Esquema L de Lacan

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    Lat. Am. Journal of Fund. Psychopath. Online, v. 6, n. 1, p. 87-100, maio de 2009

    Asestruturasdo d iscurso:o uso do esquema Lem psicopa tolog ia

    Marta Reg ina de Leo DAgord

    Este artigo tem por objetivo apresentar a contribuio do

    esquema L para a psicopatologia, mais especificamente, a distino

    que ele permite mostrar entre o discurso neurtico e o discurso

    psictico. O esquema L foi elaborado por Lacan no perodo de 1954-

    1955 e utilizado at 1957 para estudar a topologia do espao falante.

    Neste esquema, as relaes entre imaginrio e simblico aparecem

    na forma de dois eixos que se entrecruzam como figurao de

    relaes entre a cena enunciada e a outra cena, a cena inconsciente.

    O esquema L figura os quatro lugares que suportam a palavrafalada: o sujeito, o eu, o outro e o Outro. Trata-se da entrada da

    estrutura quaternria no campo da psicopatologia, uma estrutura j

    utilizada em Metemtica, Antropologia e Lingstica.

    Palavras-chave: Psicanlise, psicopatologia, topologia, esquema L

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    Introduo

    No campo da psicopatologia, conferido psicanlise o lugarde explicao para os fenmenos psicopatolgicos. Ao invs deabordar o psicopatolgico atravs dos fenmenos, como preferefazer a psicologia, a psicanlise identifica-se a uma abordagem das

    relaes. Sejam essas relaes entre cenas ou entre significantes;enfim, relaes que aparecem enunciadas em sries e que a escutapsicanaltica decompe (do grego analyse) em elementos de umaestrutura. O objetivo deste trabalho realizar uma anlise da con-tribuio do esquema L, introduzido por Lacan (1966/1998), para aanlise da estrutura do discurso.

    O esquema L permite mostrar a distino estrutural entre dis-curso neurtico do discurso e psictico atravs da figurao de re-

    laes entre a cena enunciada e a outra cena, a cena inconsciente.Duas cenas so duas localizaes psquicas. Essa idia originriade Freud (1900), que, por sua vez, se inspira em Fechner (1889),que expressara a idia de que a cena de ao dos sonhos diferen-te da cena da vida representacional de viglia. Para Freud (1900),essa hiptese tornaria inteligveis as particularidades especiais de umalocalizao psquica da vida animica.

    A topologia, na obra de Lacan, exerce a funo da tpica em

    Freud, a saber, explicar a espacialidade do psiquismo. A relao es-pacial entre inconsciente, pr-consciente e consciente ou entre Eu,Isso e sobreeu na tpica freudiana, ser repensada sob a forma darelao espacial entre simblico, imaginrio e real. A entrada da to-pologia na psicanlise tem cunho epistemolgico e metodolgico:explicao e demonstrao atravs de estruturas lgicas. Para abor-dar o esquema L, nos apoiamos nas contribuies de Darmon(2008), Eidelsztein (1992, 2006), Quinet (2006) e Gilson (1994).

    O esquema L figura os quatro lugares que suportam a palavrafalada: o sujeito, o eu, o outro e o Outro, respectivamente, S, a, ae A. Esses quatro lugares caracterizam a estrutura que antecipa ou-tras estruturas, tambm quaternrias, adotadas por Lacan (o grafo,os quatro discursos).

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    Ao quaternrio do esquema L possvel aplicar a concepo de estrutura degrupo, isto , um conjunto de elementos entre os quais se definem uma ou vri-as operaes. Restaria perguntar se a estrutura do esquema L, alm de estrutu-

    ra de grupo, poderia ser definida como uma estrutura topolgica. Para serconsiderada uma estrutura topolgica, deve haver uma relao de vizinhana en-tre os elementos do grupo.

    A estrutura est no discurso

    Sonho e delrio dizem-se como falas. Se, na neurose, essa fala ocorre ex-clusivamente em situao de tratamento, na psicose pode ocorrer inclusive naforma de publicao. O material em questo nos discursos da psicose e da neu-rose o corpo imaginrio, isto , o corpo apreendido enquanto efeito do estdiodo espelho, portanto, se trata do corpo-prprio no limite do Imaginrio e do Sim-blico. A diferena que, na psicose, falta um significante que represente o pr-prio corpo do sujeito para outro significante. No que o simblico no estejapresente, o que seria impossvel em um ser humano, mas que falta algo ao n-

    vel da simbolizao da imagem de si. Para exemplificar, consideremos o casoSchreber. Ocorreu a Schreber a fantasia de como seria belo ser mulher no mo-mento do coito. Ora, essa fantasia foi rechaada (verworfen, particpio deVerwerfen) como imprpria, conforme ele relatou em suas Memrias. Se fosseum neurtico, isto , se houvesse um significante que o representasse perante osignificante daquela fantasia de desejo, Schreber no precisaria empenhar o pr-prio corpo quando do retorno do rechaado (verworfen). desse empenho docorpo prprio que se trata quando do retorno do rechaado no Real. Schreber vive

    como alucinao esse retorno do rechaado, pois tem a sensao de que seu p-nis est invaginando e que lhe esto crescendo seios. O delrio de copular comDeus e gerar uma nova humanidade vem como estruturao de uma defesa. Adefesa em relao ao desejo relacionado fantasia de como seria belo ser mulherna hora do coito. O que foi rechaado reaparece no Real (o corpo que vai sertransformado sob as ordens de um Outro absoluto) e no cifrado ou metaforizadocomo no discurso neurtico.

    assim que Lacan nos ensina a articular a leitura das Memrias: por que o

    inconsciente, o desejo inconsciente de ser uma mulher, desejo que permaneceexcludo para o sujeito Schreber, vai aparecer no Real? Se do que se refere aorecalcado e ao retorno do recalcado, Lacan afirma que so o direito e o avessode uma mesma coisa, no assim na psicose. essa diferena entre o discursoneurtico e o discurso psictico que Lacan vai figurar no esquema L.

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    O esquema L

    Os elementos do esquema:

    S= Es, Isso, sujeito do inconsciente. Sujeito do inconsciente deve ser lidona funo genitiva de que o inconsciente tem a posse do sujeito. sujeito no sen-tido de sujeitado. sujeitado de forma psictica, perversa ou neurtica.

    a= O outro, o semelhante em posio de objeto que uma projeo do eudo conhecimento. Como me conheo atravs das imagens que fao de mim,enunciando: - Eu sou ....

    a= O eu da experincia, onde o eu que enuncia se v a si mesmo, o falan-te, o que sustenta o enunciado: - Eu...

    A= Outro. A alteridade radical do tesouro dos significantes

    Um esquema uma forma de representar espacialmente funes e relaes,nesse caso, a funo da fala e sua relao com o campo da linguagem. Dado quea linguagem considerada como o lugar do Outro, o esquema L possibilita mos-

    a outro

    A (Outro)

    (Es) S

    (eu) a

    rela

    oim

    agin

    ria

    in

    consciente

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    trar que a fala passa por um desvio. O desvio pelo Outro uma concepo cara Lacan, a qual ganhar novo vigor uma dcada depois, no Seminrio 9, A iden-tificao, atravs do toro.

    No esquema L esse desvio tem a forma da letra grega Lambda ()))))Mas deque desvio se trata no esquema L? Do ponto de vista de um desvio promovidopela barreira imaginria, o eixo imaginrio faria barreira ao eixo simblico. Masse considerarmos o desvio do ponto de vista relao entre a fala e a linguagem,seria preciso indicar que em toda fala haveria um desvio pelo Outro, na medidaem que o tesouro dos significantes que suporta as palavras.

    O esquema L foi introduzido no Seminrio 2 e foi apresentado nos Escritosem O Seminrio sobre a carta roubada como uma primeira forma de demons-

    trao da relao do sujeito com a ordem simblica e com o imaginrio.Lacan vai mostrar que falar fazer falar o Outro como tesouro dos signifi-cantes. A fala produzida atravs de um desvio pelo Outro. Ao falar, sou faladono lugar do Outro. E isso acontece na medida em que reconheo o Outro em meuinterlocutor, isto , que reconheo que ele est em uma posio simblica. Doisexemplos desse reconhecimento: voc meu mestre; voc meu marido. Emambos os casos, o falante atribui ao seu interlocutor um lugar no simblico e por isso que a sua fala gera uma determinao fundamental de si mesmo, isto ,

    o falante reconhecido simbolicamente. Ele tambm ocupar um lugar simbli-co, como aluno e esposa respectivamente.O esquema L mostra que, ao falar, se recebe do outro a prpria mensagem

    invertida. Mas h duas estruturas de discurso aos quais se aplica essa formula-o: aquela em que h reconhecimento do Outro e aquela que no h reconheci-mento do Outro. A primeira corresponde ao discurso neurtico, a segunda, aodiscurso psictico.

    Trata-se da presena ou ausncia do desvio da fala pelo Outro, de modo que,

    se h comunicao entre o falante o outro, porque h uma dimenso fundante,condio para que acontea a comunicao. Na dimenso fundante, o Outro reconhecido, mas no conhecido. Eis a alteridade fundamental do Outro (umterceiro). A fala dirigida ao Outro no outro inconsciente, mas esse Outro fun-damental para fazer pactos, acordos, quanto ao que comunicado. isso que oesquema L figura, a relao da fala ao Outro no outro, o desvio pelo Outro na falaao outro.

    Lacan (1966/1998) utilizou a expresso dialtica da insersubjetividade para

    nomear a relao entre o sujeito e o Outro absoluto: um Outro que poderia anu-lar o sujeito ou fazer-se objeto para engan-lo. Ora, o Outro a alteridade radi-cal, mas nem sempre ele ser tomado como absoluto. Ele ser absoluto quandono estiver em posio terceira minha relao imaginria ao outro, mas for to-mado como outro, isto , como imaginrio, como especular.

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    O esquema, tal como Lacan (1955-1956/1985) o descreve no livro 3 do seuSeminrio figura a relao quaternria entre o sujeito e os trs outros: o outro, oeu e o Outro: Uma triplicidade est aqui indicada no sujeito que abrange o fato

    de que o eu do sujeito que fala normalmente a um outro, e do sujeito, do sujei-to S, em terceira pessoa (Lacan, 1955-1956/1985, p. 23). Aristteles observa-ra que no convm dizer que o homem pensa, mas que ele pensa com sua alma,Lacan (1955-1956/1985), por sua vez, dir que o sujeito se fala com o seu eu(p. 23).

    A triplicidade a condio para o entrecruzamento entre os eixos transver-sais do esquema L, eixos que representam o imaginrio e simblico. Se no hou-vesse essa juno, o falante (a) se relacionaria diretamente ao outro como Outro

    absoluto (imaginrio). O desvio pelo Outro faz a juno entre os eixos e esseentrecruzamento que tem a funo de barreira ou filtro. Assim, o filtro significaa mediao simblica entre (a) e (a) no que se refere ao eixo imaginrio e a me-diao imaginria entre S e A no que se refere ao eixo simblico.

    O desvio pelo Outro como condio do filtro imaginrio

    Dois homens se encontram em um vago em estao de trem:A Onde vai?, perguntou um.B Cracvia, foi a resposta.A Como voc mentiroso!, no se conteve o outro. Se voc disses-

    se que ia Cracvia, voc estaria querendo fazer-me acreditar que estava indo aLemberg. Mas sei que, de fato, voc vai Cracvia. Portanto, por que voc estmentindo para mim? (Freud, 1905c/1987, p. 136)

    No dilogo acima, pode-se observar o aspecto paranico caracterstico doeu do conhecimento (a no esquema L). Aquilo que conheo uma projeo demeu eu da experincia ou eu da fenomenologia. Aquele que pergunta j supe, nooutro, alguma coisa. Isso que ele supe conhecimento enquanto projeo.

    Essa fala poderia ser dividida em duas partes: A primeira parte representa-ria o eu da experincia: Se voc dissesse que ia Cracvia, voc estaria que-rendo fazer-me acreditar que estava indo a Lemberg. A segunda parterepresentaria o eu do conhecimento Mas sei que, de fato, voc vai Cracvia.

    a forma do verbo, no indicativo ou no subjuntivo, que mostra a diferen-a entre de um lado a pergunta, dvida ou engano e, de outro lado, a certeza. Nodiscurso neurtico, a relao de S com A passa por um filtro do imaginrio e seh a possibilidade do fingimento porque se supe um Outro no outro. H re-conhecimento do Outro. Eu me imagino pensando o que o outro poderia dizer,

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    eu me imagino no outro, mas sei que so apenas pensamentos, meus pensamen-tos. Eis a funo do filtro imaginrio. O filtro me mantm distante de mim mes-mo como outro (a), isto , sempre posso fazer um juzo crtico de meus prprios

    pensamentos. Eu (a) no sou o outro (a) sempre que consigo estabelecer um dis-tanciamento crtico de minhas certezas sobre o que o outro estaria pensando. Essedistanciamento crtico corresponde a uma diferenciao entre saber e verdade.

    O binrio palavra plena e palavra vazia

    Como vimos acima, na fala, o sujeito sefala com seu eu.O eu do sujeitofala a um outro do sujeito em terceira pessoa. O sujeito do inconsciente pro-nunciado na terceira pessoa (simblico). Enquanto que no fenmeno de alucina-o auditiva, o sujeito est identificado ao seu eu. Vamos agora analisar o efeitoda ausncia desse desvio pelo Outro no binrio fala plena e fala vazia.

    Em primeiro lugar, cumpre demarcar a distino entre significante e signi-ficado. O significante deve ser tomado no sentido do material da linguagem, e osignificado remete significao. Lembrando que o significado de uma palavrano se esgota em uma significao.

    Algumas palavras pronunciadas por sujeitos em situao de delrio caracte-rizam-se, enquanto significantes, por serem palavras novas, neologismos. Enquantosignificao, um neologismo (conexo nervosa em Schreber) uma palavra cujasignificao basicamente s remete a ela prpria, que permanece irredutvel. O pr-prio paciente sublinha que a palavra tem peso em si mesma. Antes de ser redut-vel a uma outra significao, ela significa em si mesma alguma coisa de inefvel.

    Lacan (1955-1956/1985) destaca dois extremos aos quais pode chegar uma

    fala delirante: a palavra plena (mot) e a frmula (ritournelle), que pode ser cha-mada de refro ou cantilena. Essas duas formas, a mais plena e a mais vazia, pa-ram a significao, como um chumbo na rede do discurso do sujeito.

    A intuio delirante um fenmeno pleno quando a palavra (mot) adquire,para o sujeito, um carter submergente, inundante. Ela lhe revela uma perspecti-va nova cujo cunho original e cujo sabor particular o paciente sublinha, comoSchreber quando fala da lngua fundamental na qual ele foi introduzido. Ali a pa-lavra (mot) adquire nfase plena. Em oposio, h a forma que a significao

    toma quando no remete mais a nada. a frmula que se repete, que se reitera,que se repisa com uma insistncia estereotipada. (Lacan, 1955-1956/1985, p. 44)

    Essa uma caracterstica estrutural do discurso psictico que aparece naforma de fala delirante. Lacan nos indica, portanto, que a estrutura se situa nodiscurso do sujeito falante.

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    A palavra plena se relaciona a uma palavra que produz a verdade do sujeito.Se considerarmos a distino entre saber e verdade, o saber est relacionado aoentrecruzamento dos eixos simblico e imaginrio. Assim, se h entrecruzamento,

    a verdade filtrada pelo saber. O sujeito no acede diretamente verdade. Apalavra plena seria uma palavra fundante que o sujeito recebe sem o filtro dosaber, ou seja, no h um saber que se interponha entre o sujeito e a verdade.

    Eidelsztein (2006) observa que o binrio palavra plena e palavra vaziarespondia clnica da psicose. Mais tarde, com a concepo de que umsignificante produz um sujeito para outro significante, a idia de que haveria umapalavra que produzisse a verdade ou uma palavra que fosse esvaziada da verdadeno seria mais utilizada. Assim, a palavra plena perderia seu lugar para a

    concepo de ato.

    A compresso do eixo transversal no esquema L

    Para mostrar a estrutura do discurso na psicose, Lacan (1955-56/1985) ana-lisa a fala de uma paciente em uma apresentao psicanaltica de pacientes. Era

    uma mulher que morava com sua me aps ter se separado do marido. Dito deoutro modo, uma filha separada do marido por no conseguir se separar da me.Ambas viviam isoladas em um apartamento e no suportavam as intruses deuma vizinha. O encontro, no corredor do prdio, da paciente (a filha) com oamante dessa vizinha provoca uma fala delirante relacionada a uma alucinaoudio-verbal.

    A representao desta cena atravs dos elementos do esquema L mostra queno fenmeno dessa alucinao udio-verbal a paciente escuta a fala de a (o ou-

    tro) como uma fala que provm do Outro.Nos fenmenos de fala delirante relacionadas alucinao udio-verbal, o quese refere ao falante dito no lugar do outro (a). No caso desta paciente, o ho-mem que ela encontra no corredor colocado no lugar de a.

    Poderamos afirmar que o Outro est excludo (Darmon, 2008, p. 66), ouque o Outro faz irrupo no outro (Gilson, s/d, p. 83).Nessas situaes, no serealizaria o desvio pelo Outro que permitiria que: (a), o eu, falasse para (a) deS. No caso acima exposto, a que fala para a. Portanto, (a),o alter ego, que

    fala para (a) de S. Mas, aqui, S, enquanto sujeito do discurso estruturadopsicoticamente, torna-se o objeto ameaado pelo outro (a). E, de acordo comrelato da paciente, ela se sentira ameaada de ser cortada em rodelas pelo ex-ma-rido.

    Essa anlise pode ser representada esquematicamente assim:

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    (a) o que diz: Eu venho do salsicheiro. de S que (a), fala invertida, diz: Porca.

    A paciente ento recebe a sua prpria mensagem proveniente de um outro(a). Ela se enderea ao outro (a),de onde recebe sua fala sem dar-se conta deque sua prpria fala est no outro que ela mesma, o pequeno outro (a), seureflexo no espelho, seu semelhante. Na fala delirante ou alucinao udio-verbal,o que se refere ao falante dito no lugar do outro (a): falar fazer falar o ou-tro imaginrio.

    Quinet (2006) observa que se trata do retorno no outro, meu semelhante,daquilo que minha outra cena, o inconsciente (p. 50). Nesse caso, o sujeito

    lida com os pequenos outros (imaginrios), porque o Outro (da lei simblica) es-taria excludo. No discurso delirante, na medida em que o sujeito perdeu o Outrosimblico, que ele encontra o Outro puramente imaginrio, ou seja, o Outro ir-rompe no meu semelhante.

    Na estrutura discursiva neurtica, a questo que eu me ponho sobre o queeu sou ou possa esperar ser expressa fora de mim mesmo: no discurso,semque eu saiba. O sujeito sujeitado ao discurso neurtico fala sem o saber.

    Lembremos do relato do psiclogo norte-americano Gordon Allport (1897-

    1967) sobre seu encontro com Freud. Aos 22 anos, Allport esteve em Viena econseguiu marcar uma entrevista com Freud. Freud acolheu Allport e, silencio-samente, aguardou. Allport, no suportando o silncio por mais tempo, comeoua falar sobre um menino que observara havia pouco, durante o trajeto de nibusque fizera at a casa de Freud. O menino mostrava-se perturbado por ter de sesentar em um lugar onde antes um homem sujo estivera sentado. Allport comentaque isso lhe fazia lembrar algo que aprendera com sua me, uma mulher assea-da e dominadora. Freud lhe pergunta: Esse menino era voc?

    Neste relato biogrfico podemos observar que o eu fala a um outro de S, osujeito. A interveno de Freud apontou para este que era falado, o sujeito do in-consciente, representado pelo menino na fala de Allport.

    A seguir, um exemplo apresentado por Lacan para mostrar a estrutura dis-cursiva na qual h reconhecimento do Outro. Na enunciao: Tu s aquele queme seguirs por toda parte.

    A (Outro) est ao nvel do tu.a ao nvel do que meS ao nvel doseguirs.

    A e S so recprocos, mas essa reciprocidade gramatical. nesse senti-do que se diz que h um reconhecimento do Outro. O falante reconhece o Ou-tro, por isso a idia de um desvio pelo Outro na fala.

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    O que acontece se falta no Outro o significante que responda ao tu? Se noh um tu eletivo ao Tu s aquele que, ou seja, se no ocorrer um desvio peloOutro, o que concerne ao sujeito ser dito pelo outro. Eis a compresso ou acha-

    tamento (crasement) do esquema L, tal como descreve Gilson (s/d). A falta dodesvio pelo Outro caracterizar a fala delirante. O sujeito receber do outro, umoutro qualquer, sua fala. Na estrutura discursiva psictica, a questo que eu meponho sobre o que eu sou ou possa esperar ser expressa como uma certeza,pois provm do outro enquanto projeo e tem o peso do Outro absoluto.

    A irrupo do Outro no outro (Quinet, 2006) corresponde ao que Gilson (s/d) nomeia de compresso (crasement) do esquema L sobre o eixo transversal.Logo, o esquema L, enquanto esquema para descrever a fala, corresponderia, na

    fala delirante ou alucinao udio-verbal, seguinte figurao:

    S a < > a A

    O inconsciente aparece no Real

    O esquema L permite representar a hiptese de que, no discurso psictico,o inconsciente aparece no Real (Lacan, 1955-1956/1985, p. 20). Essa seria aprimeira ocorrncia, nas lies do Seminrio de Lacan, do termo Real com umafinalidade tpica. nessa perspectiva que Gilson (1994) analisa o esquema L comouma topologia do espao falante, espao que na psicose seria situado no exte-rior, no Real, falta de um significante que relacione o sujeito a uma linhagem.

    H aqui uma topologia subjetiva, que repousa inteiramente sobre (...) o fato

    de que pode haver um significante inconsciente.(...) Ele parece bem exterior aosujeito, mas uma outra exterioridade que aquele que se evoca quando algumnos apresenta a alucinao e o delrio como uma perturbao da realidade, poiso sujeito permanece apegado a ela por uma fixao ertica. Temos aqui que con-ceber o espao falante como tal. (Lacan, 1955-1956/1985, p. 165)

    preciso observar que essa topologia se constitui em relao quilo que hde fato audacioso e de fato novo na herana freudiana. A saber, a idia de que no campo da fala que convm situar esse retorno no Real. Dito com outras pa-lavras, Lacan elabora, com o esquema L, uma etapa essencial de sua topologiaenquanto ela tem a ver com a funo da fala. Na fala, est em questo uma enun-ciao que visa significar, a fala se ope ou cruza com a cadeia significante, quevem a ser o campo da linguagem, marcado por uma sincronia e por uma sintaxe.

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    Poder-se-ia, logo, deduzir do precedente que ali onde a separao entre oOutro e o outro se encontra reduzida a uma compresso, existe um buraco iso-lado de toda funo, que tem lugar fora do dilogo dessa separao. Deve-se

    acrescentar que a funo de verdade tambm inerente ao exerccio da fala, se-guir esses efeitos da deteriorao do esquema L.

    O sujeito (S) pode ver-se somente em (a), isto , ele cr que o eu (a), elemesmo. Ora, esse eu (a) v o outro sobre uma forma especular dele mesmo (a).Mas h um terceiro plano, o muro da linguagem, onde se nomeiam as coisas (a-a) e se instala uma realidade que, para o sujeito, toma, alternadamente a trajet-ria do narcisismo ou da verdade na fala. Isso particularmente observvel nadistino entre neurose e psicose.

    No caso das neuroses, o recalcado aparece, in loco, ali onde foi recalca-do, isto , no ambiente mesmo dos smbolos, debaixo de uma mscara. O recal-cado na psicose reaparece num outro lugar, in altero, no imaginrio e, ali, comefeito, sem mscara. (Lacan, 1955-1956/1985, p. 124)

    Lacan nos indica, portanto, que essa estrutura do significante se apresenta,na psicose, como exterioridade, como Real. Mas como dar conta dessa exterio-ridade? Ser preciso abordar o Real atravs de uma superfcie discursiva. aqui

    que o esquema L no ser suficiente.O esquema L representa a espacialidade, mas no no sentido intuitivo do ter-mo esquema, no no sentido de localizaes, mas no sentido de relaes de lu-gares. Trata-se, portanto, de relaes de lugares, interposio, sucesso ouseqncia: portanto, o esquema L topolgico, afirma Lacan (1985/1956-1957,p. 10).

    No entanto, falta ao esquema L a possibilidade de figurar o discurso comosuperfcie, na medida em que as relaes espaciais entre os elementos do esquema

    acontecem atravs de eixos ou linhas. E uma linha no tem um exterior, j umasuperfcie o tem. por isso que o esquema R vai ser elaborado j na forma deuma superfcie formada por Imaginrio, Simblico e Real.

    Do esquema L ao esquema R e grafo do desejo

    O esquema L foi til para trabalhar os fenmenos do desencadeamento da

    crise psictica, assim como para oferecer um parmetro estrutural para distin-guir neurose e psicose, mas no permitiu uma explicao suficiente para a estru-tura psictica.

    Somente com o grafo do desejo e com o esquema R foi possvel superaressa problemtica. O grafo do desejo mostrar a estrutura de outra cena da enun-

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    ciao a partir da apropriao do conceito lingstico de cadeia significante. Osdois andares do grafo representam o desdobramento de duas cenas: a cenaenunciativa e a cena inconsciente. Essa ltima equivaleria ao fantasma ou fanta-

    sia de desejo. J o esquema R explicitar a relao entre Imaginrio, Simblico eReal. Uma observao histrica mostra que ambos (esquema R e grafo) foramelaborados entre 1957 e 1958, poca em que Lacan apresentava a concepo demetfora paterna durante o quinto ano de seu Seminrio pblico.

    Referncias

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    SCHREBER, D. P.Memrias de um doente dos nervos. Traduo e notas de M. Carone.3. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2006.

    Resumos

    Este artculo tiene como objetivo presentar la contribucin del Esquema L a la

    psicopatologa, ms concretamente, mostrar que el Esquema L permite distinguir entre

    el discurso neurtico y psictico. El Esquema L fue desarrollado por Lacan en el

    perodo 1954-1955 y utilizado hasta el ao 1957 para estudiar la topologa del

    espacio hablante. En este esquema, las relaciones entre el imaginario y el simblico

    aparecen como dos ejes que se entremezclan en la figuracin de las relaciones entre

    la escena de habla y la otra escena, la escena inconsciente. El esquema L oferece los

    cuatro puestos de apoyo para la palabra hablada: el sujeto, el yo, el otro y el Otro. Esta

    es la entrada de la estructura cuaternaria en el campo de la psicopatologa.

    Palabras clave: Psicoanlisis, psicopatologa, topologa, esquema L

    Cet article vise prsenter la contribution du schma L la psychopathologie,

    et plus particulirement, veut montrer que ce schme permet la distinction entre

    discours psychotique et nvrotique. Le schma a t labor par Lacan au cours de la

    priode 1954-1955 et utilis jusquen 1957 pour tudier la topologie de lespace

    parlant. Dans ce schma, les relations entre limaginaire et le symbolique apparaent

    comme deux axes qui sentrecroisent comme figuration des relations entre la scne

    parlant et une autre scne, la scne de linconscient. Le schma L donne les quatre lieux

    lappui de la parole: le sujet, le moi, lautre et lAutre. Cest lentre de la structure

    quaternaire dans le domaine de la psychopathologie.

    Mots cls: Psychoanalysis, psychopathologie, topologie, schme L

    This article aims to present the contribution of the Schema L to psychopathology,

    more specifically, to show that it allows distinction between psychotic and neurotic

    ARTIG OSDEAUTORESD O BRASIL

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    discourse. The Schema L was developed by Lacan in the period 1954-1955 and used

    until 1957 to study the topology of the speaking space. In this schema, the relations

    between imaginary and symbolic appear as two axes that intermingle as figuration of

    relations between the speaking scene and another scene, the unconscious scene. TheSchema L gives the four posts that support the spoken word: the subject, the me, the

    other and the Other. This is the entry of quaternary structure in the field of

    psychopathology, a structure already used in Mathematics, Anthropology and

    Linguistics.

    Key words:Psychoanalysis, psychopathology, topology, schema L.

    Citao/Citation:DAgord, Marta Regina de Leo. As estruturas do discurso: o uso doesquema L em psicopatologia.Latin American Journal of Fundamental Psychopathology Online,So Paulo, v. 6, n. 1, p. 87-100, maio de 2009.

    Editores do artigo/Editors:Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro e Profa. Dra. Juniade Vilhena

    Recebido/Received:17.3.2009/3.17.2009 Aceito/Accepted:27.4.2009/4.27.2009

    Copyright:2009 Associao Universitria de Pesquisa em Psicopatologia Fundamen-tal/University Association for Research in Fundamental Psychopathology. Este um artigo de

    livre acesso, que permite uso irrestrito, distribuio re reproduo em qualquer meio, desde queo autor e a fonte sejam citados/ this is na open-acess article, which permits unrestricted use,distribution, and reproduction in any madium, provided the original author and source arecredited

    Financiamento: O autor declara no ter sido financiado ou apoiado/The author has nosupport of funding to report.

    Conflito de interesses: O autor declaraque no h conflito de interesse/The author de-clares that has no conflict of interest

    MARTAREGINADELEODAGORDDoutora em Psicologia do Desenvolvimento, professora do Departamento de Psicanlise ePsicopatologia e do Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social da Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul, membro da Associao Universitria de Psicopatologia Fun-damental.Rua Riveira, 60090670-160 Porto Alegre, RS, Brasil

    Fone: (51) 3331-5150e-mail: [email protected]

    Lat. Am. Journal of Fund. Psychopath. Online, v. 6, n. 1, p. 87-100, maio de 2009