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IlmMENÊUTICA JURíDICA CLÁSSICA fala em homem e mulher, onde colocaríamos o hermafrodita. Se a norma alude ao pagamento em dinheiro, seria aí enquadrado o paga- mento em moeda estrangeira, o pagamento em cheque ou, mesmo, o pagamento em moeda que não está mais valendo como tal, mas vale pela sua raridade? 26 Capítulo 2 CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES pE INTERPRET AÇAO

Especies de Interpretacao-0001

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Page 1: Especies de Interpretacao-0001

IlmMENÊUTICA JURíDICA CLÁSSICA

fala em homem e mulher, onde colocaríamos o hermafrodita. Se a

norma alude ao pagamento em dinheiro, seria aí enquadrado o paga­

mento em moeda estrangeira, o pagamento em cheque ou, mesmo, o

pagamento em moeda que não está mais valendo como tal, mas vale

pela sua raridade?

26

Capítulo 2

CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES pEINTERPRET AÇAO

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1 INTRODUÇÃO

Em consonância com o magistério de Silvio Rodrigues,

"a classificação é um procedimento lógico, por meio do qual,

estabelecido um ângulo de observação, o analista encara um

fenômeno determinado, grupando suas várias espécies confor­

me se aproximem ou se afastem umas das outras. Sua finalidade

é acentuar as semelhanças e dessemelhanças entre as múltiplas

espécies, de maneira a facilitar a inteligência do problema emestudo."9

A classificação das espécies de interpretação pode se dar a

partir de três critérios: a origem (agente ou fonte), a natureza (modo),

os efeitos (resultado).

2 ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO QUANTO À ORIGEM

Quanto à origem, a interpretação pode ser pública ou privada.

A interpretação pública é aquela feita por orgãos do Poder Público. A

interpretação privada ou científica é aquela feita pelos doutrinadores e

jurisconsultos. Alguns autores, como Savigny, ainda falaram em uma

interpretação social feita pelo povo por meio do costume. Isso fazia

muito sentido em seu pensamento, em razão de ele não ter uma

9 Direito civil, v. 3, p. 25.

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1111~MLNIl J II(.A Il IRlllICA CLÁSSICA._. •• n __ •__ • _

concepção objetivista do costume (uso que adquiriu uniformidade e

constância), mas, sim, uma concepção subjetivista (uso do qual se tem

a convicção de sua obrigatoriedade), ressaltando o aspecto espiritualdo Direito consuetudinário, considerado manifestação imediata doespírito do Povo.

A interpretação pública pode ser interpretação autêntica oulegislativa,judicial e administrativa.

A interpretação autêntica é aquela feita pelo Poder Legislativo,

por intermédio de uma lei. No caso, uma lei secundária (lei interpreta­

tiva) interpreta uma lei primária (lei interpretada), sendo que ambas

devem ser provenientes do mesmo orgão. Assim, por exemplo, a Lei

n. 5.334/67 interpretou dispositivos da Lei n. 4.484/64, no seu art. 1°,

em razão da confusão de entendimento provocada no mundo jurídico.

Alguns autores não admitem a interpretação autêntica, alegan­

do que a lei interpretativa é corretiva da anterior, por conseguinte, lei

nova que a revoga, em consonância com a nossa Lei de Introdução ao

Código Civil que diz: Art. 1°, § 4°. "As correções a texto de lei já emvigor consideram-se lei nova."

A lei interpretativa, entretanto, retroage à data da lei interpreta­

da para atingir os casos pendentes, muito embora não atinja a coisajulgada por força de determinação constitucional.

A interpretação judicial é aquela feita pelos juízes e tribunais. A

sua reiteração uniforme pode gerar um costume judiciário ou norma

jurisprudencial, inclusive com vigência, como no caso da juris­

prudência sumulada. A. L. Machado Neto chamava a interpretaçãojudicial também de usual, mas essa expressão já era utilizada anteri­

ormente pelos seguidores da Escola Histórica do Direito para a

interpretação social, que, como já foi visto, era aquela feita pela

própria sociedade por meio dos costumes. É bom lembrar que ocostume é um uso que encontrou elevado grau de uniformidade econstância.

A interpretação administrativa é aquela que é feita pela Admi­

nistração Pública, quer através do poder regulamentar quercasuísticamente.

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UASSIFlCA(A() DAS LSPI'C1ES DE INTERPRET AçAo

As espécies de interpretação quanto à natureza são as própri­as técnicas interpretativas da hermenêutica clássica. O método é umsó, as técnicas são várias. As técnicas exteriorizam o método, assim

como, no Direito Processual, diz-se que o procedimento exterioriza o

processo.

O método estabelece os princípios com base nos quais se dará

prioridade, em cada caso, a uma técnica interpretativa ou a outra.Segundo Kant,

"...0 conhecimento vulgar necessita de um modo, porém, a

ciência de um 'método', isto é, um processo por 'princípios' da

razão, mediante o que apenas o múltiplo de um conhecimento

pode chegar a ser um sistema. "10

Quando se fala em espécies de interpretação quanto à natureza,

alguns talvez pensem que elas podem ser separadas uma das outras,

de modo que o resultado de uma possa ser justaposto ao da outra. Por

isso, convém lembrar que, como entendeu Savigny, o processo

interpretativo é uno, apesar de complexo, de forma que não podemos

separar, a não ser abstratamente e para efeitos didáticos, as espécies

de interpretação quanto à natureza.

3 ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO QUANTO À NATUREZA

3.1 Interpretação gramatical (ou literal)

A interpretação gramatical consiste numa análise morfológica

e sintática do texto. Por ela, se procuram os verba legis.Em situações normais, a interpretação gramatical era a única

admitida pela Escola de Exegese na França. Esta Escola surgiu com a

10 KANT, Immanuel. Crítica da razcl(} prática, p. 135.

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111I\MINlulICA IUf\ilJICA CLÁSSICA

pretensão de fazer a exegese do Código, ou seja, a sua dissecação eanálise textual, o que se dava geralmente através dos comentários e

tratados. A Escola Histórica do Direito, entretanto, mostrou que a

compreensão do sentido (espiritual) é diferente da exegese dotexto (litera!). Assim, a interpretação gramatical é necessária, mas

não é suficiente. A máxima de Celso já dizia: "Scire leges non hoc est

verba earum tenere, sed vim ac potestatem" ("Conhecer as leis não

é compreender as suas palavras, mas o seu alcance e a sua força" ­D., I. 3, 17).

Sua utilidade se evidencia no seguinte exemplo: Rui Barbosa,

tendo aceito uma condecoração estrangeira, foi alvo das aleivosias de

seus adversários políticos que insinuavam que ele havia perdido os

seus direitos políticos, nos termos do art. 72, § 2°, da Constituição de1891, que dizia:

"Os que aceitam condecorações ou títulos nobiliárquicos es­

trangeiros perderão todos os direitos políticos."

Rui Barbosa valeu-se da interpretação gramatical para de­

monstrar que o seu caso não caía sob a incidência do dispositivoconstitucional:

"Em face da gramática, quando temos dois adjetivos pospostos a

dois substantivos, embora separados pela disjunção 'ou', ambosos adjetivos hão de se referir aos substantivos. Ora, eu aceitei

uma condecoração estrangeira, mas não nobiliárquica, porque

ela não me imprimiu nobreza. Portanto, não incorri na sanção

constitucional, não tendo perdido os meus direitos políticos."

Vale salientar que o art. 111 do Código Tributário Nacional(CTN) preceitua:

"Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária quedisponha sobre:

32

.. (1_0.:?~~''Y,Á() I)AS ISI'ICIIS DI INTEf\I'RETA(!\U

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário

II - outorga de isenção

IlI- dispensa do comprimento de obrigações tributárias aces-sórias."

3.2 Interpretação lógica

Já tivemos a oportunidade de perceber que a lógica estuda as leis

do raciocínio que asseguram a coerência nas conexões do pensamento.

A interpretação lógica em sentido amplo é a pesquisa do senti­

do da norma à luz de qualquer elemento exterior com o qual ela deve

se compatibilizar. Desse modo, toda interpretação que não fosse

gramatical seria lógica.A interpretação lógica em sentido estrito, que nos interessa

agora, é aquela da norma a partir do elemento exterior que estáimediatamente ligado a ela, ou seja, a vontade do Legislador. Éverdade que já houve quem entendesse a interpretação lógica como

aquela que estuda a conexão entre as palavras dentro das frases que

compõem o texto normativo, mas aí nós teríamos a análise sintática

e, logo, interpretação gramatical.

Um bom exemplo de interpretação lógica é o seguinte: o art. 875

do Código Civil afirma que na obrigação de dar coisa incerta, quando a

escolha (concentração da dívida) couber ao devedor, ele "não poderá

dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor". A interpretação

literal poderia levar o estudioso inadvertido a pensar que o devedortinha a faculdade de entregar ao credor as piores coisas do gênero numa

escala em que somente a última ficaria excluída. O bom senso, entre­

tanto, evidencia que a intenção do Legislador foi estabelecer o meio ­

termo (media aestimatio) entre os congêneres da melhor e da pior

qualidade como objeto da escolha do devedor. É de lembrar que o

termo grego logos do qual derivou "lógica",. além de significar discurso

e razão (ratio), significa também "proporção" (proportio).

A vontade do legislador pode ser entendida de dois modos:

como a intenção subjetiva original que imediatamente motivou o

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IIIIUv1l NIIIII( 1111 WII)f( 11 (IIISSI(/\-. '--~~~~-"'---'---"'--'---_._-----------

surgimento da norma (corrente subjetivista) ou como uma metáfora

que se refere a uma vontade intrínseca à norma que encontra raízes nasociedade (corrente objetivista). A primeira é mais ligada ao psicolo­

gismo historicista e a segunda, ao sociologismo.

Muito embora entre os doutrinadores brasileiros prevaleça a

corrente objetivista, por determinação do Código Civil, a interpreta­

ção das declarações de vontade seguirá a corrente subjetivista:

"Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à

intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da

linguagem"

"Art. 1.899. Quando a cláusula testamentária for suscetível de

interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure aobservância da vontade do testador."

A intenção nas declarações de vontade se inferirá das circuns­

tâncias do caso, do comportamento das partes, tanto antes como

depois da celebração do contrato (Código Italiano, art. 1.362, 23 aI.)

e dos usos e costumes peculiares ao tipo de contrato.

Lembramos que, mesmo não tendo sido especificado no título

que a obrigação do devedor é personalíssima (intuitu personae) ou

infungível, pode-se inferir que as partes objetivavam esse tipo de

obrigação em razão de certas circunstâncias. A obrigação infungível

ou personalíssima é aquela que só pode ser feita por um devedor

específico em razão das qualidades que lhe são inerentes. Assim,

quem contrata um pintor famoso para pintar um quadro ou um cantorde renome para fazer um show, mesmo que não conste no contrato

que a obrigação é personalíssima, pode-se inferir de razões óbvias

que a obrigação é intuiutu personae.

No caso mencionado, se o devedor não quiser cumprir a

obrigação, ela será convertida em perdas e danos. Se a obrigação não

puder mais ser cumprida em razão de fato não imputável ao devedor,

será extinta a obrigação, pois "ninguém será obrigado ao impossível"

(ad impossibilia nemo tenetur).

34

UIISSIFICIlt,:AO DAS LSl'lClES DE INIEJ{I'IU,TII<':ÃO

o art. 432 do Código Civil estabelece que "se o negócio for

daqueles, em que se mIo costuma a aceitação expressa, [...] reputar­se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa". Aqui, se

pode inferir a intenção das partes pelo hábito. Segundo SílvioRodrigues,

"isso ocorre, por exemplo, quando um comerciante remete

habitualmente sua produção ao varejista que a recebe, vende

e reembolsa o fornecedor. Se desejar interromper este siste­

ma, ou recusar uma partida recém-chegada, deve de prontocomunicar o fato ao outro contratante, sob pena de se enten­

der que a aceitou. Porque as circunstâncias que rodeiam suas

relações com o atacadista são de molde a criar no espíritodeste a justa persuasão de que sua proposta foi aceita, expec­

tativa que só pode ser frustrada mediante tempestiva recusado oblato.

Um julgado do Tribunal de São Paulo (RT 232/227) fornececaracterístico exemplo. Certo comerciante de ferro, cujo esta­

belecimento não tinha por hábito confirmar aceitação de enco­

mendas, após ter cumprido parcialmente ordem recebida deum cliente, recusou-se a efetuar as entregas posteriores, sob a

alegação de se não haver ultimado o contrato, por falta de sua

aceitação. A Corte entendeu que houve aceitação tácita. Eis aementa do acordão:

'Se o vendedor tinha por praxe não confirmar os pedidos que

recebia, e se deu execução parcial à encomenda que lhe fora

feita e não chegou a manifestar a sua recusa em fornecer

aquela faItante, conforme preceitua o art. 1.084 do CódigoCivil, a conclusão que se impõe é a de que se estabeleceu ovínculo contratual entre as partes, aperfeiçoando-se, assim, o

contrato de compra e venda' ."11

11 Direito civil, p. 63-64.

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IIII\MI NllJlICA llll\il )ICA CLÁSSICA•... -.- ..--.--.-- ...'---------------- --------------------

Tanto na corrente subjetivista como da corrente objetivista

existem posições a favor e contra o evolucionismo da vontade do

legislador (mens legislatoris) ou da lei (mens legis). Há uma cor­

rente subjetivista que entende que a vontade (subjetiva) do Legisla­

dor tem que ser atualizada pelo intérprete em relação aos novos

fatos sociais sem ser distorcida. No plano contratual, isso seria

possível pela teoria da imprevisão que aditou à regra pacta suntservanda a cláusula rebus sic stantibus. Do mesmo modo existe, e

com mais obviedade, uma corrente objetivista que admite a evolu­

ção da vontade normativa.

O exame da exposição de motivos e dos anteprojetos e o

conhecimento dos debates acontecidos nas casas legislativas são

meios de perquirir a "vontade do Legislador".

É bom lembrar que, além de existir interpretação lógica das

normas e dos contratos, há também interpretação lógica de atos

processuais. A admissão da chamada preclusão lógica e a

fungibilidade dos recursos são exemplos disso.

A preclusão, termo oriundo do latim praecludo (= fechar,

tapar, encerrar), consiste em impedir que volte a fases ou oportunida­

des já superadas no processo (art. 473 do CPC). A preclusão lógica é

a perda da possibilidade de praticar um ato processual, em decorrên­

cia da prática de outro com ele incompatível. Assim, não é possível

reconhecer um pedido e depois querer contestá-Ia.

A fungibilidade dos recursos é o entendimento predominante

de que a interposição de um recurso por outro não impede seu

conhecimento, desde que não haja erro grosseiro e que a sua manifes­

tação seja feita no prazo do recurso cabível.

3.3 Interpretação sistemática

A interpretação sistemática é a responsável pela unidade e

coerência do ordenamento jurídico. O Legislador não cria o ordena­

mento jurídico, mas um conjunto de normas desconexas. É o jurista

que constitui o objeto de sua ciência por intermédio de um método

36

_____ . - (Ii\~SIIi(i\(,A~L!~i\~-~SI.(I1S IJI: IN IIRI'RITA<.i\C J

que sistematiza a matéria jurídica amorfa, imprimindo-lhe forma deordenamento jurídico.

A interpretação sistemática é a interpretação da norma à luz das

outras normas e do espírito (principiologia) do ordenamento jurídico,

o qual não é a soma de suas partes (corpo), mas uma síntese (espírito)delas. A interpretação sistemática procura compatibilizar as partes

entre si e as partes com o todo - é a interpretação do todo pelas

partes e das partes pelo todo.É em razão da necessidade de interpretação sistemática que o

Código Tributário Nacional estabelece:

"Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se

para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seusinstitutos, conceitos e formas, mas não para definição dos

respectivos efeitos tributários."

"Art. 1l0. A lei tributária não pode alterar a definição, o

conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de

direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela

Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pe­

las Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para

definir ou limitar competências tributárias."

É pela interpretação sistemática que se compreenderá melhor,

por exemplo, o Direito Processual. O Direito adjetivo é instrumentalem relação ao direito substancial, logo não deve ser um fim em simesmo, como quiseram alguns processualistas, que abrigaram

distorções decorrentes dos excessos cometidos na chamada faseautonomista do Direito Processual. José Roberto dos Santos

Bedaque afirma:

"Verifica-se, pois, a necessidade premente de conscientização

do processualista no sentido de que sua ciência, não obstanteautônoma, só tem sentido se servir de maneira eficaz ao seu

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I I/I\MI.NllJ 11(/\ /111\11JI</\ CLÁSSI(/\· .-.._ .._._ _.~------ •......------.---.-----------------------

objeto. Pode-se afirmar, mesmo, ser o direito substancial indis­

pensável ao direito processual, que não existiria sozinho. Tal

circunstância não o coloca, todavia, em situação de inferiorida~de, pois também não se pode conceber o direito material sem o

instrumento para torná-Io efetivo. Existe evidente relação deinterdependência entre os dois ramos do Direito."12

É de grande importância a observação de Eduardo J. Couture

sobre a sistematização do Direito, feita na sua abordagem acerca dasexceções ao princípio da inércia do juiz no Direito Processual:

"Falar de colisão de texto com princípio pareceria urna

antinomia, porque não pode haver outro princípio senão o que

surge dos textos. Se chegarmos, entretanto, à conclusão de queos princípios são extraídos de urna harmonização sistemática

de todos os textos, levando em consideração suas sucessivas

repetições, suas obstinadas e constantes reaparições, a tarefa

interpretativa, nesse caso, deverá realizar-se mediante o predo­

mínio do princípio, já que ele constitui a revelação de uma

posição de caráter geral, assumida ao longo de um conjunto

consistente de soluções particulares. A situação especial, en­

tão, deve ser interpretada corno um afastamento do princípio enão corno aplicação ou vigência do mesmo."13

o professor José de Albuquerque Rocha assim se pronunciasobre a interpretação sistemática:

"Portanto, a interpretação sistemática baseia-se no postulado

fundamental da moderna teoria da ciência, segundo o qual não

12 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. Influências do direitomaterial sobre o processo, p. 55.

13 Direito e processo, cit., p. 44-45.

38

<I i\:iSlll< /\(;\() I )N; I SI'I < IlS I li IN 111"'1" I i\(i\()--------------------- --~

é possível o conhecimento. das coisas isoladas. Conhecer édescobrir a relação entre as coisas."14

3.4 Interpretação filológica

Alguns autores inserem a interpretação filo lógica na interpreta­

ção gramatical, enquanto outros, corno Savigny, a consideram pre­sente na interpretação histórica. Para Savigny, a interpretação históri­ca se dividia em interpretação histórica em sentido próprio e interpre­

tação histórica em sentido filológico.A interpretação filológica é a interpretação dos textos à luz da

tradição ou sentido histórico das palavras. A filologia considera osentido das palavras no tempo.

3.5 Interpretação histórica

A interpretação histórica, proposta corno método primeira­

mente por Savigny, é a interpretação da norma jurídica à luz da

occasio legis - circunstância histórica da regra interpretanda - e da

origo legis - origens da lei, remontando às primeiras manifestações

da instituição regulada. Assim, a occasio legis diz respeito às causas

históricas próximas e a origo legis, às causas remotas. Na interpreta­

ção da norma que leva em consideração as causas históricas próxi­mas, o exame dos acontecimentos no orgão do Poder Legislativoresultará na chamada interpretação genética.

Savigny trouxe para o Direito o método hermenêutico utilizadonas ciências históricas, visando elevar o Direito à categoria de ciência

do espírito, daí o nome de sua Escola: Escola Histórica do Direito.A Escola Histórica vislumbrava a norma jurídica como uma

objetivação do espírito de urna época. A interpretação deveria ser uma

reconstrução do sentido. Assim, corno o historiador situa um documen-

14 ROCHA, José de Albuquergue. Teoria geral doprocesso, p. n.

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III:I{MI:NI'UTlCi\ JURiDICi\ CLÁSSICi\

to histórico no tempo de sua feitura e identifica o seu autor para, em

seguida, por comparação de dados, reconstruir o sentido do documen­

to, do mesmo modo o jurista deveria proceder em relação à norma.

A interpretação histórica é feita pelo exame da evolução tem­

poral de determinada instituição ou instituto, até que se chegue à

compreensão da norma que o regule na atualidade. A interpretação

do mandado de segurança, por exemplo, deveria ser antecedida pela

compreensão do habeas corpus, que no passado foi utilizado para

deter o abuso hoje combatido pelo remédio heróico. O intérprete

deveria saber corno o mandado de segurança surgiu a partir do

habeas corpus., A influência da interpretação histórica se faz sentir no Direito

Civil quando se estuda o Direito Romano para melhor compreender o

Direito privado atual.

3.6 Interpretação teleológica

A interpretação teleológica ou finalística é a interpretação da

norma a partir do fim (vantagem) social a que ela se destina, o que faz

da norma um meio para atingir um fim, sendo que o meio será

valorado pela sua aptidão para atingir o fim do modo mais efetivo

possível de acordo com as circunstâncias dadas (pragmatismo,

utilitarismo). Nessa premissa, o sentido literal do dispositivo ganha

maleabilidade para se subordinar ao fim social colimado.

O fim social específico de uma norma é, em sentido amplo,

uma ênfase da sociedade. Assim, a política de proteção ao consumi­

dor, por exemplo, determina, no art. 47 da Lei n. 8.078/90, o seguinte

acerca da interpretação contratual:

"Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de ma­neira mais favorável ao consumidor."

A humanização do Direito Penal proposta por C. Beccaria e

assimilada pelo ocidente informa que na aplicação da norma penal,

40

( I i\S~,1I1< 1\(, I\( ) I )1\', I '.1'I (11 S I >I IN 1I I~I'1" 11\(,1\( )

havendo dúvida, deve-se preferir a interpretação que seja mais ravo·­

rável ao réu (in dubio pro reo). De modo semelhante, o Código

Tributário Nacional (CTN) estabelece:

"Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comi na

penalidades, interpreta-se de maneira mais favorável ao acusa-do, em caso de dúvida quanto:

1-à capitulação legal do fato;II _ à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou 11

natureza ou extensão dos seus efeitos;

III - à autoria, imputabilidade, ou Ímnibilidade;

IV _ à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação."

A interpretação teleológica mostra-se útil na interprctaçÜo dos

atos processuais por intermédio do princípio da instrumental idade dasformas. Por esse princípio, é convalidado o ato processual que, n:Ul

seguindo com exatidão a forma prescrita, alcançou o fim desejado.

pois a forma é apenas o meio para atingir o fim, e não um fim em simesmo.

A interpretação teleológica é fruto das formulações teóricas de

Ihering, tanto nos últimos volumes do Espírito do Direito Romanocomo no Fim do Direito. Para lhering, o Direito não evolui espontane­

amente como pensou Savigny, mas sim pela luta. As conquistas dela

oriundas são manifestas em interesses que passam a ser protegidos

pela ordem jurídica sob a forma de direitos subjetivos. As normasdevem ser consideradas pelos interesses15 que se pretende nelas

proteger.A chamada lógica do razoável de Recaséns Siches é apenas

outra denominação para a lógica teleológica e concreta.

15 Kant definiu interesse como "um motor da vontade enquanto adquire representa­

ção mediante a razão" (Crítica da mzÜo pura, p. 80).

41

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11I1<MENrUTICA lUldl )ICA CLÁSSICA

Interessante é o exemplo dado por Siches da estação ferroviá­

ria onde havia o aviso: É proibida a entrada de cães, Chega um

homem com um urso e insiste em entrar, alegando que a proibição serefere à entrada de cães, muito embora a entrada com um urso fosse

mais inaceitável ainda. Chegando, depois, um mutilado de guerra,cego, conduzido por um cãozinho, seu guia fiel, poderia ele ou nãoentrar com o cão?

Pela interpretação literal e pela lógica formal-dedutiva, o ho­

mem com o urso entra e o cego com o cãozinho, não. Pela lógica dorazoável (teleológica) aconteceria o inverso.

Segundo Recaséns Siches, a norma jurídica é um pedaço da

vida humana objetivada. A vida humana, entretanto, é subjetiva, édinâmica e não estática. Cabe, assim, ao intérprete da norma inseri-Ia

no fluxo da vida, na subjetivação, ao aplicá-Ia. Desse modo, não se

aplicaria ao Direito a lógica físico-matemática, mas sim a razão vital, arazão da vida.

Os fins sociais como topos (lugar comum) interpretativo e a

interpretação teleológica estão prescritos no ordenamento jurídico bra­

sileiro por intermédio do art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil.

3.7 Interpretação sociológica

A interpretação sociológica possui três objetivos: a) eficacial;b) atualizador e c) transformador.

Por intermédio do seu primeiro objetivo, a interpretação socio­

lógica confere aplicabilidade à norma em relação aos fatos sociais porela previstos, dando-lhe eficácia.

Foi por não se atentar para a interpretação sociológica, no seu

objetivo eficacial, que prevaleceu no Supremo Tribunal Federal

(STF) o entendimento de que, mediante o mandado de injunção, aparte, impedida de fruir o seu direito fundamental pela ausência de

regulamentação, obteria da jurisdição, por este instituto processual,apenas a decisão que informaria ao Poder Legislativo a sua inércia.

Ora, em razão de já existir a ação de inconstitucionalidade por42

( I A','iIII<Al, A( ) I iA', 1:,1'I (11 " 1)1 IN 111<1'1<1I A(, Al )

omissão para o atingimento de tal fim e, no caso objeto do mandado

de injunção, ter-se um problema concreto carecedor de resposta

satisfatória e imediata, pode-se concluir que o instituto do mandado

de injunção recebeu uma interpretação que o despojou de eficácia.

Melhor interpretação do instituto seria a que prevalece na doutrina de

que, impetrado o mandado de injunção, o Poder Judiciário deveria,

incidentalmente, estabelecer o modo de a pessoa gozar de seu direito

ainda não regulamentado.

O segundo objetivo da interpretação da norma é aquele ligado

à sua atualização. Aqui, teríamos uma interpretação histórico­

evolutiva que dá elasticidade à norma, permitindo que ela abranja

situações novas que não puderam ser previstas pelo Legislador. A

admissão da correção monetária, em tempos de inflação, é fruto de

interpretação atualizadora. Exemplos de situações novas que exigem

esse tipo de interpretação são aquelas ligadas aos problemas suscita­

dos pela biogenética e pela internet.

O terceiro objetivo da interpretação sociológica refere-se às

reformas sociais, à satisfação dos anseios de justiça, ao atendimento

das exigências do bem comum, conforme preconizado no art. 5° da

Lei de Introdução ao Código Civil.

A adoção da interpretação sociológica abre o ordenamento

jurídico para a realidade social, inviabilizando qualquer teoria

autopoiética do Direito. Segundo os defensores da autopoiese do

Direito, o sistema jurídico é autônomo em relação ao sistema social,

muito embora tenha a sociedade como ambiente do qual retira mate­

rial para ser recodificado, sendo auto-referencial, ou seja, justificador

de si mesmo e dotado de categorias próprias.Eduardo J. Couture afirma:

"O direito é completo, mas não impenetrável. Muitos de seus

elementos são, por assim dizer, abertos à vida. O direito, já sedisse, está submetido a um constante intercâmbio com a vida.

Os conceitos jurídicos mais importantes constituem referências

vitais e não estritamente jurídicas: o costume, a ordem pública,

43

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HU~MENtunC:A JURíDICA ClÁSSICA

a boa-fé, o prudente arbítrio dos juízes, a diligência de um bomchefe de família.

Essa espécie de abertura vital repele a qualificação de impene­trável que se quis dar ao direito. Mas acentua, em troca, seucaráter integral."16

Algumas regras jurisprudenciais de hermenêutica têm funda­mento na interpretação sociológica, como as duas que se seguem:

- "Deve-se atentar para o que ordinariamente acontece nomeio social."

- "Não se deve sacrificar o social ao lógico."

Grande número de regras de hermenêutica contratual são cria­das jurisprudencialmente e têm ênfase sociológica. Basta citar aquelasque se referem ao contrato de adesão.

O contrato de adesão, como lhe chamou Saleilles, diferente­

mente do paritário, não supõe a fase inicial de elaboração da avençana qual as partes discutem as cláusulas em pé de igualdade já quetodas as cláusulas são previamente estipuladas por uma delas. Avontade da outra parte se manifesta pela sua simples anuência. Ocontrato de adesão ocorre nas circunstâncias em que a necessidadede contratar é de todos ou de um número considerável de pessoas; ocontratante mais forte desfruta de certo monopólio de direito ou defato em face da multiplicidade de situações uniformes.

Para Ripert, o contrato de adesão não gera injustiças, poisgeralmente conta-se com uma aprovação administrativa que nãodeixa vingar cláusulas abusivas. Essa, entretanto, não é a opinião deSaleilles e de grande parte dos doutrinadores, os quais vêem nocontrato de adesão uma oportunidade para a exploração de umaparte pela outra. Para esses, além dos limites impostos pela legislação

16 COUTORE, Eduardo J. Interpretação das leis processuais. p. 32.

44

_____~_L~>~~~~(,i\~~~-'yl( -IIS 1)[ IN rLl{I_~L~0~_i\(l.

ao contrato de adesão e do controle administrativo, a jurisprudênciadevia seguir certas regras de hermenêuticas de índole sociológica nasua interpretação:

"_ na dúvida o contrato deve ser interpretado contra quem o

redigiu;_ deve-se distinguir entre as cláusulas principais e acessórias,entendendo-se que estas não têm a mesma força vinculante

daquelas, pois decerto chamaram menos a atenção do contra-tante;_ as cláusulas impressa, por isso que chamam menos a atenção,devem ser preferidas às manuscritas, pois estas revelam o

propósito de revogar as primeiras. Aliás, escritores há quesugerem sejam tais condições desprezadas, solução que nãopode ser acolhida, dado o seu exagero."I?

O Código do Consumidor traz normas de proteção ao consu­midor no contrato de adesão (art. 54 da Lei n. 8.078/ 90).

A lei de arbitragem (Lei n. 9.307/96), no § 2° do art. 3°,

estabelece:

"Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá

eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragemou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que

por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assina­tura ou visto especialmente para essa cláusula."

Versando ainda o assunto da interpretação dos contratos,

observa-se que os três princípios básicos do entendimento dos negó­

cios jurídicos são: o princípio da boa-fé, o princípio da conservaçãodo contrato e o princípio da extrema ratio (menor peso e equilíbrio

das prestações).

17 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p. 45.

45

Page 11: Especies de Interpretacao-0001

IILRMENC:UTICA JURíDICA CLÁSSICA

A chamada interpretação econômica do Direito Tributário,concebida pelo alemão Enno Becker e defendida por A. Hensel, Lion

e, especialmente, por Othmar Buhler é, na verdade, um tipo de

interpretação sociológica conjugada com elementos teleológicos.José Eduardo Monteiro de Barros leciona:

"Que é interpretação econômica? Quais os fundamentos dessa

corrente? A interpretação econômica nada mais é do que,como regra predominante, prevalente, a teoria de que o direito

tributário deve dar valor à realidade econômica subjacente em

todas as relações jurídicas. Em outras palavras: significa aten­der ao conteúdo econômico das relações jurídicas, com des­

prezo das suas formas legais. Essa é a idéia central, que moveu

Enno Becker no estabelecimento dessa teoria a respeito dainterpretação econômica. É apenas a busca de mais uma reali­

dade - a realidade econômica subjacente - , com total desprezo

das formas adotadas em direito privado, mas isso como regrapredominante, como regra geral, como princípio prevalente.A interpretação econômica é plenamente aceitável, mas nãocomo princípio prevalente, não com exclusividade ...

Ao direito privado interessa o princípio da autonomia das

vontades e ao direito tributário (como direito público) interessa

o objetivo visado pelas partes, pelos interessados, e prevaleceo interesse público. Isso significa que (embora não de maneira

absoluta, total) ele abstrai a forma dos atos, para se preocupar

apenas com a sua substância. Adquire relevância especial asubstância dos atos, muito mais do que sua prórpia forma. Emoutras palavras: tem em mira mais a realidade econômica

subjacente nas relações jurídicas, do que a forma léxica, verbal

de explicitação ou exteriorização dos negócios, dos atos jurídi­cos, das transações."18

18 InterpretaçÜo no direito tributário, p. 174- I 75.

46

li ASSIIIlA<. ..AU I )AS LSI'I'ULS DE INTERI'I\ETAÇÃO

4 ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO QUANTO AOS EFEITOS

Quanto aos efeitos, a interpretação pode ser declarativa,extensiva, restritiva, modificativa e ab-rogante. Se o critério fosse

apenas o da extensão, teríamos tão-somente as três primeiras.

4.1 Interpretação declarativa

A interpretação declarativa é aquela na qual há uma identifica­

ção entre o espírito da lei e a letra da lei. O sentido gramatical primárioda lei coincide com o sentido condicionado por outros fatores. O

intérprete, mediante a utilização de outras técnicas, não chegaria aoutra conclusão diferente daquela a que seria levado, caso utilizasse

tão-somente a técnica gramatical. Do ponto de vista subjetivista,

poder-se-ia afirmar que o Legislador prescreveu textualmente, comexatidão, aquilo que tencionava.

4.2 Interpretação extensiva

A interpretação extensiva ocorre quando o espírito da lei é mais

amplo que a letra da lei. O Legislador disse textualmente, em palavras,menos do que pretendia. Por meio de outras técnicas interpretativas

diferentes da gramatical, obtém-se um resultado mais amplo do que

aquele a que se chega pela utilização única da interpretação gramati­

cal. O intérprete terá, então, de ampliar o sentido da norma.Em face de, na transação, haver concessão de direitos, não se

admite a interpretação extensiva:

"Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela

não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direi­

tos" (Código Civil).

Vale observar que a interpretação restritiva do art. 843 do

Código Civil, é, na verdade, a declarativa.

47

Page 12: Especies de Interpretacao-0001

HERMENÊUTICA JURíDICA CLÁSSICA(I i\SSII ) I li\S I SI'I (IIS I li IN I 11,1'1,1

Por razão semelhante, prescreve ainda o Código Civil:

"Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia inter­pretam-se estritamente."

Os contratos benéficos são aqueles nos quais uma das partesproporciona à outra uma vantagem puramente gratuita. Uma das

partes promete e a outra aceita. O exemplo típico é a doação semencargo.

Assim como a fiança não se presume, também ela não admiteinterpretação extensiva:

"Art.819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpre­tação extensiva." (Código Civil)

Consideremos os seguintes exemplos de interpretação extensi­

va: Quando a lei diz "filho" querendo significar "descendente" ou,ainda, quando a Lei do Inquilinato dispõe que "o proprietário tem

direito de pedir o prédio para seu uso", conclui-se que também está

incluído o usufrutuário. Há igualmente interpretação extensiva quando

se fala em reparar o "dano", tomado este no sentido abrangente de"perdas e danos".

Já se questionou sobre a não-admissão da interpretação exten­siva no Direito Penal, em face do princípio da anterioridade da lei ou

princípio da reserva legal (nullum crimen nulla poena sine lege)pelo qual não se admite também a analogia no Direito Penal, exceto inbonam partem (em benefício do réu).

Concordamos com Magalhães Noronha quando ele diz que ainterpretação extensiva pode ser admitida no Direito Penal, tendo em

vista que ela não cria novo preceito como a analogia, nem enquadrafatos novos como a interpretação modificativa, mas unicamente corri­

ge um defeito técnico de insuficiência verbal. A interpretação extensi­va é resultado de uma interpretação lógica, pela qual se conclui ser

necessária a ampliação do sentido das palavras por se cohstatar, de

48

forma objetiva, que o Legislador disse em palavras menos do queitencionava.

Aníbal Bruno disse:

"Admite-se a interpretação extensiva, como a restritiva. A

interpretação extensiva é interpretação, não analogia. Aplica-se

também às leis penais, mesmo em sentido estrito, se essa

extensão é que está conforme com a vontade descoberta na lei.

Desse modo, a moderna hermenêutica pôs fim ao antigo princí­

pio de que em relação às normas incriminadoras só é legítima a

interpretação restritiva. "19

Enquanto na interpretação extensiva foram considerados ele­

mentos lógicos, sistemáticos e históricos, na interpretação modificati­

va (atualizadora) são considerados os elementos sociológicos. Na

primeira, leva-se em conta os elementos apriorísticos; na segunda, os

elementos aposteriorísticos.

A interpretação extensiva distingue-se da analogia em razão de

ela ser uma espécie de interpretação e a analogia ser meio de

integração do ordenamento jurídico. A interpretação extensiva parte

de norma existente, enquanto a analogia parte da inexistência denorma. A primeira resolve um problema de insuficiência verbal e a

última, um problema de lacuna do ordenamento jurídico.

A analogia in bonam partem é normalmente aceita. Um exem­

plo refere-se ao acusado que, pilotando motocicleta sem habilitação

legal, sofreu queda e se feriu (art. 32 da LCP, falta de habilitação para

dirigir veículo). O juiz concedeu-lhe perdão judicial em analogia com

os arts. 121, § 5°, e 129, § 8° do Código Penal, uma vez que as

conseqüências da infração atingiram o próprio agente de forma tão

grave que a sanção penal se tornou desnecessária.20

19 Direito penal, t. I. p. 215.20 Ap. 388.459-4. Quinta Câmara. TACrimSP. ReI. Juiz Ercílio Sampaio. RT 599/

352. Contra: RT 639/309.

49

Page 13: Especies de Interpretacao-0001

HERMENÊUTICA JURíDICA CLÁSSICA

De modo semelhante, a interpretação analógica é admitida no

Direito Penal. Em tal operação intelectiva, há uma analogia intralegem, ou seja, dentro da lei. O próprio texto legal indica que o juiz

deve inferir novas situações a partir daquelas enumeradas. Exemplo é

o art. 28, II, do Código Penal, que fala em "álcool ou substância de

efeitos análogos" ou o art. 171 do Código Penal, que fala em "artifí­

cio, ardil ou qualquer outro meio fraudulento".

A interpretação analógica parece com a extensiva por partir de

uma norma, sendo verdadeira interpretação. E assemelha-se à analo­

gia por não ser uma correção de defeito de insuficiência verbal, mas

verdadeiro enquadramento de situações imprevistas.

4.3 Interpretação restritiva

A interpretação restritiva se dá quando a letra da lei é mais

ampla que o espírito da lei, havendo a necessidade de o aplicador do

Direito restringir o alcance das palavras contidas no texto normativo.

Aqui, a interpretação gramatical chega a um resultado mais amplo do

que aquele que provém da utilização de outras técnicas de interpreta­

ção. Do ponto de vista subjetivista, diz-se que o Legislador se

expressou em palavras, dizendo mais do que era sua intenção fazê-Io.

É de se observar que a lei, muitas vezes, faz alusão à interpreta­

ção restritiva, quando deveria ter dito interpretação declarativa, ou,

ainda, para estabelecer a proibição da interpretação extensiva. O

art.1.027 do Código civil, que trata da transação, é um exemplo disso.

Quando se afirma que a interpretação das leis fiscais deveser restritiva, o que se pretende informar é que, havendo dúvida,

deve ser preferida a orientação mais favorável ao erário, Ou seja,

haverá uma tendência para restringir os direitos dos contribuintes

nos limites da lei. Semelhantemente, em contratos gratuitos, preferir­

se-á o entendimento mais favorável ao que unilateralmente se obri­

gou, segundo os termos do art. 114 do Código Civil que estabelece:

" ...Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-seestritamente".

rj ()

CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO

Vejamos, então, exemplos de interpretação restritiva em consi­

deração ao efeito ou resultado. No art. 953 do Código Civil, aexpressão obrigações condicionais deve ser entendida restritiva­

mente, de modo a incluir tão-somente a condição suspensiva, ou seja,excluindo-se a condição resolutiva:

"Art. 332. As obrigações condicionais cumprem-se na data do

implemento da condição, cabendo ao credor a prova de quedeste houve ciência o devedor."

A obrigação sujeita à condição suspensiva é aquela cuja eficá­cia (cumprimento) depende da ocorrência de evento futuro e incerto,

enquanto a obrigação com condição resolutiva é aquela cuja eficácia

cessará seus efeitos (resolução da obrigação) pela ocorrência de umevento futuro e incerto.

No art. 397 do Código Civil, fala-se em obrigação positiva (de

dar ou de fazer) e líquida com o significado mais restrito de obrigaçãolíquida e certa:

"Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líqui­

da, no seu termo constitui de pleno direito em mora odevedor."

Álvaro Villaça Azevedo comentou, na vigência do Códigoanterior, sobre o artigo correspondente ao crime citado:

"O CC, em seu art. 960, 1a parte, refere-se à mora pelo nãocumprimento de obrigação 'positiva e líquida', 'no seu termo'.

A primeira expressão quer significar o débito exato, perfeita­

mente conhecido, 'líquido e celto', como prefere a doutri­na .... "21

21 Teoria gemi das obrigl/(íies. p. 228.

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IIERMINÊUTIc/\ JURíDIU\ CLÁSSICI\ (I I\SSIII( ) I ll\S I SI'I (11 S I 111N III{I'I\I 11\(,i\( )

o Código Penal, no art. 28, I, estabelece que a emoção ou a

paixão não excluem a imputabilidade penal. Aqui, deve ser aplicada a

interpretação restritiva, pois paixão deve ser entendida como paixãonão patológica.

4.4 Interpretação modificativa

A interpretação modificativa pode ser de duas espécies:modificati vo-atualizadora e modificati vo-correti va.

A interpretação modificativo-atualizadora resulta de uma in­

terpretação sociológica ou teleológica. Por uma razão posterior àfeitllfa da norma, o intérprete vê-se na necessidade de atualizar a

norma diante de uma nova realidade. Assim, em razão de novos fatos

que não puderam ser previstos pelo legislador, o intérprete confere à

norma uma ampliação de sentido que possibilita apreendê-Ios. Ou,

ainda, a mudança de uma Constituição determina uma reinterpretação

de todos os institutos à luz do novo Estatuto Maior (valores básicos),

o que pode resultar em redução ou ampliação teleológica, isto é,

termos da l~i podem receber sentido mais amplo ou mais restrito paragarantir a constitucionalidade da lei numa política de economianormativa.

A interpretação modificativo-corretiva quase se confunde com

o segundo exemplo de interpretação modificativo-atualizadora dado

no parágrafo acima. Ocorrerá interpretação corretiva quando duasnormas (regras) estiverem em antinomia (conflito). A fim de evitar a

exclusão de uma e a aplicação da outra pelo juiz, o sentido de uma

das normas é alterado para que as duas normas possam, então,

compatibilizar-se no ordenamento jurídico. A interpretação modifi­cativo-corretiva resulta de uma interpretação sistemática.

4.5 Interpretação ab-rogante

A interpretação ab-rogante ocorre quando há antinomia e re­sulta da interpretação sistemática. Assim, havendo duas normas em

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conflito, interpreta-se uma em detrimento da outra, e, então, uma

norma é aplicada ao caso e a outra, afastada. Isso, entretanto, se dará

apenas no caso em que o conflito se der entre duas normas gerais, damesma hierarquia e da mesma época, ou seja, quando houver insufi­

ciência de critérios para solucionar a antinomia. A situação antinômi­

ca não pode ser sanada pelo critério hierárquico, cronológico ou da

especialidade.Alguns autores falam em interpretação mutuamente ab-rogante.

Essa interpretação se daria quando duas normas antinômicas se exclu­íssem mutuamente, e a mesma conduta por ambas regulamentada

diferentemente cairia no campo da licitude, prevalecendo o princípio

da liberdade. É difícil entender porque esse procedimento pode ser

chamado de interpretação, pois interpretar é fixar o sentido e oalcance de uma norma. No caso, o que ocorreu foi a elisão da norma.

Vale salientar que também é passível de crítica a expressão

interpretação ab-rogante, tendo em vista que somente o Legislador

pode ab-rogar uma lei por meio de outra:

"Art. 2° Não se destinando à vigência temporária, a lei terá

vigor até que outra a modifique ou revogue" (Lei de Introdução

ao Código Civil).

A revogação é o gênero, do qual ab-rogação e derrogação são

espécies. A ab-rogação é a revogação total de uma lei pela outra,

enquanto a derrogação é a revogação parcial. O fato de se falar em

interpretação ab-rogante mostra, assim, que não é possível, pela

interpretação, aplicar parte de uma norma e parte de outra, quando asduas estiverem em conflito.

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