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Av. Afonso Pena, 1.901 – Edifício Séculos - Funcionários – Belo Horizonte – MG - CEP 30130-004 ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO O Advogado-Geral do Estado, Dr. Marco Antônio Rebelo Romanelli, proferiu no Parecer abaixo o seguinte Despacho: “Aprovo. Em 30/08/2010” Procedência: Secretaria de Estado da Fazenda Interessado: Soraya Naffah Ferreira e Lindenberg Naffah Ferreira Número: 15.041 Data: 30 de agosto de 2010 Ementa: CARGO EM COMISSÃO. FUNÇÃO DE CONFIANÇA. MODO DE SELEÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS. ARTIGO 37, V DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NEPOTISMO. HISTÓRICO. ETIMOLOGIA. RESERVA LEGAL. SEGURANÇA JURÍDICA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROIBIÇÃO DE NOMEAÇÃO DE IRMÃOS. ARTIGO 276 DA LEI ESTADUAL Nº 869/52. PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE. Relatório Trata-se de expediente encaminhado pelo ilustre Secretário de Estado de Fazenda a propósito do Parecer nº 6.988/2010 daquela Secretaria, versando sobre a nomeação de servidores para cargo de provimento comissionado, em razão do grau de parentesco entre os mesmos. No bem fundamentado e judicioso Parecer, a Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Fazenda delimita a questão em tese, qual seja, a viabilidade de se nomear a servidora Soraya Naffah Ferreira, auditor fiscal de tributos estaduais, para o cargo comissionado de Assessor Especial de Informática, responsável pela direção da Superintendência de Tecnologia da

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ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO

O Advogado-Geral do Estado, Dr. Marco Antônio Rebelo Romanelli, proferiu no Parecer abaixo o seguinte Despacho: “Aprovo. Em 30/08/2010” Procedência: Secretaria de Estado da Fazenda Interessado: Soraya Naffah Ferreira e Lindenberg Naffah Ferreira Número: 15.041 Data: 30 de agosto de 2010 Ementa:

CARGO EM COMISSÃO. FUNÇÃO DE CONFIANÇA. MODO DE SELEÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS. ARTIGO 37, V DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NEPOTISMO. HISTÓRICO. ETIMOLOGIA. RESERVA LEGAL. SEGURANÇA JURÍDICA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROIBIÇÃO DE NOMEAÇÃO DE IRMÃOS. ARTIGO 276 DA LEI ESTADUAL Nº 869/52. PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE.

Relatório Trata-se de expediente encaminhado pelo ilustre Secretário de Estado de Fazenda a propósito do Parecer nº 6.988/2010 daquela Secretaria, versando sobre a nomeação de servidores para cargo de provimento comissionado, em razão do grau de parentesco entre os mesmos. No bem fundamentado e judicioso Parecer, a Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Fazenda delimita a questão em tese, qual seja, a viabilidade de se nomear a servidora Soraya Naffah Ferreira, auditor fiscal de tributos estaduais, para o cargo comissionado de Assessor Especial de Informática, responsável pela direção da Superintendência de Tecnologia da

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2ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO

Informação (STI), tendo em vista ser irmã do servidor Lindenberg Naffah Ferreira, também AFRE e titular da Diretoria de Suporte e Produção, órgão subordinado à STI:

“O Consulente aduziu em sua consulta que os ocupantes dos cargos de provimento em comissão em tela são servidores efetivos da Secretaria de Estado de Fazenda, carreira AFRE, e que há anos vêm desenvolvendo atividades de gestão na SEF, ocupando sucessivos cargos comissionados, conforme histórico indigitado na referida consulta.”

Após analisar o significado da expressão nepotismo, bem como os termos da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal, o ilustre Parecerista indicou o artigo 1.594 do Código Civil como dispositivo capaz de indicar o grau de parentesco e distinguiu o conceito de função gratificada da noção de cargo comissionado para concluir:

“Ante ao exposto, seria forçoso concluir que a nomeação de irmãos, ou seja, parentes em linha colateral, de servidores da mesma pessoa jurídica ou da autoridade nomeante, para o exercício de cargo em comissão de direção, chefia ou assessoramento no serviço público, ou mesmo função gratificada na Administração Pública direta ou indireta, ou em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, ‘compreendido o ajuste mediante designações recíprocadas’, está a violar a Constituição Federal.”

O r. Parecer aduz que o Supremo Tribunal Federal não logrou abranger todas as hipóteses possíveis de nepotismo e ensejou mais dúvidas que certezas, sendo necessária cautela ao interpretar a nomeação de irmãos, providos em cargos efetivos, para cargos comissionados em um mesmo ente federativo, porquanto a nomeação de servidor de carreira não foi excepcionada pela súmula vinculante nº 13, que somente excluiu cargo de “agente político” dos seus termos. Examinando o histórico normativo e jurisprudência sobre a matéria, entendeu que “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até terceiro grau, de ocupantes de cargos efetivos para ocuparem

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cargos de provimento em comissão, não havendo hierarquia e subordinação entre os cargos ocupados, coaduna-se perfeitamente com os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, insculpidos no art. 37 da Constituição Federal.” Caso contrário, violaria o princípio da isonomia, além da preferência resultante do artigo 37, V da Constituição da República, transformando a exoneração dos ocupantes de cargos efetivos nomeados para cargos comissionados em decisão excessiva do administrador público, podendo atingir direitos do servidor e a continuidade do serviço público. Especificamente na hipótese em discussão, entendeu-se ser proibido pelo artigo 276 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Minas Gerais que irmãos exerçam cargos e funções em uma mesma unidade administrativa, sendo um responsável pela direção de um órgão e o outro responsável pela diretoria de uma unidade imediatamente inferior e subordinada ao primeiro órgão:

“Nesta ótica, resta evidenciado que o caso em comento encontra-se vedado pela Lei nº 869/52, vez que os dois servidores, sendo irmãos, não podem trabalhar sob as ordens do outro, posto que lotados na mesma unidade administrativa, havendo hierarquia e subordinação entre os cargos ocupados. Ademais, mesmo que um deles estivesse exercendo atividades inerentes ao cargo efetivo, mas se ainda estivesse sob as ordens do outro, estaria configurada a violação preconizada pela Lei nº 869/52, vez que nesse caso, a Lei não faz distinção entre cargos efetivos ou de provimento em comissão. O fato é que no serviço público estadual, havendo hierarquia e subordinação entre servidores, e havendo grau de parentesco até segundo grau, tal situação não é permitida pela Lei Estadual nº 869/52, independentemente, pois, da interpretação que se dê à Súmula nº 13 do STF, posto que neste ponto a questão não se prende à exegese da supracitada Súmula, mas em razão do óbice preexistente no texto legal estatutário.”

É o breve relatório. Passo a opinar.

Parecer

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O cerne da matéria em questão refere-se ao teor da Súmula Vinculante nº 13 segundo a qual “A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. A esse propósito, alguns aspectos merecem ser analisados isoladamente, senão vejamos. 1. Cargos em comissão e funções comissionados: modo de seleção O primeiro aspecto a ser analisado refere-se à compreensão dos conceitos de cargo em comissão e de função comissionada, mencionados na súmula e no artigo 37, V da Constituição da República. No direito brasileiro, os cargos comissionados, também chamados de cargos de confiança são unidades de competências que, reunidas, definem-se como sendo de “livre nomeação” e de “livre exoneração”. Recebem denominação própria na estrutura das pessoas de direito público federativas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e administrativas (autarquias e fundações públicas) e enfeixam atribuições de direção, chefia e assessoramento (artigo 37, V da CR), donde se entende justificada a liberdade para designação do servidor que exercerá tais responsabilidades. Com efeito, a natureza das atividades que podem integrar as competências imputadas a um cargo comissionado – direção, chefia e assessoramento - têm pertinência com a confiança que deve existir entre a autoridade nomeante e o servidor público. Daí a doutrina afirmar que a transitoriedade é uma vocação desse tipo de cargo, sendo indispensável liberdade no momento da nomeação, bem como quando da exoneração do servidor. A possibilidade de exoneração a qualquer momento implica o não reconhecimento de estabilidade ao servidor comissionado (artigo 41 da CR). Afinal, a confiança que exista e justifique a presença de um servidor no exercício de uma função de direção, assessoramento e chefia em um dado momento não pode obrigar a

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autoridade nomeante a manter o mesmo juízo indefinidamente, sendo cabível a sua alteração, inclusive desaparecimento, de modo a justificar o fim do exercício das atribuições. É desse contexto que advém o entendimento doutrinário segundo o qual a precariedade e a temporariedade são características do cargo comissionado. Quanto à liberdade para nomeação, é certo que o artigo 37, II da Constituição excluiu a exigência do concurso público como procedimento anterior indispensável ao provimento originário no cargo de confiança. Assim sendo, o exercício das funções a ele afetas não depende da prévia aprovação em concurso público, mas resulta do juízo de confiança a ser exercido pela autoridade com competência para levar a efeito a nomeação. É Edmir Netto de Araújo quem afirma que “Os cargos podem ser providos em comissão ou confiança, que, para nós, não deixam de ser sinônimos, no Direito Administrativo. Um dos significados do verbo cometer é exatamente o de confiar, e o de comissão é o de preenchimento de cargo por ocupante exonerável ‘ad nutum’, que quer dizer ‘à vontade de quem nomeia’.” Frisando a transitoriedade do ocupante do cargo comissionado, o administrativista sustenta que “Não é necessária a aprovação em concurso público para a nomeação em comissão (CF, art. 37, II), nem a prática de infração disciplinar, apurada em processo administrativo ou judicial, para seu desligamento.” (ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 303-304) A doutrina vem insistindo que “Os cargos de confiança (...) só se justificam para o desempenho de atividades de direção, chefia e assessoramento, logo, incompatível com atribuições de natureza eminentemente técnica, que condicionam a realização do concurso para o seu provimento, sob pena de representar ofensa ao artigo 37, inciso II, da Constituição Federal.” (ZIMMER JÚNIOR, Aloísio. Curso de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 424) Referida cautela ao interpretar a figura do cargo comissionado é essencial na medida em que a liberdade quanto ao início e fim do provimento dos cargos afasta a regra geral do concurso público e a da estabilidade que incidem relativamente aos cargos efetivos. No que tange à amplitude da liberdade para provimento do cargo comissionado, há limites à discricionariedade fixados no próprio texto constitucional. Primeiro, tem-se especificadas as atribuições que o justificam: somente direção, assessoramento e chefia. A esse propósito, a doutrina adverte:

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“Fora dessas atribuições, o provimento do cargo é efetivo e deve se submeter ao prévio concurso público. Na prática, o que se percebe em alguns casos é o desvio da função do cargo comissionado, que de comissionado só tem mesmo o nome para servir de pretexto à dispensa do concurso público, mas as suas atribuições destinam-se a atividades corriqueiras da administração, estranhas à afetação constitucional de direção, chefia e assessoramento. Em casos que tais a fraude ao concurso público é latente, de modo que a nomeação deve ser tornada sem efeito.” (MAIA, Márcio Barbosa e QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 69)

Além disso, o artigo 37, V da CR também estabeleceu que a investidura em cargos comissionados deve se dar em favor de “servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei”. Nesse sentido, tem-se a previsão, na Constituição, de lei que venha a disciplinar um mínimo de cargos em comissão seja ocupado por servidores de carreira. Considerando tratar-se de norma de eficácia contida, denota-se que é competência de cada ente federativo aprovar lei específica que estabeleça percentuais e condições de exercício de cargos comissionados por servidores efetivos. O objetivo é impor que parte dos cargos comissionados seja provida mediante “recrutamento restrito” e impedir que o “recrutamento amplo” seja utilizado como a única forma de nomeação para os cargos de confiança. O “recrutamento restrito” para cargos em comissão ocorre quando o servidor já possuía vínculo anterior com a Administração Pública, estando no exercício prévio e regular de um cargo de provimento efetivo integrante da carreira. Assim ocorre quando o servidor exerce um cargo técnico em determinado órgão e é nomeado para a atividade de chefia no setor. Como estava anteriormente provido em um cargo público efetivo integrado na carreira e é nomeado para um cargo comissionado de chefia, tem-se evidente o recrutamento restrito. Já o “recrutamento amplo” existe independente de qualquer vínculo anterior do servidor com os quadros da Administração. Nessa hipótese, alguém que, por exemplo, preste consultoria em uma empresa do mercado é nomeado para um cargo comissionado de assessoramento na estrutura estatal. Trata-se do recrutamento

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amplo que apenas depende do atendimento dos requisitos legais vigentes para o cargo de confiança em tese. De fato, cabe à União, a cada Estado-membro, Município e Distrito Federal especificar os requisitos dos cargos de confiança, tais como grau de escolaridade e idade mínima para o seu exercício, sempre de modo proporcional com a natureza das atribuições em questão. Tanto no caso do “recrutamento restrito” como na hipótese de “recrutamento amplo” tais requisitos devem ser atendidos. Além do atendimento dos requisitos legais, é clara a pertinência dos entes federativos estabelecerem, por lei, percentuais de “recrutamento restrito” em razão de que servidores efetivos, nomeados após aprovação em concurso público, assumirão atribuições de direção, chefia e assessoramento. Em assim ocorrendo, ter-se-á uma quantidade máxima de cargos comissionados preenchidos por pessoas estranhas aos quadros da Administração Pública, o que evitará o uso clientelista e não raras vezes eleitoreiro quando do seu provimento. Não se trata de impedir que pessoas não integrantes dos quadros do Poder Público mereçam o convite para exercer um cargo comissionado. O que se busca é somente assegurar um número mínimo de chefes, assessores e diretores que exerceram, previamente, funções técnicas de um cargo efetivo. Isso significará presença de experiência interna à Administração capaz de viabilizar soluções que sejam pertinentes aos desafios cotidianos do órgão, porquanto ter-se-á na direção, assessoramento e chefia um servidor que trouxe consigo uma compreensão real dos problemas da carreira. Cumpre advertir que, mesmo na ausência de lei federal, estadual, municipal ou distrital que estabeleça um mínimo de cargos comissionados objeto de provimento mediante “recrutamento restrito”, a doutrina vem advertindo para outros limites quando da nomeação dos cargos comissionados, principalmente aqueles decorrentes da incidência dos princípios constitucionais como a moralidade, impessoalidade e eficiência administrativas. A “livre nomeação” seria limitada não só pelas exigências de habilitação, condições e percentuais fixados em lei, mas também pelas normas principiológicas expressas e implícitas no ordenamento jurídico, em especial no texto constitucional. Como observa Conceição Jorge Pinto:

“A Constituição Federal previu e autorizou, a título de exceção à obrigatoriedade da aprovação prévia em concurso público, a

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investidura em cargo em comissão, declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e destinado às funções de direção, chefia e assessoramento. A previsão constitucional, no entanto, não declara que esta forma de provimento possa ser realizada em desarmonia com os princípios norteadores da administração pública, ou de outros constantes do texto constitucional. Assim, o que ato de nomeação pode ser declarado nulo por inconstitucionalidade, com a devida responsabilização da autoridade pública da qual emanou, se afrontar disposições e princípios constitucionais, entre estes: da moralidade, da impessoalidade, da eficiência, da legalidade, da isonomia. Essa análise será baseada nas circunstâncias nas quais se deu a nomeação e, principalmente, nas motivações do ato.” (PINTO, Conceição Jorge. Cargos em comissão. Da contratação motivada pela capacitação técnica ao nepotismo e ao clientelismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2122, 23 abr. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12682>. Acesso em: 07 maio 2010 ,sem destaque no original)

A idéia é a de que o fato de se excluir o concurso público como procedimento seletivo obrigatório e assegurar liberdade para a Administração selecionar aquele que será o servidor comissionado responsável pela chefia, direção ou assessoramento não autoriza descumprimento dos princípios e regras constitucionais, sob pena da discricionariedade transmutar-se em arbitrariedade. Assim sendo, é mister cumprir a exigência constitucional de moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Outrossim, há regras como o art. 84, XIV da CR que outorga competência do Presidente da República para nomear, após aprovação pelo Senado Federal, o Procurador Geral da República, além do Presidente e os diretores do Banco Central. Também prescrições de natureza específica há para os cargos de assessoramento e consultoria jurídicas que, no âmbito federal e estadual, foram reservados pelos artigos 131 e 132 da Constituição aos Advogados da União e aos Procuradores do Estado aprovados em concurso público, excluída a nomeação discricionária para cargos comissionados, consoante orientação jurisprudencial do STF (ADI’s nºs 159, 881, 1.679, 2.581, 2.682 e 4.261). A “livre nomeação” também não afasta a necessidade de cumprimento de normas legais que, em cada esfera da federação, estabeleçam restrições. Se um

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dispositivo de lei excepcionar uma determinada situação, proibindo que, nela, ocorra nomeação para o exercício de cargos comissionados, o provimento estará vedado nas condições delineadas. Assim, se um artigo de lei municipal impedir o exercício de chefia por parente de primeiro grau de servidores públicos, é imperioso não nomear para o cargo comissionado de chefia alguém que seja pai de um servidor efetivo lotado naquele órgão. Pode-se afirmar, por conseguinte, que a “livre nomeação”, em se tratando de cargos comissionados, não exclui a necessidade de cumprimento das normas da Constituição e da legislação de regência. O mesmo se afirma em relação às denominadas “funções de confiança” que, com base no artigo 37, V da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, devem ser exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo. Quanto às funções comissionadas, ainda não se encontram seguros e uníssonos parâmetros conceituais fixados pela doutrina e aptos a defini-la. Atualmente, há quem defenda que a distinção entre cargos em comissão e funções de confiança seria apenas de grau, não existindo diferença ontológica entre tais categorias, eis que ambas estariam destinadas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, indistintamente. Assim entendem Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro Queiroz que asseveram:

“Os cargos em comissão representam as mais elevadas responsabilidades a serem exercidas sob a fidúcia da autoridade nomeante e, em linha de princípio, podem recair sobre quaisquer destinatários, servidores ou não, desde que preencham as condições legais ou regulamentares preestabelecidas pelo Poder Público. Por outro lado, a legislação infraconstitucional deverá contemplar uma reserva de tais cargos para os servidores organizados em carreira (CF/88, art. 37, V). As funções de confiança, de outra banda, aparecem na estrutura administrativa escalonadas imediatamente abaixo dos cargos em comissão e são exclusivas dos servidores ocupantes de cargo efetivo de qualquer esfera governamental. Note-se que, tanto os servidores ocupantes de cargos organizados em carreira, quanto os ocupantes de cargos isolados, poderão

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assumir funções de confiança, pois a única exigência constitucional diz respeito, tão-só, à natureza efetiva do respectivo ato de provimento.” (MAIA, Márcio Barbosa e QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 51)

Com maior solidez, tem-se o entendimento de que, quando determinadas tarefas de assessoramento, de chefia e de direção são de tal relevância que se justifica as enfeixar em uma designação única de cargo comissionado, cria-se o cargo por lei, de modo a viabilizar o seu provimento por servidor que já integre, ou não, a carreira. O servidor nomeado assumirá o exercício das atividades do cargo comissionado e receberá a remuneração pertinente ao mesmo, fixada em lei específica. Na hipótese de funções de confiança, as responsabilidades mencionadas caracterizam atribuições diferenciadas das funções inerentes aos cargos de provimento efetivo e serão exercidas por um servidor efetivo já integrante do quadro de pessoal do Estado. Impõe-se esclarecer, contudo, que tais funções não são reunidas e denominadas, com especificidade, em um cargo público criado por lei e, em regra, justificam somente o pagamento de vantagem remuneratória adicional à remuneração prevista para o cargo efetivo ao qual anteriormente já estava vinculado o servidor. Com efeito, a doutrina pátria entende que a função de confiança consiste na assunção de atribuições diferenciadas e de maior responsabilidade por parte do ocupante de um cargo de provimento efetivo, ao que corresponde o pagamento de uma gratificação pecuniária. Nesse sentido, ela não consiste numa posição jurídica equivalente a um cargo público, mas na ampliação das atribuições e responsabilidades de um cargo de provimento efetivo, mediante uma gratificação pecuniária. Não se admite o conferimento de tal benefício ao ocupante de cargo em comissão, na medida em que a remuneração correspondente abrange todas as responsabilidades e encargos possíveis. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 594) O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a instituição de funções comissionadas no âmbito da União, decidiu que somente podem ser exercidas por servidores providos em cargos efetivos. O Ministro Relator Sepúlveda Pertence frisou a irrelevância de funções comissionadas terem sido designadas, por

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dispositivo de lei federal, como cargos em comissão de modo a permitir que fossem conferidas tanto a servidor de carreira quanto a pessoas sem vínculos com a Administração. Fixou, ainda, a inadmissibilidade de se burlar o artigo 37, V da Constituição cujo objetivo é garantir o acesso dos servidores de carreira às altas atividades dos quadros funcionais da Administração Pública. (MS nº 25.282-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno do STF, julgamento em 15.12.2006) A própria doutrina nacional já havia advertido que a regra do artigo 37, V da CR tinha por objetivo evitar que a instituição de funções de confiança para dedicarem-se a amigos – afilhadismo. Referida cautela prevista na Constituição afigura-se necessária, considerando-se que a “Função de confiança é aquela que se caracteriza por ser destinada ao provimento de agentes que atendem a uma qualidade pessoal que o vincula, direta e precariamente, a determinadas diretrizes políticas e administrativas dos governantes em determinado momento.” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 177-178) Denota-se, assim, que a designação de servidor efetivo para o exercício função comissionada e a nomeação para cargos de confiança devem obediência às normas constitucionais, quer tenham natureza principiológica, quer se trate de regra disposta no texto da CR. Isso afigura-se especialmente relevante quando se trata do momento inicial em que se vincula o servidor a um cargo de confiança ou função comissionada. Afinal, o modo de seleção de um agente público está intrinsecamente ligado à própria efetividade da atividade da Administração Pública. Uma escolha que permite a designação de alguém que não detém capacidade meritória suficiente para o exercício de atividades tão importantes como assessoramento, direção e chefia coloca em risco a própria estrutura do Estado. No direito comparado, Rafael Entrena Custa lembra que, se o êxito ou o fracasso de uma Administração vem determinado não somente pelas leis que a regulam, senão, fundamentalmente, pela qualidade do pessoal que a ela se integra, está claro que poucos aspectos de uma política da função pública revestirão na prática tanta importância como a seleção dos funcionários públicos e sua preparação e aperfeiçoamento para que em cada momento possuam os conhecimentos e a experiência necessários para o adequado desenvolvimento das tarefas que se lhes encomendam. (CUESTA, Rafael Entrena. Curso de derecho

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administrativo. v. 1/2. 11ª ed. Reimp. Madrid: Editorial Tecnos, 1996, p. 272-273) Com efeito, é preciso que se respeite a juridicidade, que sejam assegurados transparência, publicidade e mérito nos modos de seleção para determinar a idoneidade na função a ser cumprida (COMADIRA, Julio R. Derecho administrativo: acto administrativo. Procedimento administrativo. Otros Estudios. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2003, p. 632). Isso nas atividades mencionadas no artigo 37, V da CR consubstancia necessidade inarredável e desafio do ponto de vista da exeqüibilidade. Afinal, a liberdade quando da nomeação para o cargo comissionado e designação de servidor efetivo para função comissionada é necessária em face da confiança que deve existir entre a autoridade nomeante e o servidor. Simultaneamente, é preciso definir os contornos que limitam tal discricionariedade, a fim de que sejam evitados desvios que comprometam a própria eficácia administrativa. Como bem observa Luís S. Cabral Moncada,

“O modo como está organizada a Administração e o teor (técnico) da respectiva actividade material, numa perspectiva objectiva, são vitais para a efectividade dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, e repercutem-se imediatamente no todo social e não apenas nas esferas jurídicas individuais.” (MONCADA, Luís S. Cabral. A relação jurídica administrativa: Para um novo paradigma de compreensão da actividade, da organização e do contencioso administrativos. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 549)

No Brasil, um dos maiores desafios refere-se a assegurar, quando da incorporação de um servidor aos quadros da Administração, que o mesmo satisfaça o mínimo necessário ao exercício das atividades, excluindo vícios como clientelismo, nepotismo e, mesmo, corrupção. 2. Nepotismo: Histórico e etimologia Reconhece-se que o uso da estrutura do Estado para satisfazer interesses individuais descoincidentes com os interesses da sociedade é aspecto da cultura do povo brasileiro e acompanha a história do país desde a chegada dos portugueses ao nosso território. Aponta-se como certidão de nascimento da prática nepotista no país a Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, solicitando benesse especial para seu genro: “E pois que, Senhor, é certo que, assim neste

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cargo que levo, com em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – que d´Ela receberei em muita mercê.” Tem-se claro o pedido realizado em favor de um dos familiares do requerente e a expectativa do exercício do poder do Estado apenas no interesse individual, sem qualquer consciência dos limites que separam a esfera pública da privada. Trata-se do favorecimento familiar presente na própria etimologia da palavra “nepotismo” que, para parte da doutrina, refere-se à prática de nomear sobrinho, neto ou descendente para posições de importância. De fato, trata-se de palavra híbrida (latim e grego), formada pelo radical e também raiz - nepote (do latim népos/nipote/nepõtes, que significa sobrinho, neto, descendentes, posteridade) e pelo sufixo nominal: "ismo" (do grego ismós, que significa “prática de”). Há quem afirme que a divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido o sufixo ismo), no sentido hoje difundido em todo o mundo, em muito se deve aos pontífices da Igreja Católica. “Alguns papas tinham por hábito conceder cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos, terminando por lapidar os elementos intrínsecos ao nepotismo, que, nos dias atuais, passou a ser associado à conduta dos agentes públicos que abusivamente fazem tais concessões aos seus familiares.” (GARCIA, Emerson. O nepotismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4281>. Acesso em: 27 jul. 2010) O surgimento da palavra teria ocorrido, pois, na Itália, no sentido de indicar a excessiva autoridade que os sobrinhos e outros parentes dos Papas exerceram na administração eclesiástica. “Era um tipo de acusação dirigida contra os Papas do Renascimento (de Sisto IV a Paulo III) que nomeavam sobrinhos (nipoti) e outros parentes para posições clericais e administrativas de importância. (autorità eccessiva che i nipoti e gli altri parenti de´papi hanno talvolta esercitato nell´amministrazione degli affari di Roma).” Exatamente em decorrência do sentido italiano atribuído à palavra nepotismo, fontes clássicas indicam que a palavra nepotismo veio do baixo-latim eclesiástico: “nepote, que significaria sobrinho do Papa. Deste modo, conforme atuais fontes clássicas, nepotismo significa a prática adotada pelos Papas dos séculos XV e XVI em favorecer, sistematicamente, suas famílias (sobrinhos e outros parentes) com títulos (cargos de autoridade) e doações (presentes materiais).” (MUSETTI, Rodrigo Andreotti. O nepotismo legal e moral nos cargos em comissão da Administração Pública. Disponível em

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http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/?action=doutrina&iddoutrina=786. Acesso em 26.10.2010) Espraiou-se o entendimento de que há nepotismo quando se está diante do favorecimento de parente ou de familiar, independente das suas aptidões, promovido por uma autoridade que detém poder. Há estudiosos que sustentam que a prática de favorecer parentes, fora registrada no Japão, no período Heian, por volta do ano 669:

“A despeito da pobreza do povo japonês, no começo do séc. IX, o Japão atingiu o apogeu de uma civilização requintada, capaz de contestar o dogma da superioridade intelectual chinesa e de desenvolver a cultura nacional. Foi o governo da família Fujiwara, através da prática atribuída aos Papas, séculos depois, que permitiu esta mudança primordial para o povo japonês. A família Fujiwara foi dividida em quatro ramos, chefiados por quatro irmãos, que passaram a exercer uma considerável influência no governo: ‘Em breve todo o poder passou das mãos dos soberanos às dos Fujiwara, graças a um sistema que consistia em casar uma das filhas do chefe do clã com o imperador e colocar os parentes próximos em postos-chave da administração. Quando o herdeiro chegava à idade de ocupar o trono, o imperador renunciava e Fujiwara era designado regente em nome de seu neto, ainda menor.’ Em 1960, houve semelhante prática, ainda no Japão: ‘Uma vez no poder, Kiyomori adotou a mesma tática dos Fujiwara: nomeou seus parentes para as funções de maior importância, concedeu-lhes títulos de nobreza e reservou para si a posição de maior destaque na corte. Casou suas filhas na família imperial e instalou um de seus netos, com idade de dois anos, no trono japonês.’ Ressalte-se que, mesmo na Itália Renascentista, a nomeação de parentes para posições militares e políticas, de alta relevância, era comum aos não pertencentes à classe clerical. ‘Mas, a par de chefes espirituais, os papas eram também governantes temporais de uma grande parte da Itália; outros governantes não hesitavam em usar membros de suas próprias famílias

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como comandantes militares ou conselheiros políticos. Além disso, os papas eram usualmente idosos quando eleitos, rodeados pelos adeptos de seus ex-rivais, a braços com uma pletora de funcionários do Vaticano preocupados em zelar por seus interesses pessoais ou cujos salários eram pagos por nações estrangeiras. Assim, para conduzirem uma vigorosa política pessoal, não era inteiramente descabido que os papas promovessem homens de lealdade menos duvidosa.’” (MUSETTI, Rodrigo Andreotti. O nepotismo legal e moral nos cargos em comissão da Administração Pública. Disponível em http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/?action=doutrina&iddoutrina=786. Acesso em 26.10.2010)

Há quem entenda que o nepotismo tem origem na própria natureza, uma vez que “Pelo favorecimento pessoal de parentes por autoridades, resulta numa proteção à genética, a prole, a perpetuação da espécie”. Discorreu Adam Bellow que a defesa de um parente, daí remetendo-se a consideração de guarida da genética pelo favorecimento pessoal, representou nada mais, nada menos, do que a própria preservação da raça humana. (MARTINEZ, Bruno. Nepotismo como improbidade administrativa. Disponível em http://www.webartigos.com/articles/5882/1/Nepotismo-Como-Improbidade-Administrativa/pagina1.html#ixzz0uu8wwA8y. Acesso em 25.07.2010.) Independente de possuir, ou não, fundamento na natureza e à margem da amplitude originária da prática nepotista, se exclusiva ou não do clero, é certo que favores outorgados aos familiares são tradição viciada integrante da história, tendo sido absorvida no Brasil onde a nomeação de familiares para posições de alta importância e mesmo de assessoramento, com base apenas no vínculo parental, ganhou significativa repercussão. Sérgio Buarque Holanda, já atento aos problemas inerentes a essa realidade social, advertia que o Estado não é uma ampliação do círculo familiar, e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Assim, não há que se falar, entre o círculo familiar e o Estado, em gradação, mas antes é preciso reconhecer que existe uma descontinuidade e até uma oposição entre ambas as esferas:

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“No Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização – que não resulta unicamente do crescimento das cidades, mas também do crescimento dos meios de comunicação, atraindo vastas áreas rurais para a esfera de influência das cidades – ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje. Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público.” (HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26ª ed. 27ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 141; 145)

De fato, o saudoso historiador constatou que a escolha dos homens para o exercício funções públicas fazia-se de acordo com a confiança pessoal nos candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias. Nesse sentido, “Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático”, ao que acresce:

“No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundado nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa histórica, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por excelência dos chamados ‘contatos primários’, dos laços de sangue de coração – está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a

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sociedade em normas antiparticularistas.” (HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. op. cit., p. 146)

É preciso compreender que esse é o contexto que, herdado, causou inúmeros vícios na Administração Pública Brasileira como o “afilhadismo”, “nepotismo” ou “clientelismo”, além de outros como a corrupção. Ao tratar de comportamentos imorais e da corrupção em especial, Daisy de Asper y Valdés e Gerald E. Caiden invocam a “antítese da moralidade” como idéia capaz de elucidar o seu conceito. Valem-se da lição de Wesberry para indicar a escuridão e invisibilidade como terreno adequado para que prospere conduta com tal tipo de desvio. “É anônima e incomensurável. Origina-se dos vícios humanos de ganância e desejo de poder. Não tem cor, forma, odor. É conivente, secreta, despudorada, furtiva. Nem sempre deixa traços senão os que estão impressos nas mentes humanas, memórias e percepções.” Trata-se, pois, não de uma doença pessoal “mas um mal pessoal”, que renasce em múltiplas roupagens, o que exige vigilância constante e efetivo combate para prevenir contaminações. Não se ignore que “a culpa coletiva encontra expressão na racionalização das violações internas que, na realidade, ninguém tem o propósito de eliminar, senão na ocorrência de uma pressão externa muito forte.” Nesse contexto, é certo que um vício sistêmico e institucionalizado não pode ser confundido nem tratado individualmente, mormente em se considerando que afeta de modo cruel a sociedade, como um todo e aqueles que entram em contato com o sistema, sejam membros internos ou externos à instituição. Com efeito, trata-se de realidade que contribui para a anomia social, pois alimenta a efetivação de condutas impróprias ou escusas, solapando a credibilidade das instituições públicas e contribuindo para a alienação do povo, ao que se acresce seu caráter disfuncional à modernização e eficácia governamental. “Todos os envolvidos nessa luta devem evitar usar sua posição e sua instituição para usufruir vantagens pessoais, devem impor a mesma disciplina a todos e destituir os culpados de seus postos públicos.” É preciso que se tenha profissionalismo nos quadros da Administração; afinal, se amadores são nomeados em governos democráticos, a administração democrática requer, ao contrário, profissionalismo, que adere à ética profissional, e padrões de excelência: “evita causar dano, mantém-se atualizado, cuida de projetar sua imagem e garantir sua reputação pela competência, produtividade, disciplina e constante aperfeiçoamento.” (VALDÉS, Daisy de Asper y; CAIDEN, Gerald E. Corrupção: o excesso de peso nas costas do cidadão. Boletim Científico: Escola Superior do

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Ministério Público da União. Brasília: Ministério Público da União. Ano 5. nºs 20/21, julho/dezembro de 2006, p. 259; 262-263; 267-269; 272-273) Necessário absorver esse contexto social com a densidade necessária, para que se enfrente a intolerância com o uso das estruturas públicas em favor de interesses exclusivamente pessoais, crescente na sociedade contemporânea. Foi esse panorama que impôs aos Poderes do Estado o desafio de evitar a prevalência dos interesses privados que sequer se coadunam com as necessidades coletivas, exigindo medidas coibitivas de práticas nepotistas. O Supremo Tribunal Federal, diante de tal realidade, editou a súmula vinculante nº 13, buscando excluir favorecimentos indevidos. 3. Antecedentes e edição da Súmula Vinculante nº 13 pelo Supremo Tribunal Federal: uma discussão sobre os limites da reserva legal A ausência de regras legais que, nas diversas esferas da federação, regulasse com especificidade quais práticas seriam intoleradas quando da nomeação para cargos comissionados e da designação para exercício de funções comissionadas representava um vácuo normativo que favorecia práticas nepotistas. Na primeira década do século XXI tornou-se clara uma crescente expectativa social de que fossem coibidos tais comportamentos. Como aconteceu em outras matérias, primeiro órgãos públicos e, em seguida, o Judiciário assumiram a responsabilidade de interpretar o ordenamento de modo a dele extrair orientações que impedissem a continuidade dos vícios até então presentes. Se em relação ao direito de greve foi o Supremo Tribunal Federal que assumiu essa tarefa diretamente, no caso do nepotismo tivemos, antes do controle judicial, a edição de atos regulatórios como a Súmula nº 7 do Conselho Nacional de Justiça. Foram os princípios da moralidade e da impessoalidade que serviram de fundamento para mudança significativa no regime jurídico de pessoal do Judiciário: a Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Justiça tornou proscrita a nomeação de parentes de magistrados, até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento no Poder Judiciário. A vedação à prática denominada nepotismo teve como objetivo prestigiar a impessoalidade, atendendo clamor da sociedade a propósito de critérios objetivos na nomeação de cargos comissionados, de modo a evitar benefícios direcionados, algumas vezes de modo gratuito e injustificado, a pessoas da família dos membros deste Poder.

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O Supremo Tribunal Federal, ao deferir a liminar na ADC 12, entendeu ser constitucional a Resolução nº 7 do Conselho Nacional de Justiça que veiculou regras proibitivas do nepotismo na estrutura do Poder Judiciário. Alguns votos reconheceram a natureza de ato normativo primário à mencionada Resolução, em razão do artigo 103-B, § 4º, I da Constituição da República veicular, expressamente, o poder regulatório do CNJ. Ademais, em razão de o Judiciário ser instituição de âmbito nacional, não haveria vício no fato de órgão federal exercer poder regulatório vinculante de órgãos do Judiciário de outras esferas federativas (como Tribunais de Justiça dos Estados, p. ex.). Confira-se a ementa do mencionado acórdão:

“A Resolução nº 07/05 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). A Resolução nº 07/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4º do art. 103-B da Carta-cidadã e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade. O ato normativo que se faz de objeto desta ação declaratória densifica apropriadamente os quatro citados princípios do art. 37 da Constituição Federal, razão por que não há antinomia de conteúdos na comparação dos comandos que se veiculam pelos dois modelos normativos: o constitucional e o infraconstitucional. Logo, o Conselho Nacional de Justiça fez adequado uso da competência que lhe conferiu a Carta de Outubro, após a Emenda 45/04.

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Noutro giro, os condicionamentos impostos pela Resolução em foco não atentam contra a liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança (incisos II e V do art. 37). Isto porque a interpretação dos mencionados incisos não pode se desapegar dos princípios que se veiculam pelo caput do mesmo art. 37. Donde o juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. É dizer: o que já era constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente positivado. Não se trata, então, de discriminar o Poder Judiciário perante os outros dois Poderes Orgânicos do Estado, sob a equivocada proposição de que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estariam inteiramente libertos de peias jurídicas para prover seus cargos em comissão e funções de confiança, naquelas situações em que os respectivos ocupantes não hajam ingressado na atividade estatal por meio de concurso público. O modelo normativo em exame não é suscetível de ofender a pureza do princípio da separação dos Poderes e até mesmo do princípio federativo. Primeiro, pela consideração de que o CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois; segundo, porque ele, Poder Judiciário, tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça.” (Medida Cautelar em ADC nº 12-DF, rel. Min. Carlos Britto, Informativo do STF, nº416, Informativo nº 438 do STF)

Não se ignora que o referido julgamento deu-se sob forte pressão da sociedade contrária ao nepotismo presente em estruturas do Estado, inclusive em

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alguns órgãos do Poder Judiciário. Independentemente da motivação empírica, o certo é que o STF, ao final, afirmou que Resoluções do CNJ e do CNMP são atos normativos primários, exatamente como o são os decretos do Presidente da República previstos nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso VI do artigo 84 da CR, conforme entendimento anterior da mesma Corte Suprema. Embora ainda haja acirradas discussões doutrinárias a este propósito, com posições que variam desde a atribuição à Resolução da pecha de moralismo estéril até a sua defesa radical, certo é que na ADC-MC nº 12 o STF fixou que Resolução do CNJ limitou-se a densificar os princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. Concluiu não haver antinomia de conteúdos na comparação dos comandos que se veiculam pelos dois modelos normativos — o constitucional e o infraconstitucional — mesmo porque a própria Resolução observou a exigência de impessoalidade ao não indicar nominal ou patronimicamente os servidores providos em cargos comissionados. Não há dúvida quanto à constitucionalidade afirmada pela Corte Suprema, ao deferir a liminar, para fazer prevalecer o que se entendeu concretizar a exigência de imparcialidade estatal. Ao final, o STF julgou procedente a ação declaratória de constitucionalidade e editou a súmula vinculante nº 13, ora em comento. O entendimento é o de que a hermenêutica dos princípios da moralidade e da impessoalidade embasam, por si só, a amplitude da norma jurídica veiculada na súmula vinculante nº 13 aprovada pelo Supremo Tribunal, ao que se acrescentou o princípio da eficiência, “haja vista a inapetência daqueles para o trabalho e seu completo despreparo para o exercício das funções que alegadamente exercem”. Com efeito, a CR, ao instituir a moralidade como princípio constitucional expresso, viabilizou que, com base em tal norma fundamental específica, direta e expressa, fossem inclusive acionados judicialmente servidores que incorressem na prática de atos contrários à moralidade no exercício dos seus cargos, como assevera Cármem Lúcia Antunes Rocha. Neste contexto normativo, a moralidade administrativa passa a se consubstanciar em dever para o administrador e direito subjetivo de cada administrado. O STF ressalvou que os princípios constitucionais não configuram meras recomendações de caráter moral ou ético, mas consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e positivamente vinculantes, sendo sempre dotados de eficácia, cuja materialização, se necessário, pode ser cobrada por via judicial:

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“Assim, tendo em conta a expressiva densidade axiológica e a elevada carga normativa que encerram os princípios contidos no caput do art. 37 da CR, concluiu-se que a proibição do nepotismo independe de norma secundária que obste formalmente essa conduta. Ressalvou-se, ademais, que admitir que apenas ao Legislativo ou ao Executivo fosse dado exaurir, mediante ato formal, todo o conteúdo dos princípios constitucionais em questão, implicaria mitigar os efeitos dos postulados da supremacia, unidade e harmonização da Carta Magna, subvertendo-se a hierarquia entre esta e a ordem jurídica em geral.” (RE nº 579.951-RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno do STF, julgamento em 20.08.2008, Informativo 516 do STF)

Com fulcro em tais argumentos, o tratamento da figura do nepotismo não resultou da atividade legislativa dos entes federativos, mas inicialmente do exercício de poder regulatório por alguns órgãos públicos e, em seguida, do controle de constitucionalidade levado a efeito pelo Supremo Tribunal Federal. Armando Mercadante, ao comentar a decisão da Corte Suprema, aduziu que, para os eminentes Ministros, o fato de haver diversos atos normativos no plano federal vedando o nepotismo não significaria que somente leis em sentido formal ou outros diplomas regulamentares fossem aptos para coibir essa prática, haja vista que os princípios constitucionais consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e positivamente vinculantes, sendo sempre dotados de eficácia, cuja materialização, se necessário, pode ser cobrada por via judicial:

“O Tribunal deu parcial provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que reputara constitucional e legal a nomeação de parentes de vereador e Vice-Prefeito do Município de Água Nova, daquela unidade federativa, para o exercício dos cargos, respectivamente, de Secretário Municipal de Saúde e de motorista. Asseverou-se, inicialmente, que, embora a Resolução 7/2007 do CNJ seja restrita ao âmbito do Judiciário, a vedação do nepotismo se estende aos demais Poderes, pois decorre diretamente dos princípios

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contidos no art. 37, caput, da CF, tendo aquela norma apenas disciplinado, em maior detalhe, aspectos dessa restrição que são próprios a atuação dos órgãos jurisdicionais. (...) Considerou-se que a referida nomeação de parentes ofende, além dos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade, o princípio da eficiência, haja vista a inapetência daqueles para o trabalho e seu completo despreparo para o exercício das funções que alegadamente exercem. Frisou-se, portanto, que as restrições impostas à atuação do administrador público pelo princípio da moralidade e demais postulados do art. 37 da CF são auto-aplicáveis, por trazerem em si carga de normatividade apta a produzir efeitos jurídicos, permitindo, em conseqüência, ao Judiciário exercer o controle dos atos que transgridam os valores fundantes do texto constitucional. Com base nessas razões, e fazendo distinção entre cargo estritamente administrativo e cargo político, declarou-se nulo o ato de nomeação do motorista, considerando hígida, entretanto, a nomeação do Secretário Municipal de Saúde. (...) Quanto ao tema nepotismo, algumas conclusões podem ser destacadas: a) a vedação do nepotismo não exige a edição de lei em sentido formal para coibir a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF/88; b) os cargos de natureza política não se submetem às hipóteses abarcadas pela súmula vinculante nº 13, salvo se houver fraude à lei ou nepotismo cruzado; c) a vedação do nepotismo aplica-se a quaisquer Poderes dos entes federados, alcançando administração direta e indireta.” (MERCADANTE, Armando. Direito Administrativo. Comentários à jurisprudência do STF e do STJ noticiadas nos informativos jurisprudenciais. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 105-107, negrito no original)

A afirmação de que é desnecessária lei formal sobre a matéria evidencia a força da mutação no próprio conceito de legalidade administrativa, entendido de forma mais ampla como o princípio da juridicidade. Com efeito, distinguem-se a esfera da juridicidade — domínio amplo do Direito, composto de

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princípios e regras jurídicas — da esfera da legalidade — circunscrita às regras jurídicas, reduzindo-se somente a última ao sentido estrito de conformidade dos atos com as regras legais. É com a noção de juridicidade que se abandona um conceito primário de legalidade, satisfeito com o cumprimento nominal e simplista de regras isoladas. Parte-se em busca da observância íntegra do Direito, compreendido este como um conjunto de normas dentre as quais se incluem os princípios expressos e implícitos, bem como as regras específicas do ordenamento. A simples legalidade estrita da atuação estatal passou a se considerar insuficiente a título de legitimação do direito. Neste sentido, o sistema não seria legítimo se apenas cumpridas pelo Estado as regras legais que lhe integram, sendo necessária a ampliação da legalidade para a noção de juridicidade, em cujo bojo inserem-se valores como eficiência, moralidade, segurança jurídica e proporcionalidade. A regra legal torna-se apenas um dos elementos definidores da noção de juridicidade que, além de abranger a conformidade dos atos com tais regras, exige que sua produção (a destes atos) observe — não contrarie — os princípios gerais de Direito previstos explícita ou implicitamente na Constituição. Destarte, atualmente quando se fala que, segundo o princípio da juridicidade, o administrador público somente pode agir se a lei expressamente o autoriza, entenda-se lei como toda norma jurídica, princípios constitucionais explícitos ou implícitos, princípios gerais de direito, regras constitucionais, regras legais, normas administrativas (decretos, portarias, instruções normativas, etc.). É por isso que parte da doutrina esclarece que, hoje em dia, a legalidade deve ser entendida como juridicidade, princípio que abrange todo o sistema normativo, desde os princípios gerais do direito e a Constituição, até os tratados internacionais, a lei formal, os regulamentos e, eventualmente, certos contratos administrativos, como ensina Julio R. Comadira. (COMADIRA, Julio Rodolfo. Derecho administrativo: acto administrativo, procedimento administrativo, otros estudios. 2.ed. Buenos Aires: Lexis Nexis, Abeledo-Perrot, 2003. p. 132-133) Ao tratar da ampliação da legalidade, autores tratam da “constitucionalização do Direito Administrativo”. Sobre esse ponto, o professor Fabrício Motta indica que a origem do fenômeno advém da submissão da Administração à Constituição, sendo que, no caso brasileiro, foi feita com intensidade antes inimaginável, a ponto de transformar a Constituição na maior fonte do Direito Administrativo pátrio. Tal vinculação da Administração à força normativa da Constituição ocorre inspirada pela dogmática constitucional atual e pelas características do Estado contemporâneo em que, segundo Canotilho, é preciso inventar regras (rulemaking) e de solucionar litígios (adjudication) dentro

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de contextos jurídicos políticos colocados nas mesmas redes e apertados pelas mesmas malhas. Dentre as conseqüências da constitucionalização do direito administrativo estabelece “imposição, à Administração, de deveres de atuação, notadamente voltados à realização dos direitos fundamentais e dos objetivos da República, determinando e orientando a realização de políticas públicas, assim como a prestação de serviços públicos;” bem como o “fornecimento de fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta da Constituição, independentemente da intermediação do legislador ordinário”, ao que acresce “fornecimento de parâmetro para o controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Judiciário e ainda, com características peculiares, possibilitando o controle no âmbito da Administração Pública”. (MOTTA, Fabrício. Função normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 81-83) Se o foco não se limita mais à prevalência de dispositivos de lei, mas incorpora a necessidade de efetividade constitucional, tem-se clara repercussão na atividade de controle exercida pelo Judiciário, responsável pela preservação do ordenamento como um todo. Foram tais premissas as que serviram de fundamento para o Supremo Tribunal Federal não apenas sustentar a constitucionalidade de normas como as editadas pelo CNJ na Resolução nº 7, mas, principalmente, para determinar, ele próprio, o significado da moralidade, impessoalidade e eficiência quando da nomeação para quaisquer cargos comissionados ou funções de confiança. Afinal, quando do julgamento final da ADC nº 12, que decidiu pela procedência da ação e declarou a constitucionalidade da Resolução 7 do CNJ, o STF logo editou a súmula vinculante nº 13, proibindo, com base na eficácia positiva e negativa dos princípios da moralidade e da impessoalidade, a prática do nepotismo na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes das pessoas federativas. A referida norma obriga toda a estrutura do Estado, pelo simples fato da Constituição consagrar determinados princípios no artigo 37, caput, o que inclusive tornou despiciendas as normas proibitivas da Resolução nº 7 do CNJ, bem como discussão a respeito da sua extensão. No lugar da celeuma sobre os limites do poder normativo de um órgão do Judiciário (CNJ), ganhou força a discussão sobre a amplitude do controle judicial do ordenamento, principalmente em relação ao alcance prático das normas principiológicas constitucionais.

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A edição pelo STF da súmula vinculante nº 13, que veda o nepotismo em todos os Poderes de quaisquer dos entes federativos, deixou evidente a necessidade de se definir o ponto de equilíbrio na espécie. Não há dúvida alguma que a sociedade brasileira, em pleno século XXI, não tolera que sejam “loteados” cargos comissionados e funções de confianças entre pessoas que, por possuírem vínculos familiares com as autoridades nomeantes, transformam a estrutura do Estado em verdadeiros feudos. Compromete-se, ainda, a exigência de isonomia e a concretização da eficiência erigida a princípio constitucional expresso pela Emenda Constitucional 19/98. Conclui-se, portanto, que a súmula vinculante nº 13 ao vedar o nepotismo consagra norma que encontra, sim, fundamento nos princípios consagrados explícita e implicitamente na Constituição. Contudo, questiona-se: Basta a consagração da moralidade e da impessoalidade no “caput” do artigo 37 da Constituição para, de modo automático, ter-se uma proibição de qualquer prática nepotismo, nos termos em que estipulou a Súmula Vinculante nº 13? A operacionalização da vedação do nepotismo independe de qualquer norma aprovada pelo Poder Legislativo e, ainda, de qualquer especificação técnica de órgãos públicos e entidades administrativas? Há doutrinadores que, ao analisarem o conteúdo da súmula vinculante nº 13, afirmam ter o STF promovido inovação na ordem jurídica. A regra estipulada na súmula não consistiria em mera atividade hermenêutica desenvolvido pelo Judiciário, mas teria implicado exercício de discricionariedade política inovadora no sistema, o que contraria o princípio da reserva legal. O Supremo Tribunal estaria pretendendo substituir o Poder Legislativo e, com isso, viola diretamente o artigo 2º da Constituição. Afinal, vige, no Brasil, o princípio da reserva legal. A função do Estado editar regras gerais, abstratas, obrigatórias e inovadoras é reservada ao Poder Legislativo e a função de controlar a sua observância, sob o prisma da legalidade, é que cabe ao Judiciário. Afirmando obediência a tais papéis, o STF entendeu que a força negativa da impessoalidade e da moralidade, por si só, é suficiente para embasar qualquer conduta proibitiva do nepotismo. Não seria necessária edição de lei específica pelo Poder Legislativo, nem mesmo exercício de discricionariedade técnica por órgãos públicos e autoridades administrativas, mediante portarias, instruções, resoluções, circulares ou avisos. O comando bloqueador seria resultado direto do artigo 37, “caput” da CR. É essa a idéia básica que se encontra no fundamento da súmula vinculante nº 13 do STF. Segundo o Ministro Lewandowski, o STF não inovou ao editar a súmula, já que simplesmente reafirmou aquilo que já se contém na Constituição. O Pleno do Supremo entendeu

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que a força negativa-proibitiva dos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade é suficiente para automaticamente impedir a prática de nepotismo nos termos em que descrito na súmula vinculante nº 13. Assim, a Corte Suprema, no exercício regular das atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República, teria apenas garantido a supremacia da Constituição, neutralizando ilicitudes cometidas na Administração dos três Poderes, nos diversos níveis federativos. Discute-se se, ao delimitar quais condutas ensejariam nepotismo, o STF de fato limitou-se a reiterar a Constituição ou prescreveu um comando proibitivo inovador em relação a todos os comportamentos administrativos. Significativa parcela da doutrina entende que o STF veiculou uma norma com deveres negativos não especificados no ordenamento precedente. Indica-se que o risco que processos dessa natureza trazem é o de pôr fim à atividade legislativa e regulatória em benefício da atividade jurisdicional. Esvaziar os Poderes Legislativo e Executivo, quando normatizam, apenas enseja um Estado autoritário com normas dispostas predominantemente pelo Judiciário. Em um Estado Democrático de Direito, quem julga deve aplicar as normas integrantes do ordenamento em vigor, assegurando-lhes integridade. Seria até mesmo teratológico demitir um Poder Estatal da sua função constitucional irrenunciável, qual seja, criar e regular direitos, deveres, penalidades em situações jurídicas autônomas. Assim sendo, embora seja clara a inconstitucionalidade de qualquer ato de nepotismo praticado em qualquer dos níveis do Estado brasileiro e indiscutível o acerto meritório do entendimento sustentado pelo STF, questiona-se a viabilidade da especificação do comando normativo originar-se da manifestação de vontade da Corte Suprema. Há quem designe as recentes decisões do Pleno do Supremo Tribunal como a “febre das súmulas vinculantes”, algumas delas oriundas de decisões que não tiveram a oportunidade de se reiterar em número significativo antes da aprovação do texto final. No caso específico da súmula vinculante nº 13, foram objeto de julgamento poucas ações, destacando-se a Ação Direta de Constitucionalidade nº 12 e o Recurso Extraordinário nº 579.951-RN. Na ADC 12, o STF considerou constitucional a Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Justiça que tornara proscrita a nomeação de parentes de magistrados, até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento no Poder Judiciário. No RE nº 579.951-RN, o Supremo considerou nepotismo a contratação do irmão de um agente político para o exercício de função administrativa municipal. Admitiu, contudo, a designação de parentes para exercer função política, como na hipótese

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de nomeação para o exercício do cargo de Secretário Municipal. Com base em número reduzido de julgados, foi aprovada a súmula vinculante nº 13, à unanimidade. A partir de então, o significado normativo atribuído à moralidade e impessoalidade pelo STF impede qualquer decisão contrária, sob pena de ofensa à própria Constituição. Há quem entenda que a inexistência de julgamentos reiterados anteriores à súmula lhe retira o mínimo de segurança jurídica necessária. Buscando afastar os excessos e arroubos, reconhece-se como intoleráveis: a) os comprometimentos da moralidade e de outros princípios constitucionais, como aqueles decorrentes da prática de nepotismo; b) a omissão legislativa em tratar de matérias indispensáveis ao equilíbrio social e à efetividade administrativa; c) os excessos do Judiciário que culminem na usurpação de função pertinente a outro Poder. Toda deslealdade imoral é condenável (inclusive aquela que se dá quando da designação viciada para o exercício de função pública). Toda inércia ilícita é perniciosa (incluindo-se a absurda omissão do Parlamento em exercer a função legislativa, essencial ao equilíbrio institucional). Toda ditadura é perigosa (inclusive a do Judiciário, cujos membros, ao exercer a magistratura, sequer se sujeitam ao controle político democrático de eleições posteriores, em razão da vitaliciedade assegurada pela Constituição). Não se trata de considerar perdoável arraigadas condutas nepotistas. Não se trata de ser condescendente com as omissões públicas, admitindo saídas alternativas conflituosas. Não se trata de atar as mãos do Judiciário e manter a sociedade refém de inconstitucionalidades reiteradas e manifestas. O que se impõe é o desafio de uma reflexão madura sobre a necessidade de se dar concretude às exigências constitucionais da moralidade e da impessoalidade, sem comprometer outros princípios igualmente essenciais ao equilíbrio do Estado como a independência e harmonia entre os poderes. E o mais relevante é conseguir que essa tarefa se realize sem o comprometimento da segurança jurídica. Tão ruim como a insuficiência do controle judicial são os riscos de eventuais excessos no exercício de tal atividade. Tão ruim quanto a possibilidade de se deparar com alguns excessos judiciais é ampliar os problemas decorrentes da realidade em questão mediante instauração da insegurança social. Se atualmente não há qualquer dúvida quanto à repugnância relativa às absurdas ilegalidades da Administração e à falta de efetividade no controle jurisdicional, igual repulsa cabe quanto aos possíveis exageros no controle judicial dos comportamentos públicos, bem

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como às recusas de efetividade subseqüentes, mediante interpretações casuísticas e isoladas que deixam os cidadãos em sobressalto, sem um mínimo de certeza jurídica quanto à correção dos seus comportamentos. O dever de todo jurista que trabalha e pensa o cotidiano estatal é definir a exata medida da legalidade administrativa e do controle judicial indispensável à efetividade do sistema jurídico-administrativo, fixando a respeitabilidade ao ordenamento e às decisões prolatadas pelo Judiciário de modo a garantir o atingimento dos interesses sociais, sem instituir a volubilidade como mais um problema a se enfrentar. Por isso, tem-se que as discussões sobre a ofensa, ou não, da reserva legal pela súmula vinculante nº 13 não pode perder de vista a necessidade de se manter um mínimo de segurança social, utilizando-se a precaução como norma reitora da interpretação cabível na seara, ao que se acrescem os limites ao controle de constitucionalidade na estrutura hierárquica da Administração Pública. 4. A vinculação das decisões judiciais como critério de segurança jurídica, os efeitos da súmula vinculante, o princípio da precaução e o controle de constitucionalidade na Administração Pública Não se ignore que a juridicidade determina imposições e proibições que vinculam órgãos dos diversos Poderes no exercício das tarefas administrativas. Quando definido o seu sentido pelo Judiciário, mormente quando se trata da Corte Suprema - órgão de cúpula responsável último pelo controle de constitucionalidade -, certo é que o seu conteúdo obriga as funções administrativa e de governo, sob pena de se colocar em risco a segurança jurídica. Ademais, a legalidade, no sentido negativo, “é válida para todo o tipo de Administração Pública, resultando desde logo da unidade do poder do Estado e da ordem jurídica: o que é validamente prescrito por órgãos do poder estadual como juridicamente vinculativo obriga ou legitima, como parte integrante da ordem jurídica vinculativa, toda a comunidade jurídica em causa (ver também Sobota, Das Prinzip Rechtsstaat, 1997, p. 104, ss.).” (WOLFF, Hans. J.; BACHOF, Otto e STOBER, Rolf. Direito Administrativo. v. I. Trad. António F. de Sousa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, p. 104) É mister que se atente para esse aspecto quando se trata de uma definição, pelo STF, do que não é constitucionalmente admitido relativamente às práticas nepotistas, mormente aquelas vinculadas à nomeação de cargos comissionados e à designação para funções de confiança. A juridicidade proclamada

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pela Corte Suprema ao editar uma súmula vinculante não pode ser ignorada pelos órgãos públicos casuisticamente, sob pena de se colocar em risco o próprio ordenamento. A partir do momento em que, por força da Emenda Constitucional 45, reconheceu-se ao Supremo Tribunal o poder de aprovar súmula de entendimento que vinculará os demais órgãos do Judiciário, bem como a Administração Pública de todos os níveis da federação, é possível afirmar até mesmo que a hierarquia foi absorvida também em relação a esta parcela de exercício da função jurisdicional, sendo inadmissível afastar o teor da norma editada. A subordinação deixou de se restringir à função administrativa para atingir também a atividade de julgar quando realizada pelo STF na fiscalização abstrata e concentrada de observância da Constituição, mediante procedimento específico: deflagração por qualquer daqueles que podem propor ADI ou de ofício; aprovação por dois terços dos membros do Supremo, após decisões relativas à matéria constitucional sobre a qual exista controvérsia presente entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração acarretando grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos. Segundo o doutrinador Rodrigo Jansen:

“A súmula vinculante (ou súmula de efeito vinculante) caracteriza-se por ser um enunciado sintético, geral e abstrato, com formato semelhante ao das súmulas não vinculantes, capaz de expressar a ratio decidenti comum às reiteradas decisões proferidas sobre matéria constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, cujo comando deverá ser seguido pelos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, em todos os níveis da federação. (...) Não há um limite material (ou substancial) para a súmula, ou seja, não há um conteúdo predeterminado das matérias que poderão ser objeto de súmula. O limite é formal (ou objetivo), ou seja, deve haver divergência jurisprudencial ou controvérsia entre os órgãos do Judiciário ou entre estes e a Administração Pública acerca de determinada matéria e deve haver relevante interesse social para a sua edição (como a possibilidade de múltiplas demandas sobre o mesmo caso).” (JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos

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Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, v.94, n. 838, p. 44-45 e 65, ago. 2005)

Após procedimento específico, a interpretação aprovada por dois terços do STF, relativamente à divergência de jurisprudência sobre questões que acarretam grave insegurança jurídica e múltiplas demandas sobre questões idênticas, tem a força vinculante de norma jurídica, obrigando diretamente, além da Administração Pública, o próprio Poder Judiciário. Afigura-se desarrazoado imaginar que, cumprido esse trâmite, um órgão administrativo possa, isoladamente e sem motivação suficiente, recusar vigência ao sentido normatizado em súmula aprovada pelo Supremo Tribunal Federal. Diante da necessária obediência aos termos de súmula vinculante aprovada pelo STF, é mister tratar da complexa realidade em que há pluralidade de normas: veiculadas na Constituição, nas leis, em atos regulamentares e até mesmo em decisões judiciais. Paulo Otero reconhece a dificuldade de se fixar, atualmente, a norma que irá pautar o comportamento dos órgãos e agentes administrativos em situações nas quais há multiplicidade de centros produtores, sem restrição originária ao Legislativo. Segundo o jurista português, “Esta é a primeira – e, porventura, a mais difícil – questão que se depara hoje aos órgãos administrativos: saber qual é a norma reguladora de sua conduta”, uma vez que ““Há hoje uma ‘proliferação de centros do poder e de produção de normas’ que, impregnando o sistema jurídico de uma considerável complexidade, gera um concurso de fontes.” (OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2007, p. 439 e 441) De fato, “Naturalmente, que o Estado de Direito não se realiza de acordo com uma fórmula, não é obra de execução. Nem é edifício que se possua acabado, se se incluírem numa organização política da sociedade certas garantias técnicas, ao gosto das formalizações dum mecanismo jurídico. É fundamentalmente uma obra de intenção e de tensão, um <<trabalho>> simultâneo de Prometeu e Sísifo.” (SOARES, Rogério Ehrhardt. Coimbra: Tenacitas, 2008, p. 164) E é esse o trabalho hercúleo que deve ser realizado pelos operadores do direito em situações como a ora em exame. Ao tratar dessa tarefa de definir o direito diante de uma realidade, Paulo Otero qualifica como dramática a situação em que órgãos administrativos são

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chamados a determinar a norma aplicável no âmbito de uma pluralidade concorrente de fontes:

“A Administração Pública desempenha, por tudo isso, um papel activo na definição do próprio Direito que aplica, podendo dizer-se que mesmo a juridicidade heterovinculativa a que se encontra sujeita não deixa de ser ‘filtrada’ pelos órgãos administrativos: o sentido da legalidade vinculativa da Administração Pública, acabando por ter a sua aplicabilidade, a respectiva interpretação e densificação concretizadora, além da resolução dos seus conflitos normativos que suscita, determinadas pelos órgãos a que se destinava a pautar a conduta, encontra mais nas mãos da própria Administração do que na vontade do legislador. (...) A Administração Pública passa aqui a gozar de um duplo conjunto de tarefas, além da actividade de prossecução do interesse público típica da função administrativa, tem agora de desenvolver uma nova tarefa que, sendo lógica e em momento temporal anterior, visa determinar ou encontrar a normatividade que irá pautar aquela sua intervenção decisória típica.” (OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, op. cit., p. 700-701)

No caso em questão, é mister considerar, na Constituição, os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência, além das regras pertinentes aos cargos comissionados e funções de confiança. No controle judicial, o STF explicitou o significado dos princípios constitucionais na súmula vinculante nº 13, não sendo legítimo ignorar a norma veiculada no referido enunciado, sob pena de ofensa ao próprio texto da CR. Deve-se evitar que “a conjugação da neofeudalização e da flexibilização da juridicidade heterovinculativa da Administração Pública” venha a fazer sucumbir a legalidade nas “mãos da própria Administração Pública, transformando-se numa juridicidade cujo sentido do respectivo conteúdo é determinado pelos órgãos administrativos.” (OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, op. cit., p. 702-703)

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A Administração Pública, quando define o direito a ser aplicado no caso concreto não pode fazer debilitar o ordenamento de modo a assumir, com exclusividade, a definição da norma a que se vincula, com ignorância dos controles judiciais antecedentes. Se excessos na prestação da tutela jurisdicional exigem postura de cautela por parte dos magistrados, o controle de legalidade pela Administração Pública, após editada súmula vinculante, não pode deixar transfigurada a distribuição de funções levada a efeito pela Constituição da República, nem mesmo produzir significativa instabilidade jurídica nos destinatários das normas. Se nenhum sistema é completo e fechado, também não se pode, por outro modo, aceitar a possibilidade de uma “adaptação constante à realidade que procura dominar vale como sinónimo de uma queda num casuísmo.” (SOARES, Rogério Ehrhardt. Coimbra: Tenacitas, 2008, p. 41-42) Retoma-se, mais uma vez, a lição de Paulo Otero:

“Sob pena de se instaurar uma verdadeira anarquia no interior da Administração Pública e do próprio ordenamento jurídico, acabando por se esvaziar a força heterovinculativa da juridicidade, os órgãos administrativos não possuem um poder genérico de recusar a aplicação de normas ilegais ou inconstitucionais, sem prejuízo de excepcionalmente, segundo razões fundadas, poderem rejeitar a aplicação de certo tipo de normas inválidas. Num certo sentido, é ainda em homenagem a uma completa subordinação à Constituição e à lei, tal como o texto constitucional proclama no contexto de um entendimento tradicional sobre a separação de poderes, que os órgãos administrativos não se podem rebelar contra a juridicidade que os heterovincula, conferindo-se aos tribunais o poder genérico de rejeitar a aplicação de normas inválidas: (...).” (OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, op. cit., p. 713)

Fixados os cuidados necessários para não centralizar exclusivamente na Administração o papel de gestora, determinante, intérprete e aplicadora concreta da normatividade, cumpre reconhecer a controvérsia existente sobre os limites do controle de constitucionalidade realizado por servidores públicos no exercício das

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suas competências. Independente de posição pessoal sobre esse ponto, reconhece-se ser predominante o entendimento de que não é lícito a um servidor que não possui competência para provocar o controle de constitucionalidade simplesmente recusar obediência a uma norma jurídica, seja oriunda de atividade legislativa ou de súmula vinculante regularmente aprovada. Entende-se necessário preservar o ordenamento decorrente da atividade legislativa, consoante interpretação dos órgãos do Judiciário, mesmo porque seria desproporcional e fonte de incerteza jurídica ignorar os termos de uma regra legal ou jurisprudência consolidada na Corte Suprema. Diante de vício ensejador de inconstitucionalidade, caberia ao agente público ou órgão em questão submeter a matéria àquele que, na estrutura hierárquica da Administração, tem competência para provocar o controle concentrado cabível, sendo vedado que isoladamente suspendessem a aplicação da norma:

“Em contrapartida, está absolutamente vedada aos órgãos administrativos qualquer competência de suspensão da aplicação de normas legais que reputem de inconstitucionais. A competência de suspensão provoca uma obstrução geral da aplicação da lei, interferindo por isso de forma intolerável na configuração constitucional das relações entre o legislador e a Administração. De todas as soluções concebíveis para os problemas suscitados à Administração pública pelas leis inconstitucionais, a admissão de uma competência de suspensão é a menos satisfatória.” (MATOS, André Salgado de. A fiscalização administrativa da constitucionalidade. Coimbra: Almedina, 2004, p. 488)

A regra, portanto, é de que, em princípio, não se outorga o poder de rejeição de normas inconstitucionais às autoridades administrativas como algo ordinariamente legítimo. Segundo Celso Ribeiro Bastos, a rejeição de normas desconformes com a Constituição poderia estar consagrada no sistema, inclusive quanto ao descumprimento na hipótese de se concluir pela negativa da constitucionalidade. Contudo, “Tal situação não permitiria ao direito cumprir a sua eminente função de garantidor da ordem, da paz, da tranquilidade, que se expressa na presunção de legitimidade de todo ato público em geral. Ao conferir-se a qualquer uma a competência de declarar uma lei inconstitucional, como escusa para o seu descumprimento, chegaríamos ao absurdo de ver o Executivo deixar de

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cobrar tributos, de efetuar prisões, de interditar estabelecimentos, toda vez que reputasse a lei como contrária à Constituição.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 389) A idéia central é a de que as autoridades administrativas não são especialmente vocacionadas à rejeição das normas do ordenamento, embora o juízo sobre sua legitimidade seja inerente ao exercício da sua função. Caso identificado indício de desvio, torna-se indispensável submeter a matéria ao conhecimento do órgão competente para avaliar a presença, ou não, de ofensa a direitos individuais ou ao interesse público, bem como de inconstitucionalidade a ser reconhecida na via adequada. Mesmo corrente mais moderna, com a qual se aquiesce, no sentido de que o poder extraordinário de rejeição de normas é cabível diante de determinadas situações excepcionais exige, para tanto, evidente inconstitucionalidade. Isso para evitar que, no lugar da preservação do ordenamento, interrompa-se o cumprimento de norma definida pelo Parlamento, com contornos por vezes já esclarecidos pelo Judiciário. Com efeito, o risco de se viabilizar uma anarquia administrativa impede que a rejeição de conteúdos normativos termine em grave insegurança jurídica. Na situação em comento, referidos aspectos assumem especial relevância, uma vez que se discute o sentido que pode ser dado à norma oriunda da súmula vinculante nº 13. Frise-se que, nos termos da própria Constituição, o STF é a Corte precipuamente vocacionada à defesa jurídica da CR. Instituída a jurisdição constitucional, é principalmente por meio do Supremo Tribunal Federal que se realiza o controle de constitucionalidade, donde resulta clara a necessidade de cautela quando da interpretação de posicionamentos vinculantes já exarados sobre determinadas matérias como é o caso do nepotismo. Já se evidenciou que a intolerância social com práticas administrativas divorciadas da imoralidade e impessoalidade ensejou a proibição tal como veiculada na súmula vinculante nº 13. Embora se afirme a possibilidade de rever os termos em que vedado o nepotismo pelo STF, seja por meio da edição de norma pelo Congresso Nacional (Proposta de Emenda à Constituição como, p. ex., a PEC 334/96), seja em virtude de revisão dos termos da súmula vinculante pelo próprio STF, o fato é que não se vislumbra atualmente uma grave ofensa ao interesse público, nem mesmo violação direta às normas da Constituição e muito menos descumprimento grosseiro e flagrante de direitos e garantias fundamentais. Não

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está presente, assim, uma realidade excepcional que justifique que a Administração se furte ao cumprimento do mandamento oriundo da súmula vinculante nº 13, motivo por que se afasta o poder extraordinário de rejeição dos seus termos na espécie. Em situações como a ora em exame, é imperioso que a Administração observe a necessidade de agir com precaução, evitando a ocorrência de danos que podem ser maiores do que os riscos e ônus então presentes. Segundo Juarez Freitas, o princípio da prevenção impõe um dever ao administrador de evitar danos que, com um mínimo de prudência, podem ser afastados. Referida cautela vale, também, para a atividade hermenêutica realizada pelos órgãos públicos a quem cabe antecipar e evitar riscos desnecessários:

“Já o princípio constitucional da precaução, igualmente dotado de eficácia direta e imediata, estabelece (não apenas no campo ambiental, mas nas relações de administração em geral) a obrigação de adotar medidas antecipatórias e proporcionais mesmo nos casos de incerteza quanto à produção de danos fundadamente temidos (juízo forte de verossimilhança).” (FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 101)

Com efeito, a precaução requer com o uso de medidas adequadas, em especial o planejamento e limitações a determinado nível, com exclusão, na medida do possível, das repercussões negativas que são evitáveis. Conforme lição de Eberhard Schmidt-Assmann, em virtude do princípio da precaução, cabe exigir a minimização dos riscos incluindo-se aqueles casos em que as relações de causalidade não são suficientemente conhecidas ou demonstráveis por meios estatísticos ou empíricos. Cabe a possibilidade de uso dos meios de intervenção do Direito Público, de forma prudente, antes que se alcance o perigo. (SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard. La teoría general del derecho administrativo como sistema. Madrid: Marcial Pons, 2003, p. 133) Também no direito comparado indica-se a prudência como o primeiro vetor do administrador, na medida em que os outros são regrados por este. É a prudência que faz discernir o que é bom de fazer, bom de dizer, escolher, praticar,

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sustentar e o que não é. A prudência moral adverte do que soa mal, sendo um dos elementos fundamentais da razoabilidade, do bom senso do burocrata, limitando a sua vontade de agir. O administrador que se confronta a cada dia com a arbitragem entre interesses antagônicos, com dificuldades materiais e financeiras da gestão, com as pressões políticas, com protestos públicos e com acidentes sociais de toda sorte, deve exercer seu papel com seriedade. Deve regrar a sua vontade, mantendo-a e a imaginação em certos limites aceitáveis para ele próprio e para os outros. A ponderação é também, para o administrador, saber conter o seu poder. Saber medir e ajustar os meios aos objetivos perseguidos, saber moderar seu poder ao justo necessário requer um certo controle de si mesmo e atenção ao senso do possível e de oportunidade. Enfim, é preciso que se habitue a desenvolver um caminho probabilista da ciência administrativa, ou seja, colocar em questão as regras da probabilidade aplicáveis à disciplina. Assim, quando se lança no estudo de uma questão, de um sistema, de uma instituição, de uma organização, deve ter interesse de reparar nas zonas de riscos, aquelas relativas ao provável, ao duvidoso, à incerteza. Não é possível que encontre confusão, desordem e caos. Afinal, a coisa administrativa é complicada e exige do analista efetiva compreensão da realidade. (MONNIER, François. THUILLIER, Guy. Administration: vérités et fictions. Paris: Economica, 2007, p. 305-306; 310-312; 332-333) Se São Tomás de Aquino já erigia a prudência como virtude e como critério jurídico, a doutrina se vale da lógica preventiva para colocá-la como valor de existência, sob o império de um grau de prudência com tonalidades mais acentuadas:

“Podemos dizer que o princípio da precaução viu a luz do dia na Alemanha, nos conturbados anos trinta (ainda sem contornos ecológicos), sob a forma de Vorsorgeprinzip, sendo hoje reconhecido em vários textos internacionais e também no Tratado da C.E. (art. 174.º/2, sem esquecer que o momento comunitário originante radica no Tratado de Maastricht – art. 130-R/2).” (ANTUNES, Luís Filipe Colaço. Para um direito administrativo de garantia do cidadão e da administração. Coimbra: Almedina, 2000, p. 100-101)

Tal princípio, atualmente invocado como aspecto condicionador também da hermenêutica, exige a prevenção de riscos principalmente nas searas

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que, em determinado estágio evolutivo da Ciência Jurídica, ainda se vêem marcadas por incerteza quanto aos limites adequados à regulação social, o que exige esforço significativo dos magistrados e cautela da Administração. Não existindo certezas jurídicas indiscutíveis em dado momento histórico, cabe à Administração assegurar a efetividade do resultado interpretativo levado a efeito de modo razoável pela Corte Jurisdicional competente. Isso até mesmo por estarmos “diante de um standard de comportamento juridicizado, princípio que incentiva (antes e depois do momento decisório) os poderes públicos e os beneficiários do acto autorizativo a adoptarem, especialmente numa fase de incerteza científica, um comportamento prudente e diligentemente seguro, adequado à prevenção de riscos graves no exercício das respectivas actividades, sob pena de serem chamados a responder pelos danos causados a terceiros e do acto perder estabilidade ou mesmo ser banido da ordem jurídica. (ANTUNES, Luís Filipe Colaço. Para um direito administrativo de garantia do cidadão e da administração, op. cit., p. 111) Não se pode reforçar a chamada “crise da generalidade e permanência das normas”, com foco exclusivo na resolução de demandas singulares e concretas, sem comprometimento com a solução de problemas abstratamente e a longo prazo, em favor da sociedade. (PASTOR, Juan Alfonso Santamaría. Principios de derecho administrativo general. v. I. 1ª ed. Reimp. Madrid: Iustel, 2005, p. 151) Na situação ora em exame, é verossímil que haja danos futuros, resultantes inclusive de insegurança jurídica, se realizado juízo interpretativo que culmine por afastar os termos da súmula vinculante nº 13, sem que tenha ocorrido revisão dos seus termos pelo próprio STF ou que se torne necessário avaliar repercussão de lei superveniente. Afigura-se desproporcional que a Administração Pública, por si, recuse aplicação à norma editada pela Corte Suprema, liberando nomeações para cargos comissionados de servidores que já possuem cargos efetivos, mormente em se considerando o contexto de moralização em que foi editada a súmula e a necessidade de um mínimo de estabilidade na regulação da matéria. Não se trata de uma dose irrealista de precaução, mas do mínimo que se exige de uma Administração Pública prudente, que não se rende ao imediatismo e às pressões instantâneas. Há motivos idôneos para, nessa matéria, o Poder Público adotar o que a doutrina denomina, hoje em dia, de “lógica das estratégias prudentes de longa duração” (FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração, op. cit., p. 108), de modo a assegurar um mínimo

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de regulação estável, de longo prazo, na sociedade, sem os riscos da desagregação do próprio sistema. Afinal,

“não se pode ignorar o seu papel preventivo, na justa medida em que obrigará a Administração e os seus agentes (bem como os beneficiários do acto administrativo) a desenvolver uma actuação mais conforme com os ditamos do ordenamento jurídico, sem esquecer que a responsabilidade civil pode ser vista como um mecanismo de externalização dos custos do processo decisional. (...) Em poucas palavras, se o princípio da precaução requer uma jurisprudência afinada e prudentemente orientada pelo princípio da precaução, não deixará também de exigir uma Administração estrutural e procedimental orientada pela lógica da prevenção e da gestão dinâmica dos conhecimentos. Numa frase, o jurista, antes de dar solução aos problemas, dá forma aos problemas (Gestalt).” (ANTUNES, Luís Filipe Colaço. Para um direito administrativo de garantia do cidadão e da administração, op. cit., p. 144 e 149)

À luz do princípio da precaução e da proporcionalidade incidentes quando da interpretação dos termos da súmula vinculante nº 13, entende-se cabível a preservação dos termos delineados pelo Supremo Tribunal Federal como meio de excluir a prática do nepotismo da realidade administrativa brasileira. 5. Nepotismo: a amplitude da proibição densificada na súmula vinculante nº 13 do STF Consoante já se explicitou, os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência vem sendo invocados como fundamento para o combate ao nepotismo. A doutrina também pontua decorrer da imparcialidade a necessidade de garantir independência à Administração em face de interesses estranhos ao público:

“Imparcialidade significa independência: independência perante os interesses privados, individuais ou de grupo; independência perante os interesses partidários; independência,

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por último, perante os concretos interesses políticos do Governo. (...) E a necessidade de garantir a independência da Administração face aos interesses particulares dos membros sociedade civil, faz-se sentir com especial acuidade numa época em que o Estado desempenha um papel primordial na satisfação das necessidades colectivas e, por essa razão, intervém em quase todos os domínios da vida e da actividade dos cidadãos, como resultado da alteração radical das relações entre o Estado e a sociedade e das profundas alterações sofridas pela Administração com o advento do Estado Social de Direito. (...) maior necessidade de assegurar a independência da Administração face à teia de interesses privados presentes na sociedade civil. E isto tanto para garantia dos direitos e interesses dos particulares, como para defesa do interesse público.” (RIBEIRO, Maria Teresa de Melo. O princípio da imparcialidade da administração pública. Coimbra: Almedina, 1996, p. 170-171)

Medidas como a súmula vinculante nº 13 objetivariam exatamente a criação de estruturas organizativas que, por sua lógica interna, induzem a Administração a agir independente dos interesses particulares. O início seria, exatamente, um mínimo de imparcialidade na escolha dos servidores: os critérios de opção devem ser minimamente técnico-profissionais, objetivos e racionais e não apenas políticos ou potencialmente privados, como aqueles que fundamentam as nomeações no mercado. Desse modo seria possível evitar a formação de clientelismos, ensejando um mínimo de segurança quanto à garantia dos cargos serem providos por pessoas com maiores aptidões, atributos e méritos residentes na capacidade profissional e conhecimentos técnicos, não nos laços pessoais e familiares. Sobre os cuidados na formação de uma burocracia minimamente eficiente, capaz de agir com imparcialidade, tem-se múltiplas orientações doutrinárias. (RIBEIRO, Maria Teresa de Melo. O princípio da imparcialidade da administração pública, op. cit., p. 300; 312-313) Considerando que, no caso das nomeações para os cargos comissionados e das designações ao exercício de funções de confiança, não se justifica falar em concurso público (artigo 37, V da Constituição), entendeu-se

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pertinente excluir do exercício das atribuições de direção, chefia e assessoramento, as pessoas com vínculos familiares com a autoridade nomeante ou com um servidor da mesma pessoa jurídica que já exerça cargo de direção, chefia ou assessoramento. Assim sendo, a discricionariedade para escolha de alguém em favor de que a autoridade nomeante devote confiança encontra limite negativo absoluto: que o nomeado não seja cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, dele (autoridade nomeante) “ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento”. Referida exigência atinge, por determinação expressa, a Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vedando-se, cumulativamente designações recíprocas, também chamadas de “nepotismo cruzado”. Tais proibições foram impostas, com a adoção de uma definição objetiva: entendeu-se suficiente a presença do vínculo familiar entre quem nomeia e o nomeado para se afirmar caracterizada a prática nepotista. Excluiu-se, assim, a idéia de que, além do vínculo pessoal, seria necessária prova do favoritismo na origem da nomeação para o cargo comissionado ou designação para função de confiança. A despeito de críticas doutrinárias (MUSETTI, Rodrigo Andreotti. O nepotismo legal e moral nos cargos em comissão da Administração Pública. Disponível em http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/?action=doutrina&iddoutrina=786. Acesso em 26.10.2010), o Supremo Tribunal Federal afirmou haver nepotismo com a existência de um dos vínculos, conforme indicado na citada súmula. O fato de historicamente ter se presenciado a concretização dos riscos ao bem comum, nos casos de haver vínculos pessoais entendeu-se que a salvaguarda para a proteção dos princípios constitucionais apenas seria possível com a exclusão das nomeações e designações tal como hoje fixado pela Corte Suprema. Malgrado os princípios da impessoalidade e moralidade constassem do texto constitucional desde 1988, são flagrantes os casos de favorecimentos de parentes de autoridades públicos ocorridos nas duas décadas subseqüentes. Daí a súmula vinculante nº 13 não excluir das suas proibições nem mesmo alguém que, já provido em cargo efetivo, pretenda exercer cargo comissionado com outras atribuições (chefia, direção e assessoramento), não afastando a vedação também na hipótese de funções de confiança. Assim, mesmo sendo indispensável que o exercício de funções de confiança se dê exclusivamente

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por servidores efetivos, por expressa determinação do artigo 37, V, da CR, não é possível o seu exercício por cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento. Embora já fossem antigos entendimentos doutrinários de que seria “de todo aconselhável que a norma dispense tratamento diferenciado àqueles parentes que, após regular aprovação em concurso público, sejam ocupantes de cargo efetivo”, restringindo-se a vedação “à impossibilidade de ocuparem cargos em que estejam diretamente subordinados ao agente com o qual mantenham o vínculo de parentesco” (GARCIA, Emerson. O nepotismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4281>. Acesso em: 27 jul. 2010), não foi essa a densificação dos princípios constitucionais levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal. E isso talvez decorra do fato de a própria doutrina reconhecer que, se o elemento objetivo – relação de parentesco – é de fácil comprovação, o mesmo não se diz do elemento subjetivo que consiste no propósito deliberado de atender a interesses pessoais com a nomeação do familiar. Considerando que o Estado Democrático de Direito não pode conviver com a personalização do poder, sendo necessário impedir que competências administrativas continuassem exercidas direcionadas à satisfação de interesses privados, optou o STF por um tratamento normativo rigoroso ao proibir as condutas nepotistas. Não se ignoram as ponderações doutrinárias no sentido de que seria necessária a presença de ambos os elementos. “Daí a exigência de observância de dois aspectos para a caracterização do nepotismo: o vínculo de parentesco entre o nomeante e o nomeado (aspecto objetivo) e o propósito de privilegiar tal vínculo (aspecto subjetivo).” (TOURINHO, Rita. O combate ao nepotismo e a súmula vinculante nº 13: avanço ou retrocesso? Disponível em http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/6/docs/o_combate_ao_nepotismo_e_a_sumula_vinculante_no_13_avanco_ou_retrocesso.pdf. Acesso em 26.07.2010) Nessa linha de raciocínio, o simples fato de existirem dois ocupantes de cargos em comissão com vínculo de parentesco em um mesmo órgão, não caracterizaria prática de nepotismo, mormente se providos em cargos efetivos anteriormente. Isso porque “Não raras vezes nos deparamos com parentes de autoridades com vasta experiência profissional, e se não satisfazer, com, também, elogiável currículo acadêmico. (...) A proposta, portanto, dispõe que nepotismo enquanto violação de

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princípios, somente estaria caracterizado, especialmente, com a conclusão positiva do aspecto objetivo e, posteriormente, subjetivo.” (MARTINEZ, Bruno. Nepotismo como improbidade administrativa. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/5882/1/Nepotismo-Como-Improbidade-Administrativa/pagina1.html#ixzz0uu8wwA8y. Acesso em 25.07.2010.) Ademais, há quem defenda não razoável proibir que pai e filho ocupassem cargos comissionados simultaneamente em um mesmo órgão, se ambos são servidores públicos efetivos, concursados. (CELSO NETO, João. O nepotismo e a Súmula Vinculante nº 13. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1945, 28 out. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11876>. Acesso em: 24 jul. 2010) Com a vênia necessária a tais posicionamentos, não se entende cabível, à luz da precaução e proporcionalidade, fazer prevalecer tais observações doutrinárias à margem do que o Supremo Tribunal Federal entendeu decorrente dos princípios constitucionais vigentes. E isso mesmo reconhecendo que as decisões que embasaram a edição da súmula vinculante nº 13 não atendem, com exatidão, o requisito que a Emenda Constitucional nº 45 fixou relativamente a “decisões reiteradas” sobre “questão idêntica”. No contexto presente, entende-se possível o aprimoramento do comando veiculado, com revisão dos seus termos de modo a esclarecer aspectos que vêm ensejando dúvidas na aplicação pelos Poderes do Estado. A recusa do cumprimento da vedação nela disposta, entretanto, seria comportamento intolerado à luz do ordenamento de regência, afigurando-se inclusive teratológico cogitar de flexibilização que poderia desaguar no quadro pretérito e ineficaz no combate dos comportamentos nepotistas. Por conseguinte, entende-se que deve ser observada a vedação consolidada na súmula vinculante nº 13 e que impede que parentes sejam nomeados para cargos comissionados e designados ao exercício de função comissionada mesmo quando previamente admitidos, por concurso público, para outro cargo de provimento efetivo, já integrando o quadro de pessoal do Estado. Nesse contexto, a doutrina explicita:

“Assim sendo, quando chamados a decidir sobre esta questão, os magistrados não poderão mais alegar a inexistência de norma jurídica impeditiva dessa prática tão comum na conduta

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de nossos governantes quanto nociva aos valores do Estado democrático e republicano. (...) Ao dizer que os princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade, da igualdade e da eficiência são auto-aplicáveis e, portanto, dotados da necessária carga de taxatividade e de positividade para vedar a prática do nepotismo, entendemos que a decisão do STF constitui um exemplo significativo de produção judicial do direito. É evidente que não se trata propriamente de atividade criadora da lei, no sentido do direito genérico e abstrato, que é função exclusiva do Poder Legislativo, no âmbito do Estado Democrático. O que fez o STF foi tão somente dar ao direito consagrado no espaço normativo dos referidos princípios, o seu sentido de certeza jurídica e o seu âmbito de incidência aos casos concretos da vida política e social. Para tanto, em face de dúvidas e incertezas que ainda envolviam a hermenêutica constitucional sobre a matéria, o acórdão em análise fixou o sentido semântico acerca do conteúdo jurídico de tais princípios e demarcou-lhes o âmbito de aplicação da força normativa que dali emana.” (LEAL, João José ; LEAL, Rodrigo José. Supremo Tribunal Federal e ‘nepotismo top’. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1891, 4 set. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11679>. Acesso em: 25 jul. 2010).

Não haveria que se falar em direito adquirido na manutenção de comportamento que traz em si o germe do favoritismo, incabível no atual estágio de evolução da Ciência Jurídica, sensível às demandas de moralização social. É preciso não fazer exceção que culmine no afastamento dos termos da súmula vinculante nº 13 do STF, mormente em sede de controle de juridicidade por parte da Administração Pública. O Conselho Nacional de Justiça já havia assentado ao decidir a Consulta nº 200910000024853, relatada pelo Conselheiro Jefferson Kravchychyn:

“Apesar de constatado o interesse individual da consulente, a quem concerne sanar dúvida sua, entendo que a consulta deve

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ser respondida por haver interesse público no combate ao nepotismo. Importa para a configuração do nepotismo, dentre outras causas, o dado objetivo da existência de vínculo de parentesco em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau entre o servidor em exercício de cargo em comissão ou função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, com os respectivos membros ou juízes vinculados. Na situação ora em análise há vínculo de parentesco entre a consulente e seu cunhado, magistrado vinculado ao TJPR. Não há que se considerar o bom serviço prestado pela consulente ou fazer-lhe concessão em virtude do caso concreto, principalmente porque configurada a ruptura do vínculo anterior.”

Também no caso ora em exame não se mostra cabível aferir a competência e capacidade dos irmãos, servidores efetivos já providos em cargos de “auditor fiscal de tributo estadual”, para o exercício do cargo comissionado de Assessor Especial de Informática (responsável pela direção da Superintendência de Tecnologia da Informação) e da Diretoria de Suporte e Produção, órgão subordinado à STI. Isso porque o exercício simultâneo de dois cargos comissionados em uma mesma pessoa jurídica (Estado de Minas Gerais) por parentes de segundo grau é inadmissível nos termos da súmula vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal. Na verdade, a impossibilidade de tal exercício simultâneo é inadmitido pelo artigo 276 do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais, como bem estabelecido no Parecer nº 6.988/2010 da Secretaria de Estado da Fazenda. Com efeito, em Minas Gerais, como em outros entes federativos, a legislação já estabelecia, de modo expresso, restrições e limites para a ideia de liberdade inicial atribuída à nomeação dos cargos comissionados e à designação de funções de confiança. O artigo 276 da Lei Estadual nº 869/52 proibia manter sob chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge ou parente até segundo grau. A inobservância de tal proibição caracteriza ilicitude administrativa que enseja exercício da autotutela, decorrente do vício de conteúdo, bem como eventual exercício de poder disciplinar e das sanções previstas na Lei Federal nº 8.429. Reitere-se, conforme já explicitado no citado Parecer nº 6.988/2010/SEF, a

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especificidade da situação analisada em que irmãos exerceriam cargos comissionados em uma mesma unidade administrativa, sendo um responsável pela direção de um órgão e o outro responsável pela diretoria de uma unidade imediatamente inferior e subordinada ao primeiro órgão, realidade intolerada não apenas à luz da súmula vinculante nº 13 do STF, bem como da regra legislativa estadual específica. Importa frisar que o regime estatutário define-se a partir de regras que estabelecem o conjunto de direitos e deveres, autorizações e proibições, os quais obrigam o servidor e os órgãos públicos. A própria idéia de juridicidade exclui a possibilidade de se deferir situação jurídica vantajosa ao agente público estatutário, se há proibição do ordenamento a esse propósito. A interpretação extensiva de vantagens não se coaduna com a exigência de norma constitucional ou legal que preveja os requisitos e conteúdo dos direitos, não havendo espaço para escolha discricionária da autoridade competente. Observe-se que a prática um ato administrativo como a permissão para o exercício dúplice de cargos comissionados depende de estrita observância do princípio da juridicidade. Tais normas principiológicas exigem, como fundamento de qualquer conduta administrativa, conformidade plena com o que dispõe permissivamente o ordenamento de regência. Se ao particular é assegurada a liberdade de fazer tudo o que a lei não proíbe quando da gestão dos seus interesses (exigência de não contradição com a lei), à Administração Pública impõe-se a restrição de apenas praticar os atos expressamente autorizados pelo sistema (exigência de subsunção com norma autorizativa). Se aos indivíduos é assegurada a garantia da liberdade, com a incidência do princípio da autonomia da vontade, a Administração Pública é compreendida como uma atividade infralegal, sendo o seu agente a “longa manus” do administrador, como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 15ª edição, São Paulo, Malheiros, 2003, p. 91). A concepção de Estado Democrático de Direito preserva como pressuposto indispensável a primazia da juridicidade como reguladora de toda a atividade do Estado, estando a Administração sujeita a um sistema hierárquico de normas, em cujo ápice encontra-se a Constituição Federal. Nesse sentido, ensina José Afonso da Silva:

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“O princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado Democrático de Direito. É da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. (...) A lei é efetivamente o ato oficial de maior realce na vida política. Ato de decisão política por excelência, é por meio dela, enquanto emanada da atuação da vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na realização de seus interesses.” (SILVA, José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 7ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991, p. 107).

A legalidade, entendida como juridicidade, tem por fundamento a necessidade de desenvolvimento de técnicas de gestão pública neutras e garantia de estabilização mínima nas relações jurídicas daí oriundas, porquanto impõe limitações ao agente público, excluindo-lhe o arbítrio: “Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, 15ª edição, São Paulo, Malheiros, 2003, p. 91). Atentando para tais aspectos, tem-se que, embora seja cabível o reconhecimento da capacidade dos servidores públicos interessados, não se vislumbra fundamento normativo para o deferimento do provimento de cargos comissionados de Assessor Especial de Informática, responsável pela direção da Superintendência de Tecnologia da Informação, e da Diretoria de Suporte e Produção. Afinal, consoante fixado no Parecer nº 6.988/2010 da Secretaria de Estado da Fazenda, “os dois servidores, sendo irmãos, não podem trabalhar sob as ordens do outro, posto que lotados na mesma unidade administrativa, havendo hierarquia e subordinação entre os cargos ocupados”. Na verdade, “mesmo que um deles estivesse exercendo atividades inerentes ao cargo efetivo, mas se ainda

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estivesse sob as ordens do outro, estaria configurada a violação preconizada pela Lei nº 869/52, vez que nesse caso, a Lei não faz distinção entre cargos efetivos ou de provimento em comissão.” Entende-se irrepreensível a conclusão segundo a qual “no serviço público estadual, havendo hierarquia e subordinação entre servidores, e havendo grau de parentesco até segundo grau, tal situação não é permitida pela Lei Estadual nº 869/52”, motivo por que se entende destituída de amparo a situação dos agentes públicos estatutários em tese.

Conclusão Com fulcro em tais ponderações, opino pelo respeito aos termos da súmula vinculante nº 13 editada pelo Supremo Tribunal Federal a fim de impedir o nepotismo na Administração Pública, ao que se acresce o artigo 276 da Lei Estadual nº 869/52 como elemento impeditivo ao exercício de cargos comissionados por irmãos, parentes de segundo grau, em uma mesma unidade administrativa, mormente se evidente o vínculo hierárquico na espécie. À consideração superior. Belo Horizonte, 06 de agosto de 2010. Raquel Melo Urbano de Carvalho Procuradora do Estado MASP 598.213-7 OAB/MG 63.612

“APROVADO EM: 27/08/10” SÉRGIO PESSOA DE PAULA CASTRO Procurador Chefe da Consultoria Jurídica

Masp 598.222-8 - OAB/MG 62.597

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