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Este é um livro extremamente necessário. O Calvinismo está · usar, livros que pretendia consultar, e assim por diante. Fiz uso desse ... em uma conversa anterior, acrescentei

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Este é um livro extremamente necessário. O Calvinismo está crescendo em nosso país, porém poucos sabem realmente o que ele representa e o conteúdo de seus famosos cinco pontos. Se por um lado cresce o número dos críticos, os quais provavelmente nunca leram uma única linha de Calvino, por outro, cresce o número de jovens calvinistas tomados de arrogância intolerante e que acabam por dar ocasião à fama, não merecida, de que calvinistas são in-transigentes e inflexíveis. Este livro serve de remédio para os dois grupos. Recomendo-o fortemente.

Dr. Augustus Nicodemus Lopes, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia. 

Meu anseio por ver um avivamento em nosso país sofreu uma mudança fundamental, pois entendi que sem fundamentos, qualquer “mover” iria se perder em uma religião popular e equivocada. Passei a entender que somente mediante a redescoberta das Doutrinas da Graça poderíamos ver uma verdadeira mudança na Igreja dos nossos dias. Fundamentos são necessários para que uma construção seja forte e tenha potencial para sobreviver aos ventos do tempo. Ter um embasamento sólido é fundamental para que não sejamos confundidos por interpretações equivocadas das nossas experiências com Deus, nem tampouco por novidades apresentadas por pessoas mal preparadas nas Escrituras. Precisamos de um avivamento, sem dúvida alguma. Mas precisamos também de uma reforma, o mover do Espírito, tanto no sentido mais atual do termo, quanto no sentido histórico de um retorno às máximas da fé. Louvo a Deus pela vida e exemplo de James Boice e Philip Ryken. Este livro é precioso e certamente ajudará muitos a entender que para que haja um mover de Deus em nosso país, temos que preparar o caminho, temos que nos alicerçar na sã doutrina.

Bp. Walter McAlister, Bispo Primaz da Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida

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Introdução

Introdução

Muitas vezes imaginei como o meu ministério mudaria se eu ouvisse do meu médico um prognóstico de que tinha uma doença terminal e me restavam apenas meses ou semanas de vida. Eu me aposentaria das atividades do ministério para cuidar exclusivamen-te das minhas próprias necessidades? Tentaria prosseguir com o ministério, movido por um senso de urgência renovado? Minhas mensagens seriam mais ousadas?

Não sei as respostas para essas perguntas. Mas sei o que Jim Boice fez quando esse cenário se tornou real para ele. Desde o dia em que soube que estava morrendo de câncer até o dia de sua morte, passaram-se meras seis semanas. Quarenta e dois dias. Nas duas últimas daquelas semanas, ele esteve acamado e extremamente fraco. Enquanto a enfermidade mortal minava as suas forças diaria-mente, o Dr. Boice encontrou um reservatório de energia em sua própria alma, uma força vivificada e sustentada pela graça de Deus para continuar a escrever hinos e também este volume que você tem em mãos. Ele não viveu tempo suficiente para ver esta obra concluída, mas foi encorajado pela certeza de que seu colega, Dr. Philip Ryken, a completaria para ele.

Posso dizer que estou bastante familiarizado com o estilo e o conteúdo de Jim Boice, mas mesmo assim não consegui detectar, numa primeira leitura, onde a escrita de Jim terminava e a de Phil começava. De uma coisa eu tinha certeza: Jim não escrevera o último capítulo. Todavia, em uma versão anterior do capítulo 2, ao falar acerca de Abraham Kuyper, foi feita referência às famosas Palestras Stone (Stone Lectures) proferidas por Kuyper na Universidade de Princeton, em 1898. Essa referência era seguida pelo comentário: “Voltaremos ao assunto dessas palestras em nosso capítulo final.” Ao ler esse comentário, comecei a imaginar a quem “voltaremos” e

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As doutrinas da Graça

“nosso” se referiria. Seria aquela expressão em plural um resultado da edição feita após a morte do Dr. Boice, indicando o projeto con-junto com o Dr. Ryken? Ou será que o Dr. Boice apenas empregou o recurso do “nós” editorial? Nesse caso, não era da vontade deDeus que Jim escrevesse o capítulo prometido.

Não é surpresa para mim o fato de que este trabalho final de Jim Boice, que escreveu literalmente dezenas de livros ao longo de seu ministério, concentre-se nas doutrinas da graça. Ele era um homem que não somente cria nas doutrinas da graça, mas também as amava e se sentia compelido ardentemente a propagá-las. Conheci Jim Boice por mais de trinta anos e nunca vi essa chama diminuir. Sua alma foi cativada pelas doutrinas da graça. Seu ministério foi uma doxologia contínua às doutrinas da graça, por elas manifestarem tão claramente o Deus dessa graça.

Neste livro, os Drs. Boice e Ryken não só apresentam uma ex-posição lúcida e convincente das doutrinas da graça, mas também proporcionam um arcabouço histórico para o seu desenvolvimento. O livro traça o impacto histórico dessas verdades bíblicas. Ele também revela a triste condição que aflige a Igreja quando essas doutrinas são negadas ou negligenciadas.

Em nossos dias, restam muitos que ainda confessam sua crença nas doutrinas da graça em particular e na teologia reformada em geral. De fato, penso haver hoje nos Estados Unidos mais instituições acadêmicas que abraçam a teologia reformada do que em qualquer momento da história dessa nação. Entretanto, são poucos os que têm zelo e paixão por propagar essa fé.

James Montgomery Boice não era simplesmente um adepto da teologia reformada ou um admirador dos reformadores ma-gistrais; ele mesmo era um reformador. Seu ministério na Décima Igreja Presbiteriana e na Conferência de Teologia Reformada da Filadélfia, seu ministério como escritor, seu zelo pelo centro urbano da Filadélfia, sua posição política como líder cristão na-cional — todas essas expressões de serviço fluíam de seu amor pela fé reformada.

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Introdução

Não surpreende que a última obra literária de James Boice fosse focada em seu primeiro amor: as doutrinas da graça. Esta obra não é simplesmente uma homenagem ao Dr. Boice e ao seu ministé-rio — ela é, em sua essência, um tributo à graça de Deus, a quem pertence toda a glória pela nossa redenção. Enquanto o Dr. Boice agora desfruta da felicidade de seu descanso eterno, somos deixados para trabalhar pela recuperação da fé reformada em nosso tempo.

R. C. SproulQuaresma, 2001Orlando, Flórida

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Prefácio

PrefácIo

James Boice gostava de terminar o que começava, razão pela qual não surpreende que em seus meses finais ele estivesse trabalhando para completar dois grandes projetos. Um deles era um livro de Hinos para uma Reforma Moderna. O outro era o presente volume — uma apre-sentação bíblica, teológica, histórica e prática das doutrinas da graça.

Quando se tornou evidente que o Dr. Boice seria incapaz de completar qualquer um desses projetos por conta própria, ele os confiou a colegas da equipe da Décima Igreja Presbiteriana da Fila-délfia. O Dr. Paul Jones escreveu a música para os hinos, portanto, era natural que ele preparasse também o hinário para a publicação. Então, durante a última reunião de equipe em nossa igreja antes de sua morte, em junho de 2000, o Dr. Boice me pediu para terminar de escrever As Doutrinas da Graça.

Felizmente, metade do trabalho já estava feito. Dr. Boice não só preparara um esboço completo do livro e determinara a tese para cada capítulo, mas também escrevera um rascunho completo dos cinco capítulos sobre os Cinco Pontos do Calvinismo. Esses capítulos compõem a seção central do livro (capítulos 3 a 7). Minhas únicas contribuições a essa parte foram algumas edições estilísticas breves e pequenos acréscimos que integram essa seção ao restante do livro.

Dr. Boice e eu só tivemos tempo para uma discussão breve acerca dos capítulos que ainda tinham de ser escritos. Contudo, fiquei muito feliz ao descobrir que, para cada um desses capítulos, ele deixara notas contendo ideias que desejava enfatizar, citações que esperava usar, livros que pretendia consultar, e assim por diante. Fiz uso desse material o máximo possível, incorporando-o ao fluxo geral do livro.

O Capítulo 1 é uma introdução às doutrinas da graça. As seções intituladas “As Doutrinas da Graça”, “Os Cinco Pontos do Arminianis-mo” e “Os Cinco Pontos do Calvinismo” foram adaptadas parcialmente

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a partir do material preparado pelo Dr. Boice para a classe de novos membros da Décima Igreja. Como indicado no próprio texto, “O Falso Evangelho de Hoje” é um resumo do argumento apresentado em seu livro O Evangelho da Graça,1 publicado em 2003.

A tese principal do capítulo 2 é a mesma que o Dr. Boice queria promover, ou seja, que o Calvinismo é bom para a Igreja e que o seu abandono costuma levar ao liberalismo. Além disso, os exemplos dados também são os que ele pretendia usar: João Calvino, Jonathan Edwards e Abraham Kuyper. Mantendo uma sugestão que fiz a ele em uma conversa anterior, acrescentei uma seção sobre os puritanos. A análise das tendências atuais da teologia evangélica feita ao final é inteiramente minha, embora acredite que ela esteja em completa consonância com os pontos de vista do Dr. Boice.

Em alguns aspectos, o capítulo 8 é o capítulo mais importante do livro. James Boice queria retratar o tipo de Cristianismo que, em minha opinião, ele representava de modo tão eficaz: um Calvinismo teologicamente rigoroso com base na Bíblia e, ao mesmo tempo, com visão prática e coração bondoso. Em conformidade com as notas que me foram deixadas, o esquema básico do capítulo vem do livreto As Implicações Práticas do Calvinismo, de Al Martin. Fiz o melhor que pude para transmitir o que o Dr. Boice desejava tão sinceramente trans-mitir: o calor e a vitalidade da verdadeira espiritualidade reformada.

As notas para o capítulo 9 eram menos extensas. O Dr. Boice planejava extrair algo do livro Calvinismo, escrito por Kuyper, mas coube a mim a tarefa de desenvolver as implicações da teologia reformada para a Igreja e a cultura. Contudo, o apelo final a uma resposta pessoal às doutrinas da graça vem do próprio Dr. Boice.

Os leitores descobrirão que este é um livro polêmico. Com isso quero dizer que ele defende uma posição teológica — o Calvinismo definido em oposição ao Arminianismo. É nossa convicção que o Movimento Evangélico necessita desesperadamente do melhor tipo de Calvinismo. Era intenção do Dr. Boice que este livro fosse uma defesa

1 O livro de James Montgomery Boice, Whatever Happened to the Gospel of Grace? foi publicado em língua portuguesa no

ano de 2003 pela editora Cultura Cristã, com o título O Evangelho da Graça. (N. do T.)

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Prefácio

vigorosa da teologia reformada e, ao mesmo tempo, mantivesse os mais elevados padrões de caridade cristã. Essa também foi a minha intenção. Os leitores terão de julgar por si mesmos o nosso sucesso em fazê-lo, o que me leva a enfatizar que, embora eu desejasse dar ao meu finado colega um reconhecimento pleno do seu papel ao escrever este livro, também aceito a responsabilidade total por seus defeitos.

Muitos amigos ajudaram a concluir este projeto. Randall Gros-sman, Michael Horton, Mark Noll, Richard Phillips, Jonathan Ro-ckey, Leland Ryken e R. C. Sproul revisaram o manuscrito e deram sugestões úteis para a sua melhoria. A assistente pessoal do Dr. Boice, Mary Beth McGreevy, fez correções de estilo; Patricia Russell ajudou a preparar os índices. Sou grato à assembleia da Décima Igreja Presbiteriana por me permitir um tempo de estudo suficiente para completar o livro durante o mês que antecedeu a minha posse como ministro sênior. Agradeço também a Greg e Maria Berzinsky por proporcionar-me um lugar para trabalhar sem distrações. Por fim, expresso aqui publicamente o que comuniquei a James Montgomery Boice em particular: gratidão a Deus pelo privilégio extraordinário de compartilhar com ele o ministério de pregação da Décima Igreja e de me unir a ele na defesa da ortodoxia bíblica.

Anteriormente, mencionei que o Dr. Boice escreveu Hinos para Uma Teologia Reformada. Estrofes desses cânticos que se relacionam ao tema dos capítulos aparecem no início de cada um deles. Os hinos completos foram publicados pela Décima Igreja Presbiteria-na; hinários e gravações podem ser encomendados à Alliance of Confessing Evangelicals [Aliança de Evangélicos Confessionais] em www.alliancenet.org.

Philip Graham RykenMemorial Day2 de 2001Filadélfia

2 Memorial Day é um feriado nacional norte-americano que acontece anualmente na última segunda-feira de maio.

Formalmente conhecido como Decoration Day, o feriado homenageia os militares norte-americanos que morreram

em combate. Fonte: Wikipédia. (N. do T.)

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Por que o evangelicalismo precisa do calvinismo

Por que o evAnGelIcAlIsmo PrecIsA do cAlvInIsmo

Quão maravilhoso, quão sábio, quão grande,

Quão infinito contemplar:

O plano salvífico de Jeová.

Ele me viu na minha perdição

Contudo, se propôs regenerar

Este infiel homem que caído está.

“O mundo deveria enxergar com mais clareza que, se o Cal-vinismo cai por terra, o Evangelicalismo também cai.”1 O grande teólogo de Princeton, Benjamin Breckinridge Warfield, escreveu essas palavras há um século. Na época, o Calvinismo ainda tinha grande influência sobre o Evangelicalismo e ajudava a definir a sua teologia, moldar a sua espiritualidade e esclarecer a sua missão. Isso já não é mais tão verdadeiro quanto antes. Cada vez mais o Calvi-nismo é definido em oposição ao Movimento Evangélico. E embora muitos calvinistas ainda se considerem evangélicos, a maioria dos evangélicos levanta suspeitas contra o Calvinismo.

Em uma primeira leitura, portanto, a alegação de Warfield parece excessiva e provavelmente falsa. É improvável que ela encontrasse aceitação generalizada na igreja contemporânea. O que o Calvinismo tem a ver com o Evangelicalismo? E por que a vitalidade da igreja evangélica dependeria, de algum modo, da teologia calvinista?

Embora possa parecer surpreendente, a alegação de Warfield é a tese deste livro: a ideia de que se o Calvinismo cai por terra, o Evangelicalismo também cai. Para colocar isso de uma maneira um pouco menos provocante, podemos dizer que o Evangelicalismo

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As doutrinas da Graça

precisa do Calvinismo. Para chegarmos à compreensão de por que isso ocorre, será útil remover os rótulos. Por “Evangelicalis-mo” Warfield entendia essencialmente o significado dado pelos luteranos alemães quando começaram a usar o termo durante a Reforma Protestante: uma igreja fundamentada no Evangelho — as boas-novas da salvação por meio da morte e ressurreição de Jesus Cristo. E quando Warfield falava em “Calvinismo”, ele se referia à Reforma Protestante, com sua insistência na justificação pela graça somente, por meio da fé somente, devido a Cristo so-mente. Para colocar de um modo mais simples, o Evangelicalismo defende o Evangelho, enquanto o Calvinismo defende a graça. O que Warfield estava realmente dizendo, portanto, é algo em que todo cristão pode e deve acreditar: o Evangelho é sustentado pela graça. Como Warfield reconheceu, o Evangelho não é realmente o Evangelho se não for um Evangelho da graça. Em outras palavras, o Evangelho só é boa notícia se anuncia o que Deus fez para salvar os pecadores. E se isso é verdade, então o Evangelho é sustentado pelas doutrinas da graça.

As doutrinas da GraçaA expressão “as doutrinas da graça” resume cinco ensinamentos bíblicos distintos que foram reunidos em resposta à teologia que se desenvolveu na Holanda no final do século dezesseis. Essa teologia foi associada ao nome de Jacó Armínio (1560-1609). Armínio e seus seguidores enfatizavam o arbítrio livre do ho-mem e, portanto, autodeterminante. Esse pensamento os levou, por um processo lógico, a negar a doutrina de João Calvino (1509-1564) da predestinação estrita e especialmente o ensino de que Jesus morreu somente pelos eleitos, aqueles a quem Deus escolhera. O Sínodo de Dort (1618-1619) foi convocado para responder aos desvios teológicos dos arminianos, a partir do qual teve origem a obra Os Cânones de Dort, que contém a clássica agregação das cinco doutrinas da graça conhecidas hoje como TULIP ou “Cinco Pontos do Calvinismo”.

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Por que o evangelicalismo precisa do calvinismo

TULIP1 é um acróstico em inglês, cujas letras representam as doutrinas mais discutidas: depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Essas não são as maneiras mais sábias ou mais precisas de falar sobre essas doutrinas. Todavia, elas são a forma mais comum, e o acrô-nimo é uma ferramenta conveniente para nos ajudar a recordá-las. Essas doutrinas são importantes porque removem do homem a confiança em qualquer bem espiritual que se poderia acreditar residir nele, depositando-a em vez disso somente na vontade e no poder de Deus.

Embora essas doutrinas constituam a expressão mais pura do Calvinismo, Calvino não as inventou; tampouco eram características exclusivas do seu pensamento durante o período da Reforma. Essas verdades estão presentes no livro de Salmos, no Antigo Testamen-to. Elas foram ensinadas por Jesus, até mesmo aos seus inimigos, conforme registrado em João 6 e 10, e em outras passagens. O apóstolo Paulo as confirmou em suas cartas aos Romanos, Efésios e outras. Santo Agostinho defendeu as mesmas verdades contra as negações de Pelágio. Martinho Lutero era, em muitos aspectos, um calvinista (assim como, em vários aspectos importantes, Calvino era luterano). Assim eram Ulrich Zwingli e William Tyndale. Por essa razão, talvez seja mais preciso descrever essa teologia como “reformada” em vez de “calvinista”. Os puritanos também eram teólogos reformados, e por meio de seus ensinamentos a Inglaterra e a Escócia vivenciaram alguns dos maiores e mais generalizados avivamentos nacionais que o mundo já viu. Entre esses puritanos estavam os herdeiros do reformador escocês John Knox: Thomas Cartwright, Richard Sibbes, John Owen, John Bunyan, Matthew Henry, Thomas Boston e muitos outros. Nos Estados Unidos, mi-lhares foram influenciados por Jonathan Edwards, Cotton Mather e George Whitefield, que eram calvinistas.

1 TULIP, acróstico em inglês para as doutrinas: Total depravity (depravação total); Unconditional election (eleição

incondicional); Limited Atonement (expiação limitada); Irresistible Grace (graça irresistível); Perseverance of the

Saints (perseverança dos santos). (N. do E.)

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As doutrinas da Graça

Mais recentemente, temos o movimento missionário moderno, cuja direção e ímpeto inicial tiveram origem na tradição reformada. A lista desses pioneiros inclui grandes missionários, como William Carey, John Ryland, Henry Martyn, Robert Moffat, David Livingstone, John G. Paton e John R. Mott. Para todos esses homens, as doutrinas da graça não eram meramente um apêndice ao pensamento cristão, mas sim as doutrinas centrais que alimentaram o seu fogo evange-lístico e deram forma à sua pregação do Evangelho.

Em resumo, as doutrinas conhecidas como Calvinismo não surgiram há pouco na história da Igreja, ao contrário, suas origens remontam ao ensinamento de Jesus, preservado ao longo das diversas fases vividas pela Igreja e sempre caracterizando-a em seus maiores períodos de fé e expansão. É por essa razão que podemos afirmar que a igreja evangélica viverá novamente dias grandiosos quando essas verdades forem proclamadas de modo amplo e destemido. Se isso é verdadeiro, então nada é mais necessário hoje do que a recuperação precisamente destas doutrinas: depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos (ou, como são identificadas neste livro: depravação radical, eleição incondicional, redenção particular, graça eficaz e graça perseverante). Essas doutrinas da graça tiveram destaque nas mentes e nos corações do povo de Deus em alguns dos melhores momentos da Igreja.

o evangelho falso dos dias atuaisInfelizmente, este não é o melhor momento da Igreja. Vivemos em uma era em que imperam a teologia fraca e uma conduta cristã descuidada. Nosso conhecimento é insuficiente, nossa adoração é irreverente e nossas vidas são imorais. Até mesmo a igreja evangélica sucumbiu ao espírito desta era. O Evangelho da Graça, livro que serve como prólogo ao presente volume, argumenta que o Movimento Evangélico perdeu a noção do Evangelho.2

Talvez a maneira mais simples de dizer isso é que o Evangeli-calismo se tornou mundano. Isso pode ser demonstrado comparan-

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Por que o evangelicalismo precisa do calvinismo

do-o ao liberalismo do passado. O que antes se dizia das igrejas liberais agora deve ser dito das igrejas evangélicas: elas buscam a sabedoria do mundo, acreditam na teologia do mundo, seguem a agenda do mundo e adotam os métodos do mundo. De acordo com os padrões da sabedoria mundana, a Bíblia é incapaz de satisfa-zer às exigências da vida nestes tempos pós-modernos. A Palavra de Deus é insuficiente por si só para ganhar pessoas para Cristo, promover o crescimento espiritual, proporcionar orientação prá-tica ou transformar a sociedade. Assim, as igrejas suplementam o simples ensino das Escrituras com entretenimento, terapia degrupo, ativismo político, sinais e maravilhas — qualquer coisa que prometa atrair consumidores religiosos. De acordo com a teologia do mundo, o pecado é apenas uma disfunção e a salvação significa ter uma melhor autoestima. Quando essa teologia invade a Igreja, substitui doutrinas duras, como a reparação da ira de Deus, mas que são essenciais, colocando em seu lugar técnicas práticas para o autodesenvolvimento. O interesse do mundo é a felicidade pessoal, por isso o Evangelho é apresentado como um plano para a realização individual, não como um caminho de discipulado árduo. Os métodos do mundo para alcançar esses objetivos egocêntricos são necessariamente pragmáticos, razão pela qual as igrejas evangélicas estão dispostas a tentar qualquer coisa que pareça funcionar. Esse mundanismo tem produzido o “novo pragmatismo” do Evangelicalismo.

Outra maneira de explicar o que está errado com a igreja evangélica é identificar as principais ideias do pensamento con-temporâneo e, então, analisar se elas penetraram na Igreja de algum modo. O Evangelho da Graça identifica seis grandes tendências culturais: secularismo, humanismo, relativismo, materialismo, pragmatismo e anti-intelectualismo ou “insensatez”. O secularismo é a visão de que o universo é tudo o que existe; Deus e a eternidade são excluídos.Nas palavras dos antigos filósofos pagãos, o humanismo é a crença de que “o homem é a medida de todas as coisas”, o que leva inevita-velmente à adoração de si mesmo. O relativismo ensina que, por não

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As doutrinas da Graça

haver Deus, não há absolutos: a verdade é relativa. O materialismo está relacionado intimamente ao secularismo: se nada existe além do “aqui e agora”, o sentido da vida só pode ser encontrado nos bens pessoais. O pragmatismo mede a verdade por sua utilidade prá-tica — o que é certo e verdadeiro é o que funciona. A insensatez é o total “emburrecimento” da cultura popular, o encolhimento damente, cuja aceleração teve uma grande participação da televisão. A maioria das pessoas tem dificuldade para se concentrar por longos períodos, especialmente quando se trata de discutir qualquer coisa de valor ou importância. Uma canção de um conhecido artista diz: “Não estou ciente de muitíssimas coisas.”

Essas são algumas das tendências que prevalecem na cultura oci-dental no alvorecer do novo milênio. Se a Igreja se tornou mundana, espera-se encontrar essas mesmas atitudes em igrejas evangélicas. E, claro, isso é exatamente o que acontece. Por mais surpreendente que isso possa parecer, o Movimento Evangélico se tornou cada vez mais secular. Em um esforço para fazer os recém-chegados se sentirem confortáveis , os pastores ensinam o mínimo possível de teologia. A adoração se tornou uma forma de entretenimento po-pular, em vez de um louvor transcendente. Novos prédios de igrejas são projetados para se parecerem mais com prédios de escritórios do que com casas de culto. Todas essas tendências contribuem para a secularização daquilo que um dia foi sagrado.

Ao mesmo tempo, as igrejas evangélicas tornaram-se muito mais humanistas. Isso é inevitável: quanto menos falamos sobre Deus, mais falamos de nós mesmos. O conteúdo dos sermões é determinado mais pelo público-alvo do que pelas Sagradas Escrituras. Isso leva rapidamente ao relativismo no pensamento e na conduta. As convicções morais já não são mais determinadas pelo argumen-to cuidadoso com base em verdades bíblicas absolutas — elas são escolhas inconscientes fundamentadas em sentimentos pessoais. A Igreja também é materialista. A postura evangélica em relação ao dinheiro é captada pelo título de um livro recentemente editado por Larry Eskridge e Mark Noll: More Money, More Ministry [Mais dinheiro,

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mais ministério].3 Quando a prosperidade financeira se torna uma prioridade importante, as igrejas se veem forçadas a descobrir o que funciona. Essa busca tanto deriva do pragmatismo mencionado anteriormente quanto é responsável por produzi-lo. A maioria dos pastores quer que suas igrejas sejam maiores e melhores, e mesmo que não sejam melhores, seria melhor se fossem maiores! Não sur-preende que os seus membros também queiram ser mais saudáveis e mais ricos. Por trás de todas essas atitudes mundanas se esconde uma insensatez onipresente, uma indisposição para pensar de forma mais séria acerca de qualquer coisa, mas especialmente a respeito da doutrina cristã. O Evangelicalismo se tornou uma religião de sentir, não de pensar.

Então, quando perguntamos “O que aconteceu ao Evangelho da graça?”, a resposta acaba sendo esta: muitas igrejas evangélicas trocaram a devoção a Deus pela devoção ao mundo. Isso acontece de maneiras incontáveis, mas a Declaração de Cambridge inclui um resumo útil: “À medida que a fé evangélica se secularizou, seus interesses se confundiram com os da cultura. O resultado é a perda dos valores absolutos, o individualismo permissivo e a substituição da santidade pela integridade, do arrependimento pela recuperação, da verdade pela intuição, da fé pelo sentimento, da providência pelo acaso e da esperança duradoura pela gratificação imediata. Cristo e sua Cruz deixaram de estar no centro de nossa visão.”4 O que aconteceu à graça do Evangelho? Ela desapareceu do estudo da Igreja quando o ministro decidiu dar ao seu povo o que ele queria em vez doque ele necessitava. Ela se perdeu na livraria cristã, em algum lugar entre a seção de autoajuda e o corredor cheio de mercadorias “de Jesus”. E se perdeu em nossas mentes e em nossos corações quan-do decidimos aceitar a teologia da realização humana propagada pelo mundo, reservando espaço para a nossa própria contribuição pessoal à salvação.

O Evangelho da graça foi substituído por uma mensagem par-cialmente bíblica, mas egocêntrica em última análise. Como tudo o mais na criação, a alma humana tem horror ao vácuo. Quando algo

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As doutrinas da Graça

essencial desaparece de nossa teologia e espiritualidade, outra coisa vem correndo substituí-lo. Quando o próprio Deus desaparece, o que o substitui é o eu. Para citar novamente a Declaração de Cambridge: “A confiança injustificável na capacidade humana é um produto da natureza humana caída. Essa confiança falsa enche o mundo evan-gélico hoje — desde o evangelho da autoestima até o evangelho da saúde e da riqueza, desde aqueles que transformaram o Evangelho em um produto a ser vendido e os pecadores em consumidores que querem comprar, até outros que tratam a fé cristã como sendo verdadeira simplesmente porque funciona.”

É possível observar essa confiança equivocada na capacidade humana através do testemunho cristão, no qual um Evangelho ego-cêntrico produz uma evangelização egoísta. Quando os evangélicos pensam em evangelização, em vez de pensarem em primeiro lugar na mensagem do Evangelho, tendem a pensar em uma resposta específica a essa mensagem. Isso talvez explique por que os teste-munhos de fé salvadora tendem a enfatizar a experiência pessoal, em vez de darem destaque à pessoa e obra de Jesus Cristo. Todavia, como J. I. Packer advertiu em seu livro Evangelização e a Soberania de Deus, há um perigo inerente ao se definir evangelização “em termos de um efeito obtido na vida de outras pessoas; isso equivale a dizer que a essência de evangelizar é produzir convertidos”.5 Tal abordagem transforma inevitavelmente o evangelismo em outra forma de pragma-tismo. Todavia, a essência da evangelização não reside em resultados, mas na própria mensagem — a boa notícia da salvação na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Isso não quer dizer que a mensagem do Evangelho não exige uma resposta. É claro que ela exige. Mas essa resposta não é a obra do evangelista; ela é a obra de Deus, e isso é entendido mais claramente quando a apresentação do Evangelho é fundamentada nas doutrinas da graça.

Por vezes, imagina-se que os Cinco Pontos do Calvinismo ten-dem a diminuir a sensibilidade e a paixão de alguém por compartilhar o Evangelho. Essa visão é equivocada, tanto em sua compreensão doCalvinismo quanto em sua compreensão do evangelismo. A verdade

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é exatamente o oposto: as doutrinas da graça estabelecem o funda-mento mais sólido e proporcionam a motivação mais duradoura para a proclamação mais eficaz do Evangelho. Como veremos, somente as convicções rigorosamente bíblicas sobre eleição divina, redenção particular e graça irresistível dão a confiança de que o Evangelho tem o poder de verdadeiramente realizar o propósito salvífico de Deus.

Um dos exemplos mais brilhantes de uma evangelização correta como fruto do Calvinismo foi o do pregador Charles Haddon Spur-geon, que viveu no século dezenove. Spurgeon foi um dos maiores evangelistas que a Inglaterra já viu, bem como um dos defensores mais ferrenhos das doutrinas da graça naquele país. Ele escreveu:

Tenho minha própria opinião particular de que não existe coisa igual

a pregar Cristo e Sua Crucificação, a menos que preguemos o que é

hoje denominado Calvinismo. Chamar de Calvinismo é simplesmente

usar um apelido, pois o Calvinismo é o Evangelho e nada mais. Não

acredito que possamos pregar o Evangelho... a não ser que pregue-

mos a soberania de Deus em sua dispensação de graça, a não ser que

exaltemos o amor eletivo, inalterável, eterno, imutável e conquistador

de Javé. Penso que tampouco possamos pregar o Evangelho, a menos

que o fundamentemos na redenção especial e particular do seu povo

eleito e escolhido que Cristo efetuou na cruz; nem posso compreender

o Evangelho que permite que santos caiam após serem chamados.6

Se Spurgeon estava certo, Warfield também estava certo: se o Calvi-nismo cai por terra, o Evangelicalismo também cai. Ou, para reafirmar a nossa tese, as doutrinas da graça preservam o Evangelho da graça.

Para ler a continuação desse capítulo, adquira o livro

“As doutrinas da Graça: resgatando o verdadeiro evangelho”,

da editora Anno domini.

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