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SIRR09 – Seminário Internacional de Reforço e Reabilitação – Ligações Estruturais 1 ESPECIFICIDADES E RISCOS DAS LIGAÇÕES EM ESTRUTURAS DE MADEIRA J. AMORIM FARIA Prof. Auxiliar DEC/FEUP Porto - Portugal SUMÁRIO Neste artigo apresentam-se de forma sintética os principais tipos de ligações usados em estruturas de madeira com um especial destaque para as ligações com conectores metálicos e a verificação de ligações tradicionais por contacto ou entalhe entre as peças. O objectivo último do artigo é o de apresentar e discutir as principais questões que deverão obrigatoriamente ser analisadas e resolvidas quando se projectam ligações de estruturas de madeira. Essa listagem sintética de questões é finalmente complementada com uma reflexão sobre os principais riscos e limitações das estruturas de madeira que resultam de potenciais problemas de concepção ou desempenho em serviço das ligações. Ao nível do âmbito faz-se apenas um referência genérica às ligações coladas não se desenvolvendo muito o tema por ser complexo e não ser também objecto de tratamento regulamentar ou normativo ao nível das estruturas de madeira. Este documento tem um carácter descritivo não se apresentando exemplos de casos concretos de cálculo. Incluem-se, no entanto, alguns desenhos e esquemas representativos de soluções de possível concepção a usar em problemas concretos, aplicáveis nomeadamente em asnas e nós de pórticos. 1. INTRODUÇÃO A madeira é um material de origem natural e por esse motivo possui especificidades próprias que implicam que os problemas que ocorrem nas soluções estruturais à base deste material

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SIRR09 – Seminário Internacional de Reforço e Reabilitação – Ligações Estruturais 1

ESPECIFICIDADES E RISCOS DAS LIGAÇÕES EM ESTRUTURAS DE MADEIRA

J. AMORIM FARIA Prof. Auxiliar DEC/FEUP

Porto - Portugal

SUMÁRIO

Neste artigo apresentam-se de forma sintética os principais tipos de ligações usados em estruturas de madeira com um especial destaque para as ligações com conectores metálicos e a verificação de ligações tradicionais por contacto ou entalhe entre as peças.

O objectivo último do artigo é o de apresentar e discutir as principais questões que deverão obrigatoriamente ser analisadas e resolvidas quando se projectam ligações de estruturas de madeira. Essa listagem sintética de questões é finalmente complementada com uma reflexão sobre os principais riscos e limitações das estruturas de madeira que resultam de potenciais problemas de concepção ou desempenho em serviço das ligações. Ao nível do âmbito faz-se apenas um referência genérica às ligações coladas não se desenvolvendo muito o tema por ser complexo e não ser também objecto de tratamento regulamentar ou normativo ao nível das estruturas de madeira. Este documento tem um carácter descritivo não se apresentando exemplos de casos concretos de cálculo. Incluem-se, no entanto, alguns desenhos e esquemas representativos de soluções de possível concepção a usar em problemas concretos, aplicáveis nomeadamente em asnas e nós de pórticos. 1. INTRODUÇÃO A madeira é um material de origem natural e por esse motivo possui especificidades próprias que implicam que os problemas que ocorrem nas soluções estruturais à base deste material

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sejam bastante diferentes dos que ocorrem em outros materiais estruturais como o aço e o betão armado e que genericamente se podem associar ao facto do material ter origem orgânica e não mineral. A madeira constitui igualmente um dos materiais estruturais mais antigos em conjunto com a pedra e a terra. No artigo [1] o autor sublinha que calcular estruturas de madeira é fácil. Esse documento apresenta os principais passos a seguir num processo de cálculo de uma estrutura de madeira ou derivados, nova ou na reabilitação de estruturas existentes. De facto, o projecto de estruturas de madeira tem muitas semelhanças com o projecto de estruturas metálicas embora envolva muito maiores dificuldades no capítulo de ligações. Este artigo pretende assim alertar os projectistas para esta questão. Assim, resulta daí que a maior parte das patologias específicas de estruturas de madeira, e não directamente relacionadas com as anomalias dos materiais constituintes, resulta de ligações defeituosas causadas por má concepção em termos de conceito, insuficiente dimensionamento, erros grosseiros de execução e finalmente de deficiente manutenção dos materiais e componentes usados. É assim importante sensibilizar os projectistas para esta temática e salientar de forma bem vincada a importância que a mesma assume no adequado desempenho de uma estrutura de madeira nova ou resultante de um processo de restauro ou reabilitação. 2. TIPOS DE LIGAÇÕES 2.1 Introdução As ligações em estruturas de madeira são de diversos tipos e podem genericamente ser divididas nos três grandes grupos seguintes: - ligações tradicionais por entalhe na madeira; - ligações por conectores metálicos; - ligações coladas. Em relação às ligações por conectores metálicos é ainda corrente dividi-las em ligações usando ligadores correntes do tipo cavilha (pregos, agrafos, parafusos de porca, parafusos de enroscar e cavilhas propriamente ditas , fasteners na designação inglesa) e em ligadores especiais do tipo anel ou placa denteada, connectors na designação inglesa. As ligações tradicionais aplicam-se exclusivamente na transmissão de esforços de compressão e incluem as ligações por contacto e as ligações por entalhe simples, duplo e recuado. Não se analisam neste documento as ligações complexas por samblagem por serem relativamente pouco usadas em estruturas de madeira em Portugal. 2.2 Principais ligadores metálicos Apresentam-se neste ponto as principais características dos ligadores metálicos mais correntes.

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A Figura 1 apresenta imagens de ligadores tradicionais do tipo cavilha.

Figura 1: Exemplos de conectores metálicos do tipo cavilha

A figura 2 apresenta imagens de ligadores metálicos do tipo anel ou placa denteada.

Figura 2: Exemplos de conectores metálicos especiais

As principais normas europeias que estabelecem propriedades e exigências para os ligadores metálicos referidos são as seguintes: - EN14592 - Timber structures-Fasteners-Requirements:2006; - EN14545- Timber structures - Connectors-Requirements:2006; - EN912 - Timber fasteners - Specifications for connectors for timber:1999. Para além destas normas existem diversas normas de ensaio que definem metodologias para avaliar em laboratório a resistência mecânica de ligações de diversos tipos e de que se destacam a EN1075, a EN1380, a EN1381, a EN26891 e a EN28970 1. As cavilhas e os parafusos de porca são a opção habitual para elementos de grandes dimensões, nos quais está em jogo a transmissão de esforços elevados. Os parafusos de enroscar são utilizados, em geral, em elementos não estruturais ou em elementos estruturais secundários.

1 Para títulos das normas ver EC5, Parte 1.1 – páginas 11 a 13 na versão em inglês.

Parafuso enroscar Parafuso de

porca

Cavilhas

Placas denteadas Chapas metálicas denteadas Anéis

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Para além dos tipos referidos existem ainda disponíveis no mercado sistemas de ligação especiais e integrados dos quais os mais correntes são os que se destinam a concretizar ligações de momento em pórticos estruturais (ver figura 7), bem como ligadores prefabricados comercializados sobre a forma de catálogo como os da empresa norte-americana Simpson Strong-Tie, um dos maiores fabricantes mundiais deste tipo de produto, ou da empresa francesa AGINCO. Versões actualizadas de catálogos destes fabricantes podem ser facilmente obtidos em sites associados a estas empresas. 2.3 Ligações tradicionais por entalhe na madeira 2.3.1 Ligações tradicionais por contacto As ligações tradicionais mais comuns são as ligações por contacto. As ligações por contacto permitem apenas a transmissão de esforços por compressão. A verificação da segurança deste tipo de ligações consiste em limitar as tensões de compressão nas superfícies de contacto. O EC5, parte 1.1 [2], apresenta fórmulas para verificação das 3 situações possíveis: compressão paralela ao fio; compressão perpendicular ao fio; compressão oblíqua em relação ao fio da madeira. No caso do apoio da madeira ser materializado por um material mais rígido (aço ou betão) haverá em geral apenas que verificar a hipótese de esmagamento das fibras de madeira no ponto de contacto (resolúvel aumentando a área de contacto) e controlar o valor da deformação na zona do esmagamento. No caso de contacto madeira-madeira não ocorrerá em geral coincidência entre as direcções das fibras das duas peças em contacto. É assim possível a ocorrência de penetração das fibras entre as duas peças em contacto e consequentemente a redução da capacidade resistente. Esta redução é máxima no caso de as duas peças estarem de topo. O EC5 não refere esta redução de resistência nem define valores para a redução de resistência correspondente. Esta redução de resistência implica que, na verificação da resistência aos estados limite últimos, se usem valores de resistência inferiores aos valores de cálculo da resistência à compressão. A Norma suíça SIA265 [3] apresenta uma proposta de redução para esta situação. Esta norma suíça refere-se ao código suíço para cálculo de estruturas de madeira que incorpora o antigo código de 1981 (SIA164) e o EC5. De referir ainda a existência de outras normas relacionadas tais como a norma SIA 265/1:2003 e a norma SIA 118/265:2004. Estas normas constituem um exemplo do que se está a passar em toda a Europa onde os diversos países estão a publicar normas nacionais incorporando os códigos antigos e as disposições mais significativas do EC5 suportadas por investigação mais credível. As disposições técnicas desses códigos nem sempre são coincidentes com o EC5 e incluem, por vezes, muita outra informação julgada relevante. 2.3.2 Ligações tradicionais por entalhe As ligações tradicionais por entalhe incluem os seguintes tipos de entalhes (figura 3):

- entalhe simples; - entalhe recuado; - entalhe duplo.

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a) entalhe simples – risco de mau ajustamento com a linha pode implicar alterações de valor e direcção na acção perpendicular ao fio na linha b) entalhe recuado – face paralela ao fio da perna deve ficar desligada da linha entre um e dois milímetros para evitar fenda de tracção na perna c) entalhe duplo – situação ideal de ligação e que minimiza os problemas e o ângulo da força N com o fio da madeira

Figura 3: Ligações tradicionais por entalhe

O livro [4] apresenta exemplos de cálculo e formulário simplificado de verificação deste tipo de ligações. A código suíço [3] apresenta também um formulário mais completo e que trata as 3 situações de entalhe de forma separada. 2.4 Ligações coladas A utilização de cola em ligações de peças de madeira não é um assunto que o autor deste artigo conheça com suficiente profundidade para poder ser referido de forma desenvolvida. As considerações que se seguem baseiam-se essencialmente na consulta da referência [5], sobretudo na sua lição A12, da responsabilidade do investigador norueguês E. Raknes. O princípio fundamental das colas estruturais consiste em preencher os vazios nas superfícies de contacto entre as duas peças a ligar e gerar forças de colagem para cada uma das peças que tenham uma resistência igual ao superior às forças geradas no interior das peças ligadas por efeito das acções sobre elas actuantes. Em usos estruturais, apenas as colas que respeitam a norma EN301 podem ser usadas. As colas mais representativas que respeitam esta norma incluem as colas epoxídicas, as colas de poliuretano de um e dois componentes e as colas à base de polímeros de isocianeto. Em termos do processo de colagem este seguirá as seguintes fases: - colocar os elementos de madeira em condições de teor de água compatíveis com o valor mais frequente da temperatura e humidade absoluta dos locais onde a madeira irá trabalhar;

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- cortar e lixar as superfícies de madeira a ligar imediatamente antes da aplicação da cola; - misturar e aplicar a cola nas duas superfícies a ligar; - pressionar as superfícies a ligar, uma contra a outra, até que a cola adquira resistência suficiente para garantir a ligação sem afectar as peças a ligar; - em alguns casos será necessário aplicar calor durante o processo de colagem para garantir o correcto endurecimento da cola e/ou acelerar a cura; - colocar os elementos colados em condições estabilizadas de temperatura e humidade até que o processo de endurecimento da cola termine. As considerações acima permitem identificar os principais problemas associados às ligações coladas: - será que a colagem tem durabilidade garantida ao longo da vida da estrutura (fluência, perda de resistência, falta de flexibilidade para absorver deformações das peças ligadas, outras)? - quais os limites termo-higrométricos de funcionamento das colas em serviço? Muitas colas plastificam acima de 50ªC mesmo quando protegidas da acção directa das intempéries, perdendo, para temperaturas elevadas em serviço, toda a sua capacidade resistente mesmo após cura; - é possível colar os elementos in situ? Em geral, as exigências de controlo de qualidade dos processos de colagem implicam que os mesmos sejam executados em oficina, sendo assim mais adequados a processos de pré-fabricação. A utilização de ligações coladas é assim mais frequente em utilizações interiores em que o risco de mau funcionamento em serviço é bastante mais reduzido. O recurso a ligações coladas exige um domínio perfeito das características da cola em termos de fabrico, colocação e envelhecimento em serviço, assim como das características próprias da madeira e também do conhecimento rigoroso do modo de funcionamento mecânico da zona de interface da ligação, para as diversas situações de temperatura e humidade (sob a forma de vapor ou água líquida). O domínio conjunto destes três factores aconselha o recurso a ligações coladas apenas por especialistas conhecedores, em simultâneo, de todos eles. 3. PRINCIPAIS FACTORES QUE INFLUENCIAM A RESISTÊNCIA DE UMA

LIGAÇÃO O cálculo das ligações constitui o passo mais complexo do projecto de estruturas de madeira. Este facto resulta, por um lado, do efeito negativo, na resistência mecânica, do desvio ou da interrupção do fio da madeira em ligações estruturais em ângulo como no caso de nós de pórticos e, por outro, do monolitismo dos elementos de madeira, que origina descontinuidades nos pontos de contacto das peças, as quais impedem, salvo nos estados de compressão, a transmissão de forças membro a membro sem interposição de dispositivos de ligação. Esta última limitação é comum às estruturas de aço mas, ao contrário destas que contam com a soldadura como uma técnica consagrada para a obtenção de ligações rígidas, não existe, até à data, um processo de colagem de elementos de madeira que ofereça garantias de fiabilidade e durabilidade adequadas a aplicações estruturais.

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Os principais tipos de ligações usados em estruturas de madeira recorrem, como vimos, a conectores metálicos. O EC5 apresenta essencialmente regras concretas para a verificação da segurança deste tipo de ligações e, por esse motivo, são elas que são referidas em maior detalhe neste artigo. O EC5 não apresenta regras concretas para a verificação de ligações tradicionais por contacto ou entalhe entre as peças, procedimento que deverá ser realizado usando o formulário geral. Como vimos, existem normas específicas de países com alguma tradição de utilização de estruturas de madeira que apresentam formulários específicos para esse efeito. Importa agora reflectir sobre os parâmetros e propriedades fundamentais da madeira e ligadores metálicos que contribuem para a resistência de uma determinada ligação. Os ligadores do tipo cavilha podem ser inseridos na madeira de forma paralela, oblíqua ou perpendicular ao fio da madeira, sendo este último o caso mais frequente e o mais eficiente, do ponto de vista mecânico. A transmissão de forças é assegurada por pressão entre o ligador e a madeira, na face do furo de inserção. A sua resistência é condicionada pelo esmagamento da madeira na zona de contacto, eventualmente associado à plastificação do ligador, que fica sujeito a esforços de corte e de flexão. As características dos materiais de ligação que mais influenciam a sua resistência são assim o Momento de cedência plástica do ligador (no caso das ligações do tipo cavilha), que depende essencialmente do diâmetro do ligador e da resistência à tracção e do módulo de elasticidade do material constituinte, e a resistência ao esmagamento da madeira ou derivado de madeira das peças a ligar. A muito baixa resistência da madeira no sentido perpendicular ao fio condiciona fortemente a resistência da ligação e constitui o principal factor limitador da capacidade resistente das ligações em estruturas de madeira. Não existe normalização aplicável ao cálculo da capacidade resistente de um ligador metálico (do tipo cavilha ou outro) pelo que, em geral, a capacidade resistente de um ligador se baseia em cada situação concreta em fórmulas empíricas validadas por campanhas experimentais extensas, executadas em Laboratórios de referência. A Teoria de Johansen, apresentada no ponto seguinte, constitui a teoria fundamental universalmente aceite pela comunidade técnica e científica ligada ao projecto de estruturas de madeira. Aplica-se apenas a ligadores do tipo cavilha, com ou sem chapas de reforço da ligação. 4. TEORIA DE JOHANSEN A Teoria de Johansen constitui o modelo formal no qual se baseiam as regras de dimensionamento, preconizadas no EC5-1-1, para ligadores do tipo cavilha (pregos, agrafos, parafusos de enroscar e de porca e cavilhas propriamente ditas), sujeitos ao corte. Basicamente, o método estabelece as equações de equilíbrio limite para ligações madeira-madeira, madeira-derivados de madeira e madeira-aço, no pressuposto do comportamento rígido-plástico do aço dos ligadores e da madeira sujeita a esmagamento por estes. Os dois conceitos fundamentais que determinam os valores da resistência das ligações são assim a resistência ao esmagamento localizado da madeira e o momento plástico do ligador, apresentados genericamente no ponto anterior. Neste ponto apresentam-se os principais aspectos teóricos associados à Teoria de Johansen .

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Os valores obtidos pelas expressões estabelecidas pelo EC5-1-1 correspondem à resistência por plano de corte. No caso de ligadores em corte duplo ou múltiplo devem, por conseguinte, ser multiplicados pelo número de planos de corte, a fim de se obter a resistência total por ligador. Os planos de corte coincidem com as superfícies de contacto das peças unidas pelos ligadores. Estes estão sujeitos, de cada lado desses planos, a pressões de contacto com sentidos opostos, como ilustrado na Figura 4, em que se representam, na imagem da direita as forças actuantes na madeira e na imagem à esquerda as forças actuantes no ligador. As condições de corte simples, duplo ou múltiplo referem-se ao ligador e têm a ver com o número de planos de corte intersectados por este.

Figura 4: Forças actuantes na madeira e no ligador

numa ligação de corte simples madeira-madeira Dependendo das características mecânicas e geométricas dos elementos intervenientes na ligação, o mecanismo de rotura pode assumir formas distintas. Estas são designadas por modos de rotura e implicam sempre o esmagamento localizado da madeira, combinado ou não com a formação de rótulas plásticas no ligador. A figura 5 apresenta os modos de rotura identificados no EC5 para ligações madeira - madeira e derivados, sem reforço com chapas de aço. Não sendo apriori conhecido o modo de rotura de uma ligação específica, deverão calcular-se as resistências correspondentes aos vários modos possíveis para esse tipo de ligação, sendo a resistência desta determinada pelo menor dos valores assim obtidos. Para um maior esclarecimento sobre este assunto, ver documentos [2] ou [4]. 5. CÁLCULO DE LIGAÇÕES SEGUNDO O EC5, PARTE 1.1

5.1 Conteúdos principais Apresenta-se neste ponto o Capítulo 8 do EC5, parte 1.1 ou seja descreve-se o capítulo deste regulamento que tem por título “Ligações com conectores metálicos”.

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O EC5 apresenta no referido capítulo regras de cálculo da capacidade resistente de ligações madeira-madeira e madeira-derivados de madeira com ligadores do tipo cavilha, calculadas com base na Teoria de Johansen. Apresenta também fórmulas semelhantes para ligações do mesmo tipo com reforço de chapas de aço. Apresenta disposições construtivas aplicáveis aos diversos ligadores do tipo cavilha tais como pregos (nails em inglês), agrafos (staples em inglês), parafusos de porca (bolts em inglês), cavilhas simples (dowels em inglês) e parafusos de enroscar (screws em inglês). Define regras para projectar a geometria da ligação, incluindo espaçamentos aos bordos livre e carregado e aos topos livre e carregado e das distâncias entre ligadores tanto na direcção do fio como na direcção perpendicular ao fio.

Figura 5: Modos de rotura previstos no EC5 para as ligações madeira-madeira e madeira-derivados de madeira sendo (1) corte simples e (2) corte duplo

Para além dos ligadores do tipo cavilha são também analogamente tratados no EC5 os ligadores seguintes: - placas metálicas denteadas (Punched metal plate fasteners em inglês); - ligadores em anel e em placa circular, tipos A e B respectivamente, conforme definidos nas normas EN912 e EN14545 (Split ring e Shear plate connectors em inglês, respectivamente); - placas denteadas, tipo C de acordo com as referidas normas (Toothed-plate connectors em inglês). O EC5 define fórmulas de cálculo e regras de cálculo da geometria das ligações, de forma análoga aos ligadores do tipo cavilha.

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5.2 Metodologia de cálculo de ligadores do tipo cavilha A metodologia de cálculo de uma ligação deverá seguir o seguinte faseamento (significado dos símbolos conforme EC5):

1) Identificar a classe de serviço e a classe de duração do carregamento, definindo o valor de kmod;

2) Identificar as características da madeira a utilizar (massa volúmica, resistência à tracção, outras relevantes) – normalmente retiradas da EN338 que define os valores de cálculo em função da classe de resistência;

3) Verificar a necessidade de pré-furação; 4) Calcular o momento de cedência plástica do ligador do tipo cavilha; 5) Calcular a resistência ao arrancamento Fax,Rk (para ligadores fixados na perpendicular

ao fio); 6) Calcular a resistência ao esmagamento da madeira fh,k ; 7) Identificar o tipo de corte (simples, duplo ou múltiplo) , com ou sem chapas de aço; 8) Aplicar as fórmulas de Johansen para conectores metálocos do tipo cavilha a

funcionar ao corte ou ao arrancamento (lateralmente ou axialmente); 9) Calcular a força actuante de cálculo, combinando as acções adequadamente; 10) Definir o número de ligadores na direcção do fio, verificando o efeito de rotura por

formação de fenda na direcção do fio – efeito de redução de resistência associado ao funcionamento conjunto de uma linha de ligadores;

11) Verificação da segurança na direcção perpendicular ao fio da madeira (efeito de splitting);

12) Definição da geometria da ligação (espaçamentos na direcção do fio, na direcção perpendicular ao fio e ao bordo e ao topo das peças ligadas);

13) Verificar se a ligação implica uma redução da secção efectiva das peças e, em caso afirmativo, verificar de novo a segurança das peças ligadas considerando a secção útil, ou seja a secção nominal deduzida dos furos causados pelos ligadores;

14) Calcular a deformação da ligação e analisar qualitativamente se deve ou não ser considerada aceitável.

Este longo conjunto de passos de dimensionamento destina-se a ilustrar a complexidade do cálculo de uma ligação de elementos estruturais em madeira. É assim possível perceber de forma ilustrada que esta constitui a maior dificuldade a vencer pelo projectista de estruturas em cada caso concreto. 6. ALGUNS EXEMPLOS DE LIGAÇÕES Neste ponto apresentam-se alguns exemplos de ligações correntes em estruturas de madeira com especial destaque para as ligações resistentes a momentos. Em geral as ligações são concebidas para sistemas estruturais específicos (asnas, pórticos, estruturas espaciais, vigas simplesmente apoiadas, grelhas, etc).

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6.1 Asnas tradicionais A figura 6 apresenta imagens de ligações tradicionais por entalhe numa asna simples. Tradicionalmente estas asnas eram reforçadas nas ligações com barras de aço, designados pés-de-galinha e cuja geometria mais habitual também se ilustra. Estes esquemas foram retirados da publicação [6].

Figura 6: Ligações em asnas tradicionais por entalhe, com reforços com chapas, estribos, parafusos de porca, cabos e outros elementos de aço

6.2 Nós de pórticos A figura 7 apresenta fotografias de ligações típicas de nós de pórticos. Nestas ligações os ligadores (em geral parafusos de porca) dispõe-se normalmente sob a forma circular ou quadrada. Estas imagens foram retirados dos slides de apoio aos cursos de formação sobre o EC5, na sua versão original, baseados na publicação [5].

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As ligações de elementos de madeira usando ligadores do tipo cavilha são, geralmente, consideradas rotuladas, isto é, não resistentes a momentos. A principal razão para tal consiste no facto de a pequena dimensão da zona de ligação apenas acomodar um reduzido braço do binário e em consequência um momento resistente relativamente modesto. Por outro lado, a natureza anisotrópica da madeira dificulta ou limita a continuidade das forças internas, nomeadamente se as peças a unir são orientadas de forma não alinhada, o que é sempre o caso nos pórticos. Assim, a ligação em pórticos apenas pode ser assegurada recorrendo a conectores metálicos, com custos de mão-de-obra e de materiais relativamente importantes. Na ligação de peças de topo para estruturas de grande vão é também necessário transmitir momento, interpondo-se entre as peças uma chapa metálica fixada a cada uma das peças ligadas através de parafusos de porca dispostos em círculo. Esta constitui uma das ligações mais úteis e frequentes em estruturas de madeira do tipo pórtico de grande vão. 7. PRINCIPAIS RISCOS E LIMITAÇÕES DAS LIGAÇÕES EM ESTRUTURAS DE

MADEIRA Como atrás se refere as ligações constituem o aspecto de maior complexidade a resolver quando se projectam estruturas de madeira. Os principais problemas associados às ligações em estruturas de madeira incluem, entre outros, os problemas listados nos parágrafos seguintes. O esmagamento localizado da ligação leva a que ocorram deformações que têm de ser controladas ao nível dos estados limites últimos de utilização. Dado que a experiência construtiva e laboratorial neste domínio é relativamente reduzida, o EC5 não define valores limite para esta verificação devendo ser o projectista que define os valores que considera aceitáveis em cada caso, o que é muitas vezes bastante difícil. O comportamento da ligação é muito influenciado pelo uso. A durabilidade dos materiais constitui um parâmetro fundamental a considerar em ligações, sobretudo para as estruturas exteriores. A capacidade resistente das ligações em madeira é em geral relativamente reduzida o que leva a que as peças ligadas tenham comprimentos limitados, de modo a diminuir dessa forma o valor dos esforços transmitidos. Isso leva a que as estruturas tenham um número muito elevado de nós e de correspondentes sistemas de ligação.

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Figura 7: Ligações diversas transmitindo momento

As questões de transporte e montagem das peças influenciam também de forma considerável a concepção das estruturas, nomeadamente ao nível da definição dos pontos de ligação e da dimensão dos elementos a fabricar em oficina e a montar em obra. As ligações de estruturas de madeira recorrem em geral a ligadores metálicos o que reduz significativamente a resistência ao fogo das estruturas de madeira, obrigando à execução de

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protecção fogo localizada desses elementos sempre que se pretende manter a resistência ao fogo dos elementos principais em madeira ou derivados. Acrescem ainda a todas estas questões mais associadas a ligações, muitas outras de carácter geral tais como a fluência da madeira, a variação dimensional das peças por efeito termo-higrométrico, o efeito das classes de risco a que as estruturas estão sujeitas e a necessidade de projectar procedimentos e soluções construtivas que permitam controlar as patologias associadas aos ataques potenciais de agentes xilófagos, considerando de forma adequada a durabilidade natural das madeiras considerada em função da espécie com que as peças de madeira maciça ou os derivados estruturais são fabricadas. 8. CONCLUSÃO Neste artigo não se aborda directamente o problema do restauro e reabilitação de ligações em madeira por se entender ser ainda incipiente o conhecimento dos engenheiros de estruturas mais activos no mercado sobre as especificidades e riscos das ligações em madeira e ser assim ainda necessário discutir e reflectir sobre aspectos fundamentais de carácter geral. Entendeu-se assim trazer para este Seminário uma reflexão sobre o tema das ligações em madeira em geral, sem entrar no detalhe da sua aplicação em obra nova ou reabilitação. Compreender as ligações em madeira é fundamental para conceber de forma adequada estruturas novas neste material ou escolher o modo mais adequado de as reabilitar. Em geral, as ligações em estruturas de madeira recorrem, tanto em obra nova como em reabilitação, a ligadores metálicos e reforços gerais ou localizados com estruturas completas em aço macio. Essa situação levou a que se tenha feito o enfoque fundamental sobre as ligações com elementos correntes do tipo cavilha em aço macio. Espera-se ter contribuído para sensibilizar os projectistas para os riscos associados a um deficiente ou inexistente dimensionamento das ligações associadas a uma dada estrutura de madeira concreta. Portugal está ainda numa fase incipiente de projecto de estruturas de madeira. É também urgente que comecem a surgir no Mercado agentes fornecedores e construtores, conhecedores dos problemas relacionados com este tipo de estruturas que possam funcionar como consultores de engenheiros e arquitectos nacionais. Está disponível muito material técnico, científico e didáctico sobre este tema. È urgente melhorar a formação dos técnicos, tanto ao nível da pós-graduação como da formação de base.

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REFERÊNCIAS [1] Amorim Faria, J. – Calcular estruturas de madeira é fácil!! Construção Magazine nº 20 –

2º trimestre 2007. Publindústria,Lda, ISSN 1645-1767, pp 8-20. [2] EN 1995-1-1 – Eurocode 5: Design of Timber Structures – Part 1-1: General – Common

rules and rules for buildings, Novembro 2004, CEN, Bruxelas [3] SIA 265 – Construction en bois – norma suíça de cálculo de estruturas de Madeira,

Associação Suíça de Normalização, Zurique, 2003 [4] Negrão, J; Amorim Faria, J. – Projecto de Estruturas de Madeira. Publindústria, Lda.

Porto ISBN 978-972-8953-36-2, 2009, 247 p. [5] STEP1 – Timber Engineering – diversos autores. Centrum Hout – Almere, The

Netherlands – ISBN 90-5645 -001-8, 1995 [6] Pereira da Costa, F. – Enciclopédia Prática de Construção Civil – Caderno 1 – Asnas de

madeira, Portugália editora, 3ªedição, 1955