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RevistaAno III – nº 6 – 2º semestre de 2011
Esperança
Rostos da Migração um sinal dos tempos
Capa: © Arquivo PNSA
REvista EspERança
publicação semestral das irmãs Missionárias de são Carlos Borromeo – scalabrinianas
província nossa senhora aparecidasetembro de 2011
DiretoraIr. Neusa de Fátima Mariano, mscs
Superiora Provincial
Coordenação GeralIr. Sandra Maria Pinheiro, mscsConselheira e Secretária Provincial
Direção de redaçãoIr. Elizangela Chaves Dias, mscs
Ir. Rosa Maria Martins Silva, mscsMarina Ferraz
ColaboradorasAdelaide M. Santana Jacinto
Ir. Inês Facioli, mscsIr. Joana da Silva, mscs
Ir. Lídia Mara Silva de Souza, mscsIr. Luciana Rodrigues da Silva, mscsIr. Luiza de Salles Gonçalves, mscsIr. Maria de Fátima Pereira, mscsIr. Maria do Carmo Gandra, mscsIr. Renilda Teixeira Pereira, mscs
Ir. Sonia Delforno, mscsJenie Patrícia Acosta Pereira
Jornalistas responsáveisIr. Maria Lélis da Silva, mscs
Marina Ferraz
Revisão GeralIr. Sandra Maria Pinheiro, mscs
Marina Ferraz
Diagramação e arteInês Ruivo – HI Design
impressão e acabamentoEdições Loyola
rua 1822, nº 34704216-000, São Paulo, SP
Tel 55 11 3385-8500
tiragem1000 exemplares
ContatoProvíncia Nossa Senhora Aparecida
Praça Nami Jafet, 9604205-050 – IpirangaSão Paulo – SP – Brasil
Tel (11) 2066-2900www.mscs.org.br
e-mail: [email protected]
Sumário
FuNDAMENTAçãoMigrações Contemporâneas – Tendências e desafios ..................................2
Identidade e carisma scalabriniano a partir do testemunho de Madre Assunta ......................................................................................................5
ExPERIêNCIA PASToRALO migrante na educação scalabriniana ...........................................................8
O migrante enfermo ..........................................................................................10
Família migrante ................................................................................................12
O migrante em Jundiaí – Experiência de uma Leiga Missionária Scalabriniana .....................................................................14
Crianças refugiadas ............................................................................................16
Migrante com os migrantes .............................................................................18
O migrante deportado ......................................................................................20
O migrante urbano: Periferia de São Paulo .................................................22
O protagonismo do migrante .........................................................................24
O migrante no corte da cana ...........................................................................26
oBSERvAçõESMetodologia na pastoral com os migrantes ................................................28
Identidade, Espiritualidade e Missionariedade ..........................................29
Incidência missionária na igreja e nas políticas públicas ........................................................................................30
DoCuMENTo FINALConclusões do Seminário .................................................................................32
Temos a alegria de colocar em suas mãos esta edição
especial da Revista Esperança, com o tema: “Rostos da
Migração, um sinal dos tempos”. Chamamos de especial porque, nesse
semestre, deixamos de lado os moldes das edições anteriores – tanto gráficos quanto temá-
ticos – para melhor tratar de assuntos que nos parecem de grande relevância. Os conteúdos
aqui apresentados são frutos das experiências pastorais no campo das migrações partilha-
dos pelas Irmãs, Formandas e Leigos Missionários Scalabrinianos durante o IV Seminário de
Pastoral dos Migrantes – evento promovido pela Província Nossa Senhora Aparecida –, em prepara-
ção ao próximo Seminário da Congregação, a realizar-se de 24 a 29 de novembro de 2011, em Caxias do
Sul/RS, Brasil.
O Seminário foi de grande importância para a caminhada formativa e missionária da Província, sendo
um tempo privilegiado de estudo e aprofundamento sobre o tema das migrações, à luz da espiritualidade
e da práxis missionária das Irmãs Scalabrinianas. À luz do objetivo geral: “aprofundar as diferentes realida
des da migração ‘sinal dos tempos’, para responder com dinamismo e profecia aos desafios do carisma scalabriniano”, as
experiências apresentadas nos ajudaram a trazer presente, sob a luz do carisma, nossa atuação no campo
das migrações. Buscou-se delinear os traços essenciais que caracterizam a ação missionária scalabriniana,
identificando as novas perspectivas e estratégias para uma ação evangelizadora mais eficaz e coordenada na
pastoral das migrações.
Como cristãos, somos convidados a lançar um olhar de fé sobre o fenômeno migratório, certos de que
“as migrações, aproximando os múltiplos componentes da família humana, tendem com efeito à construção de um corpo
social sempre mais amplo e variado, prolongando o encontro de povos e raças que no dom do Espírito, no Pentecostes,
se torna fraternidade eclesial” (EMCC, n. 12). Desde o ponto de vista teológico, as migrações denunciam e
anunciam os novos rumos da história, apontam as desigualdades que levam ao deslocamento constante e
propagam a urgência de mudanças profundas nas relações entre pessoas e países. Como o Papa Bento XVI,
acreditamos que “a realidade das migrações não há de ser vista como um problema mas, sobretudo, como um grande
recurso para o caminho da humanidade” (Ângelus 14/01/2007), pois, os migrantes são verdadeiros portadores
de novos tempos e “construtores ocultos e providenciais da fraternidade universal” (Traditio Scalabriniana, n. 5).
Portanto, os conteúdos trabalhados e produzidos pelo Seminário e aqui sintetizados
preservam a memória do IV Seminário Provincial de Pastoral dos Migrantes, eternizan-
do-o na história. Ao mesmo tempo, demonstram a ação de Deus que se faz presença
no campo das migrações através das Irmãs Missionárias Scalabrinianas a favor dos mi-
grantes e refugiados. Faço votos que, ao lerem estas magníficas páginas, sintam-se mo-
tivados a contribuir a “difundir o apreço pela pessoa do migrante, participando assim do projeto
divino de tal modo que a terra se torne lugar de fraternidade, de partilha e gratuidade, antecipação
daquele banquete do reino, onde ninguém é excluído, e todos são chamados pelo próprio nome”
(Traditio Scalabriniana, n. 4). Boa leitura!
Ir. Neusa de Fátima Mariano, mscsSuperiora Provincial
Caros Leitores
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Tornou-se comum afirmar que
o fenômeno migratório con-
temporâneo é uma realidade
complexa. Tanto devido à diversidade
de processos quanto pela amplitude
das relações e as múltiplas identidades
do povo envolvido. No cotidiano dos
migrantes existem conflitos, aprendi-
zados, descobertas e esperanças.
Analistas são unânimes em afirmar
que a crise econômica, que se estabele-
ceu a partir de 2008, está longe de aca-
bar. De ampla magnitude e duração no
tempo, esta crise trás profundas impli-
cações para os fluxos migratórios.
Nos últimos dois séculos, a migração
intensificou-se, principalmente a partir
da Europa e tendo por destino as Amé-
ricas (Norte e Sul) e a África. No caso
europeu, os imigrantes eram os deslo-
cados pela revolução industrial. Ao ana-
lisar um período mais recente, percebe-
se que o caminho está mais complexo e
com direções diversificadas. A Europa
e países ricos, como os Estados Uni-
dos e Japão, são os lugares para onde
as pessoas mais se dirigem. Entretanto,
se vê um significativo fluxo migratório
regional, como o que ocorre em dire-
ção à África do Sul e sudeste asiático.
Migrações Contemporâneas Tendências e desafios
Hoje, uma em cada seis pessoas é mi-
grante – seja dentro de seu país, seja em
outro. Existem 214 milhões de migran-
tes internacionais e, no mínimo, 740
milhões internos. São várias as razões
que levam uma pessoa a migrar. Entre
elas, está o aumento da desigualdade,
a proliferação de conflitos internos e
guerras, o tráfico de pessoas para fins
de exploração sexual, a busca de me-
lhores condições de vida e as catástro-
fes naturais.
Migrações Mistas
Falar de migrações contemporâne-
as é falar de “Migração Mista”. Este é
um termo usado para descrever o mo-
vimento em que diversas pessoas se
deslocam conjuntamente, motivadas
por diferentes razões ou circunstân-
cias. Na maioria dos casos, a atenção se
volta para os movimentos irregulares –
quando a pessoa não tem documento
ou autorização para entrar no país a
que está se dirigindo.
Um grupo é considerado “migração
mista” quando seus membros foram
obrigados a sair de seu lugar de ori-
gem devido a perseguições, conflitos
ou violações dos direitos humanos;
falta de condição econômica em seu
país, e a busca de melhores condições
de trabalho.
Refazendo rotas
É inegável que se vive uma mudan-
ça de época. Os países e as sociedades
para onde se dirigem os migrantes per-
cebem a crise na perspectiva da neces-
sidade de reforçar fronteiras nacionais
e dificultar a entrada e permanência de
imigrantes e refugiados.
No caso dos Estados Unidos, há uma
luta efetiva em torno de reformulações
da lei nacional e, no âmbito de cada es-
tado, isso tem implicado no recrudes-
cimento das barreiras legais à migra-
ção. Já na Itália, foi aprovado em 2009
o conhecido pacchetto sicurezza, que tor-
na crime a imigração “clandestina” e
prevê pena aos italianos que ofereçam
guarita aos migrantes “clandestinos”.
Na Espanha, foi implantado o SIVE
– Sistema Integral de Vigilância Exte-
rior. Sua principal função é conter a
migração dos pobres do norte da Áfri-
ca. Na França, existe o debate em torno
da expulsão e perda da nacionalidade
de filhos de imigrantes que estejam
envolvidos ou que possam ser julga-
Este foi o tema apresentado por Ir. Rosita Milesi, durante o seminário Os Atuais Rostos da Migração.
O texto seguinte apresenta um resumo de alguns aspectos que foram abordados durante a
Conferência, mostrando os principais rostos do fenômeno das migrações.
FuNdaMeNtação
dos como culpados de participação em
atividades criminosas. O governo da
China se preocupa com os migrantes
africanos.
Muitos migrantes buscam, sem do-
cumentação legal, atravessar a frontei-
ra entre os Estados Unidos e o México
todos os meses – entre eles, diversos
brasileiros. Parte significativa obtém
sucesso, mas não são incomuns os re-
latos de tentativas que resultam em
morte ou deportação.
Neste universo das migrações, vários
são os rostos daqueles que saem de sua
terra em busca de uma nova vida. São
mulheres, crianças, refugiados, mi-
grantes em situações irregulares e mui-
tas outras faces que formam o mundo
migrante.
Migrantes em situação irregular e deportação
Entre as principais razões da mi-
gração irregular está a existência de
restrições legais ao ingresso de imi-
grantes. Muitas vezes, esses imigrantes
são obrigados a viver em condição de
“invisibilidade”, tolerando numerosas
formas de violência.
Com tudo is so, cresce o número de
retornados. O Japão e a União Euro-
peia têm incentivado a volta ao país de
origem, como parte da estratégia para
devolução dos estrangeiros em situa-
ção de vulnerabilidade.
A deportação é um dos momentos
mais dolorosos. Além da perda dos so-
nhos, o migrante passa por situações
de humilhação e desrespeito. No Bra-
sil, não há uma política pública para os
que retornam do exterior. Mas há algu-
mas iniciativas interessantes, como o
Núcleo de Informação e Apoio a Tra-
balhadores Retornados do Exterior
(NIATRE), em São Paulo.
Mulheres Migrantes
Contrariando tendências históricas,
em que tradicionalmente o maior con-
tingente de imigrantes era de homens,
as mulheres já representam 50% do to-
tal de imigrantes. Como origem dessa
mudança está o aumento na demanda
de mão de obra feminina para tarefas
domésticas. Muitas dessas mulheres
são provedoras das famílias e migram
para garantir o sustento de quem fica
no país de partida.
Crianças desacompanhadas
Não existem dados concretos sobre
a quantidade de crianças migrantes
que, por várias razões, acabam sozi-
nhas. São crianças que vêm de zonas
de guerra, situação extrema de pobre-
za, que sofrem maus tratos e, em diver-
sas situações, os pais desapareceram.
Elas compõem o número daqueles que
vivem nas ruas e que podem se tornar
vítimas de atividades criminosas e ex-
ploração infantil.
Refugiados
Muitos migrantes saem de seus paí-
ses para fugir de grupos guerrilheiros,
perseguições e situações de extrema
violência. Buscam refugio em outros
lugares para, assim, tentar recomeçar a
vida em paz.
Na União Europeia, constata-se a
existência de inúmeros “centros” para
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migrantes e refugiados. No Brasil, a
Lei 9474/97 é um instrumento jurídi-
co moderno e em sintonia com o que
de melhor vem sendo feito no campo
da migração forçada. Segundo o CO-
NARE – Comitê Nacional para os Re-
fugiados –, o número de refugiados no
Brasil, em 2010, era de 4359.
O curioso, tendo em vista a atitude
acolhedora do Brasil, é a constatação
de que há uma tendência crescente de
desconfiança para com os solicitantes
de refúgio. Isso se agravou nos últimos
dez anos, em função de atentados ter-
roristas e medidas legais restritivas.
Vítimas do tráfico de pessoas e trabalho escravo
Existem vários relatórios sobre o
tráfico de pessoas, mas é raro possuir
algum número que revele o tamanho e
abrangência deste crime. Dados que se
referem à Europa Ocidental mostram
que a maior parte das pessoas trafica-
das vem de regiões vizinhas, como os
Bálcãs (32%) e a antiga União Soviéti-
ca (19%). A América do Sul aparece em
terceiro lugar, com 13%.
De modo geral, estudos apontam a
Espanha como principal destino das
vítimas, seguido por Portugal, Holanda
e Alemanha. A estimativa de mulheres
traficadas na Europa foi levantada pela
ONU com base no número de 7300 ví-
timas detectadas na Europa
Ocidental em 2006.
Deslocados Ambientais
Caminhamos para a
situação de 50 milhões de
migrantes por questões
climáticas, de acordo
com a ONU. A ques-
tão dos deslocados
ambientais é, antes de
tudo, um assunto rela-
tivo aos direitos huma-
nos. Ainda não existe uma convenção
ou outro instrumento de direito inter-
nacional que trate especificamente da
situação dos deslocados por questões
ambientais e do clima.
Rede Solidária para Migrantes e Refugiados
No âmbito da sociedade civil, o Insti-
tuto de Migrações e Direitos Humanos
(IMDH), em parceria com 50 institui-
ções, articula uma Rede Social. A Rede
realiza encontros nacionais com cará-
ter formativo e, ao mesmo tempo, para
a partilha de boas práticas desde o seu
começo. É um momento privilegiado
de aprendizado coletivo.
Muitos são os desafios para melho-
rar a vida daqueles que deixam a terra
natal. No âmbito das políticas públi-
cas, é imprescindível assegurar uma
legislação que favoreça e garanta os
direitos dos migrantes. Também, criar
oportunidades de crescimento e parti-
cipação na vida cidadã, iniciativas para
atendimento e proteção às vítimas do
tráfico de pessoas e o fortalecimento
de parceria junto aos órgãos públicos.
Nas comunidades, é preciso organi-
zar grupos de atendimento e acolhida
Marina FerrazJornalista
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aos que chegam. Promover e cultivar
a sensibilidade e compreensão ante as
condições de vulnerabilidade em que se
encontram esses migrantes e refugia-
dos. Os modelos de interação e promo-
ção de iniciativas que favoreçam uma
efetiva integração devem ser aprofun-
dados. Além disso, tem-se a necessida-
de de uma atenção especial às questões
de gênero, tendo em vista a realidade de
que as mulheres são parte significativa
no número de migrantes e, em diversos
casos, sofrem violência e abusos.
A migração é um sinal dos tempos e
que afeta toda a sociedade. É preciso
ter solidariedade, acolhida e abertura
para a construção de um espaço que
não seja disputado a partir do poder
econômico ou local de nascimento.
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Identidade e carisma scalabriniano a partir
do testemunho de Madre Assunta
“A mulher de valor, quem a encontrará?
Ela é muito mais preciosa
do que as jóias” (Pr 31,10)
Para compreender a vivência da
Identidade e do Carisma Sca-
labriniano pelas Irmãs Mis-
sionárias Scalabrinianas, faz-se neces-
sário uma reflexão sobre a experiência
do grupo fundador não apenas na sua
origem, senão também em sua conso-
lidação na história, cuja representante
mais significativa é, sem sombra de dú-
vidas, Madre Assunta Marchetti.
Hoje, a Congregação das Irmãs Mis-
sionárias Scalabrinianas tem 115 anos
de existência, é reconhecida por decre-
to em base à instrução Quod Jam da Sé
Apostólica, de 19 de maio de 1934, pela
inexistência de um decreto formal de
ereção. É um ente jurídico-canônico,
cuja existência pode ser comprovada
pelos documentos eclesiais, principal-
mente pela aprovação de suas Consti-
tuições. Conta, atualmente, com 692
Irmãs professas, presentes em diversas
atividades apostólicas no mundo da
Mobilidade Humana, em 27 países, de
quatro continentes.
Sua existência, também como expe-
riência eclesial, tem origem no Misté-
rio do Pai, do Filho e do Espírito San-
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to, que na sua admirável benignidade
buscou quem Ele quis para dar vida a
esta família religiosa na Igreja. O plano
de Deus só pôde ser realizado porque
existiram pessoas que o intuíram, com-
preenderam e se dispuseram a colabo-
rar na sua obra. Assim, a forma mais
qualificada para reconhecê-la é colher
a própria vivência espiritual das Irmãs,
testemunhada não só na sua origem,
mas de forma continuada até os dias de
hoje. Esta vivência, comprovada pelos
membros que integraram e integram
esta Família Religiosa, é edificada com
suas vidas, ação apostólica e testemu-
nho missionário, na configuração do
Carisma e Espiritualidade, com rosto
próprio.
diferentes circunstâncias nas quais a
vida se encontra imersa.
Carisma
Já o significado de Carisma está rela-
cionado com sua raiz, em língua grega
charis, que significa graça. Era uma pa-
lavra de uso corrente, mas a partir do
seu emprego na Bíblia, por São Paulo
(16 vezes) e uma por Pedro, passou a
ter significado próprio. Passa a ser en-
tendida como o infinito amor de Deus
que, em Jesus Cristo, se derrama de
maneira gratuita sobre a humanidade,
mas de forma personalizada.
O dom gratuito precisa ser acolhido,
mas pode também ser pedido. Convém
lembrar que se diferencia de toda qua-
lidade humana, que é inerente à pró-
pria natureza.
Embora todas as Religiosas sejam
chamadas a seguir Jesus Cristo me-
diante os mesmos Conselhos Evan-
gélicos, para cada Congregação eles
se articulam de diferentes modos. To-
das são chamadas a viver a totalidade
do Mistério de Cristo, mas existe um
caminho original neste Seguimento,
configurando-se a uma determinada
imagem do Mistério de Cristo.
Esta configuração própria advém
daquilo que a teologia da Vida Reli-
giosa Consagrada denomina “Inspi-
ração Fundamental”, que é a intuição
de um modo particular de seguir Jesus
Cristo através de um projeto de vida,
em resposta a um determinado “sinal
dos tempos”, com uma missão eclesial
específica.
Madre Assunta “expressou e transmitiu o carisma não
em obras escritas, nem em grandes manifestações, mas com a
própria existência”.
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Significado de Identidade
Por identidade entendemos o senti-
do de unidade e continuidade interior
que perdura no tempo e nas diferentes
circunstâncias, do jeito de ser, unido
à capacidade de manter solidariedade
com um sistema próprio de valores
(cfr. A. Cencini e A. Manenti, Psicologia e
Formazione – Strutture e dinamismi, Ed.
Dehoniane, Bologna, 1987, p.119).
Os dois elementos importantes que
dão consistência à identidade são: a
continuidade que é resultante do
modo de administrar “o jeito próprio
de ser”, aquilo que se é, na realidade, a
partir do modo de pensar e de agir, e
a solidariedade resultante do modo
de administrar o “eu ideal”, aquilo que
se deseja, ou às vezes até se pensa ser,
o mundo daquilo que é considerado
como “valores” e que dão sentido à
própria vida. Estes elementos dão con-
sistência, ajudam a viver em harmonia
e infundem confiança e esperança
no presente e no futuro.
Identidade é um conceito
dinâmico, que carrega em
si mesmo um elemento de
crise e, como conse-
quência, deve se or -
ganizar continua-
mente. Sua cons-
trução não pode ser
catalogada em um
sistema, porque nela
interferem a ação im-
previsível do Espírito
de Deus e a liberdade
humana, bem como as
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O carisma da Irmã Missionária Scalabriniana
A experiência vivida por Madre As-
sunta e suas companheiras confirma
que, ao suscitar a Congregação das
Irmãs Scalabrinianas, o Senhor não as
chamou para refazer o que já estava fei-
to, nem para seguir um caminho já tra-
çado de vida e santidade, mas para que
se sentissem seguras. Foram chamadas
para serem portadoras de um Mistério,
que é sempre novo. É preciso descobrir
tudo, enfrentar tudo e imergir-se intei-
ramente nele.
A respeito desta experiência, foi es-
crito que Madre Assunta “expressou e
transmitiu o Carisma não em obras es-
critas, nem em grandes manifestações,
mas com a própria existência. Não o
definiu em conceitos, nem explicou a
teoria de seus componentes dinâmi-
cos. Encarnou-o e testemunhou na
vivência do dia-a-dia, discernindo com
sabedoria divina, nos acontecimentos,
nos fatos, a vontade de Deus a respeito
do Instituto, de sua finalidade, de sua
missão” (cfr. Zélia C. Ornaghi, Madre
Assunta Marchetti, Vivência de um
Carisma, p. 9).
O relato das origens da Con-
gregação evidencia a dimen-
são experiencial-pessoal da fé
que nasce e se desenvolve por
iniciativa do Espírito de Deus,
através das mediações históricas,
e que foi dando àquele pequeno
grupo de Irmãs a consciência
de que Deus queria a exis-
tência de uma nova forma
de Comunidade Religio-
sa, na Igreja. Foi a par-
tir deste chamado e da
resposta dada por elas
que foi acontecendo em
suas vidas a configura-
ção com Jesus Cristo.
Esta configuração não é cópia ou
imitação de seus gestos, repetição de
suas palavras, mas permite uma verda-
deira, amadurecida e profunda relação
de amor interpessoal com Ele. Relação
que move a pessoa a assumir suas res-
ponsabilidades e compromissos sociais
e pastorais, capacitando-a a dar teste-
munho cristão e missionário.
Madre Assunta é o protótipo desta
configuração, como podemos resgatar
do que já se escreveu a seu respeito: é
uma mulher “forte, santa, exemplar,
modelo de missionária para o nosso
tempo e para todos os tempos” (Ma
rissônia Daltoé, in La Serva di Dio Assun
ta Marchetti cittadina di Camaiore, p. 14).
Brilha, sobretudo, pela sua “humilda-
de, caridade para com os pobres e ne-
cessitados do mundo das Migrações,
pelo seu incondicional e constante
abandono à vontade de Deus, buscada
por ela em cada acontecimento e cir-
cunstância” (Ibid).
Nela, sobressai “sua consistência in-
terior e fortaleza que, nada subtraindo
às suas qualidades, conseguiu fundir-
Ir. Sonia delforno, mscsDoutora em Teologia Espiritual.
Diretora do Centro de Espiritualidade Scalabriniana
da Província Nossa Senhora Aparecida, Jundiaí/SP.
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se com a doçura, tornando-a uma pes-
soa extraordinariamente equilibrada”
(Ibidem).
Releva ainda que “ela sempre foi ex-
pressão viva do carisma scalabriniano
e continua sendo ainda hoje presença
inspiradora de fidelidade à missão que
o Senhor nos confiou através do ‘servi-
ço evangélico e missionário aos migran-
tes mais pobres’. Ela é o fundamento, a
coluna sólida da Congregação das Ir-
mãs Missionárias Scalabrinianas. Pelo
seu humilde, incessante, incondicional
serviço aos migrantes, aos pobres, aos
órfãos, aos doentes, é considerada,
hoje, por nós, como mensagem es-
pecial de sabedoria, de bondade
autêntica e evangélica!” (Ibidem,
p. 15).
O migrante na educação scalabriniana
exPerIêNcIa PaStoral
O presente relato descreve
uma parte significativa da
experiência apostólica mis-
sionária na área da educação na Pro-
víncia Nossa Senhora Aparecida, mais
precisamente na Escola São Carlos
Borromeo, em Curitiba/PR.
A escola de Curitiba é a “filha caçula”
dentre as demais mantidas pela Pro-
víncia Nossa Senhora Aparecida. Ini-
ciou as atividades educativas no ano
de 1995. Está localizada no Jardim das
Américas, um bairro de classe média
alta. A Escola São Carlos Borromeo é a
única particular do bair-
ro e além dela, existe
apenas mais uma es-
cola, esta estadual.
Curitiba é uma cidade que cresce e
se desenvolve de maneira acentuada.
Tem, portanto, os problemas inerentes
das grandes metrópoles brasileiras: fal-
ta de planejamento urbano, compro-
metendo transporte e habitação, saúde
e educação em alguns casos precários,
criminalidade em alta, falta de mão de
obra, entre outros.
A partir do planejamento estratégico
da Rede ESI, a nossa missão na Esco-
la São Carlos Borromeo consiste em
“promover uma educação de excelên-
cia na sua diversidade, formando pes-
soas comprometidas com a cidadania
universal, fundamentada nos valores
cristãos scalabrinianos”. E tem como
visão ser referencia em educação e na
acolhida personalizada.
Tendo em vista esta proposta, a Es-
cola São Carlos Borromeo procura ser
no cotidiano um espaço para o exercí-
cio da acolhida e da compaixão – valo-
res evangélicos que solidificam o fazer
pastoral da missionária scalabri-
niana e garante a eficácia do
carisma. Neste sentido, a
escola scalabriniana tem
como diferencial um modo
peculiar de inserir em seu
meio os alunos e as famílias de
diferentes etnias e culturas, que
constantemente chegam à ci-
dade de Curitiba, de modo
a ajudá-los a se sentirem
na própria casa. Isto é,
amados, respeitados,
acolhidos, livres para
se expressar, na se-
gurança de serem
bem-aceitos. Por
isso, a Escola
São Carlos Bor-
romeo não hesi-
tou em acolher
crianças oriun-
das da França,
da Argentina, do
México e do Japão,
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assim como aquelas que vieram de es-
colas vizinhas. Muitas delas passam
por fases de difícil adaptação e necessi-
tam de uma atenção especial.
Aqui, devido ao nosso jeito scalabri-
niano de fazer educação, elas têm o
direito de se sentirem em sua própria
casa ou pátria. Para nós, as diferenças,
além das suas riquezas, nos possibili-
tam testemunhar à sociedade como um
todo que outro mundo é possível, um
mundo onde todos podem sentir-se
em casa e, por isso, irmãos uns dos ou-
tros. Nossos professores são formados
e orientados a vivenciarem e acompa-
nharem junto às turmas, a integração
destes novos alunos, a fim de processar
de maneira mais efetiva o sentir-se par-
te integrante do grupo.
A formação humana destes alunos
constitui uma grande prioridade no
projeto político pedagógico da insti-
tuição, para ajudá-los a internalizar
valores, inclusive os propostos pela es-
piritualidade scalabriniana. O carisma
scalabriniano também alcança visibili-
dade através da própria ação missioná-
ria desenvolvida na comunidade local,
apoiando a catequese paroquial – que
acontece em nosso ambiente escolar
– ou no atendimento aos grupos da
terceira idade que, com prescrição mé-
dica, utilizam a piscina para a hidrogi-
nástica, conquistando assim uma me-
lhor qualidade de vida. Acreditamos
que a participação da comunidade tem
sido importante no estabelecimento
de metas e políticas em nossa proposta
pedagógica e em nosso fazer cotidiano.
Neste sentido, a pastoral scalabriniana
vê no rosto do estrangeiro o rosto do
próprio Deus, que com traços diversos
e belos nos diz quem ele é, e por onde
passa a salvação do ser humano.
A Escola São Carlos Borromeo, ao
longo de seus 16 anos de existência,
tem alcançado resultados que podem
ser considerados surpreendentes. Co-
mo, por exemplo, desde o início de
suas atividades foi referendada pela
comunidade como uma escola de ex-
celentes processos acadêmicos e de for-
mação. Neste ano de 2011, tivemos a
grata satisfação de inaugurarmos um
complexo esportivo e cultural conside-
rado de alto nível em seus quesitos de
qualidade e atenção às regras despor-
tivas. A infraestrutura da Escola apre-
senta espaços exclusivos para Educa-
ção Infantil e espaços alternativos para
aulas especiais.
Desempenhar a nossa atividade
apostólica missionária na área da edu-
cação é prestar um relevante serviço
à sociedade que desejamos construir.
Aquela sonhada por todos os brasi-
leiros e que passa pelo processo de
mudanças comportamentais que só a
educação sistematizada pode oferecer.
Também constitui um privilégio atuar
na área formativa na linha dos valores
cristãos e humanos contribuindo com
a missão da Igreja que é levar todos
para Cristo.
Ir. Maria do carmo GandraPós-graduada em Psicopedagogia.
Diretora da Escola São Carlos Borromeo, Curitiba/PR.
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A escola scalabriniana tem como diferencial, um modo peculiar de inserir em seu meio
os alunos e as famílias de diferentes etnias e
culturas.
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O migrante enfermo
Que sentimentos passariam
pelo coração de uma Mis-
sionária Scalabriniana dian-
te de um doente? Poderia se partir de
um amor histórico entranhado desde o
gênesis de nossa fundação. É notória a
dedicação do então Bispo de Piacenza,
o Beato João Batista Scalabrini, pelos
doentes atingidos pela cólera morbus.
O apreço para com os migrantes, a vi-
são e compaixão de Scalabrini extrava-
sam uma ação simples e local. Por isso,
insistia na necessidade de uma associa-
ção de padroado, que garantisse socor-
ro em casos de acidentes ou doenças
durante a travessia e, com frequência,
recomendava aos sacerdotes que pres-
tassem o conforto de seu ministério a
todos, especialmente, aos migrantes.
Neste sentido, é louvável a obediên-
cia de Marchetti. Ele não media esfor-
ços para ir ao encontro de centenas de
trabalhadores rurais ameaçados pela
febre tifóide, condenados à morte so-
litária, isolados e abandonados nas fa-
zendas de café. Desses, Marchetti, sem
hesitar, ia ao encontro para aliviar-lhes
a dor, socorrendo-lhes com assistência
médica e sacramental.
E quanto às Irmãs? Quanto à neces-
sidade destas, dizia Marchetti: “elas são
necessárias para curar uma ferida nas
migrações, uma ferida que os padres
não podem curar”. Assim, ele imagina-
va as Irmãs como quem cura feridas!
Vemos, então, Madre Assunta, empe-
nhada em acolher e cuidar dos órfãos
e sempre encontrava tempo para aten-
der num ambulatório improvisado.
Filas a espera de um curativo, de uma
injeção. Quantas noites passadas junto
aos doentes, quantas viagens por estra-
das íngremes, a cavalo, para atender a
um enfermo.
A exemplo de seu fundador e cofun-
dadores, as Irmãs Missionárias Sca-
labrinianas, ao longo da história da
Congregação, colaboram no campo da
saúde para melhorar a realidade mi-
gratória na qual estão inseridas. Como
Missionárias Scalabrinianas, procura-
mos, através do carisma, promover e
defender a vida, dando dignidade ao
ser humano desde a concepção até o
seu termo natural.
Na Santa Casa de Misericórdia de
Monte Alto, as atividades iniciaram-se
no ano de 1924, com a chegada da Ma-
dre Assunta Marchetti. Hoje, o hospital
é referência no tratamento da saúde,
na assistência, apoio e incentivo à ama-
mentação. Nos dez anos do Projeto de
Aleitamento Materno, obtivemos uma
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redução de 80% nas internações pedi-
átricas no município. Oferecemos seis
cursos para gestantes, implantamos o
SAE (Sistematização de Assistência de
Enfermagem) e aumentamos o núme-
ro de enfermeiras. Também criamos
um programa de educação permanen-
te para formação dos funcionários.
O Hospital e Maternidade São José,
em Itapuí, existe desde 1955. O objeti-
vo das Irmãs é atender os doentes mais
necessitados, pois, a maior parte da po-
pulação, especialmente os migrantes,
encontra-se inserida dentro do proces-
so de exclusão social.
As duas cidades em que marcamos
presença na área da saúde são de eco-
nomia agrária, baseada na produção de
cana-de-açúcar, laranja, cebola e limão,
o que justifica a atração de significativo
número de migrantes para o trabalho
temporário nas respectivas lavouras.
Deste modo, os rostos dos migrantes
que atendemos nos hospitais são ros-
tos pobres, marcados pelo sofrimento,
pela esperança, pela saudade. Queima-
dos pelo sol, cansados, abatidos, devi-
do às longas jornadas de trabalho e ao
excesso de esforço. Apresentam proble-
mas de saúde decorrentes do trabalho,
portanto, grave desidratação, virose e
hipertensão.
Com nossa missão, buscamos aco-
lher, ajudar na interação social e ecle-
sial dos migrantes e reduzir os fatores
psíquico-sociais que influenciam na
precariedade da condição de vida. Para
isso, prestamos assistência à saúde com
qualidade e humanização. Realizamos
visitas domiciliares, intra-hospitalar,
orientamos e atendemos as necessida-
des dos migrantes.
Na cidade de Itapuí, reestruturamos
e articulamos o trabalho sócio-pastoral
no âmbito da Diocese de São Carlos, a
fim de buscar um atendimento eficaz e
incidir na realidade dos migrantes. O
trabalho pastoral envolve a organiza-
ção de reuniões para formação e espiri-
tualidade, festas culturais, celebrações
e confraternização com os migrantes.
Somos presença constante nas reu-
niões e seções da câmara dos verea -
do res e participamos de cursos, semi-
nários e fóruns promovidos por enti-
dades públicas, sociais e eclesiais.
Diante da realidade, temos algumas
perspectivas para melhorar o atendi-
mento aos migrantes da região. Entre
elas, a formação de leigos nos setores
de recepção e laboratório, fortaleci-
mento da Pastoral da Saúde no acom-
panhamento e cuidados aos pacien-
tes, trabalho com Saúde Preventiva e
Comunitária e firmar parcerias com a
Secretaria da Saúde.
O trabalho realizado pelas Irmãs
Missionárias Scalabrinianas nas cida-
des de Monte Alto e Itapuí nos revela
que o rosto dos migrantes se faz pre-
sente em todas as nossas atividades
na área da saúde. A solidariedade
Scalabriniana se manifesta pela
capacidade de ir ao encontro às
necessidades do outro e procu-
rar orientar, ajudar, esclarecer,
confortar e animar, ser presen-
ça no sofrimento e na dor, par-
tilhando a vida com o migrante
doente e debilitado em suas for-
ças físicas.
Ir. luiza de Salles GonçalvesPós-graduada em Administração
Hospitalar. Chefe de enfermagem na Santa Casa de Misericórdia,
Monte Alto/SP.
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Gostaria de retratar a realida-
de das famílias migrantes
com as quais trabalho, es-
pecificamente daquelas dos bairros da
Ponte Pequena e do Brás, em São Pau-
lo. Graças às atividades do CESPROM
São Paulo, tive a oportunidade de co-
nhecer de perto a vida dessas famílias:
suas histórias, seus sonhos, problemas
e conquistas.
Quando chegam à grande cidade, a
primeira dificuldade desses migran-
tes é encontrar moradia. Por falta de
opção e extrema pobreza, acabam indo
para as pensões, lugares muito peque-
nos e sem privacidade. As mulheres
normalmente trabalham no comércio e
a grande maioria dos homens, na cons-
trução civil. Os paraguaios geralmente
se empregam na “Feirinha da Madru-
gada”, como vendedores, aturando
jornadas de trabalho em torno de dez
horas diárias. Os bolivianos costumam
atuar nas fábricas de costura, tam-
bém enfrentando grandes jorna-
das de trabalho e exploração
laboral.
A maioria destas fa-
mílias migrantes se en-
contra desagregada.
Os filhos, muitas
vezes, ficaram nas
regiões de origem
e os pais vieram
em busca de me-
lhores condições
de vida. Para
contornar a si-
tuação, algu-
mas mulhe-
res vivem num constante peregrinar.
Passam alguns meses com os maridos
aqui e outros com os filhos que estão,
normalmente, com os avós nos luga-
res de origem. Acompanhei de perto
o sofrimento de uma mãe que optou
que a filha nascesse em sua terra de
origem. Dois meses após o nascimen-
to da criança retornou a São Paulo.
Passou quatro meses trabalhando e
voltou para ver a filha. O problema é
que a menina não a reconhecia quando
chegou para visitá-la. A filha chorava
insistentemente quando a mãe a pega-
va no colo.
Se há dificuldades no migrar dentro
do próprio país, imaginem quando o
migrante é estrangeiro. Os problemas
são dobrados no caso de famílias do
Paraguai e Bolívia, começando pela lín-
gua – essencial para conseguir um bom
emprego – e pela falta de documentos.
Nossa missão como scala-
brinianas é esclarecer
os direitos e deveres
destes migrantes:
acompanhando-
os aos hospitais,
orientando os
pais como lidar
pa ra a consecução da documentação e
colocação dos filhos em creches e esco-
las. Também, estabelecendo um diálogo
efetivo com as autoridades, para facili-
tar o acesso aos às repartições públicas
e a consecução de documentação.
Outra dificuldade é o fato de estarem
sempre longe dos familiares e a impos-
sibilidade de se reunirem. Instauram-se
novas relações e nascem novos afetos:
esquecem-se do passado e dos próprios
O primeiro passo no acompanhamento
com as famílias migrantes é fazer a
experiência do encontro. Abrir-se para
acolher o novo.
Família migrante
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deveres, que são provados duramente
pela distância e pela solidão. Se não se
garante à família emigrada uma real
possibilidade de inserção e de partici-
pação, é difícil prever o seu desenvolvi-
mento harmonioso.
A pastoral realizada através das visi-
tas domiciliares é o modo mais eficaz
de conhecer de perto as famílias mi-
grantes. É um aprendizado de acolhi-
da, levar um pouco do que sou e rece-
ber em dobro na fé, esperança, esforço
e superação. Para mim, é sempre um
questionamento: como eles conse-
guem lidar com os desafios, medos, an-
gústia de viverem num lugar diferente
e desafiador como São Paulo?
O primeiro passo no acompanha-
mento com as famílias migrantes é fa-
zer a experiência do encontro. Abrir-se
Ir. luciana rodrigues da SilvaLicenciada em Filosofia. Membro
da pastoral dos migrantes. CESPROM – São Paulo/SP.
para acolher esse novo. É nessa dimen-
são que se entra num processo de escu-
ta atenta. Na paróquia Santo Antônio
do Pari, a eucarística semanal celebra-
da em espanhol tem motivado muitos
imigrantes a retornarem à comunida-
de e a se colocarem à disposição para
servir, pois, são os próprios imigrantes
que atuam na liturgia.
Nossa missão visa promover o mi-
grante de forma integral, para que ele
seja capaz de estabelecer relações fra-
ternas e solidárias. Buscamos propor-
cionar ocasiões para sensibilizar a co-
munidade eclesial e a opinião pública
a cerca das necessidades e problemas,
bem como para as potencialidades po-
sitivas das famílias migrantes.
Rogo para que cada um possa ar-
riscar-se a dar as boas-vindas a um es-
trangeiro, a um migrante e descobrir,
para sua infinita surpresa, que Deus
o espera em um lugar para lhe prote-
ger, porque é Ele mesmo que nos diz:
“Eu era peregrino e você me acolheu!”
(Mt 25,35).
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O migrante em JundiaíExperiência de uma Leiga Missionária Scalabriniana
A Igreja sempre contemplou nos
migrantes a imagem de Cris-
to, que disse: “Eu era migrante
e me acolhestes” (Mt 25,35). Nós, cris-
tãos, somos convidados a contemplar
no migrante não só o próximo, mas
o próprio rosto de Cristo, que nasceu
numa manjedoura e fugiu para o Egito
como estrangeiro, assumindo e recapi-
tulando em si essa experiência funda-
mental do povo de Israel.
Como membro do Movimento dos
Leigos Missionários Scalabrinianos
(MLMS), percebo que minha relação
com o migrante começou desde cedo.
Desde criança, tenho um desejo muito
grande de ajudar os mais necessitados.
Ainda sem conhecer o carisma scalabri-
niano, sinto que já era uma scalabrinia-
na. Movida pelo espírito de compaixão,
procurava ir ao encontro das pessoas
para saber de onde vieram, porque
estavam aqui e saber quais eram suas
necessidades. Nesses diálogos, perce-
bia que eram pessoas que sofriam vio-
lências em suas terras de origem, que
lhes faltava o necessário para a sobre-
vivência e, por isso, vinham em busca
de melhores condições de vida. Porém,
ao chegar aqui, se sentiam deslocadas
e exploradas em seus trabalhos. Além
disso, suas crianças, muitas vezes, são
humilhadas nas escolas pelo modo
diferente de falar, os jovens são logo
procurados pelo mundo das drogas e
as garotas levadas à prostituição.
Em minha missão atual, junto aos
migrantes na cidade de Jundiaí/SP,
tenho notado que a maior exploração
acontece na área da construção civil.
A cada dia, chegam ônibus lotados de
homens que vem dos estados de Minas
Gerais, Bahia, Paraná, Pernambuco,
Sergipe e outras regiões. Migram com
promessas de grandes salários e mo-
Testemunho de vida apresentado pela Sra. Adelaide Macedo Santana Jacinto, membro MLMS,
residente em Jundiaí/SP.
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radia digna. Mas que grande decepção
ao chegarem aos alojamentos, onde vi-
vem cerca de 20 pessoas num mesmo
cômodo, com apenas um banheiro, em
camas treliches construídas por eles
próprios, em situações sub-humanas.
Assim como o nosso fundador João
Batista Scalabrini ficou triste e com
o coração amargurado por ver os mi-
grantes italianos partirem sem saber
para onde seriam levados, também
me entristeço muito com a atual situ-
ação do migrante no Brasil. Scalabrini
se perguntava: como ajudá-los? Eu
também me vejo fazendo a mesma
pergunta. Foi essa inquieta-
ção que me levou a en-
trar no Conselho Ges-
tor de Saúde e na
Pastoral da Saúde,
para que eu pu-
desse me envol-
ver mais nas po-
líticas públicas
e tentar ajudar
estas pessoas
de maneira
mais eficaz.
adelaide Macedo Santana JacintoMembro do Movimento dos Leigos Missionários
Scalabrinianos, Jundiaí/SP.
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Movida pelo espírito de compaixão, procurava ir ao
encontro das pessoas... e saber quais eram suas necessidades.
Afinal, é a própria Igreja que nos diz:
o cuidado pastoral dos migrantes, de
fato, comporta acolhida, respeito, tu-
tela, promoção, amor autêntico a cada
pessoa, nas suas expressões religiosas e
culturais.
Mas acima de tudo isso, eu confio em
um Deus libertador, que caminha com
seu povo e que um dia disse: “Eu vi a
miséria do meu povo” (Ex 3,7). Hoje,
o povo ainda sofre violência e humi-
lhação, mas sei que, com a intercessão
de João Batista Scalabrini, Padre José
Marchetti e Madre Assunta, Ele conti-
nua olhando para o seu povo e se com-
padecendo do seu sofrimento.
Através do Movimen-
to dos Leigos Missioná-
rios Scalabrinianos, ao
qual pertenço, encon-
tro iluminação e sus-
tento para que minha
opção de serviço aos
migrantes continue
sendo uma realida-
de no dia a dia.
16 |
A experiência que gostaria de
retratar é a realizada pelas Ir-
mãs Scalabrinianas na cidade
de Ibarra, no Equador. Lá, estamos
em contato com crianças desplazadas e
imigrantes que vivem de maneira vul-
nerável e debilitada. Saíram de seu país
junto com os pais, refugiando-se para
fugir da violência generalizada de gru-
pos subversivos.
A partir do momento em que che-
gam ao Equador, essas meninas e me-
ninos são obrigados a mudarem seus
hábitos de crianças livres, passando a
viver, quase sempre, fechadas em pe-
quenos quartos. São separadas de seus
amigos e vizinhos e ficam sem liberda-
de para brincar e se divertir.
Segundo estudo do ACNUR em
2009, o Equador, depois da Venezuela,
é o principal país que recebe refugiados
provenientes da Colômbia. A Pastoral
de Migração em Ibarra se localiza a
duas horas da fronteira colombiana e,
portanto, atende a grande parte desses
imigrantes. No Centro de Desenvolvi-
mento Infantil Madre Assunta Mar-
chetti, buscamos proporcionar cuida-
do diário aos pequenos de um a cinco
anos, para que tenham um ambiente
adequado para o desenvolvimento, en-
quanto seus pais trabalham, para ga-
rantir a sobrevivência da família.
A Constituição do Equador e o Códi-
go da Infância e Adolescência garantem
o direito à educação de cada criança
que vive em solo equatoriano. Além do
mais, a educação no país é gratuita. As
famílias não têm que pagar matrícula
ou mensalidade e os livros são forneci-
dos pelo governo. Em algumas escolas
da área rural, o governo também se en-
carrega da distribuição de uniformes.
No entanto, isso não impede que
meninos e meninas colombianos se-
jam discriminados nas escolas, tanto
por companheiros quanto por profes-
sores. Seus familiares são muitas vezes
vistos como traficantes, guerrilheiros,
ladrões. Discriminação que impede es-
ses pais de encontrarem um trabalho
digno. As crianças também sofrem com
outros tipos de situações. Como, por
exemplo, quando seus pais trabalham
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Crianças refugiadas
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Ir. Joana da SilvaLicenciada em Pedagogia
Educacional. Coordenadora do Centro Madre Assunta, em Ibarra,
Equador.
As Irmãs Scalabrinianas têm a certeza
de que a força para perseverar na mis-
são vem de Madre Assunta que sempre
sentiu no Sagrado Coração de Jesus a
segurança que necessitava para dizer
sim a Deus, ao cruzar as fronteiras de
sua terra rumo às Américas e acolher as
crianças migrantes.
Sentimo-nos animadas e não deixa-
mos que nenhuma debilidade ou ame-
aças política e econômica reduzam nos-
so desejo de viver o princípio evangélico
que Jesus nos deixou, em Mateus: “eu
era migrante e você me acolheu!”.
como vendedores ambulantes e são
perseguidos pela polícia. Diversas vezes
chegam a perder toda a mercadoria e fi-
cam sem ter como sustentar seus filhos.
A Pastoral do Migrante dirigida pe-
las Irmãs Missionárias Scalabrinianas
sempre demonstrou uma grande preo-
cupação em acolher as crianças filhas
de refugiados e imigrantes colombia-
nos. Para amenizar o sofrimento destes
pequenos, o Centro Desenvolvimento
Infantil oferece mais que abrigo, se
torna um lar onde elas podem crescer
de maneira digna por meio de uma ali-
mentação saudável, com atividades lú-
dicas e educativas em salas de aula com
professores e profissionais aptos a aju-
dá-las na adaptação no novo ambiente. © a
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Migrante com os migrantes
É bom perceber que, apesar de
meus limites e fraquezas, Deus
quer contar comigo na cons-
trução do seu Reino de amor. Ele quis
necessitar de mim para a realização do
seu projeto de vida na missão scalabri-
niana, fazendo-me experimentar o “ser
migrante com os migrantes” e sentir
na pele o que é ter saudade da família e
da própria terra.
Desde 2007, quando tive meu pri-
meiro contato com migrantes retor-
nados dos Estados Unidos para Hon-
duras, venho percebendo que eles são
recebidos com carinho materno pelas
Irmãs e Leigos Missionários Scalabri-
nianos. A partir desse momento, me
senti impactada pela dor expressa em
suas fisionomias e me fiz a mesma per-
gunta de Scalabrini: “E eu, o que posso
fazer por eles?”.
Após o acompanhamento vocacional
e minha decisão de entrar para a Vida
Religiosa Missionária Scalabriniana,
eis o grande momento da primeira
partida: ir à Colômbia e iniciar mi-
nha formação. Foi lá que intensifiquei
meu contato com as consequências da
migração, colaborando no Centro de
Atenção ao Migrante. Nesse trabalho
pastoral confirmei minha vocação e es-
tava ainda mais motivada a prosseguir.
O segundo momento intenso de
meu processo formativo foi à vinda ao
Brasil, para fazer o Noviciado. Muitas
vezes, no cotidiano dos estudos, tra-
balhos e pastoral, fiz a mesma experi-
ência do salmista: “Como cantar um
canto de Javé em terra estrangeira?”
(Sl 137,4). Enfrentei dificuldades com
a aprendizagem do idioma e a convi-
vência com outro grupo cultural, com
suas riquezas e diferenças.
A cidade do Potim, onde vivo atual-
mente, nasceu do desmembramento
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das terras de Guaratinguetá, em local
outrora ocupado por índios tupis-
guaranis. As pessoas são acolhedoras,
porém, marcadas pela discriminação.
A maioria dos migrantes faz parte
das famílias que habitam os blocos
de construções que estão ao lado dos
dois presídios estaduais localizados
no município. São pessoas que se ca-
racterizam pela pobreza, desconfiança
e o medo de identificar-se. Vários des-
ses migrantes pertencem a outras reli-
giões. Mesmo assim, todos são bem
acolhidos pelas Irmãs Missionárias
Scalabrinianas, assim como também
eu fui bem recebida.
Um elemento muito significativo
em meu processo de adaptação no
Brasil foram as pastorais que assumi
na Paróquia Bom Jesus, sobretudo, as
visitas missionárias aos migrantes e a
participação nas semanas missioná-
rias da Província. Na medida em que
fui doando-me, foi despertando em
mim uma grande alegria de contribuir
com a evangelização deste querido
povo brasileiro, que passei a considerar
como minha própria família. Destaco
a experiência de estágio feito na missão
desenvolvida pelas Irmãs Scalabrinia-
nas no Colégio Santa Teresa, em Ituiu-
taba: o contato com os migrantes e a
convivência na comunidade religiosa
foi um apoio fundamental para a mi-
nha caminhada como migrante.
Vivi, ao longo destes dois anos, a
experiência da mistura de idiomas, de
confusão de sentimentos em relação à
minha pátria e à nova comunidade de
inserção. Sou hondurenha, mas algo
dentro de mim me diz que meu cora-
ção está mais aberto e enriquecido com
as novas culturas que fui incorporan-
do no meu modo de ser.
Percebo, hoje, que a inculturação é
um desafio e ao mesmo tempo uma
porta aberta para incorporar em minha
identidade, elementos significativos
do Evangelho de Jesus Cristo. Como
noviça Scalabriniana, sou convidada a
comprometer-me com a busca de um
olhar diferente diante das realidades
migratórias, e estar mais preparada
para conviver e lidar com as questões da
mobilidade humana, rompendo as bar-
reiras de fronteiras e construindo a soli-
dariedade e a comunhão entre os povos.
Jenie Patricia acosta PereiraNatural de El Progreso, Honduras.
Noviça da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos
Borromeo, Scalabrinianas.
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No processo formativo, tudo me aju-
dou a manter a confiança no chamado
de Deus e a confirmar o desejo de con-
tinuar respondendo e comprometen-
do-me seriamente com a vida religiosa
missionária scalabriniana, como dom
maravilhoso recebido de Deus, no se-
guimento fiel a Jesus Cristo Peregrino,
ao qual quero entregar-me totalmente
como consagrada para viver a felici-
dade plena com Deus e os irmãos, no
serviço aos migrantes mais pobres e
necessitados.
20 |
Honduras possui pouco mais
de oito milhões de habitan-
tes. Atualmente, é consi-
derado o país mais pobre da América
Central. Mais de 15% da população aci-
ma de 15 anos é analfabeta e o analfa-
betismo funcional chega a 30%. A taxa
de desemprego em Honduras chega a
44%, tornando impossível a vida para
muitos cidadãos.
A emigração começou a tomar força
em 1950, com a decadência da econo-
mia bananeira. Com a intensificação
do fluxo migratório a partir de 1998,
em consequência do furacão Mitch, fa-
mílias inteiras foram para os Estados
Unidos, especialmente para New Or-
leans. Hoje, estima-se que mais de um
milhão de hondurenhos vivam nos Es-
tados Unidos, sendo que destes, mais
de 200 mil se encontram vivendo de
maneira irregular. Calcula-se, também,
que há entorno de 50 mil hondurenhos
em outros países, tais como Espanha,
Canadá e Itália.
Se em Honduras podemos identi-
ficar o rosto do migrante deportado
é porque, antes de tudo, vemos um
hondurenho pobre, sofrido, marcado
pela desigualdade social, a injustiça,
a separação familiar e a necessidade
de migrar. O migrante deportado é a
soma de vários “nãos”: não tem casa,
não tem comida, não tem emprego,
não tem dinheiro para escola das crian-
ças e tratamento de saúde, entre outros
“nãos” que marcam sua vida.
É nesse contexto que as Irmãs Sca-
labrinianas assumiram a missão em
Honduras. Com um grande desejo de
ser possibilidade e esperança nesta re-
alidade. A Casa do Migrante, o Centro
de Atenção ao Migrante Retornado
(CAMR), o Centro Scalabriniano de
Promoção ao Migrante (CESPROM) e
a Comissão Nacional de Apoio aos Mi-
grantes Retornados com Incapacidade
(CONAMIREDIS) foram criados para
resgatar a dignidade dos migrantes,
levando-os a fazer a experiência de que
são filhos amados de Deus.
Missão Scalabriniana
Desde 1996, em Ocotepeque, insta-
lou-se uma Casa do Migrante coorde-
nada pela Pastoral da Mobilidade
Hu mana e a Paróquia São José, com a fi -
O migrante deportado
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esperança | 2º semestre de 2011 | 21
Ir. lídia Mara da SilvaPós-graduada em Políticas Migra-
tórias. Coordenadora Nacional da Pastoral da Mobilidade
Humana em Honduras.
na lidade de atender os deportados por
via terrestre. Mensalmente, são mais de
260 migrantes retornados que recebem
hospedagem, alimentação e, em casos
especiais, assistência médica e legal.
No ano de 1999, em um corredor
do aeroporto de Tegucigalpa, as Irmãs
começaram um serviço de atenção aos
migrantes deportados. Em 2000, tendo
já os Estados Unidos um programa de
deportação em massa, o governo hon-
durenho decidiu apoiar a iniciativa
das Irmãs, inaugurando dois Centros
de Atenção ao Migrante Retornado
(CAMR), um em Tegucigalpa e outro
em São Pedro Sula. Atualmente, os
Centros oferecem acolhida fraterna,
assistência espiritual, alimentação,
programas de capacitação laboral, bem
como, colaboração para o regresso aos
seus lares nas diversas cidades do País.
Inquietas com o sofrimento e o de-
samparo dos migrantes deportados, em
2009, demos início CONAMIREDIS
(Comissão de Apoio aos Migrantes
Retornados com Incapacidade). Desde
2001, a Comissão busca instituições
financiadoras para sustentar o centro
onde os migrantes retornados com
incapacidade possam ser assistidos de
forma integral, participando de proje-
tos de capacitação laboral e de autos-
sustentação.
No trabalho diário com os depor-
tados, fazemos a experiência da nova
“Estação de Milão”. São dezenas e de-
zenas de migrantes que chegam todos
os dias dos Estados Unidos, depois
de terem passado um longo período
nas prisões americanas, trazendo em
seus rostos as marcas das frustrações,
decepções, humilhações e mutilações
sofridas na rota migratória. Muitos,
quando chegam, se encontram tristes,
desanimados, doentes, com problemas
mentais. Alguns chegam mutilados pe-
los desastres ocorridos durante a via-
gem. Trazem em sua mochila não só a
humilhação do fracasso, mas também
a esperança perdida da conquista do
“sonho americano”.
De volta a Honduras, encontram
as Irmãs Missionárias Scalabriniana,
que, através de uma presença amiga
e fraterna, os acolhem e lhes dirigem
uma palavra de apoio e de esperança,
oferecendo-lhes orientações, encami-
nhamentos de documentação e vincu-
lação a projetos produtivos para que,
além do reencontro com suas famílias,
possam reiniciar um projeto de vida
em seu próprio país.
São muitos os desafios enfrentados
diante da realidade dos deportados.
Mas a experiência nos leva a acreditar
que as pequenas sementes de solidarie-
dade, compaixão, esperança e alegria,
atitudes próprias do carisma scalabri-
niano, fazem germinar grandes frutos
de solidariedade para com os migran-
tes, sensibilizando a toda a sociedade
sobre a necessidade de acolher aos que
regressam, dando-lhes oportunidade
de trabalho e espaço nos grupos sociais
para que se sintam parte dessa nação.
22 |
O rosto é uma temática muito
sugestiva. Não só revela o
outro na sua interioridade,
mas também mostra a cada um de nós
diante do outro que se nos apresenta.
Nessa breve exposição, compartilho a
experiência no encontro com o rosto
do migrante urbano, presente em Pe-
rus, região de Brasilândia, na grande
São Paulo.
Olhando aquela população, consta-
tamos um grande número de migrantes
entre os residentes e recém-chegados.
O principal motivo dessa migração é a
busca de melhores condições de vida,
sobretudo, no âmbito econômico. Dei-
xaram a sua terra e vieram buscar uma
oportunidade no mercado de trabalho.
Todavia, assumem empregos de baixa
renda, tanto por falta de estudos como
de qualificação profissional.
Devido à falta de assistência, acom-
panhamento e orientação aos migran-
tes, muitos dos que aqui se encontram
têm o emprego como prioridade, dei-
xando esquecida a dimensão religiosa
e até mesmo laços parentais. Durante
esse tempo de atuação em meio aos
migrantes na região da Brasilândia,
percebo e sinto que a “Estação de Mi-
lão” é algo muito atual e que a todo
instante nos interpela e nos convoca a
uma ação concreta.
No primeiro contato com as comu-
nidades, numa visão de conjunto, per-
cebeu-se que tratava de uma maioria de
nordestinos. Foi perceptível, também,
que a organização para uma vivência
em comunidade fez e faz a diferença
para essas pessoas. Era um estímulo
para superar as dificuldades e conti-
nuar a caminhada. Entre os migrantes,
identificamos pessoas comprometidas,
boas lideranças e sinais de uma comu-
nidade viva.
Em um segundo olhar, buscamos vi-
sualizar, dentre os pobres, aqueles que
o sistema conseguiu fazer ainda mais
pobres. Onde estão? Existe essa reali-
dade aqui? Foi a pergunta que fizemos.
Ao tentarmos conhecer de perto a si-
tuação, não só encontramos pobres
mas também pessoas que viviam nos li-
mites da miséria. De fato, foi uma reali-
dade que nos causou um forte impacto.
Decidimo-nos por esses e buscamos
priorizá-los na nossa ação. Solicitamos
o apoio das lideranças da comunidade.
Iniciamos visitas, nos colocando à es-
cuta, compartilhando da vida daque-
las pessoas. Dessa iniciativa resultou
o surgimento da comunidade São Mi-
guel Arcanjo, tendo como liderança os
O MIGRANTE URBANO: Periferia de São Paulo
exPerIêNcIa PaStoral
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moradores do próprio
local, que foram se or-
ganizando e construin-
do pouco a pouco esse
espaço comunitário.
Vivendo a experiên-
cia, percebemos que as
distâncias para o mi-
grante não tem a ver
com o espaço geográfi-
co. São, antes de tudo,
questões culturais. Por
exemplo, nos demos
conta que forçar aque-
les migrantes a se inte-
grarem nas comunida-
des já existentes, que
eram próximas ao local
onde residiam, não era
viável. Algumas tentativas foram feitas,
mas sem adesão. A partir do momento
em que foi favorecida a criação de um
espaço comunitário no seu próprio
meio, numa construção em conjunto
com as pessoas do local, houve adesão.
Isso nos mostra que, muitas vezes, o
que julgamos ser melhor para o mi-
grante não é, de fato, o que eles acre-
ditam ser melhor para eles. É preciso
interpretar a realidade e agir conforme
os aspectos culturais que os envolvem,
explorando todas as possibilidades.
Começamos naquela comunidade a
“oficina de pedrarias” para as mulhe-
res. Porém, mais do que fazer coisas, o
que fez a diferença foi a nossa presen-
ça atenciosa e sempre aberta à escuta
levando a recuperar a autoestima e o
valor da dignidade humana daquelas
pessoas na comunidade. O nosso diá-
logo com lideranças locais, relatando
Ir. renilda teixeira PereiraEstudante de Teologia. Membro
da pastoral dos migrantes CESPROM-São Paulo.
aspectos importantes
das visitas, sempre vi-
sou despertar para um
envolvimento e com-
promisso pela causa
das migrações.
Dentre outros desa-
fios existentes, desta-
co a infância e a ado-
lescência ameaçadas.
Mesmo que já tenha
sido organizada a Pas-
toral da Criança na
comunidade nascente,
ainda existe um gran-
de número de crianças
e adolescentes naquele
bairro que estão sendo
atingidas pelas drogas
e suas consequências, bem como o ris-
co de abuso sexual. Ainda não existem
outras ações locais que ajudem a preve-
nir a criminalidade e a prostituição.
Marcamos presença nessa comuni-
dade desde o início do ano de 2010, e
temos como perspectiva dar continui-
dade às visitas, sendo presença anima-
dora em meio ao povo, através do con-
tato direto com as famílias. Algo divino
toca meu interior ao manter contato
com essa realidade. Vemos e ouvimos
muitas dores, mas voltamos da missão
fortalecidas e revigoradas, porque ali
algo de Deus nos é revelado, e porque
“no migrante eu vejo o Senhor”.
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24 |
Ser protagonista é assumir a
própria história como persona-
gem principal. Para o migran-
te, o simples ato de sair de seu habitat
natural, na busca e conquista de seus
sonhos, já é um ato heroico de prota-
gonismo. O sonho e o desejo de vida
digna o leva a atravessar fronteiras,
ultrapassar os obstáculos do precon-
ceito, da indiferença, injustiça social e
exploração.
Portanto, a Irmã Missionária Scala-
briniana atua como mediadora e pre-
sença que abre caminhos e cria espaços,
favorecendo a participação e interação
social dos migrantes como atores efe-
tivos de suas próprias trajetórias, por-
tadores de vida e esperança. Gostaria
de compartilhar as experiências e ações
sociais realizadas pelas Irmãs que atu-
am nos CESPROMs (Centro Scalabri-
niano de Promoção do Migrante), cujo
foco principal é a qualificação profis-
sional e a integração social. O objetivo
é propiciar aos migrantes espaços de
vivências, acolhida e inserção no mer-
cado de trabalho – seja ele formal ou
autônomo.
Na Grande São Paulo, vivem apro-
ximadamente 12% dos 160 milhões
de habitantes do Brasil. Destes 12%,
parcela significativa é de migrantes
nordestinos e seus descendentes. Con-
vivem com migrantes oriundos de
outras regiões e etnias diversas,
estrangeiros e nacionais, que,
na heterogeneidade da geo-
grafia humana, apontam
para uma sociedade
plural.
Ao chegar
aos grandes
centros urbanos, o migrante não só pre-
cisa aprender o processo de trabalho,
mas reordenar grande parte das suas
relações socioculturais com significa-
dos íntimos nem sempre perceptíveis.
É nesse contexto que as Irmãs Sca-
labrinianas desenvolvem programas,
projetos e atividades socioassistenciais
nas unidades dos CESPROMs, locali-
zadas em bairros e municípios onde se
verifica maior índice de vulnerabilida-
de social. Atendem migrantes jovens e
adultos, homens e mulheres entre 18 e
30 anos, de diversos lugares do Brasil e
de outros países.
Embora muitos migrantes já
tenham concluído o Ensino Fun-
damental ou Médio, alguns apre-
sentam dificuldades relacionadas à
escolaridade, baixa qualificação pro-
exPerIêNcIa PaStoral
O protagonismo do migrante
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fissional e baixa autoestima. Residem
em pensões e cortiços e trabalham em
empregos temporários, exercendo vá-
rias funções, tais como: construção
civil, balconistas, confecções de rou-
pas, serviços domésticos, cuidando de
crianças, doentes e idosos, vendedores
ambulantes e outros.
A maioria trabalha sem carteira as-
sinada, exposta a todos os tipos de
exploração e injustiça. No caso dos
estrangeiros, além das dificuldades
enfrentadas em relação ao idioma,
preconceito e discriminação social, so-
frem a consequência de estarem indo-
cumentados, vivendo muitas vezes na
clandestinidade.
Por isso, os centros de promoção aos
migrantes buscam criar estratégias,
por meio da educação profissional, de
inserção no mundo do trabalho, para
que, assim, eles possuam condições de
competir no mercado laboral, já que
são os mais afetados pelo desemprego.
As atividades desenvolvidas em nos-
sas unidades são organizadas de forma
a propiciar espaços de convivência,
interação grupal, resgate de valores
culturais e religiosos, sentimento de
pertença e identidade, autonomia, es-
tabelecimento de novos vínculos so-
ciais, o exercício da cidadania e de pro-
tagonismo social.
No início de uma nova etapa é rea-
lizado um momento de acolhida, com
apresentação entre os grupos, dinâ-
mica e metodologias que favoreçam a
participação e entrosamento. Quere-
mos inseri-los, integrá-los ao processo
formativo. Nos CESPROMs são ofere-
cidos cursos na área de beleza, oficinas
de costura, panificação, informática,
entre outros. Ainda realizamos a Se-
mana do Migrante, grupos de reflexão,
celebrações eucarísticas nas ruas e em
pensões e missas em espanhol.
Como Missionárias Scalabrinianas,
comprometidas com a causa dos mi-
grantes, a cada dia, buscamos desco-
brir novas formas e estratégias de ação,
por meio de uma pedagogia transfor-
madora, que considere o ser humano
em todas as suas dimensões, como su-
jeitos, com experiências de vida, criati-
vos, com expectativas, sonhos pessoais
a serem reconhecidos e valorizados.
Ir. Maria de Fátima PereiraPós-graduada em Administração
de Projetos Sociais. Assistente Social da Associação Educadora e
Beneficente, São Paulo/SP.
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As primeiras atividades pasto-
rais das Irmãs Scalabrinianas
da Província Nossa Senhora
Aparecida/SP com migrantes tempo-
rários rurais no corte de cana tiveram
início em julho de 1983, na cidade de
Dobrada/SP. Em 1985, a equipe foi
ampliada e elaborou um projeto de
acompanhamento pastoral aos mi-
grantes sazonais na macrorregião de
Ribeirão Preto, a partir da diocese de
Jaboticabal, marcando o início da Pas-
toral do Migrante na região.
A partir de 1993, a equipe missio-
nária scalabriniana (irmãs e padres) se
deslocou para a cidade de Guariba/SP.
O local foi escolhido por ser referência
histórica nas lutas de cortadores de
cana, bem como pela localização frente
à expansão canavieira na região.
Um novo passo foi dado em feverei-
ro de 2011, com o envio de duas irmãs
a Fernandópolis/SP, diocese de Jales,
para ampliar a atenção missionária a
migrantes sazonais no interior do esta-
do de São Paulo.
Contextualizando
A produção de açúcar é a atividade
econômica mais antiga no Brasil. Atu-
almente, o país é
o maior produtor
mundial de cana,
açúcar e álcool.
Destaca-se tam-
bém como maior
exportador mun-
dial de açúcar e
na liderança em
tecnologia de pro-
dução de etanol,
considerado um
combustível reno-
vável alternativo ao petróleo. Além da
matéria-prima, os produtos e resíduos
são utilizados para a geração de ener-
gia elétrica, fabricação de ração animal
e de fertilizantes.
Visto sob esta ótica, o setor sucro-
alcooleiro brasileiro possui importân-
cia econômica, social e ambiental. E,
dentro deste contexto, o estado de São
Paulo situa-se como o maior produtor
de cana no Brasil, atingindo uma área
de mais de quatro mil hectares, o que
corresponde a 54,35% da área da pro-
dução nacional. O estado produz 75%
do etanol brasileiro e possui em seu
território 207 usinas e destilarias. São,
aproximadamente, 140 mil cortadores
de cana. “Os crescentes incentivos do
governo à produção de agroenergia
continuam atraindo outras empresas
estrangeiras, que pretendem lucrar
com a expansão do setor. Estas em-
presas compram terras e usinas para a
produção de etanol, causando a desna-
cionalização da indústria e do territó-
rio brasileiro” (Monopólio da Terra no
Brasil – Rede Social de Justiça e Direi-
tos Humanos 2010).
exPerIêNcIa PaStoral
O migrante no corte da cana
Municípios de abrangência da Pastoral do Migrante nas áreas de destino no Estado de São Paulo
Fonte: Pastoral do Migrante, diocese de Jaboticabal
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Migração sazonal
A maioria dos cortadores de cana
que trabalham nos canaviais paulistas
é constituída de migrantes provenien-
tes de estados do Nordeste (Maranhão,
Piauí, Ceará, etc.) e do Vale do Jequi-
tinhonha/MG. A falta de emprego e a
concentração de terras, causado pelo
modelo agrícola brasileiro, aumentam
o contingente de trabalhadores que se
submetem a migrar. As regiões de São
Paulo com maior concentração de mi-
grantes temporários rurais são: Ribei-
rão Preto, Piracicaba, São José do Rio
Preto e Araçatuba.
São migrantes que vão até o limite
de suas condições físicas. Levantam
de madrugada e trabalham o dia todo,
faça chuva ou faça sol. Sofrem com
dores no corpo, câimbra e fraqueza.
A maioria dos trabalhadores vem so-
zinha, deixando para trás esposas e
filhos. Buscam realizar seus sonhos:
casa própria, estudo para os filhos,
tratamento de saúde, etc. Mas não são
todos que conseguem. Dados da Pas-
toral do Migrante de Guariba mos-
tram que pelo menos 21 trabalhadores
morreram entre 2004 e 2009. Alguns,
supostamente por exaustão devido ao
trabalho. Outros, vítimas de falta de
cuidado com a saúde.
Pastoral do Migrante
Os mapas aqui mostrados foram
construídos a partir dos contatos, in-
formações e visitas aos migrantes sazo-
nais realizadas pelos agentes pastorais
da Pastoral do Migrante nas regiões de
origem e destino desses migrantes.
O trabalho pastoral é dinamizado
através de contatos e aproximação
com a realidade dos migrantes e suas
famílias. Também, na motivação e
organização de equipes locais para o
acompanhamento e acolhida aos mi-
grantes, no intercâmbio pastoral entre
regiões de origem e destino, interação e
parceria com Pastorais Sociais, Pesqui-
sadores, Sindicatos, Poder Público, Mi-
nistério Público do Trabalho e Meios
de Comunicação Social.
Em todas as ações, se busca favore-
cer a colaboração e participação dos
migrantes nas comunidades, grupos e
movimentos populares. Entre as prin-
cipais atividades realizadas no período,
podemos citar: visitas às moradias e
alojamentos, encontros de migrantes,
catequese nos alojamentos, oficinas de
bordados, festejos culturais, celebração
da Semana do Migrante, entre outros.
Diante deste panorama, podemos
destacar algumas conquistas que ga-
nharam espaço e visibilidade. Entre
elas: conhecimento e divulgação do
fenômeno das migrações sazonais,
aproximação e interação entre migran-
tes, agentes pastorais e comunidade,
iniciativas dos próprios migrantes em
buscar orientações sobre seus direitos
no Sindicato e na sede da Pastoral, e
melhoria nas condições de moradias
coletivas de migrantes com apoio da
Vigilância Sanitária Municipal.
Um cenário de vidas em que os mi-
grantes se encontram, se despedem, se
ajudam, aprendem e ensinam o valor do
provisório e do permanente. Um cená-
rio de privações e sacrifícios, de luta e co-
ragem, de vidas que partem e que ficam,
alimentando sonhos e burilando a péro-
la da fé escondida e preciosa, que garan-
te a travessia para diversas e inúmeras
direções. Um cenário onde há acom-
panhantes cuidadosos e acolhedores,
construtores da fraternidade universal.
Nossa atuação pastoral junto aos
canavieiros se pauta no respeito à dig-
nidade de todo ser humano que deve
ser protegida em qualquer circunstân-
cia, conforme a Declaração dos Direi-
tos Humanos, na Palavra de Deus e
Magistério Eclesial que insistem com
frequênc ia na acolhida e cuidado com
Ir. Inês FacioliLicenciada em Letras. Coordena-
dora da Pastoral Migratória na região de Fernandópolis/SP.
os migrantes e estrangeiros. Bem como
nos documentos da Traditio Scalabrinia
na e Diretrizes Gerais do Apostolado
da Congregação, que nos dão os funda-
mentos teóricos – metodológicos que
norteiam nossas ações, expressos atra-
vés dos valores da acolhida, universali-
dade, reverência e respeito ao diferente,
doação e humildade a todos os traba-
lhadores desta região canavieira.
Fonte: Pastoral do Migrante, diocese de Jaboticabal
Municípios de abrangência da Pastoral do Migrante nas áreas de destino
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Metodologia na pastoral com os migrantes
Compartilho aqui algumas ob-
servações, no campo da meto-
dologia na atividade pastoral
com os migrantes e o protagonismo
do migrante, feitas a partir das expo-
sições e das experiências missionária
apresentada durante o Seminário. Não
intenciono fazer conclusões, mas ape-
nas referências ou alusões a fatores que
poderão ajudar a focalizar melhor a te-
mática em questão, bem como o valor
imprescindível do protagonismo do mi-
grante no nosso apostolado.
Na exposição do tema Migrações Con
temporâneas, características e tendências,
podemos recolher elementos funda-
mentais para uma atuação pastoral efi-
caz, tais como: ações contextualizadas,
visão globalizada do fenômeno migra-
tório, olhar solidário sobre a realidade
das migrações, priorizar as realidades
mais sofridas e ter na bagagem a espe-
rança cristã.
A partir do tema Identidade e o Caris
ma Scalabriniano no testemunho de Madre
Assunta, a metodologia adotada pelos
missionários(as) Scalabrinianos(as)
sur ge e se apoia em uma experiência de
fé e de intimidade com o Pai, deixando-
se interpelar pela voz de Deus através
dos acontecimentos históricos do mo-
mento, e encontrando na migração o
espaço teológico no qual Deus se re-
vela. Em Madre Assunta, percebemos
esses aspectos através do seu silêncio,
escuta, acolhida e ação, como fruto de
uma espiritualidade profunda. Essa
compreensão nos dará embasamento
dentro do processo de construção de
um planejamento, em vista de uma
ação voltada ao migrante e fecundada
pelo espírito.
No que toca o protagonismo do mi-
grante, podemos fazer a seguinte leitu-
ra: em toda ação missionária deve estar
contemplada a promoção do protago-
nismo do migrante. Porém, antes de
qualquer coisa, o migrante é, por exce-
lência, o promotor do protagonismo
da nossa ação.
Um fato importante é o amor que
move a prática das experiências apre-
sentadas. Uma metodologia que não
seja pautada pelo amor será somente
uma teoria. Pontuando alguns fatores
importantes das partilhas, podemos
ressaltar: a promoção integral do mi-
grante, espaços de reflexão que o leva a
desenvolver uma visão crítica da reali-
dade que o cerca, integração das famí-
lias, entre outros.
Certamente, outros dados poderiam
ser abordados. Porém, esse pequeno
esboço do conjunto de dados reco-
lhidos de cada experiência partilhada
nos dá mostras de uma caminhada
em ascensão, no sentido de abertura e
de enriquecimento da própria missão
scalabriniana.
Consciente ou inconscientemente,
os migrantes tornam-se protagonistas
de novos tempos. Sua presença, muitas
vezes indesejada, denuncia as situações
de injustiças que dividem os povos em
categorias de ricos e pobres, em favore-
cidos e desfavorecidos.
Diante da dinamicidade da migra-
ção, faz-se necessário o planejamento
das nossas ações como forma de focali-
zar o específico, sem perdermos de vista
o nosso ponto de partida e o de chega-
da. Tudo isto em vista de uma meto-
dologia participativa, que assegure as
necessidades humanas e um processo
de desenvolvimento da consciência crí-
tica. Como Missionárias Scalabrinia-
nas comprometidas com a causa dos
migrantes, temos que, cada vez mais,
descobrir novas formas e estratégias de
ação que considere o ser humano em
todas as suas dimensões, como sujei-
tos, com experiência de vida, criativos,
com expectativas, com sonhos pessoais
a serem reconhecidos e valorizados.
Ir. renilda teixeira Pereira
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Tudo o que ouvimos e partilha-
mos durante o IV Seminário
Provincial – Atuais rostos da Mi
gração – nos possibilitou aprofundar
o sentido do nosso Ser e Agir, tanto
como mulheres consagradas quanto
como leigos missionários.
A Espiritualidade revela a compaixão
no encontro e na relação com o mi-
grante. A Missionariedade aparece como
compromisso vivenciado e é sustenta-
da por uma profunda comunhão com
Deus, na acolhida de sua Palavra e na
inculturação do Evangelho na própria
vida e na realidade onde as Irmãs se in-
serem e atuam. A Identidade se expres-
sa na pertença ao carisma, visto como
dom e compromisso em cada experiên-
cia que foi apresentada.
Refletindo sobre Migrações Contempo
râneas, características e tendências, sobres-
saíram como tendências os migrantes
irregulares, retornados, mulheres e
crianças desacompanhadas. Além dis-
so, o tráfico de pessoas e deslocados
ambientais, todos destinatários da
ação missionária das Irmãs e dos Lei-
gos Missionários Scalabrinianos.
No tema da Identidade e Carisma Sca
labriniano a partir do testemunho de Ma
dre Assunta Marchetti ficou evidente a
importância de uma Identidade clara
e bem definida, para tornar presente o
amor compassivo e misericordioso de
Deus junto aos irmãos migrantes mais
pobres e necessitados.
Nas experiências apresentadas pelas
Irmãs, se observam os diferentes as-
pectos da Identidade, espiritualidade
e Missionariedade Scalabriniana nos
seguintes âmbitos:
– Saúde: pelo número de migrantes
atendidos em nossos hospitais
através da presença scalabriniana,
e pela forma como os doentes são
tratados.
– Educação: pela construção do Pro-
jeto Político Pedagógico, que visa
uma educação de qualidade e tam-
bém pela forma de acolhida, uni-
versalidade e construção da cida-
dania universal.
– Leigo Scalabriniano: pela presença
em lugares isolados, buscando
chegar às pessoas mais margina-
lizadas, engajando indivíduos e
famílias na Igreja e no convívio so-
cial, proporcionando aos migran-
tes melhor qualidade de vida.
– Ação com migrantes filhos de refugia
dos: por ampliar as estacas da tenda
para nela abrigar os que a vida, des-
de cedo, têm marcado pela forte ex-
periência de deslocamento forçado
devido à guerrilha e narcotráfico.
– Ação com as famílias migrantes: pela
ajuda a conservar valores e cultura
para, assim, manter a identidade
própria de cada grupo, conhecendo
também suas esperanças e temores.
A missão nos possibilita viver a ex-
periência de Abraão e descobrir a com-
plexidade do sentido de Identidade
própria e pertença. Ajuda a compreen-
der a vivência de Madre Assunta e sua
profunda identificação com o carisma
scalabriniano.
É importante fazer uma leitura espi-
ritual, pessoal, comunitária e congre ga-
cional de cada rosto de migrante con -
tem plado nestas experiências, descobrin-
do-os como um lugar teológico on de
Deus nos interpela constantemente.
Ir. Sonia delforno
Identidade, Espiritualidade e Missionariedade
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30 |30 |
A partir das experiências pasto-
rais apresentadas pelas Irmãs
Missionárias Scalabrinianas
durante o seminário foi possível perce-
ber as seguintes incidências na Igreja e
nas políticas públicas:
Incidência Eclesial:
− O amor a Jesus Cristo e à sua Igre-
ja sustenta o zelo missionário da
Irmã Scalabriniana.
− A Missionária Scalabriniana está
sempre aberta para escutar o mi-
grante e faz a diferença a partir de
sua preocupação pela formação e
capacitação de lideranças nas co-
munidades eclesiais, paróquias e
dioceses onde atuam para atender
os migrantes.
− Buscam atuar sempre em articula-
ção com as demais pastorais onde
estão inseridas.
− A presença das Irmãs, através dos
carismas pessoais de cada uma, é
apreciada e valorizada pela grande
maioria de Sacerdotes e Bispos dos
países da América Latina.
− A presença materna e carinhosa
das Irmãs e Leigos Missionários
Scalabrinianos, na forma de tratar
e acolher o migrante, questiona e
apresenta ao mundo um testemu-
nho profético.
− As visitas domiciliares ou em pen-
sões é forma expressiva da Igreja
que vai ao encontro e modo eficaz
de acolher e estabelecer relações
com os migrantes.
Incidência Política e Social:
− Há uma mudança de mentalidade e de visão em relação aos migran-tes: “O Migrante é visto como agente e protagonista de transformações e mudanças!”.
− Sensibilidade pela infância e ado-lescência ameaçada, buscando garantir às crianças migrantes o direito à proteção e à educação de qualidade.
− Realização de iniciativas significa-tivas para atender às mulheres mi-grantes que sofrem com o drama da separação de suas famílias.
– Influência para a elaboração e aprovação de novas leis que favore-çam os migrantes (Ex: participação das Irmãs na elaboração da nova
obServaçõeS
Incidência missionária na igreja e nas políticas públicas
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Constituição do Equador, no que
se refere à migração).
– Participação ativa em reuniões e
seções da câmara dos vereadores
para melhoria dos bairros onde re-
sidem os migrantes.
– Denúncias feitas ao Ministério Pú-
blico do Trabalho (sobre trabalho
degradante, moradias precárias,
não cumprimento de acordos tra-
balhistas, etc).
– Apoio à realização de estudos e
pesquisas que favoreçam a obten-
ção de dados e informações sobre
a realidade das migrações;
– Realização de parcerias a favor dos
migrantes com órgãos públicos:
Secretarias Municipais de Saúde,
CMDCA, SMAS, Fundo Social de
Solidariedade, e outros.
– Denúncia social em jornais da ci-
dade e outros meios de Comunica-
ção Social, de realidades degradan-
tes e de injustiça cometidas contra
os migrantes. e jornalistas.
– Compromisso com a defesa dos
Direitos Humanos dos migrantes
e de processos de sensibilização em
âmbito eclesial, da sociedade civil e
do governo.
Recomendo algumas iniciativas que
não podemos deixar de apoiar, sobre-
tudo no âmbito político e social:
− Continuar apoiando iniciativas e
todo tipo de esforços para assegu-
rar ou manter uma legislação que
favoreça e garanta os direitos da
pessoa do migrante.
− Apoiar a promoção de políticas
públicas que levem à superação de
vulnerabilidades e criem oportuni-
dades de crescimento e participa-
ção na vida cidadã no âmbito do
próprio país, aos migrantes.
− Promover iniciativas para aten-
dimento e proteção às vítimas do
tráfico de pessoas (casa de acolhi-
da, centros de orientação, atendi-
mento psicológico, encaminha-
mento profissional, entre outros).
− Acompanhar e vigiar a implemen-
tação de políticas públicas para o
combate ao tráfico de pessoas e ao
crime organizado.
Muito caminho já foi feito. Mas é
necessário continuar intensificando
nossa ação na área de incidência ecle-
sial, política e social. Que estas ações
não sejam esporádicas, mas sistemá-
ticas, para que possamos incidir mais
profundamente no que se refere ao
favorecimento das leis de migração,
saúde, educação e moradia para os mi-
grantes.
A partir das experiências apresenta-
das, podemos dizer que a Irmã Mis-
sionária Scalabriniana está chamada
a ir ao encontro dos vários rostos de
migrantes, não para resolver todos os
seus problemas, mas para estar com
eles como forma de estímulo na re-
construção da vida, para ser presença
de esperança e solidariedade. A nossa
presença carregada de esperança que
brota da vida em Cristo Ressuscitado,
possui uma enorme força libertadora.
Ir. Sandra Maria PinheiroMestra em Teologia. Conselheira
e secretária da Província Nossa Senhora Aparecida, São Paulo/SP.
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Conclusões do Seminário
docuMeNto FINal
Aspectos significativos:
− O protagonismo do migrante é um valor imprescindível no apos-tolado da Irmã Missionária Scala-briniana e vem concretizando-se nas diferentes formas de nossa atuação.
− Os rostos de migrantes são, para nós, expressão teológica, nos reve-lam a ação de Deus na nossa vida e missão, sempre nos convocando a um protagonismo carismático.
− A contextualização teórica sobre a visão da mobilidade no mundo e a partilha das experiências pastorais junto aos migrantes realizadas pe-las irmãs, formandas e leigos scala-brinianos.
− A migração não é um problema, mas um fato social. O migrante é um ser humano e deve ser tratado como tal. A migração faz parte da dinâmica da vida e é um grande re-curso para a integração da huma-nidade.
− A solidariedade scalabriniana se manifesta pela capacidade de ir ao encontro do migrante e procurar orientar, ajudar, esclarecer, confor-tar, animar, ser esperança no sofri-mento, partilhando a vida com ele.
− Madre Assunta expressou e trans-
mitiu o carisma com a vida. Encar-
nou e testemunhou com sabedoria
divina. Ela continua sendo modelo
autêntico para os nossos tempos.
− A vocação leiga scalabriniana en-
sina um novo jeito de olhar o mi-
grante e de atuação nas diferentes
pastorais.
− As distâncias para o migrante,
muitas vezes, não tem a ver com
o espaço geográfico. São questões
culturais. É preciso interpretar a
realidade e agir conforme os aspec-
tos culturais que a envolvem.
− Rostos de migrantes urbanos mui-
tas vezes estão escondidos nas pe-
riferias por medo de se mostrarem
porque foram feridos de forma
profunda pela exclusão. É preciso
ir ao encontro deles e ser estímulo
na reconstrução da vida.
− A força que move o migrante é a es-
perança. A migração traz consigo
novos valores, sementes de comu-
nhão e testemunho da dimensão
peregrina da humanidade.
− O início da nossa Congregação se
deu com o atendimento e a aco-
lhida às crianças migrantes órfãs.
Hoje, raramente se fala em órfãos.
Não seriam as crianças desacom-
panhadas de hoje, os órfãos que
no princípio foram atendidos pela
Congregação?
− A abertura da Escola Pe. José Mar-
chetti em Santo André, para aten-
der crianças menos favorecidas, é
um sinal solidário e profético da
Rede ESI.
Desafios e perspectivas para a Missionariedade Scalabriniana:
− Os desafios para a concretização
da Pastoral dos Migrantes são
grandes diante do contínuo cresci-
mento dos movimentos migrató-
rios contemporâneos.
− Faz-se necessário a definição de
prioridades missionárias e pasto-
rais para que se possa atender ade-
quadamente o enorme contingen-
te de migrantes.
− Urge aprofundar conhecimentos
sobre as diferentes realidades mi-
gratórias, ter uma visão globaliza-
da e, dessa maneira, criar estraté-
gias de atuação, para uma missão
mais concreta e comprometida.
− A intervenção scalabriniana conti-
nua sendo necessária nos lugares
Os 55 participantes do IV Seminário da Pastoral dos Migrantes, sob a direção de
Ir. Maria Izabel Arantes, coordenadora do apostolado na Província, divulgaram o documento final
do encontro, após refletir sobre os atuais rostos da migração, suas características e tendências
na migração, e a missão da família scalabriniana neste contexto. A seguir, alguns dos
elementos apresentados:
onde há aumento da violação dos
direitos humanos, econômicos e
sociais dos migrantes.
− Resgatar a força evangelizadora
e missionária do migrante, como
protagonista.
− Crianças, adolescentes e jovens mi-
grantes ameaçados pelas drogas,
abuso sexual e tráfico humano me-
recem uma atenção particular de
nossa ação pastoral.
− A interação sócio-pastoral do mi-
grante reduz alguns fatores psicos-
sociais que influenciam na preca-
riedade de suas condições de vida,
ao favorecer-lhes novos espaços de
convivência, resgate da autoestima
e da cidadania.
− Percebe-se uma melhor articulação
entre as presenças missionárias.
Compromissos a serem assumidos na Província NSA
− Continuar a reestruturação de
nossas obras, presenças e ativida-
des com coragem e agilidade para
desmontarmos nossas tendas e
armá-las onde estão os novos mo-
vimentos migratórios.
− Manter o cultivo da identidade
congregacional, preservando a
unidade e continuidade do caris-
ma Scalabriniano.
− Dar prioridade ao trabalho com
mulheres migrantes e menores de-
sacompanhados.
− Fortalecer a Pastoral dos Migran-
tes e articular com as demais pasto-
rais, unindo forças para responder
às novas tendências migratórias.
− Divulgar o documento elaborado
pelas observadoras do Seminário
sobre: a) identidade, espirituali-
dade e vida missionária Scalabri-
niana; b) Incidência da atividade
missionária na Igreja, nas políticas
públicas e na sociedade; c) Meto-
dologia na atividade pastoral com
os migrantes e o protagonismo
dos migrantes.
− Ser presença de fé, alegria e espe-
rança junto aos migrantes nas
situações de desumanização, vio-
lência, xenofobia, discriminação
e violação dos direitos humanos,
denunciando, questionando, arti-
culando parcerias e cobrando a im-
plementação de políticas públicas.
Considerações Finais
Assim como a migração, o Seminário
aconteceu de forma dinâmica, permea-
do de alegria e esperança, sentimentos
estes que caracterizam a vida e missão
das Irmãs, formandas e Leigos Scalabri-
nianos. Podemos afirmar que a grande
interrogação de Scalabrini na Estação
de Milão, mediante o drama e o sofri-
mento dos migrantes, “O que posso
fazer?” vem sendo atualizada, vivida e
traduzida através das ações missioná-
rias em diferentes frentes migratórias,
visibilizando o carisma scalabriniano.
Com os migrantes, construtores da
fraternidade universal, esperamos no-
vos céus e nova terra, pois, a presença
deles quando acolhida e estimada pode
tornar-se uma riqueza para todos.
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A MarchaPe. Alfredo José Gonçalves
Os povos se colocam em marcha,Milhares e milhares de pés, mãos e rostos, Milhares e milhares de dores e esperanças,Milhares e milhares de gritos e sonhos.
Desplazados que abrem novos atalhos,Conhecem centenas e centenas de caminhos,Vem de todos os continentes,Cruzam mares, céu e terras,E chegam a centenas de países.
A marcha segue sua travessia– migrantes, refugiados, peregrinos – Milhões de pessoas no caminho,Homens e mulheres, crianças, jovens e velhos;Multidões em movimento,O olhar em horizontes distantes.
Um povo que se coloca em marchaMove não somente seu corpo e sua alma,Move também seus projetos e seu caminho,Move a mesma história do mundo,Acelera o motor de toda a humanidade.
As grandes migrações humanasÀs vezes refletem e desafiamAs mudanças sociais mais profundas;Os migrantes em marcha não sãoSomente vítimas de uma ordem mundial excludente,Mas também são artistas,Protagonistas, profetasDe uma nova ordem, justa e solidária.
A marcha segue, carregada de contradiçõesAo mesmo tempo em que denuncia a falta de cidadaniaDe milhões de pessoas em todo o mundo,Anuncia o sonho de uma pátria universal;O migrante rompa e desenha as fronteirasEm busca de um mundo de irmãos,Sinal e antecipação do Reino de Deus.
Tradução de La Marcha Santiago do Chile, 13/11/2006