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Unknown ESTADO POLICIAL E CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS: NOTAS SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO ESTADUAL 44.302/2013, DO GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Revista dos Tribunais Rio de Janeiro | vol. 1/2013 | p. 15 | Set / 2013 DTR\2013\9970 Taiguara Libano Soares E Souza Doutorando em Direito pela PUC-Rio. Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito IBMEC-RJ. Professor da Pós-graduação em Criminologia, Direito Penal e Processual Penal da Ucam. Professor da Emerj. Membro do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. Membro do Instituto de Defensores de Direitos Humanos e Membro do IBCCrim. Área do Direito: Penal; Administrativo Resumo: O presente artigo pretende analisar os aspectos políticos, criminológicos e normativos da disseminação do Estado Policial e o consequente processo de criminalização dos movimentos sociais. Centraremos a abordagem na repressão policial aos grandes protestos populares, iniciados em reação ao abusivo aumento das tarifas de transportes em 2013, chamado no Rio de Janeiro de primavera carioca. Desta forma, pretende-se abordar o tema da segurança pública e suas tensões com os direitos fundamentais, expressas de modo emblemático na repressão arbitrária às manifestações, pondo em análise a constitucionalidade do Decreto estadual 44.302/2013 que propõe a restrição de liberdades individuais. Palavras-chave: Movimentos sociais - Estado Policial - Democracia - Criminalização - Atividade policial. Abstract: This paper analyzes the political, criminological and legal aspects about the dissemination of the Police State as well the process of criminalization of social movements. The analysis will focus on police repression to the big protests started in reaction to the abuse increases in transport fares in 2013, called in Rio de Janeiro as primavera carioca. Thus, we intend to address the issue of public safety and its tensions with human rights, expressed so emblematic on the arbitrary retaliation to the protests, putting in question the constitutionality of the State Decree No. 44.302/2013 that proposes the restriction of civil liberties. Keywords: Social Movements - Police State - Democracy - Criminalization - Police Activity. Sumário: REFLEXÕES INICIAIS - 1.ESTADO POLICIAL E CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS - 2.A PRIMAVERA CARIOCA E O DECRETO ESTADUAL 44.302/2013 - 3.CONSIDERAÇÕES FINAIS - 4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS As revoltas populares de junho de 2013, iniciadas a partir de protestos do Movimento Passe Livre contra os abusivos aumentos nas tarifas de transportes públicos inauguraram um novo contexto no cenário político brasileiro. A exemplo do ocorrido meses antes na Grécia, no Egito, na Turquia e em outros países do Mundo Árabe, a normalidade institucional foi abalada pela maciça presença da multidão nas ruas. Em todas as grandes cidades do Brasil, milhares ocuparam as, sinalizando, como um alarme, que a gota d'água havia transbordado toda a apatia política a que se assistia nos últimos anos. Invariavelmente, a resposta estatal aos legítimos levantes populares fazia recorrer ao uso do aparato policial como forma de contenção da “besta feroz" e ao direito penal como estratégia de criminalizar as rebeldias em ebulição. Longe de dialogar ou atender as demandas da sociedade civil, o Estado entoa como mantra a resposta única, qual seja, a criminalização dos movimentos sociais. De tal modo, torna assustadoramente atual a expressão cunhada por Foucault para ilustrar o Estado em sua irresistível ânsia pela manutenção do status quo: o conceito de Estado Policial, Estado Gendarme. Nesta esteira, vale observar que o mundo contemporâneo tem se caracterizado por um crescente recrudescimento nas medidas de controle social institucionalizado em âmbito global. A atmosfera Resultados da Pesquisa Página 1

Estado Policial e Criminalização Dos Movimentos Sociais

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UnknownESTADO POLICIAL E CRIMINALIZAO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS: NOTASSOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO ESTADUAL 44.302/2013,DO GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRORevista dos Tribunais Rio de Janeiro | vol. 1/2013 | p. 15 | Set / 2013DTR\2013\9970Taiguara Libano Soares E SouzaDoutorando em Direito pela PUC-Rio. Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito IBMEC-RJ.Professor da Ps-graduao em Criminologia, Direito Penal e Processual Penal da Ucam. Professorda Emerj. Membro do Mecanismo Estadual de Preveno e Combate Tortura. Membro do Institutode Defensores de Direitos Humanos e Membro do IBCCrim.rea do Direito: Penal; AdministrativoResumo: O presente artigo pretende analisar os aspectos polticos, criminolgicos e normativos dadisseminao do Estado Policial e o consequente processo de criminalizao dos movimentossociais. Centraremos a abordagem na represso policial aos grandes protestos populares, iniciadosem reao ao abusivo aumento das tarifas de transportes em 2013, chamado no Rio de Janeiro deprimavera carioca. Desta forma, pretende-se abordar o tema da segurana pblica e suas tensescom os direitos fundamentais, expressas de modo emblemtico na represso arbitrria smanifestaes, pondo em anlise a constitucionalidade do Decreto estadual 44.302/2013 que propea restrio de liberdades individuais.Palavras-chave: Movimentos sociais - Estado Policial - Democracia - Criminalizao - Atividadepolicial.Abstract: This paper analyzes the political, criminological and legal aspects about the disseminationof the Police State as well the process of criminalization of social movements. The analysis will focuson police repression to the big protests started in reaction to the abuse increases in transport fares in2013, called in Rio de Janeiro as primavera carioca. Thus, we intend to address the issue of publicsafety and its tensions with human rights, expressed so emblematic on the arbitrary retaliation to theprotests, putting in question the constitutionality of the State Decree No. 44.302/2013 that proposesthe restriction of civil liberties.Keywords: Social Movements - Police State - Democracy - Criminalization - Police Activity.Sumrio:REFLEXES INICIAIS - 1.ESTADO POLICIAL E CRIMINALIZAO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS -2.A PRIMAVERA CARIOCA E O DECRETO ESTADUAL 44.302/2013 - 3.CONSIDERAES FINAIS- 4.REFERNCIAS BIBLIOGRFICASAsrevoltaspopularesdejunhode2013,iniciadasapartirdeprotestosdoMovimentoPasseLivrecontra os abusivos aumentos nas tarifas de transportes pblicos inauguraram um novo contexto nocenrio poltico brasileiro. A exemplo do ocorrido meses antes na Grcia, no Egito, na Turquia e emoutrospasesdoMundorabe, anormalidadeinstitucional foi abaladapelamaciapresenadamultido nas ruas. Em todas as grandes cidades do Brasil, milhares ocuparam as, sinalizando, comoum alarme, que a gota d'gua havia transbordado toda a apatia poltica a que se assistia nos ltimosanos.Invariavelmente, a resposta estatal aos legtimos levantes populares fazia recorrer ao uso do aparatopolicial como forma de conteno da besta feroz" e ao direito penal como estratgia de criminalizaras rebeldias em ebulio. Longe de dialogar ou atender as demandas da sociedade civil, o Estadoentoacomomantraarespostanica, qual seja, acriminalizaodosmovimentossociais. Detalmodo,tornaassustadoramenteatual aexpressocunhadaporFoucaultparailustraroEstadoemsua irresistvel nsia pela manuteno do status quo: o conceito de Estado Policial, EstadoGendarme.Nestaesteira, valeobservarqueomundocontemporneotemsecaracterizadoporumcrescenterecrudescimentonasmedidasdecontrolesocial institucionalizadoemmbitoglobal. AatmosferaResultados da PesquisaPgina 1criada aps o atentado em 11.09.2001, nos EUA, com a edio do U.S.A. Patriot Act - pacote de leisantiterrorismoqueimplicounarestriodedireitos civis -, sereproduz emdiversos pases. Asensao pblica de insegurana e medo d ensejo ao incremento e expanso de doutrinasconservadoras e repressivas quanto ao sistema penal.Nestecontexto, Hassemer bemdemonstraocarter repressivodosatuaismovimentosdelei eordem. Vai alm, analisa, especialmente, aexperinciados riscos edaerosonormativaquedeterminam nossa vida cotidiana, provocando uma sensao de paralisia. De tal sorte que, o Estado,antesumLeviat,passa,consoanteoautor,aserconcebidocomoocompanheirodearmasdoscidados, disposto a defend-los dos perigos e dos grandes problemas da poca".Assim, crescemas polticas criminais blicas, os aparatos policiais, as execues sumrias, aprofuso dos crceres, a tortura como meio de obteno de prova, o Estado de Polcia,especialmentediantedasvidasnuas. Emcontraponto, restringem-seosdireitoseasliberdadesindividuais.Diante da onda neoconservadora, o Estado Democrtico de Direito v-se ameaado pela expansodoEstadoPolicial, pois abuscadaseguranasobrepujaalutapelaliberdade, odiscursodaseguranapblicaocupaolugar dodiscursodedireitos humanos, privilegia-seaproteodepoucos,emcontraposioproteodacoletividade.Dissemina-seadespolitizaodapoltica,aexacerbaodoindividualismo, multiplicaodas desigualdades sociais edesprezopelooutro.Assiste-se passagem do Estado Providncia para o Estado Penal, atravs da criminalizao dasconsequnciasdamisria,segundoWacquant.1Verifica-seadisseminaodomedo,domedodocrime, do medo do outro.A sensao de medo enseja o discurso de combate s classes perigosas, de combate aos inimigospblicos. Na perspectiva do poder constitudo, os inimigos, os perigosos, so aqueles que de algummodo ameaama ordemsocial excludente que busca se legitimar. Sejamas classes sociaissubalternas- aquelesquesobraramdasociedadedeconsumocomodizBauman-, sejamosmovimentos de contestao desta ordem. Desta forma, implementa-se violentamente, comoreceiturio autoritrio, a criminalizao da pobreza e dos movimentos sociais. O discursocriminalizante utilizado para deslegitimar as reivindicaes populares. Vndalos e baderneiros soas expresses utilizados como forma de captura da poltica pelo sistema penal.NoRiodeJaneiro, arepressopolicial aosmanifestantesrecebeuacontribuiolegiferantedoPoder Executivo estadual. A conteno penal ganhou contornos de decreto de plenos poderes com aaprovao do Decreto estadual 44.302/2013, exarado pelo Governador Srgio Cabral. Dentre outrosaspectos,oreferidodecretoprevasuspensodegarantiasprocessuaispenaisdemanifestantessuspeitosdevandalismo, dandoensejopolmicasobreaconstitucionalidadedaadoodetalmedida no plano estadual.Entender criticamente os aspectos polticos, criminolgicos e normativos da disseminao do EstadoPolicial e suas estratgias de criminalizao dos movimentos sociais o objetivo central do presenteartigo. Para tanto, primeiramente ser abordado, luz da criminologia crtica, o processo derecrudescimento das polticas criminais em curso no Brasilnos ltimos anos, bem como ser feita,emumsegundomomento, aabordagemacercadasviolaessgarantiaspenaiseprocessuaispenais na represso policial s manifestaes populares, e a anlise jurdico-penal considerando ainconstitucionalidade do Decreto estadual 44.302/2013. Por fim, apresentadas as concluses parciaisdeste breve estudo.1. ESTADO POLICIAL E CRIMINALIZAO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS1.1 A ofensiva do Estado Policial como ameaa democracia e aos direitos fundamentaisFoucault emOnascimentodabiopolticacunhouoconceitodeEstadodePolcia, ouEstadoGendarme para caracterizar o exerccio do controle social quase total almejado pelo Estado. Assimdescreve:Para os governantes, o Estado de Polcia trata-se de considerar e encarregar-se no somente dasdiferentescondies, isto, dosdiferentestiposdeindivduoscomseuestatutoparticular, mas,sobretudo, encarregar-se da atividade dos indivduos at em seu mais tnue gro."2Resultados da PesquisaPgina 2Hodiernamente, constata-se, diantedavignciadoEstadoDemocrticodeDireito, comomodelopreconizadapelaCartaMagna(LGL\1988\3) de1988, aescaladadoEstadoPolicial, atravsdasuspenso de direitos e garantias fundamentais elementares ao regime democrtico.OEstado Policial se expande diante do esgotamento das respostas polticas da democracialiberal-capitalistagravecrisequeseerguedesdeaeraneoliberal, queconduzindoaopaulatinoesvaziamento do Estado de Bem-Estar Social e implementao de novas estratgias de gesto dapobreza. Logo, comoafirmouosocilogofrancsLoicWacquant, aeraneoliberal desmontouoEstado Social, substituindo-o por um Estado Penal.Neste cenrio, a sociedade exige um discurso penal ampliado, ou a prevalncia do direito penal deemergncia, que se expressa atravs do eficientismo penal (como proposta vinculada ao movimentode lei e ordem, ao modelo intitulado de Tolerncia Zero"). Nesse diapaso, fundamenta-se o Estadode Polcia, que traz uma plataforma politico-criminal que prope dentre outras medidas a reduo damaioridadepenal, aaplicaodapenacapital, aampliaodaspenasdeprisoparapequenastransgresses, oencarceramentoemmassadeindivduos integrantes declasses sociais maisbaixas e segmentos em situao de vulnerabilidade.Nessa seara, Nilo Batista afirma que o Estado Policial aquele regido pelas decises dogovernante.Pretende-secomcertosimplismoestabelecerumaseparaocortanteentreoEstadodePolciaeoEstadodeDireito: entreomodelodeEstadonoqual umgrupo, classesocial ousegmento dirigente, encarna o saber acerca do que bom ou possvel, e sua deciso lei, e outro,no qual o bom ou o possivel decidido pela maioria, respeitando os direitos das minorias, para o quetanto aquela quanto estas precisam submeter-se a regras que so mais permanentes do que merasdecises transitrias. Para o primeiro modelo, submisso lei sinnimo de obedincia ao governo;para o segundo, significa acatamento s regras anteriormente estabelecidas. O primeiro pressupeque a conscincia do bom pertence classe hegemnica e, por conseguinte, tende a uma Justiasubstancialista. O segundo pressupe que pertence a todo o ser humano por igual, e, portanto, tendea uma Justia procedimental. A tendncia subastancialista do primeiro o faz tender para um direitotranspersonalista (a servio de algo meta-huamano: divindade, casta, classe, Estado, mercado etc.);o procedimentalismo do segundo, para um direito personalista (para os humanos)".3Nessa perspectiva, quando, a pretexto de dirimir o crime, ignora-se o Ordenamento Jurdico,suprime-seoEstadoDemocrticodeDireito, eoqueseestabeleceoEstadoPolicial. Comosalienta o Min. Celso de Mello,4o Estado Policial a negao das liberdades, indiferentemente deposio social ou hierarquia. Trata-se de uma anttese do sistema democrtico".O sistema penal no pode atuar em nome do Estado Policial, visto que os direitos fundamentais almdabasetrpliceprocessual-constitucional dosdireitosdocidado: contraditrio, ampladefesaedevidoprocessolegal, devepermanecer respeitadapelacomunidadejurdica. Taisgarantias, noentanto, no so asseguradas nas mais diversas esferas de atuao do Estado, que se conectam aosistema penal, no que diz respeito aos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, em mbito tantofederal, quanto estadual.Por sistema penal, como preleciona Zaffaroni, entende-se o controle social punitivoinstitucionalizado",5queabarcavriasagnciasreguladoras, desdeaelaboraodocrime, passapela persecuo, julgamento, imposio da pena6e execuo penal. Pressupe a atividadenormativa, do legislador; de perseguio aos desviantes, da polcia, e de condenao e fixao dasano, dos juzes e administrao da pena, dos juzes e funcionrios da execuo penal.Em nossos dias, todas essas agncias do sistema penalso estimuladas pelo recrudescimento doEstado Policial, sobrepondo-se aos direitos e garantias fundantes do Estado Democrtico de Direito,configurando, detal maneira, flagranteameaasociedade. Nessediapasoanalisaremossuasmanifestaes emcada faceta do sistema penal nos trs Poderes da Repblica: na normaincriminadora atravs do Poder Legislativo; no Poder Executivo, atravs da atuao das polcias e dosistema penitencirio; e, por fim, nas decises judiciais atravs do Poder Judicirio.Movido pelo eficientismo penal, o Poder Judicirio naturaliza entendimentos que remetem doutrinado direito penaldo inimigo, preconizada por Jakobs,7suspendendo garantias penais e processuaispenaisdiantededeterminadascategoriassociais, aexemplodoruacusadodetrficoilcitodesubstncias entorpecentes.Resultados da PesquisaPgina 3Nestamatria, comumenteaatuaoPoderLegislativopreconizaaaprovaodenormaspenaisincriminadoras centradas, sobretudo, nacriaodenovos tipos penais, majoraodepenas erecrudescimento da execuo penal.No que se refere ao Poder Executivo, especialmente no que tange poltica criminal de seguranapblica, caracterstica comum das Polcias Civil e Militar a implementao de polticas militarizadaserepressivas, tendopor baseametforadaguerraaoinimigo.8Tal modeloblicoacarretaumelevadssimo grau de letalidade policial, acobertado pelo dispositivo denominado autos deresistncia.9Apenasnosltimos10anos, aspolciasdoEstadodoRiodeJaneiroperpetraramamortedemaisde10.000civiscomputadosemautosderesistncia.10Nmerosdeumpasemguerraprovocadospor umapolticacriminal comderramamentodesangue, parafazer usodaexpresso cunhada por Nilo Batista.11Por fim, cumpre apontar as mazelas do sistema penitencirio brasileiro. Convive-se comumarealidade de barbrie emque so rotineiras as prticas de tortura, condies degradantes,insalubridade, doenas, superlotao, ruptura de laos afetivos, familiares, sexuais. O Brasil possuihoje a 4. maior populao prisional do mundo em nmeros absolutos, com mais de 550.000 presos,sendoquemenos de10%estinseridoematividades educacionais emenos de20%realizaatividades laborativas. Mais de 70% corresponde a acusados dos crimes de trfico de entorpecentes,furto e roubo.12Como exposto, o Estado Democrtico de Direito encontra-se ameaado pela enunciao do EstadoPolicial, que se propaga por todas as esferas da vida humana. Nesta esteira, vale lembrarAlessandroBarattaemsuadefesaintransigentedosdireitoshumanos,referindo-seaoscrimesdeEstadoenquantoviolnciainstitucional. Assinalouqueaviolnciainstitucional ocorrequandooagenteumrgodoEstado: oGoverno, oexrcitoouapolcia.13Barattafrisaquealutapelacontenodaviolnciaestrutural amesmalutapelaafirmaodos direitos humanos.14Peloprincpiodasuperioridadetica, oEstadonopodeseigualaracriminosos. Nessesentido, devecaminhar o direito penal, com o intuito de preservar os direitos humanos, o que significa preservarum mnimo tico de cada indivduo, no primado do Estado Democrtico de Direito.1.2 A criminalizao da pobreza e dos movimentos sociaisNa linha de pensamento de Jacques Rancire, luz de um contexto de mundializao da economia,de ps-democracia",15a democracia concebida como espao de produo de consenso, a partirdapadronizaodenormas. Nestavertentedas sociedades decontrole", apolticapolcia,portanto, vigilnciaemmeioaberto, contnuaemodular. Oautor, emsuacrtica, afirmaqueaverdadeira poltica calcada no dissenso, compreendendo consenso sempre como algo provisrio eefeito de lutas constantes.OreceituriodoImprioindicaaequaomais polciaemenos poltica" diantedacrescenteautonomizaodosmercadoseadilaceraodasoberaniaestatal. Assiste-seento, aumduplomovimento: recuo na interveno estatal empolticas de cidadania aliado ao incremento dosmecanismos coercitivos para assegurar o monoplio do uso legtimo da violncia.Estatransfiguraodaatuaoestatal estudadapor LoicWacquant. Debruando-sesobreasreformasnaspolticassociaisimplementadasnosEUAnoltimoquartel dosculoXX, oautorapontaparaodeclniodoWelfareState(EstadodeBem-Estar Social) eaascensodoWarfareState (Estado Penal), preconizando o incremento do aparato repressivo do Estado.16Apartir domomentoemqueoEstadoretrocedenoquetangesuadimensoprestacional dedireitos sociais, se torna necessria a interveno do seu aparato repressivo em relao s condutasconsideradastransgressorasdalei eorigorosocontroledosgrupossociaisditosameaadoresdanova ordem. Este binmio conduz Wacquant a fazer uso da expresso Estado Centauro.17Wacquant afirma que o Estado, que se mostra incapaz de superar a crescente crise social, empenhaseus esforos em uma gesto penal da misria, na criminalizao das consequncias da pobreza. OEstadoPenal quesedelineiapreconizaorecursomacioesistemticoprisoqueunidocomapoltica repressiva s drogas foi responsvel por quadruplicar o nmero de presos entre os anos 70 e90 nos EUA, com a grande maioria da populao carcerria composta por negros de classes maisbaixas (WACQUANT, 2007, p. 207-211).Resultados da PesquisaPgina 4O perodo analisado por Wacquant marca a ascenso da doutrina chamada de tolerncia zero" nosEUA, experienciadanaPrefeituradeNovaIorque, sobagestodoPrefeitoRudolphGiuliani em1994. Adoutrinatolernciazero"denotaorigordoaparatorepressivodoEstadoatmesmoemfacedospequenosdesvios. SegundoafirmaDornelles(2008, p. 53), soestasastendnciasideolgicasneoliberaisnocampodocontrolesocial,emespecial nasprticaspenaisqueforjamomodelo do eficientismo do direito penal mximo", filosofia que passa a ser exportada.18Como exposto por Wacquant, nos EUA, a partir das reformas na rea da assistncia social,assiste-se transio do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) para o Estado Penal (WarfareState). No Brasil, como pas de capitalismo perifrico, no se pode falar sequer na vigncia histricado Estado de Bem-Estar. A tendncia de hipertrofia do aparato penal vem apenas reforar o controleviolentodascamadasexcludasdapopulaoexercidodesdeosculoXVI, desdeogenocdiocolonial. Implementa-se uma poltica de segurana pblica que busca construir no imaginrio social aideia de combate s classes perigosas, estabelecendo especialmente a figura do traficante enquantoinimigopblicoasercombatido,dandoensejopolticacriminal comderramamentodesangue",como afirma Nilo Batista.O prprio Wacquant (2001, p. 7) destaca a peculiaridade dos pases subdesenvolvidos:()apenalidadeneoliberal aindamaissedutoraemaisfunestaquandoaplicadaempasesaomesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condies e de oportunidades de vida edesprovidos de tradio democrtica e de instituies capazes de amortecer os choques causadospela mutao do trabalho e do indivduo no limiar do novo sculo."Com as polticas de ajuste estrutural implementadas na dcada de 90 d-se o vertiginoso aumentoda misria e da excluso socialestrutural. Como estratgia de conteno das classes excludas, oEstado Penal passa a preconizar a criminalizao das consequncias da misria.Taisprocessosderotulao,afeitosteoriadolabellingapproach,conduzemoestigmadehomosacer, viventenavidanua, aosmoradoresdefavelasecomunidadesperifricas, tidoscomoasnovas classes perigosas, os inimigos pblicos, os matveis. Wacquant (2007, p. 49) ao explicitar oquecompreendecomocriminalizaodapobreza, afirmarqueessascategoriasontolgicasnonecessitammaispraticar condutasdelitivasparaseremalvodojuspuniendi, maselasprpriastornam-se crimes.Domesmomodo, acriminalizaonoatingeapenasosdesvalidospertencesaosestratosmaispauperizados da sociedade, mas tambm, aos movimentos de contestao da ordem. Pari passu criminalizaodapobreza, oEstadoPolicial necessitadacriminalizaodosmovimentossociais,dando incrvel pertinncia afirmao de Wacquant: a manuteno da ordempblica e amanuteno da estrutura de classes se confundem".Destemodo, sejaatravsdaexpressoEstadoPolicial cunhadaporFoucault, sejaEstadoPenal,como nomeia Wacquant, Estado de exceo, como estuda Agamben, sociedade de controle, comoelaborouDeleuze, EstadodestiocomPauloArantes, bonapartismosoft, comoafirmaLosurdo,19fascismosocietal, comodizBoaventura,20autoritarismocool, comoafirmaZaffaroni,21militarizaoda vida social como anuncia Menegat,22todas so denominaes diversas para explicitar o mesmoprocessoderecrudescimentodocontrolesocial institucionalizadonocontextodas democraciascontemporneas.2. A PRIMAVERA CARIOCA E O DECRETO ESTADUAL 44.302/20132.1 A represso policial s revoltas populares: limites e possibilidades do uso da foraO ms de junho de 2013 marca a grande onda de manifestaes populares que eclodiu por todas asgrandes metrpoles doBrasil. Iniciados comabandeiradoMovimentoPasseLivre, contraosabusivosaumentosnastarifasdetransportespblicos,osprotestostomaramvultogigantesco.NoRio de Janeiro a onda de grandes manifestaes passou a ser chamada primavera carioca, visto queiniciadasaindanofinal de2012. JrepresentamamaiorondademobilizaespopularesapsacampanhadasDiretasJ.23Novasestratgiasdecomunicao,comoasredessociais,passamafazer parte da rotina dos atos e cumprem um papel fundamental para capilarizar as aes.OsprotestosrepresentaramaexplosoemcatarsedetodoacmulodeindignaodasociedadeResultados da PesquisaPgina 5brasileiradiantedoesgotamentodomodelodedemocraciarepresentativaliberal, emumquadrohistricodecorrupoendmica,precarizaodepolticaspblicasdesadeeeducao,relaopromiscua entre Estado e grandes corporaes do capital e imensa demanda represada porparticipao popular nas decises fundamentais do Estado.As manifestaes geraramemalguns episdios depredaodepatrimniopblico, bemcomoocupaes de prdios pblicos. Emalguns casos mais isolados h registros de saques nascercanias dos atos. No obstante, independente da existncia ou no de incidentes protagonizadospor manifestantes, a violenta represso policial caracterstica marcante em todo o pas.Acontenorepressivadas manifestaes temsidoimplementadaprioritariamentepelaPolciaMilitar, contandocomacolaboraodaPolciaCivil edaForaNacional deSegurana. Valedestacar a participao do Choque e do Bope, batalhes especiais, respectivamente da Polcia Civile Militar, fazendo uso de helicpteros, blindados e fuzis.Nesta perspectiva, implementa-se umverdadeiro processo de criminalizao dos movimentossociais. A resposta policial em regra tem sido absolutamente desproporcional e muitas vezes violentaegratuita, antesmesmodequalquer excessopor partedosmanifestantes. Prisesarbitrriasedesnecessrias, truculncia e uso abusivo de armas no letais do a tnica da atividade policial naconteno dos distrbios civis".A utilizao indiscriminada de armas no letais tem aberto um amplo debate sobre os limites ao usoda fora na atividade policial. H registros de mortes de manifestantes que inalaramgrandequantidadedegs lacrimognioegs depimenta.24Haindainmeros registros depessoasatingidaspor balasdeborrachanorostoeoutrasregiessensveis. Tambmfoi observadaautilizao de bombas de gs lacrimognio e gs de pimenta fora do prazo de validade, fato que podeacarretar srios danos sade da pessoa atingida pela substncia.Vale destacar que a ao policial nos protestos no possua o escopo de disperso dosmanifestantes, mas sim almejava encurralar os mesmos e for-los a serem atingidos pelos efeitosdogsdepimentaegslacrimognio.Deixa-noscrerqueoobjetivomaiorensejadopelasforaspolicias erainfligir sofrimentoaos manifestantes, demodoaservir aoobjetivopedaggicodeconvencer os manifestantes a no aderir aos prximos protestos.Os resultados poderiam ter sido ainda mais graves, diante do pedido do comandante da PMERJ paraa utilizao de armas letais nas manifestaes. Como se trata de circunstncia na qual frequente aexaltaodenimosdeambasaspartes, umpolicial municiadodearmaletal poderiafazer usoinadequado, evidentemente, resultando em uma catstrofe. O uso de armas letais na conteno dedistrbios civis" altamente inadequado e contraria recomendao da ONU.Se o uso excessivo da fora ocasionou casos pontuais de vtimas letais, no se pode dizer o mesmoda ao do aparato repressivo nas reas perifricas. A Polcia Militar do Rio de Janeiro conhecidapor sua altssima letalidade, empreendida, sobretudo nas favelas e demais periferias urbanas. Estehabitus letfero confirmou-se na represso a um dos protestos, este realizado nas proximidades daFavela da Mar. Aps receber denncia da prtica de furtos na manifestao, a PMERJ deslocou-separa o local, e como em ao vindicativa, a operao resultou em 10 mortes de civis.25 importanteobservarque, quandooargumentodecombateaumarrastofoi usadocontramanifestantesnaBarradaTijuca, nohouveaopoliciaisdoBope, nemassassinatos, demostrandoquehumtratamento diferenciado na favela e no asfalto".Tal fatdica operao altamente simblica, visto que evidencia de modo draconiano a seletividadedo Estado Penal, conferindo tratamento ainda mais belicoso aos setores sociais mais oprimidos. Ficapatente a cultura violenta e repressiva reinante na instituio policial, demonstrando aspermanncias do entulho autoritrio dos anos de chumbo.Maranho Costa prope uma distino entre o uso da fora legtima e a violncia policial. O pontomdio que separa o uso legtimo da fora e a violncia policial nem sempre de fcil preciso. Estetermmetrovariadeacordocompressupostostico-polticosdecadasociedade, noapresenta,portanto, um padro linear.O autor cita trs interpretaes dominantes acerca dos limites entre fora legtima e violncia:26umainterpretaojurdica(parmetroproibitivopresentenoordenamentojurdico), umainterpretaoResultados da PesquisaPgina 6sociolgica(embasadapelanoodelegitimidade.Aindaqueamparadopelalegalidade,ousodafora pela polcia pode ser considerado ilegtimo emcertas situaes, como para desbaratarmanifestaes populares) e uma interpretao profissional (atenta para a necessidade de asinstituies policiais estabelecerem padres de conduta a serem seguidos). Cada uma dessas trsinterpretaesirpreconizar perspectivasdistintasdecontroledaatividadepolicial, umavezqueconcebem a violncia policial de modo variado.2.2 O direito penal mximo: sistema acusatrio x sistema inquisitrioO modus operandi dos rgos de segurana pblica gerou grande comoo no seio da populao, edeu ensejo a manifestaes de instituies como a Ordem dos Advogados do Brasil. Em trecho denota pblica lanada no dia 17 de junho, a OAB: reitera que as manifestaes, realizadas de formapacfica, expressamomaisaltosentidodeliberdadedenossaConstituio, erepudia, depronto,qualquer iniciativa das autoridades em criminaliz-las".27NoRiodeJaneiro, especialmente, osatospblicosreceberamgrandeapoiodeadvogados, sejadisponibilizados pela Comisso de Direitos Humanos da OAB-RJ, integrantes de organizaes nogovernamentais, como o Instituto de Defensores de Direitos Humanos ou ainda advogadosvoluntrios reunidos em torno do grupo Habeas Corpus-RJ, criado para oferecer assistncia jurdicaem solidariedade aos manifestantes atingidos pelo arbtrio policial.28Aatuaodetaisadvogadoscentrava-senacontenodopoderpunitivoestatal, emdefesadasliberdadesdemocrticas,comoalivremanifestaodepensamento,consagradapelaConstituiodaRepblica(LGL\1988\3) emseuart. 5., XVI, daCF(LGL\1988\3). papel das autoridadespblicas assegurar o direito de reunio, harmonizando-o do melhor modo comoutros direitosindividuais como o direito de locomoo, o direito de propriedade e o direito integridade fsica. Asmanifestaespopularescolocamemcolisotaisgarantiasconstitucionais, demodoquecabeaoEstado e a seus agentes, nessas situaes limtrofes, harmonizar da maneira mais eficaz os direitosfundamentais, como corolrio indispensvel ao exerccio da democracia.Arepressopolicial nosprotestostemapresentadocapitulaesaltamentearbitrriasnointuitodetentar tipificar condutas dos manifestantes. Inmeras detenes arbitrrias foramperpetradas,desconsiderando por completo o art. 301 do CPP (LGL\1941\8), acerca da priso em flagrante, vistoque impossvel configurar o flagrante delito sem qualquer indcio de autoria ou prova damaterialidade do crime.Dentreovastorol,foramobservadasprisesporcrimesdedano,sejaaopatrimnioprivado(art.163doCP(LGL\1940\2)) oupblico(art. 163, pargrafonico, III, doCP(LGL\1940\2)) - semqualquer prova - formao de quadrilha (art. 288 do CP (LGL\1940\2)) - mesmo entre pessoas quesequer se conheciam, corrupo de menores (art. 244-B do ECA (LGL\1990\37)), tentativa de lesocorporal (art. 129 do CP (LGL\1940\2) c/c art. 14, II, do CP (LGL\1940\2)), desacato (art. 331 do CP(LGL\1940\2)), resistncia (art. 329 do CP(LGL\1940\2)), incitao ao crime (art. 286 do CP(LGL\1940\2)), apologia ao crime (art. 287 do CP (LGL\1940\2)), dentre outros.Oaltssimo grau de arbtrio na atuao da persecuo criminal rasga as garantias penais eprocessuaispenaisinarredveisaqualquer cidado, dandoensejomaterializaodosistemainquisitrio, em sobreposio ao sistema acusatrio preconizado pela Carta Poltica de 1988.29 aenunciaododireitopenal mximo,comosalientaFerrajoli,maisafeitoaoideriodaditaduradoque democracia.302.3 Da inconstitucionalidade do Decreto estadual 44.302/2013As grandes mobilizaes que tomaramo Brasil realizam-se emumperodo singular, no qualantecede os megaeventos que sero realizados no pas nos prximos anos como a Copa do Mundode2014easOlimpadasde2016. Frise-seaindaarealizaodaCopadasConfederaeseaJornada Mundial da Juventude, junto Visita do Papa, respectivamente em junho e julho do presenteano.O fato de sediar a Copa do Mundo acarretou ao Brasil a imposio de uma legislao excepcional,denominada LeiGeralda Copa (Lei12.663/2012). Aviltando a soberania nacional, a Fifa impe aopas a incorporao na ordemjurdica de ummarco legal que estabelece trs novos crimes(utilizaoindevidadesmbolosoficiais, marketingdeemboscadaporassociaoemarketingdeResultados da PesquisaPgina 7emboscada por intruso), todos relacionados proteo dos interesses econmicos da Fifa.Portanto, d-seensejoaumverdadeiroEstadodeExceoaserviodadefesadeinteressesprivados.31Juntorealizaodosmegaeventoscaminhaaindaoclamor pelaregulamentaodocrimedeterrorismo,32mencionadonaConstituioFederal (LGL\1988\3) noart. 5., XLIII, noentanto, notipificado no ordenamento jurdico-penal. A positivao do crime de terrorismo causa grandepreocupaotendoemvistaapossibilidadedeanormapenal incriminadoraservirimposiodeainda maior criminalizao aos movimentos sociais.33No Congresso Nacional h parlamentares defendendo acelerar tal pauta diante da repercusso dasgrandes manifestaes. Proposies genunas do populismo punitivo preconizando pelo direito penalde emergncia como soluo crise".34Segundo salienta Maierovitch:Um criminoso quando pe fogo em uma casa, o rapaz que deu um tiro na criana de cinco anos,isso tudo so mtodos terroristas, mas no significa que estamos diante de um fenmeno terrorista,queoqueprecisadelei. Essaviolnciatodanoparabuscadepoder, parafinspolticospartidrios, para derrubar o Estado. O Brasil no sabe distinguir. Nessas propostas de legislao queesto tramitando agora, tudo terrorismo, inclusive 'baderna'."Entretanto,nosoestasasnicaslegislaesdeexceo.Nodia22.07.2013,oGovernadordoEstado do Rio de Janeiro, Srgio Cabral Filho baixou o Decreto estadual 44.302.Dentre outras disposies, o Decreto constitui a Ceiv - Comisso Especial de Investigao de AtosdeVandalismoemManifestaesPblicas- criadaapsaondadeprotestosnasruasdoRio.Segundo o art. 2. do Decreto:Art. 2. CaberCeivtomar todasasprovidnciasnecessriasrealizaodainvestigaodaprtica de atos de vandalismo, podendo requisitar informaes, realizar diligncias e praticarquaisquer atos necessrios instruo de procedimentos criminais com a finalidade de punio deatos ilcitos praticados no mbito de manifestaes pblicas."Ademais, oreferidodispositivolegal deexceoexigequeasempresasdetelefoniaeInternetentregueminformaesdeusuriossuspeitosdeenvolvimentocomosprotestos. Diztrechododecretopublicado: AsempresasoperadorasdetelefoniaeprovedoresdeInternet teroprazomximo de 24 horas para atendimento dos pedidos de informaes da Ceiv".NoentendimentodaOAB,ocontedodoDecretocarecedeconstitucionalidade.35AConstituioFederal (LGL\1988\3) asseguraainviolabilidadedascomunicaesentrepessoas. Notenhoamenor dvida em afirmar que o decreto flagrantemente inconstitucional", salientou Marcus VinciusFurtado, PresidentedaOAB. ApenasaJustiadetmopoderdedeterminaraquebradosigilo",ressaltou.Diantedarepercussonegativa, oGovernador decidiubaixar novoDecreto, quevai revogar oanterior, fazendo principalmente duas alteraes.36Primeiro, ao tratar das competncias daComisso Especial de Investigao de Atos de Vandalismo em Manifestaes Pblicas, ressalta queobservar-se- a reserva de jurisdio exigida para os casos que envolvam quebra de sigilo". A outraalterao na meno especfica a teles e provedores. O primeiro decreto dizia que as empresasoperadoras de telefonia e provedores de Internet tero prazo mximo de 24 horas para atendimentodos pedidos de informaes da Ceiv". Onovo texto no faz mais citao expressa a prazodeterminado.Convmdestacar que invariavelmente, os discursos de manuteno da ordemque buscamdeslegitimar as grandes mobilizaes emcursobuscamatribuir aos manifestantes apechadevndalos e baderneiros. Ademais, sempre que h excessos no uso da fora policial, afirma-se quehouve confronto com os policiais.Oetiquetamentodosmanifestantesenquantovndalostrata-sedeestratgiacriminalizantequeremonta os preceitos da doutrina do direito penal do inimigo. A teoria esposada por Jakobs preconizaquediantedealgumascategoriassociais, comocriminososeconmicos, terroristas, delinquentesorganizados, autores de delitos sexuais e outras infraes penais perigosas seria possvel suspenderResultados da PesquisaPgina 8garantias penais e processuais penais dos rus. Em sntese, inimigo seria aquele que supostamentese afasta de modo permanente do direito e no oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel norma.37Na concepo o indivduo que no admite ingressar no Estado de Cidadania, no pode participar dosbenefcios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, no um sujeito processual, logo, nopode contar com direitos processuais. Contra ele no se justifica o devido processo legal, mas sim,um procedimento de guerra.Autilizaodetal entendimentocomofulcrodecriminalizaodosmovimentossociaisabreumaampla discusso doutrinria em interface com a Teoria do Estado e a filosofia do direito acerca dapertinncia da desobedincia civil e do direito de resistncia emface do autoritarismo, comohipteses supralegais de excluso da ilicitude.Neste sentido, entende Juarez Cirino:Autores de fatos qualificados como desobedincia civil so possuidores de dirigibilidade normativae, portanto, capazes de agir conforme o direito, mas a exculpao se baseia na existncia objetivade injusto mnimo, e na existncia de motivao poltica ou coletiva relevante, ou, alternativamente,na desnecessidade de punio, por que os autores no so criminosos - portanto, a pena no podeserretributivae,almdisso,asoluodosconflitossociaisnopodeserobtidapelasfunesdepreveno especial e geral atribudas pena criminal."38Doexposto, aotrilharastesesdodireitopenal doinimigo, ojuspuniendi emsuasanhapunitivaacolhe o discurso de guerra ao inimigo, deixando de agir enquanto um Estado sub lege, para imporum Estado contra lege.3. CONSIDERAES FINAIS luz da ordem constitucionalps-1988, a duras penas conquistada na luta contra o autoritarismo,todo o sistema penal, comdestaque para o direito penal, deve atuar a servio do EstadoDemocrtico de Direito. Atravs da limitao do prprio poder punitivo, na obstaculizao daviolnciainstitucional,visando,acimadetudo,adefesadadignidadehumana,epicentrodenossaordem jurdica.Nesse sentido, no podem ser consideradas compatveis com a democracia polticas criminais quecaracterizamo Estado Penal, o Estado de Polcia, como: mandados de busca e apreensogenricos, prisesprovisriasarbitrrias, proliferaodosautosderesistncia, usodosblindadoscaveires, emprego das Foras Armadas para fins de policiamento, execues sumrias,superlotao e precarizao dos presdios.De igual sorte, doutrinas jurdico-penais, como o direito penal do inimigo, direito penal deemergncia, tolernciazeroemovimentodelei eordem, queembasamarepressoarbitrriaacidados que exercem seu constitucional direito livre manifestao de pensamento, no condizemcom os preceitos basilares do Estado Democrtico de Direito.Como bem destaca Roxin, o direito penal deve servir apenas tutela de bens jurdicosimprescindveisvidacoletivaemharmonia. Demaneiraquenocabeaodireitopenal tutelarconvices morais, religiosas ou polticas.39Cumpre salientar, como afirma o eminente professor Nilo Batista, que seletividade, repressividade eestigmatizao so algumas caractersticas centrais dos sistemas penais".40Desse modo, pelo fatodo sistema penal trazer tantas mculas dignidade humana, o direito penal, enquanto elemento quecompe o sistema penal deve ser um instrumento do Estado Democrtico de Direito.Nas palavras de Ferrajoli, o direito penal s vlido enquanto instrumento de defesa e de garantiade todos: da maioria 'no desviada', mas tambm da minoria 'desviada', que, portanto, se configuracomo um direito penal mnimo, como tcnica de minimizao da violncia na sociedade".41Somente a partir de um direito penal inserido no paradigma do Estado Democrtico de Direito quese pode frear o Estado Policial. De modo que se coadune com os valores de respeito inexorveis aoser humano, quepriorizemadignidadehumana. Apenasumdireitopenal ancoradosobabaseResultados da PesquisaPgina 9principiolgica e constitucional pode conter as arbitrariedades do prprio poder punitivo e propiciar aconstruo de um modelo de sociedade mais tolerante e harmnica, apto a erigir ideais de justia eigualdade. necessrio estar atento s violaes ao ser humano, s afrontas cotidianas, sobretudo em temposhodiernos, quandoemnomedaordemedaseguranapblica, direitos fundamentais comoadignidadehumanatmsidocotidianamenteaambarcados.Nessesentido,ograndedesafiopostopara a democracia, a conteno da barbrie perpetrada pelos modelos opressores, que setraduzem nos Estados de Polcia.ComoensinaRadbruch: noprecisamosdeumdireitopenal melhor, masdealgomelhorqueodireitopenal". Nesteprisma, odireitopenal jamaispodeser concebidoparmetrolegitimador doEstadoPenal, acontrariosensudeveservir apenascomolimiteaopoder punitivoestatal, comoproteo pessoa humana diante do Estado Democrtico de Direito.4. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASAGAMBEN, G. 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I, p. 93-94.4 Revista Veja, 22.08.2007.5 ZAFFARONI, Eugenio Ral; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alessandro; SLOKAR, Alessandro. Op. cit.6 ZAFFARONI, Eugenio Ral. Poder Judicirio: crise, acertos e desacertos. Trad. Juarez Tavares.So Paulo: Ed. RT, 1995. p. 36 e ss.7 JAKOBS, Gnter; CANCIO MELI, Manuel. Derecho penal del enemigo. Navarra: Aranzadi, 2006.p. 16.8 DORNELLES, Joo Ricardo W. Conflitos e segurana - Entre pombos e falces. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003.9 VERANI, Srgio. Assassinatos em nome da lei. Rio de Janeiro: Aldebar, 1996.10 SOUZA, Taiguara Lbano Soares e. Constituio, segurana pblica e Estado de ExceoPermanente. Dissertao de Mestrado, Rio de Janeiro, PUC, 2010. Disponvel em:[www.isp.rj.gov.br].11 BATISTA, Nilo. Poltica criminal com derramamento de sangue. RBCCrim 20/129(DTR\1997\370).12 Ver mais:[http://global.org.br/wp-content/uploads/2013/01/RELAT%C3%93RIO-ANUAL-MEPCT-RJ-2012-FINAL.pdf]e [http://portal.mj.gov.br].13 BARATTA, Alessandro. Direitos humanos: entre a violncia estrutural e a violncia penal. Trad.Ana Lcia Sabadell. Fascculos de Cincias Penais, vol. 6, n. 2, ano 6, p. 48.14 BARATTA, Alessandro. Principios del derecho penal minimo. Conferencia Internacional de DireitoPenal: outubro de 1988. Rio de Janeiro: Centro de Estudos da Procuradoria Geral da DefensoriaPblica do Estado do Rio de Janeiro, 1991. p. 25.Resultados da PesquisaPgina 1215 RANCIRE, Jaques. O desentendimento - Poltica e filosofia. So Paulo: Ed. 34, 1996.16 O fim da Guerra Fria e a Queda do Muro de Berlim demarcam a ascenso da nova ordemmundial, cenrio que torna obsoleta a necessidade de programas governamentais orientados nafilosofia do Estado-Providncia.17 A metfora utilizada por Wacquant simboliza ao mesmo tempo um ser dotado de cabea humana,representando o racionalismo liberal, e de corpo bestial, espelhando sua face penal e de controlepunitivo. Tal conceito fora anteriormente trabalhado por Maquiavel, Gramsci e Poulantzas.18 Inicialmente desenvolveu-se uma rede de difuso de ideias, valores, prticas e modelos deregulao social e de universalizao da regulao econmica que partiu dos Estados Unidos daAmrica e chegou Europa Ocidental, atravs da Inglaterra, e Amrica Latina (). H, assim, umverdadeiro trfico transcontinental de ideias e valores que reforam as polticas pblicas que secolocam no campo da internacionalizao da penalizao da misria". DORNELLES, Joo RicardoW. Op. cit., p. 53.19 LOSURDO, Domenico. Democracia ou bonapartismo - Triunfo e decadncia do sufrgio universal.So Paulo: Unesp, 2004. p. 333.20 Boaventura utiliza a denominao de fascismo societal para descrever a convivncia de prticasexcludentes, autoritrias e violentas, dentro de regimes ditos democrticos. SANTOS, Boaventura deSouza. Reinventar a democracia: entre o pr-contratualismo e o ps-contratualismo. In: ______(org.). Democratizar a democracia. 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Disponvel em:[http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-07-14/brasil-nao-sabe-distinguir-terrorismo-de-outros-crimes-diz-jurista.html].34 Protestos apressam votao da lei de crimes de terrorismo no Brasil. Disponvel em:[www.sul21.com.br/jornal/2013/06/protestos-apressam-votacao-da-lei-de-crimes-de-terrorismo-no-brasil].35 Decreto de Srgio Cabral inconstitucional, diz presidente da OAB nacional. Disponvel em:[www1.folha.uol.com.br/poder/2013/07/1315596-decreto-de-cabral-e-inconstitu-cional-diz-presidente-da-oab-nacional.shtml].36 Sob presso, Srgio Cabral muda decreto e inclui ordem judicial para quebra de sigilo. Disponvelem: [http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=34363].37 JAKOBS, Gnter; CANCIO MELI, Manuel. Op. cit., p. 39.38 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal - Parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.39 ROXIN, Claus. A proteo de bens jurdicos como funo do direito penal. 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Membro do Institutode Defensores de Direitos Humanos e Membro do IBCCrim.rea do Direito: Penal; AdministrativoResumo: O presente artigo pretende analisar os aspectos polticos, criminolgicos e normativos dadisseminao do Estado Policial e o consequente processo de criminalizao dos movimentossociais. Centraremos a abordagem na represso policial aos grandes protestos populares, iniciadosem reao ao abusivo aumento das tarifas de transportes em 2013, chamado no Rio de Janeiro deprimavera carioca. Desta forma, pretende-se abordar o tema da segurana pblica e suas tensescom os direitos fundamentais, expressas de modo emblemtico na represso arbitrria smanifestaes, pondo em anlise a constitucionalidade do Decreto estadual 44.302/2013 que propea restrio de liberdades individuais.Palavras-chave: Movimentos sociais - Estado Policial - Democracia - Criminalizao - Atividadepolicial.Abstract: This paper analyzes the political, criminological and legal aspects about the disseminationof the Police State as well the process of criminalization of social movements. The analysis will focuson police repression to the big protests started in reaction to the abuse increases in transport fares in2013, called in Rio de Janeiro as primavera carioca. Thus, we intend to address the issue of publicsafety and its tensions with human rights, expressed so emblematic on the arbitrary retaliation to theprotests, putting in question the constitutionality of the State Decree No. 44.302/2013 that proposesthe restriction of civil liberties.Keywords: Social Movements - Police State - Democracy - Criminalization - Police Activity.Sumrio:REFLEXES INICIAIS - 1.ESTADO POLICIAL E CRIMINALIZAO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS -2.A PRIMAVERA CARIOCA E O DECRETO ESTADUAL 44.302/2013 - 3.CONSIDERAES FINAIS- 4.REFERNCIAS BIBLIOGRFICASAsrevoltaspopularesdejunhode2013,iniciadasapartirdeprotestosdoMovimentoPasseLivrecontra os abusivos aumentos nas tarifas de transportes pblicos inauguraram um novo contexto nocenrio poltico brasileiro. A exemplo do ocorrido meses antes na Grcia, no Egito, na Turquia e emoutrospasesdoMundorabe, anormalidadeinstitucional foi abaladapelamaciapresenadamultido nas ruas. Em todas as grandes cidades do Brasil, milhares ocuparam as, sinalizando, comoum alarme, que a gota d'gua havia transbordado toda a apatia poltica a que se assistia nos ltimosanos.Invariavelmente, a resposta estatal aos legtimos levantes populares fazia recorrer ao uso do aparatopolicial como forma de conteno da besta feroz" e ao direito penal como estratgia de criminalizaras rebeldias em ebulio. Longe de dialogar ou atender as demandas da sociedade civil, o Estadoentoacomomantraarespostanica, qual seja, acriminalizaodosmovimentossociais. Detalmodo,tornaassustadoramenteatual aexpressocunhadaporFoucaultparailustraroEstadoemsua irresistvel nsia pela manuteno do status quo: o conceito de Estado Policial, EstadoGendarme.Nestaesteira, valeobservarqueomundocontemporneotemsecaracterizadoporumcrescenterecrudescimentonasmedidasdecontrolesocial institucionalizadoemmbitoglobal. AatmosferaResultados da PesquisaPgina 15criada aps o atentado em 11.09.2001, nos EUA, com a edio do U.S.A. Patriot Act - pacote de leisantiterrorismoqueimplicounarestriodedireitos civis -, sereproduz emdiversos pases. Asensao pblica de insegurana e medo d ensejo ao incremento e expanso de doutrinasconservadoras e repressivas quanto ao sistema penal.Nestecontexto, Hassemer bemdemonstraocarter repressivodosatuaismovimentosdelei eordem. Vai alm, analisa, especialmente, aexperinciados riscos edaerosonormativaquedeterminam nossa vida cotidiana, provocando uma sensao de paralisia. De tal sorte que, o Estado,antesumLeviat,passa,consoanteoautor,aserconcebidocomoocompanheirodearmasdoscidados, disposto a defend-los dos perigos e dos grandes problemas da poca".Assim, crescemas polticas criminais blicas, os aparatos policiais, as execues sumrias, aprofuso dos crceres, a tortura como meio de obteno de prova, o Estado de Polcia,especialmentediantedasvidasnuas. Emcontraponto, restringem-seosdireitoseasliberdadesindividuais.Diante da onda neoconservadora, o Estado Democrtico de Direito v-se ameaado pela expansodoEstadoPolicial, pois abuscadaseguranasobrepujaalutapelaliberdade, odiscursodaseguranapblicaocupaolugar dodiscursodedireitos humanos, privilegia-seaproteodepoucos,emcontraposioproteodacoletividade.Dissemina-seadespolitizaodapoltica,aexacerbaodoindividualismo, multiplicaodas desigualdades sociais edesprezopelooutro.Assiste-se passagem do Estado Providncia para o Estado Penal, atravs da criminalizao dasconsequnciasdamisria,segundoWacquant.1Verifica-seadisseminaodomedo,domedodocrime, do medo do outro.A sensao de medo enseja o discurso de combate s classes perigosas, de combate aos inimigospblicos. Na perspectiva do poder constitudo, os inimigos, os perigosos, so aqueles que de algummodo ameaama ordemsocial excludente que busca se legitimar. Sejamas classes sociaissubalternas- aquelesquesobraramdasociedadedeconsumocomodizBauman-, sejamosmovimentos de contestao desta ordem. Desta forma, implementa-se violentamente, comoreceiturio autoritrio, a criminalizao da pobreza e dos movimentos sociais. O discursocriminalizante utilizado para deslegitimar as reivindicaes populares. Vndalos e baderneiros soas expresses utilizados como forma de captura da poltica pelo sistema penal.NoRiodeJaneiro, arepressopolicial aosmanifestantesrecebeuacontribuiolegiferantedoPoder Executivo estadual. A conteno penal ganhou contornos de decreto de plenos poderes com aaprovao do Decreto estadual 44.302/2013, exarado pelo Governador Srgio Cabral. Dentre outrosaspectos,oreferidodecretoprevasuspensodegarantiasprocessuaispenaisdemanifestantessuspeitosdevandalismo, dandoensejopolmicasobreaconstitucionalidadedaadoodetalmedida no plano estadual.Entender criticamente os aspectos polticos, criminolgicos e normativos da disseminao do EstadoPolicial e suas estratgias de criminalizao dos movimentos sociais o objetivo central do presenteartigo. Para tanto, primeiramente ser abordado, luz da criminologia crtica, o processo derecrudescimento das polticas criminais em curso no Brasilnos ltimos anos, bem como ser feita,emumsegundomomento, aabordagemacercadasviolaessgarantiaspenaiseprocessuaispenais na represso policial s manifestaes populares, e a anlise jurdico-penal considerando ainconstitucionalidade do Decreto estadual 44.302/2013. Por fim, apresentadas as concluses parciaisdeste breve estudo.1. ESTADO POLICIAL E CRIMINALIZAO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS1.1 A ofensiva do Estado Policial como ameaa democracia e aos direitos fundamentaisFoucault emOnascimentodabiopolticacunhouoconceitodeEstadodePolcia, ouEstadoGendarme para caracterizar o exerccio do controle social quase total almejado pelo Estado. Assimdescreve:Para os governantes, o Estado de Polcia trata-se de considerar e encarregar-se no somente dasdiferentescondies, isto, dosdiferentestiposdeindivduoscomseuestatutoparticular, mas,sobretudo, encarregar-se da atividade dos indivduos at em seu mais tnue gro."2Resultados da PesquisaPgina 16Hodiernamente, constata-se, diantedavignciadoEstadoDemocrticodeDireito, comomodelopreconizadapelaCartaMagna(LGL\1988\3) de1988, aescaladadoEstadoPolicial, atravsdasuspenso de direitos e garantias fundamentais elementares ao regime democrtico.OEstado Policial se expande diante do esgotamento das respostas polticas da democracialiberal-capitalistagravecrisequeseerguedesdeaeraneoliberal, queconduzindoaopaulatinoesvaziamento do Estado de Bem-Estar Social e implementao de novas estratgias de gesto dapobreza. Logo, comoafirmouosocilogofrancsLoicWacquant, aeraneoliberal desmontouoEstado Social, substituindo-o por um Estado Penal.Neste cenrio, a sociedade exige um discurso penal ampliado, ou a prevalncia do direito penal deemergncia, que se expressa atravs do eficientismo penal (como proposta vinculada ao movimentode lei e ordem, ao modelo intitulado de Tolerncia Zero"). Nesse diapaso, fundamenta-se o Estadode Polcia, que traz uma plataforma politico-criminal que prope dentre outras medidas a reduo damaioridadepenal, aaplicaodapenacapital, aampliaodaspenasdeprisoparapequenastransgresses, oencarceramentoemmassadeindivduos integrantes declasses sociais maisbaixas e segmentos em situao de vulnerabilidade.Nessa seara, Nilo Batista afirma que o Estado Policial aquele regido pelas decises dogovernante.Pretende-secomcertosimplismoestabelecerumaseparaocortanteentreoEstadodePolciaeoEstadodeDireito: entreomodelodeEstadonoqual umgrupo, classesocial ousegmento dirigente, encarna o saber acerca do que bom ou possvel, e sua deciso lei, e outro,no qual o bom ou o possivel decidido pela maioria, respeitando os direitos das minorias, para o quetanto aquela quanto estas precisam submeter-se a regras que so mais permanentes do que merasdecises transitrias. Para o primeiro modelo, submisso lei sinnimo de obedincia ao governo;para o segundo, significa acatamento s regras anteriormente estabelecidas. O primeiro pressupeque a conscincia do bom pertence classe hegemnica e, por conseguinte, tende a uma Justiasubstancialista. O segundo pressupe que pertence a todo o ser humano por igual, e, portanto, tendea uma Justia procedimental. A tendncia subastancialista do primeiro o faz tender para um direitotranspersonalista (a servio de algo meta-huamano: divindade, casta, classe, Estado, mercado etc.);o procedimentalismo do segundo, para um direito personalista (para os humanos)".3Nessa perspectiva, quando, a pretexto de dirimir o crime, ignora-se o Ordenamento Jurdico,suprime-seoEstadoDemocrticodeDireito, eoqueseestabeleceoEstadoPolicial. Comosalienta o Min. Celso de Mello,4o Estado Policial a negao das liberdades, indiferentemente deposio social ou hierarquia. Trata-se de uma anttese do sistema democrtico".O sistema penal no pode atuar em nome do Estado Policial, visto que os direitos fundamentais almdabasetrpliceprocessual-constitucional dosdireitosdocidado: contraditrio, ampladefesaedevidoprocessolegal, devepermanecer respeitadapelacomunidadejurdica. Taisgarantias, noentanto, no so asseguradas nas mais diversas esferas de atuao do Estado, que se conectam aosistema penal, no que diz respeito aos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, em mbito tantofederal, quanto estadual.Por sistema penal, como preleciona Zaffaroni, entende-se o controle social punitivoinstitucionalizado",5queabarcavriasagnciasreguladoras, desdeaelaboraodocrime, passapela persecuo, julgamento, imposio da pena6e execuo penal. Pressupe a atividadenormativa, do legislador; de perseguio aos desviantes, da polcia, e de condenao e fixao dasano, dos juzes e administrao da pena, dos juzes e funcionrios da execuo penal.Em nossos dias, todas essas agncias do sistema penalso estimuladas pelo recrudescimento doEstado Policial, sobrepondo-se aos direitos e garantias fundantes do Estado Democrtico de Direito,configurando, detal maneira, flagranteameaasociedade. Nessediapasoanalisaremossuasmanifestaes emcada faceta do sistema penal nos trs Poderes da Repblica: na normaincriminadora atravs do Poder Legislativo; no Poder Executivo, atravs da atuao das polcias e dosistema penitencirio; e, por fim, nas decises judiciais atravs do Poder Judicirio.Movido pelo eficientismo penal, o Poder Judicirio naturaliza entendimentos que remetem doutrinado direito penaldo inimigo, preconizada por Jakobs,7suspendendo garantias penais e processuaispenaisdiantededeterminadascategoriassociais, aexemplodoruacusadodetrficoilcitodesubstncias entorpecentes.Resultados da PesquisaPgina 17Nestamatria, comumenteaatuaoPoderLegislativopreconizaaaprovaodenormaspenaisincriminadoras centradas, sobretudo, nacriaodenovos tipos penais, majoraodepenas erecrudescimento da execuo penal.No que se refere ao Poder Executivo, especialmente no que tange poltica criminal de seguranapblica, caracterstica comum das Polcias Civil e Militar a implementao de polticas militarizadaserepressivas, tendopor baseametforadaguerraaoinimigo.8Tal modeloblicoacarretaumelevadssimo grau de letalidade policial, acobertado pelo dispositivo denominado autos deresistncia.9Apenasnosltimos10anos, aspolciasdoEstadodoRiodeJaneiroperpetraramamortedemaisde10.000civiscomputadosemautosderesistncia.10Nmerosdeumpasemguerraprovocadospor umapolticacriminal comderramamentodesangue, parafazer usodaexpresso cunhada por Nilo Batista.11Por fim, cumpre apontar as mazelas do sistema penitencirio brasileiro. Convive-se comumarealidade de barbrie emque so rotineiras as prticas de tortura, condies degradantes,insalubridade, doenas, superlotao, ruptura de laos afetivos, familiares, sexuais. O Brasil possuihoje a 4. maior populao prisional do mundo em nmeros absolutos, com mais de 550.000 presos,sendoquemenos de10%estinseridoematividades educacionais emenos de20%realizaatividades laborativas. Mais de 70% corresponde a acusados dos crimes de trfico de entorpecentes,furto e roubo.12Como exposto, o Estado Democrtico de Direito encontra-se ameaado pela enunciao do EstadoPolicial, que se propaga por todas as esferas da vida humana. Nesta esteira, vale lembrarAlessandroBarattaemsuadefesaintransigentedosdireitoshumanos,referindo-seaoscrimesdeEstadoenquantoviolnciainstitucional. Assinalouqueaviolnciainstitucional ocorrequandooagenteumrgodoEstado: oGoverno, oexrcitoouapolcia.13Barattafrisaquealutapelacontenodaviolnciaestrutural amesmalutapelaafirmaodos direitos humanos.14Peloprincpiodasuperioridadetica, oEstadonopodeseigualaracriminosos. Nessesentido, devecaminhar o direito penal, com o intuito de preservar os direitos humanos, o que significa preservarum mnimo tico de cada indivduo, no primado do Estado Democrtico de Direito.1.2 A criminalizao da pobreza e dos movimentos sociaisNa linha de pensamento de Jacques Rancire, luz de um contexto de mundializao da economia,de ps-democracia",15a democracia concebida como espao de produo de consenso, a partirdapadronizaodenormas. Nestavertentedas sociedades decontrole", apolticapolcia,portanto, vigilnciaemmeioaberto, contnuaemodular. Oautor, emsuacrtica, afirmaqueaverdadeira poltica calcada no dissenso, compreendendo consenso sempre como algo provisrio eefeito de lutas constantes.OreceituriodoImprioindicaaequaomais polciaemenos poltica" diantedacrescenteautonomizaodosmercadoseadilaceraodasoberaniaestatal. Assiste-seento, aumduplomovimento: recuo na interveno estatal empolticas de cidadania aliado ao incremento dosmecanismos coercitivos para assegurar o monoplio do uso legtimo da violncia.Estatransfiguraodaatuaoestatal estudadapor LoicWacquant. Debruando-sesobreasreformasnaspolticassociaisimplementadasnosEUAnoltimoquartel dosculoXX, oautorapontaparaodeclniodoWelfareState(EstadodeBem-Estar Social) eaascensodoWarfareState (Estado Penal), preconizando o incremento do aparato repressivo do Estado.16Apartir domomentoemqueoEstadoretrocedenoquetangesuadimensoprestacional dedireitos sociais, se torna necessria a interveno do seu aparato repressivo em relao s condutasconsideradastransgressorasdalei eorigorosocontroledosgrupossociaisditosameaadoresdanova ordem. Este binmio conduz Wacquant a fazer uso da expresso Estado Centauro.17Wacquant afirma que o Estado, que se mostra incapaz de superar a crescente crise social, empenhaseus esforos em uma gesto penal da misria, na criminalizao das consequncias da pobreza. OEstadoPenal quesedelineiapreconizaorecursomacioesistemticoprisoqueunidocomapoltica repressiva s drogas foi responsvel por quadruplicar o nmero de presos entre os anos 70 e90 nos EUA, com a grande maioria da populao carcerria composta por negros de classes maisbaixas (WACQUANT, 2007, p. 207-211).Resultados da PesquisaPgina 18O perodo analisado por Wacquant marca a ascenso da doutrina chamada de tolerncia zero" nosEUA, experienciadanaPrefeituradeNovaIorque, sobagestodoPrefeitoRudolphGiuliani em1994. Adoutrinatolernciazero"denotaorigordoaparatorepressivodoEstadoatmesmoemfacedospequenosdesvios. SegundoafirmaDornelles(2008, p. 53), soestasastendnciasideolgicasneoliberaisnocampodocontrolesocial,emespecial nasprticaspenaisqueforjamomodelo do eficientismo do direito penal mximo", filosofia que passa a ser exportada.18Como exposto por Wacquant, nos EUA, a partir das reformas na rea da assistncia social,assiste-se transio do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) para o Estado Penal (WarfareState). No Brasil, como pas de capitalismo perifrico, no se pode falar sequer na vigncia histricado Estado de Bem-Estar. A tendncia de hipertrofia do aparato penal vem apenas reforar o controleviolentodascamadasexcludasdapopulaoexercidodesdeosculoXVI, desdeogenocdiocolonial. Implementa-se uma poltica de segurana pblica que busca construir no imaginrio social aideia de combate s classes perigosas, estabelecendo especialmente a figura do traficante enquantoinimigopblicoasercombatido,dandoensejopolticacriminal comderramamentodesangue",como afirma Nilo Batista.O prprio Wacquant (2001, p. 7) destaca a peculiaridade dos pases subdesenvolvidos:()apenalidadeneoliberal aindamaissedutoraemaisfunestaquandoaplicadaempasesaomesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condies e de oportunidades de vida edesprovidos de tradio democrtica e de instituies capazes de amortecer os choques causadospela mutao do trabalho e do indivduo no limiar do novo sculo."Com as polticas de ajuste estrutural implementadas na dcada de 90 d-se o vertiginoso aumentoda misria e da excluso socialestrutural. Como estratgia de conteno das classes excludas, oEstado Penal passa a preconizar a criminalizao das consequncias da misria.Taisprocessosderotulao,afeitosteoriadolabellingapproach,conduzemoestigmadehomosacer, viventenavidanua, aosmoradoresdefavelasecomunidadesperifricas, tidoscomoasnovas classes perigosas, os inimigos pblicos, os matveis. Wacquant (2007, p. 49) ao explicitar oquecompreendecomocriminalizaodapobreza, afirmarqueessascategoriasontolgicasnonecessitammaispraticar condutasdelitivasparaseremalvodojuspuniendi, maselasprpriastornam-se crimes.Domesmomodo, acriminalizaonoatingeapenasosdesvalidospertencesaosestratosmaispauperizados da sociedade, mas tambm, aos movimentos de contestao da ordem. Pari passu criminalizaodapobreza, oEstadoPolicial necessitadacriminalizaodosmovimentossociais,dando incrvel pertinncia afirmao de Wacquant: a manuteno da ordempblica e amanuteno da estrutura de classes se confundem".Destemodo, sejaatravsdaexpressoEstadoPolicial cunhadaporFoucault, sejaEstadoPenal,como nomeia Wacquant, Estado de exceo, como estuda Agamben, sociedade de controle, comoelaborouDeleuze, EstadodestiocomPauloArantes, bonapartismosoft, comoafirmaLosurdo,19fascismosocietal, comodizBoaventura,20autoritarismocool, comoafirmaZaffaroni,21militarizaoda vida social como anuncia Menegat,22todas so denominaes diversas para explicitar o mesmoprocessoderecrudescimentodocontrolesocial institucionalizadonocontextodas democraciascontemporneas.2. A PRIMAVERA CARIOCA E O DECRETO ESTADUAL 44.302/20132.1 A represso policial s revoltas populares: limites e possibilidades do uso da foraO ms de junho de 2013 marca a grande onda de manifestaes populares que eclodiu por todas asgrandes metrpoles doBrasil. Iniciados comabandeiradoMovimentoPasseLivre, contraosabusivosaumentosnastarifasdetransportespblicos,osprotestostomaramvultogigantesco.NoRio de Janeiro a onda de grandes manifestaes passou a ser chamada primavera carioca, visto queiniciadasaindanofinal de2012. JrepresentamamaiorondademobilizaespopularesapsacampanhadasDiretasJ.23Novasestratgiasdecomunicao,comoasredessociais,passamafazer parte da rotina dos atos e cumprem um papel fundamental para capilarizar as aes.OsprotestosrepresentaramaexplosoemcatarsedetodoacmulodeindignaodasociedadeResultados da PesquisaPgina 19brasileiradiantedoesgotamentodomodelodedemocraciarepresentativaliberal, emumquadrohistricodecorrupoendmica,precarizaodepolticaspblicasdesadeeeducao,relaopromiscua entre Estado e grandes corporaes do capital e imensa demanda represada porparticipao popular nas decises fundamentais do Estado.As manifestaes geraramemalguns episdios depredaodepatrimniopblico, bemcomoocupaes de prdios pblicos. Emalguns casos mais isolados h registros de saques nascercanias dos atos. No obstante, independente da existncia ou no de incidentes protagonizadospor manifestantes, a violenta represso policial caracterstica marcante em todo o pas.Acontenorepressivadas manifestaes temsidoimplementadaprioritariamentepelaPolciaMilitar, contandocomacolaboraodaPolciaCivil edaForaNacional deSegurana. Valedestacar a participao do Choque e do Bope, batalhes especiais, respectivamente da Polcia Civile Militar, fazendo uso de helicpteros, blindados e fuzis.Nesta perspectiva, implementa-se umverdadeiro processo de criminalizao dos movimentossociais. A resposta policial em regra tem sido absolutamente desproporcional e muitas vezes violentaegratuita, antesmesmodequalquer excessopor partedosmanifestantes. Prisesarbitrriasedesnecessrias, truculncia e uso abusivo de armas no letais do a tnica da atividade policial naconteno dos distrbios civis".A utilizao indiscriminada de armas no letais tem aberto um amplo debate sobre os limites ao usoda fora na atividade policial. H registros de mortes de manifestantes que inalaramgrandequantidadedegs lacrimognioegs depimenta.24Haindainmeros registros depessoasatingidaspor balasdeborrachanorostoeoutrasregiessensveis. Tambmfoi observadaautilizao de bombas de gs lacrimognio e gs de pimenta fora do prazo de validade, fato que podeacarretar srios danos sade da pessoa atingida pela substncia.Vale destacar que a ao policial nos protestos no possua o escopo de disperso dosmanifestantes, mas sim almejava encurralar os mesmos e for-los a serem atingidos pelos efeitosdogsdepimentaegslacrimognio.Deixa-noscrerqueoobjetivomaiorensejadopelasforaspolicias erainfligir sofrimentoaos manifestantes, demodoaservir aoobjetivopedaggicodeconvencer os manifestantes a no aderir aos prximos protestos.Os resultados poderiam ter sido ainda mais graves, diante do pedido do comandante da PMERJ paraa utilizao de armas letais nas manifestaes. Como se trata de circunstncia na qual frequente aexaltaodenimosdeambasaspartes, umpolicial municiadodearmaletal poderiafazer usoinadequado, evidentemente, resultando em uma catstrofe. O uso de armas letais na conteno dedistrbios civis" altamente inadequado e contraria recomendao da ONU.Se o uso excessivo da fora ocasionou casos pontuais de vtimas letais, no se pode dizer o mesmoda ao do aparato repressivo nas reas perifricas. A Polcia Militar do Rio de Janeiro conhecidapor sua altssima letalidade, empreendida, sobretudo nas favelas e demais periferias urbanas. Estehabitus letfero confirmou-se na represso a um dos protestos, este realizado nas proximidades daFavela da Mar. Aps receber denncia da prtica de furtos na manifestao, a PMERJ deslocou-separa o local, e como em ao vindicativa, a operao resultou em 10 mortes de civis.25 importanteobservarque, quandooargumentodecombateaumarrastofoi usadocontramanifestantesnaBarradaTijuca, nohouveaopoliciaisdoBope, nemassassinatos, demostrandoquehumtratamento diferenciado na favela e no asfalto".Tal fatdica operao altamente simblica, visto que evidencia de modo draconiano a seletividadedo Estado Penal, conferindo tratamento ainda mais belicoso aos setores sociais mais oprimidos. Ficapatente a cultura violenta e repressiva reinante na instituio policial, demonstrando aspermanncias do entulho autoritrio dos anos de chumbo.Maranho Costa prope uma distino entre o uso da fora legtima e a violncia policial. O pontomdio que separa o uso legtimo da fora e a violncia policial nem sempre de fcil preciso. Estetermmetrovariadeacordocompressupostostico-polticosdecadasociedade, noapresenta,portanto, um padro linear.O autor cita trs interpretaes dominantes acerca dos limites entre fora legtima e violncia:26umainterpretaojurdica(parmetroproibitivopresentenoordenamentojurdico), umainterpretaoResultados da PesquisaPgina 20sociolgica(embasadapelanoodelegitimidade.Aindaqueamparadopelalegalidade,ousodafora pela polcia pode ser considerado ilegtimo emcertas situaes, como para desbaratarmanifestaes populares) e uma interpretao profissional (atenta para a necessidade de asinstituies policiais estabelecerem padres de conduta a serem seguidos). Cada uma dessas trsinterpretaesirpreconizar perspectivasdistintasdecontroledaatividadepolicial, umavezqueconcebem a violncia policial de modo variado.2.2 O direito penal mximo: sistema acusatrio x sistema inquisitrioO modus operandi dos rgos de segurana pblica gerou grande comoo no seio da populao, edeu ensejo a manifestaes de instituies como a Ordem dos Advogados do Brasil. Em trecho denota pblica lanada no dia 17 de junho, a OAB: reitera que as manifestaes, realizadas de formapacfica, expressamomaisaltosentidodeliberdadedenossaConstituio, erepudia, depronto,qualquer iniciativa das autoridades em criminaliz-las".27NoRiodeJaneiro, especialmente, osatospblicosreceberamgrandeapoiodeadvogados, sejadisponibilizados pela Comisso de Direitos Humanos da OAB-RJ, integrantes de organizaes nogovernamentais, como o Instituto de Defensores de Direitos Humanos ou ainda advogadosvoluntrios reunidos em torno do grupo Habeas Corpus-RJ, criado para oferecer assistncia jurdicaem solidariedade aos manifestantes atingidos pelo arbtrio policial.28Aatuaodetaisadvogadoscentrava-senacontenodopoderpunitivoestatal, emdefesadasliberdadesdemocrticas,comoalivremanifestaodepensamento,consagradapelaConstituiodaRepblica(LGL\1988\3) emseuart. 5., XVI, daCF(LGL\1988\3). papel das autoridadespblicas assegurar o direito de reunio, harmonizando-o do melhor modo comoutros direitosindividuais como o direito de locomoo, o direito de propriedade e o direito integridade fsica. Asmanifestaespopularescolocamemcolisotaisgarantiasconstitucionais, demodoquecabeaoEstado e a seus agentes, nessas situaes limtrofes, harmonizar da maneira mais eficaz os direitosfundamentais, como corolrio indispensvel ao exerccio da democracia.Arepressopolicial nosprotestostemapresentadocapitulaesaltamentearbitrriasnointuitodetentar tipificar condutas dos manifestantes. Inmeras detenes arbitrrias foramperpetradas,desconsiderando por completo o art. 301 do CPP (LGL\1941\8), acerca da priso em flagrante, vistoque impossvel configurar o flagrante delito sem qualquer indcio de autoria ou prova damaterialidade do crime.Dentreovastorol,foramobservadasprisesporcrimesdedano,sejaaopatrimnioprivado(art.163doCP(LGL\1940\2)) oupblico(art. 163, pargrafonico, III, doCP(LGL\1940\2)) - semqualquer prova - formao de quadrilha (art. 288 do CP (LGL\1940\2)) - mesmo entre pessoas quesequer se conheciam, corrupo de menores (art. 244-B do ECA (LGL\1990\37)), tentativa de lesocorporal (art. 129 do CP (LGL\1940\2) c/c art. 14, II, do CP (LGL\1940\2)), desacato (art. 331 do CP(LGL\1940\2)), resistncia (art. 329 do CP(LGL\1940\2)), incitao ao crime (art. 286 do CP(LGL\1940\2)), apologia ao crime (art. 287 do CP (LGL\1940\2)), dentre outros.Oaltssimo grau de arbtrio na atuao da persecuo criminal rasga as garantias penais eprocessuaispenaisinarredveisaqualquer cidado, dandoensejomaterializaodosistemainquisitrio, em sobreposio ao sistema acusatrio preconizado pela Carta Poltica de 1988.29 aenunciaododireitopenal mximo,comosalientaFerrajoli,maisafeitoaoideriodaditaduradoque democracia.302.3 Da inconstitucionalidade do Decreto estadual 44.302/2013As grandes mobilizaes que tomaramo Brasil realizam-se emumperodo singular, no qualantecede os megaeventos que sero realizados no pas nos prximos anos como a Copa do Mundode2014easOlimpadasde2016. Frise-seaindaarealizaodaCopadasConfederaeseaJornada Mundial da Juventude, junto Visita do Papa, respectivamente em junho e julho do presenteano.O fato de sediar a Copa do Mundo acarretou ao Brasil a imposio de uma legislao excepcional,denominada LeiGeralda Copa (Lei12.663/2012). Aviltando a soberania nacional, a Fifa impe aopas a incorporao na ordemjurdica de ummarco legal que estabelece trs novos crimes(utilizaoindevidadesmbolosoficiais, marketingdeemboscadaporassociaoemarketingdeResultados da PesquisaPgina 21emboscada por intruso), todos relacionados proteo dos interesses econmicos da Fifa.Portanto, d-seensejoaumverdadeiroEstadodeExceoaserviodadefesadeinteressesprivados.31Juntorealizaodosmegaeventoscaminhaaindaoclamor pelaregulamentaodocrimedeterrorismo,32mencionadonaConstituioFederal (LGL\1988\3) noart. 5., XLIII, noentanto, notipificado no ordenamento jurdico-penal. A positivao do crime de terrorismo causa grandepreocupaotendoemvistaapossibilidadedeanormapenal incriminadoraservirimposiodeainda maior criminalizao aos movimentos sociais.33No Congresso Nacional h parlamentares defendendo acelerar tal pauta diante da repercusso dasgrandes manifestaes. Proposies genunas do populismo punitivo preconizando pelo direito penalde emergncia como soluo crise".34Segundo salienta Maierovitch:Um criminoso quando pe fogo em uma casa, o rapaz que deu um tiro na criana de cinco anos,isso tudo so mtodos terroristas, mas no significa que estamos diante de um fenmeno terrorista,queoqueprecisadelei. Essaviolnciatodanoparabuscadepoder, parafinspolticospartidrios, para derrubar o Estado. O Brasil no sabe distinguir. Nessas propostas de legislao queesto tramitando agora, tudo terrorismo, inclusive 'baderna'."Entretanto,nosoestasasnicaslegislaesdeexceo.Nodia22.07.2013,oGovernadordoEstado do Rio de Janeiro, Srgio Cabral Filho baixou o Decreto estadual 44.302.Dentre outras disposies, o Decreto constitui a Ceiv - Comisso Especial de Investigao de AtosdeVandalismoemManifestaesPblicas- criadaapsaondadeprotestosnasruasdoRio.Segundo o art. 2. do Decreto:Art. 2. CaberCeivtomar todasasprovidnciasnecessriasrealizaodainvestigaodaprtica de atos de vandalismo, podendo requisitar informaes, realizar diligncias e praticarquaisquer atos necessrios instruo de procedimentos criminais com a finalidade de punio deatos ilcitos praticados no mbito de manifestaes pblicas."Ademais, oreferidodispositivolegal deexceoexigequeasempresasdetelefoniaeInternetentregueminformaesdeusuriossuspeitosdeenvolvimentocomosprotestos. Diztrechododecretopublicado: AsempresasoperadorasdetelefoniaeprovedoresdeInternet teroprazomximo de 24 horas para atendimento dos pedidos de informaes da Ceiv".NoentendimentodaOAB,ocontedodoDecretocarecedeconstitucionalidade.35AConstituioFederal (LGL\1988\3) asseguraainviolabilidadedascomunicaesentrepessoas. Notenhoamenor dvida em afirmar que o decreto flagrantemente inconstitucional", salientou Marcus VinciusFurtado, PresidentedaOAB. ApenasaJustiadetmopoderdedeterminaraquebradosigilo",ressaltou.Diantedarepercussonegativa, oGovernador decidiubaixar novoDecreto, quevai revogar oanterior, fazendo principalmente duas alteraes.36Primeiro, ao tratar das competncias daComisso Especial de Investigao de Atos de Vandalismo em Manifestaes Pblicas, ressalta queobservar-se- a reserva de jurisdio exigida para os casos que envolvam quebra de sigilo". A outraalterao na meno especfica a teles e provedores. O primeiro decreto dizia que as empresasoperadoras de telefonia e provedores de Internet tero prazo mximo de 24 horas para atendimentodos pedidos de informaes da Ceiv". Onovo texto no faz mais citao expressa a prazodeterminado.Convmdestacar que invariavelmente, os discursos de manuteno da ordemque buscamdeslegitimar as grandes mobilizaes emcursobuscamatribuir aos manifestantes apechadevndalos e baderneiros. Ademais, sempre que h excessos no uso da fora policial, afirma-se quehouve confronto com os policiais.Oetiquetamentodosmanifestantesenquantovndalostrata-sedeestratgiacriminalizantequeremonta os preceitos da doutrina do direito penal do inimigo. A teoria esposada por Jakobs preconizaquediantedealgumascategoriassociais, comocriminososeconmicos, terroristas, delinquentesorganizados, autores de delitos sexuais e outras infraes penais perigosas seria possvel suspenderResultados da PesquisaPgina 22garantias penais e processuais penais dos rus. Em sntese, inimigo seria aquele que supostamentese afasta de modo permanente do direito e no oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel norma.37Na concepo o indivduo que no admite ingressar no Estado de Cidadania, no pode participar dosbenefcios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, no um sujeito processual, logo, nopode contar com direitos processuais. Contra ele no se justifica o devido processo legal, mas sim,um procedimento de guerra.Autilizaodetal entendimentocomofulcrodecriminalizaodosmovimentossociaisabreumaampla discusso doutrinria em interface com a Teoria do Estado e a filosofia do direito acerca dapertinncia da desobedincia civil e do direito de resistncia emface do autoritarismo, comohipteses supralegais de excluso da ilicitude.Neste sentido, entende Juarez Cirino:Autores de fatos qualificados como desobedincia civil so possuidores de dirigibilidade normativae, portanto, capazes de agir conforme o direito, mas a exculpao se baseia na existncia objetivade injusto mnimo, e na existncia de motivao poltica ou coletiva relevante, ou, alternativamente,na desnecessidade de punio, por que os autores no so criminosos - portanto, a pena no podeserretributivae,almdisso,asoluodosconflitossociaisnopodeserobtidapelasfunesdepreveno especial e geral atribudas pena criminal."38Doexposto, aotrilharastesesdodireitopenal doinimigo, ojuspuniendi emsuasanhapunitivaacolhe o discurso de guerra ao inimigo, deixando de agir enquanto um Estado sub lege, para imporum Estado contra lege.3. CONSIDERAES FINAIS luz da ordem constitucionalps-1988, a duras penas conquistada na luta contra o autoritarismo,todo o sistema penal, comdestaque para o direito penal, deve atuar a servio do EstadoDemocrtico de Direito. Atravs da limitao do prprio poder punitivo, na obstaculizao daviolnciainstitucional,visando,acimadetudo,adefesadadignidadehumana,epicentrodenossaordem jurdica.Nesse sentido, no podem ser consideradas compatveis com a democracia polticas criminais quecaracterizamo Estado Penal, o Estado de Polcia, como: mandados de busca e apreensogenricos, prisesprovisriasarbitrrias, proliferaodosautosderesistncia, usodosblindadoscaveires, emprego das Foras Armadas para fins de policiamento, execues sumrias,superlotao e precarizao dos presdios.De igual sorte, doutrinas jurdico-penais, como o direito penal do inimigo, direito penal deemergncia, tolernciazeroemovimentodelei eordem, queembasamarepressoarbitrriaacidados que exercem seu constitucional direito livre manifestao de pensamento, no condizemcom os preceitos basilares do Estado Democrtico de Direito.Como bem destaca Roxin, o direito penal deve servir apenas tutela de bens jurdicosimprescindveisvidacoletivaemharmonia. Demaneiraquenocabeaodireitopenal tutelarconvices morais, religiosas ou polticas.39Cumpre salientar, como afirma o eminente professor Nilo Batista, que seletividade, repressividade eestigmatizao so algumas caractersticas centrais dos sistemas penais".40Desse modo, pelo fatodo sistema penal trazer tantas mculas dignidade humana, o direito penal, enquanto elemento quecompe o sistema penal deve ser um instrumento do Estado Democrtico de Direito.Nas palavras de Ferrajoli, o direito penal s vlido enquanto instrumento de defesa e de garantiade todos: da maioria 'no desviada', mas tambm da minoria 'desviada', que, portanto, se configuracomo um direito penal mnimo, como tcnica de minimizao da violncia na sociedade".41Somente a partir de um direito penal inserido no paradigma do Estado Democrtico de Direito quese pode frear o Estado Policial. De modo que se coadune com os valores de respeito inexorveis aoser humano, quepriorizemadignidadehumana. Apenasumdireitopenal ancoradosobabaseResultados da PesquisaPgina 23principiolgica e constitucional pode conter as arbitrariedades do prprio poder punitivo e propiciar aconstruo de um modelo de sociedade mais tolerante e harmnica, apto a erigir ideais de justia eigualdade. necessrio estar atento s violaes ao ser humano, s afrontas cotidianas, sobretudo em temposhodiernos, quandoemnomedaordemedaseguranapblica, direitos fundamentais comoadignidadehumanatmsidocotidianamenteaambarcados.Nessesentido,ograndedesafiopostopara a democracia, a conteno da barbrie perpetrada pelos modelos opressores, que setraduzem nos Estados de Polcia.ComoensinaRadbruch: noprecisamosdeumdireitopenal melhor, masdealgomelhorqueodireitopenal". Nesteprisma, odireitopenal jamaispodeser concebidoparmetrolegitimador doEstadoPenal, acontrariosensudeveservir apenascomolimiteaopoder punitivoestatal, comoproteo pessoa humana diante do Estado Democrtico de Direito.4. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASAGAMBEN, G. 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