18
Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza Enfermagem-tarde Disciplina: Fisiologia Professor(a): Aline Aluno(a): Jéssica Angelo ASPECTOS FISIOLÓGICOS DA ESQUIZOFRENIA A esquizofrenia é uma das mais intrigantes e também estudadas condições psiquiátricas. A riqueza psicopatológica e as características clínicas, tais como o seu início na adolescência e o curso deteriorante sem grandes alterações neurológicas, despertam curiosidade e geram um número considerável de pesquisas sobre os processos neurofisiológicos envolvidos na doença. Neste artigo, traçaremos algumas considerações sobre os principais avanços na compreensão da fisiopatologia da esquizofrenia. A idéia de uma alteração biológica como agente causador da esquizofrenia é tão antiga quanto a definição desta doença como entidade nosológica. Kraepelin (1996), ao sistematizar os diagnósticos psiquiátricos, agrupou a então chamada Dementia Praecox dentro do grupo das demências endógenas. O conceito de endogenicidade era fundamental para o sistema krapeliniano e, embora expressasse o desconhecimento das causas reais das afecções mentais, foi de grande importância ao centrar na própria constituição do indivíduo a origem da doença. A concepção de um transtorno demencial direcionou inicialmente as pesquisas para um processo neurodegenerativo. Alzheimer foi o primeiro a conduzir estudos neuropatológicos e não observou gliose reativa, diferenciando os processos neuropatológicos envolvidos na esquizofrenia das demências senis (Bogerts, 1999). As dificuldades metodológicas inerentes aos estudos neuropatológicos, os achados inconsistentes e o advento dos

ESQUIZOFRENIA

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ESQUIZOFRENIA

Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza

Enfermagem-tarde

Disciplina: Fisiologia

Professor(a): Aline

Aluno(a): Jéssica Angelo

ASPECTOS FISIOLÓGICOS DA ESQUIZOFRENIA

A esquizofrenia é uma das mais intrigantes e também estudadas condições psiquiátricas. A riqueza psicopatológica e as características clínicas, tais como o seu início na adolescência e o curso deteriorante sem grandes alterações neurológicas, despertam curiosidade e geram um número considerável de pesquisas sobre os processos neurofisiológicos envolvidos na doença. Neste artigo, traçaremos algumas considerações sobre os principais avanços na compreensão da fisiopatologia da esquizofrenia.

A idéia de uma alteração biológica como agente causador da esquizofrenia é tão antiga quanto a definição desta doença como entidade nosológica. Kraepelin (1996), ao sistematizar os diagnósticos psiquiátricos, agrupou a então chamada Dementia Praecox dentro do grupo das demências endógenas. O conceito de endogenicidade era fundamental para o sistema krapeliniano e, embora expressasse o desconhecimento das causas reais das afecções mentais, foi de grande importância ao centrar na própria constituição do indivíduo a origem da doença. A concepção de um transtorno demencial direcionou inicialmente as pesquisas para um processo neurodegenerativo. Alzheimer foi o primeiro a conduzir estudos neuropatológicos e não observou gliose reativa, diferenciando os processos neuropatológicos envolvidos na esquizofrenia das demências senis (Bogerts, 1999).

As dificuldades metodológicas inerentes aos estudos neuropatológicos, os achados inconsistentes e o advento dos antipsicóticos na década de 1950, fizeram com que as pesquisas passassem a enfocar os neurotransmissores como elementos centrais na gênese da esquizofrenia. Entre as décadas de 1970 e 1990, houve um grande desenvolvimento dos grupos de pesquisa em esquizofrenia, os quais começaram a coletar dados genéticos de amostras bastante consideráveis.

Nesse período, também houve um avanço das técnicas de neuroimagem que permitem a avaliação in vivo de alterações neuroestruturais, neuroquímicas e funcionais, as quais foram amplamente utilizadas para investigação da esquizofrenia. Na década de 1990, os principais grupos de pesquisa focaram seus esforços em estudos de pacientes de primeiro episódio psicótico e, mais recentemente, na identificação de pacientes de alto risco para o desenvolvimento da esquizofrenia. A esquizofrenia tem sido considerada a mais incapacitante das psicoses.Ospacientes esquizofrênicos, bem como seus familiares, acabam sendo, de forma geral, estigmatizados em todas as sociedades. Esse estigma causado pela má compreensão da condição agrava ainda mais o quadro, uma vez que aumenta o isolamento social do

Page 2: ESQUIZOFRENIA

indivíduo, dificulta o relacionamento familiar, diminui suas chances de educação e empregabilidade, além de aumentar a probabilidade do uso de drogas.Estima-se que, somente no Brasil, cerca de 1.170.000 pessoas sofram deesquizofrenia e cerca de 80.000 novos casos surgem anualmente. Para muitas dessas pessoas, o preconceito e a discriminação são experiências comuns, além do convívio cotidiano com dificuldades e obstáculos impostos pela falta de acesso a informações, a tratamentos adequados, a um suporte social e legal, entre outras dificuldades.O termo “esquizofrenia” (esquizo = divisão; phrenia = mente), cunhado pelaprimeira vez por Eugen Bleuler (1857-1930) faz alusão, como a própria etimologia da palavra indica, a uma quebra entre as funções do pensamento, da afetividade e do comportamento e, mais de oitenta anos após a criação desta denominação, a doença ainda não representa uma entidade única definida, em função da heterogeneidade de suas formas de apresentação. Portanto, é compreensível que até hoje não se tenha chegado a um consenso quanto à sua etiologia, apesar de alguns de seus aspectos já se encontrarem bem estabelecidos como, por exemplo, a eficácia do uso de psicofármacos em seu tratamento.

SINTOMATOLOGIA

O início na adolescência justifica a denominação “demência precoce”, cunhada edescrita pela primeira vez em 1852 por Bénedict-Augustin Morel (1809-1873). A essa primeira descrição, o pesquisador Emil Kraepelin (1856-1926) adicionou três categorias de sintomas, os sintomas catatônicos, os sintomas hebefrênicos e os sintomas paranóides. A “quebra” das funções psíquicas seria a característica central da doença e, ainda, aresponsável pelo surgimento dos ditos “sintomas fundamentais” da esquizofrenia. Esses são conhecidos como Os Quatro “As”: associação frouxa das idéias, ambivalência, autismo (predominância das vivências do mundo interno sobre o externo) e alterações de afeto.De forma geral, os primeiros sinais e sintomas da esquizofrenia tem início najuventude (adolescência ou início da idade adulta), tem um curso persistente, comprogressiva deterioração da capacidade mental. Pode surgir de forma abrupta, embora mais freqüentemente surja de forma disfarçada com perda de energia, de iniciativa e de interesses, humor depressivo, isolamento, comportamento inadequado, negligência com a aparência pessoal e higiene, sintomas esses que podem persistir por algumas semanas ou meses antes do surgimento de sintomas mais característicos.Os sintomas podem ser classificados de acordo com a função neurológica queacomete (pensamento, afetividade, motricidade), com a fase da doença (fase aguda ou fase crônica), ou ainda com relação à qualidade dos mesmos (sintomas positivos ou negativos). Com relação à função neurológica que acomete, podem ser sintetizados da seguinte maneira:Distúrbios de Pensamento

- delírios (freqüentemente de natureza persecutória)- alucinações (em sua maioria auditivas; alucinações visuais são menos freqüentes raras na ausência de fenômenos auditivos; podem ocorrer, também em menorfreqüência, alucinações táteis, olfatórias e gustativas)- incoerência no discurso- mudanças de assuntos de forma brusca e sem motivo aparente- perda da intencionalidade das idéias- discurso acelerado, em voz alta e repleto de redundâncias (pressão ideomotora)

Page 3: ESQUIZOFRENIA

- neologismos (palavras criadas pelo indivíduo, de significado particular e único para ele)- uso idiossincrático das palavras (palavras gramaticalmente corretas utilizadas com sentido errôneo e bizarro)

Distúrbios Afetivos- isolamento social- introversão- indiferença emocional (embotamento afetivo)- preferência por ocupações solitárias- passividade- incongruência afetiva (demonstrar uma emoção contrária ao que normalmente seesperaria em determinada situação)- descuido com cuidados pessoais (aparência e higiene)- ansiedade- comportamento violento- negativismo passivo (ausência de resposta a solicitações do entrevistador) ou ativo (o indivíduo faz o contrário do que lhe é pedido)- obediência automática (o indivíduo faz rápida e automaticamente aquilo que lhe ésolicitado)- ambitendência (oscilação entre fazer ou não o que lhe é pedido)

Distúrbios da Motricidade- estupor- rigidez- acinesia (ausência de movimentação espontânea)- posturas físicas bizarras- flexibilidade cérea (o sujeito permanece na posição em que for colocado por longos períodos de tempo)- estereotipias (repetições regulares e uniformes de movimentos simples ou complexos,sem sentido aparente)- maneirismos (posturas e movimentos bizarros, muitas vezes desconfortáveis, com sentido ou objetivo especial para o indivíduo)- ecolalia (repetição de palavras do entrevistador)- ecopraxia (repetição de gestos do entrevistador)

Tais sintomas podem, ainda, ser agrupados como sintomas POSITIVOS ousintomas NEGATIVOS:Sintomas Positivos: delírios, alucinações, distúrbios do pensamento, comportamentos anormais, condutas estereotipadas, comportamento violento.Sintomas Negativos: isolamento social, embotamento afetivo, déficits da função cognitiva (tais como atenção e memória), ansiedade e depressão (os quais levam ao suicídio em 10% dos casos diagnosticados), defeito na “atenção seletiva”, introversão, negativismo.Os sintomas mencionados acima não apresentam-se concomitantemente, nemem um mesmo indivíduo. Eles prevalecem em determinados períodos da doença e de acordo com o perfil esquizofrênico prevalente no paciente. Com relação ao período da doença em que ocorrem, podem estar mais ou menos presentes na fase aguda e na fase crônica:

Page 4: ESQUIZOFRENIA

Fase aguda: acinesia, flexibilidade cérea, estereotipia, maneirismos, ecolalia, ecopraxia, alucinações, distúrbios do pensamento.Fase crônica: embotamento afetivo, pobreza qualitativa e quantitativa do discurso,empobrecimento conativo (perda dos impulsos para ação e inatividade), distractibilidade, isolamento social, déficits cognitivos.

De acordo com os sintomas prevalentes, a esquizofrenia pode ser manifestada –e classificada, de forma geral – em cinco tipos:

TIPO CATATÔNICO: prevalência de estupor, rigidez, excitação, negativismo, posturas bizarras, estereotipias, mutismo e flexibilidade cérea.TIPO DESORGANIZADO: prevalência de incoerência, desagregação do pensamento e da conduta, incongruência e embotamento afetivo.TIPO PARANÓIDE: prevalência de delírios, alucinações, ansiedade, comportamento violento, alterações das interações pessoais.TIPO RESIDUAL: embora o indivíduo tenha apresentado um episódio de esquizofrenia, os sintomas não apareçam com freqüência ou chegam mesmo a não se manifestar mais. É um quadro caracterizado pelos sinais negativos da doença.TIPO INDIFERENCIADO: quando os sintomas não podem ser classificados nas categorias anteriores ou quando preenchem simultaneamente os critérios para mais de um tipo É importante ressaltar, ainda, que a sintomatologia é bastante variável e se altera de acordo com o curso da doença e com o tratamento medicamentoso.

EPIDEMIOLOGIA

A esquizofrenia é o tipo mais freqüente de doença psicótica e tem suaimportância aumentada na medida em que acomete os indivíduos na juventude, possui um curso freqüentemente crônico e extremamente incapacitante, a qual, na grande maioria dos casos, impede o desenvolvimento social e produtivo do indivíduo.Como dito anteriormente, estima-se que, somente no Brasil, existam cerca de1.170.000 portadores da esquizofrenia, com o aparecimento de cerca de 80.000 novos casos por ano. Estudos relativamente recentes estimam que, no estado de São Paulo, aproximadamente 70% dos pacientes diagnosticados não estejam em tratamento regular.Além disso, os serviços médicos destinados a pacientes que procuram os ambulatórios de forma esporádica estão recebendo apenas 11% dos recursos destinados, pelo governo, ao tratamento de tal distúrbio. O Brasil ainda detém outros dados alarmantes: em 2004, 3.4% do total de hospitalizações do SUS (Sistema Único de Saúde), considerando pacientes com mais de 20 anos, foi em decorrência de distúrbios mentais, tendo sido a esquizofrenia a principal causa dessas internações (43%).Em escala mundial, estima-se que cerca de 1% da população sofra com adoença e, somente nos Estados Unidos, já houve registro de mais de 300.000 episódios agudos de esquizofrenia em um ano. Nesse mesmo país há registros que indicam que os pacientes esquizofrênicos ocupam cerca de 25% de todos os leitos hospitalares, sendo mais de 20% de todos os benefícios do seguro social utilizados para os cuidados médicos dos mesmos. Dessa forma, os custos diretos e indiretos da esquizofrenia em pacientes norte-americanos são estimados em aproximadamente 10 bilhões de dólares por ano.Com relação à prevalência por sexo, não existem dados que confirmem umamaior prevalência em um sexo quando comparado ao outro, embora existam relatos de que os homens tenham uma idade de início mais precoce que as mulheres. Essa

Page 5: ESQUIZOFRENIA

observação pode ser considerada um dos achados mais consistentes em esquizofrenia.Em geral, os homens têm um início em torno dos 18-25 anos e as mulheres em torno dos 25-35 anos. Também não existem evidências conclusivas que comprovem a prevalência racial da doença. Com relação ao nível sócio-econômico, muitos trabalhos apontam a ocorrência de um maior número de episódios esquizofrênicos em países em desenvolvimento, quando comparados aos países do hemisfério Norte. Isso indicaria que os indivíduos com tendências à esquizofrenia sofreriam uma maior pressão de ordemambiental – nesse caso, de ordem financeira – e estariam mais propensos a manifestarem os sintomas da doença.Um dado adicional, que comprova a importância do desenvolvimento de esquizofrenia, diz respeito às freqüentes e recorrentes tentativas de suicídios por parte desses pacientes.Estima-se que entre 25 e 50% dos pacientes esquizofrênicos tentem o suicídio pelo menos uma vez em toda a vida. Desses, cerca de 10% realmente se suicidam.

ETIOLOGIA DA DOENÇA

A despeito da grande importância da doença, em função do grande número deportadores, dos prejuízos individuais, sociais e econômicos que acarreta, até hoje não se chegou a um consenso quanto às causas da esquizofrenia, as quais ainda permanecem obscuras. Entretanto, já encontra-se bem estabelecido que as causas primeiras da doença diga respeito a uma interação de fatores ambientais, sociais e genéticos. Assim, os fatores genéticos determinariam uma predisposição ao desenvolvimento da patologia, a qual estaria mais propensa a surgir mediante a existência de fatores sociais e ambientais específicos.A hipótese genética, portanto, afirma que a existência de um fator genéticoaumentaria a vulnerabilidade do sistema nervoso central a fatores externos. Com relação a esta hipótese, alguns estudos têm sido realizados investigando a incidência deesquizofrenia em gêmeos monozigóticos e dizigóticos. O pesquisador norte-americano Kallmann, referência na investigação do componente genético da esquizofrenia, afirma que se a doença fosse fundamentalmente de origem genética, os gêmeos monozigóticos (os quais compartilham o mesmo material genético) deveriam apresentar aproximadamente a mesma tendência em apresentar a doença, o que é chamado de “concordância”. No entanto, essa concordância ocorre somente em cerca de 50% desses gêmeos monozigóticos. Já entre os gêmeos dizigóticos, a incidência da doença é de cerca de 10 a 15%, a mesma presente nos parentes de primeiro grau. Se a causa da esquizofrenia fosse apenas devida a anormalidades genéticas, portanto, a concordância deveria ser de 100%, o que não acontece. De qualquer forma, esse índice de 50% indica uma forte influência dos componentes genéticos na manifestação da patologia. Ainda com relação à hipótese genética, em 1988 foi localizado um gene no cromossomo 5 que estaria supostamente associado à esquizofrenia, embora o resultado não tenha sido conclusivo. Portanto, até o momento, os estudos de ligação gênica têm demonstrado apenas outras regiões cromossômicas sugestivas (por exemplo, nos cromossomos 6, 13 e 22), ou seja, ainda não foi possível identificar os genes responsáveis pela doença. Alguns autores têm proposto, adicionalmente, a existência de marcadores biológicos para a esquizofrenia. Dessa forma, alguns distúrbios de movimentos oculares (tal como o nistagmo: oscilações repetidas e involuntárias rítmicas de um ou ambos os olhos), os quais estão presentes em 70% dos pacientes esquizofrênicos e em apenas 8% da população normal, poderia ser considerado um marcador biológico para a doença,

Page 6: ESQUIZOFRENIA

reforçado pelo fato do distúrbio também se manifestar em 45% dos parentes não esquizofrênicos de primeiro grau. A constatação de que alguns pacientes esquizofrênicos sem a manifestação desses distúrbios possuem pais que os apresentam levou à formulação de um modelo chamado de traço latente. Esse modelo propõe que a transmissão genética deste traço pode produzir a esquizofrenia, os distúrbios oculares ou ambos. Acredita-se, adicionalmente, que esse traço latente possa representar um processo patológico que acomete determinados sítios cerebrais.Entretanto, em virtude das muitas imprecisões dessa hipótese, a busca por informações genéticas mais incisivas continua sendo um dos principais focos na pesquisa sobre a esquizofrenia, principalmente na era das investigações genômicas. Já a hipótese ambiental da causa da esquizofrenia afirma que influências externas ao organismo podem potencializar uma tendência genética ao aparecimento da doença.

Particularmente importantes parecem ser fatores ocorridos durante a vida intrauterina, tais como infecções virais, desnutrição acentuada nas primeiras semanas de gravidez, efeitos de drogas utilizadas pela mãe, pressão sangüínea elevada da gestante, entre outras hipóteses. Além das intercorrências na fase intra-uterina, as complicações de gestação e de parto também têm sido associadas à esquizofrenia, tais como baixo peso ao nascer, prematuridade, trabalho de parto prolongado, má apresentação do feto, préeclâmpsia, ruptura prematura de membranas e complicações pelo cordão umbilical. Pareceser o denominador comum desses fatos a hipóxia à qual o feto é submetido, embora nem todos os estudos realizados encontrem associações positivas entre as complicações de gravidez e parto e a esquizofrenia. Ainda assim, postula-se que tais fatores possam propiciar um desenvolvimento defeituoso do sistema nervoso central em fase precoce, o qual poderia atuar como determinante do aparecimento ulterior da esquizofrenia.Ainda com relação a fatores ambientais, em 1985 um grupo de pesquisadoresdemonstrou que, em pacientes afetados pela esquizofrenia, havia uma tendência 7 a 15% maior dos nascimentos ocorrerem no final do inverno ou no início da primavera. Esse fato determinou que a gripe epidêmica, que ocorre tipicamente no período de inverno, se tornasse alvo da maioria das pesquisas epidemiológicas que tentaram associar a exposição a esse vírus no pré-natal à esquizofrenia, embora a existência de relatos negativos impeçam uma conclusão definitiva.

Fatores sócio-econômicos também parecem influenciar as manifestações dadoença, embora não constituam agentes causais propriamente ditos. Uma das evidências dessa hipótese é o fato de que, em nações industrializadas, existe um número desproporcional de pacientes esquizofrênicos em classes sócio-econômicas mais baixas.Isso é explicado, por alguns pesquisadores, como sendo uma “mobilização-descendente”:os indivíduos afetados seriam deslocados para classes sócio-econômicas mais baixas ou deixariam de ascender a classes mais elevadas em função da doença. Além disso, o estresse experimento por membros de classes sócio-econômicas inferiores pode contribuir para o desenvolvimento da esquizofrenia. Esse fato parece ser evidenciado pela constatação clínica de que situações de estresse freqüentemente precedem um surto, assim como agravam o quadro sintomático. A partir da metade da década de 70, a utilização da técnica de Tomografia Computadorizada (TC) do crânio passou a contribuir para a investigação de possíveis alterações estruturais no cérebro. A partir daí, a esquizofrenia passou a ser associada a um distúrbio no desenvolvimento neural, o qual afetaria principalmente o córtex cerebral e de ocorrência nos primeiros

Page 7: ESQUIZOFRENIA

meses do desenvolvimento pré-natal. Os estudos com imageamento cerebral surgidos passaram a detectar sinais consistentes de atrofia cerebral, incluindo o alargamento dos ventrículos cerebrais e aumento dos sulcos corticais numa proporção considerável. Essas mudanças estruturais estão presentes empacientes esquizofrênicos apresentados pela primeira vez e provavelmente não são progressivas, sugerindo que elas representam uma aberração precoce irreversível no desenvolvimento cerebral, e não uma degeneração neural gradual. Estudos de cérebros de esquizofrênicos post mortem mostram evidências de neurônios corticais fora de posição, com morfologia anormal, além de sugerirem que os cérebros de alguns pacientes esquizofrênicos sejam mais leves em comparação aos de indivíduos normais.As áreas mais consistentemente implicadas na hipótese de uma má formaçãocerebral têm sido as porções mediais dos lobos temporais, principalmente o hipocampo e o giro para-hipocampal. Além disso, diminuições de volume em áreas frontais, tálamo, gânglios da base e corpo caloso também têm sido sugeridas.

Com o desenvolvimento relativamente mais recente de outras técnicas deimageamento in vivo, tais como a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) ou aTomografia por Emissão de Fóton Único (SPET ou SPECT), foi possível um mapeamento topográfico do fluxo sang6uíneo cerebral através da utilização de xenônio133, o qual tem permitido a obtenção de informações a respeito dos aspectos fisiológicos da esquizofrenia, tais como padrões de consumo de glicose e fluxo sangüíneo. Outro achado freqüentemente observado é o hipofuncionamento de porções anteriores dos lobos frontais (córtex préfrontal), associado ou não à hiperatividade de regiões posteriores (parietais e occipitais).A despeito da existência de grande número de evidências implicando alterações estruturais na gênese da esquizofrenia, em conjunto ainda não representam conclusões consistentes e definitivas, apenas sugerem possíveis caminhos para investigações presentes e futuras.

ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS

Em contraste com outros distúrbios que acometem o sistema nervoso central, talcomo a doença de Alzheimer ou outras patologias neurológicas, nas quais se visualizam lesões localizadas ou alterações histológicas marcantes, a esquizofrenia não se caracteriza por alterações típicas definidas e, sim, por complexas alterações neurofuncionais. Portanto, mais do que identificar lesões ou alterações específicas, procura-se identificar anormalidades funcionais em determinadas vias neurais, enfatizando neurotransmissões específicas ou disfunções nas múltiplas interações cerebrais existentes. As teorias atuaissobre a neurobiologia da esquizofrenia advêm da análise dos efeitos das substâncias antipsicóticas e pró-psicóticas. É, portanto, uma área de investigação proveniente da Farmacologia e não da Neuroquímica ou da Fisiologia.

Existem evidências que implicam uma disfunção no sistema límbico anterior,principalmente no hemisfério esquerdo do cérebro. Desta forma, o paciente esquizofrênicosofreria de uma disfunção no hemisfério esquerdo, bem como de um déficit decomunicação entre os dois hemisférios. Conseqüentemente, o hemisfério esquerdopassaria a ser excessivamente utilizado, ainda que de forma deficitária, o que acarretariauma interpretação errônea das mensagens provenientes do hemisfério direito. Isso

Page 8: ESQUIZOFRENIA

explicaria as freqüentes alucinações auditivas e as idéias delirantes, uma vez que aatividade verbal do hemisfério direito seria interpretada como originária de fora e não daprópria mente. Outras estruturas límbicas parecem também estar diretamente envolvidasna gênese da esquizofrenia, tal como o córtex pré-frontal. No subcórtex, estariam tambémenvolvidos o núcleo accumbens, a área tegmentar ventral do mesencéfalo, a amígdala, ohipocampo e o tálamo. Aliás, as alterações de percepção poderiam estar relacionadas comum funcionamento anormal de vias neurais deste último. O funcionamento deficitário dasvias neurais das demais estruturas poderia explicar as disfunções afetivas e motivacionais.Com relação às vias de neurotransmissão envolvidas, até o momento as principaishipóteses centralizam-se na dopamina (DA) e no glutamato, embora outros mediadorestambém recebam atenção, como é o caso da serotonina (5-HT). A hipótese dopaminérgicatem sido, sem dúvida, a melhor fundamentada até os dias atuais e se relaciona com osmedicamentos antipsicóticos regularmente utilizados no tratamento.Teoria DopaminérgicaA teoria dopaminérgica da esquizofrenia foi proposta por Carlsson, ganhadordo Prêmio Nobel do ano de 2000, com base em evidências farmacológicas indiretas emseres humanos e em animais de experimentação. Foi definitivamente estabelecida combase no mecanismo de ação dos principais antipsicóticos utilizados na psiquiatria, osquais atuam diminuindo a neurotransmissão dopaminérgica no sistema nervoso central.Algumas evidências indicam que tais fármacos atuam por meio de duas principais viasdopaminérgicas: o sistema mesotelencefálico e o sistema diencefálico, sendo queessas vias se subdividem em vias menores, cada uma responsável por um tipo desintoma e, conseqüentemente, de ação do medicamento. O esquema seguinterepresenta, sinteticamente, as vias de neurotransmissão dopaminérgicas sobre as quaisatuam os principais antipsicóticos.Como pode ser observado pelo esquema, o sistema mesotelencefálico sedivide em três vias menores: a via nigroestriatal, a via mesolímbica e a via mesocortical.Já o sistema diencefálico se divide em vias curtas, dentre as quais se destaca, pelasações dos antipsicóticos, a via túbero-infundibular. Acredita-se que esta última seja amais importante do ponto de vista do mecanismo de ação dos antipsicóticos.O principal mecanismo responsável pela ação antipsicótica dos fármacosutilizados é o bloqueio de receptores dopaminérgicos, o que sugere que a esquizofrenia seja caracterizada, principalmente, pelo hiperfuncionamento da transmissão dopaminérgica no sistema nervoso central.Comprovando esta hipótese, existem inúmeros estudos utilizando aanfetamina como agente indutor da hiperativação de vias dopaminérgicas. A anfetamina (tal como a cocaína) libera DA no cérebro e pode produzir, em seres humanos, uma síndrome comportamental indistinguível de um episódio esquizofrênico agudo. Já em animais de experimentação, a liberação de DA causa um padrão específico de comportamento estereotipado (conhecido como climbing behavior), que lembra os comportamentos repetitivos algumas vezes vistos em pacientes esquizofrênicos. Além disso, agonistas potententes do receptor D2 (um subtipo de receptor de neurônios dopaminérgicos), tais como a apomorfina ou a bromocriptina, produzem efeitos semelhantes em animais, e estes fármacos, da mesma forma que a anfetamina,

Page 9: ESQUIZOFRENIA

exacerbam os sintomas dos pacientes esquizofrênicos. Juntamente com esses dados há, para reforçar a hipótese dopaminérgica, uma forte correlação entre a potênciaclínica antipsicótica e a atividade em bloquear os receptores D2 e estudos de imagem de receptor mostraram que a eficácia clínica das substâncias antipsicóticas é consistentemente alcançada quando a ocupação do receptor D2 alcança aproximadamente 80%. Um outro fator que reforça a hipótese dopaminérgica é o fato de que o bloqueio dos mecanismos de armazenamento da DA (com a utilização de reserpina, por exemplo), também inibe as manifestações da esquizofrenia. No entanto, a despeito dessas evidências, acredita-se que outros sistemas de neurotransmissão também estejam envolvidos na gênese da esquizofrenia.Teoria GlutamatérgicaAlgumas evidências indicam que vias glutamatérgicas também participem dagênese da esquizofrenia; no entanto, de uma forma inversa à atuação da DA: inibindo manifestações de caráter psicótico, como visto na esquizofrenia. Isso pode ser evidenciado pela ação dos antagonistas do receptor NMDA (N-metil-D-aspartato), um subtipo de receptor glutamatérgico, os quais produzem sintomas psicóticos em seres humanos (como pode ser observado quando da utilização de fenciclidina, quetamina e dizocilpina). Além disso, concentrações reduzidas de glutamato e de densidades do receptor de glutamato foram relatadas em cérebros de pacientes esquizofrênicos em estudos post mortem – um dos poucos achados razoavelmente consistentes a respeito do envolvimento do glutamato na gênese da esquizofrenia. Evidências experimentais auxiliam a reforçar esta hipótese. Camundongos transgênicos nos quais a expressão do receptor NMDA está reduzida (não abolida, pois isto seria fatal) mostram comportamentos estereotipados e interação social reduzida, que são sugestivos de esquizofrenia, e respondem às substâncias antipsicóticas.Teoria serotonérgicaA hipótese do envolvimento da neurotransmissão serotonérgica na gênese daesquizofrenia advém, principalmente, dos sintomas produzidos pela utilização do LSD (dietilamida do ácido lisérgico), o qual é um agonista de auto-receptores serotonérgicos, ou seja, diminui a freqüência de disparo de neurônios serotonérgicos, diminuindo a liberação de 5-HT nos terminais nervosos. O uso de LSD por seres humanos induz um estado muito semelhante aos surtos psicóticos observados em pacientes esquizofrênicos, o que levou à formulação do possível envolvimento da 5-HT no desenvolvimento da patologia. Além disso, observou-se que indivíduos com baixos níveis liquóricos do ácido 5-hidroxiindolacético (5-HIAA), o principal metabólito da serotonina, apresentam sinais de impulsividade e são propensos a cometer atos violentos contra si próprios ou contra terceiros. Embora existam outras evidências implicando a neurotransmissão serotonérgica em quadros de esquizofrenia, esta hipótese ainda encontra-se menos estabelecida que a hipótese dopaminérgica.Outras teorias, envolvendo outras substâncias centrais, têm sidodesenvolvidas na tentativa de se compreender a gênese da esquizofrenia. Entre elas estão as hipóteses de modulação peptídica e de modulação opióide, as quais, em função de nossos objetivos, não serão aqui detalhadas. Conclui-se, portanto, que a teoria da hiperatividade dopaminérgica da esquizofrenia parece ser sustentada por uma ampla gama de evidências. Embora seja de grande simplificação e se refira somente aos sintomas positivos da doença, fornece o melhor embasamento para a compreensão da ação das substâncias antipsicóticas.

FÁRMACOS ANTIPSICÓTICOS

Page 10: ESQUIZOFRENIA

A base para o tratamento da esquizofrenia continua a ser de ordem farmacológica, desde o aparecimento dos antipsicóticos (também chamados de neurolépticos ou tranqüilizantes maiores) na década de 50. É importante ressaltar que tais medicamentos tratam os sintomas e não possuem capacidade de cura. Existem,atualmente, mais de 20 substâncias antipsicóticas diferentes disponíveis para usoclínico. De forma geral, aquelas que foram originalmente desenvolvidas são chamadas de antipsicóticos clássicos ou típicos, em contraste com as mais recentes, chamadas de antipsicóticos atípicos.O tratamento com antipsicóticos, sem considerar os efeitos colaterais queproduzem, possui duas principais limitações: a primeira diz respeito à sua eficácia, a qual atinge apenas 70% dos pacientes esquizofrênicos; os 30% restantes sãoclassificados como “resistentes ao tratamento” e apresentam um importante problema terapêutico. A segunda limitação vem do fato dessas drogas, apesar de controlarem de forma eficaz os sintomas positivos, serem ineficazes com relação aos sintomas negativos. Um outro ponto frágil da terapêutica com os antipsicóticos, mas que não representam uma limitação propriamente dita, diz respeito ao tempo necessário para o estabelecimento do efeito. Assim como outros fármacos neuroativos, levam semanas para produzirem os efeitos esperados, mesmo bloqueando os receptores dopaminérgicos de forma imediata.Ao impedir a hiperativação dopaminérgica, as substâncias antipsicóticasacabam por produzir uma gama de efeitos colaterais, muitos deles de grande gravidade.Tais efeitos pode, de forma geral, ser classificados como efeitos motores ou efeitosendócrinos. Os efeitos motores, por sua vez, podem ser representados pelos chamados distúrbios extrapiramidais e pela discinesia tardia, e representam o principal problema do tratamento com antipsicóticos. Os principais distúrbios extrapiramidais causados pelos antipsicóticos são: distonias agudas; movimentos involuntários tais como espasmos musculares, língua protusa, torcicolo, etc; síndrome parkinsoniana. Esses sintomas aparecem nas primeiras semanas do tratamento, tendem a declinar com o passar do tempo e são reversíveis com a interrupção do tratamento. Devem-se ao bloqueio de receptores dopaminérgicos principalmente na via nigro-estriatal. Já a discinesia tardia é uma gama de efeitos a qual se desenvolve após considerável tempo de tratamento (meses ou anos) em cerca de 20 a 40% dos pacientes tratados com antipsicóticos típicos e representa o principal problema da terapia antipsicótica. É uma condição incapacitante, irreversível, que freqüentemente piora quando da interrupção do tratamento. É caracterizada por movimentos involuntários freqüentes da face, da língua, do tronco e dos membros, os quais podem compromete seriamente a saúde do indivíduo.Já com relação aos efeitos colaterais de ordem endócrina, os maisfreqüentemente observados são: turgescência, dor e lactação das mamas (causada por aumento da concentração plasmática de prolactina, em função do bloqueio da neurotransmissão dopaminérgica), a qual pode ocorrer em homens e mulheres; diminuição do hormônio do crescimento; influência sobre os hormônios sexuais, diminuindo ou comprometendo a libido do indivíduo.Portanto, como pôde ser observado, os medicamentos antipsicóticos atualmente disponíveis oferecem, infelizmente, uma grande variedade de efeitos colaterais ao indivíduo portador da esquizofrenia. É um panorama triste uma vez que, a despeito de controlar os sintomas muitas vezes incapacitantes da doença, acaba por produzir outros que podem impedir, da mesma forma, a reintegração do paciente àsociedade. Portanto, no campo da investigação da esquizofrenia, muitos esforços

Page 11: ESQUIZOFRENIA

devem ser realizados no sentido de se buscar substâncias eficazes contra o distúrbio e que sejam o mais seletivas possíveis, a fim de minimizar os efeitos adversos produzidos pelos antipsicóticos em uso. E, mais importante, deve-se sempre ter em mente a questão ética por trás da questão farmacológica: a busca por substâncias neurobiologicamente ativas que favoreçam a reintegração dos indivíduos à comunidade, de forma que os portadores de esquizofrenia possam desenvolver suas potencialidades individuais, a despeito de todo o estigma que vem marcando a patologia ao longo dos séculos.