário do que se pode pensar, a tipologia dos parques urbanos não é uma evolução

direta da tipologia de praças, tendo funções diferentes dentro da cidade e havendo

especificidades próprias de cada tipologia. Enquanto a praça, em função de sua escala, tem

uma abrangência local – havendo exceções de acordo com a importância de determinado

espaço urbano dentro da dinâmica da cidade – os parques urbanos têm um alcance

territorial, podendo influenciar o cotidiano da cidade como um todo. Desta forma, as

possibilidades de usos, as formas de apropriações possíveis, o tipo de dinâmica que

proporcionam e mesmo os conflitos que se desenvolvem, se relacionam ao tipo de interação

que cada espaço gera em função de sua escala. O cotidiano de uma praça, por um lado,

tem uma relação franca e direta com o seu entorno imediato, de forma que as atividades e

as dinâmicas presentes nas proximidades influenciam consequentemente o tipo de

utilização e frequência no seu interior. Já no parque urbano, por outro lado, esta relação já

não se apresenta de forma tão óbvia e visível, sendo que esta tipologia preserva certa

autonomia no que diz respeito às relações desenvolvidas no entorno imediato. Da mesma

forma, as possibilidades de contato, de interação e de trocas que o espaço de um parque

urbano proporciona se diferem do que ocorre no ambiente de uma praça.

Os parques apareceram muitos séculos depois das praças no contexto urbano, concebidos

com o claro objetivo de trazer melhorias ao ambiente da cidade ou como possibilidade de se

afastar da mesma. Assim como as diversas esferas da sociedade, o desenho urbano é

altamente impactado pela revolução industrial. A reestruturação do espaço urbano e

transformação da própria demanda dos habitantes das cidades faz diminuir parte da

importância dos tradicionais espaços públicos, incluindo as praças. Os parques públicos

surgem como uma nova necessidade dentro do ambiente urbano, com sua construção

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associada a necessidades higienistas, mas principalmente para oferecer aos cidadãos um

espaço de ócio e lazer, tendo em si também a idéia de que podiam ser a solução eficaz dos

problemas sofridos por determinadas partes da cidade.

A origem dos parques tal como se conhece hoje vem da abertura dos jardins reais ao uso

público, bem como de cemitérios rurais e áreas de pastagem de gado apropriados pela

população, que tiveram lugar na Inglaterra a partir da metade do século XVIII. Na capital

inglesa, o primeiro parque que se tem conhecimento foi o Victoria Park, seguido, fora de

Londres, pelo Birkenhead Park, construído em 1847 em Liverpool e conhecido por ser o

primeiro People’s Park. A construção dos parques estava associada à compra de terras pela

autoridade municipal ou pela doação de extensões de terras por grandes proprietários.

Estes parques tinham a intenção de servir como possibilidade à classe trabalhadora que, até

então, tinha como única opção de lazer a vida noturna em pubs, o que era associado aos

maus hábitos gerados pelo vício à bebida. Desta maneira, alguns parques foram pensados

como possibilidade de curar o vício do alcoolismo, com consequente diminuição dos índices

de criminalidade. Os parques criados no entorno fabril eram vistos como uma maneira de

introduzir melhoras morais e sanitárias à região. Birkenhead Park foi a principal inspiração

de Olmsted na concepção do Central Park, em Nova Iorque, o qual, seguindo um estilo

romântico, tinha a intenção de servir como refúgio ao meio urbano, uma reação à cidade

industrial capitalista, buscando minimizar as tensões da vida urbana, cada vez mais agudas

nas grandes cidades. O discurso que legitimava o pensamento inspirador do parque via na

natureza e nos cenários naturais o poder de restaurar o espírito humano. Embora parques

como este fossem pensados como meio de recreação sadia para todas as classes, eles

seguiam os padrões da classe média, de forma a criar um ambiente coerente aos hábitos

considerados polidos e elegantes desta faixa da população, acreditando-se que

naturalmente os usuários da classe trabalhadora se influenciariam por tais hábitos, trazendo

melhorias sociais como um todo.

Mais tarde, os parques passaram a ser planejados também com o papel de servir como

reservas naturais, surgindo daí os parques estaduais e posteriormente as reservas

nacionais. Atualmente, CORNER25 identifica uma demanda alta por novos parques

estimuladas pela transição da economia industrial para a economia de serviços, que levou

ao abandono ou à sub-utilização de grande quantidade de espaços, antes voltados para

atividades ligadas à indústria, além de portos antigos e partes de cidades que verificaram

um visível decréscimo populacional em função da migração do trabalho para outras áreas.

25 James Corner comenta esta questão no prólogo escrito por ele para o livro: Large Parks, editado

por Julia Czerniak e George Hargreaves, no ano de 2007.

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A relevância do papel desta tipologia urbana dentro da cidade se relaciona às principais

funções que os parques desempenham na atualidade. Podem-se destacar primordialmente

cinco questões, embora o leque de possibilidade de vivência que estes espaços

proporcionam seja ilimitado. O parque desempenha uma função econômica ao valorizar as

áreas no seu entorno. A ele é atribuída uma importante função ecológica ao contribuir para

o micro-clima e para a qualidade do ar, além do seu papel relevante na educação ambiental.

A outra função dos parques é a física, aquela associada aos cuidados com o corpo e a

práticas de exercícios e esportes. Também se pode destacar a função psicológica,

enquanto lugar para relaxar e estar em contato com a natureza. Por último, coloca-se a

função social, que diz respeito as suas características enquanto espaço público de

promover a interação social, as trocas, o sentido de pertencimento e o reconhecimento,

além de possibilitar a manifestação de todos os tipos, culturais, sociais, políticas.

Muitos dos parques do final do século XIX e início do século XX, conhecidos como parques

históricos, são extremamente populares até os dias de hoje. Entretanto, o reconhecimento

da importância do parque urbano, nas cidades até hoje passa por questões relativas ao seu

elevado custo, tanto com relação ao projeto e execução, como, posteriormente, em função

de sua manutenção. Parques sem conservação e manutenção sistemática, acabam por se

tornar focos fáceis de ações ilícitas, marginalidade, criminalidade, sendo abandonados pela

maior parte da população. Assim, muitas vezes, se associa à tipologia dos parques as

próprias questões de declínio do espaço público. Entretanto, aqueles espaços cujo projeto e

a gestão promovem a boa utilização por parte de seus usuários, são, ao contrário, exemplos

bem sucedidos da vivacidade dos espaços comuns de sociabilidade pelos habitantes de

uma cidade.

Outra questão que recorrentemente é relacionada aos parques urbanos diz respeito a sua

adaptabilidade às características sociais contemporâneas. Existem aqueles que consideram

que, constatadas as mudanças na sociedade nas últimas décadas, mudam-se também as

necessidades sociais e, consequentemente, aqueles espaços projetados para cumprirem

determinadas funções décadas atrás, estariam, hoje, em desacordo com as necessidades

atuais da população. Desta forma, os parques seriam uma tipologia ultrapassada dentro do

contexto urbano contemporâneo. Por um lado, questiona-se se realmente as necessidades

dos habitantes urbanos mudaram a tal ponto de levar ao desuso esta tipologia urbana tão

popular ao longo das últimas décadas. Novamente, se apontam os exemplares atuais para

demonstrar que tais espaços urbanos continuam sendo concorridos por grande parte da

população. Para tanto, se poderia recorrer a diversos exemplos de parques urbanos nas

cidades médias e grandes do Brasil e também, das grandes cidades européias de modo a

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se verificar a quantidade de usuários presentes em tais espaços, por exemplo, nos finais de

semana, em dias de clima propício. Pode-se constatar que mesmo nos dias de hoje, muitas

pessoas procuram os parques urbanos tanto para atividades ligadas ao lazer e ao ócio,

quanto para a prática esportiva. E para isto, nem é necessário o provimento de infra-

estrutura, visto que a caminhada, a corrida, o jogo de bola descompromissado, entre outros

exercícios físicos, não necessitam de aparelhos ou equipamentos específicos, nem de área

de esportes demarcadas e organizadas. Da mesma forma que as crianças não precisam

necessariamente de área de playground para brincar e interagir, visto que o contato com a

natureza, incluído a diversidade de vegetação, a água e os animais, por si só já são fatores

atrativos para o público infantil, além da liberdade de espaço para se movimentarem. Por

outro lado, deve-se levar em conta, que os grandes parques urbanos são, em muitas

cidades, os únicos espaços com tamanho adequado para a realização de grandes eventos e

por tanto, tem um papel importante dentro da organização urbana.

Figura 2.8: Grupo de patinadores no Vondel

Park, Amsterdam. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 2.9: Criança brincando na água, Princess Diana Memorial Fountain, Hyde Park, Londres.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 2.10: Pin-nic em Kensington Gardens,

Londres. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 2.11: Parque Farroupilha, Porto Alegre. Fonte: www.clicrbs.com.br

Acesso: junho de 2009.

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Além disso, destaca-se a prioridade em prover os parques urbanos de atividades

diversificadas para públicos distintos, incluindo classes e faixas etárias diferentes. Em

tempos onde fatores como a reabilitação de áreas degradadas a partir de parcerias com

órgãos privados eventualmente, tem como consequência o afastamento de camadas da

população, tornando alguns espaços frequentados exclusivamente por apenas um grupo,

como turistas ou a classe média, por exemplo, (LOW et al, 2005:01) a preocupação com a

manutenção da diversidade social e cultural nos ambientes urbanos, mostra-se de primordial

importância. Podem-se citar como exemplo, ações que incluem os parques dentro do

circuito cultural de determinadas cidades, aproximando todas as camadas da população

destas expressões culturais contemporâneas de forma gratuita, o que inclui shows musicais,

mostras de artes, poesia, entre outros. Outros parques são alvo de programas de

acompanhamento físico para idosos e pessoa com deficiências.

Figura 2.12: Concerto de Natal da OSPA, Parque Moinhos de Vento, Porto Alegre.

Fonte: artistasgaúchos.com Acesso em: junho de 2009

Figura 2.13: Show de Jazz, Projeto Música no Parque, Parc de la Ciutadella, Barcelona.

Fonte: /link-to-think.blogspot.com Acesso em: junho de 2009

Figura 2.14: Ensaio de coral, Vondel Park, Amsterdam.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 2.15: Baile de aniversário da cidade, Parque Farroupilha, Porto Alegre.

Fonte: Governos do Estado do Rio Grande do Sul Disponível em: www.estado.rs.gov.br/

Acesso em: junho de 2009

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Figura 2.16: Famílias confraternizado durante o

dia de criança no parque, Genneper Park, Eindhoven.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 2.17: Yoga no Parque. Parque Ibirapuera, São Paulo.

Fonte: yogaparqueswordpress.com Acesso em: junho de 2009

Com relação ao público específico de portadores de necessidades especiais, destaca-se a

relevância da preocupação com a acessibilidade universal para toda a população. Isto

significa pensar em áreas urbanas adaptáveis e acessíveis mesmo àqueles com dificuldade

de locomoção ou outra forma de deficiência física, o que pode incluir desde a preocupação

com o mobiliário urbano, como os caminhos, fluxos e desníveis, além de atividades

específicas para este público, como a presença de jardins sensoriais, por exemplo.

A importância associada aos parques urbanos, além das funções que eles desempenham já

mencionadas anteriormente, pode ser compreendida pela gama tão variada de experiências

que estes espaços proporcionam aos seus usuários, além da consolidação da noção do que

é público e da identidade coletiva, forjando o sentimento de comunidade e de pertencimento

e contribuindo assim, pro fortalecimento da cidadania entre a população.

“O que as pessoas mais gostam nos parques é a liberdade para se fazer o que se quer, é estar sozinho ou na companhia daquelas com quem se escolher estar, longe das pressões da cidade, e disfrutar do espaço, das flores, do verde e da fauna.” (CONWAY, 2000)

O esforço pretendido neste tópico, ao analisar a praça e o parque, se fez necessário numa

tentativa de situar os casos-referência que serão posteriormente apresentados. Destaca-se

que embora se possa apreender um percurso comum na evolução destas tipologias

urbanas, as características de cada época, de cada lugar e de cada sociedade trazem

especificidades tanto à praça, quanto ao parque. Falar de praças no Brasil, por exemplo, é

diferente de se referir às praças européias. Enquanto, a tradicional praça francesa, por

exemplo, é uma praça seca, a praça brasileira, tem intrínseca em seu significado

contemporâneo a vegetação. Já o espaço público desprovido de verde, geralmente atende,

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no Brasil, pelo nome de largo26, enquanto os exemplares europeus que contam com

arborização considerável, têm comumente o nome de jardim. Da mesma forma, o parque

urbano existente na maioria das médias e grandes cidades brasileiras, tem a dimensão de

um parque periférico em muitas das cidades européias, principalmente aquelas de tecido

consolidado há bastante tempo ou, no caso de Barcelona, em função de obedecer a um

modelo urbano de cidade densa e compacta. Estas cidades ou têm parques históricos, que

datam do final do século XIX e início do século XX, época em que a facilidade de se adquirir

grandes áreas urbanas era maior, seja com relação ao valor, seja com relação à

disponibilidade, ou dispõem de limitadas áreas verdes de tamanho considerável dentro da

malha urbana mais densa. Portanto, as considerações feitas acima sobre cada uma das

tipologias devem ser vistas com um olhar que leve em conta o contexto de cada um dos

casos estudados.

2.3 Considerações sobre a análise

Os próximos capítulos tratarão de apresentar alguns exemplos de espaços-cidadãos para

ilustrar as considerações desenvolvidas até aqui. Desta forma, pretende-se demonstrar a

existência de espaços públicos extremamente vitais dentro das cidades estudadas, o que

comprova o seu papel relevante na vida urbana contemporânea.

Metodologicamente, foram pré-selecionados alguns espaços públicos – entre parques e

praças - nas três cidades, a partir de uma observação empírica da dinâmica dos mesmos

durante o tempo de permanência em cada país. Esta pré-seleção não buscou enquadrar os

exemplares em categorias rígidas, havendo uma grande diversidade entre os espaços

escolhidos. Procurou-se analisar os mesmos conforme os atributos descritos na

conceituação de espaço-cidadão. Com exceção de um dos exemplos – o parque urbano da

cidade de Eindhoven – todos os demais tiveram um desempenho coerente à expectativa,

mostrando-se importantes locais de desenvolvimento de sociabilidades.

Esta análise não pretende de forma alguma abarcar a totalidade de espaços-cidadãos

dentro das cidades de Eindhoven, Barcelona e Rio de Janeiro, já que foi possível identificar

26 Embora algumas das primeiras praças brasileiras tivessem influência das praças secas européias,

com o tempo a grande maioria delas passou por obras de ajardinamento. Os largos, em geral, têm características semelhantes às das praças desprovidas de vegetação, embora em muitos deles também se tenha inserido espécies vegetais, tanto como parte de projetos de reabilitação e embelezamento de espaços urbanos, quanto como tentativa de melhorar o conforto ambiental em regiões quentes. Alguns autores ainda sugerem que os largos são os espaços formados por sobras de terreno a partir de adequações viárias, por exemplo, e que possuem relações menos complexas que as praças no seu interior.

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uma variedade de espaços públicos onde se proliferam práticas sociais positivas. A intenção

aqui é exemplificar a aplicação do conceito desenvolvido, utilizando exemplos diversos,

tanto morfologicamente, quanto cultural e socialmente. Desta forma foi possível utilizar o

mesmo processo metodológico para analisar espaços públicos inseridos em contextos tão

diferentes como as três cidades estudadas, bem como, se mostrou viável a escolha de

exemplares urbanos bastante diferenciados entre si, sem se prender a uma categorização

rígida. Assim, na pequena cidade de Eindhoven, pôde-se utilizar como estudo de caso as

praças centrais – espaços tradicionais e com grande carga histórica – que se diferenciam

por completo dos exemplares selecionados na cidade do Rio de Janeiro. Nesta última

cidade, os espaços-cidadão apresentados também não guardam relações entre si,

obedecendo a classificações tipológicas plenamente distintas, com escalas e abrangências

contrastantes, além de se localizarem em áreas urbanas opostas. Na cidade de Barcelona,

se por um lado, dois dos exemplares têm grande relevância histórica, o outro é um espaço

recentemente construído e com características tanto morfológicas, quanto sociais

diferenciadas. Assim se demonstra o interesse por buscar diversidade entre os estudos de

caso e mesmo entre os contextos apresentados.

O estudo de cada cidade inicia-se com algumas considerações sobre sua evolução urbana

com enfoque direcionado ao espaço público, de forma a possibilitar a contextualização dos

casos-referência no desenvolvimento urbano da região. Este esforço mostra-se necessário

em virtude da crença de que aspectos culturais, políticos e sociais interferem na relação dos

habitantes de uma cidade com seus espaços urbanos, assim sendo, a tentativa de

reconstrução de momentos-chave da evolução urbana de cada local é uma das formas de

se apreender questões relevantes no que concerne a cultura de espaços públicos expressa

em cada uma das três cidades. No presente estudo, em virtude das grandes diferenciações

de caráter e escala entre os três contextos urbanos, ratifica-se a necessidade de estudar

separadamente as peculiaridades de cada local.

Os casos-referência são apresentados junto a um breve histórico que tem a intenção de

situar a construção de cada espaço temporalmente, salientando as influências que

impactaram tanto no seu surgimento, quanto na sua consolidação enquanto espaço-

cidadão. A análise de cada exemplar se dá buscando explicar quais as características que

justificam a sua inclusão na categoria de espaço-cidadão. Foi utilizada, além da observação

exaustiva dos mesmos durante o período de permanência em cada cidade, a pesquisa junto

a fontes secundárias - que incluem desde órgãos públicos até universidades e relatos na

imprensa – e a coleta de impressões dos usuários de forma espontânea e não-sistemática,

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em função de dificuldades encontradas na aproximação e na comunicação com alguns dos

habitantes das cidades europeias.

A estrutura de análise é padrão a todos os estudos de caso, mesmo sabendo do contraste

entre contextos urbanos e características tipológicas. Por um lado, como já foi dito, as

cidades escolhidas se diferenciam de forma exacerbada. Por outro lado, os espaços

públicos ilustrativos de cada local, também se distinguem entre si, principalmente no que diz

respeito à escala urbana. As possibilidades de uso de uma praça de bairro são bastante

diferentes daquelas proporcionadas em uma praça central, que por sua vez se diferem muito

do que oferece um parque urbano. Cada tipologia responde a funções distintas na dinâmica

da cidade, o que interfere na diversidade de usuários, no nível de apropriação e no estimulo

à interação. Tratando a relação entre espaço público e cidadania de forma dialética, sabe-se

também que as características sociais, econômicas e culturais verificadas em cada contexto

urbano são igualmente responsáveis por trazerem significados distintos ao conceito de

espaço-cidadão em cada sociedade.

Entretanto, mesmo tendo em conta a falta de similaridades entre as cidades alvo do estudo,

optou-se por utilizar a mesma sistemática de análise, bem como os mesmos parâmetros

analíticos, visto que o objetivo principal da apresentação dos casos-referência é justamente

demonstrar a aplicação do conceito de espaço-cidadão, ilustrando as formas possíveis de

se relacionar espaço público e cidadania na contemporaneidade.

Cada espaço-cidadão é pontuado com uma conclusão parcial que tem a intenção de

destacar as particularidades dos exemplares constituintes da pesquisa, visto que os

atributos, as condições e as características elencadas anteriormente como relacionadas à

categoria de espaço-cidadão nem sempre acontecem concomitantemente e cada contexto

tende a sobrelevar alguns aspectos de forma mais relevante que outros. Conforme já

mencionado, praça e parque oferecem aos seus usuários diferentes formas de contato e

interação, entretanto, como se utiliza a mesma estrutura de análise para todos os casos-

referência, mostrou-se válido destacar em cada um deles as formas preponderantes de usos

e dinâmicas urbanas, bem como os possíveis conflitos visíveis, exaltando as peculiaridades

de cada exemplar.

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Capítulo 03

ESPAÇOS-CIDADÃOS: O CASO DE EINDHOVEN, HOLANDA

Os dois casos-referência escolhidos dentro em Eindhoven como exemplos de um espaço-

cidadão e que serão demonstrados mais abaixo se constituem de praças secas localizadas

na área central da cidade, próximas às áreas de comércio e entretenimento, em uma região

onde a circulação do automóvel é limitada, fazendo com que os deslocamentos se deem

principalmente a pé e por bicicleta, nas áreas onde há ciclovias permitindo o fluxo. Uma

delas se localiza em frente a uma das principais igrejas da cidade, a outra se localiza junto à

antiga área de mercado, tendo esta vocação até os dias de hoje. O terceiro estudo de caso

seria o Genneper Park, um parque situado em uma área periférica que se configura como

uma das maiores áreas verdes da cidade, entretanto, não foi observado neste parque as

condições mínimas para se desenvolverem as características de espaço-cidadão. Desta

forma, optou-se por não utilizá-lo como caso-referência neste trabalho. As próximas páginas

contêm algumas considerações sobre a evolução urbana da cidade de Eindhoven, na

Holanda, de forma a contextualizar os espaços públicos estudados adiante.

3.1 Contextualização dos casos-referência na evolução urbana de Eindhoven

A Holanda27, localizada na costa oeste do continente Europeu, teve seus primeiros traços de

presença humana permanente por volta de 4.000 a.C. Pertenceu por um longo período à

Espanha, obtendo sua independência entre 1575 e 1675 e formando a República da

Holanda Unida. Em meados do século XIX criou-se o Reino da Holanda, atualmente

formado por 12 províncias28. A população holandesa apresenta crescimento lento, sendo

formada por pouco mais de 16 milhões de habitantes, grande parte concentrados nas suas

maiores cidades: Amsterdam, Rotterdam e Den Hague, seguidas por Utrecht e Eindhoven.29

27 Holanda é uma forma equivocada de se referir ao país que, na verdade, atende pelo nome de

Países Baixos. A denominação Holanda diz respeito a duas das regiões do país, Holanda do Norte e Holanda do Sul que por serem, por muito tempo, as mais poderosas da nação, acabaram tendo sua denominação utilizada para o país como um todo. Aqui, optou-se por manter a forma Holanda para se referir à nação estudada por este termo ser mais amplamente conhecido na língua portuguesa. 28

A forma de governo é a democracia parlamentar sob a monarquia constitucional. As doze divisões administrativas são governadas por um comissário da rainha. 29

Segundo estimativa para o ano de 2008, realizada pelo Instituto Holandês de Estatísticas, a população das maiores cidades do país seriam as seguintes: Amsterdam – 747.093, Rotterdam – 582.951, Den Haag – 475.681, Utrecht – 294.737 e Eindhoven – 210.333. Fonte: http://www.cbs.nl/en-GB/menu/home/default.htm.

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Figura 3.1: Mapa da Holanda, suas doze províncias e principais cidades. Destaque para a capital Amsterdam, na província de Noord-Holland e para a cidade de Eindhoven, na província de Noord-

Brabant. Fonte: wikipedia.org

Acesso em: maio de 2009.

O país é conhecido por ter cerca de 50% do seu território abaixo do nível do mar. Em função

disso, praticamente a totalidade de sua área é artificial, ou seja, sofreu algum tipo de

intervenção do homem, principalmente no que diz respeito ao sistema de defesa natural, à

drenagem do terreno e à conquista de novas porções de terra junto ao mar. Como em

outros países europeus, as paisagens naturais são escassas, principalmente, quando

considera-se paisagem natural as áreas intocadas pelo homem.

Em função do território restrito - aproximadamente 42 mil quilômetros quadrados - e da

concentração de sua população, as maiores cidades holandesas apresentam densidade

ocupacional relativamente elevadas, o que, dentro do ecossistema específico onde se

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encontram, exige “regulação criteriosa e sistemática para manter o equilíbrio ambiental

associado à qualidade de vida urbana.”30

Enquanto desenvolvimento urbano, as cidades holandesas começam a apresentar

importância a partir da Idade Média, especificamente no século XIII, ainda que cidades

como Utrecht e Maastricht tenham sido colonizadas durante o Império Romano. Muitas das

praças holandesas nasceram durante o período medieval como local de mercado. Tais

praças foram bastante abundantes na Holanda e sua localização variava de acordo com as

rotas comerciais e cruzamento de vias.

A cidade de Eindhoven - primeiramente conhecida como Endehoven, que significava algo

próximo a “jardim do fim”, em função de sua localização ao sul - surgiu como um pequeno

povoado na confluência dos rios Dommel e Gender. No início do século XIII, garantiu o

direito de organizar o mercado, visto que estava localizada numa posição estratégica com

relação à rota comercial entre as principais cidades holandesas e Liège. Eindhoven esteve

durante muito tempo sob domínio espanhol. Nas diversas tentativas por parte da Holanda de

recuperar o poder da região, os confrontos levaram a incêndios sucessivos, destruindo

parcialmente a cidade, que foi reconstruída diversas vezes.

Especialmente na Holanda, a localização das praças levava em conta a passagem dos

cursos d’água, originando praças em cima de pontes sobre canais (vault square) ou ao

longo de diques (dam squares), rios ou canais (wharf squares), facilitando o

descarregamento de embarcações, além das praças sobre canais drenados (filled squares).

Ainda que a principal função das praças medievais fosse a de mercado, o crescimento

acelerado da população associado à carência de espaços privados internos, fez com que

tais praças abrigassem também atividades relacionadas ao lazer, configurando-se como o

local de comércio e da vida social durante a Idade Média.

30 ORNSTEIN (1999).

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Figura 3.2: Ilustração referente ao núcleo inicial da cidade de Eindhoven, cercada por uma muralha. Fonte: http://www.cberkmortel.nl/

Acesso em: março de 2009.

Em praticamente toda a Europa, durante a Idade Moderna, florescem praças como resultado

de um planejamento racional, projetadas segundo princípios de regularidade e unidade

espacial. O renascimento, embora tenha sido um período muito fértil ao desenvolvimento de

artes e ciências nas cidades holandesas, no que diz respeito à arquitetura de espaços

públicos a herança deixada é relativamente modesta, assim como o período Barroco e a sua

carga de representação simbólica de poder do Antigo Regime. Estas praças monumentais

nunca foram comuns em território holandês e isso se explica basicamente pelas

características sociais da República Holandesa vigente de não estar atrelada a um regime

centralizador, não havendo a preocupação com a criação de grandes praças enquanto

demonstração de poder. A mentalidade calvinista holandesa era marcada muito mais pela

austeridade do que pela grandiosidade, preferindo o investimento em propriedades privadas.

Neste ponto, a questão físico-geográfica é novamente preponderante já que a pouca

disponibilidade de terras drenadas tornava inviável a construção de praças que ocupassem

uma grande área. A densidade populacional das cidades holandesas, naquela época

superiores a maioria das cidades europeias, limitava a utilização do restrito espaço público

para atividades de lazer ou ostentação de poder, sendo superior o seu uso como local de

comércio.

A revolução industrial é responsável por um acréscimo populacional considerável que

tornam ainda mais raros os espaços disponíveis para a utilização como espaços públicos.

Ao mesmo tempo, a demanda se modifica fazendo-se mais necessária a criação de parques

do que a construção de novas praças. A novidade deste período fica por conta das praças

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vinculadas às estações de trens que em função da mobilidade facilitada tornam-se as novas

praças de mercado.

Também na cidade de Eindhoven, a revolução industrial gerou forte impacto, desenvolvendo

vias e meios de transporte que ligaram de maneira mais eficiente a cidade ao restante do

país e demais países da Europa. As primeiras indústrias foram de tabaco e têxteis, mas o

grande impulso se deu com o desenvolvimento da Philips, indústria de equipamentos de

iluminação eletrônicos a partir de 1891, quando a cidade ainda ocupada apenas o seu

núcleo medieval. Esta companhia foi responsável por modificar a estrutura da cidade até os

dias de hoje.

Figura 3.3: Primeiro prédio da fábrica

Philips. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.4: Philips High Tech Campus, umas das edificações do grupo Philips na cidade de Eindhoven.

Fonte: http://www.panoramio.com Acesso em: maio de 2009.

Durante o século XIX, LÖRZING (2007) destaca a mudança na maneira de se relacionar

com a natureza, o que colabora para o surgimento dos parques públicos como locais para

se desfrutar do ambiente natural. Ainda que não tivessem muitas inovações formais, estes

parques tinham como grande elemento de diferenciação os seus clientes e usuários,

configurando tais espaços como parques públicos, criados pela primeira vez pelas

autoridades municipais, sendo em alguns casos reivindicação de comitês formados pela

população. O melhor e mais conhecido exemplo holandês é o Vondel Park localizado em

Amsterdam e inaugurado em 1865, em uma área de 47 hectares. Este parque urbano surgiu

a partir de uma necessidade da elite, mediante o crescimento da cidade, com a intenção de

ser o coração de uma nova área residencial, enquanto lugar para ver e ser visto. Entretanto,

assumiu um caráter cívico muito forte a ponto de ter sido o epicentro de vários movimentos

culturais que depois atingiram a cidade e o país como um todo. O parque, tombado no ano

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de 1996 como patrimônio nacional, tem ainda hoje uma imensa popularidade entre os

habitantes e turistas da cidade de Amsterdam.

Figura 3.5: VondelPark – foto atual.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.6: VondelPark – foto atual. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.7: Movimento Hippie durante a década de 60 no VondelPark.

Fonte: http://www.perfectvisit.nl/

Figura 3.8: Tarde de sol no parque. Fonte: http://www.skyscrapercity.com

Acesso em: outubro de 2008.

O decorrer do século XX vê grande parte das praças da Holanda se transformarem em

estacionamentos para veículos, seguindo os preceitos modernistas que colocavam como

locais adequados para a convivência e o encontro não mais as praças e sim lugares

específicos construídos para este fim como os centros comunitários. As próprias praças

vizinhas às estações de trens perdem sua função, transformando-se em pontos intermodais

de transporte. O espaço público na separação das funções urbanas deveria ser o

responsável por permitir o deslocamento. Por outro lado, a ascensão da social-democracia

traz novas visões sobre o planejamento urbano, apoiado na necessidade das classes

trabalhadoras terem seus próprios espaços abertos para recreação. São previstos grandes

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parques em áreas em crescimento, conhecidos pelo nome de volkspark, voltados para a

recreação das massas e, muitas vezes, como parte de projetos habitacionais. Tais parques

seguiam a influência funcionalista, determinante na época e eram providos de diversos

equipamentos de lazer, incluindo teatros ao ar livre, piscinas e campos de futebol.

Os anos que se seguiram ao pós-guerra não foram muito produtivos no que diz respeito ao

projeto de espaços públicos, praças e parques, visto que a escassez generalizada colocava

as áreas de ócio e lazer atrás de todas as outras necessidades. Somente após os anos 50

que se volta novamente a atenção para os parques urbanos, época que vê crescer a

importância dada à recreação e ao lazer e, no caso holandês, os parques urbanos

construídos muitas vezes em áreas restritas não davam conta da necessidade dos seus

habitantes. Como política do governo nacional, grandes parques nacionais são construídos

com o objetivo de oferecer outra possibilidade de recreação junto a paisagens culturais e

naturais ampliando a importância da preservação ecológica e das características culturais

de cada região.

Em Eindhoven, a ocupação nazista

durante a Segunda Guerra Mundial,

assim como em outras cidades do

país, foi responsável por destruir

grande parte dos remanescentes

históricos arquitetônicos. Entretanto,

o período do pós-guerra, após a

libertação da cidade pelas tropas

britânicas, inaugurou um período

extremamente favorável ao seu

desenvolvimento urbano, tornando-

se a quinta maior cidade

holandesa31, posição que ocupa até

os dias de hoje.

Figura 3.9: Tropas inglesas no centro de Eindhoven após a libertação da cidade do domínio do Eixo.

Segunda Guerra Mundial. Fonte: Imperial War Museum

Disponível em: http://www.iwmcollections.org.uk/ Acesso em: março de 2009.

31 Eindhoven é atualmente a quinta maior cidade da Holanda e compõe a província de Noord-

Brabant, a segunda maior do país, com 68 municípios integrantes.

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Atualmente a conformação urbana de Eindhoven obedece a uma tendência muito comum no

planejamento e no projeto urbano holandês32: a influência funcionalista, demonstrada pela

uniformidade de desenho e pelo zoneamento funcional aparecem mescladas a

características da Cidade-Jardim. O tipo de edificação residencial preponderante é de

unidades familiares organizadas em fita, poucos edifícios em altura e baixa densidade. A

densidade populacional da cidade33 é de 2.385/km².

O sistema de espaços livres contínuos disponíveis remete à ideia de se estar percorrendo

constantemente um grande parque linear, principalmente para além da área do centro

histórico. Pode-se identificar que o sistema de espaços livres, que envolve a cidade como

um todo e distribui-se de maneira equânime, é composto por ruas extremamente

arborizadas, alamedas, parques e jardins. A ausência de grades e cercas tanto nas

residências, quanto nos espaços públicos, facilita a utilização dos espaços abertos.

Figura 3.10: Imagem aérea de Eindhoven. Fonte: Google Earth

Acesso em: outubro de 2008.

32 DOEVANDS, K. SCHRAM, A. (2007). Texto para aula.

33 Dado para o ano de 2006, segundo o Centraal Bureau voor de Statistiek (Instituto Holandês de

Estatística).

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Figura 3.11: Tipologia de edificações recorrente em Eindhoven.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.12: Vegetação urbana abundante nas ruas da cidade.

Fonte: Foto da autora, 2008.

A acessibilidade e a mobilidade são facilitadas pelas ciclovias abundantes, que dentro de

uma cultura de locomoção através de bicicletas, as torna altamente difundidas entre os

moradores (Figura 3.13 e 3.14). Existe uma rede de transportes públicos (ônibus),

entretanto, muitos dos deslocamentos podem ser feitos a pé, devido às distâncias regulares

dentro da cidade, que não é muito extensa. Desta maneira, a necessidade de um sistema de

espaços livres bem estruturado, bem distribuído e em boas condições se faz ainda mais

importante.

Figura 3.13: Ciclovia como parte do sistema de

mobilidade da cidade. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.14: Bicicletário em frente à Estação Central de Trens.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Foi possível observar que especificamente na cidade de Eindhoven não existe uma cultura

muito difundida de uso do espaço público. Isto pode ser resultado de uma sobreposição de

situações, a começar pela questão climática, já que o clima temperado é responsável por

uma estação fria rigorosa que diminui de maneira impactante o uso de espaços abertos.

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A grande disponibilidade de espaços abertos e contínuos ao longo de toda a cidade,

incluindo os espaços privados do jardim e do quintal podem atenuar a densidade de

utilização dos espaços públicos, bem como diminuir a necessidade de deslocamento até

uma praça ou um parque para se desfrutar de espaços livres. É comum a utilização dos

espaços de jardim por crianças e idosos, o que se torna possível, principalmente, em função

do porte da cidade e da sua segurança urbana.

Notadamente, a herança calvinista também incide nos hábitos da população, já que os

holandeses em geral, tendem a desenvolver suas vidas em um âmbito mais privado, não

estando inserida na cultura da população a necessidade de trocas constantes e de

convivência em espaços livres públicos. Segundo depoimentos de representantes da

comunidade local “os holandeses, aos finais de semana, costumam ficar com suas famílias”

e “quando começa a esquentar, nos finais de semana, as famílias tendem a procurar

cidades litorâneas”34. Deve-se salientar que esta situação não é percebida com tanta

intensidade na capital holandesa, Amsterdam, porque em função do porte da cidade, do tipo

de urbanização mais densa e da presença massiva de turistas, os espaços públicos são

mais vigorosamente concorridos.

A população de Eindhoven não tem tradição de envolvimento no processo de produção do

espaço público. Mesmo no meio acadêmico fica clara uma visão de que “isto fica a cargo

dos representantes escolhidos pela população sob um regime democrático”. O fato de não

se tratar de uma cidade extremamente populosa contribui para que não haja a necessidade

de se consolidar canais próprios para a participação já que a proximidade entre população e

administradores costuma ser mais desburocratizada nestas situações. Por outro lado, o fato

de, na história recente da Holanda, não ter havido turbulências políticas como as ocorridas

nos regimes ditatoriais de Brasil e Espanha, faz com que a população não tenha a mesma

necessidade de se organizar em termos de participação no processo político, como ocorreu

nos países mencionados acima. Isto não significa que a população holandesa permaneça

alheia aos acontecimentos políticos visto que esta sociedade é internacionalmente

conhecida pela vanguarda em diversas questões culturais que impactam em decisões

políticas, como, por exemplo, na questão de legalização das drogas e na liberdade de opção

sexual, fatos estes que tiveram início a partir da contestação da população a regras pré-

estabelecidas. Neste contexto, o VondelPark, parque público urbano localizado em

Amsterdam, tem papel fundamental, tendo sido ele o epicentro de diversos movimentos

culturais e políticos que eclodiram alcançando o país como um todo em diversas épocas.

34 Fragmentos de diálogos estabelecidos de maneira informal com membros da população local

durante o período de realização deste estudo na cidade de Eindhoven: entre junho e julho do ano de 2008.

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Diferentemente das duas outras cidades que fazem parte deste estudo, Eindhoven é uma

cidade de população bastante homogênea e com poucas desigualdades visíveis, inclusive

no que diz respeito à imigração, já que não existe nenhuma comunidade grande de

imigrantes, excetuando grupos de surinamitas, turcos e marroquinos35. Não há disparidades

sócio-econômicas consideráveis a julgar pelas características gerais de bairros, edificações,

infra-estrutura, equipamentos urbanos e meios de transporte. Todos se mostram bastante

homogêneos. O que se percebe é que em função do zoneamento funcional, algumas áreas

são melhores servidas de serviços e comércio que outras, estritamente residenciais.

Com relação às praças, somente nos anos 80 e 90 que se passa a verificar uma tendência

de renovação atingindo diversos destes espaços na Holanda como um todo. Nota-se a

preocupação em equipá-las com novo mobiliário urbano: bancos, iluminação noturna, cafés

nas calçadas e novas pavimentações, associando lazer e consumo (Figura 3.15 e 3.16) e

afastando gradualmente os automóveis do seu interior. Busca-se incorporar novamente

estes espaços à vida cotidiana, enquanto lugar de encontro. No processo de revitalização, a

segurança urbana assume um papel bastante importante tanto na concepção de projeto,

quanto na gestão dos espaços públicos.

Figura 3.15: Praça no centro histórico de Breda.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.16: Praça no centro histórico de Amsterdam.

Fonte: Foto da autora, 2008.

35 COLQUHOUN (1995:116)

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O parque e as praças pré-selecionados para este estudo representam o interessante

contraste presente na Holanda como um todo. Enquanto as praças são resquícios de um

tecido antigo e têm presentes a forte relação da praça medieval com a função de mercado, o

parque demonstra toda a modernidade presente dentro da contemporaneidade do país e a

sua preocupação com questões de sustentabilidade ambiental, aliadas a formas bastante

atuais de administração, integradas no sistema econômico global. Por isso, havia o

interesse de apresentar estes três locais como exemplos de espaços-cidadão, ampliando a

gama de tipologias de espaço público analisadas em Eindhoven.

O Genneper Parken é um local de grande extensão, com cerca de 200 hectares, localizado

para o lado de fora do anel viário da cidade, tendo um papel fundamental de contenção do

crescimento urbano naquela direção. Foi, durante muitos séculos, uma área atrelada à

prática da agricultura, tendo sido usado como área de recreação e contemplação

progressivamente ao longo do tempo, entretanto, só passou a se configurar oficialmente

como um parque público no ano de 2001. Este parque tem em sua proposta a união das

instituições públicas à iniciativa privada, tanto com a propósito de viabilizar a sua gestão,

quanto com o objetivo de elevar o marketing do local, imprimindo uma imagem

contemporânea que atuaria como um chamariz de público e de parceiros, envolvendo as

instituições gestoras do município, a universidade técnica de Eindhoven, órgãos ambientais,

escolas primárias, associações dos bairros próximos e departamentos da polícia. O parque

hoje conta com diversas atrações, incluindo instalações esportivas, centros de educação

ambiental, rotas ecológicas, áreas de playground e um museu aberto de história natural, a

partir de uma ideia maior de trabalhar com questões ligadas tanto ao desenvolvimento

sustentável, quanto à inovação em tecnologias de ponta.

Entretanto, o que se pode perceber é que o parque não foi devidamente apropriado pela

população, de forma que as condições necessárias para se desenvolverem os atributos

característicos de um espaço-cidadão não são contempladas. Por um lado, a diversidade

social é bastante limitada, visto que os frequentadores são restritos aos moradores do

entorno que utilizam suas áreas periféricas em frente às suas residências. Já o público de

usuários dos equipamentos que se encontram no interior do parque tem poucas

possibilidades de contato, já que o zoneamento é bastante fragmentado. Por outro lado, não

existe uma densidade de usuários favorável ao desenvolvimento de sociabilidades, em parte

em função da sua grande dimensão, em parte em função da dificuldade de acesso, em

razão da localização do parque ser fora do anel viário principal. Desta forma, o Genneper

Parken se destaca mais por sua função ecológica, enquanto recriação e preservação da

paisagem natural da região, do que pela função social, não podendo ser enquadrado na

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conceituação de espaço-cidadão da maneira que este trabalho propõe, principalmente no

que diz respeito à produção de sociabilidades como um reflexo do incremento de interações

sociais, trocas sociais e reconhecimento do indivíduo como membro de uma coletividade.

3.2 Espaços-cidadãos na cidade de Eindhoven

As praças centrais de Eindhoven que serão apresentadas logo abaixo estão localizadas na

parte mais antiga da cidade, embora o tecido medieval remanescente seja muito restrito, em

função da sua reconstrução por diversas vezes ao longo da história. O largo da Igreja Sint

Catharina embora estivesse ali desde a época da construção da mesma em 1867 - que

sucedeu a antiga igreja da cidade, construída e destruída várias vezes desde o século XV -

atingiu a sua forma atual somente nos últimos anos a partir da demolição de edificações

próximas de maneira a ampliar a área. Já a Marktplein (Praça do Mercado), como o próprio

nome diz, serviu como local de comércio durante muitos séculos e até hoje permanece com

sua função bastante ligada a esta atividade, já que junto a está praça se localizam muitos

dos bares e restaurantes da cidade, que estendem suas mesas em direção à praça durante

as estações mais quentes, além das feiras e briques que tomam conta da praça em dias

pré-estabelecidos. É umas das maiores referências históricas da cidade, visto que a

Eindhoven, enquanto povoado surgiu em torno da atividade de mercado, que acontecia já

no século XIII nesta área.

Figura 3.17: Localização geral dos dois espaços públicos estudados na cidade de Eindhoven. Destacado em amarelo o anel viário. Em laranja, o Genneper Parken, local excluído do estudo.

Fonte: Google Earth (modificado pela autora) Acesso em: junho de 2009.

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A cidade de Eindhoven se destaca

pela disseminação do uso da

bicicleta entre seus habitantes. A

mobilidade por automóvel particular

e por transporte coletivo é limitada.

Assim, valoriza-se o contato do

habitante com a paisagem e a

malha urbana. O centro da cidade

foi parcialmente pedestrianizado em

sua zona de comércio e

entretenimento noturno, tornando-se

comum que a população se dirija

até o mesmo de bicicleta, deixe-a

estacionada em um dos diversos

bicicletários disponíveis e percorra a

área central a pé. Neste contexto, o

espaço público adquire maior

importância, principalmente quando

existe um sistema de espaços livres

interligando a cidade. A imagem ao

lado demonstra a proximidade entre

as duas praças e a facilidade se

realizar o percurso de uma a outra.

Figura 3.18: A proximidade das duas praças. Fonte: maps.yahoo.com (modificado pela

autora).

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3.2.1 Catharinaplein (Praça da Igreja Sint-Catharina)

A Catharinaplein, praça localizada em frente à Igreja de Santa Catarina (Sint-Catharinakerk),

é um dos pontos de maior circulação de pessoas de Eindhoven. Em função de sua

localização privilegiada - na área central da cidade, próxima às principais ruas destinadas ao

comércio, ao lazer, ao entretenimento e a alguns dos edifícios administrativos municipais,

incluindo a prefeitura - a praça é frequentemente utilizada como ponto de encontro, como

local para descanso dos pedestres, como ponto turístico, além de servir de ante-sala à

própria Igreja.

3.2.1.1 Breve histórico

O local onde se encontra esta praça foi

ocupado pela função religiosa desde o século

XV, quando esteve sob domínio ora

protestante, ora católico, ao longo do tempo. A

atual edificação da Igreja de Santa Catarina é

do ano de 1867, já o largo consolidou sua

forma atual somente ao longo do século XX, já

que por muito tempo, sua área foi mais restrita,

tendo servido como estacionamento para

veículos durante algumas décadas. A

revalorização da área voltada para o espaço

público se encaixa na tendência holandesa

que a partir dos anos 70 e 80 do século

passado voltou a se preocupar com as praças

como potencializadoras de convivência e

encontro, surgindo daí uma política voltada

para a reabilitação destes locais, que no caso

de Eindhoven se concentrou nas áreas

centrais, já que aí nota-se uma utilização dos

espaços públicos com mais vigor que no

restante da cidade. Após sucessivas

intervenções a Catharinaplein adquiriu a forma

atual nos primeiros anos deste século.

Figura 3.19: Antiga imagem da Igreja. Fonte: http://www.eindhovenfotos.nl/

Acesso em: outubro de 2008.

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Figura 3.20: Entorno da Igreja nas décadas passadas, quando a praça ainda tinha área restrita.

Fonte: http://www.eindhovenfotos.nl/ Acesso em: outubro de 2008.

Figura 3.21: Área da praça utilizada como estacionamento de veículos.

Fonte: http://www.eindhovenfotos.nl/ Acesso em: outubro de 2008.

Figura 3.22: Detalhe da área em frente à Igreja antes da reabilitação.

Fonte: http://eindhoven-foto.blogspot.com/2008_08_01_archive.html

Acesso em: março de 2009.

Figura 3.23: A mesma área em frente à Igreja após a reforma.

Fonte: http://eindhoven-foto.blogspot.com/2008_08_01_archive.html

Acesso em: março de 2009.

3.2.1.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão?

Nos dias atuais, esta praça é um dos espaços públicos mais intensamente utilizados pela

população de Eindhoven, sendo frequentado, diariamente e nas mais diversas horas do dia.

Em função de sua centralidade, possui um fácil acesso, fazendo parte do percurso de

diversas pessoas que se dirigem até o centro da cidade. Não há qualquer tipo de barreiras

impeditivas ao acesso visto que a própria forma da praça se confunde com as ruas

peatonais que a delimitam, conformando um acesso amplamente franco. O fato de o local

ser plano contribui para a facilidade de locomoção, mesmo para as pessoas com alguma

dificuldade.

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Figura 3.24: Catharinaplein e as principais vias de acesso.

Fonte: maps.yahoo.com (modificado pela autora).

A atual área da Catharinaplein foi organizada de modo a manter um espaço diferenciado em

frente à Igreja, em nível mais elevado, servido por rampa de acesso. Em uma das laterais se

encontra o bicicletário, justamente próximo às ruas que servem de ingresso à área central,

peatonal. Na outra lateral, existe uma área de estar, caracterizada pela presença de

vegetação pontual, além de bancos. Esta praça, que no Brasil seria classificada como praça

seca, dispõe de vegetação pontual, de folhagem caducifólia, significando que no período do

inverno, não existe sombreamento, o que, de fato, não se faz necessário, vide as

características climáticas da Holanda, cuja estação fria apresenta temperaturas rigorosas.

Destacam-se os dois principais eixos de circulação, um em cada sentido, que foram

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mantidos livres para o fluxo de pedestres e ciclistas. A área restante da praça é configurada

através de um grande espaço livre, utilizado principalmente para grandes eventos.

Figura 3.25: Vista geral da praça a partir da Igreja.

Fonte: Junges, Fernanda, 2008.

Figura 3.26: Rampa para acesso de pessoas com dificuldade de locomoção. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.27: Igreja iluminada e entorno. Fonte: Arno van den Tillaart , 2006 .

Figura 3.28: Banda de música utilizando a área da praça.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.29: Comemorações no Koninginnedag (o dia da rainha).

Fonte: http://www.ed.nl/ Acesso em: junho de 2009.

Figura 3.30: Área de estar, localizada na lateral da Igreja.

Fonte: Foto da autora, 2008.

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Figura 3.31: Mapas de uso no entorno da Catharinaplein. Fonte: maps.yahoo.com (modificado pela autora).

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A praça é uma referência como ponto de encontros já que a imagem da Igreja de Sint-

Catharina é muito forte dentro da cidade, em função da sua centralidade e da sua

permanência ao longo da evolução urbana local. Como se localiza justamente entre as

principais ruas comerciais e aquelas voltadas para o lazer e o entretenimento noturno, a

diversidade de usos nas áreas próximas garante um movimento constante na mesma.

Exatamente em frente à Igreja existe a parte externa do museu que se localiza no seu

subsolo, atraindo o público turístico, assim como os eventos organizados no local, que

incluem as projeções luminotécnicas36 na Igreja. A utilização noturna é assegurada pela

proximidade com os bares e restaurantes que funcionam neste período. Por um lado,

quando o clima permite, mesas são dispostas ao ar livre, em direção à praça. Por outro lado,

a abundância de vagas no seu bicicletário garante a utilização do espaço por jovens

inclusive no horário após encerrarem as atividades noturnas - fixado em 2:00 de domingo à

quinta-feira e 4:00 nas sextas-feiras e nos sábados – como um prolongamento do

entretenimento noturno.

Figura 3.32: Montagem de equipamento para evento.

Fonte: Cortesi, Fabio, 2009.

Figura 3.33: Um dos bicicletários disponíveis na praça.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Como praticamente todos os espaços públicos da cidade de Eindhoven, este também está

em ótimo estado de conservação, sendo alvo de manutenção constante. O mobiliário urbano

apresenta-se em boas condições, a limpeza urbana é constante e a iluminação noturna é

bastante eficiente.

36 A cidade de Eindhoven é internacionalmente famosa pelo seu desenvolvimento na área da

luminotecnia, sendo conhecida como Cidade da Luz (City of Light), muito em função da Philips, que se nasceu nesta cidade produzindo primeiramente bulbos para lâmpadas elétricas. Os holandeses têm uma cultura de valorização da iluminação artificial, que em Eindhoven pode ser reconhecida através dos inúmeros eventos relacionados à iluminação pública de edificações, espaços abertos, monumentos e obras de arte. Para maiores informações ver: http://www.lichtstad.eindhoven.nl/

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Figura 3.34: Diversidade de público entre os frequentadores.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.35: Utilização do local por idosos. Fonte: Foto da autora, 2008.

3.2.1.3 Conclusão parcial

A Catharinaplein conta com características, tais como a localização, a acessibilidade, a

sensação de segurança existente, além de condições físicas adequadas e de uma grande

relevância dentro do imaginário urbano da população de Eindhoven. Estas características

garantem um público diverso e uma densidade de usuários suficientes para garantir que o

desenvolvimento de sociabilidades. Assim, ao ser apropriado por seus usuários, este

espaço público permite o desenvolvimento de interações e trocas sociais, além de reforçar o

pertencimento e o reconhecimento.

Em uma cidade como Eindhoven, uma praça que se comporta como espaço-cidadão, não é

necessariamente aquela que permite a manifestação política, mas mais aquela que estimula

a expressão cultural, por exemplo. Conforme foi descrito no item anterior, pelas

especificidades das características do povo holandês, a vida se dá em um âmbito muito

mais privado, de forma mais individualista, isto é dizer que nota-se um resguardo à

exposição excessiva por grande parte da população. Assim, em uma cultura que em função

de variados aspectos, não se tem como hábito a utilização massiva de espaços públicos, a

existência de um local como a Catharinaplein que congrega uma quantidade considerável

de habitantes, proporcionando diversas formas de interação é de extrema relevância para

qualificar a noção de pertencimento e, consequentemente de reconhecimento do indivíduo

como parte de uma coletividade. Em função do exposto acima, esta praça pode ser

considerada um espaço-cidadão.

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3.2.2 Marktplein (Praça do Mercado)

O outro estudo de caso escolhido na cidade de Eindhoven que também se encontra na área

central é a Marktplein, ou Praça do Mercado, que tem este nome por ter surgido em torno da

rua do mercado (Marktstraat), espaço onde se desenvolviam as funções de comércio na

cidade desde séculos passados.

3.2.2.1 Breve histórico

Foi um local muito importante no desenvolvimento da cidade, visto que a própria Eindhoven

surgiu em função da atividade de mercado quando no ano de 1232 foi concedida à cidade a

permissão de organizar um mercado semanal, décadas antes de Amsterdam e Rotterdam,

por exemplo. Embora as duas praças aqui apresentadas tenham algumas características

semelhantes, esta última tem um vínculo com o comércio muito forte, o que imprime ao local

algumas características extremamente contemporâneas dentro da proposta de espaços

públicos na Holanda, apesar do tecido antigo no qual está inserido, caracterizado por uma

morfologia consolidada ao longo do tempo, cuja estrutura urbana do núcleo inicial foi em

grande parte mantida, ainda que não se tenham muitas referências arquitetônicas históricas

na cidade em função de sua destruição parcial em diversos momentos entre os séculos XV

e XVII e, posteriormente, durante a Segunda Guerra Mundial. Abaixo se vê o mercado que

tomava a praça nas terças-feiras, o tradicional dia de mercado da cidade desde a Idade

Média, no ano de 1915. Durante algum período, esta função foi afastada do local, para ser

retomada décadas depois, com a realização de feiras semanais que comercializam, entre

outras coisas, roupas, tecidos, antiguidades e peças de arte, nas terças-feiras e nos

sábados.

Figura 3.36: O mercado na Marktplein em 1915. Fonte: http://eindhoven-foto.blogspot.com

Acesso em: junho de 2009.

Figura 3.37: A feira na Marktplein em 2008. Fonte: http://eindhoven-foto.blogspot.com

Acesso em: junho de 2009.

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Como outras praças holandesas, a Marktplein foi fortemente influenciada pelas

reformulações urbanas de ordem funcionalista levadas a cabo durante a metade do século

XX, quando serviu como estacionamento de veículos, antes de integrar o projeto de

reabilitação da área central da cidade e de ter o fluxo de automóveis afastado do local,

recuperando as funções tradicionais e reaproximando a praça de seus usuários.

Figura 3.38: Marktplein transformada em parque no ano de 1966 por ocasião das comemorações

de 75 anos da Philips. Fonte: http://www.eindhovenfotos.nl/markt.htm

Acesso em: junho de 2009.

Figura 3.39: Marktplein durante a época que serviu de estacionamento de veículos. Fonte: http://mirisusanna.pixnet.net/

Acesso em: maio de 2009.

3.2.2.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão?

Localizada na área central da cidade, estando entremeada por ruas de intenso movimento

comercial, esta praça tem na sua história toda a carga de importância por ter sido a praça do

mercado em períodos anteriores. É facilmente acessada por aqueles que se encontram

próximos à área central, mesmo que o trânsito de automóveis seja restrito.

Morfologicamente, a praça é conformada pelas edificações do entorno, não havendo

barreiras que limitem ou dificultem o acesso. Por se localizar numa área plana e bem

sinalizada não há problemas de acessibilidade para os portadores de dificuldades de

locomoção. A praça está inserida dentro da área peatonalizada do centro da cidade, de

forma que o pedestre se sente estimulado a percorrer toda a zona, deslocando de maneira

confortável através do espaço público.

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Figura 3.40: Vista geral da Marktplein. Fonte: Cortesi, Fabio, 2009.

Figura 3.41: Marktplein e as principais vias de acesso.

Fonte: maps.yahoo.com (modificado pela autora).

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Os mais diferentes tipos de usos estão localizados nas áreas próximas, entretanto o vínculo

com atividades comerciais e de serviços é inegável e acompanhou a evolução urbana da

cidade ao longo do tempo, já que durante um longo período, nesta área se encontravam as

principais lojas, bancos e demais serviços. Os diversos bares e restaurantes localizados na

praça estendem suas áreas em direção à praça com a colocação de mesas e cadeiras sob

guarda-sóis, ocupando parte da mesma, principalmente nas estações de clima mais brando.

Além do comércio do entorno, do comércio informal e da feira, também se observa um

movimento junto aos brinquedos de entretenimento infantil. Algumas festividades da cidade

são organizadas neste espaço eventualmente, contribuindo para a vitalidade.

Figura 3.42: Uma das ruas peatonais de acesso à Praça Marktplein.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 3.43: Estátua de Fritz Philips, um dos donos da Companhia de Eletrônicos Philips. Foi responsável por livrar centenas de judeus dos campos de concentração

na época da Ocupação Nazista. Fonte:

http://www.flickr.com/photos/8351770@N08/499406012

Acesso: junho de 2009.

Pode-se dizer que a praça atrai públicos das mais diversas idades - crianças, jovens e

idosos - turistas e população local, incluindo grupos de imigrantes que predominam durante

a realização das feiras. Assim, a Marktplein configura-se como um espaço de estar, de

jovens e famílias, além dos frequentadores e dos comerciantes das feiras e daqueles que

passam por ali entre uma atividade e outra. Por se tratar de uma cidade com um grande

número de jovens em função do pólo universitário existente, os espaços públicos que estão

de certa forma associados a atividades de entretenimento, como esta praça, têm mais

chance de serem bem apropriados pelos usuários.

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Figura 3.44: Mapas de uso no entorno da Marktplein. Fonte: maps.yahoo.com (modificado pela autora).

Não há problemas visíveis com relação à segurança neste local, assim como na grande

maioria dos espaços públicos da cidade, inclusive no período noturno. Em função da

legibilidade muito clara do espaço, que possui todas as visuais livres e conta com uma

eficiente iluminação noturna, a sensação de segurança é ampliada.

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Figura 3.45: Marktplein, tarde de primavera. Fonte:

http://www.flickr.com/photos/digidaan/452046034/ Acesso em: maio de 2009.

Figura 3.46: Marktplein à noite. Fonte: http://www.flickr.com/photos/

96818010@N00/1692470963/ Acesso em: maio de 2009.

Figura 3.47: Comemoração esportiva na praça. Fonte: http://www.hotelvandaag.nl

Acesso em: junho de 2009.

Figura 3.48: Tarde de inverno na praça. Fonte: Cortesi, Fabio, 2009.

Figura 3.49: Comemoração do dia da Rainha (Koninginnedag).

Fonte: http://www.youropi.com/nl/eindhoven Acesso em: junho de 2009.

Figura 3.50: Canteiro da árvore que faz as vezes de banco e brinquedos infantis.

Fonte: Foto da autora, 2008.

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3.2.2.3 Conclusão parcial

A Marktplein tem uma localização privilegiada dentro da malha urbana de Eindhoven,

situando-se em um ponto estritamente central e possibilitando a acessibilidade de forma

facilitada. O ambiente onde se encontra proporciona uma sensação de segurança,

contando, também com condições físicas e de desenho que estimulam a apropriação do

espaço pelo usuário. Os frequentadores são diversos (dentro da pouca heterogeneidade da

população holandesa) e em grande número. Desta forma se cumprem as condições

mínimas para o estabelecimento de importantes atributos que caracterizam um espaço-

cidadão.

Seguindo uma tendência holandesa e conforme explicitado anteriormente, neste local, o

espaço público está intimamente ligado às atividades comerciais. Em outros contextos, o

vínculo excessivo de um espaço público com atrações de exploração privada poderiam ir

contra à ideia que funda o conceito de espaço-cidadão, já que as relações produzidas

nestas situações podem não ser permeadas pela neutralidade e pela justiça que se espera

de um espaço público. Contudo, novamente se devem destacar algumas características

próprias da sociedade holandesa, já comentadas durante a contextualização dos casos-

referência, como, por exemplo, a sua fraca relação com os espaços públicos e o seu vínculo

com as relações privadas. Diante de tal situação, o uso intenso desta praça, mesmo com o

limite entre a esfera pública e a privada tendendo à diluição, deve ser exaltado

positivamente, já que é uma das formas que a população encontra, respeitando suas

características culturais, de desenvolver sociabilidades, interagir, estabelecer trocas sociais,

fomentando o sentido de pertencimento e o reconhecimento, além de manifestar-se das

mais diversas formas. Ainda que a praça tenha um caráter de espaço coletivo, mais do que

de puramente público, e que a população oscile entre o comportamento como cidadão

prevalecendo sobre o comportamento de consumidor, e vice e versa, é possível considerar

a Marktplein um espaço-cidadão, devido a sua relevância social e cultural dentro das

dinâmicas urbanas de Eindhoven, nos mais diversos períodos de sua história. Vale destacar

que tal interpretação pode ser feita a esta situação, neste contexto específico, dentro de

uma sociedade que repousa em uma equilibrada estrutura social, sem desigualdades

visíveis.

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Capítulo 04

ESPAÇOS-CIDADÃOS: O CASO DE BARCELONA, ESPANHA

Os espaços selecionados como estudo de caso na cidade de Barcelona são locais de

acesso relativamente fácil já que se encontram na área urbana consolidada e são servidos

pela rede de transporte subterrâneo, os metrôs, que permitem o deslocamento rápido por

praticamente toda a cidade. Dos três espaços, dois localizam-se próximos à área histórica,

tendo suas construções remontando a segunda metade do século XIX. Tanto a Praça da

Catalunha (Plaça de La Catalunya, na língua catalã), quanto o Parque Ciutadella (Parc de

Ciutadella), compõe a paisagem urbana da cidade há tantas décadas que foram

extremamente apropriados pela população ao longo do tempo, fazendo parte do imaginário

urbano consolidado dos habitantes. O Jardin d’Antoni Puigvert é o caso mais recente de

todos, sendo construído na década de noventa. Embora seja uma praça de abrangência

restrita e de frequentadores formados basicamente pelos habitantes e trabalhadores locais,

entendeu-se que a escolha de tal área representaria a política voltada para os espaços

públicos da qual foi alvo de maneira exitosa a cidade de Barcelona nas últimas décadas.

Figura 4.1: Mapa da Espanha e suas principais cidades. Destaque para a capital Madrid, na Comunidade Autônoma de Madrid e para a cidade de Barcelona, na Comunidade Autônoma da

Catalunya. Fonte: wikipedia.org

Acesso em: junho de 2009.

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4.1 Contextualização dos casos-referência na evolução urbana de Barcelona

Até o século VIII o que havia em território espanhol eram algumas poucas cidades grandes

e muitos pequenos assentamentos, geralmente em torno de portos fundados por gregos,

romanos e fenícios ao longo da costa. Este foi o caso de Barcelona, que teve sua origem

por volta do século V, a partir de um pequeno porto que logo foi incorporado ao Império

Romano. Em meados do século VIII, o território espanhol é dominado pelos mouros, vindos

do norte da África e permanece sobre este domínio até o ano de 1492. A herança romana

deixada em Barcelona é destruída praticamente na sua totalidade.

A cidade islâmica deixou um legado maior dentro das povoações espanholas, com sua

morfologia irregular, ruas estreitas e labirínticas que formavam comunidades compactas de

fácil defesa. Os espaços públicos eram bastante limitados, sendo reflexo de uma cultura de

privacidade que dava prioridade a espaços abertos no interior das residências, conformando

pátios e jardins privados. Ainda que o clima quente mediterrâneo propiciasse a ampla

utilização dos ambientes externos, dentro da cultura árabe e islâmica a vida era devotada ao

islã, assim como as eventuais atividades de indústria e comércio, desta forma, a vida

comum era bastante resguardada, com as interações sociais acontecendo em âmbito

privado.

Após a unificação política da Espanha, no final do século XV com a expulsão dos mouros e

a instauração da monarquia espanhola, se notam as primeiras preocupações com a forma

das cidades, seguindo padrões de beleza que já eram disseminados por praticamente toda

a Europa. Havia a recomendação de se criar ruas mais largas e espaços retilíneos com

praças grandes e uniformes, cercadas por edifícios projetados para este fim. Os lugares de

mercado foram logo utilizados pela realeza para se transformarem em espaços

monumentais de beleza e poder: as plazas mayores, que teriam duas funções primordiais:

primeiro a representação enquanto símbolo do poder do rei e em segundo lugar a tentativa

de dar à sociedade um sentimento de pertencimento e conexão com a realeza, através de

celebrações e festivais que incluíam desde casamentos a execuções e demais atividades

ligadas à Inquisição. A morfologia destas praças, fechadas e conformadas por arcadas pode

ter sido uma evolução da tipologia dos pátios internos das residências islâmicas, sendo que

diferentemente destas últimas, as plazas mayores permitiam o acesso não apenas dos

círculos familiares mas de toda a sociedade.

Em Barcelona, a abertura das muralhas medievais entre os séculos XIV e XV expandiu a

Cidade Velha de modo a incorporar também a área de El Raval. Outra muralha foi

construída incluindo as novas áreas e tendo, no seu portão esquerdo uma nova via que

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seria conhecida como La Rambla, nome emprestado do curso d’água originado a partir da

drenagem pluvial que escoava por ali até o Mediterrâneo. Aquilo que foi primeiramente

esgoto e fosso da muralha tornou-se o primeiro espaço urbano de grandes dimensões a

abrigar atividades de passeio, lazer, feiras e mercados periódicos. Como La Rambla foi por

muito tempo o limite da cidade medieval, atraiu para ali muitas atividade comerciais, além de

convento, universidade, palácios aristocráticos e óperas. Este espaço é um dos

responsáveis pela tradição de vida nos espaços públicos mediterrâneos (Figura 4.1).

O século XIX foi um período de grandes instabilidades políticas, marcado pelos processos

de independência das últimas colônias da América espanhola e pelas disputas internas a fim

de se libertar do controle francês então vigente, o que, após a vitória da Espanha, teve como

consequência a abolição da constituição e o início do período de monarquia absolutista.

Barcelona carecia de espaços públicos, o que ficou notório conforme aumentava o

adensamento da cidade. O pouco que havia era obra de intervenções urbanísticas feitas por

militares como é o caso do Jardín del General, construído 1816 pelo General Francisco

Javier Castaños, então capitão geral do principado (Figura 4.2).

Figura 4.2: Muralhas da Cidade Antiga. Fonte: http://hispanianova.rediris.es/general/

articulo/010/art010.htm Acesso em: maio de 2009.

Figura 4.3: Jardín del General, considerado o parque da cidade de Barcelona.

Fonte: http://fotosdebarcelona.com/ Acesso em: maio de 2009.

A segunda metade deste século observa um crescimento populacional nunca antes visto, o

que obriga as grandes cidades como Madrid e Barcelona a iniciarem planos de

desenvolvimento em direção à periferia, conhecidos como ensanches, que tiveram lugar em

Madrid no ano de 1857 e em Barcelona dois anos mais tarde, sendo este último o mais

ambicioso e conhecido (Figura 4.3 e 4.4). O trabalho de Idelfonso Cerdà aparece nesse

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contexto. Ele teve sua formação em engenharia civil mas possuía uma visão que

perpassava a política, as questões sociais, a economia e a cultura. As ideias de grande

impacto desenvolvidas no seu trabalho Teorías Generais de la Urbanización o fizeram ser

conhecido entre os espanhóis como “o pai da ciência do urbanismo”.

O seu plano de extensão conhecido como Eixample para a cidade de Barcelona, datado de

1859, propunha a hierarquia geométrica de ruas em grelha e quarteirões com 113,33 metros

em cada uma de suas laterais sistematicamente interrompidos por diferentes formas de

espaços abertos. Cada quarteirão teria ocupação periférica em dois dos seus lados por

edificações de até cinco pavimentos conformando jardins abertos no seu interior com

vegetação abundante para convívio dos habitantes. As esquinas, chanfradas a 45 graus,

formariam pequenas praças nas suas interseções. Os quarteirões estariam agrupados em

unidades equipadas com escola, hospital, parques e creche próprios. Seu plano, além de

não ter sido plenamente executado foi, após sua morte, intensamente modificado ou

destruído.

Figura 4.4: Plano de ensaches de Madrid. Fonte:

http://geograficosdelvalle.wordpress.com/ Acesso em: maio de 2009.

Figura 4.5: Eixample, o plano de ensanches de Barcelona.

Fonte: http://www.ietcat.org Acesso em: maio de 2009.

Entretanto, dentro desta nova forma de se pensar a cidade, surge o Parc de la Ciutadella, no

ano de 1872, com 17,43 hectares, se transformando no primeiro parque público de

Barcelona. Projetado por Josep Fontseré e construído sobre o local onde antes se

encontrava a fortaleza da cidade, o parque teve seu projeto altamente influenciado pelo

modelo paisagístico inglês, seguindo o lema de que “os jardins são para a cidade como os

pulmões são para o corpo humano”, referindo-se a pouca disponibilidade de espaços verdes

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na cidade até então37. Sediou a Exposição Universal de 1888 e foi decretado Monumento

Histórico Artístico em 1951. O parque se destaca pela quantidade de esculturas que abriga,

além da diversidade de atividades que acolhe, tais como o Zoológico e Museu de Zoologia,

Invernáculo (ou Invernadero), o Museu de Geologia, o Umbracle (para plantas tropicais), o

Parlamento da Catalunha, a cascata.

A Exposição Universal de 1888 marca a busca por uma arquitetura regional catalã,

combinando materiais modernos e design histórico, exemplificado pelas obras de Antonio

Gaudí. A arquitetura passa a ser amplamente valorizada e se embrenha na cultura da

população sendo discutida publicamente. Da mesma época é o projeto e a construção da

Plaça de Catalunya, considerada a principal praça da cidade de Barcelona. Localizada em

frente a um dos antigos portões da cidade, ela surgiu após a derrubada das muralhas,

reforçando a vocação central do local. A praça não constava no plano de Cerdà, entretanto

serve como costura e transição entre o tecido medieval da parte antiga da cidade e o

Eixample, preservando a importância do seu caráter até os dias de hoje e se configurando

como um dos pontos de maior centralidade da trama urbana da cidade.

O início do século XX dá sinais de grandes turbulências. Mesmo tendo permanecido neutra

durante a Primeira Guerra Mundial, em seguida a esta acontece a insurreição da Catalunha.

No ano de 1923, o reinado, altamente pressionado permite a instauração de uma ditadura.

As diversas disputas entre republicanos e nacionalistas iniciadas em 1930 convergem para

a Guerra Civil Espanhola, iniciada no ano de 1936 com duração de três anos. O período

ditatorial, iniciado logo após a esta Guerra, em 1939 e que se estendeu até 1975, com a

morte do General Francisco Franco estagna todo o desenvolvimento de um pensamento

voltado ao sistema de espaços abertos e à criação de parques e demais espaços verdes,

reprimindo ainda mais a vida pública que se mostrava cada vez menos espontânea. As

décadas seguintes, marcadas pela política fascista do ditador, assistem ao desenvolvimento

de diversos problemas urbanos em função da falta de políticas de planejamento, tais como o

crescimento acelerado e não regulado e a diminuição significativa de espaços públicos

dentro do contexto das cidades. Nas mais diversas bibliografias que tratam da evolução dos

espaços públicos em Barcelona, se encontram informações bastante restritas sobre o

período entre as décadas de 40 e 70 do último século, demonstrando que a preocupação

com estes espaços foi muito pequena, havendo poucas intervenções durante a vigência do

regime ditatorial na Espanha.

37 http://www.bcn.es/parcsijardins/cat/parcs/pa_histo.htm, dentro do site do Instituto de Parques e

Jardins da cidade de Barcelona. Acessado em: 28 de outubro de 2008.

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O período pós-ditatorial tem como um dos seus momentos mais paradigmáticos as políticas

de planejamento urbano de Barcelona que teve ampla incidência na questão dos espaços

públicos. A realidade da cidade no final dos anos 70 era marcada pela deterioração do

tecido histórico e por grandes problemas de tráfego, além de um crescimento desorganizado

em direção ao subúrbio. Aproximadamente 20 anos depois, Barcelona se tornou um dos

exemplos de maior sucesso, enquanto referência urbana, sendo um contraponto à Madrid,

que se modernizou sem conseguir revitalizar sistema de espaços públicos com o mesmo

sucesso.

Durante a transição política houve a recuperação dos Ayuntamientos Democráticos

(municipalidade), no ano de 1979. Em Barcelona, este período foi marcado por uma

profunda renovação urbana, que se consolidou como referência urbanística de nível

internacional38. A política municipal teve como um dos focos principais a atuação

direcionada aos espaços públicos. O crescimento econômico passava necessariamente por

uma reinvenção de Barcelona enquanto cidade e os projetos voltados aos espaços públicos,

visando estimular a circulação, o encontro e convívio, trariam melhorias na qualidade de

vida da população e, por outro lado, aumentaria a competitividade da cidade na economia

global, desenvolvendo uma imagem contemporânea de Barcelona, que atrairia o turismo, os

negócios e geraria novos pólos de educação. A municipalidade tinha como uma das

estratégias de planejamento a atuação nos bairros periféricos, com a ideia de seus

habitantes redescobrirem o sentimento de vizinhança e a identidade dos bairros, e que

esteve em declínio durante a época da ditadura. O incremento econômico destas áreas viria

através da criação de novas centralidades, como atratoras de desenvolvimento.

Martí (2004) destaca a intenção em recuperar o caráter cívico dos espaços públicos,

representada pelo conjunto de intervenções propostas e realizadas nos mesmos com o

objetivo de gerar espaços de encontro, convivência e afirmação coletiva. Havia a

preocupação em fazer identificáveis e reconhecíveis os lugares com imagens diretamente

associadas à memória coletiva da população, que vinha de encontro ao contexto cultural de

Barcelona enquanto cidade mediterrânea com uma rica tradição de espaços públicos com

vitalidade. A política de espaços públicos é vista como um elemento fundamental no projeto

urbanístico já que se entende que são estes espaços que possibilitam as relações mais

diretas dos habitantes com sua cidade.

38 MARTÏ, 2004.

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Figura 4.6: Plano geral da cidade de Barcelona.

Fonte: Google Earth Acesso em: outubro de 2008.

A experiência de Barcelona é entendida por Martí (2004) como uma aproximação ao projeto

do espaço público desde uma lógica urbana, que inclui tanto a lógica paisagística, quanto a

lógica funcional sem priorizar nenhuma delas, compreendendo também, a preocupação com

políticas culturais urbanas, regulações de uso do espaço, campanhas cívicas para incidir na

relação dos usuários com os espaços públicos, entre outras iniciativas que buscavam

condicionar um sentido cívico ao espaço urbano.

A ideia de utilizar o espaço público como âncora no projeto de reestruturação urbana,

passados quase três décadas, conseguiu importantes passos em direção à reconquista da

cidade pelos cidadãos. É certo que o clima mediterrâneo favorece a utilização do espaço

público e desta maneira contribui para que tais espaços sejam verdadeiramente apropriados

pelos usuários. Também é importante considerar que a cultura catalã sempre ousou buscar

a independência de quaisquer outras tendências culturais, assim, a vanguarda da

arquitetura e do urbanismo desta região em parte se justifica, mesmo sendo Barcelona,

assim como outras cidades europeias, assentada sobre consolidados tecidos medievais. No

caso de Barcelona, a reabilitação dos distritos históricos que incluíam a Ciutat Vella, o Bairro

Gótico, El Raval e o Casco Antigo, foram um dos pontos chaves de toda a política, mas esta

se estendeu para a cidade como um todo, abrangendo todos os 12 distritos nos quais

Barcelona está dividida.

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O projeto da cidade visando a sua adequação à contemporaneidade tem muitos pontos

positivos que valem ser lembrados neste trabalho que visa discutir a questão da cidadania

no espaço público. Diferentemente de outras cidades, o investimento nos espaços públicos

não se deu apenas de forma pontual, visando erigir construções inovadoras que atraíssem o

turismo de massas, embora a questão turística estivesse sempre sendo abordada de

alguma forma. A consistência do plano como um todo vai além do projeto urbano para os

jogos olímpicos de 1992 e se demonstra a partir da importância e da valorização do

pedestre, por exemplo. A maioria dos bairros periféricos foi dotada de uma rambla, onde a

supremacia do pedestre ficava clara na limitação de circulação do automóvel a cerca de 1/3

da área total abrangida. Exemplos disto são a Avinguda Gaudí, a Vía Julia, a Rambla Prim e

a Rambla del Poble Nou, que totalizaram mais de 15 projetos de pedestrianização (Figura

4.5 e 4.6). O apelo pela arte urbana fica claro no estímulo em incorporar arte, em especial

esculturas, nos novos espaços criados. Esta estratégia se consolidou com umas marcas do

plano como um todo.

Figura 4.7: Avinguda Gaudí, Eixample, Barcelona. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.8: Vía Julia, Nou Barris, Barcelona. Fonte: Foto da autora, 2008.

A utilização de estruturas abandonadas ou subutilizadas, como antigos espaços fabris,

abatedouros, áreas de estacionamentos, conventos e pedreiras, transformadas em novos

espaços públicos, além da reabilitação de espaços então existentes resultou em mais de

100 intervenções em espaços públicos que abrangeram todas as escalas, desde o parque

até a pequena praça de bairro. Houve a reivindicação por tornar novamente públicos os

pátios internos de alguns quarteirões de Eixample, o bairro com uma das maiores

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densidades39 de Barcelona. Tais pátios internos transformados de praças e jardins foram

uma maneira de ampliar a restrita disponibilidade de espaços abertos na área. Um exemplo

deste tipo de intervenção é o Jardim d’Antoni Puigvert, construído na década de noventa,

quando se abriu o interior de um dos quarteirões para acesso ao público. Essa ação,

encabeçada pelo ProExaimple40 é uma das estratégias postas em prática com o objetivo de

reabilitar os bairros formadores do Eixample. Dentro de sua prioridade estão as ruas e

demais espaços públicos, representados por estes interiores de ilhas dos quarteirões da

área. Com a ideia de resgatar a intenção original de Cerdà dentro de seu plano de

ensanches, busca-se até o ano de 2011 disponibilizar um total de 50 jardins recuperados

(dos quais 40 já foram entregues à população), de maneira todos os habitantes da área

tenham que caminhar no máximo 200 metros até chegar a um destes jardins.

Figura 4.9: Intervenção no casco histórico da cidade de Barcelona: Plaça d'Emili Vendrell,

Bairro Gótico. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.10: Reabilitação do Fronte Marítimo: Moll de Mestral, Port Olimpic. Fonte: Foto da autora, 2008.

39

Densidade de 34,838 para o ano de 2004, conforme publicação do ProEixample disponível em www.proeixample.cat, acessado em 30 de março de 2009. 40

ProEixample é uma socidade anônima fundada pelo Ayuntamiento de Barcelona no ano de 1996, sob a forma de parceria público-privada, da qual o Ayuntamiento é acionista majoritário, tendo 62,1% das ações e o restante dividido entre entidades financeiras, empresas de serviços, construturas e associações de comerciantes e hoteleiras. Esta empresa é uma das originadas a partir do processo de descentralização municipal posto em prática após os jogos Olímpicos de 1992.

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Figura 4.11: Intervenção em área de expansão: Parc Diagonal Mar.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.12: Intervenção através da reciclagem de uso: Parc Joan Miró.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Atualmente, os grandes parques urbanos de Barcelona ainda se localizam em direção à

área metropolitana pela falta de disponibilidade de espaços de dimensões consideráveis

dentro do tecido consolidado de uma cidade densa e compacta. Com exceção do Parque de

Montjuïc, que pela sua localização em área de montanha não permite um acesso

amplamente facilitado, o único parque tal qual se conhece no Brasil continua sendo o

Parque de La Ciutadella, aquele que em fins do século XIX foi o primeiro parque público da

cidade. Por outro lado, as praças e jardins continuam em processo de multiplicação por todo

o tecido da cidade, qualificando, consequentemente, o sistema de espaços públicos da

cidade.

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Figura 4.13: Parques, praças e demais espaços verdes da Cidade de Barcelona. Fonte: Instituto e Parques e Jardins de Barcelona.

A participação popular foi bastante estimulada como parte política redemocratizante,

embora, possa sofrer críticas por parte dos habitantes, que veem os canais de participação

popular bastante restritos ao nível do discurso principalmente após a consolidação definitiva

do regime democrático, na década de 90. A estratégia de incremento e requalificação dos

espaços públicos, embora seja considerada uma referência internacional de planejamento e

projeto do espaço urbano, foi vistas com ressalvas por parte da população, por considerar

que parte das intervenções causou a descaracterização de espaços públicos consolidados e

amplamente apropriados pelos seus usuários. Isto se demonstra, por exemplo, a partir da

iniciativa de modificar as características de algumas praças, no que diz respeito ao desenho,

vegetação e mobiliário urbano, como estratégia para aumentar a segurança urbana através

da ampliação da visibilidade do local e minimizar seus custos de manutenção. De qualquer,

maneira, pode-se considerar que mesmo hoje, em um momento de descentralização da

política municipal já consolidado, os habitantes de Barcelona tendem a ter acesso a formas

de participação popular junto aos distritos municipais de forma mais ampla que nas demais

cidades alvo de estudo. Da mesma forma, pode-se dizer que o costume de participação

popular está consideravelmente mais arraigado na cultura catalã.

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Como crítica ao modelo de Barcelona, SOLÁ-MORALES41, coloca que além do espaço

público, deveria se pensar nos espaços coletivos por fazerem parte da vida cotidiana do

cidadão, independente da sua exploração ou domínio. Isto é dizer que, o projeto de espaços

públicos devia ser acompanhado de uma orientação de ocupação dos espaços privados,

que complementariam e facilitariam a apropriação coletiva dos espaços públicos. Entretanto,

havia a crença, por parte de Bohigas, Borja, entre outros, de que a valorização do conceito

de espaço público seria o instrumento capaz de refazer as cidades, qualificando periferias,

mantendo e renovando os centros tradicionais e produzindo novas centralidades capazes de

costurar os tecidos urbanos e de adequar a infra-estrutura de acordo com valores de

cidadania e justiça social.

Outro ponto recorrentemente levantado com relação ao tipo de projeto urbano levado a cabo

em Barcelona, principalmente com relação às intervenções direcionadas aos Jogos

Olímpicos de 1992 se refere ao excessivo apelo turístico, que após descaracterizar áreas

tradicionais da cidade, causou o afastamento da população local. Desta forma, se

observaria uma diferença de tratamento nas áreas utilizadas exclusivamente pelos

habitantes da cidade e naquelas voltadas ao turismo, as quais estariam estreitamente

relacionadas com um excessivo apelo consumista, além influenciadas por um processo deia

de espetacularização do espaço urbano.

Uma das grandes questões que perpassa a discussão sobre os espaços públicos nas

cidades europeias se refere à inclusão social, visto que diversos países, alvos de imigrações

em massa, têm dificuldade de se adaptar às características multiculturais da sociedade

contemporânea. No caso de Barcelona, podem-se perceber desigualdades sociais de forma

mais marcante que em outros países europeus. Os imigrantes, em geral vindos do leste

europeu, romenos, poloneses, turcos, paquistaneses e árabes, são em geral associados ao

crescimento da violência urbana. A polícia é vista frequentemente pelas ruas, havendo

algumas zonas não aconselhadas a serem frequentadas à noite, por exemplo, o que não

compromete a utilização dos espaços públicos mais centrais. Há diversas praças, além das

ramblas e de parte da orla marítima que são amplamente utilizadas, inclusive no período

noturno.

De qualquer forma, Barcelona é considerada uma das cidades europeias onde mais se

destaca a vitalidade de seus espaços públicos, com um grande apreço da vivência coletiva

por parte de seus habitantes. Fatores como o clima e a cultura facilitam o uso do espaço

41 SOLA-MORALES, I. Espaços Públicos, espaços coletivos. In: Os centros das metrópoles:

reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Associação Viva o Centro, 2001, p.107-7, apud ABRAHÃO, 2008.

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público visto que os espanhóis têm por costume a utilização frequente de espaços abertos,

diferentemente do que ocorre em algumas cidades do norte europeu, onde, além do clima

mais rigoroso, a cultura de convívio no espaço urbano é mais restrita. Com um clima

mediterrâneo de invernos relativamente amenos e verões bastante quentes, torna-se

convidativa a utilização de espaços abertos, incluindo a orla marítima, principalmente em

uma cidade em sua maioria plana com uma mobilidade facilitada. Chama a atenção o

número de pessoas idosas circulando pelos espaços públicos barceloneses, sozinhas ou em

grupos. Isto parece ser reflexo de uma cultura de convivência e encontro, mas também da

adequação de tais espaços para este grupo específico da população.

Figura 4.14: Idosos – Parque Mont Juïc. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.15: Idosos – Parc de la Ciutadella. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.16: Idosos – Rambla del Raval. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.17: Idosos – Jardin d’Antoni Puigvert. Fonte: Foto da autora, 2008.

As próximas imagens ilustram a diversidade e a vitalidade dos espaços públicos de

Barcelona, incluindo praças, ramblas, calçadas, calçadões.

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Figura 4.18: Calçadas Passeig de Gràcia.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.19: Plaça dels Àngels, MACBA. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.20: Show musical, Ciutat Vella.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.21: Festa popular, El Raval. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.22: La Rambla. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.23: Noite na praia de Barceloneta. Fonte: Foto da autora, 2008.

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4.2 Espaços-cidadãos na cidade de Barcelona

A imagem abaixo localiza os três espaços da cidade de Barcelona que serão apresentados

nas próximas páginas como espaços-cidadão. Estes espaços atendem a diversas tipologias,

o parque, a praça, o jardim, entretanto se concluiu que todos eles, dentro de suas

características e especificidades, oferecem a seus usuários um ambiente que propicia o

convívio, o encontro, a interação e, por isso, tem um papel positivo no que diz respeito ao

fortalecimento da cidadania.

Figura 4.24: Localização geral dos três espaços públicos estudados na cidade de Barcelona. Fonte: Google Earth (modificado pela autora)

Acesso: junho de 2009.

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4.2.1 Plaça de Catalunya

A Plaça de Catalunya detém o papel de unir o casco antigo de Barcelona com o Eixample.

Devido a sua localização, é um dos espaços públicos mais movimentados em toda a cidade,

convergindo até ela algumas de suas mais importantes vias como La Rambla, Passeig de

Gràcia, Rambla Catalunya, Rondas Universitat e San Pere, além do Portal de l’Àngel, a

grande via comercial da cidade. O entorno da praça conta também com comércio e serviços

abundantes, além de linha de metrô e ponto final de diversas linhas de ônibus. A inclusão

deste local como estudo de caso desta pesquisa se dá em função de sua centralidade e sua

importância na vida urbana da capital catalã.

Figura 4.25: Plaça de Catalunya e as principais vias de acesso. Fonte: Ayuntament de Barcelona, aerofotogamétrico (modificado pela autora).

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4.2.1.1 Breve histórico

A praça, construída no final do século XIX, após a derrubada das últimas muralhas que

cercavam o núcleo histórico da cidade, não estava prevista no plano de Cerdà, entretanto, o

local onde ela se encontra, anteriormente à demolição das muralhas, já tinha certa vocação

para mercados esporádicos visto que se situava justamente em uma esplanada em frente a

um dos principais portões da cidade. A praça que assumiria as funções centrais de

Barcelona, pelo plano de Cerdà seria a Plaça de les Gloriés Catalanes, no cruzamento das

avenidas Diagonal, Meridional e Gran Via, entretanto esta nunca foi apropriada pela

população que acabou dando a função de praça central da cidade à Plaça de Catalunya,

conforme previsto no plano de Antoni Rovira i Trias que foi o plano de expansão escolhido

pelo Ayuntamiento de Barcelona42, altamente apoiado pela burguesia da cidade, mas

deixado de lado em função da aprovação do plano de Cerdà pelo Governo Geral de Madrid.

Após diversas modificações de desenho, a Plaça de Catalunya foi urbanizada conforme a

forma atual no ano de 1929 para atender a Exposição Universal que ocorreria naquele ano.

Figura 4.26: Panorama da Plaça de Catalunya e seu entorno no início do século XX.

Fonte: http://www.juanmabcn.com. Acesso: maio de 2009.

Figura 4.27: Plaça de Catalunya, ano de 1902. Fonte: http://www.juanmabcn.com

Acesso: maio de 2009.

Figura 4.28: Plaça de Catalunya, ano de 1917. Fonte: http://www.juanmabcn.com

Acesso: maio de 2009.

42 O Ayuntamiento de Barcelona corresponde ao nível de administração municipal responsável pelo

governo da cidade, cujo representante máximo é escolhido desde 1979 através de sufrágio universal. Tem a responsabilidade política sobre Barcelona juntamente com a Administración General del Estado de España, a Generalidad da Cataluña e a Diputación de Barcelona. O Ayuntamiento de Barcelona é subdividido em 10 distritos desde o ano 1984 em um sistema político descentralizado.

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4.2.1.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão?

Este é, provavelmente, um dos espaços mais heterogêneos, dinâmicos e diversos de

Barcelona, competindo em situação de igualdade com a orla marítima. Em função de sua

localização extremamente central e da disponibilidade de meios de transporte no seu

entorno, possui acessibilidade amplamente facilitada. Justaposta à praça se encontram os

pontos finais de diversos ônibus que atravessam a cidade de Barcelona, bem como a

estação de metrô. Existe um estacionamento subterrâneo, visto que ali é o limite para a

circulação de veículos, que é restrita em direção ao miolo da parte antiga da cidade. A praça

não possui nenhum tipo de barreira física, não sendo gradeada, por isso, muitas pessoas

atravessam por ela para cortar caminho.

Figura 4.29: Foto geral da Plaça de Catalunya.

Fonte: skyscrapercity.com Acesso: maio de 2009.

Observa-se que este é um espaço de grande vitalidade, cujo movimento diminui um pouco

somente à noite, já que a presença de grupos normalmente vistos como não-desejáveis tais

como os vendedores ambulantes de produtos ilegais, inibe a utilização do espaço por parte

dos possíveis usuários. Ainda assim, o vigor urbano presente na Plaça de Catalunya, faz

com que este seja um dos espaços mais concorridos da cidade, mesmo no período noturno.

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Figura 4.30: Mapa de usos no entorno da praça. Fonte: Ayuntament de Barcelona, aerofotogamétrico (modificado pela autora).

Na maior parte do dia, existe uma elevada densidade de usuários na Plaça de Catalunya,

principalmente nos meses de verão que se configuram como a principal temporada turística

da costa do Mediterrâneo. Mesmo durante a noite, é possível observar um grande número

de usuários e transeuntes, sentados em grupos conversando, vendendo bebidas e andando

de skate ou mesmo atravessando pela praça para encurtar a distância entre um ponto e

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outro. A configuração do local possibilita o encontro e a convivência, sendo possível, de

qualquer ponto, avistar a praça como um todo, bem como o seu entorno.

Existe uma ampla diversidade de usos no entorno da praça por se encontrar ali um dos

principais centros de negócios e comércios de Barcelona. As atividades que se

desenvolvem vão desde grandes bancos, uma filial da tradicional rede de lojas de

departamentos espanhola El Corte Inglés, além de um pequeno comércio, representado por

bancas de jornal e revistas, até vendedores ambulantes ilegais. As atividades ligadas ao

deslocamento e a mobilidade também devem ser consideradas, já que um grande número

de transeuntes circula por esta área para alcançar algum meio de transporte. A praça ainda

tem extrema importância dentro da imagem da cidade por representar a divisão entre o setor

antigo e o Eixample. Desta forma, diversas manifestações, além de eventos culturais e

políticos têm lugar ali. Em função de sua localização central e da diversidade de usos, a

heterogeneidade de usuários é de fato muito elevada, misturando-se os vendedores

ambulantes, em geral imigrantes, grupos de turistas, trabalhadores locais, idosos e jovens

que se encontram na praça.

Figura 4.31: Comemoração esportiva. Fonte: http://deportes.orange.es

Acesso: maio de 2009.

Figura 4.32: Turistas e comércio ambulante. Fonte: http://www.juanmabcn.com/

Acesso: maio de 2009.

Mesmo com a elevada utilização da praça, ela encontra-se em um bom estado de

conservação, sendo possível observar que a mesma é alvo de manutenção constante. A

infra-estrutura parece adequada de maneira a permitir os mais diversos usos do espaço.

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114

Figura 4.33: Cafés no entorno da praça. Fonte: http://www.cocoonbarcelona.com/

img/Barcelona_City_Guide/ Acesso: maio de 2009.

Figura 4.34: Fonte e área gramada. Fonte: http://www.juanmabcn.com/

Acesso: maio de 2009.

4.2.1.3 Conclusão parcial

A Praça da Catalunya ocupa um papel privilegiado no imaginário urbano do catalão em

função de sua importância no contexto urbano da cidade de Barcelona. Ela está localizada

estrategicamente no centro da cidade possuindo uma ampla acessibilidade tanto de

pedestres quanto de usuários do transporte público. O desenho e as condições físicas

convidam a sua utilização, da mesma forma, as atividades que se desenvolvem no seu

entorno garantem um público diversificado e constante.

Todas estas características garantem diversidade social, além de uma densidade

considerável de usuários, estimulando a apropriação deste espaço pelos mesmos de forma

equânime e justa. Ou seja, não existe preponderância de um grupo social que intimide o

acesso e a utilização da praça por outros grupos.

Assim, podem-se verificar neste espaço público as condições adequadas para promover a

interação e as trocas sociais, o sentido de pertencimento, o reconhecimento, permitindo

diversas formas de manifestação, tanto sociais, quanto políticas e culturais. Por estas

razões, a Praça da Catalunya se comporta como um espaço-cidadão.

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115

4.2.2 Jardins d’Antoni Puigvert

Este espaço, que na Espanha é chamado de jardim, cumpre as funções reservadas às

praças de bairro no Brasil, possuindo por volta de 3,3 mil metros quadrados de área. É um

dos espaços alvos do plano de reabilitação urbana de Barcelona direcionado aos bairros

que constituem o Eixample. Com sua construção datada da década de noventa, é um dos

50 espaços públicos que devem ser finalizados até o ano de 2011, reutilizando o interior de

ilha dos quarteirões projetados por Cerdà.

Figura 4.35: Interiores de ilha recuperados e em recuperação. Fonte: http://www.proeixample.cat/

Acesso: março de 2009.

4.2.2.1 Breve histórico

No antigo plano dos ensanches de Cerdà para Barcelona, os quarteirões possuíam espaços

verdes públicos no seu interior de modo a formar um grande conjunto de jardins. Durante a

materialização do projeto e posteriormente, no decorrer das décadas, tais espaços

passaram a ter um uso cada vez mais privatizado. O projeto de recuperação dos interiores

de ilha do Eixample surgiu baseado numa reivindicação de tornar públicos tais lugares

novamente, como uma das poucas alternativas viáveis de incrementar os espaços públicos

daquela região densamente construída. O Jardin d’Antoini de Puigvert é um destes miolos

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de quarteirão que, depois da intervenção realizada nos anos noventa, foi entregue à

população do bairro como um novo espaço público.

Figura 4.36a: Espaço hoje ocupado pelo jardim,

durante sua construção. Fonte: http://www.proeixample.cat/

Acesso: março de 2009.

Figura 4.36b: Jardim logo após a intervenção. Fonte: http://www.proeixample.cat/

Acesso: março de 2009.

Figura 4.37: Vista geral do Jardin d’Antoni de Puigvert na atualidade.

Fonte: Foto da autora, 2008.

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117

4.2.2.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão?

O jardim conta com uma ampla área de esplanada onde se pode tanto transitar com

bicicletas, quanto utilizar os bancos sob as árvores, além de uma área ajardinada e área de

jogos infantis. Por ter um projeto recente, o jardim conta com acessibilidade universal em

sua totalidade, inclusive na área de jogos infantil, que inclui sinalização para portadores de

deficiência visual. É um dos espaços abertos incluídos na lista de espaços adaptados para

os descapacitados pelo Instituto Municipal de Descapacitados de Barcelona.

Figura 4.38a: Exemplo de equipamento adaptado aos portadores de deficiência visual.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.38b: Sinalização para portadores de deficiência visual.

Fonte: Foto da autora, 2008.

A acessibilidade até este espaço é bastante facilitada, principalmente para seu público alvo.

Como se trata de um jardim de bairro, ou seja, dentro do plano de ampliar o número de

espaços públicos de interior de ilha na região do Eixample para que os seus moradores

dispusessem de pelo menos um destes jardins a cada 200 metros, a grande maioria dos

seus usuários vive ou exerce alguma atividade no entorno. Sendo assim, a acessibilidade e

a mobilidade até o local e dentro dele, é promovida satisfatoriamente, havendo três acessos

por distintos: pela rua de Còrsega, pela rua das Indústrias e pela rua de Sicília. Além disso,

o Jardim está localizado a menos de 500 metros da estação de metrô mais próxima, a

Sagrada Família. Não há cercas, grades ou portões restringindo o acesso. Apesar da

configuração morfológica do recinto, que permitiria facilmente o seu fechamento, uma das

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ideias balizantes do projeto como um todo era a de tornar realmente público o espaço, no

sentido de devolver à população um espaço de fato acessível.

Figura 4.39: Planta de localização do Jardin d’Antoni de Puigvert. Fonte: Ayuntament de Barcelona, aerofotogamétrico (modificado pela autora).

Este jardim é um exemplo de espaços gerados em função da própria reivindicação dos

moradores do Eixample em voltar a ter acesso às praças de interior de quarteirão previstas

no projeto da região. O grupo ProEixample, responsável pelo projeto de execução destes

jardins, tem um canal de comunicação direto com a comunidade, abrindo a participação no

processo de produção destes novos espaços públicos ao público em geral, desta forma, a

apropriação pelos usuários mostra-se elevada.

A praça em si propicia o seu uso em brincadeiras infantis, além de sua área de estar à

sombra e ao sol. Já no seu entorno, encontram-se os mais diversos usos, que vão desde

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pequeno comércio, serviços, dispostos em uma tipologia de edificação que permite o uso

comercial no térreo e o residencial nos demais pavimentos.

Figura 4.40: Mapa de acessos e de usos do entorno do Jardin d’Antoni de Puigvert. Fonte: Ayuntament de Barcelona, aerofotogamétrico (modificado pela autora).

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Figura 4.41: Acesso pela rua de Córsega. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.42: Acesso pela rua das Indústrias. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.43: Acesso pela rua de Sicília. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.44: Tipologia recorrente no entorno do jardim: uso comercial no térreo e residencial nos demais

pavimentos. Rua das Indústrias. Fonte: Google Earth. Acesso: junho de 2009.

Observa-se que o espaço é utilizado abundantemente por moradores do entorno, bem como

por profissionais que exercem atividades na região e frequentam o jardim no intervalo de

trabalho e no horário de saída, além de idosos e adultos que acompanham crianças.

Durante o período em que esta pesquisa foi desenvolvida, houve sempre uma densidade

satisfatória de usuários coabitando o espaço, principalmente durante o dia, visto que há

poucas atividades noturnas no entorno próximo que possam vir a atrair usuários neste turno.

A situação pode se mostrar um pouco diferente nas estações mais frias, podendo o jardim,

apresentar-se menos frequentado em função do clima.

O local possui características que promovem o encontro, tais como a disposição do

mobiliário urbano na área de estar e a própria escala do recinto. A infra-estrutura colocada

no local foi bem distribuída, adequada e se encontra em bom estado. Justamente por ser um

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espaço público utilizado pela vizinhança, parece haver um cuidado por parte dos seus

usuários com relação à manutenção e à conservação do jardim.

Segundo alguns de seus frequentadores, o jardim em questão é considerado

suficientemente seguro, deixando a vontade os seus usuários. Talvez parte dessa sensação

de segurança esteja relacionada à apropriação do espaço pela comunidade do seu entorno.

Por outro lado, um espaço público seguro também influencia na sensação de segurança dos

espaços adjacentes, melhorando a qualidade de vida urbana de toda a área.

Figura 4.45: Pessoas em horário de almoço. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.46: Idosos utilizando o jardim. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.47: Foto geral onde se pode visualizar a iluminação pública, mobiliário urbano,

pavimentação, vegetação e playground. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.48: Galeria comercial voltada para o Jardim.

Fonte: Foto da autora, 2008.

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122

4.2.2.3 Conclusão parcial

O Jardim d’Antoni Puigvert tem como diferencial o processo no qual se inseriu a sua

construção. A ideia de abrir o interior dos quarteirões para o acesso ao público tornou-se um

dos símbolos da redemocratização da cidade. Em tempos onde diversos espaços públicos

têm passado pelo fenômeno da privatização e enquanto se fala sobre a retração da esfera

pública, um espaço público que é consequência do processo contrário, merece atenção. Ou

seja, dentro de um bairro denso e com espaços abertos restritos, houve negociação de

terrenos privados com o poder público, a demolição das edificações então presentes, a

intervenção projetual, para enfim prover a região com um novo espaço público. Isto justifica

em parte o sucesso destes espaços junto aos habitantes do Eixample.

Além disso, este jardim está bem localizado, é facilmente acessado e possui as condições

físicas necessárias para o seu bom funcionamento. A importância de pequenos espaços

públicos bem distribuídos ao longo da malha urbana, de forma a permitir a interação entre

vizinhos, uma pausa para um momento de relaxamento entre as atividades do dia-a-dia, um

local agradável para a leitura de um jornal, uma referência de espaço aberto para as

crianças, um local seguro para os idosos, sem falar no acréscimo da qualidade ambiental do

entorno, ficam claros quando se observa o papel deste e de outros jardins dentro da

dinâmica daquela região.

Portanto, pode-se dizer que o Jardim d’Antoini de Puigvert cumpre sua função de promover

a interação e as trocas sociais, o sentido de pertencimento e o de reconhecimento. Embora

este espaço não tenha grande relevância dentro da cidade como um todo a ponto de abrigar

manifestações de cunho político ou social, ele permite outras formas de manifestações em

menor escala, de acordo com o micro-cosmos do bairro. Assim sendo, o jardim pode ser

considerado um espaço-cidadão.

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4.2.3 Parc de La Ciutadella

Este foi o primeiro grande parque público construído em Barcelona e por muito tempo foi o

único. Encontra-se no distrito da Ciutat Vella, entre as ruas Passeig Pujades, Passeig

Picasso e Carrer de Wellington. Possui área de 17,32 hectares, além da área destinada ao

zoológico de aproximadamente 14 hectares. O arquiteto Josep Fonteré foi o responsável

pelo projeto, vencedor de um concurso promovido pelo Ayuntamiento de Barcelona, e

também por iniciar a construção.

Figura 4.49: Panorama geral do parque no final de século XIX e no início do século XXI. Fonte: http://www.fotosdebarcelona.com/

Acesso: maio de 2009.

4.2.3.1 Breve histórico

O parque se localiza sobre a fortaleza da ciudadela de Barcelona, erguida no século XVIII e

demolida no século seguinte, da qual foram mantidas algumas edificações remanescentes,

como, por exemplo, o Arsenal que atualmente abriga o Parlamento da Catalunya. A

ciudadela, enquanto fortaleza, tinha uma imagem muito forte ligada à repressão imposta

pela dinastia dos Bourbons à região da Catalunya. Após o fim daquela monarquia, o terreno

é doado ao Ayuntamiento no ano de 1869, com a condição de transformar o local em um

parque público, alternativa saudável de ócio e lazer para a toda a família, seguindo uma

tendência europeia de construir esse tipo de espaço público na cidade industrial. No ano de

1888, o parque sedia a Exposição Universal, para a qual são construídas diversas

edificações, algumas conservadas até os dias de hoje.

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Figura 4.50: Um dos acessos ao Parque na época da inauguração da Exposição Universal de 1888. Fonte: http://www.fotosdebarcelona.com/

Acesso: maio de 2009.

Durante a Guerra Civil Espanhola, o entorno próximo ao parque foi seriamente danificado e

o próprio parque passou por um período de descaso no início do Governo Ditatorial. Os

próximos investimentos feitos com o fim de valorizar a área novamente, se dão apenas a

partir da década de 50. Após os anos 70 o parque recupera a popularidade perdida e segue

até hoje como uma referência de espaço público dinâmico e vital dentro da cidade de

Barcelona, permanece como um dos parques mais frequentados da Europa. No ano de

1951, La Ciutadella é decretado Monumento Histórico e Artístico no ano de 1951.

4.2.3.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão?

Localizado em um ponto da cidade muito próximo ao centro, o parque teve sua

acessibilidade ampliada ainda mais após a reabilitação das áreas portuárias na preparação

para os jogos olímpicos de 1992. Além das diversas linhas de ônibus, existem estações de

metrô próximas às entradas de maior fluxo do parque, fazendo parte também do percurso

do tram, o trem de superfície. Justaposto ao parque está um dos terminais de ônibus

intermunicipais e interestaduais da cidade de Barcelona, Estació Barcelona Nord. Também

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se localizam dentro do parque e junto aos acessos principais algumas das estações de

bicicletas pertencentes ao Bicing, o sistema de locação organizado pelo Ayuntamiento.

Figura 4.51: Planta de localização do Parc de la Ciutadella. Fonte: Ayuntament de Barcelona, aerofotogamétrico (modificado pela autora).

O parque é cercado por grades desde a sua construção, da mesma forma que outros

parques contemporâneos a este por toda a Europa, portanto, conta com horário de abertura

e fechamento. Em função do cercamento, o parque é acessado somente através de um dos

seus 10 portões, entretanto a localização e imponência dos acessos principais são

suficientes tornar os seus acessos facilmente identificáveis. A acessibilidade universal é

garantida no parque em quase toda a sua totalidade, conforme se pode observar no mapa

de usos e acessos.

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Figura 4.52: Vista aérea do Parc de la Ciutadella. Fonte: Google Earth.

Acesso: junho de 2009.

Dentro da área do parque existem equipamentos públicos tais como o Invernadero, a Estufa

de plantas tropicais, o Zoológico, o Museu de arte da Catalunya, o Museu de Geologia, o

Museu de Zootecnologia, a Sede do Parlamento da Catalunya, bancas que configuram uma

área de alimentação, além das atividades próprias de um parque, proporcionando o

desenvolvimento de diversas atividades no mesmo local. Frequentemente se realizam

concertos ao ar livre, dentro do programa “Música no Parque”, organizado pelo

Ayuntamento, além de exposições, eventos cívicos e bailes. A área de recreação infantil é

bastante generosa, existe um circuito para jogging, cascata e lago com pedalinhos, área

para bocha, além de esculturas e monumentos distribuídos por todo o parque. Os mais

diversos usos estão associados ao espaço como um todo: turístico, de lazer e ócio,

recreação, esportivo, cultural, político e contemplação, entre outros.

É possível observar uma das maiores heterogeneidades de público dentro deste parque.

Poucos lugares em Barcelona permitem a coexistência pacífica de tantos grupos e

indivíduos diversos. Este parque é extremamente apropriado e utilizado pela população

local, distinguindo-se pessoas que realizam atividades esportivas, crianças brincando,

frequentadores com seus animais de estimação, grupos de jovens fazendo música e outros

tipos de performances artísticas, pessoas sozinhas praticando a leitura, além de grupos de

turistas e usuários específicos de algum dos equipamentos localizados no interior do

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parque, abrangendo um público com os mais diversos interesses, de diferentes faixa etárias

e classes sociais.

Figura 4.53: Museu de Zoologia. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.54: Umbracle para plantas tropicais. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.55: Sede do Parlamento da Catalunya. Fonte: http://www.juanmabcn.com/

Acesso: maio de 2009.

Figura 4.56: Recuperação da fonte. Fonte: Foto da autora, 2008.

O Parc de La Ciutadella é um dos poucos espaços públicos disponíveis com tal dimensão e

característica, por isso, ele mostra-se tão concorrido, principalmente nos fins de tarde e

finais de semana, havendo uma densidade significativa de usuários. Dentro do parque

existem diversas áreas destinadas ao encontro, locais cujo objetivo é o estar e onde as

pessoas podem perceber o outro. O costume do “ver e ser visto” no parque da Ciutadella

remonta o início do século XX, onde a burguesia barcelonesa já tinha o costume de se

deslocarem ao local para tal fim, sendo um dos seus passeios prediletos43.

43 Sitio da Universitat de Barcelona. Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/ciutadella.htm

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Figura 4.57: Mapa de acessos e de usos do entorno do Parc de la Ciutadella. Fonte: Ayuntament de Barcelona, aerofotogamétrico (modificado pela autora).

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Figura 4.58: Jogo improvisado no parque.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.59: Música no fim da tarde. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.60: Momento de descanso.

Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.61: Grupo de amigos no parque. Fonte: Foto da autora, 2008.

Atualmente, a infra-estrutura mostra-se adequada, bem como a sua manutenção, tanto no

que diz respeito à limpeza, quanto com relação à manutenção de equipamentos,

edificações, monumentos e esculturas. O mobiliário urbano disponível, a iluminação pública,

o cuidado com o ajardinamento e a sinalização são evidentemente bem tratados e

conservados. Destaca-se a presença de sanitários em plenas condições higiênicas de uso.

Observou-se que a existência de tais equipamentos em boas condições e de uso gratuito

dentro dos espaços públicos é um fator decisivo no que se refere ao tempo de permanência

em determinado local, principalmente para famílias com crianças e turistas.

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Figura 4.62: Vegetação e iluminação pública. Fonte: Foto da autora, 2008.

Figura 4.63: Área de alimentação e sanitários. Fonte: Foto da autora, 2008.

4.2.3.3 Conclusão Parcial

O Parc de la Ciutadella é reconhecido como um dos espaços públicos de maior vitalidade na

Europa. Neste caso, a heterogeneidade do público é um dos pontos mais positivos

encontrados. A coexistência de uma diversidade tão grande de pessoas é fundamental para

que atributos tais como a interação, a troca social e o reconhecimento tanto do outro, quanto

do próprio cidadão, enquanto membro de uma coletividade, sejam cumpridos. Ao considerar

que a simples existência de diversidade social não significa necessariamente que aconteça

a interação, pode-se dizer que esta é uma das situações exemplares onde a diversidade

estimula a interação, visto que neste parque, diversos grupos convivem de forma

espontânea e pacífica, incluindo os grupos de imigrantes, vendedores ambulantes e

mendigos. O que, em outro local poderia trazer desconforto para algumas faixas específicas

da população pouco afeitas ao convívio heterogêneo, dentro do contexto do Parc de la

Ciutadella não põe em risco a sensação de segurança, já que o espaço é intensamente

utilizado.

Este espaço público está profundamente arraigado no imaginário urbano da população de

Barcelona, o que, em conjunto com a acessibilidade ampla e as condições físicas

adequadas do local, estimula a sociabilidade, além do sentido de pertencimento. Vê-se que

o espaço é adequado a diversas formas de manifestações sócio-culturais. Por todas estas

razões, pode-se considerar que o Parc de la Ciutadella é um espaço-cidadão.

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Capítulo 05

ESPAÇOS-CIDADÃOS: O CASO DE RIO DE JANEIRO, BRASIL

No caso do Rio de Janeiro, os locais escolhidos para serem estudados tentam servir como

amostra da diversidade de espaços públicos existentes na cidade. O primeiro deles, a Praça

Edmundo Rego tem um caráter de bairro, sendo uma referência urbana para os moradores

e usuários do bairro do Grajaú, zona norte do Rio de Janeiro. Possui uma importância

significativa naquela parcela de cidade, principalmente após a reabilitação da praça na

década de 90. O outro exemplo é o Parque do Flamengo, localizado sobre a área de aterro

de mesmo nome. Este espaço público, por sua vez, devido a sua localização, a sua

dimensão e a sua importância dentro da vida urbana carioca, se configura como um ponto

atrator de grande força dentro da cidade, sendo um dos espaços públicos mais presentes no

imaginário coletivo do carioca. As páginas seguintes têm a intenção de demonstrar a

inserção destes espaços públicos na evolução urbana da cidade.

5.1 Contextualização dos casos-referência na evolução urbana do Rio de Janeiro

A ocupação do Rio de Janeiro, iniciada na segunda metade do século XVI, se deu de forma

relativamente lenta até final do século XVIII, com a transferência da capital do Brasil, ainda

vice-Reino de Portugal para a cidade. No ano de 1808, com a chegada da corte real ao

Brasil, fugindo as tropas napoleônicas, o Rio de Janeiro passou por um período de grandes

reestruturações urbanas, que incluíam desde investimentos em infra-estrutura urbana até a

construção de equipamentos culturais e urbanos. Embora tais mudanças tenham tido um

grande impacto na cidade, a forma urbana do Rio de Janeiro veio a sofrer uma grande

transformação nas décadas seguintes do século XIX, quando o conglomerado urbano passa

a se expandir para além da área central.

Desde a vinda da família real para o país, a lógica urbana passou a sofrer alterações, e

nota-se um princípio de diferenciação de classes, que como consequência, traz também a

diferenciação espacial. A partir do desenvolvimento do transporte público, as classes mais

favorecidas tendem a se concentrar em direção à zona sul. Com a facilidade da mobilidade,

bairros como Botafogo passam a abrigar a aristocracia carioca. Também o bairro recém

criado de Vila Isabel, ao norte da cidade, além de Tijuca e Andaraí são ocupados

essencialmente pela população mais abastada, enquanto as classes mais pobres

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132

permanecem próximas à zona portuária e em locais geograficamente menos nobres, como

as áreas mais alagadiças.

Com relação especificamente aos espaços públicos, o Rio de Janeiro, assim como a maioria

das cidades brasileiras de colonização portuguesas, tinham na praça um dos principais

espaços urbanos abertos à coletividade. Como via de regra, se pode considerar que a

influência portuguesa no desenho urbano levava à criação de praças junto às igrejas. No

caso da então capital brasileira, pode-se destacar a Praça XV de Novembro, antigo Largo do

Paço, como um dos primeiros espaços públicos de grande importância no cenário urbano,

por abrigar o paço imperial, além de ser por muito tempo a principal porta de entrada da

cidade. Neste caso, mais do que simples equipamento de sociabilidade e encontro, a Praça

XV tinha em si um sentido cívico.

Figura 5.1: Largo do Paço em gravura de 1834, autoria de Jean Baptiste Debret. Fonte: Voyage Pittoresque et Historique au Brésil (domínio público)

As classes mais baixas tinham como espaço público os largos e pelourinhos, onde por um

lado, era possível abastecer-se de água através de chafarizes e por outro lado, abrigava

toda a movimentação da rotina escravagista. Estes eram espaços populares, destinados ao

convívio social, à troca e ao comércio, estando associados, também, aos rituais religiosos e

aos cultos e festas populares.

As primeiras praças cariocas surgem como praças secas, os largos, e diferem

completamente dos jardins contemporâneos a elas. Com a introdução do ajardinamento

nestas praças, a sua função, passa a incorporar também atividades relacionadas ao

descanso e a contemplação.

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133

Os jardins, públicos ou privados, aparecem no contexto da cidade do Rio de Janeiro,

vinculados à elite local. Após a chegada da corte portuguesa há uma proliferação deste tipo

de espaços, ainda que o primeiro jardim público tenha sido anterior à chegada da família

real. O Passeio Público, construído sobre área alagadiça que foi aterrada e urbanizada no

ano de 1783, tinha em si a ideia de promover a recreação e passou a ser considerado o

primeiro parque urbano da cidade carioca. Seguindo uma influência francesa, o local foi

remodelado no ano de 1860, a partir da adoção de padrões europeus, por Auguste Marie

François Glaziou, o mesmo paisagista responsável pelo projeto da Quinta da Boa Vista, em

1869, e pelo Campo de Santana, em 1873, outro espaço público criado após drenagem que

se converteu em local de grande importância dentro do cotidiano da cidade, possibilitando a

um público selecionado a atividade de “ver e ser visto.”

Figura 5.2: Paisagismo do Passeio Público. Fonte: skyscrapercity.com.

Acesso: junho de 2009.

Figura 5.3: Passeio Público e seu entorno no ano de 1930.

Fonte: www.almacarioca.com.br. Acesso: junho de 2009.

Se o surgimento dos parques urbanos na Europa e nos Estados Unidos esteve intimamente

relacionado às transformações das cidades após o impacto da revolução industrial, no

Brasil, os primeiros parques são pensados sem relação direta com a industrialização, que

ainda não se fazia presente no país, sendo esta tipologia de espaço público uma tentativa

de imitar o modelo urbano europeu. Estas áreas verdes buscavam, primeiramente, uma

aproximação homem-natureza através da sua contemplação. Somente com o passar do

tempo que os parques assumem a função vinculada ao lazer ao ar livre.

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O transporte guiou a ocupação da zona sul por muito tempo. O bairro de Copacabana foi

provido de linha de bonde ainda na última década do século XIX e o bairro de Ipanema,

menos de dez anos depois. Se por um lado a zona sul foi equipada com os bondes, o

transporte público implantado em direção ao subúrbio foi o trem, gerando em cada ponto de

parada, novas urbanizações. Enquanto isso, na zona central, travava-se uma guerra contra

os cortiços e sub-habitações. Este era um dos aspectos do urbanismo sanitarista que

simultaneamente deixava suas marcas com mais ou menos forças nas maiores cidades

brasileiras da época, seguindo uma tendência que já havia se instalado em muitas cidades

europeias. Já no início do século XX era possível constatar um déficit habitacional em

função do fim do sistema escravagista, dos ciclos migratórios, do afluxo de imigrações, entre

outros.

A reforma de Pereira Passos foi uma das primeiras tentativas de organizar o espaço urbano

carioca e dar uma nova imagem à capital do país. Através do seu plano de embelezamento

e saneamento da cidade, houve o alargamento e calçamento de ruas centrais, além de

preocupações com a acessibilidade em direção à zona sul e com a arborização de ruas,

jardins, praças e largos. São da mesma época a abertura da Avenida Central e a construção

do novo porto do Rio de Janeiro, além de canalizações e aterros que permitissem melhorar

a mobilidade a partir do centro.

Em nome de melhorias na área central, desde questões de aeração e higienização, até a

questão da mobilidade, os mais diversos administradores da cidade, estiveram sempre às

voltas com canalizações, demolições, aterros em suas intervenções, incluindo o desmonte

de morros, como o do Castelo, nas primeiras décadas do século XX, local que havia dado

origem ao núcleo urbano do Rio de Janeiro no século XVI.

Analiticamente, o espaço público, na ótica de Agache, respondia às funções de circulação e

respiração, dentro da metáfora amplamente utilizada que comparava a cidade ao corpo

humano. No que cerne a questão propositiva, o plano de Agache era pautado em uma

“ordem espacial fundada sobre a separação e a hierarquização” (BERDOULAY, 2003:129).

Assim, à cada porção de cidade, era associada uma função específica. Neste cenário, o

espaço público aparecia de forma secundária, subjulgado à especialização funcional dos

bairros. O Plano Agache não chegou a ser executado, embora algumas das obras sugeridas

tenham sido posteriormente materializadas, de qualquer forma, suas ideias permaneceram

influindo muitas das proposições realizadas para o Rio de Janeiro nos anos seguintes,

preparando a cidade para as questões levantadas pelo pensamento modernista que viria a

seguir.

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O período do Estado Novo, com a ditadura de Getulio Vargas, foi marcado, em termos de

forma urbana, por subsídios de alguns serviços de infra-estrutura e por uma política

habitacional baseada no provimento de conjuntos habitacionais, característica de diversos

governos populistas. Por outro lado, a população de baixa renda alojada em zonas centrais

e na zona sul, foi mantida nas áreas dominadas pela classe média e alta, também como

umas das faces das estratégias políticas do populismo.

A década de 50 marca o desenvolvimento do rodoviarismo, no qual diversas obras viárias

são levadas a cabo. Por outro lado, é nessa época que o centro passa a ter seu crescimento

estagnado em função do desenvolvimento de eixos comerciais e de serviços em outras

regiões. Este mesmo período apresenta um crescimento vertiginoso do déficit habitacional

e, como consequência, da favelização.

Em um contexto de grande adensamento da zona sul, surge o Aterro do Flamengo, que

depois abrigaria o Parque de mesmo nome. Com graves problemas de mobilidade em

direção ao sul, além de um alto custo para desapropriação dos imóveis em bairros como

Glória, Catete, Flamengo e Botafogo, a alternativa passa a ser o ganho de terra junto ao

mar, que se torna viável com a demolição do Morro Santo Antônio, no ano de 1954,

disponibilizando matéria-prima para o aterro beira-mar e a construção de uma via expressa

ligando o centro à zona sul.

Após o início da ditadura militar, no ano de 1964, intensificam-se os processos mais

opressivos de retirada da população de baixa renda dos bairros nobres, removendo favelas

destas áreas para os subúrbios e outras áreas de ocupação rarefeita com baixo custo do

solo. Por outro lado, a especulação imobiliária leva à expansão da área urbana para além da

zona sul, chegando à região onde hoje se encontram os bairros de São Conrado e a Barra

da Tijuca. Ainda dentro de um quadro de expansão rodoviária, atrelada à vigente influência

do modernismo funcionalista, é feito o Plano Doxiadis, no ano de 1965, que tem como

objetivo preparar a cidade do Rio de Janeiro, já não mais capital da república, para o

crescimento das décadas seguintes. O plano se sustenta nas quatro funções clássicas do

urbanismo modernista: trabalho, habitação, lazer e circulação, com bastante ênfase dada à

última.

Durante os anos que se seguiram, a cidade do Rio de Janeiro passou por tantas outras

transformações urbanas, muitas delas direcionadas à mobilidade intra-bairros e centro-

periferia. A década de noventa traz uma nova perspectiva de operações urbanas como

reflexo de uma mudança global na maneira de se entender a cidade. Ao se voltar a atenção

para os espaços públicos destacam-se duas estratégias de intervenção urbana que tiveram

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início no ano de 1993. O Rio-cidade foi um projeto de ações pontuais distribuídas por

diversos bairros, que buscava qualificar o espaço público, resgatando a relação entre

população e estes espaços, a partir da intervenção em iluminação, vegetação, infra-

estrutura pluvial, pavimentação, mobiliário urbano, entre outros. Desta forma se pretendia

estimular o pertencimento da população de cada bairro, dignificando os espaços públicos

através da ordenação dos mesmos, da ampliação da acessibilidade, além de facilitar a

mobilidade das pessoas. Apesar de ter como ideia geradora o resgate da cidadania,

devolvendo os espaços públicos para os habitantes, o Rio-cidade sofreu diversas críticas

em função das estratégias que guiaram as intervenções. Também se levantou a questão de

que ainda que visando o fortalecimento da cidadania, o vínculo entre agentes privados e o

incentivo ao desenvolvimento comercial, foram responsáveis por selecionar o público

frequentador de tais espaços àqueles com poder de consumo. O outro projeto desenvolvido

pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro nos anos noventa foi o Favela-Bairro. Passada a

tendência à remoção destes assentamentos, buscou-se a articulação espacial entre as

favelas e os bairros próximos, através da utilização de códigos urbanos comuns como

atributos de urbanidade. Isto se deu pelo provimento de infra-estrutura, tanto de água,

quanto de saneamento básico, além de iluminação, coleta de lixo e viabilização de

acessibilidade, com o foco direcionado para a qualificação dos espaços públicos.

O desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro e a dinâmica da cidade nos dias atuais

obedecem a uma lógica muito peculiar em função de diversas especificidades que, ao longo

do tempo, moldaram as características urbanas presentes. Algumas delas merecem ser

apresentadas abaixo, já que influenciam diretamente a relação da população com os

espaços públicos.

O Rio de Janeiro tem entre seus aspectos sócio-políticos questões que se devem levar em

conta na tentativa de entender os espaços públicos da cidade. Primeiramente, o fato de que,

desde a vinda da Corte de Portugal para o Brasil no ano de 1808, até o ano de 1960,

quando a capital do país foi transferida do Rio de Janeiro para Brasília, esta cidade esteve

sempre entre as prioridades de investimentos urbanos do governo brasileiro, pelo menos

dentro das regiões que interessavam ao poder, como a área central e as zonas mais

elitizadas. Isto é, a abundância de espaços públicos pode ser atribuída, em parte, ao fato da

cidade carioca ter estado durante tantos anos no topo da vitrine urbana brasileira. Por outro

lado, não se pode esquecer que também esta cidade é uma das que abrigam desigualdades

sociais mais flagrantes dentro do território nacional. A vida urbana carioca é permeada por

conflitos sociais mais do que qualquer outra grande cidade do país e, os espaços públicos

tendem a ser um dos locais onde tais diferenças mais se fazem percebidas. Esta faceta

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sócio-econômica peculiar está no cerne da maioria questões relacionadas à violência

urbana e à consequente insegurança nos espaços públicos, que são um dos motivos

sempre referidos quando se fala sobre o afastamento da população destes espaços. Sem

dúvida, conviver com a insegurança faz parte da rotina da maioria dos cariocas, que, de

certa forma, já adaptaram seu modo de vida a esta questão. Embora, alguns autores

preguem que contextos urbanos marcados pela desigualdade social e pela falta de

segurança urbana, não possam ter espaços verdadeiramente públicos no seu conceito, o

caso do Rio de Janeiro instiga a se repensar este posicionamento, dada a grande

diversidade encontrada nos espaços públicos da cidade.

Além destas duas grandes questões - a importância da cidade do Rio de Janeiro dentro do

panorama geral brasileiro e a evidente desigualdade sócio-econômica de sua população -

também se pode destacar o efeito do período de ditadura militar, que começou no ano de

1964 perdurando até o ano de 1985, e que como qualquer outro regime de exceção

restringe e modifica a relação da população com seus espaços públicos, principalmente em

função da liberdade de expressão limitada e pela estrutura de poder que impede o cidadão

comum de se aproximar e participar do processo político do país.

É difícil enquadrar o Rio de Janeiro em um único modelo de cidade, visto os diferentes

agentes produtores do espaço urbano que influenciaram o desenvolvimento da mesma. O

crescimento desordenado, característico de muitas aglomerações urbanas brasileiras e os

contrastes econômicos e sociais presentes na realidade do país, favorecendo determinadas

áreas das cidades em detrimento a outras, também são responsáveis pelas características

urbanas do Rio de Janeiro na atualidade. É possível identificar, por um lado, bairros

densamente construídos como a zona sul da cidade. Por outro, nas favelas em geral se

constata uma carência de espaços privados, e mesmo de espaços coletivos, que levam a

utilização exaustiva dos poucos espaços considerados públicos oferecidos neste tipo de

aglomeração urbana. Já as zonas norte e oeste possuem tanto áreas consolidadas, quanto

espaços de ocupação mais rarefeita e áreas em transição, muitos dos quais, carentes de

infra-estrutura e equipamentos urbanos. Existe também o exemplo da Barra da Tijuca, com

uma profusão de espaços intra-muros, shopping centers, centros empresariais, condomínios

fechados, com muita influência do urbanismo modernista em sua implantação, que tendem a

negar o espaço público, em detrimento a uma grande oferta de espaços coletivos que

embora procurem reproduzir a esfera pública, se vinculam mais à esfera privada.

Se, conforme sugere Borja, a qualidade de uma cidade pode ser medida pela qualidade dos

seus espaços públicos, no Rio de Janeiro, se pode identificar claramente mais de uma

cidade: aquela formada pelos bairros da Zona Sul, que contam com uma abundância de

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espaços públicos que vão desde praças de bairros, até os parques urbanos e a orla, tanto a

litorânea, quanto da Lagoa Rodrigo de Freitas; aquela encontrada na região da Barra da

Tijuca, que afastou o pedestre da rua, de forma que o usuário para desfrutar do espaço

público, necessite dirigir-se até ele ou contentar-se com simulacros de espaços públicos; e

aquela formada pelas demais regiões da cidade, zona norte e zona oeste, onde a profusão

de espaços públicos capazes de promover o desenvolvimento de sociabilidades é

extremamente limitada, restando à população o uso das ruas e calçadas, nas áreas menos

congestionadas, onde ainda se pode manter o hábito de utilizá-las para o encontro informal

e para brincadeiras. Isto sem contar as áreas informais, que obedecem a outra lógica

urbana.

Figura 5.4: Uma área da zona sul e sua diversidade de espaços públicos.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.5: Uma típica avenida da zona norte e a carência de espaços públicos de qualidade.

Fonte: skyscrapercity.com Acesso: junho de 2009.

Figura 5.6: Barra da Tijuca e a criação de espaços coletivos em detrimento de espaços públicos.

Fonte: http://www.grupoteruszkin.com.br/. Acesso: junho de 2009.

Figura 5.7: Favela da Rocinha e a quase ausência de espaços públicos.

Fonte: http://www.djibnet.com/photo/favela/ Acesso: junho de 2009.

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Talvez a maior rede de espaços públicos interligada da cidade do Rio de Janeiro seja a orla

marítima. A praia é apropriada por moradores e turistas em praticamente toda a sua

extensão, mesmo na área da Baía da Guanabara, que é imprópria para banho. O calçadão

que acompanha boa parte da interface com o mar em direção à zona sul, além do sistema

de ciclovias, permite que um usuário recorra parte da orla diretamente. Em direção ao

interior do tecido urbano, a disponibilidade grande de espaços públicos acontece,

principalmente, da zona central em direção à zona sul.

Figura 5.8: Mapa de ciclovias do Rio de Janeiro e sua predominância na zona sul da cidade. Fonte: Instituto Pereira Passos, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.

Disponível em: http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.b Acesso: maio de 2009.

Ao mesmo tempo em que se pode descrever uma série de fatores que poderiam

desfavorecer a convergência de cariocas aos espaços públicos, tais como, a fragmentação

da cidade em razão dos diferentes tipos de ocupação, a questão sócio-econômica, as

diferentes temporalidades e, em grande medida, a questão topográfica, se percebe que os

espaços públicos fazem parte da identidade carioca, estando plenamente incutidos no estilo

de vida das pessoas da região. A praia, ainda que possa se identificar diversas

territorialidades bem definidas, ainda é um local propenso à tolerância social, havendo uma

diversidade pouco vista em outros espaços públicos brasileiros. O próprio turismo, que faz

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desta cidade um dos principais destinos dentro do Brasil, se apóia muito na utilização dos

espaços públicos urbanos. O clima tropical favorece a sua utilização, havendo, como em

Barcelona, uma cultura relacionada à vivência destes locais, com o diferencial de que no

caso carioca, o clima é propenso à vida ao ar livre durante todo o ano. Desta maneira, o

passeio no parque, a caminhada no calçadão, o encontro na praia, a conversa na praça,

fazem parte do dia-a-dia de boa parte da população da cidade formal e da cidade informal.

Figura 5.9: Roda de samba na Rua do Ouvidor. Fonte: http://meupesujo.blogspot.com

Acesso: junho de 2009.

Figura 5.10: Bloco de carnaval na Praça XV, centro do Rio de Janeiro.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.11: Movimento nas calçadas de um bar de rua, Copacabana.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.12: Feira de antiguidades, Rua do Lavradio.

Fonte: skyscrapercity.com Acesso: junho de 2009.

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Figura 5.13: Manifestação pela paz, calçadão de Copacabana.

Figura 5.14: Praia de Ipanema, um dos espaços públicos mais concorridos da cidade.

5.2 Espaços-cidadãos na cidade do Rio de Janeiro

Os dois espaços do Rio de Janeiro apresentados abaixo se diferenciam em diversos

aspectos. O primeiro é uma praça de bairro, projetada nas primeiras décadas do século

passado na zona norte da cidade e que tem como principais usuários os moradores e

trabalhadores do entorno. O segundo é um dos parques urbanos mais conhecidos do Rio de

Janeiro, construído na década de sessenta, ele se localiza entre a zona sul e o centro. Em

função da sua centralidade, do fácil acesso e da sua relevância urbana, o parque é utilizado

por uma grande diversidade de grupos que o buscam tanto com a finalidade de praticar

esportes, quanto como local de ócio e contemplação.

Figura 5.15: Localização geral dos dois espaços públicos estudados na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Google Earth (modificado pela autora)

Acesso: junho de 2009.

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5.2.1 Praça Edmundo Rego

A praça, situada no cruzamento das duas avenidas principais do bairro do Grajaú, Av.

Engenheiro Richard e Av. Julio Furtado, é o um dos principais espaços públicos do bairro do

Grajaú. A sua importância dentro do cotidiano urbano se justifica pelo papel de pólo

centralizador de comércio e serviços dentro daquela porção de cidade.

5.2.1.1 Breve histórico

O bairro do Grajaú foi loteado pela Companhia Brasileira de Imóveis e Construções, entre o

final da década de 10 e o início da década de 20 do século passado, no sopé do Maciço da

Tijuca, com o fim de atrair para a zona norte, parte da classe média da cidade, sendo esta a

classe predominante entre os moradores do bairro até os dias de hoje. As ocupações

irregulares e a favelização dos morros que circundam a região, abrigam moradores de

classes menos favorecidas, evidenciando um conflito social nas imediações do bairro. Nesta

situação, a Praça Edmungo Rego aparece com umas das possibilidades de interação e

reconhecimento destas camadas distintas da população que, apesar de se encontrarem

espacialmente próximas, pertencem a segmentos distintos da sociedade e, por isso, tem

seu convívio limitado ou evitado.

Figura 5.16: Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, localizada na Praça Edmundo Rego em fotografia da década de 60. A Igreja, inaugurada

em 1942, continua até os dias de hoje como uma referência dentro do bairro. Fonte: http://fotolog.terra.com.br/luizd:595.

Acesso: junho de 2009.

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5.2.1.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão?

A Praça Edmundo Rego tem um caráter voltado para o próprio bairro. Isso significa dizer

que neste caso, a acessibilidade que interessa, mais do que aquela relacionada à cidade

como um todo, é o acesso dos usuários em potencial do entorno e bairros mais próximos.

Quanto a isso, a praça, por ter uma localização central bastante privilegiada dentro do

Grajaú, pode ser acessada facilmente a pé ou de bicicleta. Vale destacar que os passeios

da maioria das ruas deste bairro são convidativos à caminhada em razão da sua largura, por

não apresentarem declividade e contarem com vegetação abudante. Assim, o deslocamento

a pé é muito utilizado como forma de mobilidade. De qualquer forma, a praça também é

servida de transporte público, incluindo o ônibus de integração com o metrô, podendo-se

chegar até ela também de automóvel, já que há vagas de estacionamento perpendicular em

torno de toda a praça.

Figura 5.17: Praça Edmundo Rego e as principais vias de acesso. Fonte: Instituto Pereira Passos, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (modificado pela autora).

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O local também atende aos requisitos mínimos de acessibilidade universal, provavelmente

devido à revitalização realizada na década de noventa. O interior da praça encontra-se mais

elevado que as calçadas que lhe dão acesso em trinta centímetros, entretanto, as rampas

localizadas nas suas extremidades possibilitam que mesmo pessoas com dificuldade de

locomoção possam circular por toda a praça. Este é um fator importante dentro de um país

onde a mobilidade para cadeirantes e demais pessoas com alguma dificuldade de

locomoção, incluindo idosos, não é tratada com prioridade.

Figura 5.18: Vista geral da Praça Edmundo Rego. Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.19: Idosos sob a sombra da pérgola e da vegetação.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.20: Programa de ginástica para idosos. Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.21: Feira de artesanato realizada aos domingos na praça.

Fonte: Blog de artesanato do Grajaú. Acesso: junho de 2009.

Em função da diversidade social do entorno do bairro, nota-se uma heterogeneidade de

usuários bastante grande. Pode-se dizer que todos aqueles que utilizam a praça estão

incluídos dentro deste contexto urbano, desde os moradores de rua até os habitantes do

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bairro. A praça é frequentada por idosos sozinhos ou em grupos, vendedores ambulantes,

trabalhadores em horário de almoço, estudantes em intervalo escolar, crianças

acompanhadas por seus responsáveis, além do público que atravessa a praça cortando

caminho. Nos finais de semana, a frequência é ainda mais variada em função do

fechamento da rua que circunda a praça ao trânsito de automóveis e com a realização das

feiras de artesanato.

As mesinhas de jogos servem para seu próprio fim, mas também como apoio para a leitura

e para fazer refeições. Assim, a praça é usada de diversas maneiras. No seu perímetro,

existe um ponto de táxi, além do ponto final de diversos ônibus, cujos motoristas e

passageiros aguardam na praça os horários de saída. No se entorno existe uma

disponibilidade de comércio variada, incluindo padaria, floricultura, loteria, farmácia,

restaurante, banco, cabeleireiro, açougue, chaveiro, supermercado, além da igreja Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro e de uma Escola Municipal, configurando uma centralidade

dentro do eixo comercial do bairro. No interior da praça, encontram-se, além das áreas de

mesas cobertas, áreas ajardinadas e playground infantil. Nas sextas-feiras, realiza-se uma

feira de horti-fruti e nos domingos de artesanato. Nos fins de semana, os bares e

restaurantes garantem uma movimentação noturna no entorno da praça. Em época de

carnaval, a praça dá lugar à concentração de blocos de carnaval que saem daí a percorrer

as principais ruas do bairro.

Figura 5.22: Mesas de jogos em área coberta.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.23: Famílias desfrutando a praça. Fonte: Foto da autora, 2009.

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Figura 5.24: Mapas de uso no entorno da Praça Edmundo Rego. Fonte: Instituto Pereira Passos, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (modificado pela autora).

A Praça Edmundo Rego é a típica praça de bairro, na qual, em função da sua centralidade,

do seu desenho e da sua importância dentro da região, os moradores e demais usuários

têm o controle relativo da sua rotina. A cabine da polícia reforça a sensação de segurança,

fato que se explica por haver no entorno do bairro uma quantidade grande de favelas, o que

para muitos habitantes, colabora para um consequente afastamento do espaço público. De

qualquer maneira, mesmo a presença da polícia não intimida a população das comunidades

próximas de utilizar este espaço público como local de sociabilidade, possibilitando uma

mistura social que não é comumente vista, enriquecendo a vida urbana do local.

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Figura 5.25: Playground infantil. Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.26: Outros equipamentos de divertimento para crianças.

Fonte: Foto da autora, 2009.

5.2.1.3 Conclusão parcial

Dentro do contexto brasileiro e, especificamente, do Rio de Janeiro, a existência de espaços

públicos apropriados pelos usuários, dinâmicos e onde se observa um elevado grau de

vitalidade, é um exemplo da importância destes espaços para a afirmação da cidadania.

Diante da desigualdade sócio-econômica presente no país e de uma justiça social duvidosa

que nem sempre se aplica, espaços públicos capazes de congregar grupos distintos e

estimular o encontro e o contato entre eles podem ser vistos como uma conquista

democrática dentro de uma realidade que não oferece a totalidade de sua população as

mesmas condições de igualdade e oportunidades. JACOBS já alertava da importância

destes pequenos espaços públicos como enriquecedores do micro-cosmos dos bairros.

No caso da Praça Edmundo Rego, grande parte da vivência coletiva e da vitalidade do

Grajaú se desenvolve em torno dela, sendo este espaço o centro das referências e

memórias urbanas da comunidade, que se perpetuam e se proliferam, visto que a praça

permanece com uma função extremamente relevante dentro da dinâmica urbana local. É um

espaço público que não se enquadra em muitas das questões levantadas por SENNET, por

exemplo, aos afirmar o declínio do homem público, permanecendo um local concorrido e

apreciado pelos moradores Grajaú, dos bairros próximos e das comunidades do entorno.

A diversidade social presente, a densidade de usuários frequentes, o fato de estes usuários

apropriarem-se do espaço, utilizando-o intensamente, são fatores-chave na promoção da

interação social, possibilitando as trocas sociais, estimulando o sentimento de

pertencimento, de reconhecimento, além de criarem condições para a manifestação sócio-

cultural dos diversos grupos presentes. Desta forma, a Praça Edmundo Rego pode ser

caracterizada como um espaço-cidadão.

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5.2.2 Parque do Flamengo

O Parque Brigadeiro Eduardo Gomes, popularmente conhecido como Parque do Flamengo

por estar localizado sobre aterro de mesmo nome, foi inaugurado no ano de 1965 e possui

mais de 100 hectares de área. O projeto paisagístico foi idealizado por Roberto Burle Marx

em conjunto com o arquiteto Affonso Eduardo Reidy, responsável pelos projetos de

urbanização e de equipamentos.

5.2.2.1 Breve histórico

Na metade do século passado, um dos grandes problemas urbanos da cidade do Rio de

Janeiro era a questão da mobilidade. O acesso à zona sul apresentava-se excessivamente

conturbado e em função da alta valorização dos terrenos desta região, a desapropriação de

áreas para a construção de novas vias de circulação era muito onerosa. Uma das saídas

encontradas foi o ganho de terreno junto ao mar, o que representou a construção do Aterro

do Flamengo, usando como matéria-prima a terra vinda do desmonte do Morro Santo

Antônio, na área central, iniciada no ano de 1954 (ABREU, 1997). Esta obra representou um

momento político-urbano da cidade que necessitava de diversas obras viárias para adequar

o espaço urbano ao uso do automóvel. Sobre o novo terreno estava prevista a construção

de uma via expressa, ligando o centro à zona sul, e de um parque linear paralelo à orla

desde o Aeroporto Santos Dumont, na área central até a Baia de Botafogo. No mesmo ano

de sua inauguração o parque foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (IPHAN).

Figura 5.27: Desmonte do Morro Santo Antônio.

Fonte: cosmopolita.wordpress.com Acesso: junho de 2009.

Figura 5.28: Local onde posteriormente construiriam o Parque do Flamengo, durante o seu aterro.

Fonte: fotolog, saudadesdorio.com Acesso: junho de 2009.

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Figura 5.29: Vista do Parque do Flamengo no ano de 1962, com o Monumento aos

Pracinhas no primeiro plano. Fonte: Jornal O Globo, 25 de novembro de

2008. Versão online (oglobo.globo.com) Acesso: junho de 2009.

Figura 5.30: O Parque já próximo da inauguração, ocorrida em outubro de 1965, ainda sem a Marina da

Glória, construída em 1982. Fonte: www.vivercidades.org.br

Acesso: junho de 2009.

5.2.2.2 Por que pode ser considerado um espaço-cidadão?

O Parque do Flamengo é um dos espaços públicos mais queridos e concorridos pela

população carioca. É facilmente acessado tanto por ônibus, quanto por bicicleta, a pé, e

mesmo de metrô, com algumas estações localizadas a poucas quadras dos acessos ao

parque. O acesso por automóvel é mais restrito, visto que não existe uma disponibilidade

grande de vagas de estacionamento e a maioria das disponíveis não são gratuitas. A

ciclovia se prolonga por 8,5 km interligando o centro ao bairro de Botafogo, dentro de um

percurso mais amplo que conecta toda a zona sul. Apesar de ser ladeado por uma via

expressa, a quantidade de acessos que a cruzam é suficiente para que haja permeabilidade

entre os dois lados, facilitando a chegada ao parque, tanto por passarelas aéreas, quanto

por passagens subterrâneas, que se alternam ao longo do mesmo. Dentro do parque é

possível recorrer um percurso com acessibilidade universal, adequado para o uso por

cadeirantes e pessoas com dificuldades de locomoção.

Figura 5.31: Panorama do Parque do Flamengo nos dias atuais. Fonte: geocities.com.br Acesso: junho de 2009.

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Figura 5.32: Parque do Flamengo e áreas próximas. Fonte: Instituto Pereira Passos, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (modificado pela autora).

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Figura 5.33: Passarela aérea em dia de pista fechada para automóveis.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.34: Passagem subterrânea. Fonte: Foto da autora, 2009.

Em função de sua dimensão e também do seu desenho, o Parque do Flamengo permite a

utilização das mais diversas maneiras, destacando-se as atividades de lazer, esportivas,

culturais e de sociabilidade. Projetado sob influência do urbanismo funcional, no qual uma

clara setorização se faz presente, além das características de desenho de seus espaços, é

possível perceber que existe uma grande margem para a adaptabilidade, já que foram

previstas, também, áreas sem função prévia definida de forma a permitir que a população os

apropriasse de maneiras distintas. O Parque do Flamengo é um caso de sucesso dentro da

corrente urbana do modernismo funcionalista, responsável por inspirar vários parques

urbanos ao redor do mundo, os quais muitos deles não obtiveram o mesmo êxito enquanto

espaço público que se verifica no exemplar carioca, o que se comprova visto que após

tantas décadas do seu projeto e execução, o parque segue sendo utilizado por um volume

muito grande de pessoas que frequentam suas dependências para a realização das mais

diversas atividades, seja de contemplação, seja de lazer ou esporte.

O Parque do Flamengo é considerado um dos exemplares mais interessantes de

diversidade social no Brasil, em função da heterogeneidade do seu público usuário. Desde

pescadores e indigentes, até moradores das redondezas que passeiam com seus animais

de estimação, pessoas que praticam esportes nas quadras para este fim, outras

caminhando, andando de bicicleta, de patins, além dos esportes da areia, crianças que

frequentam escolinhas destes esportes, seus responsáveis, idosos, jovens, estudantes,

vendedores ambulantes e turistas, usuários de diversos grupos, classes sociais e interesses

diferenciados. Os equipamentos urbanos presentes dentro da área do parque também são

atratores de usuários para mesmo: Museu de Arte Moderna (MAM), Museu Carmen

Miranda, casa de espetáculos, Monumento aos Pracinhas, Monumento a Estácio de Sá,

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Marina da Glória, quadras de esportes, restaurante e quioques, teatro de marionetes, pista

de aeromodelismo e pista de skate, além da praia, que embora não seja própria para banho

em razão da poluição da Baía de Guanabara, atrai um público específico que encontra ali a

única praia acessível a pé de suas residências. Eventualmente, o local sedia grandes

eventos culturais e esportivos, desde atrações musicais, até maratonas e disputas

ciclísticas. O parque se destaca também pela sua diversidade de espécies vegetais exóticas

e nativas, incluindo plantas brasileiras que até então eram pouco utilizadas como elementos

de paisagismo.

Figura 5.35: Grupo de amigos reunidos para a realização de um churrasco. Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.36: Skatistas utilizando a estrutura do parque.

Fonte: Buarque, Raphael, 2008.

Figura 5.37: Uma das quadras esportivas sendo utilizada em tarde de sol.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.38: Festinha de aniversário realizada no Parque do Flamengo.

Fonte: Foto da autora, 2009.

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Figura 5.39: Mapas de uso do Parque do Flamengo. Fonte: Instituto Pereira Passos, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (modificado pela autora).

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A densidade de usuários varia de acordo com o horário e o dia da semana. Nos domingos e

feriados, o parque permanece durante praticamente todo o dia com um movimento muito

intenso, contribuindo para isso o fechamento das pistas do Aterro do Flamengo para a

circulação de veículos, de forma a ampliar a área para pedestres e ciclistas. Durante os dias

de semana, a frequência se concentra mais no início da manhã e no final da tarde. Embora

não seja segura a utilização do parque no horário noturno, observa-se uma quantidade

expressiva de usuários durante toda a madrugada nas proximidades das quadras poli-

esportivas. O público que frequenta este setor é formado por praticantes de esportes

coletivos que encontram aí uma disponibilidade para a sua prática em um horário onde a

maioria dos lugares não é viável. Pode-se notar junto a eles outra parcela de público

assistindo os jogos e partidas, vendedores ambulantes e grupos de amigos que aproveitam

para se reunirem e organizarem confraternizações.

Figura 5.40: Futevôlei na areia. Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.41: Posto com sanitários e equipe de limpeza urbana.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.42: Grupo de amigos com instrumentos musicais.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.43: Ciclovia e pista para jogging. Fonte: Foto da autora, 2009.

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Não se poderia deixar de falar na questão da segurança urbana, que é o ponto fraco da

maioria dos espaços públicos cariocas. Também no Parque do Flamengo verificam-se

carências neste sentido, principalmente durante a noite, conforme foi colocado no parágrafo

acima. Entretanto, percebe-se que, enquanto outros parques e outras praças deixam de ser

frequentados em função deste problema, este parque permanece altamente concorrido. A

diversidade social presente, a densidade de usuários e mesmo a boa visibilidade que se tem

em quase toda a sua extensão atenuam a sensação de insegurança, bem como o serviço

policial que se pode observar distribuído ao longo da área constantemente.

Além de todas as considerações colocadas até agora, deve-se destacar os ganhos

ambientais e psicológicos da faixa verde junto à Baia de Guanabara, dentro de uma área

densamente construída da cidade. O “respiro” que o parque representa e o contato com a

natureza, com a fauna e a flora, são de extrema importância para a formação da consciência

ambiental da população.

Figura 5.44: População utilizando as pistas fechadas para o trânsito de veículos.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.45: Crianças brincando no tronco da árvore.

Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.46: Quiosques de alimentação. Fonte: Foto da autora, 2009.

Figura 5.47: Calçadão próximo à praia. Fonte: Foto da autora, 2009.

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Da mesma forma, o apreço que a maioria dos habitantes da cidade tem pelo Parque do

Flamengo, demonstra a relevância deste parque no imaginário urbano da população. A

valorização da paisagem, a formação de um referencial urbano e de uma identidade

coletiva, são fatores fomentados pela experiência exitosa deste espaço público dentro da

dinâmica urbana da cidade.

5.2.2 3 Conclusões preliminares

O Parque do Flamengo é um exemplo de espaço público muito bem apropriado pela

população. As vantagens de localizar parques urbanos em áreas com boa acessibilidade

podem ser constadas pela forma como a população carioca se relaciona com este local, que

faz parte do dia-a-dia de muitas pessoas. Da mesma forma, um desenho que engloba uma

ampla gama de atividades distintas, além de áreas sem uso pré-definido que permitem as

mais diversas formas de utilização por parte do público que o frequenta, fazem do parque

um local que contempla as expectativas dos mais diversos grupos. Uma das formas de

identificar a relevância deste espaço para a cidade do Rio de Janeiro é ao constatar que,

embora diversos outros espaços públicos sofram problemas de conservação, carecendo de

manutenção e beirando o abandono, o Parque do Flamengo continua a oferecer boas

condições de utilização aos usuários devido à existência de grupos de limpeza e da

administração que garantem cuidados satisfatórios, se comparado ao estado de

conservação de outros espaços públicos cariocas.

O papel do Parque do Flamengo dentro do imaginário urbano carioca e da memória coletiva

da população merece, também, destaque, visto que a sua popularidade se deve muito à

importância social, funcional e visual que ele tem na dinâmica e na paisagem urbana do Rio

de Janeiro. Mesmo a população que não é adepta à utilização de parques urbanos tem

apreço por este espaço público. A inclusão de um parque público sobre a área aterrada

junto ao mar para sanar questões de mobilidade, representou uma vitória urbana pública

frente à especulação imobiliária e as iniciativas privadas. Prover a cidade com uma área de

acesso livre, promovendo o contato com a natureza, o lazer e a sociabilidade, representou

um fortalecimento da cidadania para a população. Por outro lado, o parque serviu para

valorizar as áreas próximas, fato que ocorre até os dias de hoje, já que este espaço continua

sendo uma referência urbana muito forte, principalmente, para as áreas centrais e a zona

sul.

A localização privilegiada dentro da malha urbana e a acessibilidade facilitada, além do

desenho favorável e das boas condições de uso, estimulam a apropriação do parque por

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parte dos usuários. A diversidade social e a densidade de frequentadores que o utilizam

demonstram que há condições para a co-existência de públicos distintos, favorecendo a

interação e as trocas sociais. Neste contexto, vê-se que o sentido de pertencimento e o

reconhecimento da população enquanto membros de uma coletividade são estimulados. O

parque também possibilita amplas formas de manifestações, seja de cunho social, cultural

ou mesmo político, já que as formas de sociabilidade que ali tem lugar permitem tanto o

contato próximo, quanto o isolamento.

Novamente, volta-se a atenção para o contexto sócio-econômico brasileiro, que denota

condições de vida diferenciadas para determinadas camadas da população, além da

diferenciação espacial da cidade contemporânea, exacerbada no caso do Rio de Janeiro. O

cenário urbano atual demonstra que parte da vida coletiva se moveu dos espaços públicos

para outros tipos de espaços, muitas vezes privados e diretamente atrelados a atividades de

consumo, restringindo o acesso a uma grande parte da população do país. O individualismo,

constatado por estudiosos das mais diversas áreas, é um dos vieses possíveis para justificar

a retração da vida pública contemporânea. E, sabe-se que a insegurança urbana reduz as

possibilidades de utilização de muitos dos espaços públicos brasileiros na atualidade. Diante

desta situação, a existência de um parque urbano livremente concorrido, frequentado e

referenciado pela população da cidade do Rio de Janeiro é um dos exemplos que leva a se

pensar positivamente sobre as questões que cernem os espaços públicos contemporâneos.

A proliferação de sociabilidades que ele permite, o encontro casual, o contato entre os

diferentes são alguns dos fatores que fazem o Parque do Flamengo ser considerado um

espaço-cidadão.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho desenvolvido até aqui se ocupou de expor, analisar e relacionar questões

urbanas atuais que dizem respeito aos espaços públicos e de sua relevância na afirmação

da cidadania. Conforme o entendimento de diversos autores, o espaço público estaria em

meio a um processo de declínio, de perda de significado e até mesmo de abandono dentro

das cidades contemporâneas. Pôde-se demonstrar ao longo do trabalho que há uma estreita

relação entre estes espaços e o fortalecimento da cidadania, de forma que o

enfraquecimento do espaço público sugeriria dialeticamente um recuo desta última.

Entretanto, o desenrolar da pesquisa permitiu constatar que existem diversos destes

espaços que exercem um papel fundamental na dinâmica urbana das cidades incluídas no

estudo de caso aqui pertinente. E para além disso, pôde-se averiguar que, na contramão do

que propõem os estudiosos responsáveis pelas constatações de retração do espaço

público, nas três cidades que compõe o trabalho, Eindhoven, Barcelona e Rio de Janeiro,

mais do que espaços de resistência dentro de um contexto negativo à vitalidade dos

mesmos, há espaços públicos capazes de serem o epicentro de uma proliferação de

práticas sociais positivas, graças ao tipo de sociabilidade que permitem.

A este tipo de espaço, capaz de contribuir de forma significativa para o fortalecimento da

cidadania, chamou-se espaço-cidadão. A partir das constatações estabelecidas ao sugerir

diversas formas de se relacionar espaço público e cidadania, mostrou-se possível explicitar

os atributos necessários para se considerar como espaço-cidadão um determinado espaço,

entre os quais se encontram a capacidade de propiciar a interação e as trocas sociais,

estimulando o pertencimento e o reconhecimento, além de permitir diversas formas de

manifestação.

O cumprimento destes atributos aparece vinculado a uma série de características que

possibilitam o atendimento das condições necessárias para promoverem o sentido de

espaço-cidadão em um determinado local. Entre estas qualidades foram constatadas

relevantes, por exemplo: a acessibilidade, as condições físicas e o desenho, o sensação de

segurança urbana, a presença do espaço público no imaginário urbano da população, entre

outros. As características mencionadas são algumas daquelas que se mostram primordiais

para o desenvolvimento das condições consideradas imprescindíveis em um espaço-

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cidadão: a diversidade social, a densidade de usuários e a apropriação do espaço público

pela população.

Após a aplicação do conceito de espaço-cidadão aos exemplares selecionados em cada

uma das cidades, foi possível destacar primeiramente que, embora se possam apreender

características gerais vinculadas ao comportamento de um local como espaço-cidadão, uma

das mais relevantes questões observadas faz referência à necessidade de se deter às

particularidades de cada contexto e às especificidades de cada espaço analisado. Isso

significa dizer que as condições que fazem um espaço-cidadão devem estar relativizadas de

acordo com as características sócio-culturais de cada população, possibilitando um

equilíbrio próprio.

De qualquer forma, o desenvolvimento deste conceito foi de grande utilidade para guiar uma

primeira aproximação à análise dos espaços públicos. Algumas características e condições

foram comuns a todos os exemplares. Outras demonstram mais relevância em uma porção

dos objetos da pesquisa, havendo algumas particularidades próprias de cada contexto que

se concluiu serem também de extrema importância para a vitalidade do espaço público ali

inserido.

Entre as qualidades que foram verificadas em todos os espaços estudados, destaca-se, por

exemplo, a acessibilidade. Um espaço que apresente atmosfera propícia à afirmação da

cidadania é aquele, antes de qualquer coisa, acessível a todos - acessibilidade entendida

tanto do ponto de vista das condições físicas de acesso, quanto ao que diz respeito à

inclusão. Ou seja, o espaço público além de permitir o acesso de toda a população, quando

organizado em um sistema eficiente de espaços abertos contribui, também, para a

acessibilidade à cidade como um todo. A questão da acessibilidade vincula-se de certa

forma a sua localização – os espaços públicos situados em áreas centrais, em geral, são

mais acessíveis – mas também à facilidade do deslocamento até os mesmos, seja através

de transportes públicos coletivos, individuais ou a pé.

Outra questão a ser apontada é a diversidade social como um dos mais relevantes pontos

na análise que relaciona espaço público e cidadania, mostrando-se presentes em todos os

casos-referência apresentados. Pôde-se perceber que esta diversidade normalmente está

vinculada à diversificação de atividades no entorno e à densidade de usuários. Isto significa

dizer que os espaços públicos com vitalidade, em geral, são frequentados por distintos

grupos sociais e com um número tal de usuários que permita a co-presença e o

estabelecimento de sociabilidades, a partir da apropriação do espaço pelo público que o

utiliza. Desta forma, também a densidade de usuário merece destaque, já que sem o

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contato, a interação se faz menos provável. Este foi um dos principais pontos que levaram à

exclusão do Genneper Park na cidade de Eindhoven, do grupo de espaços-cidadãos. Em

função da sua grande área, da dificuldade de acesso e de o parque não cumprir uma função

social relevante, além das próprias especificidades culturais do povo holandês, não há

número suficiente de usuários concomitantemente a ponto de propiciar algum tipo de troca

social.

A importância dos espaços públicos estudados na memória coletiva da população também

foi verificada de maneira recorrente. A presença de um espaço público no imaginário urbano

dos habitantes de um local pode se dar de formas variadas, podendo estar vinculada, em

alguns casos, ao tempo de existência, como ocorre na Plaça de Catalunya, no Parc de la

Ciutadella, em Barcelona, nas praças centrais de Eindhoven, e na Praça Edmundo Rego, no

cidade do Rio de Janeiro, onde a construção que remonta muitas décadas fazem destes

espaços partes consolidadas da história de cada cidade. Por outro lado, espaços públicos

não tão antigos como o Parque do Flamengo, adquiriram uma importância social e na

paisagem que o faz presente na dinâmica urbana carioca. Já o recente Jardin d’Antoni

Puigvert, em Barcelona simbolicamente representa a devolução de espaços públicos por ora

perdidos à população catalã, além de significar um incremento deste tipo de espaço naquela

área.

Por último, destacam-se as condições físicas dos espaços estudados, bem como a

sensação de segurança como fatores em certa medida presentes em todos os espaços

analisados, ainda que a referência tanto de condições físicas adequadas, quanto de

sensação de segurança urbana seja relativa quando se considera a diferença de contextos

sócio-culturais das cidades incluídas na pesquisa. De todas as formas, dentro da realidade

de cada local, os espaços públicos considerados espaços-cidadão apresentam condições

adequadas para serem frequentados. Deve-se lembrar que as duas questões, condições

físicas e sensação de segurança, são ao mesmo tempo causa e consequência do bom

funcionamento de um espaço público, ou seja, um espaço bastante frequentado tem chance

de ser mais seguro, da mesma forma que a sensação de segurança estimula a sua

utilização. Também um espaço bem apropriado pelos usuários normalmente apresenta

melhores condições de utilização, assim como espaços bem equipados e conservados,

também promovem a frequência por um público maior.

Além das condições e características comuns a todos os espaços-cidadãos apresentados

neste trabalho, deve-ser salientar algumas peculiaridades de cada local que, em razão das

mais diversas características – sociais, econômicas, culturais, políticas ou geográficas –

fazem com que a relação entre espaço público e cidadania se dê de forma singular.

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No contexto da cidade de Eindhoven, chama atenção a diferença na relação de seus

habitantes com os espaços públicos em geral. Com exceção dos espaços localizados na

área central, onde a diversidades de usos é maior, bem como a densidade construída – e

onde se encontram as duas praças aqui analisadas, Catharinaplein e Marktplein – os

espaços públicos da cidade contam com um público reduzido. Entre as razões que justificam

tal questão está o clima rigoroso, o desenho urbano da cidade – que oferece uma grande

quantidade de espaços verdes ao longo de todo o tecido de forma que os usuários se

encontram pulverizados por toda a extensão destes espaços – e a própria cultura do

holandês que tende a desenvolver sua vida em um âmbito mais privado, além do tamanho

da cidade, que não tem a dinâmica urbana de um grande centro.

Portanto, o Genneper Park, localizado fora do anel viário principal da cidade, sem a

facilidade da acessibilidade - mesmo no que tange a utilização de bicicletas, tão comuns na

região - e contando com uma área muito extensa, apresenta um público ainda menos

concentrado. Já as duas praças apresentadas localizam-se na zona mais concorrida da

região, junto às áreas de comércio e de entretenimento da cidade que, em função do

zoneamento, reúne atividades com o mesmo fim em áreas muito próximas.

A relação entre espaço público e comércio é inegável em Eindhoven, diferentemente do

encontrado em outros locais, visto que nas duas praças existe um contato relevante entre

espaço público e consumo, seja através da área comercial no entorno, através dos cafés e

restaurantes que se estendem em direção às praças, seja através do entretenimento

noturno que garante a vitalidade destes espaços públicos mesmo durante a noite. Embora o

vínculo entre estes espaços e o consumo não seja o adequado ao se pensar na

conceituação do termo espaço público, no caso de Eindhoven, por se tratar de uma

sociedade bastante igualitária, sem grandes contrastes visíveis nos mais diversos âmbitos, a

ligação estreita com a questão comercial não tira a legitimidade destes espaços públicos,

ficando em segundo plano quando se verifica a importância destes locais na dinâmica

urbana da cidade, principalmente porque estes podem ser considerados alguns dos poucos

espaços públicos com vitalidade na região.

No caso da cidade de Barcelona, a situação ocorre de maneira inversa: os espaços públicos

disponíveis ao longo da malha urbana consolidada são relativamente restritos em função do

modelo de cidade – de trama densa e compacta – entretanto, a maioria destes espaços é

amplamente utilizada. Em primeiro lugar, deve-se destacar que fatores como o clima

mediterrâneo e as próprias características da cultura catalã – que preza o desenvolvimento

da vida ao ar livre – fazem dos espaços públicos locais de grande importância dentro da

dinâmica urbana da cidade.

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Conforme foi demonstrado, nos últimos 30 anos, desde a redemocratização espanhola, o

governo de Barcelona vem investindo de forma intensa em uma política voltada para os

espaços públicos que, embora tenha tido como epicentro a organização dos Jogos

Olímpicos de 1992, é muito mais abrangente, abarcando as mais diversas áreas da cidade.

Neste intervalo de tempo houve uma proliferação de espaços públicos, construídos a partir

de diferentes estratégias.

De certa forma, pode-se considerar que o clima propício da região, as peculiaridades

culturais da população e a preocupação com os espaços públicos demonstradas nos últimos

anos por parte dos órgãos governamentais, são responsáveis por intensificar uma cultura de

espaços públicos entre os habitantes da cidade. Todos os locais utilizados na análise que

compõe esta pesquisa são exemplos da relação do barcelonês com estes espaços, o que

leva a crer que este comportamento seja comum à maioria dos espaços públicos da cidade,

mesmo sabendo que as decisões tomadas em um nível de projeto urbano não foram

acertadas na sua totalidade, havendo algumas divergências entre população e os órgãos

proponentes e gestores.

A vitalidade dos espaços públicos pode ser verificada em várias escalas, desde o jardim que

funciona como praça de bairro, até o parque urbano, como se pôde constatar nos exemplos

utilizados para o estudo: o Jardin d’Antoni Puigvert e o Parc de la Ciutadella. Destaca-se a

diversidade de usuários destes espaços públicos que muitas vezes propiciam a interação

tanto dos habitantes locais, quanto de grupos de turistas, como acontece na Plaça de

Catalunya. Mesmo praças e parques que não se encontram em áreas centrais tendem a ser

bastante frequentadas devido à facilidade de transporte que incide diretamente na

acessibilidade.

Embora, existam questões que não tenham sido bem resolvidas no “modelo Barcelona” de

projeto e planejamento urbano, considera-se que esta cidade é um bom exemplo de como

os espaços públicos podem ser espaços-cidadãos, contribuindo para a afirmação e o

fortalecimento da cidadania.

No caso do Rio de Janeiro, como já foi frisada ao longo do trabalho, a grande discussão se

desenvolve em torno das formas de se relacionar espaço público e cidadania em um

contexto de desigualdades sociais e econômicas flagrantes e que convive com a questão da

insegurança urbana. Alguns autores inclusive chegam a considerar que não se pode falar

em espaços públicos, no seu sentido estrito, em locais que sofrem deste tipo de problemas.

Nestas circunstâncias eleva-se a importância de espaços-cidadãos que promovam a

inclusão social, estimulando interação e trocas entre a população. Da mesma forma, são

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prementes espaços públicos que possibilitem, por exemplo, a manifestação social e cultural,

como forma de buscar a justiça urbana e a igualdade na cidade.

Os exemplos de espaços cariocas escolhidos para ilustrar esta pesquisa demonstraram que

mesmo em uma situação que pode ser considerada adversa, tais espaços conservam a

vitalidade e a relevância no contexto urbano. Embora em muitos espaços públicos

brasileiros seja possível identificar traços de abandono, de descaso e de declínio, tantos

outros se revelam bem apropriados por parte da população, sendo frequentados por grupos

de usuários diversos, dando sinais positivos de efervescência urbana no que diz respeito ao

desenvolvimento de sociabilidades e de práticas cidadãs. A dinâmica urbana que foi

possível se identificar tanto na Praça Edmundo Rego, quanto no Parque do Flamengo,

comprovam a importância do espaço público em uma sociedade marcada pela desigualdade

e que carece de afirmações relacionadas à cidadania. Desta forma, destaca-se a

necessidade de se investir em projetos urbanos focados a este tipo de espaço como forma

de amenizar as discrepâncias sociais atualmente constatadas na cidade.

Como se pôde constatar existe diversos exemplos de espaços públicos que, longe de

estarem em declínio, mantêm um papel relevante nas áreas onde estão inseridos. Portanto,

em função das diferenciações sócio-culturais passíveis de serem verificadas nos mais

diversos locais, mostra-se necessário guardar ressalvas às afirmações direcionadas ao

enfraquecimento dos espaços públicos e de sua função dentro das cidades, visto que muitos

destes estudos têm como base cidades com contextos diferentes em grande parte ao

encontrado nos exemplares enfocados nesta pesquisa.

Embora se possa elencar uma diversidade de questões que merecem ser tratadas com

atenção diante das possíveis formas de relacionar espaço público e cidadania - como, por

exemplo, a questão da intolerância com imigrantes e a marginalidade dos mesmos na

sociedade europeia, os excluídos sociais das cidades latino-americanas, a dificuldade de se

adequar os espaços públicos ao tipo de práticas sociais impostas pela sociedade global,

bem como os conflitos gerados por indivíduos heterogêneos que requerem diferentes

necessidades em torno de todo o mundo, além de tantos outros processos negativos que

atingem os espaços urbanos contemporâneos e que foram apontados ao longo deste texto –

o espaço público mantém vantagens frente a outros tipos de espaços das cidades da

atualidade como palco da riqueza das experiências coletivas compartilhadas, fomentando

práticas sociais cotidianas – efêmeras ou recorrentes – e abrigando formas plurais de

expressão cidadã. Dito isto, sobreleva-se aqui o valor do papel integrador do urbanismo,

especialmente nos espaços públicos capazes de imprimir e reafirmar o sentido da vida

pública contemporânea.

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