279

Espinho de Prata - Mago - Vol - Raymond E. Feist.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivode oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simplesteste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercialdo presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nosso site:LeLivros.us ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • O moredhel apontouo dedo e dele saiu umraio prateado de luz queatingiu a bruxa. Ela gritouassolada por dores atrozese explodiu num fogobranco e quente. Por uminstante, sua forma escuracontorceu-se naqueleinferno at que as labaredasse extinguiram. O moredhelolhou de relance para ascinzas que jaziam no cho,formando o contorno deum corpo. Dando umagargalhada ruidosa, pegouo manto e saiu da caverna.

  • manifesto da coleo bang!

    Este o nosso compromisso com voc:Queremos ser a melhor coleo de

    literatura fantstica do Brasil.Vamos publicar apenas os grandes

    livros dos grandes autores.Todas as obras so vlidas, desde que

    ignorem as limitaes do realismo.Queremos mexer com a sua cabea.

    Mas um click no basta. preciso um Bang!

  • mago espinho de prataa saga do mago / livro trsraymond e. feist

    Traduo de Cristina Correia

  • T T U L O: Mago Espinho de Prata / n8 da Coleo Bang!A U T O R I A: Raymond E. FeistE D I T O R: Lus Corte Real 2014 por Sada de Emergncia Brasil Editora Ltda.Sylverthorne 1985,1993 Raymond E. Feist. Publicado originalmente em Inglaterra porHarperCollins Publishers, 1993

    T R A D U O: Cristina CorreiaR E V I S O D E T R A D U O: Renato RazzinoP R E P A R A O D E T E X T O: Bruno Anselmi MatangranoR E V I S O: Tomaz Adour e Lus Amrico CostaC O M P O S I O: Sada de Emergncia, em caracteres MinionD E S I G N D A C A P A: Sada de EmergnciaI L U S T R A O D A C A P A: Andreas RochaA D A P T A O P A R A E B O O K: SBNigri Artes e Textos Ltda.

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NAPUBLICAO

    SINDICATO NACIONAL DOSEDITORES DE LIVROS, RJ

    Feist, Raymond E.

  • F336e

    Feist, Raymond E.Mago Espinho de Prata

    [recurso eletrnico] / RaymondE. Feist [traduo de CristinaCorreia]; Rio de Janeiro: Sadade Emergncia, 2014.

    recurso digital: il.Traduo de: SilverthornFormato: ePubRequisitos do sistema: Adobe

    Digital EditionsModo de acesso: World Wide

    WebISBN 978-85-67296-16-6

    (recurso eletrnico)1. Fico americana. 2.

    Fantasia. 3. Livros eletrnicos.I. Correia, Cristina. II. Ttulo.

  • 14-09135

    CDD: 813CDU: 821.111(73)-3

    Todos os direitos reservados, no Brasil,por Sada de Emergncia Brasil Editora Ltda.Rua Luiz Cmara, 443Suplementar: Rua Felizardo Fortes, 420 Ramos21031-160 Rio de Janeiro RJTel.: (21) 2538-4100www.sdebrasil.com.br

  • Este livro dedicado aos meus sobrinhosBenjamin Adam Feist,

    Ethan Aaron Feist,Alicia Jeanne Lareau,

    todos eles pequenos magos.

  • S

    Agradecimentos

    into-me novamente em dvida para com aqueles que contriburam para a concretizao desta obra.Gostaria de apresentar os meus sinceros agradecimentos aos Friday Nighters (Grupo Noturno das

    Sextas-Feiras): April e Stephen Abrams; Steve Barett; David Brin; Anita e Jon Everson; DaveGuinasso; Conan LaMotte; Tim LeSelle; Ethan Munson; Bob Potter; Rich Spahl; Alan Springer e Lori;e Jeff Velten, por razes demais para enumerar aqui.

    A Susan Avery, David Brin, Kathie Buford e Janny Wurts, por me darem as suas opiniesacerca de um trabalho em desenvolvimento.

    Aos meus amigos de Granada, especialmente a Nick Austin.A Al Sarantonio, por ter colocado o jukebox para tocar em Chicago.Uma vez mais, a Harold Matson, meu agente.A Abner Stein, meu agente britnico.Como sempre, a Barbara A. Feist, minha me.

    Raymond E. FeistSan Diego, Califrnia

    Dezembro de 1983.

  • N

    RESUMO DOS LIVROS ANTERIORES

    A nossa histria at o momento

    o mundo de Midkemia erguia-se o poderoso Reino das Ilhas, que fazia fronteira com o vastoImprio do Grande Kesh, localizado ao sul. O Reino entrava em uma era de grande prosperidade;

    a nao abrangia um continente, desde o Mar do Reino at o Mar Interminvel.No dcimo segundo ano do reinado de Rodric IV, na provncia mais ocidental do Reino, o

    Ducado de Crydee, um rapaz rfo chamado Pug que trabalhava na cozinha do castelo tornou-seaprendiz do mago Kulgan. Aluno desinteressado de magia, subiu na hierarquia social por ter salvadoa Princesa Carline, lha do Duque Borric conDoin, de um destino terrvel, tornando-se assimescudeiro da corte do Duque. Foi ento que Pug se viu como o centro da paixo juvenil de Carline e,por causa disso, tornou-se rival do jovem Escudeiro Roland, outro membro da corte.

    Com seu melhor amigo Tomas, Pug descobriu os destroos de uma embarcao aliengenanaufragada e um moribundo de nacionalidade desconhecida. Padre Tully, o sacerdote do Duque,recorreu sua magia para descobrir que o moribundo pertencia a um outro mundo chamadoKelewan, dominado por um poderoso imprio de guerreiros, os tsurani, que tinham alcanadoMidkemia atravs de um portal mgico, uma brecha no espao, e pareciam estar preparando ocaminho para uma invaso. O Duque Borric reuniu-se ento em conselho com Aglaranna, a Rainhados Elfos, que conrmou a aproximao de uma ameaa incomum Costa Extrema do Reino: oselfos haviam avistado estranhos guerreiros cruzando regies do Ocidente, homens que desapareciammisteriosamente.

    Temendo que isso signicasse o preldio de uma invaso, Lorde Borric e seu lho mais novo,Arutha, partiram com uma companhia de homens para advertir o Rei Rodric do possvel ataque,deixando Crydee aos cuidados de seu lho mais velho, Lyam, e de Fannon, o Mestre de Armas.Integravam a companhia Kulgan, o mago, Pug e Tomas, o Sargento Gardan e cinquenta soldadosde Crydee. Na oresta Corao Verde, o squito do Duque foi atacado pelos temidos moredhel, oselfos negros conhecidos como Irmandade da Senda das Trevas. Aps uma longa e sangrenta luta, oDuque e os demais sobreviventes foram salvos por Dolgan, um lder ano, e seus companheiros.

    Dolgan conduziu-os pelas minas de Mac Mordain Cadal, onde foram atacados por um espectroque acabou por separar Tomas do resto do grupo. Tomas fugiu para as profundezas da antiga mina,enquanto Dolgan conduziu os outros para a segurana do exterior.

    Dolgan voltou mina em busca de Tomas e descobriu que o rapaz fora acolhido por um dosltimos e poderosssimos drages dourados, um ser antigo beira da morte. Rhuagh, o drago,contou histrias de sua vida: seu encontro com o estranho feiticeiro Macros, o Negro, e outrosprodgios. Rhuagh dissipou-se em um espantoso e derradeiro momento de glria, uma ddiva deMacros, deixando a Tomas uma oferenda especial: uma armadura dourada encantada.

    O squito do Duque Borric alcanou a cidade de Bordon, onde embarcaram rumo a Krondor, acapital do Reino Ocidental. Devido a uma tempestade, foram obrigados a atracar na Ilha doFeiticeiro, residncia do lendrio Macros, o Negro. L, Pug encontrou um misterioso eremita, que,

  • posteriormente, descobriu ser o prprio Macros. O eremita deu-lhes a entender que voltariam a seencontrar, mas os advertiu para que no o procurassem.

    Em Krondor, o Prncipe Erland, tio do Rei e sucessor natural do trono, instruiu o Duque aprosseguir at Rillanon, capital do Reino, para l ser recebido pelo Rei. Durante a sua estada emKrondor, Pug conheceu a Princesa Anita, lha nica de Erland, e descobriu que ela fora prometidaem casamento ao Prncipe Arutha quando crescesse.

    Em Rillanon, o Duque Borric descobriu que o Rei era um visionrio, embora tambm fosse umhomem de sanidade mental questionvel, dado a ataques de fria e discursos sem sentido. O DuqueCaldric de Rillanon, tio de Borric por anidade, advertiu-o de que o fardo de rechaar os tsurani, casoviessem, cairia somente nos ombros dos lordes ocidentais. O Rei desconava do Prncipe de Krondor,imaginando conspiraes contra a coroa, mostrando-se at desconado de Borric, que era o seguintea Erland na linha de sucesso coroa. Recusou-se a dar sua permisso para que os Exrcitos doOriente deixassem o Reino Oriental. Foi ento que se deu a invaso dos tsurani e Rodric deixou delado suas suspeitas, concedendo a Borric o comando dos Exrcitos do Ocidente. Borric e seuscompanheiros avanaram a toda a velocidade para o ocidente, dando incio Guerra do Portal.

    Na parte inicial da guerra, foi lanado um ataque surpresa ao territrio conquistado pelostsurani durante o qual Pug foi capturado.

    Tomas se unira s foras dos anes de Dolgan e encontrava-se entre os primeiros a resistir aosinvasores. Algo estranho se manifestara na armadura de Tomas, pois quando a vestia tornava-seum guerreiro de poder impressionante. Assombrado por vises estranhas, sua aparncia comeou ase alterar aos poucos. No decorrer de uma batalha desvairada nas minas dos anes, os tsuraniforaram o grupo de Tomas e Dolgan a fugir para a oresta. No lhes restando refgio seguro, osanes dirigiram-se a Elvandar, terra dos elfos, em busca de uma aliana. Foram bem acolhidosassim que chegaram corte da Rainha dos Elfos. Mas algo na aparncia de Tomas causou receio nosidosos elfos Tecedores de Feitios, embora no quisessem se pronunciar sobre o assunto.

    Lyam deixou Crydee para se juntar ao pai e Fannon, o Mestre de Armas, assumiu o comandodo castelo, com Arutha como segundo em comando. Carline lamentou a perda de Pug e procurouconsolo em Roland. Os tsurani atacaram Crydee, usando um navio capturado. Durante a batalha,Arutha salvou Amos Trask, o capito do navio, que antes fora um pirata.

    Os tsurani montaram um cerco a Crydee e por diversas vezes foram rechaados. Durante umabatalha, o Mestre de Armas Fannon foi ferido e Arutha assumiu o comando. Aps uma terrvel lutasubterrnea entre os homens de Arutha e os escavadores tsurani, Arutha ordenou s guarnies aoredor de Crydee que coordenassem uma batalha nal contra os inimigos. Contudo, antes do inciodesse combate, o comandante dos tsurani, Kasumi dos Shinzawai, recebeu ordens para voltar paracasa com sua fora militar.

    Decorridos quatro anos, Pug trabalhava como escravo em um pntano em Kelewan, o mundodos tsurani, acompanhado por um recm-chegado, Laurie de Tyr-Sog, um menestrel. Depois dealguns problemas com o capataz do acampamento, foram levados por Hokanu, lho mais novo dosShinzawai, para a propriedade de seu pai. Foi-lhes ordenado, ento, que instrussem Kasumi em todosos aspectos da cultura e do idioma do Reino. L, Pug tambm conheceu uma garota escravachamada Katala, pela qual se apaixonou. O irmo de Kamatsu, Lorde dos Shinzawai, era um dosGrandes, nome dado a magos poderosos, seres que faziam suas prprias leis. Uma noite, o GrandeFumita cou sabendo que Pug fora aprendiz de mago em Midkemia. Reivindicou Pug para aAssembleia, a irmandade dos magos, e ambos se foram da casa dos Shinzawai.

    A essa altura, Tomas j se tornara uma gura de poder assombroso, poder alcanado por suaantiga armadura, que outrora fora envergada por um valheru um Senhor dos Drages ,membro de um dos povos lendrios primordiais de Midkemia, soberanos absolutos. Pouco se sabia

  • acerca deles, a no ser que eram cruis e poderosos e tinham escravizado os elfos e os moredhel.Aglaranna, seu lho Calin e Tathar, seu principal conselheiro, temiam que Tomas estivesse sendoconsumido pelo poder de Ashen-Shugar, o antigo Senhor dos Drages cuja armadura portava.Receavam uma tentativa de regresso do domnio valheru. Aglaranna sentia-se duplamente inquieta,pois, apesar de temer Tomas, se apaixonara por ele. Os tsurani invadiram Elvandar e foramrepelidos pelas foras de Tomas e Dolgan, auxiliadas pelo misterioso Macros, o Negro. Aps abatalha, Aglaranna admitiu o que sentia por Tomas e o aceitou como amante, perdendo, assim, aautoridade que exercia sobre ele.

    A memria de Pug foi apagada pelos mestres da Assembleia e, aps quatro anos de treino,tornou-se um mago. Ficou sabendo que era um talentoso seguidor do Caminho Superior, um tipo demagia inexistente em Midkemia. Kulgan era um mago do Caminho Inferior, da sua incapacidadeem lhe ensinar. Quando se tornou um Grande, Pug recebeu o nome Milamber. Shimone, seu mestre,assistiu passagem pelo teste nal, em que Pug subiu ao topo de uma estreita espiral no auge de umatempestade, enquanto a histria do Imprio de Tsuranuanni lhe era revelada. L, foi-lhe incutido oprimeiro dever de um Grande: servir ao Imprio. Depois disso, Pug encontrou-se com seu primeiroamigo na Assembleia, Hochopepa, um perspicaz mago que o instruiu nos meandros da poltica dostsurani.

    No nono ano de guerra, Arutha temeu que estivessem perdendo o conito, tendo sido informadopor um escravo feito prisioneiro de que chegavam tropas renovadas de Kelewan. Juntamente comMartin do Arco, o Mestre de Caa de seu pai, e Amos Trask, Arutha viajou at Krondor em busca doauxlio do Prncipe Erland. No decorrer da viagem, Amos descobriu um segredo de Martin: ele eralho bastardo de Lorde Borric. Martin fez Amos prometer que jamais revelaria o segredo, a no sercom seu consentimento. Chegando a Krondor, Arutha descobriu que a cidade estava sob controle deGuy, Duque du Bas-Tyra, inimigo confesso de Lorde Borric. Guy estava evidentemente empenhadoem alguma espcie de plano para conquistar a coroa para si. Arutha se deparou com Jocko Radburn,homem de conana de Guy e lder de sua polcia secreta. Jocko, ento, perseguiu Arutha, Martin eAmos, fazendo-os cair no covil dos Zombadores, os ladres de Krondor. L, conheceram Jimmy, aMo, um menino ladro; Trevor Hull, antigo pirata que se tornara contrabandista, e seu primeiroimediato, Aaron Cook. Os Zombadores estavam protegendo a Princesa Anita, que fugira do palcio.Jocko Radburn tentava desesperadamente encontrar a Princesa antes do regresso de Guy du Bas-Tyrade um confronto fronteirio contra o Imprio do Grande Kesh. Com a ajuda dos Zombadores,Arutha, seus companheiros e Anita fugiram da cidade. No decorrer de uma perseguio em alto-mar, Amos atraiu o navio de Radburn at os rochedos e o lder da polcia secreta morreu afogado.Ao voltar a Crydee, Arutha foi informado da morte do Escudeiro Roland em combate. Nessa altura,Arutha j estava apaixonado por Anita, embora no admitisse, pois a considerava muito nova.

    Pug, que passara a responder pelo nome de Milamber, retornou propriedade dos Shinzawaipara buscar Katala e acabou descobrindo que era pai. William, seu lho, nascera em sua ausncia.Soube tambm que os Shinzawai estavam envolvidos em um plano, juntamente com o Imperador,no intuito de forar a paz no Conselho Supremo dos tsurani, dominado pelo Senhor da Guerra.Laurie, por sua vez, fora incumbido de guiar Kasumi, que j dominava o idioma e os costumes doReino, at o Rei, como portador da oferta de paz do Imperador. Pug desejou-lhes felicidades e levou amulher e o filho para sua casa.

    Enquanto isso, Tomas passava por uma assombrosa mudana e, por m, conseguiu equilibraras foras valheru e as humanas, embora s tivesse conseguido aps quase matar Martin do Arco.Em uma titnica batalha interior, o humano quase foi subjugado, acabando por dominar o serenraivecido que fora, outrora, o Senhor dos Drages, e, assim, encontrou um tranquilo estado dealma h muito perdido.

  • Kasumi e Laurie atravessaram o portal e prosseguiram at Rillanon, onde descobriram que oRei enlouquecera de vez. Ele os acusou de espionagem, mas conseguiram fugir com a ajuda do DuqueCaldric. O Duque aconselhou-os a procurarem Lorde Borric, pois era previsvel que uma guerra civilestava prestes a estourar. Ao chegarem ao acampamento de Borric, Laurie e Kasumi conheceramLyam, que os informou da morte iminente do Duque devido a um ferimento.

    Milamber, como Pug passara a ser conhecido, assistiu aos Jogos Imperiais, oferecidos peloSenhor da Guerra em comemorao vitria estrondosa sobre o exrcito de Lorde Borric. Milambercou furioso perante a crueldade desumana, especialmente ao presenciar a forma como tratavam osprisioneiros oriundos de Midkemia. Em um acesso de raiva, destruiu a arena, humilhando o Senhorda Guerra e desse modo instaurando o caos na poltica do Imprio. Em seguida, fugiu com Katala eWilliam e regressou a Midkemia, no mais como um Grande dos tsurani, mas novamente comoPug de Crydee.

    Pug regressou a tempo de acompanhar os ltimos momentos de Lorde Borric. A derradeiraao do Duque foi reconhecer Martin como lho. Foi ento que o Rei chegou, enraivecido pelaincapacidade de seus comandantes de colocarem m prolongada guerra. Ele prprio comandouuma investida louca contra os tsurani e, contra todas as probabilidades, rompeu a frente de batalhados inimigos, fazendo-os recuar at o vale onde cava a mquina que mantinha o portal, que era omeio de que se serviam para viajar entre os mundos. O Rei foi mortalmente ferido e, em um raromomento de lucidez, nomeou Lyam, o filho conDoin mais velho, seu herdeiro.

    Lyam enviou uma mensagem aos tsurani dizendo que aceitaria a paz que Rodric recusara, e foiestabelecida uma trgua e uma data para as negociaes. Enquanto isso, Macros dirigiu-se aElvandar, advertindo Tomas quanto a um ato traioeiro nas negociaes de paz. Tomas concordouem levar os seus guerreiros elfos, e assim fariam tambm os anes.

    No decorrer do encontro, Macros criou uma iluso, levando caos e batalha aonde se pretendiachegar paz. Macros chegou e, juntamente com Pug, destruiu o portal, aprisionando em Midkemiaquatro mil tsurani sob comando de Kasumi, que acabou se rendendo a Lyam. Por sua vez, o Rei lhesconcedeu liberdade se lhe jurassem lealdade.

    Todos, ento, regressaram a Rillanon para a coroao de Lyam, exceo de Arutha, Pug eKulgan, que foram visitar a ilha de Macros. Quando l chegaram, descobriram Gathis, um criado dofeiticeiro, semelhante a um goblin, que lhes transmitiu uma mensagem. Ao que parecia, Macrosperecera na destruio do portal. Deixou sua vasta biblioteca para Pug e Kulgan, que planejaramfundar uma academia para magos; explicou sua traio dizendo que um ser conhecido comoInimigo, uma entidade de vastssimo e terrvel poder cuja existncia era do conhecimento dos tsuranide tempos antigos, seria capaz de encontrar Midkemia por causa do portal e que, por isso, ele Macros,se viu obrigado a criar uma situao em que o resultado fosse a destruio do portal.

    Arutha, Pug e Kulgan prosseguiram at Rillanon, onde Arutha descobriu a verdade acerca deMartin. Como era o primognito de Borric, o nascimento de Martin assombrava a herana de Lyam;porm o antigo Mestre de Caa renunciou a qualquer pretenso ao trono e Lyam foi coroado Rei.Arutha tornou-se o Prncipe de Krondor, uma vez que o pai de Anita falecera. Guy du Bas-Tyrapassara clandestinidade e, mesmo ausente, foi banido como traidor. Laurie conheceu a PrincesaCarline, que pareceu corresponder ao interesse demonstrado por ele.

    Por m, Martin foi nomeado Duque de Crydee e ele, Lyam e Arutha partiram em viagem peloReino Oriental, enquanto Pug e a famlia, acompanhados por Kulgan, viajaram at a Ilha da Docada Estrela, no intuito de iniciarem a construo da Academia. Ao longo de quase um ano, a pazimperou no Reino

  • LIVRO 3 ESPINHO DE PRATA

    A R U T H A E J I M M Y

    Simultneos com ele se levantamFazendo na abalada estrondo surdo

    (Qual tempestade trovejando ao longe) MILTON, Paraso Perdido

    Livro II, l.4761

    1 John Milton, Paraso Perdido, eBooksBrasil [on-line],Traduo de Antonio Jos de Lima Leito.Disponvel em http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/paraisoperdido.html (Consultado em 05 dedezembro de 2013).

  • OPrlogo

    Crepsculo

    sol se punha atrs dos cumes.Os ltimos raios de calor tocavam a terra e somente o brilho rosado do dia permanecia. Do leste,

    uma escurido azul-violeta se aproximava rapidamente. O vento cortava as colinas como umalmina de gume aado, como se a primavera no passasse de um sonho vago. O gelo do invernoainda se agarrava a bolsas protegidas pela sombra e estalava ruidosamente sob os saltos das pesadasbotas. Na escurido do entardecer, surgiram trs silhuetas luz da fogueira.

    A bruxa velha ergueu a vista e seus olhos se arregalaram ligeiramente ao ver os trs. Reconheceua silhueta esquerda, o grande e mudo guerreiro de cabea raspada e com uma nica mechacomprida no couro cabeludo. Ele j a procurara anteriormente, em busca de smbolos mgicos paraestranhos rituais. Embora se tratasse de um poderoso chefe militar de cl, ela o mandara embora,pois sua natureza era prda e, ainda que raras vezes desse importncia s questes do bem e do mal,at a bruxa tinha os seus limites. Alm disso, tinha pouco apreo pelos moredhel, especialmente poraquele que cortara a prpria lngua em sinal de devoo a poderes obscuros.

    O guerreiro mudo a observava com olhos azuis, incomuns para um ser de sua raa. Tinhaombros mais largos do que a maioria, mesmo para um membro dos cls das montanhas, quecostumavam possuir braos e ombros mais fortes do que seus primos que habitavam as orestas. Omudo usava argolas de ouro nas grandes orelhas, que formavam uma curva ascendente, dolorosasde furar, pois os moredhel no possuam lbulos. Apresentava trs cicatrizes em cada lado do rosto,smbolos msticos cujo significado no se perdera para a bruxa.

    O mudo fez sinal aos companheiros e o que estava mais direita pareceu fazer um aceno com acabea. Era difcil perceber, pois trajava um manto comprido com um grande capuz que escondiasuas feies. Ambas as mos estavam escondidas em mangas volumosas que eram mantidas juntas.Como se falasse de longe, a silhueta de manto disse:

    Ns procuramos algum que saiba ler smbolos. Sua voz era sibilante, quase um silvo, epercebia-se nela algo sobrenatural. Uma mo surgiu e a bruxa recuou, pois era disforme e coberta deescamas, como se o ser possusse garras cobertas de pele de cobra. Percebeu ento o que era acriatura: um sacerdote do povo serpente pantathiano. Em comparao com o povo serpente, a bruxatinha os moredhel em alta conta.

    Ela desviou a ateno das guras que estavam dos lados e concentrou-se na que estava nocentro. Era um palmo mais alto do que o mudo, com uma constituio ainda mais impressionante.Devagar, ele despiu o manto de pele de urso, sendo que o crnio do urso servia de capacete, e atirou-opara o lado. A velha bruxa arquejou, pois era o moredhel mais impressionante que j vira em sualonga vida. Vestia as calas pesadas, o colete justo e as botas at o joelho dos cls das montanhas eexibia o peito nu. luz do fogo, seu corpo musculoso reluzia, inclinando-se para a frente de modo aexaminar a bruxa. Quase amedrontava, aquele rosto que beirava a perfeio. Porm, o que a fezarquejar, para alm da impressionante aparncia, foi o sinal no peito.

    Voc me conhece? perguntou ele bruxa, que assentiu. Sei quem voc parece ser.Ele inclinou-se ainda mais, at car com o rosto iluminado de baixo para cima pelo fogo,

    revelando algo em sua natureza.

  • Sou quem pareo ser sussurrou, sorrindo. Ela teve medo, j que, por trs das belas feies,por trs do sorriso amvel, viu o rosto da maldade, uma maldade to pura que era quaseinsuportvel. Procuramos quem interprete smbolos para ns repetiu, com uma voz cujo somtransparecia loucura lmpida como gelo.

    Ela soltou um riso abafado. Quer dizer que h limites at para algum com tamanhos poderes?O sorriso do belo moredhel desapareceu lentamente. No conseguimos prever nosso prprio futuro. Eu preciso de prata disse ela, conformada com sua provvel sorte.O moredhel fez um aceno com a cabea. O mudo tirou uma moeda da bolsa presa ao cinto,

    atirando-a para o cho em frente da bruxa. Sem toc-la, ela preparou alguns ingredientes numa taade pedra. Quando terminou a mistura, despejou-a por cima da prata. Ouviu-se um silvo, produzidopela moeda e pelo homem serpente. Uma garra de escamas verdes comeou a fazer sinais e a bruxaadvertiu:

    No quero essas bobagens, cobra. Sua magia da terra quente s ir dificultar a minha leitura.O homem serpente foi refreado por um toque delicado e um sorriso da gura ao centro, que

    acenou com a cabea para a bruxa.Em voz spera, com a garganta seca de medo, a bruxa disse: Diga ento: o que quer saber? Examinou a moeda de prata que sibilava, coberta por um

    muco verde e borbulhante. Chegou o momento? Deverei agir agora, como me foi ordenado?Uma labareda verde e luminosa saltou da moeda e danou. A bruxa seguiu seu movimento

    atentamente e o que seus olhos viam na labareda mais ningum conseguia divisar. As Pedras de Sangue formam a Cruz de Fogo disse pouco depois. Aquilo que voc ,

    voc . Aquilo que tem de fazer desde que nasceu faa! A ltima palavra foi proferida comalguma dificuldade.

    Algo inesperado surgiu no semblante da bruxa, pois o moredhel perguntou: Que mais, bruxa velha? Ao contrrio do que voc julga, h quem possa se opor a voc. Algum ser a causa de sua

    runa. Voc no est sozinho, pois atrs de voc No entendo. A sua voz era dbil, pareciacansada.

    O qu? Desta vez, o moredhel no sorriu. Algo algo imenso, algo distante, algo prfido.O moredhel cou pensativo; virando-se para o homem serpente, falou em voz baixa embora

    num tom autoritrio: V, Cathos. Empregue as suas habilidades secretas e descubra onde reside esse ponto fraco.

    D um nome ao nosso inimigo. Encontre-o.O homem serpente fez uma reverncia desajeitada e saiu da caverna arrastando os ps. O

    moredhel virou-se para o companheiro mudo e disse: Erga os estandartes, meu general, e rena os cls leais nas plancies de Isbandia, sob as torres

    de Sar-Sargoth. Acima de todos, erga o estandarte que escolhi como meu e deixe que todos saibamque comeamos agora o que nos foi ordenado. Voc ser o meu comandante, Murad, e todos saberoque o mais importante dentre aqueles que me servem. Glria e grandeza nos aguardam. Quando acobra louca identicar nossa vtima, avance ao comando dos Assassinos Negros. Deixe que aquelescujas almas me pertencem nos sirvam em busca do nosso inimigo. Encontre-o! Destrua-o! V!

    O mudo assentiu e saiu. O moredhel com o sinal no peito virou-se para a bruxa. Diga-me, escria humana, voc sabe que poderes obscuros se movem?

  • Sim, mensageiro da destruio, sei. Pela Senhora Negra, eu sei.O moredhel riu, produzindo um som glido e desprovido de humor. Eu ostento o smbolo disse, apontando para a marca de nascena de cor prpura, que

    parecia resplandecer furiosamente luz do fogo. Era bvio que no se tratava de uma simplesdesgurao, e sim de uma espcie de talism mgico, pois formava a silhueta perfeita de um dragoem pleno voo. Ergueu um dedo, apontando para cima. Possuo o poder. Fez um movimentocircular com o dedo levantado. Sou o predestinado. Sou o destino.

    A bruxa acenou a cabea em concordncia, sabendo que a morte se precipitava para abra-la.De repente, comeou a mover os lbios proferindo um feitio complexo, agitando desenfreadamenteas mos no ar. Um poder crescente manifestou-se na caverna e ouviu-se um estranho rudo lgubretomar conta da noite. O guerreiro sua frente se limitou a balanar a cabea. Ela lanou um feitiocontra ele que deveria t-lo fulminado de imediato, mas ele ali permaneceu, sorrindo maldosamente.

    Est tentando me testar com suas insignificantes artes, vidente?Percebendo que no havia funcionado, ela fechou os olhos aos poucos e endireitou-se,

    aguardando sua sorte. O moredhel apontou o dedo e dele saiu um raio prateado de luz que atingiu abruxa. Ela gritou, consumida por dores atrozes, e explodiu num fogo branco e quente. Por uminstante, sua forma escura contorceu-se naquele inferno at que as labaredas se extinguiram.

    O moredhel olhou de relance para as cinzas que jaziam no cho, formando o contorno de umcorpo. Dando uma gargalhada ruidosa, pegou o manto e saiu da caverna.

    L fora, os companheiros o aguardavam, segurando seu cavalo. Ao longe, conseguia ver oacampamento de seu bando, ainda pequeno, mas destinado a crescer. Montou e ordenou:

    Para Sar-Sargoth!Dando um puxo nas rdeas, fez o cavalo virar e conduziu o mudo e o sacerdote serpente pela

    encosta.

  • O1

    Reencontro

    navio avanava de volta para casa.O vento mudou de direo e ouviu-se a voz do capito; nos mastros, a tripulao correu para

    responder s exigncias de uma brisa fresca e de um capito ansioso por chegar a um porto seguro.Era um navegador experiente, pois estivera a servio da Marinha do Rei durante quase trinta anos ecomandara sua prpria embarcao durante dezessete. Embora o guia Real fosse o melhor navio dafrota do Rei, o capito desejou que o vento soprasse um pouco mais forte, que avanasse um poucomais depressa, pois no descansaria at desembarcar os passageiros em segurana.

    No castelo de proa encontravam-se as razes para a preocupao do capito: trs homens altos.Dois deles, um louro e outro moreno, estavam junto amurada, rindo de uma piada quecompartilhavam. Ambos tinham poucos centmetros abaixo dos 2 metros de altura e mostravam aatitude segura de um guerreiro ou de um caador. Lyam, Rei do Reino das Ilhas, e Martin, seu irmomais velho e Duque de Crydee, falavam de vrios assuntos, de caadas e banquetes, de viagens epoltica, de guerra e discrdias e, de vez em quando, falavam do pai, o Duque Borric.

    O terceiro homem, no to alto nem com ombros to largos quanto os outros dois, estavaapoiado na amurada, a curta distncia, perdido em seus pensamentos. Arutha, Prncipe de Krondor eo mais novo dos trs irmos, ponderava igualmente sobre o passado, embora sua viso no fosse ado pai morto durante a guerra com os tsurani, naquela que passara a ser conhecida como a Guerrado Portal. Em vez disso, atentava para o rastro deixado pela proa ao cortar as guas verde-esmeralda e, naquele verde, via dois olhos verdes e reluzentes.

    O capito olhou para cima e deu ordens para que as velas fossem manejadas. Voltou a repararnos trs homens na proa e dirigiu, uma vez mais, uma prece silenciosa a Kilian, Deusa dosMarinheiros, ansiando avistar as altas torres espirais de Rillanon. Pois aqueles eram os trs homensmais poderosos e importantes do Reino e o capito se recusava a pensar no caos que assolaria oReino caso a m sorte visitasse aquele navio.

    Arutha ouvia vagamente os gritos do capito e as respostas dos imediatos e da tripulao.Estava exausto devido aos acontecimentos do ano anterior, por isso pouca ateno dava ao que sepassava ao seu redor. Conseguia apenas pensar em uma coisa: estava voltando para Rillanon e paraAnita.

    Arutha sorriu. Sua vida parecera banal nos primeiros dezoito anos, at que acontecera a invasodos tsurani e o mundo mudara para sempre. Fora considerado um dos melhores comandantes doReino, descobrira que, sem ningum suspeitar, Martin era seu irmo mais velho, e testemunharamilhares de horrores e milagres. Contudo, Anita fora o que de mais milagroso acontecera a Arutha.

    Tinham se separado aps a coroao de Lyam. Durante quase um ano, Lyam apresentara oestandarte real aos senhores do Oriente e a reis vizinhos, e estavam agora voltando para casa.

    A voz de Lyam interrompeu os devaneios de Arutha: O que voc est vendo no brilho das ondas, irmozinho?Martin sorriu quando Arutha levantou os olhos do mar, e o antigo Mestre de Caa de Crydee,

    outrora chamado Martin do Arco, inclinou a cabea para o irmo mais novo. Aposto um ano de impostos em como ele est vendo nas ondas um par de olhos verdes e um

    sorriso atrevido.

  • No preciso apostar, Martin disse Lyam. Desde que partimos de Rillanon, recebi trsmensagens de Anita sobre este ou aquele assunto de Estado. Tudo conspira para mant-la emRillanon, embora a me dela tenha regressado s propriedades que lhes pertencem, um ms aps aminha coroao. J Arutha, fazendo uma estimativa por alto, recebeu nesse perodo uma mdia demais de duas mensagens por semana. Da podemos tirar uma ou duas concluses.

    Eu tambm estaria mais do que ansioso por voltar se tivesse algum como ela minhaespera concordou Martin.

    Arutha era uma pessoa reservada e cava de mau humor quando tinha de revelar sentimentosntimos, e essa sensibilidade aumentava quando a questo envolvia Anita. Encontrava-seirremediavelmente apaixonado pela jovem e esbelta mulher, inebriado pela forma como ela sedeslocava, pelos sons que produzia, pelo modo como o olhava. Ainda que aqueles fossem, muitoprovavelmente, os dois nicos homens em Midkemia de quem se sentia prximo a ponto de partilharseus sentimentos, nunca achara graa, nem sequer quando era mais novo, quando era alvo de piada.

    Vendo a expresso de Arutha ficar carregada, Lyam acrescentou: Afaste esse olhar sombrio, Nuvenzinha Tempestuosa. Alm de ser seu Rei, tambm sou seu

    irmo mais velho e, se for preciso, posso dar um puxo de orelha em voc.Ao ouvir o apelido carinhoso pelo qual a me o tratava e imaginando a cena improvvel do Rei

    puxando as orelhas do Prncipe de Krondor, Arutha esboou um sorriso. Ficou calado por uminstante, at que disse:

    Estou apreensivo, pois posso t-la interpretado mal nesse assunto. Suas cartas, ainda queafetuosas, so formais e, por vezes, distantes. Alm do mais, existem muitos jovens na corte de seupalcio.

    Desde o dia em que fugimos de Krondor disse Martin , seu destino cou selado, Arutha.Ela o manteve sob a mira de seu arco desde sempre, como um caador perseguindo um veado.Mesmo antes de chegarmos a Crydee, quando estvamos escondidos, ela, de certo modo, j olhavapara voc. No, ela est sua espera, no tenha dvida.

    Alm disso acrescentou Lyam , voc confessou a ela o que sente. Bom, no o fiz com todas as palavras. Porm lhe declarei minha mais profunda afeio.Lyam e Martin se entreolharam. Arutha disse Lyam , voc escreve com a paixo de um escriba que faz o registro dos

    impostos no final do ano.Os trs riram. Os meses de viagem tinham permitido uma redenio da relao entre os

    irmos. Martin fora mentor e amigo dos outros dois quando eram jovens, ensinando-lhes a caar e asobreviver na oresta. Contudo, tambm fora plebeu, embora ocupasse, como Mestre de Caa, umaposio elevada na hierarquia da corte do Duque Borric. Diante da revelao de que era lhobastardo do pai deles, um meio-irmo mais velho, todos tinham atravessado um perodo deadaptao. Desde ento, tinham passado pela camaradagem falsa daqueles que procuravam cair emsuas boas graas, as promessas vs de amizade e lealdade por parte daqueles que procuravam lucrare, durante esse perodo, tinham descoberto algo mais. Nos outros, cada um deles encontrara doishomens de conana, com quem podiam partilhar condncias, que compreendiam o que signicavaaquela sbita ascenso notabilidade e que partilhavam as presses das responsabilidadesrecentemente impostas. Nos outros dois, cada um deles encontrou dois amigos.

    Arutha balanou a cabea, rindo de si mesmo. Creio que eu tambm soube desde sempre, embora tivesse dvidas. Ela to jovem. Ela tem quase a mesma idade que nossa me tinha quando se casou com nosso pai, no

    verdade? disse Lyam.Arutha encarou Lyam com um olhar ctico.

  • O Voc tem resposta para tudo?Martin deu um tapinha nas costas de Lyam. Claro que tem disse, e, em voz baixa, acrescentou: Por isso ele o Rei.Enquanto Lyam se virava, ngindo um ar carrancudo para Martin, o irmo mais velho

    continuou: Assim sendo, quando regressarmos, pea-a em casamento, querido irmo. Depois, podemos

    acordar o velho Padre Tully, que deve estar dormindo em frente lareira, e prosseguimos todos atKrondor para assistirmos a um belo casamento. E eu posso dar por terminadas todas essas malditasviagens e regressar a Crydee.

    Ouviu-se uma voz do alto gritando: Terra vista! Onde? Adiante.Olhando ao longe e devido vista experiente de caador, Martin foi o primeiro a distinguir a

    costa distante. Colocou calmamente as mos nos ombros dos irmos. Pouco depois, todosconseguiam distinguir o contorno longnquo de torres altas perfiladas no cu azul.

    Em voz baixa, Arutha disse: Rillanon.

    som de passos delicados e o farfalhar de uma saia comprida levantada acima de ps apressadosacompanhavam a viso de uma gura esguia avanando resolutamente por um corredor comprido.As feies encantadoras da dama confirmavam com preciso que a beleza reinante da corte mostravaum semblante de aparncia pouco agradvel. Os guardas colocados ao longo do corredor olhavamem frente, embora a seguissem com os olhos. Mais do que um guarda ponderou sobre quem seria oalvo provvel do famoso temperamento da senhora e sorriu interiormente. O cantor estava prestes asofrer um despertar abrupto, literalmente.

    De uma forma que nada condizia a uma dama, a Princesa Carline, irm do Rei, passou a todaa velocidade por um criado assustado que tentou saltar para o lado e, ao mesmo tempo, fazer umareverncia, uma manobra que o fez cair de costas enquanto Carline desaparecia na ala do palcioreservada aos hspedes.

    Quando chegou a uma porta, esperou. Ajeitando o cabelo com umas palmadinhas, ergueu amo para bater, mas se deteve. Apertou os olhos azuis, cando irritada diante do pensamento de terde esperar que a porta se abrisse, por isso limitou-se a abri-la sem se fazer anunciar.

    O quarto estava s escuras, uma vez que as cortinas ainda estavam corridas. A grande camaestava ocupada por um monte debaixo dos cobertores que gemeu quando Carline bateu com a portadepois de entrar. Tentando no pisar na roupa espalhada pelo cho, afastou as cortinas com umpuxo, deixando entrar a luz brilhante da manh avanada. Ouviu outro gemido do monte e viuuma cabea com dois olhos vermelhos espiando por cima dos cobertores.

    Carline ouviu-se uma voz rouca , voc est tentando me fazer murchar at a morte?Aproximando-se da cama, ela retorquiu: Se voc no tivesse vadiado a noite toda e se houvesse comparecido ao desjejum como seria de

    esperar, talvez tivesse ouvido que o navio de meus irmos foi avistado. Atracaro dentro de duashoras.

    Laurie de Tyr-Sog, trovador, viajante, antigo heri da Guerra do Portal e, nos tempos maisrecentes, menestrel da corte e companheiro constante da Princesa, sentou-se, esfregando os olhoscansados.

    No estive vadiando. O Conde de Dolth insistiu em ouvir todas as msicas do meu repertrio.

  • Cantei quase at o nascer do sol. Pestanejou e sorriu para Carline. Coando a barba loura e bemaparada, prosseguiu: O homem possui uma resistncia inesgotvel, mas tambm possui umexcelente gosto musical.

    Carline sentou-se na beira da cama, inclinou-se e deu-lhe um beijo rpido. Soltou-se comdestreza dos braos que procuravam envolv-la. Mantendo-o afastado com a mo no peito dele,disse:

    Oua, rouxinol apaixonado: Lyam, Martin e Arutha chegaro logo e, assim que Lyam der arecepo real e tratar de todas as formalidades, vou falar com ele sobre nosso casamento.

    Laurie olhou ao redor como se procurasse um canto onde pudesse desaparecer. Ao longo do ano,a relao entre ambos se desenvolvera em intensidade e paixo, porm Laurie sofria de uma espciede reflexo condicionado de fuga no que dizia respeito ao tema casamento.

    Ora, Carline comeou. Ora, Carline digo eu! interrompeu ela, batendo com o dedo em seu peito nu. Seu bufo!

    Pois eu tive prncipes orientais, os lhos de metade dos duques do Reino e sabe-se l quantos maisimplorando permisso simplesmente para me cortejar, e eu sempre os ignorei. Para qu? Para queum msico desmiolado brinque com meus sentimentos? Pois bem, teremos um acerto de contas.

    Laurie sorriu, puxando o cabelo louro e desgrenhado para trs. Sentou-se e, antes que ela pudessereagir, beijou-a apaixonadamente. Quando se afastou, disse:

    Carline, amor da minha vida, por favor J falamos sobre este assunto.Ela arregalou os olhos, que tinham permanecido semicerrados durante o beijo. Oh! J falamos sobre este assunto? disse, furiosa. Vamos casar. Est decidido.

    Levantou-se para evitar que Laurie a abraasse novamente. Tornou-se o escndalo da corte: aPrincesa e seu amante menestrel. Nem sequer uma histria original. Estou me tornando motivo depiada. Maldio, Laurie! Tenho quase vinte e seis anos. A maior parte das mulheres da minha idadej est casada h oito, nove anos. Voc quer que eu morra solteirona?

    Nem pensar, meu amor respondeu ele, ainda com ar divertido.Alm da beleza de Carline e das baixas probabilidades de algum cham-la de solteirona, ela

    era dez anos mais nova do que ele, por isso considerava-a jovem, uma impresso constantementecorroborada pelos acessos de fria infantil. Endireitou-se na cama e abriu as mos num gesto deimpotncia enquanto tentava reprimir o riso.

    Sou o que sou, minha querida, nem mais nem menos. Estou aqui h mais tempo do quealguma vez estive aonde quer que fosse quando era um homem livre. Admito, porm, que este umcativeiro muito mais agradvel do que o ltimo. Ele se referia aos anos de escravido que passaraem Kelewan, o mundo dos tsurani. No entanto, nunca se sabe quando voltarei a desejar vagar pelomundo. Era ntido que ela ia cando cada vez mais furiosa enquanto o ouvia falar, sendo foradoa admitir que, grande parte das vezes, era ele que revelava o que de pior havia na natureza de Carline.Depressa mudou de estratgia: Alm disso, no sei se daria um bom seja l o que for que sechama ao marido da irm do Rei.

    Ento o melhor que se acostume a isso. Agora, levante-se e vista-se.Laurie apanhou as calas que ela lhe atirou e vestiu-as rapidamente. Quando acabou de se vestir,

    colocou-se na frente dela e passou-lhe os braos pela cintura. Desde o dia em que nos conhecemos sou seu servo amoroso, Carline. Nunca amei, nem irei

    amar ningum como amo voc, mas J sei. H meses que ouo as mesmas desculpas. Ela voltou a bater com o dedo em seu

    peito. Voc sempre foi um viajante disse, imitando-o. Sempre foi livre. No sabe como iria sesentir xando-se em um lugar, embora eu tenha reparado que voc conseguiu suportar bem a estadiaaqui no palcio do Rei.

  • Laurie olhou para cima. verdade. Pois bem, meu amante, essas desculpas podem funcionar quando voc se despede da pobre

    lha de um estalajadeiro, mas aqui de pouco servem. Veremos o que pensa Lyam de tudo isso.Calculo que deva haver uma ou outra lei antiga nos arquivos que aborde o fato de plebeus seenvolverem com nobres.

    Laurie soltou um riso abafado. E h. Meu pai tem direito a um soberano de ouro, um par de mulas e uma fazenda por voc

    ter se aproveitado de mim.De repente, Carline deu risadinhas, tentou abaf-las e acabou por gargalhar. Cretino. Abraando-o com fora, pousou a cabea em seu ombro e suspirou. Nunca

    consigo ficar zangada com voc.Ele a embalou delicadamente nos braos e disse baixinho: De vez em quando, verdade que dou razes para isso. Pois , voc d. Bom, poucas vezes. Veja bem, rapazinho disse ela. Os meus irmos esto chegando ao porto neste exato

    momento e voc est aqui parado discutindo. Voc pode se atrever a tomar liberdades comigo, mas oRei capaz de ter uma perspectiva bem diferente da situao.

    Esse tem sido o meu receio disse Laurie, revelando uma clara preocupao na voz.Subitamente, o estado de esprito de Carline serenou. Sua expresso se alterou para lhe dar

    coragem. Lyam far o que eu pedir. Desde muito pequena, ele nunca foi capaz de negar nada que eu

    realmente queria. No estamos em Crydee. Ele sabe que aqui tudo diferente e que eu j no soucriana.

    Eu reparei. Bandido! Olhe, Laurie, voc no um simples agricultor ou sapateiro. Fala mais idiomas do

    que qualquer nobre instrudo que conheci. L e escreve. muito viajado, tendo at conhecido omundo dos tsurani. perspicaz e talentoso. Tem mais capacidade de governar do que aqueles quenasceram destinados a isso. Alm do mais, se posso ter um irmo mais velho que era caador antesde se tornar duque, porque no hei de ter um marido que foi bardo?

    Sua lgica irrepreensvel. No tenho uma resposta altura. Meu amor por voc no temlimites, mas quanto ao resto

    O seu problema que possui a capacidade de governar mas no deseja a responsabilidade. preguioso.

    Ele riu. Por isso o meu pai me expulsou de casa aos 13 anos. Justicou-se dizendo que eu nunca iria

    ser um agricultor aceitvel.Carline afastou-se dele devagar e sua voz ganhou um tom srio: As coisas mudam, Laurie. Ponderei muito sobre esse assunto. Por duas vezes julguei estar

    apaixonada, mas voc o nico homem que me levou a esquecer quem eu era e a agir de modo toindigno. Quando estou com voc, nada faz sentido, mas no importa, pois no me interessa se aforma como me sinto faz algum sentido. Contudo, agora tenho de me importar. Voc tem deescolher, e sem demora. Aposto minhas joias em como no demorar um dia aps a chegada demeus irmos at Arutha e Anita anunciarem que esto noivos. O que signica que partiremos todosrumo a Krondor para o casamento. Quando estiverem casados, voltarei para c com o Lyam.Caber a voc a deciso de nos acompanhar, Laurie. Olhou-o nos olhos. Tenho passado

  • Rmomentos maravilhosos com voc. Jamais imaginei ser possvel sentir o que sinto quando tinhameus sonhos de garota com o Pug e depois com o Roland. Contudo, voc tem de se preparar paraescolher. Voc meu primeiro amante e ser sempre o meu grande amor, mas, quandoregressarmos para c, voc ser meu marido ou somente uma lembrana.

    Antes de Laurie ter chance de responder, ela avanou para a porta. Amo voc de todas as formas, meu bandido. Mas o tempo urge. Fez uma pausa.

    Agora, venha comigo cumprimentar o Rei.Laurie avanou at ela e abriu-lhe a porta. A passo rpido, dirigiram-se at onde as carruagens

    aguardavam para levar o comit de boas-vindas s docas. Laurie de Tyr-Sog, trovador, viajante eheri da Guerra do Portal, estava perfeitamente consciente da presena daquela mulher a seu lado, oque o levava a cogitar como seria se essa presena lhe fosse negada para sempre. Diante dessaprobabilidade, sentiu-se incontestavelmente infeliz.

    illanon, capital do Reino das Ilhas, aguardava a chegada de seu Rei, que voltava para casa. Os

    edifcios estavam adornados com panos festivos e ores de estufa. Elegantes mulas esvoaavamsobre os telhados e faixas de todas as cores estavam audaciosamente presas entre os edifcios por cimadas ruas por onde o Rei iria passar. Conhecida como a Joia do Reino, Rillanon se espalhava sobre asencostas de muitas colinas, um lugar maravilhoso de pinculos elegantes, arcos graciosos e vosdelicados. O falecido Rei Rodric iniciara a restaurao da cidade, acrescentando belas pedras demrmore e quartzo s fachadas de grande parte dos edifcios voltados para o palcio, emprestando cidade uma aparncia de reino encantado sob os raios de sol vespertinos. O guia Real aproximou-seda doca do Rei, onde o comit de boas-vindas aguardava. A distncia, nos edifcios, ruas e encostasque proporcionavam uma vista livre da doca, multides de cidados aclamavam o regresso dojovem Rei. Durante muitos anos, Rillanon vivera sob a nuvem escura da demncia do Rei Rodric e,embora Lyam ainda fosse desconhecido para a maior parte da populao da cidade, j era adorado,pois era jovem e belo, sua valentia na Guerra do Portal era amplamente conhecida e ele revelara umaenorme generosidade: baixara os impostos.

    Com a tranquilidade de um mestre, o prtico do porto conduziu at o local determinado o naviodo Rei, que foi amarrado rapidamente e teve o portal estendido.

    Arutha observou enquanto Lyam descia antes de todos. Tal como ditava a tradio, o Rei ps-sede joelhos e beijou o cho de sua ptria. Os olhos de Arutha varreram a multido em busca de Anita,porm, na turba de nobres que corriam para cumprimentar Lyam, no viu sinais da Princesa. Sentiuo golpe frio de uma dvida passageira.

    Martin deu uma cotovelada em Arutha, que assim impunha o protocolo seria o segundo adesembarcar. Arutha apressou-se portal abaixo, com Martin logo atrs. Viu a irm, que saacorrendo do lado de Laurie, o cantor, para abraar Lyam. Embora os demais presentes no comit deboas-vindas no fossem to avessos aos rituais como Carline, ouviram-se aclamaes espontneasdos membros da corte e dos guardas que aguardavam as ordens do Rei. De repente, os braos deCarline j estavam ao redor do pescoo de Arutha enquanto ela lhe dava um beijo e um abrao.

    Oh, tive saudades desse seu ar carrancudo disse alegremente.Arutha exibia a expresso severa que lhe era tpica quando estava perdido em pensamentos. Qual ar carrancudo? perguntou.Carline olhou nos olhos de Arutha e, com um sorriso inocente, respondeu: Parece que voc engoliu uma coisa que est se mexendo.Martin deu uma gargalhada, mas foi abraado logo em seguida por Carline. De incio, cou

    rgido, pois ainda no se acostumara com a presena de uma irm como havia se habituado dosdois irmos, porm acabou relaxando e abraando-a.

  • O Fiquei entediada sem ter vocs trs por perto disse Carline.Vendo Laurie a curta distncia, Martin abanou a cabea. Ao que parece, no muito entediada.Com ar divertido, Carline retorquiu: No h lei nenhuma que especique que s os homens podem satisfazer seus caprichos. Alm

    disso, o melhor homem que j conheci e que no meu irmo. Martin no conseguiu evitar umsorriso, enquanto Arutha continuava procura de Anita.

    Lorde Caldric, Duque de Rillanon, Conselheiro Principal do Rei e tio-av de Lyam, sorriulargamente quando a enorme mo do Rei envolveu a sua num vigoroso aperto de mo. Lyam quaseteve de gritar para se fazer ouvir, devido s aclamaes de quem estava ali perto.

    Meu tio, como vai nosso Reino? Vai bem, meu Rei, agora que voc voltou.Vendo que Arutha ficava cada vez mais angustiado, Carline disse: Deixe de lado esse ar desapontado, Arutha. Ela est sua espera no jardim oriental.Arutha deu um beijo no rosto de Carline, afastou-se dela e de um Martin risonho e, ao passar

    como uma seta por Lyam, gritou: Com a permisso de Vossa Majestade.A expresso de Lyam passou depressa da surpresa alegria, enquanto Caldric e os demais

    membros da corte ficavam pasmos com o comportamento do Prncipe de Krondor. Lyam inclinou-separa Caldric, dizendo:

    Anita.O rosto idoso de Caldric se iluminou com um sorriso radiante enquanto ele dava risadinhas

    abafadas ao compreender. Ento me parece que em breve voc voltar a partir, desta vez rumo a Krondor e ao

    casamento de seu irmo. Preferamos que fosse celebrado aqui, mas a tradio dita que o Prncipe se case em sua

    prpria cidade e temos de nos submeter tradio. Contudo, ainda demorar algumas semanas.Essas cerimnias demoram e temos um reino para governar, embora nos parea que voc fez umbom trabalho em nossa ausncia.

    Talvez, Majestade, contudo, agora que o Rei est de novo em Rillanon, muitos dos assuntossuspensos nesse ltimo ano sero trazidos sua considerao. As peties e outros documentos quelhe enviamos durante sua viagem representam apenas um dcimo daquilo que preciso analisar.

    Lyam emitiu um gemido fingido. Creio que pedirei ao capito que zarpe imediatamente.Caldric sorriu. Venha, Majestade. A cidade deseja ver seu Rei.

    jardim oriental estava vazio, exceo de um vulto que se deslocava tranquilamente entre os vasosbem cuidados de ores que ainda no estavam preparadas para orescer. Algumas mais robustas jganhavam o verde brilhante da primavera e muitas das sebes limtrofes eram de folhas sempreverdes, mas ainda assim o jardim evocava sobretudo o smbolo estril do inverno, mais do que apromessa fresca da primavera que iria se manifestar em poucas semanas.

    Anita olhou para Rillanon l embaixo. O palcio fora construdo no topo de uma colina, ondeoutrora existira apenas uma grande torre que ainda constitua seu ncleo central. Eram sete as pontesde arcos elevados atravessando o rio que rodeava o palcio com seu curso de gua sinuoso. O ventoda tarde soprava fresco e Anita ajeitou o xale de seda fina ao redor dos ombros.

    Ela sorriu ao recordar. Seus olhos verdes caram turvos de lgrimas ao se lembrar do falecido

  • pai, o Prncipe Erland, e de tudo o que sucedera no ano anterior e mais ainda: como Guy du Bas-Tyra chegara a Krondor e tentara for-la a um casamento por interesse de Estado e como Aruthachegara incgnito a Krondor. Juntos, tinham se mantido na clandestinidade sob a proteo dosZombadores os ladres de Krondor por mais de um ms at fugirem para Crydee. No nal daGuerra do Portal, viajara para Rillanon para assistir coroao de Lyam. Durante esses meses,tambm se apaixonara perdidamente pelo irmo mais novo do Rei, Arutha, que voltara a Rillanon.

    O som de botas nas lajes levou-a a se virar. Anita esperava ver um servial ou um guarda quelhe viesse anunciar a chegada do Rei ao porto. Em vez disso, viu se aproximar um homem com arcansado, vestindo roupas de viagem elegantes mas amarrotadas. Seu cabelo castanho-escuro estavadesgrenhado pela brisa e crculos escuros rodeavam seus olhos castanhos. O rosto magro apresentavao ar ligeiramente carrancudo que adotava quando ponderava sobre algo srio e que ela consideravaencantador. Ao se aproximar, Anita maravilhou-se em silncio com a forma como ele caminhavacom agilidade, um movimento quase felino em sua graciosidade e economia de movimentos. Ao seaproximar, ele sorriu, hesitante, quase timidamente. Antes de conseguir recorrer a anos decomedimento aprendido na corte, Anita percebeu que as lgrimas comeavam a correr. De repente,viu-se em seus braos, abraando-o com fora.

    Arutha foi tudo o que conseguiu dizer.Durante algum tempo ali caram, calados, num abrao apertado. Em seguida, Arutha inclinou

    a cabea de Anita para trs e a beijou. Sem palavras, falou da devoo e da saudade e, sem palavras,ela respondeu. Ele tou aqueles olhos to verdes como o mar e o nariz encantadoramente salpicadopor um pequena mancha de sardas, uma imperfeio agradvel numa pele completamente clara.

    Regressei disse, com um sorriso cansado.Riu perante a obviedade do comentrio. Ela tambm riu. Sentiu-se animado por ter aquela

    mulher jovem e esbelta nos braos, por sentir o odor delicado do cabelo ruivo escuro penteado de umaforma complexa que, nessa estao, era moda na corte. Alegrava-se por estar novamente com ela.

    Anita afastou-se, mas lhe deu a mo, apertando a dele com fora. J passou tanto tempo disse em voz baixa. Era s para ser um ms depois mais

    outro e muitos mais se seguiram. Voc est ausente h mais de seis meses. No tive coragem de ir sdocas. Sabia que no conteria o choro assim que avistasse voc. Tinha o rosto mido de lgrimas.Sorriu e enxugou-as.

    Arutha apertou-lhe a mo. Lyam estava sempre encontrando mais nobres para visitar. Deveres do Reino disse num

    tom sarcstico de desaprovao. Desde o dia em que conhecera Anita, Arutha fora incapaz deexpressar seus sentimentos pela moa. Fortemente atrado por ela desde o incio, debatera-seconstantemente com as emoes aps a fuga de ambos de Krondor. Era grande a atrao por ela,porm encarava-a como pouco mais do que uma criana prestes a atingir a maioridade. No entanto,Anita revelara-se uma inuncia tranquilizadora, interpretando seus estados de esprito comoningum, pressentindo a melhor forma de mitigar suas preocupaes, de conter sua raiva e de afast-lo de suas introspeces sombrias. Alm disso, Arutha comeara a amar seus modos delicados.

    Ele permanecera em silncio at a noite anterior partida com Lyam. Tinham passeado naquelejardim, conversando at altas horas, ainda que no tivessem dito nada de grande importncia,Arutha partiu com o sentimento de que haviam alcanado uma espcie de entendimento. O tomapressado e por vezes at um pouco formal das cartas dela o deixara preocupado, receoso de t-lainterpretado erroneamente naquela noite; contudo, naquele momento, olhando para ela, sabia que issono acontecera. Sem rodeios, declarou:

    Desde que parti, pouco mais fiz alm de pensar em voc.Reparou que os olhos da Princesa se enchiam novamente de lgrimas ao dizer:

  • A E eu em voc. Eu amo voc, Anita. Desejo voc a meu lado para sempre. Aceita se casar comigo?Ela apertou a mo dele com fora ao responder: Aceito. E voltou a abra-lo. A mente de Arutha deixou-se levar sob o simples efeito da

    felicidade que sentia. Abraando-a com fora, sussurrou: Voc a minha alegria. o meu corao.Ali caram algum tempo, o Prncipe alto e esguio e a esbelta Princesa cuja cabea mal lhe

    chegava ao queixo. Conversavam em voz baixa e nada parecia importante exceo da presena umdo outro. Foi ento que o som constrangido de algum pigarreando os fez sair de seus devaneios.Viraram-se e viram um guarda do palcio entrada do jardim.

    Sua Majestade se aproxima, Vossas Altezas informou. Dentro de poucos minutos irentrar no grande salo.

    Iremos imediatamente respondeu Arutha.Levou Anita pela mo, passando pelo guarda, que os seguiu. Caso Arutha e Anita tivessem

    olhado por cima do ombro, teriam visto o experiente guarda do palcio lutando para reprimir umgrande sorriso.

    rutha deu um aperto nal na mo de Anita, posicionando-se depois ao lado da porta no momento

    em que Lyam entrou no grande salo do trono. medida que o Rei avanava para o estrado ondeestava colocado o trono, os membros da corte lhe faziam reverncias e o Mestre de Cerimnias daCorte batia no cho com a ponta de ferro de seu basto cerimonial. Ouviu-se um arauto:

    Escutem! Escutem! Que a notcia se espalhe: Lyam, primeiro de seu nome e, pela graa dosdeuses, legtimo soberano, regressou a ns e volta a sentar-se em seu trono. Vida longa ao Rei!

    Vida longa ao Rei! ouviu-se a resposta daqueles que estavam reunidos no salo.Depois de sentar-se, com o simples aro de ouro que o cargo exigia sobre a testa e de manto roxo

    nos ombros, Lyam disse: agradvel estar de novo em casa.O Mestre de Cerimnias da Corte voltou a bater com o basto no cho e o arauto anunciou o

    nome de Arutha. Arutha entrou no salo, seguido por Carline e Anita, com Martin logo atrs, comoditava o protocolo. Foram anunciados por ordem. Quando estavam todos em seus lugares ao lado deLyam, o Rei fez um sinal a Arutha.

    Arutha aproximou-se dele, inclinando-se. Fez o pedido? perguntou o Rei.Com um sorriso enviesado, Arutha respondeu: Qual pedido?Lyam sorriu abertamente. O pedido de casamento, pateta. Claro que fez, e, tendo em conta esse seu sorriso bobo, ela

    aceitou sussurrou. Volte para seu lugar e em breve farei o anncio. Arutha voltou para olado de Anita e Lyam fez um sinal ao Duque Caldric. Estamos exaustos, meu Lorde Chanceler.Muito nos agradaria se abreviassem os assuntos deste dia.

    H dois assuntos que julgo exigirem a ateno imediata de Vossa Majestade. O relato geralpode esperar.

    Lyam sinalizou a Caldric que prosseguisse. Em primeiro lugar, dos Bares Fronteirios e do Duque Vandros de Yabon nos chegaram

    relatos de movimentos fora do comum da parte dos goblins no Reino Ocidental.Ao ouvir isso, a ateno de Arutha desviou-se de Anita. Cabia a ele o governo do Reino

    Ocidental. Lyam olhou em sua direo, depois na direo de Martin, indicando que deviam prestar

  • ateno. Martin quis saber: Que notcias tem de Crydee, meu senhor?Ao que Caldric respondeu: No temos notcias da Costa Extrema, Vossa Graa. Neste momento, dispomos somente de

    relatos da rea compreendida entre o Castelo Alto a leste e o Lago do Cu a oeste, avistamentosconstantes de bandos de goblins deslocando-se para o norte e incurses ocasionais quando passampelos povoados.

    Rumo ao norte? Martin olhou de relance para Arutha, que disse: Com a permisso de Vossa Majestade? Lyam assentiu. Martin, acredita que os goblins

    esto se juntando Irmandade da Senda das Trevas?Martin ponderou. No descartaria essa possibilidade. H muito que os goblins servem os moredhel. Embora

    esperasse ver os Irmos Negros rumo ao sul, regressando s suas terras na Cordilheira das TorresCinzentas. Os primos negros dos elfos tinham sido obrigados a fugir para norte das TorresCinzentas devido invaso tsurani durante a Guerra do Portal. Martin se dirigiu a Caldric: Meusenhor, tem havido relatos a respeito da Irmandade das Trevas?

    Caldric abanou a cabea. Os avistamentos habituais ao longo dos ps das Presas do Mundo, Duque Martin, mas nada

    de extraordinrio. Os Lordes de Sentinela do Norte, Passagem de Ferro e Castelo Alto tm enviado osrelatrios habituais a respeito da Irmandade e nada mais do que isso.

    Arutha, voc e Martin caro incumbidos de analisar esses relatrios e determinar o quepoder ser preciso no Ocidente disse Lyam e, em seguida, olhou para Caldric. Que mais, meusenhor?

    Uma mensagem da Imperatriz do Grande Kesh, Vossa Majestade. O que tem Kesh a dizer s Ilhas? A Imperatriz deu ordens para que seu embaixador, um tal de Abdur Rachman Memo

    Hazara-Khan, viesse s Ilhas com o propsito de discutir o trmino das discrdias que possam aindapermanecer entre Kesh e as Ilhas.

    Essas notcias nos agradam, meu senhor. H muito que a questo do Vale de Sonhos impedeque nosso Reino e o Grande Kesh se tratem com igualdade em tantos outros assuntos. Seriaduplamente benco para nossas naes se pudssemos resolver de vez essa questo. Lyamlevantou-se. No entanto, envie mensagem a Sua Excelncia indicando que ter de se reunir conoscoem Krondor, pois temos um casamento a realizar. Meus senhores e minhas senhoras da corte, comimenso prazer que anunciamos o matrimnio, a ser realizado em breve, de nosso irmo Arutha coma Princesa Anita. O Rei virou-se para Arutha e Anita, pegando na mo de cada um eapresentando-os corte reunida, que aplaudiu o anncio.

    De onde estava, ao lado dos irmos, Carline fulminou Laurie com o olhar e foi beijar Anita.Com o salo tomado por um grande entusiasmo, Lyam disse:

    Damos por terminados os assuntos deste dia.

  • A2

    Krondor

    cidade estava adormecida.Um manto de denso nevoeiro deslizara do Mar Amargo, envolvendo Krondor em uma espessa

    brancura. A capital ocidental do Reino nunca descansava, mas os sons habituais da noite surgiamabafados pela neblina quase impenetrvel que cobria os movimentos daqueles que continuavam apercorrer suas ruas. Tudo parecia mais entorpecido, menos estridente do que o habitual, como se acidade tivesse se acalmado.

    Para um dos habitantes da cidade, as condies dessa noite se aproximavam das ideais. Onevoeiro tornara cada rua uma passagem estreita e sombria, cada bloco de edifcios, uma ilhaisolada. A escurido inndvel s era interrompida de vez em quando por luminrias que cavamnas esquina, pequenos pontos intermedirios de calor e de luz das quais os transeuntes se beneficiavamantes de voltarem a mergulhar na noite mida e lgubre. Contudo, entre esses pequenos abrigos deiluminao, uma proteo adicional era propiciada a um indivduo acostumado a trabalhar naescurido, pois os pequenos rudos eram abafados e os movimentos cavam a salvo de umaobservao fortuita. Jimmy, a Mo, andava ocupado com seus afazeres. Com cerca de 15 anos deidade, Jimmy, a Mo, j era considerado um dos membros mais bem-sucedidos dos Zombadores, aGuilda dos Ladres. Jimmy se dedicara a esse ofcio durante quase toda a sua curta vida, um meninode rua que progredira de um simples ladro que roubava frutas dos vendedores ambulantes situao de membro dos Zombadores. Desconhecia quem era seu pai; sua me fora prostituta noBairro Pobre at morrer pelas mos de um marinheiro embriagado. Desde ento, o garoto faziaparte dos Zombadores e sua ascenso fora rpida. O que mais surpreendia em seu progresso, noentanto, no era sua tenra idade, uma vez que os Zombadores consideravam que logo que um rapazestivesse preparado para tentar roubar, devia ser posto na rua. Com o fracasso advinham algumasrecompensas. Um ladro ruim em pouco tempo se tornava um ladro morto. Desde que outroZombador no fosse colocado em perigo, pouca perda havia na morte de um ladro de parcostalentos. No, o que mais impressionava na rpida ascenso de Jimmy era o fato de ser quase tobom como ele prprio se considerava.

    Com movimentos furtivos que beiravam o sobrenatural, deslocava-se pelo ambiente. O silncioda noite somente era interrompido pelo roncar profundo dos moradores, alheios ao que se passava. Anica iluminao provinha do brilho tnue de uma luminria distante que entrava pela janela aberta.Jimmy olhou em volta com ateno, juntando os demais sentidos busca. Uma alterao sbita nosom do assoalho sob os passos leves de Jimmy e o ladro encontrou o que procurava. Riu por dentroface falta de originalidade do mercador em esconder sua fortuna. Com movimentos precisos, omenino-ladro levantou a tbua falsa, enfiando a mo no esconderijo de Trig, o comerciante.

    Trig bufou e virou-se para o outro lado, provocando um ronco em sua esposa obesa. Jimmycou completamente imvel, quase sem respirar, deixando que as duas silhuetas adormecidaspermanecessem sossegadas durante vrios minutos. Em seguida, tirou uma pesada bolsa, guardandoo saque com cuidado sob a tnica, preso ao largo cinto. Voltou a colocar a tbua no lugar e retornou janela. Com sorte, passariam dias at que descobrissem o furto.

    Saiu pela janela e, virando-se para trs, ergueu os braos para alcanar os beirais. Um rpidoimpulso e sentou-se no telhado. Suspenso sobre a beirada, fechou as folhas da janela com um ligeiro

  • empurro e agitou o gancho com um barbante para que o trinco de dentro voltasse ao lugar.Depressa retirou o barbante, rindo em silncio ao pensar na perplexidade que certamente ocomerciante mostraria quando tentasse perceber como o ouro fora levado. Jimmy cou parado porum instante, atento a sons que indicassem algum acordando l dentro. Quando no ouviu nada,relaxou.

    Levantou-se e comeou a avanar pela Via dos Ladres, como eram conhecidos os telhados dacidade. Saltou do telhado da casa de Trig para o seguinte, sentando-se depois nas telhas parainspecionar o resultado do assalto. A bolsa provava que o comerciante fora um homem econmico,j que guardara uma poro signicativa de seus sucessivos lucros. Jimmy poderia manter uma vidaconfortvel durante meses, caso no perdesse tudo no jogo.

    Um breve rudo levou Jimmy a se deitar no telhado, agarrando-se s telhas em silncio. Ouviuoutro som, um movimento de sapatos se arrastando vindo do outro lado de uma empena, no meiodo telhado onde se encontrava. O rapaz amaldioou sua sorte e passou uma mo pelo cabelocastanho encaracolado, mido devido ao nevoeiro. Encontrar mais algum nos telhados ali perto spodia signicar problemas. Jimmy estava trabalhando sem conhecimento do Mestre Noturno, lderdos Zombadores, um hbito que lhe rendera reprimendas e surras nas poucas vezes em que foradescoberto, porm, se estivesse colocando em perigo o trabalho noturno de outro Zombador, cariaexposto a mais do que palavras severas ou a uma srie de tabefes de todos os que estivessempresentes. Jimmy era tratado como adulto pelos outros membros da guilda, tendo adquirido essaposio atravs de trabalho rduo e engenhosidade. Por sua vez, esperavam que se comportassecomo um membro responsvel, sem terem de levar em conta sua idade. Se arriscasse a vida de outroZombador, poderia pagar com a sua.

    A alternativa poderia se revelar igualmente desastrosa. Se um ladro independente estivessetrabalhando na cidade sem permisso dos Zombadores, Jimmy tinha o dever de identic-lo edenunci-lo. De certa forma, esse ato iria amenizar a quebra das regras dos Zombadores cometidapor Jimmy, especialmente se desse guilda os habituais dois teros do ouro do comerciante.

    Deslizou por cima do topo do telhado e rastejou at car do lado oposto ao da origem do rudo.Precisava somente dar uma olhada no ladro independente e denunci-lo. O Mestre Noturnodivulgaria a descrio do homem, que, mais cedo ou mais tarde, receberia a visita de unsbrutamontes da guilda que o iriam educar conforme as regras dos Zombadores no que dizia respeitoa bandidos forasteiros. Jimmy levantou-se aos poucos e espiou por cima do telhado. No viu nada.Olhando em volta, percebeu um movimento vago pelo canto do olho e virou-se. Uma vez mais, noviu nada. Jimmy, a Mo, acomodou-se para esperar. Havia algo ali que provocava sua sutilcuriosidade.

    Essa intensa curiosidade era um dos poucos pontos fracos de Jimmy em seu ofcio alm dairritao ocasional por ser obrigado a dividir o saque com a guilda, que via essa relutncia comalguma incredulidade. Sua educao pelos Zombadores lhe transmitira um certo apreo pela vida,incomum para a sua idade um ceticismo que beirava o cinismo. No tinha estudos, mas eraastuto. Isso ele sabia: o som no surgia do ar exceto quando envolvia magia.

    Jimmy acalmou-se por um instante de modo a decifrar aquilo que no vira. Seria um espritoinvisvel que se contorcia penosamente pelos telhados pouco provvel, mas possvel , ou seriaalgo mais corpreo se escondendo nas profundezas das sombras do outro lado da empena?

    Jimmy arrastou-se at car frente empena e levantou-se um pouco para espiar por cima dotelhado. Perscrutou a escurido e, quando ouviu outro vago arrastar, foi recompensado por umvislumbre de movimento. Havia algum envolto em sombras, vestindo uma capa escura. Jimmy sconseguia localiz-lo quando se deslocava. Andou devagarzinho logo abaixo do topo para conseguirum melhor ngulo de viso, at car diretamente atrs do vulto. Voltou a se erguer. O indivduo

  • furtivo mexeu-se, ajeitando a capa nos ombros. Jimmy cou com os pelos da nuca em p. O vulto sua frente vestia-se completamente de negro e trazia uma pesada besta. No era ladro nenhum, esim um Falco Noturno!

    Jimmy cou petricado. Deparar-se com um membro da Guilda da Morte em plena atividadeno aumentava as esperanas de uma vida longa. Porm havia uma ordem permanente entre osZombadores de que qualquer notcia relacionada com a irmandade de assassinos devia sercomunicada imediatamente, e essa ordem fora emitida pelo prprio Justo, a maior autoridade dosZombadores. Jimmy optou por aguardar, confiando em sua capacidade, caso fosse descoberto. Podiano possuir os atributos quase lendrios de um Falco Noturno, mas possua a conana suprema deum rapaz de 15 anos que se tornara o mais jovem Mestre Ladro da histria dos Zombadores. Sefosse descoberto, no seria a primeira perseguio pela Via dos Ladres.

    O tempo foi passando e Jimmy esperou, revelando uma disciplina incomum para um rapaz dasua idade. Um ladro incapaz de permanecer quieto durante vrias horas, caso surgisse essanecessidade, no permaneceria vivo por muito tempo. De vez em quando, Jimmy ouvia evislumbrava o assassino se movimentando. O respeito temeroso que Jimmy sentia pelos lendriosFalces Noturnos diminuiu a olhos vistos pois aquele mostrava pouca aptido para car imvel. Hmuito que Jimmy dominara o truque de contrair e descontrair os msculos em silncio para evitarcibras e rigidez. Chegou concluso de que grande parte das lendas tendia para o exagero e, noramo dos Falces Noturnos, era vantajoso manter o temor que infundiam nas pessoas.

    Subitamente, o assassino se deslocou, deixando a capa cair por completo ao erguer a besta.Jimmy ouviu o som de cascos se aproximando. Cavaleiros passavam logo abaixo; o assassinobaixou a arma devagar. Obviamente, sua presa no se encontrava entre os que j tinham passado.

    Jimmy apoiou-se no cotovelo para se levantar um pouco mais e obter uma viso melhor dohomem, agora que a capa no o ocultava mais. O assassino virou-se ligeiramente para recuperar acapa, expondo o rosto ao rapaz. O ladro juntou as pernas debaixo do corpo, preparado para saltarcaso fosse preciso, e examinou o homem. Conseguia divisar muito pouco, exceo do cabelo escuroe da pele clara. De repente, o assassino pareceu olhar diretamente para ele.

    O corao de Jimmy batia alto em seus ouvidos, levando-o a pensar como seria possvel que oassassino no ouvisse tal algazarra. No entanto, o homem regressou sua viglia e Jimmy abaixou-se silenciosamente por trs do topo do telhado. Respirou devagar, reprimindo uma vontade repentinae tola de rir. Depois que esta passou, conseguiu car um pouco mais descontrado e arriscou outraespiada.

    Uma vez mais, o assassino aguardava. Jimmy se acalmou. Pensou a respeito da arma doFalco Noturno. A pesada besta era uma escolha medocre para um atirador, uma vez que eramenos precisa que qualquer bom arco. Serviria para algum pouco treinado, pois lanava a echacom fora fulminante um ferimento que no seria fatal se provocado pela echa de um arcopoderia vir a ser se vindo de uma besta, devido ao choque adicional do golpe. Certa vez, Jimmy virauma couraa de ao em exposio em uma taberna que tinha um orifcio do tamanho do punho dorapaz devido seta disparada por uma besta. Tinham-na pendurado no devido ao tamanho doorifcio, habitual para uma arma daquele tipo, mas porque o homem que a vestira havia, sabe-se lcomo, sobrevivido. Contudo, a arma tinha desvantagens. Alm de no ser precisa a mais de umadezena de metros, seu alcance era curto.

    Jimmy esticou o pescoo para ver o Falco Noturno, sentindo um estalo no brao direito. Mudouligeiramente o peso do corpo para a esquerda. De repente, uma telha cedeu debaixo de sua mo e,com um estalido, partiu-se. Caiu pelo telhado ruidosamente, esmigalhando-se nas pedras da caladal embaixo. Para Jimmy, foi o ribombar de um trovo que anunciava sua perdio.

    Com uma velocidade sobrenatural, o assassino virou-se e disparou. O escorrego de Jimmy

  • salvou-lhe a vida, pois no poderia ter se esquivado a tempo de evitar a seta, se a gravidade no lhefornecesse a velocidade necessria. Bateu no telhado, ouvindo a echa passar por cima da cabea. Porum breve instante, imaginou sua cabea explodindo como uma abbora madura e agradeceu emsilncio a Banath, o deus protetor dos ladres.

    Foram os reexos de Jimmy que o salvaram em seguida, pois, ao invs de se levantar, roloupara a direita. Uma espada bateu no local onde estivera deitado no instante anterior. Ciente de queno conseguiria obter um avano confortvel para fugir do assassino, Jimmy deu um salto eagachou-se, tirando o punhal da bota direita com um nico movimento. Pouco apreciava as lutascorpo a corpo, embora tivesse percebido logo no incio de sua carreira que a sua vida poderiadepender do uso de uma lmina. Treinava aplicadamente sempre que surgia uma oportunidade.Jimmy lamentava apenas que a incurso ao telhado o tivesse impedido de trazer o florete.

    O assassino virou-se para encarar o rapaz e Jimmy reparou que ele hesitara por um breveinstante. O Falco Noturno podia ter reexos rpidos, mas no estava acostumado ao piso precrioque os telhados ofereciam. Sorriu, no s para esconder o medo como tambm por achar graa dodesconforto do assassino.

    Com um sussurro sibilante, o assassino disse: Reze aos deuses que o trouxeram aqui, rapaz.Jimmy considerou o comentrio inusitado, uma vez que contribua para distrair quem falava. O

    assassino investiu, o gume da espada golpeou o ar onde Jimmy estivera um segundo antes, mas omenino ladro fugiu.

    Precipitou-se pelo telhado e saltou de volta para o edifcio onde vivia Trig, o comerciante. Emseguida, ouviu o assassino saltar tambm. Jimmy correu rapidamente at se ver diante de um grandevo. Com a pressa, se esquecera de que existia uma ampla viela naquela extremidade do edifcio,deixando o prdio seguinte a uma distncia impossvel de se saltar. Girou sobre os calcanhares.

    O assassino aproximava-se devagar com a espada apontada para Jimmy, que teve uma ideia ecomeou uma dana louca, batendo com os ps no telhado. Pouco depois, o barulho teve resposta eouviu-se uma voz irada de baixo:

    Ladro! Estou perdido! Jimmy imaginou Trig debruado na janela, despertando osguardas da cidade, e teve esperana de que o assassino estivesse imaginando o mesmo. A algazarracertamente faria com que a construo fosse cercada em pouco tempo. Rezou para que o assassinofugisse ao invs de punir o responsvel por seu fracasso.

    O assassino ignorou os gritos do comerciante e avanou para Jimmy. Voltou a golpear e orapaz se esquivou novamente, cando ao alcance do assassino. Jimmy deu, ento, uma estocada como punhal e sentiu a ponta espetar o brao do Falco Noturno que segurava a espada. Ouviu a espadado assassino cair na rua. Um grito de dor ecoou na noite, silenciando os berros do comerciante.Jimmy ouviu as persianas se fecharem e pensou no que o coitado do Trig estaria imaginando aoouvir aquele grito por cima da sua cabea.

    O assassino esquivou-se de outra investida de Jimmy e tirou uma adaga do cinto. Voltou aavanar, sem falar, com a arma na mo esquerda. Jimmy ouviu vozes na rua abaixo e resistiu vontade de pedir socorro. No estava muito conante de que seria capaz de levar a melhor, mesmoque o assassino lutasse com a mo esquerda, mas tambm sentia alguma relutncia em explicar oque fazia no telhado do comerciante. Alm disso, mesmo que pedisse socorro, quando a ajudachegasse, entrasse na casa e subisse ao telhado, a contenda j estaria resolvida.

    Jimmy recuou at a beira do telhado at car com os calcanhares suspensos no ar. O assassinoaproximou-se, dizendo:

    No h para onde fugir, rapaz.Jimmy esperou, preparando uma jogada desesperada. O assassino cou tenso, o sinal pelo qual

  • AJimmy aguardara. Agachou-se e, ao mesmo tempo, deu um passo para trs, deixando-se cair. Oassassino comeara a investida e, quando a adaga no encontrou a resistncia esperada,desequilibrou-se e caiu para a frente. Jimmy agarrou-se beira do telhado, quase deslocando osombros com o solavanco. Mais do que viu, ele sentiu o assassino passando por trs, caindo emsilncio na escurido e batendo nas pedras da calada l embaixo.

    Ficou pendurado por um instante, com as mos, os braos e ombros ardendo de dor. Seria tosimples largar-se e tombar na agradvel escurido. Livrando-se do cansao e da dor, instou osmsculos em protesto para conseguir se iar de novo para o telhado. Ficou momentaneamente semflego e ento virou-se e olhou para baixo.

    O assassino jazia imvel na calada. O pescoo torto no deixava dvidas de que estava morto.Respirou fundo, arrepiando-se de medo. Reprimiu um calafrio, abaixando-se quando viu doishomens entrarem correndo na viela. Eles agarraram o cadver e o viraram, pegando o corpo esaindo dali s pressas. Jimmy cou pensando. Para haver colegas do assassino por perto, era bvioque fora uma tarefa da Guilda da Morte. Quem esperariam que passasse pela rua quela hora danoite? Olhando ao redor por um momento, ponderou sobre o risco de car por ali um pouco maispara satisfazer a curiosidade, tendo em conta que certamente os guardas da cidade chegariam empoucos minutos. A curiosidade foi mais forte.

    Um som de cascos ecoou pelo nevoeiro e no tardou que surgissem dois cavaleiros luz daluminria que iluminava a rua em frente casa de Trig. Foi naquele momento que Trig decidiuvoltar a abrir as folhas da janela, retomando os gritos por socorro. Jimmy arregalou os olhosquando os cavaleiros olharam para a janela do comerciante, pois havia mais de um ano que no viaum dos homens, ainda que o conhecesse bem. Balanando a cabea diante das implicaes do quevira, o menino ladro considerou que aquele era um bom momento para sair dali. Contudo, o fato deter visto aquele homem l embaixo impossibilitou que Jimmy desse aquela noite por terminada.Seria, certamente, uma noite longa. Levantou-se e deu incio caminhada pela Via dos Ladres, devolta ao refgio dos Zombadores.

    rutha puxou as rdeas e olhou para onde um homem de pijama gritava de uma janela.

    Laurie, o que est acontecendo ali? Pelo que entendi dos lamentos e gritos, acho que aquele burgus foi vtima recente de algum

    crime.Arutha riu. Isso eu tambm percebi.No conhecia Laurie muito bem, mas apreciava a vivacidade e o senso de humor do menestrel.

    Sabia da existncia de problemas entre Laurie e Carline e fora por isso que Laurie pedira paraacompanhar Arutha em sua viagem a Krondor. Carline haveria de chegar dali a uma semana comAnita e Lyam. No entanto, h muito que Arutha decidira que o que Carline no lhe confidenciasse nolhe dizia respeito. Alm do mais, Arutha compreendia a situao difcil em que Laurie se encontravacaso a tivesse deixado irritada. Depois de Anita, Carline era a ltima pessoa com quem Aruthaqueria brigar.

    O Prncipe estudou a rea enquanto algumas almas sonolentas dos edifcios vizinhoscomeavam a bradar perguntas.

    Bem, acho que logo uma investigao vai comear por aqui. melhor retomarmos nossocaminho.

    Como se suas palavras tivessem sido profticas, Arutha e Laurie assustaram-se ao ouvir umavoz vinda do nevoeiro:

    Vocs a!

  • Da nvoa, surgiram trs homens com os barretes de feltro cinzento e os tabardos amarelos daguarda da cidade. O guarda mais esquerda, um indivduo musculoso e de sobrancelhas cerradas,trazia uma lanterna em uma mo e um basto comprido na outra. O homem do meio, de idadeavanada, parecia prestes a atingir a idade da aposentadoria, e o terceiro era jovem, mas ambostranspareciam um ar de experincia de rua, evidente pela forma como mantinham as mos de mododescontrado pousadas em enormes punhais que traziam presos aos cintos.

    O que est acontecendo aqui? questionou o guarda mais velho com uma voz quemisturava bom humor e autoridade.

    Alguma confuso naquela casa, guarda. Arutha apontou para o comerciante. Estvamos de passagem.

    Estavam, senhor? Pois ento no se recusaro a permanecer aqui um pouco mais atdescobrirmos do que se trata. Fez sinal ao jovem guarda-noturno para que ficasse de olho.

    Arutha acenou a cabea, no dizendo nada. Foi ento que um homem parecido com um odre,enrubescido e ofegante, saiu da casa agitando os braos ao mesmo tempo que berrava:

    Ladres! Entraram sorrateiramente no meu quarto, no meu prprio quarto, e levaram o meutesouro! Que mundo este em que um cidado cumpridor das leis j no est seguro na sua cama, nasua prpria cama, pergunto eu? Avistando Arutha e Laurie, disse: Quer dizer que so estes osladres, os malvados ladres? Reunindo a dignidade possvel, j vez que vestia uma larga camisade noite, clamou: O que fizeram com o meu ouro, com o meu estimado ouro?

    O guarda-noturno de grande porte puxou bruscamente o brao do homem aos gritos, quasefazendo o comerciante dar uma volta completa.

    Olhe l, cuidado com a gritaria, seu mal-educado. Mal-educado! gritou Trig. Mas o que lhe d o direito de chamar um cidado, um

    cidado cumpridor das leis Deteve-se, incrdulo ao ver uma companhia de cavaleiros surgir donevoeiro. dianteira, seguia um homem alto de pele escura que vestia o tabardo de Capito daGuarda da Casa Real do Prncipe. Vendo o ajuntamento na rua, fez sinal para que os demaisparassem. Balanando a cabea, Arutha disse a Laurie:

    L se vai nosso discreto retorno a Krondor. Guarda, o que est acontecendo aqui? perguntou o Capito.O guarda bateu continncia. o que eu estava precisamente tentando descobrir, Capito. Detivemos esses dois

    Indicou Arutha e Laurie.O Capito aproximou o cavalo e riu. O guarda-noturno olhou de soslaio para aquele capito

    alto, sem saber o que dizer. Aproximando-se de Arutha, Gardan, o ex-sargento da guarnio deCrydee, bateu continncia.

    Bem-vindo sua cidade, Alteza. Ao ouvirem essas palavras, os demais guardasendireitaram-se nas selas, saudando o Prncipe.

    Arutha devolveu a continncia aos guardas e, em seguida, apertou a mo de Gardan, enquantoos guardas-noturnos e o comerciante olhavam atnitos.

    Menestrel disse Gardan , tambm um prazer rev-lo. Laurie aceitou o cumprimentocom um sorriso e um aceno de mo. Convivera com Gardan por apenas um curto perodo de tempo,antes de Arutha mand-lo a Krondor, onde assumira o comando da guarda da cidade e do palcio;no entanto, simpatizava com o soldado grisalho.

    Arutha olhou para o local onde os guardas-noturnos e o comerciante aguardavam. Os guardastinham os barretes na mo; o mais velho disse:

    Peo perdo a Vossa Alteza, o velho Bert no sabia. No tivemos inteno de ofender, Alteza.Arutha balanou a cabea, achando graa apesar da hora tardia e do tempo frio.

  • No nos sentimos ofendidos, guarda Bert. No fez mais do que o seu dever, alis, muito bem. Virou-se para Gardan. Diga-me, como conseguiu me encontrar, valham-me os deuses?

    O Duque Caldric me enviou um itinerrio completo, bem como as notcias de que regressavade Rillanon. Era esperado amanh, mas eu disse ao Conde Volney que certamente tentaria entrardiscretamente esta noite. Como vinha de Salador, s podia entrar por um porto apontou nadireo do porto oriental, encoberto pelo nevoeiro cerrado e aqui estamos ns. Chegou ainda maiscedo do que eu previ. Onde est o restante do squito?

    Metade dos guardas est escoltando a Princesa Anita at as propriedades de sua me. A outrametade est acampada a cerca de seis horas a cavalo da cidade. Eu no suportaria outra noite naestrada. Alm disso, h muito a fazer. Gardan olhou para o Prncipe com ar intrigado, masArutha disse apenas: Darei mais informaes assim que falar com Volney. Agora olhou para ocomerciante , quem esse indivduo que tanto grita?

    Trig, o comerciante, Alteza respondeu o guarda-noturno mais velho. Arma quealgum entrou em seu quarto e o roubou. Diz que acordou com rudos de luta no telhado.

    Trig interrompeu: Estavam lutando sobre minha cabea, sobre minha prpria cabea Sua voz foi se

    perdendo ao perceber a quem se dirigia. Alteza terminou, subitamente envergonhado.O guarda-noturno de sobrancelhas espessas olhou-o com severidade. Diz que ouviu uma espcie de grito e, como tartaruga, voltou a se enfiar em casa.Trig acenou a cabea energicamente. Um assassinato estava sendo cometido, um assassinato sangrento, Vossa Alteza. Foi

    horrvel. O guarda mais encorpado agraciou Trig com uma cotovelada nas costelas devido interrupo.

    O jovem guarda-noturno apareceu da viela paralela. Isto estava em cima de um monte de lixo na rua do outro lado da casa, Bert. Mostrou a

    espada do assassino. Tem um pouco de sangue no punho, mas a lmina est limpa. H umapequena poa de sangue na viela, mas no h sinal de nenhum corpo.

    Arutha fez sinal para que Gardan pegasse a espada. O jovem guarda-noturno, percebendo osguardas reais e a notria posio de comando assumida pelos recm-chegados, entregou a espada etirou o barrete.

    Arutha recebeu a espada das mos de Gardan, no viu nada de signicativo no objeto edevolveu-a ao guarda-noturno.

    Faa seus guardas voltarem, Gardan. tarde e esta noite o descanso ser curto. Mas e o furto? berrou o comerciante, despertado do silncio a que fora obrigado. Eram

    todas as minhas poupanas, as poupanas de toda uma vida! Estou arruinado! Que ser de mim?O Prncipe virou o cavalo, colocando-se junto aos guardas, e se dirigiu a Trig: Compreendo seus sentimentos, meu bom comerciante, mas descanse que a guarda tudo far

    para recuperar os seus bens. Bem disse Bert a Trig , sugiro que volte para casa e que l o resto da noite, senhor. De

    manh, poder apresentar queixa ao sargento da guarnio. Ir necessitar de uma descrio daquiloque foi furtado.

    Daquilo que foi furtado? Ouro, homem, foi isso que levaram. O meu tesouro escondido, todoo meu tesouro escondido!

    Ouro, ento? Assim sendo respondeu Bert com a voz da experincia , sugiro que serecolha e que amanh recomece a juntar seu tesouro, pois to certo quanto denso o nevoeiro quecobre Krondor, no voltar a ver uma nica moeda. Mas no que to desconsolado, bom homem. uma pessoa de posses e o ouro depressa vem aos que tm a sua posio, seus recursos e negcios.

  • JArutha abafou uma gargalhada, pois, apesar da tragdia pessoal do homem, este no deixavade ser uma gura cmica com a sua camisola de linho e o barrete de dormir tombado para a frente,quase a tocar-lhe o nariz.

    Meu bom comerciante, tentarei consertar a situao. Tirou a adaga do cinto e entregou-a aBert, o guarda-noturno. Essa arma tem o braso da minha famlia gravado. As nicas queexistem alm dessa so usadas pelos meus irmos, o Rei e o Duque de Crydee. Devolva-a amanhao palcio e em troca lhe ser dado um saco de ouro. No quero ver comerciantes infelizes emKrondor no dia de meu regresso. Desejo boa-noite a todos vocs. Arutha meteu as esporas nocavalo e conduziu os companheiros at o palcio.

    Quando Arutha e os guardas desapareceram na escurido, Bert se virou para Trig. Ora bem, senhor, aqui est um nal feliz disse, entregando a adaga do Prncipe ao

    comerciante. Alm do mais, voc tem prazer de saber que um dos poucos plebeus que podemarmar ter falado com o Prncipe de Krondor, ainda que em circunstncias um tanto quantoinusitadas e difceis. Dirigiu-se aos seus homens: Regressemos nossa ronda. Em uma noitecomo esta, h mais com que se divertir em Krondor. Fez sinal para que os homens o seguissem etodos desapareceram na nvoa clara.

    Trig cou sozinho. Pouco depois, sua expresso se iluminou e ele gritou para a mulher e paraquem quer que ainda estivesse janela:

    Falei com o Prncipe! Eu, Trig, o comerciante! Sentindo emoes anlogas ao jbilo, ocomerciante arrastou-se de volta ao quentinho de sua casa, agarrando com rmeza a adaga deArutha.

    immy avanou por um tnel estreitssimo. A passagem fazia parte do labirinto de esgotos e de

    outras construes subterrneas comuns naquela parte da cidade e no havia um nico cent