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ESTATUTO DA METRÓPOLE Contribuição ao debate Rosa Moura – IPARDES, Observatório das Metrópoles Olga Firkowski – UFPR Considerações gerais sobre o Projeto de Lei Nesta semana entra em votação na Câmara dos Deputados o Estatuto da Metrópole – Projeto de Lei n o 3640/2004, de autoria do Deputado Walter Feldman. Esse projeto visa instituir diretrizes para a Política Nacional de Planejamento Regional Urbano (PNPRU), criar o Sistema Nacional de Planejamento e Informações Regionais Urbanas (SNPIRU) e dar outras providências. O Projeto traz como justificativa a inexistência de um arcabouço institucional que ampare a “questão metropolitana”. Embora o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) tenha disposto preciosos instrumentos para o planejamento municipal, uso social da propriedade urbana e gestão democrática das cidades, a dimensão do desenvolvimento “regional-urbano” permaneceu ausente – mesmo tendo considerado as especificidades das Regiões Metropolitanas e Aglomerações Urbanas, enquanto categorias institucionais, em algumas de suas disposições. Há que se concordar, pois, com a argumentação do propositor do Estatuto da Metrópole, em sua justificativa: Assim, é urgente que uma complementação, voltada para a regulamentação do universo das unidades regionais, de características essencialmente urbanas, dote o País de uma normatização que, de forma dinâmica e continuada, uniformize, articule e organize a ação dos entes federativos naqueles territórios em que funções de interesse comum tenham de ser necessariamente compartilhadas. No âmbito da Constituição Federal, a dimensão regional-urbana foi tratada no Art. 25, § 3º, que se refere à instituição “mediante lei complementar, de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções de interesse comum”, delegando-a aos Estados. Sobre o planejamento de espaços regionais, o Art. 21, inciso IX, remete como competência exclusiva da União a elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; e o Art. 165 dispõe sobre o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais, estendendo-os às três instâncias de governo, com a ênfase, em seu § 4º, da consonância entre esses e os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição. O Estatuto da Metrópole foi pensado para agilizar a execução dessas ações de cunho urbano-regionais, previstas na Constituição Federal, sem necessidade de regulamentações complementares, assim como para: (i) viabilizar os meios de produção da Política Nacional de Planejamento Regional Urbano, elaborada e executada em conformidade com as disposições do Estatuto das Cidades, mediante a criação do Sistema Nacional de Planejamento e Informações

Estatuto-metropole Rosa Olga

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Estatuto da Metropóle- Rosa Algo

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  • ESTATUTO DA METRPOLE Contribuio ao debate

    Rosa Moura IPARDES,

    Observatrio das Metrpoles

    Olga Firkowski UFPR Consideraes gerais sobre o Projeto de Lei Nesta semana entra em votao na Cmara dos Deputados o Estatuto da Metrpole Projeto de Lei no 3640/2004, de autoria do Deputado Walter Feldman. Esse projeto visa instituir diretrizes para a Poltica Nacional de Planejamento Regional Urbano (PNPRU), criar o Sistema Nacional de Planejamento e Informaes Regionais Urbanas (SNPIRU) e dar outras providncias. O Projeto traz como justificativa a inexistncia de um arcabouo institucional que ampare a questo metropolitana. Embora o Estatuto da Cidade (Lei n 10.257/2001) tenha disposto preciosos instrumentos para o planejamento municipal, uso social da propriedade urbana e gesto democrtica das cidades, a dimenso do desenvolvimento regional-urbano permaneceu ausente mesmo tendo considerado as especificidades das Regies Metropolitanas e Aglomeraes Urbanas, enquanto categorias institucionais, em algumas de suas disposies. H que se concordar, pois, com a argumentao do propositor do Estatuto da Metrpole, em sua justificativa:

    Assim, urgente que uma complementao, voltada para a regulamentao do universo das unidades regionais, de caractersticas essencialmente urbanas, dote o Pas de uma normatizao que, de forma dinmica e continuada, uniformize, articule e organize a ao dos entes federativos naqueles territrios em que funes de interesse comum tenham de ser necessariamente compartilhadas.

    No mbito da Constituio Federal, a dimenso regional-urbana foi tratada no Art. 25, 3, que se refere instituio mediante lei complementar, de regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies, constitudas por agrupamentos de municpios limtrofes, para integrar a organizao, o planejamento e a execuo de funes de interesse comum, delegando-a aos Estados. Sobre o planejamento de espaos regionais, o Art. 21, inciso IX, remete como competncia exclusiva da Unio a elaborao e execuo de planos nacionais e regionais de ordenao do territrio e de desenvolvimento econmico e social; e o Art. 165 dispe sobre o plano plurianual, as diretrizes oramentrias e os oramentos anuais, estendendo-os s trs instncias de governo, com a nfase, em seu 4, da consonncia entre esses e os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituio. O Estatuto da Metrpole foi pensado para agilizar a execuo dessas aes de cunho urbano-regionais, previstas na Constituio Federal, sem necessidade de regulamentaes complementares, assim como para: (i) viabilizar os meios de produo da Poltica Nacional de Planejamento Regional Urbano, elaborada e executada em conformidade com as disposies do Estatuto das Cidades, mediante a criao do Sistema Nacional de Planejamento e Informaes

  • Regionais Urbanas; e (ii) incentivar o exerccio das atribuies estaduais e municipais nas unidades regionais urbanas, de forma homognea, possibilitando adequada avaliao de problemas e solues, com a conseqente determinao de prioridades e destinao de recursos financeiros. No formato apresentado, o Estatuto da Metrpole estabelece (i) a conceituao, identificao e atualizao das Unidades Regionais Urbanas Regies Metropolitanas (RM), Aglomeraes Urbanas (AU), Microrregies (MR) e Regies Integradas de Desenvolvimento Regional (RIDE) nas suas diferentes possibilidades de instituio ; (ii) os fundamentos, objetivos, diretrizes gerais, instrumentos e planos (natureza e contedo) da PNPRU; (iii) os fundamentos, objetivos gerais, composio e caracterizao dos componentes do SNPIRU; e (iv) disposies gerais e transitrias. O autor do Projeto destaca: (i) seu papel articulador e estimulador da Unio no desenvolvimento de uma regionalizao urbana homognea, democrtica, socialmente representativa, intergovernamental, integradora, estimulante e dirigida auto-sustentabilidade; (ii) a independncia da interveno da Unio dos sistemas de organizao e gesto das Unidades Regionais Urbanas e de adeso voluntria, cooperativa, ao SNPIRU; (iii) seu carter organizador na classificao das funes e papis desempenhados por essas Unidades na rede de cidades do Brasil, particularmente no referente complementaridade regional, periodicamente aferido, mediante instrumentos tcnicos adequados; (iv) o papel progressivo da PNPRU em implantar processo permanente de planejamento regional-urbano e estimular a articulao dos Planos Municipais, Regionais e Nacionais; (v) o papel da Unio na consolidao do crculo virtuoso iniciado pelo Estatuto da Cidade, a ser completado pelo Estatuto da Metrpole, na amarrao dos Planos Municipais, Regionais e Nacionais aos respectivos oramentos, Lei de Responsabilidade Fiscal e Lei da Improbidade Administrativa; e (vi) a vinculao da organizao operacional da Poltica e do Sistema proposto ao Ministrio das Cidades e ao Conselho das Cidades, sem esquecer a representao direta das Unidades Regionais Urbanas e da sociedade civil na luta permanente pela gesto democrtica, como apropriadamente recomenda o propositor do Projeto. Observaes sobre o Projeto de Lei inequvoca a pertinncia da preocupao do legislador em colocar na pauta institucional a dimenso urbano-regional, dado que se presencia uma grande dificuldade de compreenso conceitual e finalitria da criao das categorias propostas no Art. 25, 3, da Constituio Federal. A ausncia de critrios explcitos tem levado criao de unidades desconformes com o fato urbano-regional que as configura e distantes de representarem coerncia conceitual, dado que, apesar das trs categorias propostas nesse artigo, prolifera no Brasil um nmero crescente de unidades institucionalizadas como metropolitanas. Ao mesmo tempo, os dispositivos constitucionais voltados articulao e cooperao das instncias de governo para o planejamento e gesto de unidades supra-municipais no induziram aplicabilidade, e mesmo legislaes que focam especificamente esse tema, ainda esto longe de serem incorporadas no cotidiano dos formuladores de polticas e gestores urbano-regionais.

  • Dessa forma, dar centralidade dimenso urbano-regional de extrema importncia, particularmente considerando sua consolidao como espao de desenvolvimento de relaes sociais, econmicas e polticas da maior parcela da populao do Brasil. Cabe, portanto, instaurar e aprofundar o debate sobre o entendimento que o Projeto de Lei Estatuto da Metrpole tem quanto s unidades que se configuram com natureza urbano-regional, para que no se incorram em erros que, em vez de facilitarem o planejamento e gesto desses espaos, sejam incuos ou dificultem ainda mais esses processos. Pontuam-se, a seguir, alguns aspectos dbios, ou que se entende como equivocados: O Projeto introduz os fundamentos da PNPRU entendendo a dimenso regional-urbana entendida como aquela que diz respeito ao exerccio das funes pblicas de interesse comum e circunscrita ao territrio das unidades regionais-urbanas. uma compreenso restrita, j que a natureza urbano-regional no se restringe ao exerccio dessas funes, mas sustenta toda uma srie de relaes regionais, cujo universo abrangente e se estende sobre um espao que transcende os limites de sua configurao mais adensada. A dimenso regional-urbana uma nova dimenso da vida cotidiana e da sociedade contempornea e deve ser compreendida como tal, bem como devem ser considerados todos os desdobramentos resultantes de tal compreenso. Assim, reproduzir a finalidade constitucional do Art. 25, 3, no contemplar a natureza das unidades referentes a essa dimenso, o que leva recomendao de que o dispositivo desse pargrafo venha a prever algum tipo de articulao com outras polticas ou programas de alcance regional. Recomenda-se tambm dar maior clareza aos objetivos e s finalidades especficas da elaborao do conjunto de critrios tcnicos de referncia nacional (estruturais, funcionais, sociais, econmicos, hierrquicos, tipolgicos e espaciais) visando classificao e caracterizao de unidades regionais urbanas (Art.3, III); e aponta-se ambigidade no inciso VI desse artigo, quanto a dotar o Pas de instrumentos para a realizao do planejamento urbano municipal e regional. Em que escala? No captulo referente conceituao (III), alm das categorias constitucionais (RM, AU, MR) deveria haver abertura para outros tipos de morfologias que porventura sejam identificadas em territrio nacional e que tenham natureza urbano-regional (Art. 4). Nesse caso estariam inseridas espacialidades mais complexas e organizaes espaciais em redes de cidades em proximidade (configuraes difusas, estreitamente articuladas). Reitera-se e enfatiza-se a importncia de se prever a atualizao das unidades e sistemas, prevista no Art. 5. dbio, no entanto, a quem cabe a caracterizao inicial das unidades: sero extradas do estudo da rede urbana (IPEA, 2002) ou ser proposta, sustentada e operacionalizada sua atualizao imediata? Quanto aos critrios propostos no Art. 6, esto completamente superados por se pautarem exclusivamente em critrios demogrficos e de ocupao, como se apenas a ordem de grandeza fosse o diferenciador. exemplo a exigncia de urbanizao contnua em, no mnimo, 50% dos Municpios componentes da regio

  • (alnea d), quando todas as evidncias apontam para a menor importncia da continuidade fsica. A distino entre as categorias deve considerar a teoria disponvel, que mostra que so as funes e as atividades os elementos que diferem a natureza das categorias propostas (e inclusive aponta outras). H estudos no mbito do prprio governo federal (Ministrio das Cidades -Observatrio, 2005) que identificam as aglomeraes do territrio nacional conforme sua natureza, e fazem uma classificao. Sugere-se que sejam incorporados os resultados desses estudos ou que se remeta a uma atualizao imediata do estudo do IPEA. Entre os objetivos especficos da PNPRU, a disposio quanto cooperao entre entes e compatibilizao dos planos e programas (Art. 7, III) relevante, embora sua existncia em dispositivos da Constituio Federal no tenham garantido sua prtica. Nesse artigo (inciso IV), h um equvoco em assumir que o planejamento territorial e de planos diretores urbanos-regionais decorram apenas da articulao e compatibilizao dos planos diretores, e respectivos instrumentos, dos municpios integrantes da mesma unidade, como se aqueles fossem apenas uma soma de partes. A complexidade e a dimenso transescalar da dinmica das espacialidades de natureza urbano-regional exigem que se pense em um planejamento especfico a essas categorias, evidentemente articulado, e que respeite as distintas escalas que interagem nesses espaos local, regional, setorial, estadual, nacional, global , bem como que se apresentem mecanismos que permitam a superao dos limites dos poderes municipais em questo de tal relevncia. No Captulo V, das diretrizes gerais da PNPRU (Art. 9), h uma ambigidade: que aes de carter regional-urbano a Unio promover junto aos Estados, Distrito Federal e Municpios integrantes de unidades regionais-urbanas, e no mbito de que Ministrio? No inciso IV desse artigo, h referncia explcita a aes voltadas competitividade: correto um estmulo formal competitividade? No haveria o risco de se reeditar, porm formalmente, a lgica da guerra fiscal, recentemente vigente no mbito das unidades da federao? Por que no deixar explcita apenas a cooperao, muito mais condizente quando se pensa em desenvolvimento regional, que a competitividade que, comprovadamente acirra a seletividade e a excluso de lugares, atividades e pessoas. Quanto aos instrumentos da PNPRU fica claro que sero elaborados planos especficos (Art. 10), mas por quem? Isso apenas fica claro no Artigo 21, que remete Unio ampliar as competncias do Ministrio das Cidades, para que assuma a competncia de executor nacional das propostas. H que lembrar que no existe um poder executivo nessas unidades propostas, mas a conjuno de trs poderes executivos. Sobre a natureza desses planos, louvvel a disposio quanto publicizao das metas realizadas (Art. 15), porm, mantm-se as questes acima, particularmente a que se refere ao poder executivo, explcito no Art. 12, 2. Deveria se colocar mais clareza em que o Estado (instncia estadual) tem papel fundamental nessa etapa do processo. Em termos dos contedos dos planos, j que se referem a contedos mnimos, so aceitveis, mas ressalva-se

  • que os enumerados so restritivos (Art. 17). Sugere-se agregar que os contedos devem estar adequados s especificidades das unidades. H que cuidar tambm de no empregar termos dbios, como paisagens naturais notveis (inciso V). Nessa mesma seo surgem mais dois planos, no abordados anteriormente: o Plano Nacional de Ordenao do Territrio Regional Urbano e o Plano Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Regional Urbano (Art. 13). A respeito do Sistema Nacional de Planejamento (Art. 20), devem-se incluir, de alguma forma, em sua composio os Estados e Municpios, possivelmente por representao eleita. A Seo IV trata de instrumento de fundamental importncia, a captao e aplicao de recursos financeiros, mas deixa dvidas, se no uma perplexidade: em primeira leitura, parece que o Fundo proposto absorve todas as inverses pblicas programadas para essas unidades. isso que se prope? Caberia discutir melhor, clarificar e j se antecipa que no deveria ser colocado planejamento na denominao do fundo. No Art. 28, inciso II, h referncia a transferncias das unidades federadas integrantes de unidades regionais urbanas, destinadas manuteno das mesmas e execuo de planos, programas e projetos. Qual a natureza dessas transferncias? H amparo legal para determin-las? O inciso IV refere-se a emprstimos nacionais e internacionais: quem empresta? O Art. 31 trata de prioridades: que instncia estabelecer as prioridades e com que critrios? O Art. 32 dispe sobre a preferncia para o repasse de recursos federais aos Estados e Municpios integrantes de unidades regionais urbanas, que participarem da execuo da PNPRU e do SNPIRU, como forma de estimular a participao. J se impe, assim, alguma ordem de prioridade. Alm desses aspectos que exigem esclarecimentos, ficaram ausentes, e importante estabelecer desde j, mecanismos de controle social deste Fundo. Afinal, ele ser voltado para a parte mais densa do territrio nacional, o que pressupe tambm densidade de recursos e investimentos. O Ttulo III - Da Gesto Democrtica reinscreve disposies importantes presentes no Estatuto da Cidade, mas importante salientar novamente que, se os instrumentos e mecanismos de participao existentes para a gesto urbana j encontram dificuldades de aplicao com legitimidade, maiores sero as limitaes ao serem aplicados para o mbito urbano-regional. Estas observaes so iniciais a um processo necessrio de discusso, com vistas a ajustes e adequaes do Projeto s exigncias da realidade urbano-regional brasileira. Sem esses ajustes e adequaes, o texto apresentado pode assumir apenas as caractersticas de um Estatuto da Cidade ampliado, sem captar a natureza da dimenso urbano-regional. Pode, ainda, via a constituir-se num instrumento isolado, pois sem associar as unidades, planos e sistema propostos a polticas e planos de outros Ministrios (particularmente a Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional e a Poltica Nacional de Ordenamento Territorial,

  • formuladas pelo Ministrio da Integrao), esgotando sua atuao ao mbito do Ministrio das Cidades. REFERNCIAS IPEA. Configurao atual e tendncias da rede urbana do Brasil. Braslia, IPEA, 2002. (Srie Caracterizao e Tendncias da Rede Urbana do Brasil, 1). Convnio IPEA, IBGE, UNICAMP/IE/NESUR. OBSERVATRIO DAS METRPOLES. Anlise das regies metropolitanas do Brasil: relatrio da atividade 1: identificao dos espaos metropolitanos e construo de tipologias. Braslia, 2005. Convnio Ministrio das Cidades/Observatrio das Metrpoles/FASE/IPARDES. Disponvel em http://www.ippur.ufrj.br/observatorio/download/metropoles/