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FOI GOLPE. • Comissão é criada pela memória, verdade e justiça pág 2 • Chico Gomes escapa da morte pelo exílio pág 3 • Sorocaba operária combate a ditadura pág 4 • A trajetória de um estudante: Alexandre Vannucchi Leme pág 5 • Sorocabanos na coordenação do Comitê Brasileiro de Anistia pág 6 Edição Especial - 50 Anos do Golpe de 1964 - é parte integrante da Folha Metalúrgica edição 740 - abril de 2014

Especial 50 anos do golpe de 1964

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Encarte especial da Folha Metalúrgica nº 740 - 1ª edição de Abril de 2014

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Page 1: Especial 50 anos do golpe de 1964

FOI GOLPE.

• Comissão é criada pela memória, verdade e justiça pág 2• Chico Gomes escapa da morte pelo exílio pág 3

• Sorocaba operária combate a ditadura pág 4• A trajetória de um estudante: Alexandre Vannucchi Leme pág 5

• Sorocabanos na coordenação do Comitê Brasileiro de Anistia pág 6

Edição Especial - 50 Anos do Golpe de 1964 - é parte integrante da Folha Metalúrgica edição 740 - abril de 2014

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Neste ano em que se completa 50 anos do golpe civil militar no Brasil, militantes sociais, lideran-ças comunitárias, professores e profissionais liberais de Soroca-ba criaram o Movimento Popular em apoio à Comissão Municipal da Verdade Alexandre Vannucchi Leme.

Na manhã de sábado, dia 22 de fevereiro, os participantes se reuni-ram para discutir sobre as tarefas e cronograma da Comissão Munici-pal da Verdade, que pretende pro-mover uma pesquisa voltada para os temas da memória, verdade e justiça, com base nos anos de 1964 a 1985, período da ditadura civil e militar.

A iniciativa surgiu do professor de filosofia Daniel Lopes. A inten-ção, segundo ele, é a de apurar, no

contexto sorocabano, os crimes co-metidos nesse período com base em documentos e depoimentos de per-sonalidades da cidade que vivencia-ram a repressão da época.

A reunião que deu base para a criação do movimento popular contou com a presença do deputa-do estadual Adriano Diogo (PT), que preside a Comissão Estadual da Verdade.

Adriano foi colega do curso de Geologia, da USP, do sorocabano Alexandre Vannucchi Leme, que foi morto aos 22 anos, após sofrer torturas. Ele foi preso no dia 16 de março de 1973 e encontrado morto, na cela da delegacia (DOPS), em São Paulo, no dia seguinte.

Ele lembrou da Praça Alexan-dre Vannucchi Leme, que fica na confluência da avenida Afonso Ver-

gueiro com a rua Amazonas. "Lem-bro que quando o monumento em homenagem a Alexandre foi criado ele foi alvo de balas da polícia, hou-ve perseguição ao vereador que deu nome à praça."

OficializadaNo dia 27 de fevereiro, às 9h,

durante a sessão ordinária da Câ-mara Municipal de Sorocaba, os membros do movimento popular protocolaram o documento – lido pelo professor Daniel na tribuna popular - pela instalação da Comis-são Municipal em Sorocaba.

Compõem a Comissão Munici-pal da Verdade Alexandre Vannuc-chi Leme os vereadores: Izídio de Brito Correa (PT), Anselmo Rolim Neto (PP), Saulo da Silva (PRP) e Neusa Maldonado Silveira (PSDB).

O coordenador da Comissão da Verdade Alexandre Vannucchi Leme da UEE (União Estadual dos Estudantes) de São Paulo, Vitor Quarenta, esteve presente na manhã de segunda-feira, dia 17, no Sindi-cato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal).

Antes, ele conversou com asses-sores de parlamentares petistas da cidade sobre as atividades desen-volvidas pela comissão neste ano e abordou a necessidade desses de-bates que vêm ocorrendo em todo o país sobre a verdade, memória e justiça, tendo como base o período de enfrentamento na sociedade du-rante a ditadura civil e militar.

“Criada no ano passado, a co-missão da UEE tem como objetivo trazer à tona a memória da enti-

dade na construção das narrativas de enfrentamento do movimento estudantil”, conta Quarenta, que ressaltou seu apoio à criação da Co-missão Municipal da Verdade, em Sorocaba.

Para ele, um dos destaques da Comissão Nacional da Verdade é a investigação de empresas que con-tribuíram com a ditadura no Brasil. “Tem empresas estrangeiras que chegaram no Brasil e patrocinaram uma série de equipamentos de tor-tura para os governos dos generais”, comenta sobre o caso da Firestone citado em estudos de pesquisadores da comissão.

As ações da comissão da UEE contam com o apoio do movimento estudantil Levante Popular da Ju-ventude.

Comissão Municipal da Verdade: em busca de memória, verdade e justiça

Coordenador da Comissão da Verdade da UEE traz apoio à criação da comissão em Sorocaba

No dia 28 deste mês, aconteceu a primeira audiência

pública da Comissão Municipal da Verdade Alexandre Vannucchi Leme, na Câmara Municipal de Sorocaba, presidida pelo vereador Izídio de Brito (PT), para debater os 50 anos do golpe e as conseqüências da ditadura no Brasil.

No último dia do mês, 31, o Sindicato dos Metalúrgicos

de Sorocaba e Região (SMetal) e um grupo de professores do projeto Café e Educação promoveram debate (foto) com o professor Miguel Trujillo Filho, o ex-ferroviário Francisco Gomes e a jornalista Fernanda Ikedo, na sede do Sindicato.

No mesmo dia e horário, a UFSCar promoveu mesa

de debate com os professores da universidade que sentiram na pele as consequências do golpe: Marly de Almeida Gomes Vianna, Ramón Peña Castro e Wolfgang Leo Maar.

No dia seguinte, 1º de abril, diversos eventos marcaram

a data histórica na cidade. Na UFSCar, com a segunda mesa de debate, no campus da rodovia João Leme dos Santos. A programação completa pode ser visualizada no blog: http://50anosdogolpe.blogspot.com.br/p/blog-page.html

O Centro Acadêmico Rubino de Oliveira da Faculdade de

Direito (Fadi) também promoveu discussão sobre o tema. Entre as palestrantes estava a professora de história contemporânea da USP, Maria Aparecida Aquino.

Para o dia 3 de abril, às 19h30, na Uniso - Cidade

Universitária, haverá palestras com as professoras Maria Aparecida de Aquino, Maria Regina Vannucchi Leme, Osvaldo F. Ramos (Juruna) e o historiador Walter Cruz Swensson Junior.

Atividadesmarcam os50 anos

“Fé na vida, fé no homem, fé no que virá. Nós podemos tudo, nós podemos mais. Vamos lá fazer o que será”.

GONZAGUINHA

O estudante e líder da UEE Vitor Quarenta manifesta apoio da entidade para as investigações em Sorocaba

Mesa presidida pelo vereador Izídio de Brito (PT) durante a primeira audiência pública da Comissão Municipal da Verdade, em 28 de março

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Expediente - Edição Especial: 50 Anos do Golpe de 1964 • Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região • Diretor responsável: Ademilson Terto da Silva (Presidente)• Redação e reportagem: Paulo Rogério L. de Andrade - Fernanda Ikedo • Fotografia: José Gonçalves Fº (Foguinho) • Projeto Gráfico e Diagramação: Lucas Eduardo de Souza Delgado - Cássio de Abreu Freire

• Site: www.smetal.org.br • E-mail: [email protected] • Impressão: Bangraf • Tiragem: 46 mil exemplares

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O ex-ferroviário Francisco Go-mes, 82 anos, que saiu de Sorocaba em 1949 em busca de emprego em São Paulo, foi um dos sorocabanos que teve de ser exilado para não ser morto pela ditadura.

Além de líder sindical ele mili-tava no Partido Comunista Brasi-leiro (PCB) e participou de diver-sas assembleias de trabalhadores da ferrovia, em São Paulo. Fora a perseguição e a cassação dos direi-tos após o golpe de estado, ele foi ameaçado de morte pelos agentes da repressão.

Junto com o guerrilheiro Carlos Marighella, Beduíno, seu apelido na época, saiu do Partidão e fun-dou a Ação Libertadora Nacional (ALN). Entre as ações que plane-jaram juntos está o assalto ao trem pagador, nos trilhos da Estada de Ferro Santos-Jundiaí.

Parte de sua trajetória é contada no livro “Ditadura e repressão em Sorocaba” (Linc, 2003), da jorna-lista Fernanda Ikedo e que o Sindi-cato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região lançou em versão ebook

para ser baixado na internet www.smetal.org.br/bibliotecadigital

Em 2011, o jornalista Mário Magalhães lançou o livro “Mari-ghella: o guerrilheiro que incen-diou o mundo”, pela Companhia das Letras e cita Chico Gomes no capítulo 29, na ação do trem paga-dor. A obra foi roteirizada para o ci-nema e a direção fica por conta do ator Wagner Moura. O filme será rodado em 2015.

O filme, assim como o livro, deve tocar os jovens para que eles saibam o que é morrer por uma causa.

A maioria da categoria metalúr-gica de Sorocaba e região não viven-ciou o período da ditadura militar. De acordo com perfil elaborado pela subsede do Dieese do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região, com base na RAIS de 2012, o setor é ocupado em grande parte por jovens de 18 a 29 anos. Eles representam 39,83% (ou 17.098) do total de tra-

balhadores, seguido pelos trabalha-dores entre 30 a 39 anos 33,57% (ou 14.403) e os que possuem entre 50 e 64 anos com 25,71% (ou 11.035).

Os menores valores cabem aos trabalhadores com menos de 18 anos e aos que possuem mais de 65 anos, representando apenas 0,58% (ou 250) e 0,31% (ou 133) trabalhadores, respectivamente.

O geógrafo e coordenador do cur-so de pós-graduação de Comunicação e Cultura da Universidade de Soro-caba (Uniso), Paulo Celso da Silva, afirma que “muita gente que viveu o período, pouco percebeu do que acon-tecia. Sabia que os militares estavam no poder e chamavam - chamam - o golpe de revolução. Era o cotidiano das pessoas e elas não questionavam.”

Mesmo assim, havia um medo incutido na mentalidade da socieda-de em geral. Sabia-se que não podia sair de casa sem documentos, nem andar em grupos, nem discutir certos assuntos. “Em um regime onde não existem direitos civis, o documento indica que você existe para o Estado, ainda que não tenha direitos”, co-menta Paulo Celso.

Chico Gomes, o Beduíno

Nas ruas, sem livro e com documento

Sorocabano que foi um dos primeiros a sair de Cuba com a decretação da anistia no Brasil, em 1979, foi companheiro de militância de Carlos Mariguella

A censura imperava no período da ditadura. Não havia notícia sobre as gestões dos militares. Mas o medo imperava e a certeza de que não se podia sair na rua sem documento, nem se discutir certos assuntos

"Precisamos entender

e passar a história a

limpo"

Biografia do guerrilheiro, de autoria do jornalista

Mário Magalhães. Chico Gomes é citado no livro

"Os agentes históricos, ao conquistarem a suaauto-emancipação coletiva, escolherão os rumos ea forma da nova sociedade". FLORESTAN FERNANDES.

Metalúrgicos, liderados pelo Sindicato,

enfrentaram a polícia em assembleias e greves nos anos 80, final da ditadura

O geógrafo Paulo Celso destaca que o grande medo de ditadores é o acesso à comunicação e a informação

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"Que sonha com a volta Do irmão do Henfil.Com tanta gente que partiu Num rabo de foguete"

O BÊBADO E A EQUILIBRISTA - JOÃO BOSCO E ALDIR BLANC

Sorocaba na mira

O artigo “Manchester Paulista-xMoscou Brasileira”, do geógrafo Paulo Celso da Silva, traz relatos de entrevistas de moradores de Soroca-ba e que demonstram um pouco do aparato repressor existente na década de 60, pós golpe. A dominação e o controle do patronato sobre os ope-rários é citado: “Lá na Votorantim, o gerente resolvia até as brigas de crianças e seus pais corriam o risco de levar suspensões ou advertências conforme a gravidade do caso. O ge-rente ficava de janela aberta vendo a gente brincar no pátio”. (pág. 19, da Revista Estudos Universitários v. 23, dez de 1997).

No auge da exportação de teci-dos, o professor e pesquisador Aldo Vannucchi, que atuou na sociedade como padre por cerca de 20 anos (1958 a 1970), lembra que a Compa-nha Nacional de Estamparia (Cianê) “nadava em ouro e em sangue. Este, dos trabalhadores (homens e mulhe-res) que trabalhavam, inclusive aos finais de semana e cumpriam jorna-das diárias de mais de 10 horas”.

Todas essas injustiças e arbitrarie-dades eram situações “normais” na sociedade e no país como um todo, que se “justificava” pela ausência de direitos civis e políticos do povo diante a um estado golpeado e por uma ditadura que se prolongou por 21 anos.

No Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região, o ex-presidente da entidade e atual assessor político, Geraldo Titotto Filho, que também é professor de história, conta que a ditadura manteve, pela intervenção, uma diretoria sindical que estava desvinculada dos desejos e necessi-dades dos trabalhadores metalúrgi-cos. “Omissa e sem compromisso”, declara.

As eleições realizadas no pós gol-pe até 1980 não eram legítimas, pois as principais lideranças sindicais de oposição eram perseguidas.

Aprendizagem Um dos fundadores do PT em Vo-

torantim, José Carlos de Campos So-brinho, o Té, comenta que no início da ditadura poucas pessoas tinham noção do que realmente estava acon-tecendo. “Muitos setores estavam em uma euforia preparada, como setores da igreja, políticos e sindicatos com direção pelega”.

Mas em contato com alguns sin-dicalistas do setor têxtil, que foram

O golpe de estado afetou e modificou a trajetória das organizações sindicais,dos movimentos e das categorias profissionais como os ferroviários e os têxteis

muito combativos, Té foi impactado pelas notícias de perseguições e pri-sões em Votorantim. Greves eram reprimidas, listas negras contendo nomes de trabalhadores que eram mi-litantes populares eram feitas e, como consequência, esses não conseguiam mais emprego.

Esse foi o caso também pelo qual passou, mais tarde, no início da déca-da de 80, o deputado estadual Hamil-ton Pereira, que foi cipeiro de fábrica metalúrgica. Ele afirma que na época a mentalidade do setor patronal era ter nos policiais militares um braço da empresa para reprimir as assem-bleias de trabalhadores.

Seu nome constou em uma dessas listas negras feitas por empresários e dirigentes e, com isso, Hamilton não conseguia emprego na cidade. “Às vezes, passava até pela entrevista, mas na hora de assumir o cargo, di-ziam que houve um problema na mi-nha ficha."

Inflação alta, situação econômica cada vez mais complicada. Hamilton contou com o apoio de dois ferrovi-ários de quem ele é grato até hoje: Brasil Mirim (falecido) e Francisco Gomes, o Chico Gomes.

Com a ajuda desses companhei-ros Hamilton passou a trabalhar na Estrada de Ferro Sorocabana, em São Paulo. Como não havia vagas nas ofi-cinas ele atuou por dois anos e meio

Té, ex-líder sindical, é um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) em Votorantim

Sorocaba sempre foi operária, com destaque para os têxteis e os ferroviários, que tinham expressivos números de trabalhadores. A partir dos anos 80 os metalúrgicos também intensificaram sua organização como mostra a foto, com trabalhadores em frente à antiga sede do Sindicato, na rua da Penha

O professor de história Miguel Trujillo Filho (foto), torturado pela ditadura civil-militar ressalta: “O Brasil poderia ser hoje outro país se as propostas apresentadas por João Goulart no comício da sexta feira, 13 de março de

1964, tivessem sido implementadas. Não houve tempo. No dia 1º de abril de 1964, a direita (civil e militar) deu o golpe, dando início a uma ditadura que

durou 21 anos e que deixou suas marcas até hoje”.

Trujilo indica como leitura a tese de pós-doutorado do historiador carioca Oswaldo Munteal, sobre "As Reformas de Base na Era Jango", pois as Reformas de Base, 50 anos depois do golpe de 1964 continuam na ordem

do dia. A obra pode ser baixada na Biblioteca Digital do site do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região. “A partir da página 129 há uma série

de anexos, onde estão incluídos o discurso de Jango em 13 de março e um resumo das Reformas de Base, num artigo de Roland Corbisier”.

Saiba mais lendo mais

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fazendo manutenção em dormentes de trechos da Estrada. Teve contato com muitos operários praticamente analfabetos e, com isso, teve também a oportunidade de compartilhar seu conhecimento, mesmo após horas de exaustivo trabalho. Começava assim uma longa amizade de Hamilton com os demais trabalhadores e um pro-cesso de alfabetização nos trilhos da Sorocabana.

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Tanto a comunidade católica como os estudantes mo-bilizaram-se realizando protestos, culminando na grande missa realizada na Catedral da Sé, que reuniu cerca de três mil pessoas e demonstrou a mobilização do povo contra a ditadura militar.

Os estudantes da USP solicitaram ao cardeal dom Pau-lo Evaristo Arns essa missa em homenagem a Alexandre. Ela ocorreu em 30 de março, numa clara demonstração de bravura e resistência do povo.

A historiadora Maria Aparecida de Aquino, professo-ra de História Contemporânea da USP, em entrevista ao documentário, afirma que essa mobilização acarretou na

reorganização do movimento estudantil. Adriano Diogo possui a mesma opinião: “a ditadura começou a cair na-quele dia, no dia em que o movimento estudantil se orga-nizou com dom Paulo”.

O corpo de Alexandre foi jogado numa vala do ce-mitério de Perus, como indigente, ou seja, sem qualquer identificação, mesmo tendo sido publicada em diversos jornais a notícia da morte do estudante com os dados pes-soais, incluindo a filiação correta. Somente dez anos de-pois, em 1983, a família conseguiu fazer o traslado dos restos mortais para o cemitério de Sorocaba, cidade natal do estudante.

Justiça muda atestado de óbito de Alexandre Vannucchi Leme

Mobilizações por todo o país

Alexandre Vannucchi, lembrar é resistir

"Os povos que não podem ou não querem confrontar-se com seu passado histórico estão fadados a repetí-lo" DOM PAULO EVARISTO ARNS

Em dezembro de 2013, a 2ª Vara de Registros Públicos

do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, em sentença proferida pela juíza Renata Mota Maciel Madeira Dezem, a retificação da causa da morte do estudante Alexandre Vannucchi Leme.

O pedido de retificação foi feito pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) e assinado pelo então coordenador José Carlos Dias após requerimento dos irmãos da vítima. Em ofício a CNV apresentou documentos que comprovam que a morte de Vannucchi Leme foi causada por lesões decorrentes de tortura.

A magistrada deferiu o pedido e ordenou a retificação no atestado de óbito de Alexandre Vannucchi, para constar que a morte decorreu de lesões provocadas por tortura e maus tratos.

REPARAÇÃO

Praça na avenida Afonso Vergueiro recebe o nome do estudante. Aldo Vannucchi na solenidade na Escola Getúlio Vargas, no traslado dos restos mortais

41 anos da mortede ‘Minhoca’

No dia 17 de março completou-se 41 anos do brutal assassinato de “Mi-nhoca”, estudante de geologia que in-sistiu no sonho de uma nação soberana em meio à ditadura militar.

Com formação fraternal e solidá-ria, Alexandre Vannucchi Leme de-dicou-se a pensar o Brasil como uma nação soberana, com seus recursos na-turais, mantendo vivo o sonho de ver o povo tendo acesso a todos os direitos básicos, de moradia, alimentação, saú-de e educação.

Sorocabano, nascido em 5 de ou-tubro de 1950 e de família tradicional-mente católica, “Minhoca”, como era chamado pelos amigos, cursava o últi-mo ano do curso de geologia da Uni-versidade de São Paulo, quando aos 22 anos calaram sua voz na luta em defe-sa de seus ideais.

Devido a sua engajada participação no movimento estudantil e como inte-grante da Ação Libertadora Nacional (ALN), Alexandre foi alvo de perse-guição de agentes da repressão do go-verno militar, que estavão na mão do general Emílio Garrastazu Médici.

Em 16 de março de 1973, o estu-dante foi seqüestrado e levado ao DOI- CODI, centro de torturas, de São Pau-lo. Logo sua presença foi notada por outros presos políticos que estavam em celas do corredor dessa instituição.

Espancado durante sessões de bárbaras torturas, gritando de dor, Alexandre foi colocado na solitária

x-zero. No dia seguinte, foi levado pela equipe A, chefiada pelo tor-turador de nome “Dr. José” e pelo investigador conhecido por “Dr. Tomé”, e integrada por: “Caio ou Alemão”, “Dr. Jacó”, “Silva”, “Rubens”, comandados dire-tamente pelo comandante daquele departamento, major Carlos Alberto Brilhante Ulstra.

As torturas seguiram até apro-ximadamente meio-dia, quando o levaram carregado para a cela nova-mente. Por volta das 17 horas, o car-cereiro “Peninha” encontrou Alexan-dre morto. Seu corpo foi retirado da x-zero arrastado pelas pernas.

Naquele mesmo dia prenderam Adriano Diogo, hoje deputado esta-dual pelo Partido dos Trabalhadores (PT-SP). “Na solitária que eu entrei, ele acabava de sair morto, esvaindo em sangue. Foi morto lá e eu sei que ele não falou absolutamente nada”, conta Adriano, que era da mesma tur-ma da geologia e também da ALN e ficou preso por cerca de um ano.

Ele ressalta, em entrevista ao do-cumentário “Porque lutamos” (Linc 2008), da jornalista Fernanda Ikedo, que seu amigo Alexandre sempre foi um estudioso dedicado. “Tinha uma relação de irmão com ele. O cara ti-nha um nível de leitura absurdo, era super diferenciado. No trote do Ale-xandre, ele já escreveu um texto so-

bre a transamazônica e o ferro man-ganês e saímos pelo campus dando palestra”, recorda.

A família não sabia do desapare-cimento de Alexandre. Somente após um telefonema anônimo, Dona Egle Vannucchi Leme, mãe do estudante, recebeu a informação de que seu filho tinha sido preso, mais nada.

Com a atrocidade da estrutura mon-tada pela ditadura militar e ignorando as dores da família, os torturadores tentaram cobrir o assassinato do estu-dante divulgando para a imprensa uma versão: o estudante teria sido atropela-do por um caminhão na esquina da rua Bresser com a avenida Celso Garcia, em São Paulo. Foi desse modo, pelo jornal Folha de S. Paulo, do dia 23 de março de 1973, que parentes e amigos tomaram conhecimento do que havia acontecido a Alexandre.

O laudo necroscópico dele, assina-do pelos médicos Isaac Abramovitc e Orlando Brandão, afirmava a versão da polícia.

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"O homem educado pela História nunca será um ser passivo, inconsequente" RAFAEL RUIZ

A Praça Alexandre Vannucchi Leme fica na avenida Afonso Vergueiro com a rua Amazonas. Sua denominação, em 1978, pelo vereador João dos Santos Pereira (camisa branca) foi alvo de perseguição política ao então vereador do MDB. Uma das principais ações do Comitê Brasileiro de Anistia, em Sorocaba, foi dar o apoio à memória de Alexandre. A praça é um marco de resistência na cidade.

No final da década de 70, após duros golpes como as mortes do estudante Alexandre Vannucchi Leme, em 1973, a do jornalista Vladimir Herzog, no ano seguinte e a do operário, Manoel Fiel Filho, em 1976, a sociedade passou, no-vamente, a unir forças e a se orga-nizar em torno do Comitê Brasilei-ro de Anistia (CBA).

Em Sorocaba, a coordenação do CBA contou com a participação de militantes populares, professores, estudantes e profissionais liberais. Nomes como Iara Bernardi, Osval-do Noce, Jocélio Drumond de An-drade e Elizabeth Gonzales.

Iara lembra que um dos enfren-tamentos feito pela coordenação de Sorocaba foi junto com a família Vannucchi, devido à morte, após torturas, do estudante Alexandre, aos 22 anos.

Em depoimento, durante a pri-meira audiência pública da Co-missão Municipal da Verdade, no dia 28 de março, a atual deputada federal ressaltou que fará um le-vantamento das atas e dos livros históricos do CBA Sorocaba para levantar nomes de dirigentes da ci-dade, durante o período do regime, que deram apoio à ditadura.

Crime de opiniãoPara ela, é fundamental que se

apure e denuncie todos os aparatos de repressão existentes na época em prol da memória da cidade e da-queles que lutaram para a conquista da democracia que se tem hoje.

Ela destaca que durante a di-

Sorocabanos naluta pelas liberdades democráticasComitê Brasileiro de Anistia em Sorocaba apoiou protestos por melhores condições de saúde e principalmente, esteve à frente na luta pela reparação e justiça da morte de Alexandre Vannucchi Leme

Repressão

O DOPS (Departamento de Ordem Política e

Social) juntamente com os DOI-CODI eram os organismos que prendiam ilegalmente, torturavam e matavam os opositores da ditadura no Brasil.

As manifestações contra o aumento da miséria eram

reprimidas durante a ditadura com perseguições e violações dos direitos civis.

Entre os crimes do período 1964 a 1985 constam:

prisões, torturas, mortes, desaparecimentos, fechamento do Congresso Nacional, intervenção nos sindicatos, censura a jornalistas, entre outros.

Reparação

Em 2013, na presença dos chefes das Forças

Armadas e da presidente Dilma Rousseff, o Congresso devolveu, simbolicamente, o mandato do presidente João Goulart (1919-1976), deposto pelo golpe.

Pouco antes, os parlamentares anularam

a sessão do Congresso de 2 de abril de 1964 que viabilizou o golpe ao declarar vaga, na ocasião, a Presidência da República.

A Comissão Nacional da Verdade foi instituída pelo

Governo Federal para apurar crimes e arbitrariedades da ditadura.

Torturanunca mais

tadura civil e mili-tar havia o crime de opinião. Durante seu mandato na Câma-ra dos Vereadores de Sorocaba, no início da década de 80, pelo Partido dos Trabalha-dores, diversas vezes ela e Osvaldo Noce, também vereador, foram ameaçados de serem enquadrados na Lei de Segurança Nacional por criticarem ações dos governos local, estadual e/ou na-cional.

Perseguição Em uma das fichas do Depar-

tamento Estadual de Ordem Polí-tica e Social (Dops), da Secretaria da Segurança Pública, do dia 11 de agosto de 1982, percebe-se que havia policiais infiltrados em uma manifestação promovida pelo então combativo Centro Acadêmico Vital Brasil, da Faculdade de Medicina da PUC/Sorocaba.

A ficha (1217/82) denuncia que os manifestantes protestavam pelas precárias condições do Conjunto Hospitalar de Sorocaba e que entre eles estavam integrantes da Asso-ciação dos Médicos Residentes de Sorocaba, da Associação dos Do-centes, junto de estudantes e “po-dendo-se notar a presença de Iara Bernardi, Osvaldo Noce, Jocélio Drumond de Andrade e Elizabeth Gonzales”, entre outros membros do Comitê Brasileiro de Anistia.

Carta de princípiosO CBA conclamou a todos os

brasileiros a lutarem pela anistia ampla e irrestrita a todos os pre-sos e perseguidos políticos. Era contra o autoritarismo, contra a censura imposta pela ditadura, a favor da liberdade de associa-ção e de reunião, pela autonomia sindical, pelo direito de greve, pela liberdade de atuação polí-tica e da organização partidária.

Os comitês espalhados pelo Brasil exigiam o fim radical e absoluto das torturas, a liberta-ção de presos políticos e a volta dos cassados, dos abolidos, exi-lados e perseguidos políticos.

Pela elucidação da situação dos desaparecidos, pela recon-quista do “habeas-corpus”, pela revogação da Lei de Segurança Nacional e fim da repressão e das normas punitivas contra a atividade política, os militantes do CBA, enfim, apoiavam as lutas pelas liberdades democrá-ticas no país.

A deputada federal Iara Bernardi foi fundadora do CBA Sorocaba

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O professor de história do Colégio Objetivo de Sorocaba, Cacá Jacomuci, explica que o uso da expressão ditadura civil-militar vem sendo utilizada pelos historiadores para designar o período de 1964 a 1985 como forma de destacar que o golpe e o período autoritário não foi ca-pitaneado apenas pelos militares. O gol-pe contou com amplo apoio de setores da sociedade civil (OAB, FIESP, Associações Comerciais, latifundiá-rios, grande imprensa) e o regime teve a par-ticipação outros setores civis.

“Empresários como Paulo Maluf (Eucatex) e Olavo Setúbal (Itaú) tornarem-se prefeitos biônicos (nomeados) de São Paulo. Rober-to Marinho ganhou a concessão de uma emissora de televisão que apoiou, até o último momento, o regime de exceção. A utilização da expressão Ditadura Militar tende a isentar esses setores civis de cul-pa pela instalação e manutenção do regi-me, o que é um erro histórico”, explica Cacá Jacomuci.

No mesmo tom, a professora do depar-

O golpe foi civil e militarO apoio de setores importantes da sociedade civil contribuiu para o ciclo dos generais no

poder. Sem contar que os militares contaram com extenso apoio do governo norte-americano

“Uma das piores consequências da ditadura no Brasil foi ter assassinado as lideranças de hoje”, afir-ma o professor de história e ex-presidente do Sindi-cato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região, Geraldo Titotto Filho.

Ele se refere ao período da ditadura (1964-1985), que perseguiu e matou a juventude da época e tam-bém a geração seguinte, ceifando seus sonhos.

Por isso, Titotto, que também é assessor sindical do SMetal, ressalta ser importante promover a dis-cussão sobre o contexto do golpe e as consequências da ditadura nos dias de hoje. “É importante fazer esse resgate da verdade histórica, principalmente, pelos jovens que vivem uma condição democrática que não foi dada e sim conquistada com muita re-sistência."

Quando alguns jovens vão para as ruas e pedem pelo retorno dos militares no país e mostram cartazes pedindo uma “intervenção constitucional” você nota que há algo de muito errado em relação ao conheci-mento histórico e, inclusive, desconhecimento da lei maior do país.

“De certa forma, os militares conseguiram escon-

der as atrocidades e a completa falta de respeito dos direitos humanos. Quando algumas vozes pedem os militares no governo, novamente, é como se o perí-odo que eles governaram tivesse livre, isento de cor-rupção e de obras faraônicas (superfaturadas) que li-gam o nada ao lugar nenhum”, destaca.

Como afirma An-tonio Lassance, em artigo no site Carta Maior, “ditaduras são regimes corrup-tos por excelência”. Ele explica: “corrup-ção acobertada pelo autoritarismo, pela ausência de mecanis-mos de controle, pela regra de que as auto-ridades podem tudo”.

Titotto deixa seu recado aos jovens: “É preciso sonhar e ousar. Para isso, conhecimento é o ponto de partida para qualquer reflexão e perspectiva futura”.

A ditadura assassinou

gerações"A maioria

da categoria metalúrgica nãoviveu o período

da ditadura, mas precisa conhecer eestudar o período"

"O golpismo não tinha só

tanques e fuzis. Tinha partidos

direitosos"

" Não esqueçamos jamais que as idéias são menos interessantes do que os seres humanos que as inventam, modificam, aperfeiçoam ou traem." FRANÇOIS TRUFFAUT.

Titotto aborda a importância de se conhecer os fatos históricos

Saiba mais na web: smetal.org.br/50anos

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Fogu

inho

tamento de Educação da UFSCar Soroca-ba, Teresa Melo, destaca “um bom exem-plo está no filme 'Cidadão Boilesen'."

Antonio Lassance, no site Carta Maior, explica que qualificar a ditadura só como "militar" escamoteia o papel dos civis.

“Foram os militares que deram o golpe, que indicaram os presidentes, que coman-daram o aparato repressivo e deram as or-

dens de caçar e exterminar grupos de esquerda. Mas a ditadura não teria se instala-do não fosse o apoio civil e também a ajuda externa do governo Kennedy."

Ele ainda descreve que: "o golpismo não tinha só tanques e fuzis. Tinha par-tidos direitosos; veículos de imprensa agressivos; empresários com ódio de sindicatos; fazendeiros

armados contra Ligas Camponesas, reli-giosos anticomunistas. Todos tão ou mais golpistas que os militares".

Sem os civis, os militares não iriam longe. A ditadura foi tão civil quanto mi-litar. Tinha seu partido da ordem; sua im-prensa dócil e colaboradora; seus empre-sários prediletos; seus cardeais a perdoar pecados.

Page 8: Especial 50 anos do golpe de 1964

Presidente deposto pelo golpe foi eleito com voto popular

"Não é no silêncio que os homens se fazem,mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão",

PAULO FREIRE

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Por desconhecimento ou má-fé, há hoje em dia quem tente minimizar a violência do golpe de 1964 alegando que o presidente de-posto, João Goulart, o Jango, originalmente era vice-presidente e que, portanto, não havia sido eleito pelo voto popular. Mas qualquer livro básico de História desmente essa tese descabida.

Em 1960, quando houve eleições presi-denciais, os votos para presidente e para vice eram separados e independentes. O eleitor podia escolher o presidente de um partido ou coligação e o vice de outra agremiação.

Para presidente, o candidato da elite con-servadora e fenômeno eleitoral da época, Jâ-nio Quadros, obteve 5,6 milhões de votos. O segundo colocado foi Henrique Teixeira Lott, com 3,8 milhões de votos.

Na votação para vice, João Goulart, que se opunha à coligação de Jânio, obteve 4,5 mi-lhões de votos. Seu concorrente direto, Mil-

ton Campos, candidato dos conservadores, teve 4,2 milhões.

Jango teve, portanto, mais votos para vice do que o segundo colocado para presidente.

Renúncia de JânioQuando Jânio renunciou à Presidência, de-

pois de apenas sete meses de governo, os gol-pistas só aceitaram a posse de Jango mediante a implantação de um sistema parlamentarista, que reduziu os poderes presidenciais.

Em 1963, após um plebiscito que deci-diria se o Brasil continuaria parlamentarista ou voltaria ao modelo presidencialista, Jan-go provou novamente que era bom de voto e foi conduzido à presidência com os poderes constitucionais aos quais tinha direito.

Outra prova da popularidade de Jango foi na eleição anterior, em 1955, quando obteve mais votos que o presidente eleito, Juscelino Kubitschek.

Fatos e imagens para não esquecerConfira abaixo alguns dos momentos registrados pela

imprensa sorocabana no período de 1964-1985

Milhares comparecem ao Comício da Central

do Brasil, no Rio de Janeiro, em defesa das reformas de base do governo João Goulart, em 13 de março de 1964