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Anderson Fernandes e Débora Kaoru

NOCAUTE

2ª Edição

2016

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Agradecimentos

Agradecemos aos nossos amigos, familiares e todas as pessoas queapoiaram esse projeto. Sem o auxílio de vocês nada seria possível.

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Nota dos autores

QueiraBasta ser sincero e desejar profundoVocê será capaz de sacudir o mundo

Tente outra vez

Raul Seixas

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Capítulo 1 Thaís estava sozinha no seu barraco, na favela Corre Fogo, em São Paulo, quando

começaram as contrações. A sensação de aperto e as dores abdominais iniciaram comintervalos regulares e cada vez menores, porém se tornaram mais longas e mais intensas. Elanão tinha a quem pedir socorro. Seus pais, Almerinda e Nicolau, estavam no trabalho.

Seu parceiro, Jonas, estava na boca de fumo. Ele era um dos gerentes do tráfico na favela.Thaís foi se arrastando até a vizinha, Leila, mas não tinha ninguém em casa. A menina, deapenas 15 anos, viu surgir uma pequena mancha de sangue na sua calça. Minutos depois estavatotalmente molhada pelo rompimento da bolsa.

Frente ao portão de Leila, Thaís ajoelhou, deitou na calçada e desmaiou. A jovem sóacordou e recuperou os sentidos quando já estava na maca da maternidade Nossa Senhora deLourdes. Um morador da favela, que viu a menina caída, a socorreu até o hospital e depoissumiu da unidade de saúde.

O prontuário de Thaís identificava que no dia 5 de outubro de 1984, por volta das novehoras, ela deu entrada no Pronto Atendimento da Mulher, com aproximadamente quarentasemanas de gestação e foi largada na porta da unidade de saúde com sintomas de dor no baixoventre, característica para evolução de parto espontâneo cefálico.

Às nove horas e vinte minutos foi feita a ficha de atendimento ambulatorial e a pacientefoi encaminhada à sala do médico ginecologista de plantão, quando em poucos minutosaconteceu o atendimento com exame físico e anamnese e foi solicitada pelo médico ainternação.

Iniciou-se a partir deste momento o trabalho de parto com evolução normal, segundo oregistro de partograma. Às dez horas a paciente foi encaminhada ao Centro Obstétrico e às dezhoras e trinta minutos nasceu recém-nascido vivo, de sexo masculino, de parto normal,pesando dois quilos e quinhentos e cinquenta gramas, medindo quarenta e seis centímetros, eque receberia o nome de Antônio.

Logo após o parto, o neonatologista prestou os cuidados necessários, avaliou o bebê e odeixou junto à mãe. Thaís e Antônio foram encaminhados à sala de recuperação pós-anestésico, sala ao lado do Centro Obstétrico. No local, as técnicas de enfermagem detectaramque algo tinha dado errado. A paciente apresentava um sangramento atípico, abundante e semcoagulação. Imediatamente foi instalada soroterapia e solicitada a avaliação médica de

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urgência.Antônio foi levado ao berçário, enquanto a equipe médica avaliava a situação de Thaís.

Drogas foram prescritas para ajudar na involução uterina, mas o sangramento não cessava. Osmédicos, na tentativa de salvar a vida da jovem mãe, optam pela retirada do útero.

Thaís é anestesiada e às treze horas e trinta minutos é iniciada a cirurgia, concluída comsucesso três horas depois. A equipe médica solicita vaga na Unidade de Tratamento Intensivo eapós a liberação da anestesista a paciente é encaminhada à UTI.

Porém, Thaís sofre uma parada cardiorrespiratória. Os médicos realizam manobras, semsucesso. Às dezessete horas e dez minutos é constatado o óbito pela equipe médica. Almerindae Nicolau já estão no hospital. Leila, após saber do ocorrido, por meio de populares, avisou ospais da adolescente. Eles não aceitavam a gravidez e esperavam aflitos por notícias. Ocomunicado da equipe médica foi direto.

- Lamentamos o falecimento da Thaís e reiteramos que foram feitos todos osprocedimentos necessários e possíveis para reverter o quadro da paciente – explicou doutorFelipe aos pais da jovem, enquanto Almerinda se jogava ao chão em uma crise de choro eNicolau prometia matar o pai do recém-nascido.

Quando Antônio recebeu alta, sua mãe Thaís já havia sido sepultada. O próprio Nicolaufoi buscá-lo na maternidade. De um lado ele carregava o bebê e do outro um revólver calibre38, com seis balas, cano 76 milímetros, oxidado. A arma ele utilizava no trabalho, comosegurança, porém, naquela manhã de 8 de outubro, seria usada em outro “serviço”.

Almerinda já não estava mais na favela do Corre Fogo. Esperava o marido no TerminalRodoviário. Os dois seguiriam rumo a Recife (Pernambuco). Nicolau, antes da viagem,deixaria Antônio com o tio por parte de pai, Claudemir.

- O menino é responsabilidade de vocês. Não quero nada com essa peste que matouminha filha – acusou o homem, com os olhos cheios de ódio.

- Não tenho responsabilidade alguma nesta história – tenta explicar Claudemir.- Você vai ter que cuidar do menino porque o pai dele não terá condições – afirma

Nicolau.Desconfiando da postura do segurança e percebendo que Nicolau estava armado,

Claudemir pega Antônio no colo e manda o homem ir embora para evitar confusão. “Deixaesse louco sumir daqui e depois vejo o que faço com esse menino”.

Nicolau saiu apressado da casa de Claudemir. A construção precária, assim como muitasoutras da favela Corre Fogo, ficava próxima a um córrego. Todo ano o local enchia de água.

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Era só começar a temporada de chuvas que o imóvel precisava ser desocupado.A casa de Nicolau já ficava na parte superior da favela Corre Fogo, próximo ao beco da

Mandioca e uma boca de fumo, que vivia cheia de viciados, a maioria gente com dinheiro, queaproveitava o “espaço privativo” para comprar todo tipo de drogas possíveis. Jonas era quemcomandava o ponto. Às vezes dormia no próprio local e o pai de Thaís sabia disto.

Porém, Nicolau também sabia que não conseguiria acertar as contas com seu genro naboca de fumo. O local ficava cheio de bandidos armados que faziam a segurança pessoal deJonas. Mas não eram todos que estavam felizes com o comandante da boca.

Mutante, o segundo na escala de comando na boca de fumo, vivia em conflitos comJonas e sabia que para assumir a chefia, precisaria se livrar do oponente. A visita de Nicolauno seu barraco, na noite do dia 7 de outubro, ajudaria neste sentido.

Os dois combinaram uma emboscada para Jonas. Mutante iria levar o dono da boca até obeco da Mandioca e Nicolau “despacharia” ele para o inferno. Por volta das dez horas, o pai deThaís ficou esperando atrás da barreira colocada pelos bandidos para dificultar o acesso depoliciais, quando Jonas e o número dois da boca desciam devagar.

Quando Jonas estava atravessando o beco, Nicolau saiu de trás da barreira com a armaem punho, efetuando quatro disparos. Os tiros foram certeiros: três na cabeça e um no peito. Odono da boca nem teve tempo de reagir. O pai de Thaís estava vingado e Mutante assumiu ocomando do tráfico na favela Corre Fogo.

Já Antônio, não tinha mãe e acabara de perder o pai. Os avós não queriam saber domenino, e seguiram fugidos para Recife. Só restava Claudemir e este daria a vida pelo recém-nascido. No entanto, a história dos dois também não duraria muito tempo.

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Capítulo 2 Jailson tinha 27 anos quando se casou com Katiline, de apenas 17 anos. Desde a infância

alimentava o desejo de ser padre, mas mudou de ideia após o novo relacionamento.Até os 17 anos, Jailson morou na favela da Vila Esperança, em São Paulo. Ele vivia com

os pais e mais oito irmãos mais velhos, todos de Pernambuco, que tinham chegado aomunícipio em busca de melhores oportunidades. Porém, o que encontraram na nova cidade foimuita pobreza. “Nunca tivemos muitas condições financeiras e vivíamos em meio ao lixo e aoesgoto”, costumava contar sempre que tinha a oportunidade.

Com a maioridade, Jailson começou a procurar o caminho vocacional. Na sede dosFranciscanos, na cidade de Santo André (São Paulo), começou a formação para ser padre.Quando a atividade com os Franciscanos completou sete anos, conheceu uma associação querealizava um trabalho com moradores de rua.

- Encontrei o que sempre procurei para minha vida, que é fazer uma ação de resgate dadignidade de pessoas que foram esquecidas pelo restante da população -, contou o rapaz a umdos padres também envolvido no trabalho de rua.

Jailson conheceu Katiline durante a atividade na associação. A menina tinha uma históriatriste e isso chamou sua atenção. Katiline foi abandonada pela mãe logo quando nasceu e foicriada por uma tia até os 3 anos. Quando estava para completar 4 anos, foi levada para casa dopai, onde teve que aprender a dividir espaço com mais cinco irmãos, filhos do primeirocasamento do progenitor.

Os irmãos de Katiline não a aceitavam. Como o pai ficava fora de casa o dia inteiro,dando duro no trabalho, ela sofria nas mãos deles. Eram surras constantes e algumas vezes, oirmão mais velho abusava sexualmente da menina. As 16 anos, ela fugiu de casa e conseguiuabrigo na associação de moradores de rua.

Começou como acolhida, mas depois de um tempo passou a ajudar nos afazeres daentidade, quando conheceu Jailson. Foi amor à primeira vista, arrebatador. Em pouco tempo derelacionamento o futuro padre largou os Franciscanos, arrumou um barraco na favela CorreFogo e se mudou com Katiline para lá. Neste processo, até o trabalho na associação os doisesqueceram.

Depois de um ano na favela Corre Fogo, Katiline deu à luz a Jonas. Onze meses depoisnasceu Claudemir. Nesta época Jailson trabalhava como vigilante em um banco. Quando os

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meninos completaram 10 anos, o pai tinha acabado de ser aprovado no processo seletivo daPolícia Militar (PM) como soldado.

O homem, para ajudar no orçamento familiar, trabalhava direto. Um dia na PM e o outrofazendo bico. Na atividade extra, uma certa manhã, foi evitar o furto de um carro na feira.Jailson estava fazendo a segurança do local, quando percebeu uma ação suspeita de umbandido.

- Mão na cabeça vagabundo. Perdeu! Aqui você não vai bagunçar – gritou Jailson, com aarma apontada para o meliante. O que ele não sabia era que o suspeito estava acompanhado. Ocomparsa do bandido estava escondido, vigiando enquanto o “amigo de crime” executava ofurto.

Ao ver o parceiro encurralado por Jailson, atirou duas vezes no policial militar, queacabou morrendo antes do socorro chegar. O assassinato cruel de Jailson mudou a vida da suafamília. Para Katiline restou apenas a pensão do marido e ela e os filhos começaram a passarnecessidades.

Claudemir ajudava como podia, fazendo todo tipo de serviço. Distribuía panfletos, vendiabalas em farol, engraxava sapatos, tudo para conseguir uns míseros trocados.

Já Jonas desviaria do caminho. O menino se aproximou dos bandidos da favela. Primeirofoi olheiro. Depois passou a conduzir armas para os traficantes. Com um pouco mais de tempojá entregava drogas. Quando os meninos completaram 18 anos, Katiline faleceu vítima de uminfarto fulminante.

Na época, Claudemir seguia os caminhos do pai. Ele foi aprovado nos testes para integrara Polícia Militar. Já Jonas, era homem de confiança dos traficantes da favela Corre Fogo, seenvolvendo com pessoas perigosas, arriscando sua vida.

E a relação de paz entre os irmãos acabou assim que Claudemir vestiu a farda da PM. Umnão aceitava a opção do outro. Porém, Jonas não incomodou o irmão mais novo por muitotempo. Ao assumir uma das bocas de fumo da favela Corre Fogo, passou a se preocupar comoutros problemas, e um deles era Thaís.

A menina tinha engravidado após um rápido relacionamento e ele não aceitava de jeitonenhum a história de ser pai. Os pais da moça também não gostavam da ideia da gravidez e aadolescente teve de enfrentar a barra sozinha.

Após todo o sofrimento enfrentado com a gravidez, Thaís não teve nem tempo deconhecer o filho Antônio quando ele nasceu. Ela morreu no hospital e Jonas também não viu ofilho, foi assassinado antes.

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***

Claudemir conhecia a história da mãe nos mínimos detalhes. Sabia como ela tinha sofridopor falta de um amparo familiar quando criança. Após o sepultamento do irmão Jonas, mesmosem a mínima condição de criar um recém-nascido, estava decidido que não abandonariaAntônio. Porém, ele passava toda a semana fora de casa.

Estava em meio ao curso para se tornar Soldado de segunda classe. Conseguiu, próximo àEscola de Soldados, uma mulher que cuidava de crianças, enquanto os pais trabalhavam.Dinda, como era conhecida, ficava com mais de dez “guris” e cobrava poucos cruzados pelaatividade.

Claudemir deixava Antônio às seis horas na casa de Dinda e pegava o menino àsdezesseis horas. Depois seguia para residência alugada em conjunto com amigos, que tambémcursavam à Escola de Soldados. Dois finais de semana por mês tio e sobrinho passavam nafavela Corre Fogo.

Quando o menino completou 2 anos, Claudemir já era soldado de primeira classe. Com avida um pouco mais ajeitada, o PM conseguiu uma casa melhor na favela. O objetivo dele erasair do local, mas ainda estava guardando dinheiro. O tio de Antônio, ao contrário de muitos deseus amigos de farda, evitava fazer bicos. “Não quero correr o risco de ter o mesmo destino domeu pai”, comentava.

No fundo, sabia que Antônio só contava com ele no mundo. Não queria de forma algumadeixar o menino à mercê da sociedade.

- Acho que é difícil para algumas pessoas entenderem que outras não tiveram as mesmasoportunidades que elas. Temos casos de crianças que já nascem na rua. Como alguém queinicia uma vida na rua vai conseguir sozinha mudar sua realidade? – questionou Claudemir aoamigo Sergio, durante uma conversa de bar.

- Realmente irmão, vivemos uma época em que a sociedade enxerga nossos pobres comoescória, como lixo. Em vez da busca pela solidariedade, ela prefere o afastamento – disseSergio.

Claudemir, pelas circunstâncias da vida, foi forçado a trabalhar desde menino. Terminouo Ensino Médio com muito esforço, na raça. Mas queria oferecer para Antônio outraspossibilidades. Adorava contar para os vizinhos que o menino seria médico quando crescesse.“Esse vai orgulhar muito ainda a favela Corre Fogo. Vou provar para vocês que favela gerabons frutos. Não é só bandido que sai daqui”.

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O tio de Antônio puxou dos pais a revolta contra o sistema. Acreditava que existia umaestrutura estabelecida pela sociedade em que as pessoas em melhores condições financeirasnão enxergavam outras que necessitavam de ajuda. Desta maneira, o ciclo de pobreza nuncapoderia ser quebrado. Quem nascesse pobre, morreria pobre. Quem nascesse em berço de ouro,bem aventurado seria por toda a vida. “Parece que as pessoas estão de olhos vendados para osproblemas sociais. Muitas vezes o momento de cegueira é tão intenso que elas passam porcima desses problemas e nem percebem”.

Mas Claudemir, a sua maneira, queria ser diferente. Sempre que podia ajudava os maisnecessitados. Às vezes com dinheiro. Na maioria dos casos, com simples gestos de carinho.Certa noite, em uma ronda pela região central de São Paulo, flagrou um grupo de jovenstentando espancar um morador de rua.

Claudemir e seu parceiro de viatura, Sergio, deram um corretivo nos “moleques” elevaram o morador de rua para tomar um café, após o homem tomar um grande susto por quaseser agredido.

- Como é triste saber que para algumas pessoas valores são tão fúteis – comentou Sergioapós o episódio revoltante.

- Verdade. Mas o que vale a pena mesmo é saber que simples gestos de atenção trazem àluz pessoas que muitas vezes estão acostumadas a viver em plena escuridão – disse Claudemir,ao lembrar-se da felicidade do morador de rua logo após o café.

***Antônio já estava com 5 anos. Claudemir passou em um concurso interno na PM e

futuramente seria promovido a cabo. Ele queria comemorar a ótima notícia e chamou Sergiopara curtir a noite. Antes de sair, deixou o menino na casa de um conhecido na favela CorreFogo e seguiu para balada.

Os dois beberam a noite toda. Claudemir não se continha de tanta felicidade. Iria ganharmais, ter mais responsabilidades, porém, ele finalmente teria condições financeiras de sair dafavela Corre Fogo para uma residência melhor em outro bairro de São Paulo.

Os dois policiais militares estavam em uma casa de shows na cidade de Santo André, acinquenta minutos de São Paulo de carro. Mas, a rodovia de acesso até a balada era perigosa echeia de armadilhas.

Sergio e Claudemir saíram da casa de shows “trançando as pernas”. O tio de Antônioassumiu a direção do Fusca, comprado há poucos dias pelo amigo de farda. Porém, eles nãoforam muito longe.

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Na primeira curva da rodovia Claudemir perdeu o controle da direção e o carro capotouno quilômetro cento e um da pista sentido São Paulo. A informação da Polícia Rodoviária foique os dois ocupantes do veículo não usavam cinto de segurança. “Coronel, existe a suspeitade que os dois soldados estavam embriagados no momento do acidente. O condutor do veículofoi jogado para fora do carro e morreu na hora”, descreveu o agente Alfredo ao seu superior aorelatar o que havia acontecido naquela madrugada.

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Capítulo 3 Antônio não conheceu a mãe Thaís e o pai Jonas. Dos avós, Almerinda e Nicolau,

recebeu apenas o sobrenome Silva. Isso porque o avô materno registrou o menino antes deretirá-lo da maternidade. Depois disto, deixou o recém-nascido com Claudemir e “sumiu nomundo”.

O tio era sua única referência de família e com o falecimento do policial militar, Antônioagora era responsabilidade do Estado. Com apenas 5 anos foi encaminhado para uma Casa dePassagem. Ficou poucos dias no local e foi levado para um abrigo.

Antônio teve sorte de conseguir um lugar para se desenvolver com todos os direitosprevistos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A realidade era mais cruel.Normalmente as crianças ficavam meses na Casa de Passagem por falta de vagas em abrigos.

E foi no abrigo que Antônio recebeu o apelido que carregou para o resto da vida. Aos 10anos, após uma briga com um menino mais velho, bateu tanto no moleque, que os agenteseducacionais da instituição passaram a chamá-lo de Pitbull.

Brigas eram constantes no local e quem sabia se defender tinha a vida um pouco maisagradável. E Pitbull, em matéria de autodefesa, era o “cara”. Antônio era negro, tinha ummetro e sessenta centímetros de altura, muito alto em comparação com os meninos da suaidade. Andava com a garotada de 15 anos, mais conhecida no sistema por despertar o interessede menos de um por cento das famílias que sonham em adotar filhos no Brasil.

Pitbull sabia que era praticamente impossível deixar o abrigo por meio da adoção equeria fugir do local. Não queria cumprir as regras da instituição, só gostava das aulas deEducação Física.

E foi no Natal que Pitbull teve a oportunidade de ouro para fugir do abrigo. Nos outrosanos, a celebração do nascimento de Cristo sempre era adiantada para o dia 22, porconveniência das equipes de educadores. Isso porque dificilmente os funcionários da unidadese dispunham a ficar de plantão no abrigo, já que precisavam comemorar as festividadesnatalinas com as suas respectivas famílias.

Porém, um novo projeto estava em andamento: o programa de apadrinhamento afetivo noNatal. A iniciativa, realizada por um grupo de jovens de uma universidade pública de SãoPaulo, tinha como objetivo não deixar nenhuma criança sozinha nos abrigos.

Com a ação, os menores poderiam passar o Natal na casa dos padrinhos, desfrutando da

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convivência provisória em um ambiente familiar. Caso a adaptação entre menor e padrinhofosse satisfatória, o apadrinhamento poderia ser estendido às férias escolares de janeiro.

Mas Pitbull não queria saber de Natal. Quando o casal de idosos Alexandre e Maysaforam buscar o menino na instituição, no dia 22 de dezembro, ele estava com o plano de fugatotalmente elaborado na cabeça.

- Oi lindo, tudo bem? Meu nome é Maysa – se apresentou a senhora a Pitbull, que nãoexpressou qualquer reação.

- Ele não é muito de falar - completou Alexandre.Pitbull só se empolgou com o casal quando viu o carro deles. Uma Chevrolet Blazer,

zero, que tinha acabado de chegar ao mercado. “Só gente rica tem um carro desses”, pensava omenino. E ele estava certo. Alexandre e Maysa eram juízes aposentados e não tinham filhos.

Todos os anos eles passavam o Natal na casa de amigos, porque não gostavam decelebrar a data na residência que moravam. Maysa, quando tinha 40 anos, ficou grávida e emdezembro, quando estava no terceiro mês de gestação, um bandido invadiu sua residência.Alexandre não estava em casa.

Além de aterrorizar Maysa atrás de joias e dinheiro, o criminoso também a agrediu. Apóso bandido limpar a casa e deixar o local, a juíza teve um aborto espontâneo. Alguns médicosexplicaram à mulher que o estresse ao extremo fez com que ela acabasse perdendo o bebê. Outros especialistas afirmaram que a gravidez era de risco e que o aborto aconteceria dequalquer maneira.

Maysa nunca teve uma resposta concreta. O único sentimento era de ter passado o piorNatal de sua vida. Após o aborto, Alexandre tentava há vinte anos convencer a mulher sobre aadoção. Só que antes de dar este passo, a juíza aposentada queria fazer um teste. E oapadrinhamento afetivo era a oportunidade perfeita.

O casal já estava no cadastro de adoção e tinha acabado de passar por uma das fases maisimportantes e esperadas pelos interessados em adotar: a avaliação das motivações eexpectativas. Com a resposta positiva da equipe técnica da Vara da Infância e da Juventude,composta por profissionais da área da psicologia e do serviço social, começaram a visitaralguns abrigos, quando descobriram o projeto do apadrinhamento.

Os universitários responsáveis pela iniciativa apresentaram uma série de crianças quepoderiam ser contempladas com a ação e o casal escolheu Pitbull. Após sair do abrigo, antes delevar o menino para casa, eles passaram no shopping center, recém-inaugurado.

Na época, o local era considerado “longe”, mas estava localizado na área de maior

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desenvolvimento da cidade, com fácil acesso de quase todas as partes. O espaço contava comuma grande área de lazer, a primeira no País. Pitbull estava maravilhado. Nunca tinha vistonada parecido.

- Meu Deus, é um sonho? – perguntou o menino a Alexandre, com um grande sorriso norosto.

- É só o começo dele! – respondeu.- Nossa, até que enfim você disse algo. Pensei que você fosse mudo – brincou Maysa.

Pitbull estava tão maravilhado, que passou a tarde toda falando sem parar.O casal e o menino almoçaram, compraram presentes e brincaram na área de lazer do

centro de compras.- Eu te disse que seria maravilhoso – comentou Alexandre.- Realmente é o que precisamos para nossas vidas – afirmou Maysa.Pitbull já estava gostando tanto do casal, que até a ideia de fugir ele tinha deixado de

lado. Ele queria aproveitar a estadia com os padrinhos o máximo possível e quem sabe, após operíodo com eles, pudesse acontecer a adoção.

Mas o clima de felicidade durou pouco. Ao entrar em uma loja de grife para comprarroupas e tênis para o menino, o casal e Pitbull foram humilhados.

- Senhores, não quero constrangê-los e sei como é difícil aguentar a chateação destaspestes, mas vocês não podem entrar aqui com um menino de rua. Aconselho que o mandeembora para fazerem suas compras com tranquilidade – comentou um vendedor, com totaldesprezo por Pitbull.

Alexandre e Maysa eram observados por todos na loja. De clientes a funcionários. E porum momento pensaram em se posicionar quanto a situação, porém, optaram pelo silêncio.Pitbull, acostumado a não se render à provocações, estava segurando um copo com refrigerantee não perdeu tempo. Jogou a bebida no rosto do vendedor e saiu correndo da loja.

A bagunça foi geral. Uns gritavam “segura”. Outros “seguranças”. No final, o casal dejuízes aposentados foi parar na administração do shopping e tiveram que “rebolar” para liberarPitbull da encrenca.

- Eu realmente não entendo o que um casal de pessoas tão importantes está fazendo comesse negrinho aqui no shopping? – questionou o administrador do centro de compras, RonaldoSall Pazzari.

O homem era um antigo empresário de sucesso, dono de um grande magazine e de redesde eletrodomésticos, mas que teve de desfazer dos negócios depois de enfrentar graves crises

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financeiras e processos trabalhistas que culminaram no pedido de falência. Pazzari foichamado para administrar o shopping por ser muito conhecido em São Paulo e já haviaencontrado os juízes aposentados em eventos da alta sociedade.

- Estamos participando de um projeto social, mas não é nada sério – disse Alexandre,observado por Pitbull.

- Vou liberar ele para não sujar o nome de vocês, até porque ninguém merece serprejudicado por alguém tão insignificante! – insistiu com as agressões Pazzari.

A situação tinha acabado com o encanto daquela tarde maravilhosa. E novamente omenino não pensava em outra coisa a não ser fugir e seguir sua própria vida. Do shopping até aresidência dos juízes aposentados, no bairro Morumbi, nenhuma palavra foi pronunciada.

Ao chegar à casa dos padrinhos, Pitbull ficou impressionado com tanto luxo. Eram itensdiversos de decoração e cômodos grandes e espaçosos. A madeira predominante nos ambientesera o pau-marfim, tanto no mobiliário quanto no piso. Empregados eram três, que auxiliavam ocasal em tudo.

Pitbull conheceu todos os cantos da residência e ficou mais interessado pelo escritório deAlexandre. Não queria ficar mais nem um minuto na companhia dos padrinhos, mas ficouestudando o local e percebeu dinheiro na escrivaninha. Seria só o tempo do casal se distrairpara ele pegar a “grana” e desaparecer da casa.

Por volta das quatro horas da madrugada, quando todos estavam dormindo, Pitbulldesceu do quarto de hóspedes, seguiu direto para o escritório e vasculhou a escrivaninha. Nolocal, além de mil reais, pegou o revólver calibre 38 de Alexandre, que ele comprou após oassalto à sua residência.

Pitbull não sabia como sair, já que os portões da casa estavam trancados. O jeito seriaforçar alguém a abrir as fechaduras. O menino, com a arma na mão, seguiu até o quarto daempregada e a acordou a coronhadas. A mulher, apavorada, não sabia o que estavaacontecendo.

- Cala boca. Só abre a porta para eu fugir – sussurrou o menino com a arma apontadapara cabeça da empregada.

A mulher, com uma negativa, disse que não faria o que foi ordenado por Pitbull. E omenino, mostrando que não estava para brincadeira, engatilha o revólver. Um disparo é feito.

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Capítulo 4 Era a primeira vez que Pitbull pegava um revólver. Descuidado, o menino fez um disparo

acidental, que felizmente não acertou a empregada. Desesperada com a situação, a mulherpulou no pescoço do atirador, que deixou o 38 cair no chão.

A confusão estava armada. Enquanto Pitbull e a empregada rolavam no chão, todos nacasa já estavam acordados, tentando descobrir onde um disparo tinha sido efetuado.

Alexandre, desesperado no quarto, já havia acionado a Polícia Militar, que chegou empoucos minutos no imóvel com seis viaturas. O mordomo já aguardava com todos os portõesabertos. Rapidamente começou a correria de policias pela casa, na busca pelo bandido.

Eles não demoraram a chegar ao quarto da empregada, que neste momento estavadominada por Pitbull, que aplicava na moça uma gravata, no estilo da família Gracie. Ospoliciais agarraram o menino pelo pescoço, que quando percebeu, já estava no fundo daviatura, tomando safanões variados.

- Como esse moleque de rua conseguiu entrar nesta casa? – se questionava um dospoliciais.

- Esses vagabundos estão cada vez mais preparados para o mundo do crime. Já nascemprontos para a sacanagem – completou outro oficial.

Alexandre e Maysa só se deram conta que o bandido que invadiu a residência era Pitbullquando o comandante de área da PM foi à casa do casal averiguar pessoalmente o que estavaacontecendo.

- Boa noite juízes. Fui informado do ocorrido e vim diretamente para cá para apoiá-losnesta situação. Felizmente pegamos o meliante, que estava tentando executar a empregada.Certamente ele já tinha feito a limpa na casa, já que estava com mil reais e portava um revólver38. E o pior é que é apenas uma criança. Vocês tiveram muita sorte – explicou o comandante.

O casal de juízes aposentados não disse uma palavra. Apenas continuou escutando orelato do comandante. Após todas as averiguações, ficou decidido que Pitbull seria levado paraa delegacia para o registro do Boletim de Ocorrência. Alexandre e Maysa não tiveram coragemde ir conversar com o menino. Apenas ligaram para os universitários responsáveis pelo projetode apadrinhamento comunicando o ocorrido.

Na sequência, os coordenadores do abrigo em que Pitbull estava internado também foramcomunicados e seguiram para o DP.

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No local, o delegado de plantão, Maurício, se negava a registrar o B.O. Ele tinha acabadode falar com Alexandre por telefone. Os dois eram amigos pessoais e o juiz aposentado, maistranquilo com todo o problema criado por Pitbull, explicou sobre o apadrinhamento e sobre ohistórico de vida do menino. Mas, os policiais militares insistiam no registro do Boletim deOcorrência.

- Doutor, me desculpa, mas é por isso que esses moleques aprontam isso. Nunca sãopunidos – disse um dos policiais militares.

- Eu estou apenas cumprindo o que determina a lei. O estatuto prevê de forma expressaque a criança somente pode ser aplicada medida protetiva e é o que eu estou fazendo. Eu nãoposso ir além do que a lei determina – rebateu Maurício, colocando fim a conversa.

***De volta ao abrigo, Pitbull retornou com status de “bandido” entre os outros internos.

Alguns o evitavam, outros se tornaram fiéis escudeiros. E o menino, gostando da fama,contava a aventura vivida antes do Natal quantas vezes fossem necessárias.

- A empregada era marrenta, fui obrigado a bater nela. Eu quase matei ela, só não fizporque implorou e disse que tinha cinco filhos – contava entusiasmado, observado comatenção por alguns internos.

O exagero de Pitbull começou a assustar até os funcionários do abrigo, que passaram ater medo da convivência com o menino. Alguns até queriam se livrar do moleque e quando elecompletou 12 anos, dois agentes educacionais deram um jeito para que o “problemático”deixasse a instituição.

Numa terça-feira, para que as crianças saíssem da rotina e pudessem ter um dia deentretenimento e cultura, a direção do abrigo programou uma visita a um grande museu de SãoPaulo. A iniciativa fazia parte do projeto "Visitando o Museu", idealizado pela Vara daInfância e Juventude.

No decorrer do passeio, enquanto as crianças se divertiam com os diversos objetosexpostos, os agentes educacionais chamaram Pitbull e o levaram até a saída.

- O que está acontecendo? – questionou o menino.- Você vai fazer um trabalho pra gente – respondeu um dos agentes.- Qual tipo de trabalho?- É o seguinte. Toma aqui cinquenta reais. Você vai reto até o final desta rua. Chegando

lá, pergunta onde fica a Cracolândia. Traz drogas pra gente.- Qual tipo de drogas?

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- Vai logo moleque. E volta com as drogas, senão vai levar um coro no abrigo.Os agentes, no fundo, sabiam que Pitbull não iria voltar. Ele seguiu para Cracolândia e se

afundou no local.

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Capítulo 5 O ano era de 1996 e o consumo de crack estava crescendo em São Paulo. A primeira

apreensão da droga na cidade aconteceu em 1990. Poucos anos depois, o volume de apreensõesaumentou consideravelmente.

E a explicação dos especialistas para o fenômeno sempre era a mesma: segundo eles, ocomeço do vício é sempre parecido, primeiro era o consumo da maconha, depois da cocaína eo crack era passo seguinte.

Ao chegar à Cracolândia, Pitbull logo constatou o efeito devastador da droga. Váriosusuários com as roupas em farrapos, sujos e com uma confusão mental de provocar pena. Asituação assustou o menino, que não tinha visto nada parecido antes.

- Essa droga não escolhe cor, classe social ou religião. Tem um poder avassalador e estátranspondo todos os limites, escravizando milhares de pessoas – disse Barriga, tocando noombro do menino, que estava com os olhos arregalados.

- Tira a mão de mim! Está maluco?Barriga achou graça da situação.- O que está fazendo aqui moleque?- Não é da sua conta!O homem agarrou Pitbull pelo braço e jogou o menino contra um carro que estava

estacionado.- Moleque, olha à sua volta. Quem manda aqui sou eu. Meu lugar, minhas regras. Fala

outra vez assim comigo e eu arranco sua língua.Barriga era o traficante da área e sua única preocupação na Cracolândia era contar

dinheiro e se defender dos inimigos. E por incrível que pareça, seu principal adversário na“boca do lixo” era um padre, que vivia tentando salvar almas e libertar pessoas das drogas.“Enquanto eu levo gente para o vício, esse cara tira”, comentava o bandido, que tinha um jeitodiferente de trabalhar.

Ele costumava recrutar crianças para vender as drogas. A polícia dificilmente abordavaos menores e o perfil de Pitbull tinha atraído o traficante. O menino era grande, forte e aprimeira vista era esperto.

- Se quiser ficar aqui moleque vai ter que trabalhar comigo – falou Barriga a Pitbull.- Que tipo de trabalho?

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- Você vai ver. Vem comigo!Barriga levou Pitbull a um galpão onde outras crianças estavam. O traficante costumava

dividir a molecada em grupos. Um vigiava o outro. Alguns tinham a função de vender asdrogas. Outros vigiavam e avisavam se operações da polícia começassem.

Pitbull ficou com os irmãos Marli e Caio, de 11 e 9 anos. A mãe dos dois, Cleidilani,morreu na Cracolândia. A família era do Rio Grande do Norte e tinha chegado a São Paulo hápouco tempo procurando melhores condições de vida. Porém, na capital paulista, o queencontrou foi muita pobreza e falta de oportunidades. Em poucos meses, mãe e crianças jáhaviam sido sugadas pela “boca do lixo”, ficando reféns da Cracolândia.

- Gostam daqui? – perguntou Pitbull a Marli e Caio.- Não temos muitas opções – respondeu Marli, já que Caio nunca mais pronunciou uma

palavra desde que viu a mãe morrendo, com delírios, alucinações e convulsões. Ninguém asocorreu e ela foi enterrada como indigente em local que nunca foi informado às crianças.

- Bom, deve ser melhor que o abrigo. Pelo menos vou ter liberdade – explicou Pitbull.- A última coisa que vai ser aqui é livre – completou Marli.A resposta da menina surpreendeu Pitbull, que ficou em silêncio, enquanto observava

Barriga conversando com as outras crianças.- Vocês estão proibidos de usar crack. Se eu pegar, estão ferrados. Vocês só vendem e

trazem o dinheiro. Em troca terão comida e proteção. Quem me desapontar morre!O menino começava a ter noção no que tinha se metido, mas também não queria voltar

para o abrigo. Decidiu que iria se aproximar de Barriga e quem sabe, no futuro, conseguiriaganhar alguma coisa com aquela vida.

***Pitbull já estava há três anos na Cracolândia. Além de vender e consumir todo tipo de

drogas, já tinha feito pequenos furtos e um assalto à mão armada, a pedido de Barriga. Otraficante tinha ordenado que o menino e outras crianças roubassem o comércio de um libanês,próximo à estação de trem da Luz.

O comerciante tinha prometido vingança e essa não demoraria a acontecer. O libanêsestava farto dos roubos ao seu comércio e contratou alguns “vingadores”, homens que faziamsegurança na região à noite. A ordem era dar um susto na molecada da “boca do lixo”, paraque a onda de pequenos crimes parasse.

Numa sexta-feira, no horário do almoço, Pitbull percorria a região próxima à Praça daLuz, quando foi abordado por um desconhecido.

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- Garoto?- Fala – respondeu o menino com desconfiança.- Onde eu encontro crack aqui?- Qual a sua tio?- Não entendi.- Quem não está entendendo sou eu. Você está querendo “mete o loco” em mim?

Dizendo que não sabe onde fica a Cracolândia!- E crack é só na Cracolândia? Não tem nada ai?- Faço isso não tio.- E você faz o que então?- Não é da sua conta, você não acha?- Nossa menino, você está de mal com a vida?- Parceiro, tenho tempo pra perder contigo não. Tchau!- Você quer almoçar? Te pago um almoço!- Irmão, manda a real. Fala logo o que você quer comigo?Como Pitbull não “baixava a guarda”, o homem explicou ao menino que fazia parte de

uma Organização Não Governamental, que resgatava pessoas das drogas e então ofereciaabrigo e oficinas profissionalizantes.

Pitbull, que já estava de saco cheio de Barriga, queria ouvir mais sobre o assunto eaceitou o convite para o almoço. O desconhecido se apresentou como Roberto, disse que eraum antigo frequentador da Cracolândia, que foi salvo pela ONG onde hoje trabalhava. “Euestava em meio ao caos e consegui mudar minha vida”.

- O que eu preciso fazer? Eu não aguento mais ficar aqui. Eu aceito qualquer coisa –confessou o menino a Roberto.

- Hoje, às vinte e três horas, meu grupo passará para levar à ONG quem estiverinteressado. Chama quem você quiser. É só esperar na Rua dos Gusmões.

No horário marcado, Pitbull e outros seis menores estavam no local indicado. Após quaseuma hora de espera, nem sinal do Roberto e do grupo indicado por ele. Os meninos já estavamdesistindo quando Marli correu desesperada em direção aos jovens.

- Corre, corre, corre! – gritava a menina desesperada.Ninguém estava entendo nada, quando uma moto, com dois ocupantes, virou a esquina.

Marli foi alvejada pelas costas. Os atiradores fariam ainda mais duas vítimas, entre elas Pitbull.

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Capítulo 6 Pitbull foi atingido com um tiro de raspão, que acertou o braço direito. Quando a polícia

chegou ao local do tiroteio, ele estava encostado próximo a uma lixeira, meio atordoado. Marlie outro menor também estavam caídos, porém, mortos.

Um revólver, calibre 38, foi encontrado próximo a Pitbull, e a polícia logo deduziu queele tinha feito os disparos contra os outros menores. Ele nem teve tempo de se explicar, quandofoi encaminhado para um hospital, enquanto a área do crime era isolada para a perícia.

Após receber os primeiros socorros, Pitbull foi levado à delegacia para o registro doBoletim de Ocorrência. No local, a imprensa já esperava pelo menino, já que os própriospoliciais tinham feito questão de espalhar a notícia. “Tem que se ferrar mesmo. Fica cheirandoa noite toda, fica malucão, e faz uma atrocidade desta. É um desajustado social mesmo”,comentou um dos agentes envolvidos no caso.

Para evitar a bagunça e o corre-corre na frente da delegacia, o delegado de plantão,Jefferson, pediu para que a viatura entrasse pelos fundos da DP e que Pitbull fosse levadodireto para sua sala. Ele queria terminar logo com a história e já até havia adiantado aelaboração do B.O., apenas com o depoimento dos policiais que chegaram primeiro ao local dotiroteio.

Já na sala de Jefferson, Pitbull seria ouvido pela primeira vez. No entanto, o delegado nãodeixaria o menino falar muito.

- O que aconteceu? – perguntou o delegado, sem rodeios.- Senhor, a gente estava parado esperando o carro de uma ONG, aí veio dois caras em

uma moto atirando em geral – respondeu Pitbull, com os olhos cheios de lágrimas.- Moleque, você acha que sou otário? Todo dia registro aqui atos infracionais cometidos

por menores de 18 anos. Vocês nunca têm culpa de nada e sempre têm uma desculpa ou umahistória mirabolante. Você estava com a arma do crime na mão. Minha única dúvida é quematirou em você. Foi acerto de contas por causa de drogas?

- Senhor, foi como contei. Não teve... – Pitbull é interrompido por Jefferson.- Não tenho tempo para mentiras e conversa mole. Sai da minha sala, que vou tomar as

providências necessárias quanto a você.Minutos após a conversa com Pitbull, o delegado foi informar a imprensa sobre o

ocorrido.

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- Como já adiantando por alguns colegas, o menor identificado como Antônio Silvamatou dois usuários de drogas, também menores de idade, por causa de um acerto de contas.Vocês conhecem a região e isso acontece diariamente na Cracolândia – explicou o delegadoaos jornalistas.

- Doutor, o que acontece agora com o Antônio? – questionou um dos repórteres.- Quando um menor de idade comete um crime, é registrado um Boletim de Ocorrência.

Agora ele será direcionado para um promotor da Infância e da Juventude, que verificará se é ocaso de remissão, ou seja, perdão do delito, se as infrações cometidas forem leves. Nessescasos, ele é obrigado a cumprir medidas alternativas, como prestação de serviços. Porém,tenho certeza que o MP vai decidir pela representação para instauração de procedimento paraapuração de atos infracionais, o equivalente a um processo criminal. E o juiz certamentedecidirá pela internação, já que esse menino se mostrou um animal perigoso e que não pode deforma alguma neste momento conviver em sociedade.

O caso de Pitbull foi amplamente veiculado pela imprensa marrom e retomou a discussãosobre adolescentes em conflito com a lei. Isso porque já tramitava no Congresso Nacional umprojeto de lei que buscava regularizar a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos deidade, com a finalidade de fazer com que adolescentes respondessem por seus atos conformeas penalidades previstas no Código Penal e não mais pelo Estatuto da Criança e doAdolescente, com a aplicação das medidas socioeducativas.

Na mesma semana do caso de Pitbull, o Fundo das Nações Unidas para a Infância(Unicef) realizou um seminário sobre o tema, que dividia as opiniões de diversos especialistas.

- O adolescente que comete um crime tem plena consciência de que está causando umdano a alguém. Precisamos ter a percepção de que muitos jovens têm se transformado emchefes de quadrilha. Eles estão ficando cada vez mais perigosos, exatamente porque sabem quenada vai acontecer com eles – defendeu um renomado jurista no seminário.

A professora universitária, Claudia, não concordava com a maioria das opiniõesfavoráveis à questão da redução da maioridade penal. Ela acreditava que o grande problemanão era o jovem e sim a ineficiência de políticas públicas.

- Em uma sociedade marcada pela extrema desigualdade social, as populações pobres enegras são as mais vulneráveis às violações de direitos humanos, sendo que as mais gravesviolações se dão justamente na infância e adolescência e que resultam em consequênciasmuitas vezes irreversíveis – defendera seu ponto de vista no seminário.

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***

Claudia tinha 35 anos, um filho chamado Matheus e era casada com o professor de artesmarciais e ex-lutador de telecatch, Marcos, de 50 anos. Além de professora universitária e mãede família, ela integrava uma ONG que realizava um projeto sociopedagógico com o objetivode educar e recuperar adolescentes infratores em regime de internação.

A professora conheceu a ONG por meio de amigas, que frequentavam as reuniões dogrupo. Na adolescência, Claudia já havia participado de diversos projetos sociais da igrejaevangélica que frequentava com seus pais e sempre alimentou o desejo de ir além. “Querofazer mais que apenas doar cestas básicas. Quero ajudar mais do que apenas recolher roupas defrio no inverno. Eu posso salvar pessoas, vidas, com o meu trabalho”.

Na ONG, Claudia coordenava o trabalho do grupo que desenvolvia ações em unidades deinternação de jovens. Ela contava com uma equipe de quatorze missionários e quinzevoluntários, entre eles Marcos. Com esse pessoal, visitava todos os finais de semana diferenteslocais e oferecia aulas escolares e atendimento socioeducativo, buscando um ambiente deescola regular, atividades de artes marciais, com a finalidade de treinar o corpo, a mente eprincipalmente o espírito dos jovens, e realizava um trabalho de evangelização.

- Após um primeiro contato com os adolescentes, procuramos acompanhar a evoluçãodeles dentro da instituição, organizando encontros, momentos culturais e de lazer. Estetrabalho paciente e difícil, mira a humanização das estruturas das unidades de internação e acriação de uma nova consciência nos meninos – explicou Claudia para um grupo de novosvoluntários, que estavam em período de treinamento antes de iniciar o trabalho com os jovens.

- Há quantos anos vocês realizam esse trabalho? – perguntou uma das novas voluntárias.- A ONG já promove há quatro anos o trabalho. Mas no ano passado essa atividade

precisou ser reestruturada, pois necessitava de algumas modificações nos métodos abordados enos grupos que visitavam as unidades.

- Existe rejeição ou receio por parte dos menores? – questionou outra voluntária emtreinamento.

- Não são todos. Os líderes dos meninos, dentro das unidades, muitas vezes ficamreceosos com o nosso trabalho. Para eles é como se nós tivéssemos assumido o espaço queantes eles comandavam sozinhos.

E Pitbull era um dos líderes de uma das unidades de internação que o grupo de Claudiairia iniciar um trabalho. Após o ocorrido na Cracolândia, o juiz decidiu por uma punição mais

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rígida ao menino e ele chegou à instituição com status de “problema”.No local, a atenção era redobrada com Pitbull. Os funcionários tinham medo dele. Os

internos também. Além de grande, forte e bom de briga, a fama de matador do menino afastavamuitos problemas. “Assumi o B.O. de outros, mas pelo menos comigo ninguém mexe. Aquiquem manda sou eu. E quando eu sair, o Barriga vai me pagar. Tenho certeza que aquelaemboscada é culpa dele”, pensava o menino.

Quando Pitbull ficou sabendo do trabalho que o grupo de Claudia queria realizar na suaunidade de internação, estava decidido a atrapalhar ao máximo as atividades. Numa sexta-feira, quando os voluntários chegaram ao local, ele ordenou que os menores iniciassem umarebelião.

- Claudia, a coisa foi feia. Como a unidade apresenta um ambiente muito pesado, todas aspessoas ficaram com um receio muito grande que algo negativo pudesse acontecer. Por isto, oscoordenadores da instituição insistiram para que saíssemos rapidamente do local. E para piorar,quando eu me retirava, um dos meninos me encarou e utilizou algumas expressões agressivas,que é melhor você nem saber – explicou Marcos por telefone.

Claudia estava tensa e ao mesmo tempo aliviada por seu marido ter saído em segurançada unidade de internação. Porém, ficou se questionando o porquê de toda aquela situação? Oque teria levado os meninos a tal atitude? Quais seriam as consequências daquela rebelião?

- Por um momento senti medo Marcos. Mas aumentou minha vontade de ajudar estesjovens. Amanhã vamos voltar lá e conversar com o líder dos menores. Vamos convencê-lo quepodemos ajudar.

No dia seguinte, o diretor da unidade de internação, Fernando, não queria deixar Claudiae Marcos conversarem com Pitbull.

- Vocês são malucos? Esse menino tem um histórico complicado. Ele é o matador daCracolândia. Vocês têm de ver cada relato que temos sobre ele. Não vão entrar. Não vão correreste risco.

Claudia insistiu:- No geral, eles gostam do nosso trabalho. De certa maneira eles sabem que nossa

atividade visa ajudá-los e não maltratá-los. A prova disto é que nunca enfrentamos algumasituação de risco dentro das unidades.

- Eles são criminosos, senhora. Com eles não têm conversa fiada! – reiterou o diretor.- Não os vemos como criminosos senhor. Nós os vemos como nossos filhos. São pessoas

que estão privadas do convívio em sociedade e por isto sentem-se muito solitárias. Muitas

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vezes vamos às unidades apenas para escutá-los. Às vezes o desabafo faz com que os garotosfiquem mais tranquilos, confiantes e motivados a buscar ideias positivas.

- Senhora, eles estão privados porque são agressivos.- Reconheço isto. Mas deve ser difícil encarar o fim da liberdade não é mesmo? Porém,

tentamos demonstrar para os meninos com nosso trabalho que eles também podem ser livresaqui dentro.

Fernando achou engraçado o posicionamento de Claudia, mas percebeu que a mulherestava decidida a falar com Pitbull. Para “encurtar” a conversa, permitiu o encontro, porém, emuma sala específica, onde os agentes poderiam intervir se a situação saísse do controle.

***Claudia e Marcos já aguardavam Pitbull há trinta minutos na sala indicada por Fernando.

O menino não queria conversa, mas foi convencido pelos agentes da unidade de internação afalar com o casal.

O menino veio com “cara de poucos amigos”. Suas expressões demonstravam a rejeiçãoa Claudia e Marcos. E antes que os dois iniciassem a conversa, ele aumentou a tensão na sala,dando um soco na mesa e ameaçando o casal.

- Já me prometeram ajuda algumas vezes e em todas elas eu me ferrei. Não confio emvocês. Não gosto de vocês. Não são bem vindos aqui. E a próxima vez que pisarem nestaunidade sairão em caixões.

A declaração de Pitbull estremeceu Marcos da cabeça aos pés. Claudia estava tranquila.- Por todas as unidades que passei enfrentei rebeliões, desavença com funcionários e

principalmente desconfiança de alguns jovens quanto ao trabalho. E eu continuo aqui. Por queacha que devo ter medo logo de você? – respondeu a professora.

Pitbull não gostou da resposta de Claudia. Levantou dando a entender que iria embora,mas pulou na mesa que separava ele e o casal e avançou no pescoço da mulher.

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Capítulo 7 Marcos e mais três agentes conseguiram afastar Pitbull de Claudia. O menino estava

agitado. Os seguranças apavorados. O ex-lutador de telecatch a ponto de enfartar. Para aprofessora, por outro lado, parecia que nada tinha acontecido.

- Olha aqui moleque, há alguns dias estive em uma unidade que tinha um menino de 13anos. Motivo? Tinha roubado cinco quilos de linguiça. Só que contaram para o juiz que ele eratraficante de drogas. Isto nos leva a pensar até que ponto está correto o método de puniçãoutilizado para alguns garotos. Será que no seu caso o juiz acertou? – questionou Claudia.

- O que vocês querem aqui? Não podem mudar nada. Não podem mudar o sistema –rebateu o menino às alegações da professora.

- É complicado apontar todas as nossas vitórias. Mas tenho certeza que estamos fazendoum grande trabalho e gerando muitos frutos. Agora senta na porra desta cadeira e ouve o quetemos para falar. Se não concordar, vamos embora. Mas já vou avisando que não vou desistirde você menino.

Pitbull não acreditava no que estava ouvindo. Não acreditava que aquela mulher aindaestava ali, querendo conversar. A coragem de Claudia impressionou o garoto, que aceitoucontinuar o diálogo, para surpresa dos agentes de segurança, que queriam arrancá-lo da sala omais rápido possível.

- Senhora, a ordem é levar o menino – informou um dos agentes de segurança.- Mas que merda está acontecendo aqui? Eu já disse que vou falar com ele. Não saio

daqui sem falar com ele – gritou a mulher.A posição firme de Claudia deixou os agentes atordoados. E mesmo sem permissão ela

seguiu a conversa com Pitbull.- No início deste ano conhecemos uma menina que foi presa pela segunda vez. Ela estava

muito deprimida, pois há um ano não tinha contato com o filho e a mãe. Então resolvemos iratrás da família dela para saber o porquê do afastamento. Lembro o quanto fui xingada pelamãe dela quando liguei pela primeira vez. Ela não aceitava o fato da filha estar presa e por issopreferiu se afastar. Porém, não desistimos. Continuamos ligando, mandando cartas,conversando com a mãe, até que aos poucos o coração dela foi amolecendo. Fizemos umavisita para conversar melhor. Depois deste encontro a mãe passou a enxergar a situação dafilha de forma diferente. E na Páscoa finalmente a mãe resolveu visitar a filha na unidade de

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internação. Estas situações são nossos desafios. Quando superados tornam-se frutos positivos etambém se convertem em esperança. Uma motivação de que podemos fazer muito mais ainda.A sociedade pode não confiar em você, mas eu confio. Eu vou transformar você. Vou provarpara todo mundo o valor que você tem. Me deixa ajudá-lo e eu prometo que você não vai sedecepcionar.

Pitbull caiu no choro. Pela primeira vez os agentes da unidade presenciaram ummomento de fragilidade do menino. Por alguns segundos, ele se recordou do nome Antônio,dos momentos felizes com o tio Claudemir, da tristeza de nunca ter conhecido os pais e domedo de voltar a confiar em alguém.

- Se é do jeito que você está falando senhora, não vou atrapalhar o caminho. Mas se dermancada, juro que vou atrás de vocês.

O garoto levantou da mesa, deixou a sala e Claudia e Marcos puderam seguir com oprojeto. Mas, para professora, a meta agora era outra e tinha nome: Pitbull.

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Capítulo 8 Os voluntários começaram o trabalho na unidade de internação de Pitbull. Mas o menino

não se interessava por nada. Estava sempre distante e isso acabava com Claudia. Marcos nuncatinha visto a esposa desse jeito e procurou intervir na situação. Seu plano era se aproximar do“garoto problema” e aos poucos integrá-lo nas atividades.

Marcos toda a vida lidou com adolescentes e isso o aproximou de Claudia. Nascido emSão Paulo, mas criado boa parte da infância em Nazaré Paulista, no interior do Estado, teve avida que toda criança deseja: com muita liberdade, contato com a natureza, muitasbrincadeiras, um bom ambiente familiar, ou seja, uma vivência muito rica de hábitos simples.

Aos 15 anos mudou-se para São Paulo com os pais. A mudança foi um choque. A cidadeera mais urbanizada que Nazaré Paulista e as ruas mais movimentadas. Mas essa experiênciatambém foi um aprendizado para o menino do interior, que era muito dedicado na escola e nasartes marciais.

Marcos gostava tanto de lutas que praticava karatê às segundas e quartas; judô às terças equintas; e taekwondo aos sábados. Com 20 anos, já era faixa preta em diferentes modalidades eganhava a vida dando aulas e disputando competições diversas. Na década de 1970 foiconvidado para participar do Telecatch, a versão brasileira das lutas-livres, que foi um dosprogramas de grande audiência na TV.

Com o fim da atração na TV passou a se dedicar a trabalhos sociais, mudando a vida dejovens por meio do esporte. Chegou a cursar Filosofia e a encarar salas de aula. Mas estavadesiludido com a profissão de professor. “O salário pequeno dos professores e muitos tendoque dar aulas em duas, três escolas para sobreviver, faz com que os mesmos percam aideologia, o interesse e a dedicação verdadeiramente apaixonante pela profissão. E isso refletenos alunos e no que é apresentado nas escolas”, defendia Marcos.

Um dos motivos que fez Marcos deixar de lecionar foi um caso envolvendo um aluno. Oex-lutador dava aula em uma escola da periferia de São Paulo e tinha uma classe que não erahomogênea. Jovens diferentes, com dificuldades de aprendizado e muitos não conseguiamentender o conteúdo das aulas porque tinham muita fome.

Um dos adolescentes, com aproximadamente 14 anos, vendia doces no trem. E quandoele não vendia tudo, o pai lhe dava uma surra e o menino sempre chegava cheio de marcas naescola. “Aquilo me revoltava muito e a diretora dizia que eu não podia me meter. O que

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acontecesse fora dos portões da escola não importava”, lembrara Marcos.Mas em 1990 veio o Estatuto da Criança e do Adolescente. E Marcos era um defensor do

ECA. Na verdade, o homem era apaixonado pelo estatuto. No entanto, acreditava que o Brasiltinha uma legislação de primeiro mundo e um País de terceiro, já que muitas diretrizes nãoeram aplicadas.

Durante uma palestra, em uma universidade de São Paulo, a paixão pelo ECA acabouajudando o ex-lutador a conquistar o coração de Claudia. Ela ficou impressionada com ohomem que defendia melhorias no estatuto, que ela tinha como tema central para o seutrabalho de conclusão de curso em Assistência Social.

- Se uma criança que não tem pai, mãe e nenhum parente que queira ficar com ela e nomunicípio não tem uma instituição de abrigo, para onde o juiz determina que vá essa criança?Para uma unidade de internação. Da mesma maneira que aquele que praticou um furto ou umdelito é conduzido. Então tem falhas nisso. Não por conta da legislação, mas por conta daestrutura do Poder Público constituído, que não se adequou ao ECA. Hoje o estatuto determinaque tenham os abrigos, que tenha a casa transitória, que tenha a convivência familiar ecomunitária com as crianças que estão institucionalizadas. Isso não existe porque as pessoasnão se prepararam para recepcionar. Hoje o jovem que infraciona vai para uma unidade deinternação. Quando ele sai não tem um acompanhamento, isso porque o Poder Público não sepreparou, porque não é a unidade de internação que dá isso, não é o ECA. O estatuto prevê acontinuidade, mas o Poder Público não oferece isso e esse é um dos problemas – explicaraMarcos a Claudia, que ouvia tudo apaixonada.

***

Marcos sentou-se ao lado de Pitbull, no refeitório da unidade de internação e mais umavez foi surpreendido pelo menino.

- O que solidariedade representa para você, senhor?O ex-lutador estava surpreso com a pergunta e ficou pensando por alguns minutos antes

de responder.- O dicionário define a palavra solidariedade como qualidade do que é solidário;

dependência mútua; reciprocidade de obrigações e interesses; direito de reclamar só para si oque se deve a todos. Porém, o significado de solidariedade é muito mais amplo que isso,acredito. É praticar o perdão, amar o próximo, estender a mão a quem precisa sem cobrar nadaem troca, é se doar sem pensar em receber – respondeu Marcos entusiasmado.

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- Não vejo nada disto. O que vocês ganham com toda esta palhaçada de querer ajudar opróximo? – insistiu Pitbull.

- Não tem coisa mais gratificante que ser solidário, que ajudar pessoas. Ser útil ao seupróximo é algo maravilhoso. Quando você ajuda alguém a sensação de felicidade é muitogrande. Ganha mais quem pode dar do que quem recebe – persistiu no posicionamento Marcos.

Pitbull estava gostando da conversa e continuou a confrontar Marcos.- Você acha que todo mundo aqui tem salvação. Todo mundo aqui é bonzinho?- Acredito que em essência as pessoas são boas. Talvez falte em alguns casos a

oportunidade, um empurrão. Mas cada pessoa tem o seu tempo e é preciso estar amadurecido,com um pensamento de mudança.

- Não entendi nada do que você falou. Você é meio confuso irmão – afirmou Pitbull.- O que eu quero dizer é que as razões para as pessoas cometerem crimes são múltiplas.

Hoje encontramos pessoas que moram em locais muito pobres, que não oferecem perspectivade vida. Porém, alguns lutam por melhorias enquanto outros se acomodam, se revoltam, achaminjusta a situação e simplesmente metem um revólver na cintura e se acham no direito decometer crimes. Agora porque cada pessoa tem um tipo de comportamento? Acredito que é porcausa do amadurecimento que cada uma tem como ser. A pessoa mais amadurecida enfrenta arealidade e busca mudanças, melhorias, faz acontecer.

Pitbull não gostou da resposta, afirmando a Marcos que a vida o impôs decisões, que elenão as teria tomado se estivesse em condições diferentes. O ex-lutador também concordou como posicionamento do menino e acrescentou:

- Claro que temos aspectos facilitadores. Até porque se alguns locais tivessem maisescolas, espaços de lazer, espaços culturais, realidades poderiam ser modificadas. Mas, temgente que tem tudo e acaba também fazendo um monte de atrocidades. Acredito que seja muitorelativo, assim como acredito que se o trabalho for feito da maneira correta, todos têmrecuperação sim.

- E o senhor acha que é possível acabar com a criminalidade? Acho que a criminalidadesó vai acabar se matassem todos os bandidos – defendeu Pitbull e Marcos abriu um grandesorriso.

- Não existe nada que resolva cem por cento. Algumas medidas até diminuem acriminalidade, mas não acaba de vez com a mesma. Nos Estados Unidos, por exemplo, temospena de morte, prisão perpétua, e o País continua registrando homicídios, roubos, crimes.Então, enquanto o ser humano não mudar individualmente; coletivamente, fica complicado.

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Pitbull encerrou a conversa agradecendo Marcos pela atenção.- Vou ir. Você é legal. Ganhou um ponto positivo comigo.

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Capítulo 9 Claudia, Marcos e Pitbull estavam mais próximos. Após alguns meses do trabalho da

ONG na unidade de internação, o menino começou a participar de algumas atividades. Preferiaas aulas de artes marciais, levava jeito para “coisa”. Porém, também era aplicado nasatividades escolares e vinha se destacando principalmente nas ações de reinserção social.

Numa tarde, durante um bate papo com Claudia, confidenciou que preferia não sair dainternação, que o mundo é cruel e preconceituoso, e que sempre seria visto como umcriminoso perigoso.

Claudia tentava animar o menino, mas no fundo sabia que seu relato tinha sentido, noentanto, ela o incentivava a tentar, a seguir em frente, a acreditar em novos projetos, em sonhosimpossíveis.

- Preconceito você sempre vai enfrentar. Tem um menino que está em destaque na mídia,chamado Eduardo, que passou por cima de tudo isso. Assim como você, ele nasceu na periferiae teve uma infância demasiadamente pobre. Conheceu pessoas que foram assassinadas pelacriminalidade. Teve duas perdas irreparáveis: o tio, morto dentro de um bar, e um primo,assassinado a tiros por traficantes. Conviveu com a pobreza, mas não permitiu que ela entrassenele. Ao contrário de muitos jovens que enfrentam estas condições e se entregam às mazelasda vida, ele nunca experimentou nenhum tipo de droga. Nem se apoderou de um único centavoque não fosse dele. Ao contrário, sempre foi um sonhador e acreditou nas coisas maisimpossíveis da vida. Aos 18 anos, esse menino ingressou no curso de Jornalismo, porém, aindano primeiro dia de aula pensou em largar os estudos, diante de um professor que ao ler o seutexto disse que ele não tinha condições de seguir na carreira, pois escrevia muito mal. A mãedele entrou com firmeza na história. Disse que o professor era burro, jumento e não sabia doque falava. Anos depois esse moleque, abusado, escreveu um dos livros mais impressionantesda história da universidade e ainda foi considerado repórter revelação por um famoso institutocultural. Valeu a pena ouvir a dona de casa e desprezar o doutor em Letras. Valeu a penaseguir em frente. É assim que você também deve pensar Pitbull.

- Você fala coisas bacanas Claudia. Quem te ensina isso?- Pessoas inovadoras, determinadas, sobretudo aquelas que não aceitam o não como

resposta final. Que batem na porta, lutam por seus ideais, se renovam nas derrotas e sempreretornam mais fortes depois das crises. Tive a oportunidade de conviver com grandes líderes

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do País e tirar lições, mas também conversei com mendigos, na beira da calçada e absorviimportantes aprendizados. Todo ser humano tem algo de extraordinário, que faz dele único navida. E tento aprender com o lado bom das pessoas. Você deveria fazer o mesmo.

O menino estava cada vez mais encantado com Claudia. Pela primeira vez podia contarcom alguém que o ouvisse, que verdadeiramente queria ajudá-lo. Marcos também cumpria oseu papel e Pitbull também gostava de ouvi-lo. O professor de artes marciais era muitointeligente e sempre tinha repostas empolgantes para indagações habituais.

- Aí Marcão, quando eu crescer quero ser igual a você!- Você pode ser o que quiser na vida Pitbull! E os livros que eu trouxe, já terminou de

ler?- Marcão, você sabe que meu negócio é porrada, ler é para boiola!- Você está errado menino. Ler muda tudo. Uma pessoa que bate no saco de pancada e

não é leitora, bate diferente da que é leitora. Eu, por exemplo, quando não era leitor e entravano banco, duas vezes que era barrado na porta giratória apontava o dedo na cara do segurança.Depois que me tornei leitor, eu vou até o banco e pode travar uma, duas, três vezes. Se euperceber que é perseguição, vou embora e volto outro dia, chego ao gerente e entrego umacarta falando que estou encerrando a minha conta, pois não preciso passar por isso e que meuprojeto de vida é muito maior que ficar discutindo por nada. Cada livro que a gente lê é umpasso à frente, uma evolução.

- Marcão, será que um dia vou ser uma referência como você, vou poder ajudar outrosmoleques como eu?

- Antigamente, na periferia, a única referência que o moleque tinha era o traficante, quetinha uma moto, uma loira sentada atrás, tinha dinheiro, roupa de marca e é evidente que elealmejava ser igual. Isso pode ser mudado. Quando você passa a aparecer, a ser destaque,porém, com projetos legais, o moleque fala: “Ô tio, caramba, quero ser igual a você”. Aí vocêfala: “Acho que meu papel está sendo cumprido”. Isso é legal em ser referência.

- Marcão, o que você diria para uma pessoa que mora na periferia e acha difícil realizarseus sonhos por causa da sua condição social?

- Vai de cada um Pitbull. A pessoa precisa ter autoestima, levantar a cabeça, dar oprimeiro passo e ir em frente. É igual livro de autoajuda. A pessoa pega o livro, começa a ler efala assim: “Eu vou conseguir, é isso mesmo que esse cara está falando aqui”. Aí fecha o livroe observa a mulher grávida, os três filhos, abre a geladeira não tem o que comer, aluguel estáatrasado e esta mesma pessoa pensa: “Caralho, como vou conseguir?”. Agora se você pega um

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romance e ele fala que a vida é uma droga, que você está fudido, o cara entende melhor. Eleentende a realidade do mundo e sabe que não pode ficar abaixando a cabeça, que deve seguirem frente, que deve buscar dar a volta por cima. O mundo não oferece nada de graça paraninguém. Ou você batalha para conseguir, ou viverá a mercê do sistema. E o sistema éopressor!

Pitbull ficou pensativo com a resposta de Marcos, mas ainda não estava satisfeito. Queriaouvir mais. Queria entender porque o sistema era opressor. O professor percebeu e continuou adiscorrer com seus pensamentos.

- É o seguinte Pitbull. Você vai ouvir muita asneira por aí. Mas não deixe diminuírem seupovo. A periferia é um lugar bom de viver. Muito calor humano, solidariedade. O problemacomeça com o jornal de cinquenta centavos que só visita a periferia na intenção de colhernotícias sensacionalistas e expor o corpo e a cabeça esfacelados de jovens. Penso que aimprensa deveria dar outro tratamento a estas pessoas, afinal nas TVs, nos jornais, somos nós,os mais pobres, a certeza de ibope. Pergunte à classe média, à classe alta se eles assistemtelevisão, compram jornais, ouvem rádio? A grande maioria dirá que não. Ora, por que tratamo povo assim? Eu sei. Querem o controle, manter tudo de mal a pior, irmão contra irmão,favela contra favela. Isso dá a certeza desse controle.

A conversa seguiu a tarde toda. Pitbull, apesar da sua trajetória de vida tão diferente,tinha algo especial, e Claudia e Marcos enxergavam isto. Na cabeça deles o importante eraapenas convencer o menino do tamanho do seu potencial. E aos poucos, eles estavamconseguindo.

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Capítulo 10 Pitbull completou 17 anos e já tinha cumprido dois anos de internação. Gostava das aulas

de muay thai e jiu-jitsu, aplicadas por um amigo de Marcos. Porém, sua especialidade era okaratê. Já tinha passado pelas faixas branca, amarela, vermelha e verde e atualmente estava naroxa, mas louco para conseguir a marrom.

No karatê, as faixas indicam a graduação e hierarquia dentro do esporte. Após anos detreinamento, a faixa tende a escurecer assumindo uma coloração marrom. Caso o praticantecontinue se dedicando, pode conseguir ainda a faixa preta, que significa que a pessoa treinoupor muitos anos.

- E aí Marcão, estou pronto para a marrom?- O exame para você conseguir a faixa marrom será aplicado após o campeonato –

explicou Marcos a Pitbull, deixando o menino surpreso com a resposta.- Que campeonato Marcão?- Consegui a liberação junto à direção da unidade de internação para que você participe

de uma eliminatória do Campeonato Paulista de Karatê. A gente busca você amanhã cedo etraz de volta assim que a disputa terminar.

Pitbull não acreditava no que estava acontecendo. A felicidade do menino era tanta, queele não sabia o que falar.

- Ficou mudo? – questionou Marcos, abraçando o menino, que estava com os olhosmarejados.

- Vou te orgulhar Marcão. Vou derrubar todo mundo!- Pitbull, o fundamental é você saber que toda competição deve servir ao homem,

portanto, não tem o objetivo de destruir o outro e nem deixar que ela destrua a você mesmo.O menino fez “cara” que não estava entendendo nada do que Marcos estava falando. E

percebendo a confusão na cabeça de Pitbull, o professor foi mais claro.- A competição Pitbull deve ser vista como algo que possibilite a sua formação como

cidadão, dando-lhe a capacidade de interagir consciente e criticamente com seus pares,oponentes, adversários. Ou seja, competir é uma forma de tornar você melhor e não pior, ok?

- Marcão, eu vou poder bater ou não?- Esquece isso menino. Estou te oferecendo um momento de reflexão. Mesmo ganhando,

sempre existem áreas a serem corrigidas. E será competindo que vamos identificar isto.

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Pitbull queria encerrar aquela conversa de autoajuda e aceitou os argumentos de Marcos,mas não conseguia parar de pensar em Ayrton Senna. Na noite anterior, o menino terminou deler uma biografia sobre o maior piloto de todos os tempos e uma frase ficou gravada na suacabeça: “O importante é ganhar. Tudo e sempre. Essa história que o importante é competir nãopassa de demagogia”.

A famosa frase de Senna para Pitbull era melhor que qualquer argumento de Marcos e eledemonstraria isto no campeonato de karatê.

***

Marcos chegou às sete horas à unidade de internação. Do local até o ginásio esportivoonde a competição de karatê ocorreria eram aproximadamente cinquenta minutos de carro. Aprimeira luta de Pitbull estava marcada para nove horas e trinta minutos, então o professor teriatempo para conversar com o menino antes do combate.

No carro, Marcos explicou para Pitbull como funcionaria a competição. Ele explanoupara o menino que o torneio de karatê pode envolver competição de Kumite, que seria ocombate com outro oponente ou Kata, uma apresentação simulando uma luta. A disputa seriadividida em categorias por peso e Pitbull lutaria com adversários de até oitenta quilos e até 17anos.

- A duração de uma luta de Kumite é de três minutos. O tempo do combate começa acontar quando o árbitro dá o sinal de início, e para a cada momento que ele fala “Yame”. Ocronometrista dará sinais claros e audíveis através de um gongo ou apito, indicando que faltamdez segundos para terminar o tempo.

- E como faz para terminar a luta antes dos três minutos, Marcão?- As pontuações são as seguintes: Ippon vale três pontos; waza-ari dois pontos; e yuko

um ponto. Ataques estão limitados à cabeça, rosto, pescoço, abdômen, tórax, costas e laterais.O resultado de uma luta é definido quando um competidor obtém vantagem de oito pontos, ouquem tiver maior número de pontos quando encerrado o combate.

Marcos também relembrou a Pitbull como conseguir pontuações.- Para conseguir Ippon faça ataques no rosto, cabeça e pescoço ou aproveite se o

oponente estiver no chão. O waza-ari você consegue com chutes no abdômen, peito e costas. Eo yuko é atribuído para soco aplicado para qualquer das sete áreas de pontuação.

Marcos e Pitbull chegaram ao ginásio por volta das oito horas. Claudia já os aguardavano local. O filho do casal, Matheus, também foi à disputa, pois queria muito conhecer o rapaz

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que era o assunto principal na sua casa.- Pitbull, esse é meu filho Matheus – apresentou Claudia.Matheus era uma criança muito esperta e ousada como toda “criaturinha” de 12 anos de

idade.- Pensei que fosse maior. Eles disseram que você era um gigante – exclamou o menino.Pitbull achou graça, passou a mão na cabeça do menino e pensou como aquele garoto era

especial por ter pais tão bacanas. Por um momento chegou a cogitar ser filho de Claudia eMarcos. “Minha vida seria totalmente diferente”.

Próximo ao horário da primeira luta, Pitbull e Marcos se posicionaram na área decompetição, enquanto Claudia e Matheus ficaram na arquibancada do ginásio. O espaço da lutaera um quadrado formado por peças de tatame, com lados de oito metros (medido de fora) comdois metros adicionais em todos os lados como área de segurança.

O adversário de Pitbull também já estava posicionado e era “casca dura”. Faixa marrom,Kleber era o atual campeão paulista Sub-16 e possuía oito títulos estaduais em sua carreira.

- Esse aí luta desde os 7 anos. Você está ferrado. Certeza que vai levar uma surra –brincou Marcos.

- Marcão, esse cara, pelo tempo que treina, deveria ser faixa preta. Ou seja, ou é bundamole ou só pegou café com leite até agora. Só que aqui ele não vai ter moleza – respondeuconfiante Pitbull, enquanto observava o árbitro, que já se colocara do lado de fora da área decompetição.

A sua esquerda se posicionaram os juízes números 1 e 2, e a sua direita os juízes número3 e 4. Após a troca de cumprimentos formais pelos competidores, os juízes e o árbitro tambémse saudaram e todos então tomaram suas posições.

O árbitro autorizou o início do combate e os dois lutadores ficaram se estudando poralguns segundos. Do lado de fora, Marcos gritava sem parar: “Abaixa, abaixa, abaixa”. EKleber tomou a primeira atitude no combate com uma sequência de chutes e socos. Para fugirdos golpes, Pitbull deixou o espaço da luta saindo para a área de segurança.

O combate é interrompido por alguns segundos, pontos são atribuídos a Kleber, oslutadores voltam a se posicionar e o árbitro grita “Yame”. Novamente o campeão paulista vaipara o ataque, consegue um yuko, para o desespero de Claudia na arquibancada. Marcosacompanha calado. Sabia que a luta não era fácil.

Porém, Pitbull demonstrou que não estava para brincadeira. Assim que o árbitroautorizou a continuação do combate, o menino aguardou o momento certo e quando Kleber

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ameaçou um golpe, acertou um chute certeiro no rosto do adversário, atordoando o campeãopaulista.

Kleber ainda tentou permanecer no combate, mas o árbitro deu fim à luta, declarandoPitbull vencedor e surpreendendo todos no ginásio, principalmente a Marcos, Claudia eMatheus. “Realmente ele é um gigante”, pensou o menino.

Com a vitória, Pitbull se classificou para a semifinal do campeonato. Ao deixar à área decompetição e já no caminho para as arquibancadas, diversas pessoas cumprimentaram omenino pelo golpe certeiro. “Animal”, “foda”, “destruidor”, eram as frases mais pronunciadas.

Pitbull não estava acostumado com “tapinhas nas costas”. Da sociedade, até então, sótinha recebido “migalhas”.

- Quando temos ações positivas, as coisas são diferentes não é mesmo Pitbull?- Realmente Marcão. Estou até me sentindo especial – brincou o menino, antes de abraçar

Claudia e Matheus.- Você arrebentou. Você é fera – comentou Matheus.- Já está todo mundo sabendo que você é de uma unidade de internação e o frisson é

grande – acrescentou Claudia.- E isto é positivo ou negativo? – perguntou Pitbull.- Imagine Pitbull que você é como um robô com defeito: aquele que foge do padrão, do

comportamento esperado e que, justamente por isso, acaba incomodando um pouco. Elesesperavam que fosse perder. Até o Marcos achava isto. Mas você fez diferente. E você tem queser assim o restante da sua vida. As pessoas sempre vão achar que você não vai conseguir.Então você vai lá e quebra o sistema. Neste caminho, você apenas precisará lidar com ascríticas, porque elas sempre existirão.

- E isso não é algo muito fácil! As pessoas sempre me julgaram sem ao menos saber omeu lado da história. E sinto que isto nunca vai mudar!

- Pitbull, a minha vida toda fui criticada. Meu estilo de vida não é bem aceito por aí.Procurei, ao longo do tempo, encarar tais questionamentos como uma oportunidade demelhorar, de verificar situações que eu mesma talvez não tenha percebido. Já sofri muito comcríticas. Hoje sou mais consciente. Aprendi a lidar com elas, não colocando meu emocionalcomo anteparo para as flechadas que sempre destinam a nós, o que é normal para quem lidacom pessoas. Uma forma de ser mais resistente às críticas que chegam de fora é sendo vocêmesmo o maior crítico do seu trabalho. Sou a primeira a buscar as falhas, os buracos quedeixei. Óbvio que aproveito o sucesso de cada empreitada que dá certo, mas não durmo sobre

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ele. Prefiro dormir sobre a sensação que o meu melhor trabalho é aquele que ainda vou fazer.- Até conhecer você e o Marcos, a única coisa que pensava era em vingança. Mas há

algum tempo, passei a pensar em sucesso. Esta forma que vocês enxergam a vida éempolgante. Ficar próximo de vocês, nem que seja por alguns minutos, é gratificante. Vocêshoje são minhas referências.

- Que bacana Pitbull. No entanto, quero que fique claro que não me considero referênciae acho isso um tanto quanto perigoso para o ego. Sou uma pessoa normal, com problemascomo todas as outras, nas mais variadas esferas da vida. A massagem no ego é algo bom, éclaro. Mas, assim como o dinheiro, ela não deve ser a causa, nem o efeito, mas sim aconsequência do efeito que geramos na vida das pessoas que, de uma forma ou de outra, nospermitem fazermos parte de suas vidas.

A conversa entre Claudia e Pitbull “rolava solta” quando Marcos e Matheus voltaram dobanheiro. O técnico informou ao lutador que deveriam retornar à área de competição para aluta da semifinal.

O menino enfrentaria agora outro faixa marrom. Porém, o novo oponente, de nomeMaurício, ainda não havia vencido uma competição oficial. Após o rito de praxe, o árbitroautorizou o início da luta, que também não demoraria a ser encerrada.

No combate classificatório, Maurício saiu mancando, por ter levado um chute muito fortena canela esquerda. Marcos já havia orientado Pitbull sobre o ocorrido, que concentrou golpesna perna machucada do adversário.

Não aguentando a potência dos golpes de Pitbull, Maurício desistiu do combate,deixando o caminho livre para a final.

- E eu achando que você não passava da primeira luta – brincou Marcos.- Marcão, desde que saí da unidade de internação, o único objetivo hoje aqui era o de

ganhar. Subir no lugar mais alto do pódio – respondeu Pitbull.- Está feliz Pitbull?- Marcão, não deixo mais espaço para tristeza. Sou feliz em ser um jovem que vem

recebendo uma educação de pessoas muito especiais. Feliz por ter chegado aonde cheguei epretendo ir bem mais longe. Amo esse ambiente e acho que descobri hoje a minha paixão eminha vocação.

A declaração de Pitbull deixou o professor de artes marciais emocionado. Marcosrelembrou a primeira experiência com o menino, quando foi ameaçado. E refletiu sobre asituação do moleque “brigão”, sem qualquer expectativa positiva, que agora estava se

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transformando em um homem, com todo um futuro pela frente.- Posso te perguntar uma coisa Marcão?- Claro Pitbull!- Você não sente vontade de ter uma academia própria, ganhar dinheiro, revelar talentos?- Já corri atrás disso muito tempo. Eu mesmo sonhava em ser um lutador profissional.

Hoje eu sou uma pessoa muito mais tranquila comigo mesmo. As urgências vão semodificando com o amadurecimento. Mas isso não significa que você não é mais aquelapessoa batalhadora e proativa. Apenas o que acontece é que você passa a saber onde estão osfocos mais importantes para sua realização e passa a não desperdiçar tempo com bobagens.

Pitbull achou engraçada a colocação de Marcos e fez outro questionamento.- Mas você acha que tenho potencial ou eu estou desperdiçando meu tempo com

bobagens?- Acho que se você tem talento, sente que tem. O grande passo é assumir que é isso o que

você nasceu pra fazer. Porém, sempre vai existir um questionamento, principalmente nasderrotas da vida. E só a maturidade te dará certeza do caminho a ser seguido. E maturidade,pode ter certeza que você não tem ainda – brincou Marcos, com um “imenso” sorriso no rostopara Pitbull.

Os dois permaneceram na área de competição conversando, aguardando a definição doadversário da final. A confiança no título agora era grande, já que os favoritos do torneioacabaram eliminados nos primeiros combates.

E quando subiu no espaço da luta, para a disputa decisiva, Pitbull teria pela frente o faixamarrom Vagner, campeão paranaense sub-15, mas que estava treinando em São Paulo há doisanos.

O árbitro autorizou o início do confronto. O ginásio estava lotado. Alguns gritavam,outros aplaudiam. Os lutadores ficaram se estudando por alguns segundos, pulando de um ladopara outro, mas Pitbull tomou a primeira iniciativa com um chute baixo, que não acertou oadversário.

A luta seguiu morna, com Pitbull e Vagner aguardando o melhor momento para pontuar.Os dois sabiam que qualquer “bobeira” poderia custar a vitória. Com um minuto e vintesegundos de confronto, Vagner acertou um chute alto, no ombro esquerdo de Pitbull, que nãorecebeu qualquer tipo de pontuação.

O pupilo de Marcos reagiu na sequência, acertando dois socos na cabeça de Vagner, maso árbitro também não registrou pontuação, enlouquecendo o treinador, que não parava de gritar

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um minuto da área de competição.Com dois minutos e vinte segundos, Vagner errou um ataque e Pitbull aproveitou para

marcar um yuko, com um golpe certeiro no rosto do adversário. O combate seguiu com os doislutadores trocando muitos golpes, mas sem muita eficiência e precisão.

No entanto, faltando vinte segundos para o final da luta, Pitbull acertou um chute no peitode Vagner, marcando um waza-ari, aumentando a vantagem no confronto e levando o públicoà loucura no ginásio. A gritaria era geral. Claudia e Matheus não se continham. Marcos estavaajoelhado na área de competição. Parecia até final de campeonato mundial. Porém, a vitóriarepresentava muito mais que uma conquista internacional. Marcava um passo importantíssimona vida de um menino que até este momento ainda não tinha experimentado o sabor da“felicidade”.

No final do combate, três a zero para Pitbull. Medalha de ouro na eliminatória doCampeonato Paulista de Karatê e vaga garantida no Estadual, classificatório para oCampeonato Brasileiro. O menino, novamente, era o destaque, no entanto desta vez por umaação mais que positiva.

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Capítulo 11 A vitória de Pitbull no campeonato de karatê despertou os olhares de muitas pessoas.

Jornalistas passaram a procurar o menino, até porque a trajetória dele era destaque certo nascapas de jornais e o público em geral gostava de “comprar” histórias de superação. O diretorda unidade em que o menino estava internado também queria apresentar o seu “troféu” e até ogoverno do Estado passou a usar o caso de Pitbull em campanhas institucionais para melhorara imagem do trabalho realizado com menores envolvidos em atos infracionais.

Enquanto alguns estavam preocupados em ganhar “louros”, Marcos, Claudia e Pitbull játinham novos planos. Além de se dedicar às artes marciais, há alguns meses, o garoto tambémpegava firme nos estudos, com o objetivo de prestar o vestibulinho de uma escola técnica. Aprova seria aplicada no final do ano e a expectativa pela aprovação no processo seletivo erapositiva.

- Que mudança de vida em Pitbull? Está preparado para esse novo desafio na sua vida? –questionou Marcos.

- Passar em um vestibulinho é algo tão especial assim Marcão? – brincou o menino.- Eu costumo dizer, Pitbull, que existem duas fases na vida de uma pessoa. Antes da

educação e depois dela. Quer transformar o mundo? Dê um livro, um lápis e uma borracha auma criança!

- Mas isso já não é feito Marcão?- Sim, mas é necessário fazer mais. É preciso investir na qualificação profissional. Hoje a

escola é fraca, o professor não tem o reconhecimento que merece. E resultado em educaçãonão acontece do dia para noite. Se tivermos um grande investimento hoje, resultados práticossó daqui a vinte anos. Essa é a experiência da Coréia do Sul, da Colômbia e de muitos outrospaíses. Não adianta pensar um programa de quatro anos. E é preciso lembrar que o Brasil nosúltimos vinte anos destruiu tudo que tinha de bom na educação. O brasileiro tem muita forçade vontade, muita criatividade, mas não é estimulado.

- Em outros países esta situação é diferente?- Você pega um americano, um inglês, eles não têm muita vontade de aprender, porém,

são muito melhor preparados que o brasileiro. Nesses países existem muitos benefícios sociais,muitas oportunidades e isso faz toda a diferença. O brasileiro tem muita vontade de aprender, enão recebe uma formação ideal. A Noruega, por exemplo, até 1950 tinha pessoas que

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passavam fome. Porém, eles passaram a investir em educação. O que aconteceu? Em menos detrinta anos o país estourou. E o brasileiro tem essa qualidade de querer, de aprender rápido, aocontrário do europeu que é mais lento. Só que a gente está “tomando barriga” porque nãodamos a atenção necessária ao setor educacional.

As conversas sobre futuro e educação entre Marcos e Pitbull eram constantes. Claudiatambém gostava de conversar sobre isso e sempre reforçava a importância da dedicação aosestudos.

Já era dezembro, Pitbull já tinha 18 anos, e teria pela frente o Exame do ProcessoSeletivo-Vestibulinho para a primeira série do Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio. Oteste seria constituído de uma prova com cinquenta questões.

O plano de Marcos e Claudia era de solicitar junto à Justiça a liberdade de Pitbull, caso omesmo fosse aprovado no vestibulinho. Porém, o menino ainda não sabia de nada, até porque ocasal iria levá-lo para morar com ele.

- Ele vai ficar maluco quando descobrir – comentou Claudia com Marcos.- Você acha que ele não vai gostar?- É claro que ele vai gostar Marcos. Deixa de falar besteira.E como previsto, Pitbull teve um ótimo desempenho na prova. Ficou entre os dez

primeiros no resultado geral, garantindo vaga na escola técnica. Com os bons exemplosregistrados pelo garoto nos últimos meses, Claudia e Marcos deram entrada no pedido deliberdade no Departamento de Execuções da Infância e da Juventude da Comarca de SãoPaulo.

“Cumpre, observar, que A.S., tem vaga garantida em um dos principais colégios técnicosdo Estado, revelando de plano a seriedade com que tem enfrentado o seu problema e que todosos envolvidos no seu processo de recuperação querem o ver bem e esta é uma oportunidadeúnica, uma vez que a falta de oportunidades educacionais é alarmante e prejudica uma grandeparcela da nossa sociedade. Portanto, vem respeitosamente, ouvido o Douto representante doMinistério Público, requerer a CONCESSÃO DE LIBERDADE, para que fora da instituiçãode internação, que nasceu para ser do BEM ESTAR DO MENOR, e que infelizmente não é, ojovem em questão possa seguir sua vida estudando e trabalhando e sobre tudo no seio de suanova família”, destacou a petição do advogado contratado pelo casal.

O judiciário não teve como negar o pedido e concedeu liberdade a Pitbull. O meninoestava livre para começar uma nova trajetória.

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Capítulo 12 Claudia e Marcos moravam no Sacomã, na zona sudeste da cidade de São Paulo. O bairro

era próximo à comunidade de Heliópolis, atualmente uma das maiores do município. No inícioda década de 1970 a Prefeitura de São Paulo, a pretexto da abertura de novas vias, transferiucento e cinquenta e três famílias moradoras das favelas Vila Prudente e Vergueiro para umterreno pertencente ao Instituto de Administração Financeira da Previdência e AssistênciaSocial. Foi o início da ocupação.

Por muitos anos o casal realizou trabalhos na comunidade, porém, após a atuação nasunidades de internação, algumas ações na favela ficaram de lado. Eles agora também tinham apreocupação com Matheus, que tinha acabado de completar 13 anos. E um novo hóspedetambém estava a caminho.

Pitbull estava impressionado com a residência dos seus “novos pais”. Era um imóvelgrande, com áreas separadas. Uma principal, com uma sala espaçosa, uma cozinha grande, doisbanheiros, dois quartos e uma suíte; e outra menor, com apenas uma sala, quarto, banheiro ecozinha.

A residência era tipo um sobrado, com garagem no térreo e um quartinho para guardartranqueiras. E os outros cômodos na parte superior. O imóvel foi comprado por Marcos quandoele ainda integrava o grupo do Telecatch.

A escola de Pitbull ficava distante da residência. Ele teria de pegar dois ônibus parachegar à unidade de ensino, mas estudaria em um dos principais colégios técnicos do Estado. Ea rotina do menino seria puxada.

Pela manhã Ensino Médio. À tarde, Ensino Técnico. E à noite, treinos de artes marciaisem uma academia de um amigo de Marcos. O objetivo do casal era manter a cabeça de Pitbullocupada e o menino poderia ser uma referência para Matheus, que sentia muito a ausência dospais, sempre envolvidos em atividades diversas.

E Pitbull e Matheus se deram bem de primeira. O garoto não saia do pé do agora irmãomais velho. “Pitbull me ajuda com a lição de casa? Me ensina aquele golpe? Bora jogar vídeogame? Faz leite pra mim?”.

Pitbull achava engraçado e até estava satisfeito com a nova função de “babá particular”.Já tinha convivido com perfis diferentes de garotos e aquele, para ele, era mais que especial.

- Você vai estar comigo, ao meu lado, o resto da minha vida.

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- Está falando sobre o que Pitbull? Só joga e fica quieto. Você está me atrapalhando –respondeu Matheus arrancando uma gargalhada do irmão.

Na escola, Pitbull ainda buscava adaptação. Apenas a direção da unidade tinhaconhecimento do seu histórico. E o menino também procurava não ficar comentando os fatosmarcantes da sua vida. Apesar de ser “descolado”, não tinha nenhuma amizade. O meninoencarava os amigos do colégio com receio.

De uma sala de trinta e cinco alunos, era o único negro. A maioria dos jovens da unidadede ensino também era formada por filhos de pessoas importantes e influentes, a chamada “EliteBranca”.

Certo dia, na volta para casa, Pitbull sentou ao lado de uma loira linda, 17 anos, olhosverdes. A menina estudava na mesma escola, mas em outra sala.

- Eu te vejo todos os dias, mas você nunca fala com ninguém. Tem algum tipo deproblema? – indagou a garota a Pitbull sem perder tempo.

- Eu venho aqui para estudar e não para ficar conversando. Se eu quiser conversar comalguém, ligo para minha mãe ou para meu pai, que neste momento, são as únicas pessoas porqual me interesso – respondeu o garoto, direto, arregalando os olhos da jovem loira.

- Vixe, que bicho te mordeu?- Na boa, nem te conheço. Quem você pensa que é para achar que os meus problemas são

do teu interesse?A garota, acostumada a ser o centro das atenções, ainda não acreditava no tratamento que

estava recebendo.- Cara, desarma. Me expressei mal, desculpa!- Vamos do início então. Prazer, meu nome é Antônio Silva e o seu?- Fernanda!- Em que posso ser útil?- Você é bipolar?Pitbull ficou olhando para o rosto de Fernanda por alguns segundos, pensou em uma

resposta áspera, mas amenizou para manter o diálogo.- Não. Esse é meu jeito. Você acostuma!Fernanda gargalhou alto, despertando a atenção das outras pessoas do ônibus. A menina

não tinha modos, era do tipo “faladeira” e “sem noção”. Mas era linda e isso a tornavasuportável para Pitbull.

Por algum motivo, Pitbull tinha chamado a atenção dela e até despertou um certo

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interesse. O jeito marrento do garoto fazia o estilo de Fernanda, acostumada a namorar “BadBoys”. O primeiro relacionamento “sério” da menina foi aos 11 anos e aos 17, ela já tinhacerta experiência.

Fernanda era filha de advogados, sempre muito ocupados e que criaram a meninapraticamente dentro de escolas particulares. Sem a atenção dos pais, sempre buscou carinho eapoio em outros locais.

Já Pitbull foi criado pelo mundo, até encontrar Marcos e Claudia. Este futurorelacionamento, de perfis com tantas diferenças, tinha tudo para dar errado. E deu!

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Capítulo 13 Pitbull não tirava os olhos do relógio que acabara de ganhar de Marcos, um presente

pelas boas notas no primeiro bimestre na escola técnica. Porém, desde que aumentou aconvivência com Fernanda, o interesse do menino pelos estudos vinha diminuindo.

Passou a deixar de lado os trabalhos, e não saía do computador, onde passava horasconversando com a loira por um programa novo conhecido como Messenger e popularmentebatizado como MSN.

Fora de casa, a única oportunidade que Pitbull tinha para falar com Fernanda era naescola. E faltando trinta minutos para acabar a aula, ele já não aguentava mais as explicaçõesdo professor de Matemática, o senhor Luiz.

Na verdade, para o menino, tudo agora parecia um saco. Apenas Fernanda interessava. Ea garota sabia o poder que tinha sobre Pitbull. Apesar de se conhecerem há pouco tempo, ocasal estava totalmente envolvido em uma paixão adolescente, que beirava à “loucura”.

- Eu te amo muito – se declarava Pitbull a todo instante.- Eu amo mais. Nascemos um para outro – correspondia Fernanda.Só que apesar de tanto amor, Pitbull ainda não tinha contado tudo sobre sua vida à

menina e ela sabia que ele escondia algo.- Qual o seu mistério Antônio? – sempre questionava Fernanda.- Não tenho mistério algum!- Já estou de saco cheio desta resposta. Quando vai se abrir realmente comigo?- Certa vez Oscar Wilde disse que se soubéssemos quantas e quantas vezes as nossas

palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio neste mundo. Se fico em silêncio, éporque não quero ser mal interpretado!

- Nossa Antônio, você não se cansa de tentar parecer algo que não é? Fica com esse papomole, o tempo todo, parecendo aqueles intelectuais da zona sul, e isso está me irritando.

A convivência com Claudia e Marcos transformou Pitbull. Antes um menino agressivo,agora o garoto era politizado, engajado em causas sociais e extremamente inteligente. E afutilidade de Fernanda às vezes o irritava, mas a beleza e o jeito meigo da menina compensavaa relação.

Ele até queria contar a sua história para a garota, mas tinha medo que ela se afastasse. Nofundo sabia que a “patricinha” não aceitaria com tranquilidade o fato de ele ser um ex-interno

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de uma unidade de recuperação para jovens infratores.Antes de abrir o jogo, queria fortalecer seu relacionamento, mas Fernanda insistia,

pressionava e ele não estava aguentando mais. Sem coragem para falar, preferiu escrever.- Fernanda?- Oi.- Escrevi uma carta para você. Mas me promete que só vai ler quando chegar em casa!- Ok – respondeu rispidamente a menina, antes de deixar o ônibus.Ao chegar ao seu apartamento, Fernanda correu para o quarto. Não queria ser observada

por ninguém. Abriu a carta e ao terminar de ler o texto de Pitbull não sabia o que pensar.Estava chateada. Achava que o menino deveria ter “aberto o jogo” antes, e ao mesmo tempo,tinha medo por estar com alguém “barra pesada”.

Na escola, Fernanda ficou dias sem falar com Pitbull. O menino também mantinha ogelo, mas estava destruído emocionalmente. Ainda não acreditava no comportamento danamorada, por mais infantil que ela fosse.

Numa tarde, no final das aulas, Pitbull resolveu enfim confrontar a loira e resolver acrise. Fernanda estava no pátio da escola com outros amigos.

- Que saco, lá vem o Antônio – comentou a menina com os companheiros de sala.- Vocês não estão namorando? – perguntou Juliano, em tom irônico.- Não! – respondeu com firmeza a menina.Juliano era filho do diretor da escola técnica. Loiro, um metro e oitenta e cinco

centímetros de altura, olhos verdes e com uma boa conversa, era o sucesso do colégio. Era otipo de cara que balançava o coração da mulherada.

- Posso falar com você Fernanda? – gritou Pitbull, enquanto era observado pelos amigosda menina.

- Ela não pode e nem quer! – respondeu Juliano, antes mesmo de a loira esboçar qualquertipo de reação. No fundo, a menina estava achando “graça” da situação.

- Não sabia que seu nome era Fernanda – confrontou Pitbull.Juliano, confiante na companhia dos outros amigos, seguiu em direção de Pitbull.- Negão, é o seguinte. Toma seu rumo ou a coisa vai ficar feia pro seu lado – ameaçou o

filho do diretor, com o dedo em riste.Pitbull não aceitou a provocação e quando percebeu, já estava socando Juliano. A gritaria

era geral. Quem tentou separar a briga também levou a pior. No final da confusão, dois narizesquebrados e o filho do diretor desacordado de tanto apanhar.

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Tudo tinha passado dos limites e Pitbull sabia que as consequências da briga seriamgraves. Logo após o ocorrido, a família de um adolescente de 15 anos, que acabou agredido naconfusão, procurou a polícia.

Pitbull já estava em casa, e Marcos ainda não acreditava no ocorrido.- E aí cara. Será que a pegada realmente é esta? Você deu dez passos para trás, sem

contar que você complicou totalmente sua situação na escola.- Perdi o controle Marcão. Fui desafiado e só respondi.- Certamente não agradamos todas as pessoas. Tenho plena consciência de que isso

também deve ter acontecido comigo, mas nunca passei por nenhum tipo de constrangimento,descrédito ou tive que agredir alguém para me impor. Muito pelo contrário, sempre tive portasabertas e possibilidades por onde passei.

- Só resta assumir as responsabilidades dos meus atos – respondeu Pitbull, cabisbaixo eainda reflexivo.

- Não vou ficar aqui te dando sermão, tampouco te condenando. Tenho convivido comvocê e sei da sua personalidade e potencial. Porém, se você não dominar sua personalidade, elavai sufocar todo o seu potencial.

- Marcão, qual a possibilidade de eu ser expulso da escola?Marcos deixa o clima tenso e cai na gargalhada.- Cara, você espancou o filho do diretor...- Não vou ter forças pra recomeçar. Eu posso ser preso outra vez!O ex-lutador queria encerrar a conversa, ainda teria que explicar a situação para Claudia e

o pior, encarar os pais dos alunos agredidos por Pitbull. Porém, não deixou o menino sem umaresposta.

- Antônio, sempre há tempo para recomeçar. Neste momento, avalie os prós e contras dasua atitude e assuma uma postura, porque você vai precisar de uma.

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Capítulo 14 Claudia, Marcos, e o advogado Tadeu levaram Pitbull à Delegacia para prestar

esclarecimentos sobre a briga, antes que a situação ficasse pior para o jovem. O diretor daescola técnica, Almiro, porém, já tinha entrado no “circuito”.

- O delegado titular afirmou que foi procurado por algumas pessoas e que iria registrarum termo circunstanciado do caso e que os envolvidos na briga responderiam por crime delesão corporal. No entanto, o diretor Almiro esteve aqui, com alguns pais, e nada foiregistrado - explicou Tadeu a Claudia, Marcos e Pitbull.

Marcos não entendeu nada e resolveu procurar Almiro para uma conversa. Na escolatécnica, o diretor foi direto ao assunto:

- Lamento o episódio envolvendo os meninos. Foi um caso isolado e é a primeira vez quetemos algo deste tipo relacionado à escola. É chato pelo fato deles se tratarem desta maneira.Fiz uma intervenção no caso, junto à polícia, para não manchar o histórico do colégio.

A postura do diretor surpreendeu Marcos. Almiro já comandava a unidade de ensino háquinze anos. Tinha fama de “durão”, organizado e perfeccionista.

- O Juliano sempre teve tudo o que pediu. As melhores roupas, os melhores tênis,conforto e tudo que um adolescente pode imaginar. Mas, é um menino problemático. Vivemetido em confusão e bagunça. Há duas semanas, agrediu um outro jovem no condomínio.Desta vez, com o Antônio, levou a pior. Acho que foi uma boa surra. A surra que nunca tivecoragem de dar nele – desabafou Almiro a Marcos.

- Não sei se esta surra vai corrigir algo. Pode até ser que piore o comportamento doJuliano. A meu ver, e, desculpa o meu posicionamento, mas o que faltou a ele foi um pouco derepreendimento e educação.

- Marcos foram muitas as falhas com o Juliano. Sempre priorizei meu trabalho e isto medistanciou do menino. Enquanto estava aqui educando filhos de outras pessoas, passeitotalmente a responsabilidade pela criação dele à minha esposa, que sempre foi muitocomplacente. Agora, só me resta ser firme com ele ou vou acabar com um criminoso dentro daminha casa!

- E se ao contrário da firmeza, você buscar o caminho do amor? Assim o Juliano pode seaproximar mais de você e uma relação mais próxima, de cumplicidade, pode ser estabelecida.

- Existe uma frase Marcos, de William Shakespeare, bem reflexiva: “Aprendi que não

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posso exigir o amor de ninguém... Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim... Eter paciência para que a vida faça o resto”.

A conversa rolou a tarde toda e Almiro contou a Marcos que estava sofrendo pressão dealguns pais para expulsão de Juliano e Pitbull do colégio.

- Vou ter que ceder. O fato registrado foi muito grave e não existem dúvidas que a escolaé responsável pelo aluno e por sua integridade física. Não falo nem pelos nossos meninos, masoutros saíram machucados da briga.

- O Pitbull, como é de seu conhecimento, tem uma história muito triste. Está em plenoprocesso de recuperação e esta expulsão pode prejudicar totalmente sua trajetória – reforçouMarcos.

- Acredito, sinceramente, que não tenho outra escolha a não ser optar pela expulsão dosdois. Eles decidiram brigar. Agora aprenderão, da pior forma possível, como um temperamentoagressivo e a falta de tolerância são prejudiciais para a boa convivência em sociedade.

Marcos ainda tentou convencer Almiro que a expulsão era uma atitude extrema, noentanto, o homem estava irredutível.

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Capítulo 15 Era sábado e Claudia estava na unidade de internação aplicando atividades educacionais.

Marcos e Pitbull, que aguardavam a decisão do diretor Almiro, também estavam no local,dando aulas de artes marciais.

Há alguns meses, Claudia apresentava alguns problemas de saúde, mas preferiu nãocontar nada ao marido. Estava engasgando com frequência, se desequilibrando com facilidadee apresentado dores musculares em diversas partes do corpo.

Na hora do lanche, após concluir a atividade com os meninos, Claudia estava norefeitório, comendo pão, quando novamente engasgou. Desta vez, a situação foi mais grave. Aprofessora não conseguia respirar, ficou vermelha igual a um pimentão e se debatia pedindosocorro.

Dois agentes, que também estavam no refeitório, tentaram ajudar Claudia. Um doshomens agarrou a mulher pelas costas e fez um enlace com os braços ao redor do seuabdômen. Com as mãos, o socorrista comprimiu e empurrou a “boca do estômago” para dentroe para cima, como se quisesse levantar Claudia do chão.

No entanto, a professora continuava engasgada e sem conseguir respirar. Um dos agentesdeitou a professora no chão, deixando o pescoço dela virado de lado e manteve as vias aéreasde Claudia abertas, facilitando a passagem do ar. Em seguida, o outro homem correu para ligarpara a emergência.

Quando Marcos e Pitbull foram avisados do ocorrido, Claudia já estava a caminho dohospital. Quando chegaram à unidade de saúde, as intervenções necessárias já tinham sidofeitas e a professora já estava fora de risco.

- O engasgo é uma emergência médica. Em casos mais graves, pode causar asfixia e atélevar à morte. Foi muita sorte as pessoas que estavam perto da Claudia estarem atentas e teremprestado corretamente os primeiros socorros no momento do engasgo – explicou o médico aMarcos.

- Nossa, fiquei muito assustado com a situação – disse o ex-lutador.- Quando engolimos uma comida, ela deve seguir pelo esôfago até o sistema digestivo, e

o ar pela traqueia, até chegar aos pulmões. O engasgo acontece quando algum alimento ouobjeto toma o caminho errado e impede que o ar siga normalmente até os pulmões – explicoutecnicamente o médico, enquanto Marcos pensava apenas em ver logo a esposa.

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***Com o susto, Claudia contou a Marcos sobre os problemas que estava enfrentado nos

últimos dias. O marido pediu uma bateria de exames aos médicos e a professora teve depermanecer três dias no hospital até todos os resultados ficarem prontos.

Marcos e Claudia estavam no quarto da unidade de saúde quando três médicos levaram odiagnóstico.

- Claudia, você é portadora de uma doença rara, chamada de Machado-Joseph, que atacaas regiões cerebelares gradativamente, responsáveis por determinar a sequência das atividadesmusculares do corpo – despejou um dos médicos, sem nenhuma cerimônia.

- Determinar a sequência das atividades musculares do corpo? O que isso significadoutor? – questionou Marcos.

- Geralmente as pessoas que portam essa doença andam e falam com dificuldade e muitasaté precisam de ajuda da família para fazer coisas simples como tomar banho ou comer –simplificou o médico.

O diagnóstico foi chocante. Tanto Marcos quanto Claudia não sabiam o que falar.- O que pode ser feito hoje são tratamentos que visem à melhoria da qualidade de vida da

Claudia, como fisioterapia e fonoaudiologia. Também será necessário fazer acompanhamentocom neurologista e tomar medicações – completou o especialista.

***Na primeira consulta com a neurologista, dias após o diagnóstico, Claudia e Marcos

tiveram mais informações sobre a doença chamada de Machado-Joseph.- É uma doença rara no Brasil e ocorre com um a cada cem mil brasileiros. Trata-se de

um problema degenerativo, que normalmente se revela na fase adulta e se desenvolve com opassar dos anos – esclareceu a neurocientista Marly.

Ainda segundo a especialista, o diagnóstico da doença foi feito após a análise demarcadores genéticos legais, que fazem a indicação quando o paciente informa que háhistórico do problema na família. O pai de Claudia também apresentou, na velhice, os mesmossintomas, porém, ele não chegou a ser diagnosticado com a enfermidade Machado-Joseph.

- A ativação dos genes, responsáveis pela criação do cerebelo, faz com que a pessoa nãoconsiga mais coordenar os movimentos, a musculatura não obedece. O problema maior é adeglutição. Nós, que somos saudáveis, não temos a noção do quão difícil é engolir e quem éportador da doença tem essa dificuldade.

Marly falava com naturalidade, mas Marcos estava tenso e Claudia com os olhos

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marejados, pronta para desabar em lágrimas.- É possível saber por quais motivos a doença se manifesta em determinado momento, se

é por estresse, por ação hormonal ou pelo próprio envelhecimento? – questionou Marcos,enquanto a esposa apertava seu braço.

- Essa doença é uma ataxia, ou seja, é uma falta de coordenação dos movimentos. Estestêm uma ordem para acontecer e quem tem a Machado-Joseph tem o processo comprometidopor conta de uma mutação genética – explicou Marly, sem ainda esclarecer as dúvidas deMarcos.

- E tem alguma medicação? Algo que melhore a qualidade de vida dela? – insistiu omarido.

- Medicação só trata os sintomas, até pelo fato da doença não ter cura. Machado-Joseph étriste porque ela não compromete a inteligência, ou seja, a pessoa doente percebe a própriadegeneração muscular. Não é doença de degeneração cognitiva, como o Alzheimer.

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Capítulo 16 Após a expulsão do colégio técnico, Pitbull não queria mais saber de escola. Tinha

acabado de ler a biografia de Abraham Lincoln e tinha como teoria que se aquele homem,autodidata, conseguiu ser presidente dos Estados Unidos, ele também poderia chegar longe pormeios próprios.

Marcos até concordava com Pitbull. Como a qualidade de muitas escolas não era a ideal,era até vantajoso ter o menino estudando em casa. Porém, ele insistia na questão do diploma. Eo jovem, muito esperto, resolveu seguir pelo caminho mais fácil.

A modalidade de estudo chamada supletivo, direcionada para jovens e adultos que poralgum motivo não tinham conseguido concluir os estudos, estava em alta. E Pitbull optou porantecipar a formação, já que neste tipo de curso, ele conseguiria concluir o Ensino Médio emapenas seis meses. Marcos não estava muito satisfeito com a opção, mas a doença de Claudia oconsumia e ele preferiu deixar seu filho dar os próprios passos.

Pitbull estava próximo de completar 19 anos e além do diploma do Ensino Médio, eletambém queria dirigir. Porém, para conseguir a habilitação de motorista teria que trabalhar, jáque seus pais não “liberaram” dinheiro para o pagamento das taxas e exames necessários.

Na televisão, Pitbull ouviu falar do Centro de Solidariedade ao Trabalhador, umainiciativa inovadora da Força Sindical em 1998, em São Paulo, quando os índices dedesemprego na cidade batiam os vinte por cento.

A motivação para a implantação da agência de emprego foi criar um local em que otrabalhador pudesse centralizar sua busca por emprego, sem precisar gastar com isso. E quealém da inscrição, recebesse apoio durante a busca pela colocação.

Pitbull ia diariamente ao local, que ficava na região da Liberdade, o maior reduto dacomunidade japonesa em São Paulo. Sempre estava acompanhado de um bom livro e de tantofrequentar o Centro do Trabalhador, era figurinha carimbada no local.

- Fala Tonhão? Está lendo o que hoje? – perguntara Caio, atendente da agência deemprego.

- As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley. São quatro livros e estou no último.Já leu algum?

- Não. Ler é coisa pra boiola – gargalhou Caio.Pitbull se divertia com o atendente. De todos do Centro do Trabalhador, era um dos mais

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simpáticos.- Tonhão, tenho coisa boa para você hoje. E tem a ver com esse livro aí!- É mesmo? Tem uma vaga de emprego sobre as Brumas de Avalon?- Não sei bem. É uma vaga de contínuo!- O que faz um contínuo?- Tonhão, não sei bem, mas deve ser algo relacionado a livro, porque o empregador está

pedindo uma pessoa com bons níveis culturais. Deve ser para cuidar de uma biblioteca ou algodo tipo – acrescentou Caio.

Pitbull estava disposto a qualquer coisa, então recebeu a carta de indicação de Caio eseguiu até o endereço do empregador. Era uma loja de artigos variados, que ficava na RuaVinte e Cinco de Março, considerada o maior centro comercial da América Latina.

Quando chegou ao local, procurou o gerente Francisco, um espanhol metódico eestranho.

- Vamos ao escritório para uma entrevista – ordenou o homem.O jovem estava desconfiado. Não tinha marcado horário, foi atendido de pronto pelo

gerente e de cara já seria entrevistado. No entanto, estava precisando do emprego e topou obate papo com Francisco.

- Tem experiência na vaga pretendida? – questionou o gerente.- O que exatamente um contínuo faz? – respondeu Pitbull.- Você não sabe que só um idiota responde uma pergunta com outra pergunta? –

esbravejou o espanhol.- E o senhor não sabe que é muito feio copiar a frase do Chaves? Principalmente quando

está entrevistando alguém?O gerente ficou olhando para Pitbull por alguns segundos e nos últimos anos, essa era a

resposta mais inteligente que tinha recebido de um candidato a contínuo.- Faz o seguinte: você começa amanhã. Vamos fazer uma experiência de três meses. Se

for bem, registro sua carteira. O salário é de seiscentos reais, pago vale transporte, mas arefeição é por sua conta.

- Você não me disse o que faz um contínuo? – insistiu Pitbull.- Filho, você quer o emprego ou não? Quando eu cheguei ao Brasil, não ficava

perguntando para os meus patrões o que era isso ou aquilo. Apenas trabalhava. Mas você énovo e tem tempo para aprender! Agora volta amanhã e pronto.

Pitbull gostou do jeito direto do espanhol e voltou no outro dia para trabalhar como

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combinado. Porém, descobriu, da pior forma possível, como era ingrata a vida de contínuo.Apenas na primeira semana de trabalho o jovem pintou parede, carregou caixas, lavou a

loja, limpou banheiros, buscou marmita. Era o ajudante de todo mundo. Até o office boymandava nele.

- Cara, porque você exigiu boa formação cultural para contínuo, se aqui não passo de umajudante geral? – indagou, revoltado, a Francisco.

- O rapaz do Centro do Trabalhador perguntou se eu tinha alguma exigência e a única queme veio à cabeça foi esta – gargalhou o espanhol, dando um tapa no rosto de Pitbull, enquantomandava ele voltar ao trabalho.

E a rotina do jovem estava puxada. Das oito às dezessete horas trabalho. Das dezoito asvinte e três horas supletivo e aos sábados treinos de artes marciais e trabalho nas unidades deinternação com Claudia e Marcos.

Quando concluiu o supletivo, Pitbull enfim deu início as aulas de direção. Já tinha 19anos quando foi fazer a prova prática de volante, que passou de primeira, novamentesurpreendendo Marcos, que no fundo esperava que o jovem demorasse mais para conseguir aCarteira Nacional de Habilitação (CNH).

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Capítulo 17 Pitbull era faixa preta em três diferentes estilos de luta: jiu-jitsu, karatê e taekwondo.

Também tinha noções de kickboxing e muay thai. Era uma verdadeira máquina de bater, frutoda dedicação de anos de treinamento, desde que conheceu Marcos. Há alguns meses o jovemtinha deixado o emprego de contínuo, para dar aulas de artes marciais em diferentes academiasna região onde morava.

Também estava estudando para o vestibular, já que tinha decidido cursar EducaçãoFísica. Enquanto estudava, Pitbull acompanhava tudo o que podia sobre uma organizaçãochamada Ultimate Fighting Championship (UFC), que vinha aos poucos ganhandopopularidade entre alguns lutadores do Brasil.

A marca, porém, foi criada alguns anos antes. Em 1993, o UFC revolucionou a indústriada luta, oferecendo os eventos mais importantes do MMA (artes marciais mistas).

Nesta ocasião, a organização do UFC trouxe o MMA para os Estados Unidos. O objetivoera encontrar “o campeão supremo em luta” e o conceito era ter um torneio com os melhoresatletas de diversas disciplinas das artes marciais, incluindo karatê, jiu-jitsu, boxe, kickboxing,wrestling, sumô e outros esportes de combate. O vencedor do torneio seria coroado comocampeão.

Uma vez lançada a marca do UFC, a popularidade do MMA subiu no Brasil, seguida deum enorme interesse pelo Japão, onde essas lutas se tornaram eventos importantes.

Em janeiro de 2001, sob nova propriedade do Zuffa™, LLC, a marca do UFCreestruturou totalmente o MMA, tornando-o um esporte de combate altamente organizado econtrolado.

Marcos tinha alguns amigos que estavam promovendo pequenos eventos do UFC noBrasil, na busca por bons lutadores que poderiam posteriormente disputar combates oficiaisnos Estados Unidos.

No momento, o principal lutador brasileiro de MMA era Vitor Belfort, que há poucosmeses havia sido derrotado por Chuck Liddell, no UFC 37.5.

- Pitbull, posso arrumar uma luta para você. Caso se destaque, pode até chegar ao UFC.O que acha? – perguntou Marcos, após receber um telefonema de Jairo, ex-colega do tempo doTelecatch.

- Isso vai dar dinheiro Marcão?

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- Deixa de palhaçada cara!Após os acertos necessários, Pitbull faria sua primeira luta de MMA no Ginásio do

Ibirapuera, contra um oponente chamado Fernando Marreta. No fundo, aquele combate erauma realização pessoal de Marcos. Matheus também estava empolgado e Claudia não gostavanem um pouco da ideia, mesmo conhecendo o potencial do seu filho.

Pitbull tinha um perfil diferenciado: um metro e noventa de altura, cento e oito quilos eenvergadura privilegiada. Era uma máquina de bater e sua fama era grande. E no seu primeirocombate, ele impressionou quem estava no Ginásio do Ibirapuera, já que precisou de apenasalguns segundos de luta para derrotar Fernando Marreta.

O adversário de Pitbull resolveu partir para o ataque sem cautela, com socos e chutes.Porém, o pupilo de Marcos derrubou Marreta com facilidade. Primeiro, ajustou a pegada nobraço direito. Depois, aplicou uma finalização rápida e precisa.

Com a vitória em menos de trinta segundos, Pitbull foi convidado para outro evento,desta vez em Minas Gerais. Nascia ali uma grande oportunidade para o jovem e ele foi comtudo para o desafio.

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Capítulo 18 Pitbull era um jovem em pleno conhecimento do mundo. Enquanto Marcos cuidava da

sua rotina de treinos e montava uma equipe para acompanhá-lo e auxiliá-lo, o rapaz só pensavaem diversão.

Após a primeira vitória como lutador profissional, Pitbull comprou um carro comMarcos. Um Chevrolet Corsa usado, mas que quebrava o galho do rapaz. Durante a semana,ele pegava firme nos treinos, mas sexta, sábado e domingo, Pitbull caia na noite paulistana.

O funk estava em alta, acabara de chegar a São Paulo com força, após explodir no Rio deJaneiro. Os bailes na periferia paulistana eram os mais quentes. Muita bebida, drogas eprincipalmente mulheres seminuas, dançando sensualmente, o que tirava Pitbullcompletamente da órbita.

Dos seus principais parceiros de balada, dois faziam parte da sua equipe de treinamento:Gurilson e Testinha. Mas o carro de Pitbull vivia cheio. Cada fim de semana pessoas diferentescurtindo a noitada com ele. E as opções de diversão eram variadas.

Tinha baile funk no Centro de São Paulo, zonas Sul ou Oeste, onde Pitbull gastava umpouco mais. Ou em Itaquera, no coração da zona Leste, que era mais barato e principalmentemais “quente”.

Pitbull adorava uma balada chamada Nações, em Itaquera, em que mulher sem calcinhaentrava de graça. No entanto, o lugar era barra pesada. Certa noite, no caminho para a casa deshows da zona Leste, a Polícia Militar fazia uma abordagem de rotina e o lutador não foi pararna cadeia por sorte.

Além dele no Corsa, estavam os inseparáveis Gurilson e Testinha e um rapaz que eleshaviam conhecido de outras noitadas, chamado Julião. Quando os policias mandaram Pitbullencostar o carro, tudo parecia tranquilo, até um dos PMs, durante vistoria, encontrar duzentospinos de cocaína no veículo.

- Que merda é esta aqui? – questionou o policial aos jovens, após achar as ampolas sob obanco do motorista.

Os quatro rapazes ficaram em silêncio e Pitbull, Gurilson e Testinha não tinham a menornoção do que estava acontecendo. Todos foram encaminhados para o plantão metropolitano dacapital para serem entregues à Polícia Civil, onde seriam investigados pelo crime de tráfico deentorpecentes.

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Pitbull e Julião foram no mesmo camburão. Enquanto Gurilson e Testinha seguiram nooutro carro. No caminho, o lutador queria saber o que estava acontecendo.

- E aí meu irmão, vai abrir o bico, ou vou ter que te matar aqui mesmo? – interrogouPitbull.

- Foi mal, cara! Eu coloquei as drogas embaixo do banco, ia vender na balada.- Foi mal, cara? Chegando à delegacia você vai abrir o bico e mandar a real. E eu não

quero meu nome e dos meus amigos envolvidos nisto. Se alguma coisa sair errado, eu juro quemato você.

No plantão policial, a ficha de Julião foi levantada. O rapaz era foragido da Justiça,condenado à pena parcial de sete anos de reclusão, em regime fechado, por vendercomprimidos de ecstasy em baladas no Rio Grande do Sul. Quando conseguiu fugir dapenitenciária, seguiu para São Paulo, para reestabelecer seu comércio, porém, em outroterritório.

Em seu depoimento no plantão policial, Julião negou ser um traficante e que a cocaínaera para consumo próprio. Ele ainda ressaltou que não pretendia usar a droga na balada, poisficaria apenas um pouco no local e depois seguiria para o litoral.

- Eu conheci esses caras tem poucos dias. Eles estavam só me dando uma carona. Nemsabiam que eu estava com as drogas – disse Julião, livrando a “cara” de Pitbull, Gurilson eTestinha.

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Capítulo 19 Após o susto, mais uma passagem pela delegacia e faltando um mês para sua segunda

luta, Pitbull mudou sua rotina. Estava fugindo de baladas e até tinha embarcado em umnamoro, com Sheila, uma passista de escola de samba, que ele conheceu durante uma dasnoitadas.

Marcos também não estava aliviando para o rapaz. Tinha passado uma dieta e uma rotinade treinamentos intensa, com o volume de dois a três treinos diários, que contavamprincipalmente com muay thai e boxe, modalidades de luta que Pitbull precisava melhorar seudesempenho.

- Hoje foi puxado Marcão.- E amanhã vai ser mais. Vai levantar às seis horas e aproveita e faz uma refeição com

bastante carboidrato, pensando no que precisa gastar ao longo do dia – ordenou Marcos,empolgado com a proximidade da luta.

Pitbull iria enfrentar Carlos Macaloy, e Marcos foi informado que o ganhador docombate seria credenciado para uma luta no Card Preliminar do UFC 50, marcado para 22 deabril de 2004, no Trump Plaza em Atlantic City, New Jersey. O evento seria transmitido aovivo no pay-per-view.

Então uma vitória em Minas Gerais abriria as portas para a grande chance de Pitbullcomo lutador e para realização de um sonho de Marcos: participar realmente de um grandeevento de artes marciais.

- Está mais empolgado que eu Marcão.- Não é empolgação. É meta!- Como assim? – achou graça Pitbull.- É simples rapaz. Sem metas não teríamos a perspectiva de dias melhores e isso seria

frustrante.Pitbull adorava Marcos. Ele sempre tinha posições inteligentes para as diversas situações

da vida.- Como a vida surpreende a gente. Até outro dia você estava preso e não tinha valor

algum para sociedade. Agora está a um passo de realmente dar a volta por cima neste processo.Como se sente Pitbull?

- Um aprendiz com acertos e erros Marcão, que jogou tudo para o ar e acreditou em

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pessoas boas e em si.- Sempre quis saber quais são suas referências quando pensa em sucesso?- Isso é fácil Marcão. Ayrton Senna, que com sua raça, determinação e ousadia resgatou o

orgulho dos brasileiros. Com ele deixamos de ser apenas uma pátria de chuteiras; IveteSangalo pelo carisma que ela transmite e toda sua trajetória como artista, sempre batalhou peloseu ideal; e Machado de Assis, que sou fã incondicional. Ele quebrou paradigmas na sua épocae mostrou uma realidade que não estávamos acostumados a ler na literatura brasileira. Sucessopara mim é isso, mudar o que existe, romper com a mesmice.

Marcos caiu na gargalhada e chegou até a ficar sem ar. Pitbull não entendia, mas tambémestava se divertindo com a situação.

- Ayrton Senna e Machado de Assis eu entendo. Agora Ivete Sangalo é pra boiola –respondeu Marcos, ainda gargalhando.

- Marcão, deixando a graça de lado, você acha que tenho chance de superar todos osdesafios que estão por vir?

- Depende de como você olha a vida como um todo. Tudo é um desafio. Lidar com os"egos", com os "nãos", com a "sorte", com todos os complexos sentimentos que envolvem umlutador e uma equipe. Na verdade, acordar às seis horas todos os dias para treinar já é umgrande desafio e esse pelo menos você tem superado.

***O evento em que Pitbull iria lutar teria início na noite de sábado, no Ginásio do

Mineirinho, em Belo Horizonte, porém o combate contra Carlos Macaloy seria na madrugadade domingo.

Marcos já tinha programado tudo. O lutador e equipe iriam de Van, com saída marcadapara as oito horas. Como a previsão era de a viagem durar sete horas, por volta das quinzehoras, todos já estariam no ginásio, com tempo de sobra para descanso e para realizarem asrefeições necessárias.

Ele iria de carro após as treze horas, já que teria que buscar uma amiga de Claudia paraficar na sua residência até o retorno de Minas Gerais. A doença da esposa de Marcos jáapresentava evolução e Claudia andava e comia com dificuldades.

- Eu encontro vocês lá. Vai dar tudo certo – se despediu Marcos do seu filho Pitbull.- Antes de sair beija a Claudia e o Matheus, conto com a torcida deles – respondeu o

lutador.- Pode deixar.

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Para chegar a Belo Horizonte, o trajeto indicado era pela Rodovia Fernão Dias, uma daspistas mais perigosas do País. Toda viagem sempre deixava Pitbull apreensivo e o rapaz ficavacolado no motorista para evitar qualquer risco de acidente.

- Vai devagar. Não estamos indo tirar o pai da forca moço.- Porra Pitbull, por isso que ninguém gosta de dirigir para equipe, você “enche o saco” do

motorista – reclamou Gurilson.Quando chegaram ao ginásio, o peso pesado Carlos Macaloy já estava no local. Ele tinha

fama de lutador sujo. Isso porque em um combate chutou a boca de um adversário e tambémquase cegou de um olho um oponente.

- Foi esse cara que quebrou o antebraço do Gilberto Louco? – questionou Testinha.- Vocês me ajudam bastante deste jeito – respondeu Pitbull.- Não vai ser fácil. Ele é um lutador experiente – acrescentou Gurilson, enquanto Pitbull

só pensava em Ayrton Senna.- O importante é ganhar. Tudo e sempre. Essa história que o importante é competir não

passa de demagogia.- Pitbull, não vem com estas frases de efeito. Você está andando muito com o Marcos.

Conversa não ganha luta – brincou Gurilson.- Eu vou bater tanto neste cara, que depois da luta ele vai ter de se aposentar.Enquanto a conversa rolava solta, a equipe preparava Pitbull para o combate. Com a

chegada de Marcos, teve início o aquecimento.- Vamos lá Pitbull. Corrida de dez minutos e séries com corda, fuga de quadril, levantada

técnica e rolamentos. Depois vamos fazer o alongamento da musculatura e alguns golpes.Pitbull já estava totalmente preparado quando seu nome foi chamado para subir ao

octógono. Já na arena de combate, muito concentrado, nem percebeu as provocações de CarlosMacaloy.

O locutor fazia sua vez, passando as informações sobre os lutadores ao público presente,que não parava de gritar e assoviar. Marcos, do lado de fora estava apreensivo. Gurilson eTestinha tinham medo do amigo se machucar. E Pitbull só pensava em Ayrton Senna.

O juiz do combate se posiciona em meio aos lutadores, passa rapidamente as regras, osoponentes se cumprimentam e começa a luta.

Carlos Macaloy, muito agressivo, não dá nem tempo para Pitbull respirar. Um, dois, trêssocos no ar. O que ele não contava era que Pitbull acertaria um cruzado de direita, em cheio noseu rosto. Macaloy apagou com menos de quarenta segundos de luta. O nocaute mais rápido da

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noite.Fora do octógono ninguém acreditava no que estava acontecendo. Marcos estava

ajoelhado chorando. Gurilson e Testinha abraçados parecendo namorados. O público estavaem pleno estado de delírio, gritando: “Pitbull, Pitbull, Pitbull...”

O locutor chama o prodígio da noite ao centro do octógono, enquanto faz graça antes deanunciar o ganhador do combate. O juiz segura o braço direito de Pitbull, que usa o esquerdopara provocar a torcida.

- Vitória avassaladora de Antônio Silva, o Pitbull – gritou o locutor empolgado, em plenoestado de “êxtase”.

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Capítulo 20 Pitbull completou 20 anos na melhor fase da sua vida. Tudo estava dando certo. Tinha

uma carreira de lutador profissional em ascensão e um pai, padrinho, treinador, que cuidava detudo, nos mínimos detalhes.

Marcos estava na correria, enfrentando a burocracia para conseguir o Visto Americanopara ele, Matheus, Claudia, Pitbull e os outros integrantes da equipe, que acompanhariam olutador para o evento do UFC, em abril, no Trump Plaza em Atlantic City, New Jersey.

O Trump Plaza foi aberto pelo magnata Donald Trump, em 1984, que definiu o edifíciocomo o melhor em Atlantic City e, possivelmente, dos Estados Unidos. Em 2004, o hotel, quetambém contava com um cassino, tinha localização privilegiada no coração do calçadão eatraía jogadores de todo o mundo, que buscavam distração e diversão. O local também recebiaeventos esportivos diversos, como lutas de boxe e recentemente de artes marciais, que estavamse popularizando nos EUA.

O confronto de Pitbull também estava definido. Seria contra o americano FranklinCollins, que iniciou a carreira na Luta Olímpica e era conhecido pelo excelente preparo físico.Collins apresentava o estilo de luta com clinch e quedas e era especialista em wrestling, umaarte marcial que utilizava técnicas de agarramento, arremessos e derrubadas, chaves, pinos eoutros golpes.

Para Marcos, Pitbull teria que levar a luta para “trocação”, se mantendo em pé e tendoassim larga vantagem sobre Collins. Em janeiro, faltando apenas três meses para o confronto,os treinamentos estavam centrados em melhorar a condição física de Pitbull. Então, o lutadorquase não tinha tempo para descansar. Porém, o rapaz encontrou boas ocasiões para relaxar. Eestas, mudariam totalmente o rumo da sua vida.

***Marcela era uma mulher linda e muito cobiçada. Adorava ser comparada a Viviane

Araújo, uma atriz que estava atuando em uma minissérie e que acabara de fazer um ensaio parauma revista.

Marcos recentemente conseguiu uma academia melhor estruturada para Pitbull treinar, eno local ele conheceu Marcela, que trabalhava no espaço como professora de dança. Os doisviviam juntos e não demorou muito para eles começarem um relacionamento.

O problema era que Marcela era casada com um segurança chamado João e que tinha

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fama de encrenqueiro. Pitbull não se preocupava muito com a situação. Bom de briga,dificilmente alguém lhe colocava medo. Marcos não aprovava o relacionamento, no entantonão interferiu.

E Pitbull e Marcela começaram a passar dos limites. Viviam sumindo. A mulher tambémpassou a inventar histórias diversas para o marido, para poder encontrar o lutador no períodonoturno. Eram cursos, aulas extras, compras no supermercado que demoravam uma eternidade.

João começou a desconfiar da situação e passou a seguir a esposa. Certa noite, flagrouMarcela saindo do Corsa de Pitbull, mas não conseguiu identificar o motorista. Não era aprimeira vez que estava sendo traído, porém, por amor, sempre perdoava a mulher. No entanto,desta vez, estava disposto a colocar um ponto final na história.

***O treino foi “puxado” para Pitbull, que estava com o corpo dolorido. O lutador estava

exausto e até desmarcou com Marcela o encontro noturno. Mas a moça já o esperava naacademia.

João também aguardava o motorista do Corsa para o acerto de contas. Marcos, com penade Pitbull, se propôs a buscar na academia os cremes, pomadas e comprimidos para aliviar asdores musculares do pupilo.

- Você lembra onde deixou os medicamentos? – questionou Marcos.- Estão na sala de treinamentos. Era para deixar no carro, mas acabei esquecendo –

respondeu Pitbull, deitado no sofá da sala, com um copo quente de chocolate na mão, enquantose distraía com um programa de esportes na TV.

- Estou com uma sensação estranha – acrescentou Marcos.- É mesmo? Tem permissão para ir ao banheiro – brincou o lutador.- É verdade rapaz. Estou com a sensação que não verei sua luta.O tom sombrio da fala de Marcos deixou Pitbull cheio de calafrios.- Aconteceu alguma coisa que não estou sabendo Marcão?- Nada. É só uma besteira. Às vezes a gente sente meio que um vazio.Pitbull achou graça e levantou para abraçar Marcos.- Você é muito especial. Conhecer você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida –

disse o lutador ao pai e os dois ficaram ali abraçados.Marcos saiu com os olhos cheios de lágrimas, emocionado. Entrou no Corsa, ainda

observado por Pitbull e seguiu para academia, que ficava a vinte minutos da sua residência.A academia ficava em uma rua deserta, com pouca movimentação de carros. Porém, o

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estacionamento estava lotado e Marcos teve que estacionar em uma rua próxima. João jáestava na espreita, pronto para a emboscada.

Quando viu o Corsa passando frente à academia e seguindo para direita, correu emdireção ao veículo. Conseguiu ver Marcos manobrando o carro e seguiu devagar em direção aopai de Pitbull.

Marcos fechava a porta do carro, quando João sacou um revólver e efetuou três disparosno peito da sua vítima. Após o crime, o segurança não tentou fugir. Ajoelhou, colocou a armana boca e apertou o gatilho mais uma vez.

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Capítulo 21 Nem nos treinos mais fortes, quando os músculos ficavam moles de tanto esforço. Nem

nas lutas mais duras, quando os adversários socavam todas as partes de seu corpo. Nem nainfância, quando a solidão era sua única companhia. Nada disso preparou Pitbull para a dorque ele sentia naquele momento. Dor, muita dor.

Foi isso que o lutador sentiu quando ficou sabendo do assassinato de Marcos. E essa dorera física. O coração não era capaz de conter, sozinho, o sentimento. Ele estava sem ar, comum nó na garganta e tudo, absolutamente tudo, doía.

Arrependimento, culpa, raiva, tristeza. Um turbilhão de emoções se instalou de vez.Pitbull era velho conhecido da morte, já tinha perdido muita gente no decorrer de sua vida.Mas desta vez foi diferente. Apesar de nunca ter dito, Marcão era sua referência, seu alicerce.O homem, que lhe estendeu a mão, ofereceu abrigo, comida, um futuro e uma família; já nãoexistia mais.

E ele queria abraçar aquele homem, queria poder dizer o quanto era grato por tudo, porter transformado sua vida. Queria falar que ele era mais importante que a Ivete Sangalo, que oMachado de Assis, mais importante que o Ayrton Senna. Mas nada disso poderia ser dito, nadamais poderia ser feito. Marcão estava morto. Sem vida.

A cabeça de Pitbull rodava. Ele desejava, no fundo de sua alma, poder mudar aquilo. Elequeria estar lá e tomar três, dez, vinte tiros no lugar do treinador, amigo, pai. Ele merecia isso.Ele merecia morrer. Desde o seu nascimento, todos que o cercavam eram ceifados e Pitbull sóconseguia pensar que a culpa sempre foi dele, sempre. Não havia explicação para tantafatalidade. Não havia mais razão para uma vida tão desgraçada.

E mais uma vez, o lutador brigou com Deus. Como um ser superior podia ser tão cruel,pensava. O Criador podia ter poupado a vida de muitas pessoas, se tivesse ceifado a sua desdeo princípio. Pitbull se sentia como uma legião de demônios, que sugavam tudo de bom de cadacanto do universo. De repente, tudo o que restou foram sombras.

Como um animal, ele revirou o quarto que lhe serviu de abrigo. Nenhum objeto foipoupado. E quando não havia mais nada para arremessar ele decidiu que as paredes mereciamuma boa surra. Os punhos sangravam e provavelmente um ou dois dedos já estavamquebrados, mas ele não se importava. Estava sem controle, assim como sua vida, assim como avida de todos ao seu redor. “Quem controla essa porra?”, questionava.

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Na cabeça dele, essa pessoa merecia passar cinco minutos com ele e ter o mesmo fim dasparedes. Foram incontáveis minutos de desespero e quando não havia mais força, ele chorou.Pitbull nem se lembrava da última vez em que havia se derramado em lágrimas. Na verdade,ele nem sabia se tinha chorado algum dia.

Ele sentiu cada camada de proteção ser arrancada de sua pele. Estava totalmente expostoe frágil, e aquilo era desconfortável. Uma vida inteira erguendo muros para esconder seuspontos fracos e um segundo para tudo desmoronar. E a tristeza era tanta que ele chorou porMarcão, por Claudia - que acabara de perder seu companheiro, por Matheus - que nunca maispoderia falar com o pai, e chorou por nunca ter conhecido seus próprios pais – aquilo tambémdoía, por ter perdido seu tio, e chorou ainda por todas as vezes que se sentiu sozinho.

Uma criança largada à própria sorte. Perdida. Depois desse surto, Pitbull ficou fora do ar.Ele, que nunca perdeu uma luta, foi nocauteado pela vida. E a lona não parecia tão ruimnaquela altura.

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Capítulo 22 Mesmo sabendo que a família de Marcão precisava de sua ajuda naquele momento,

Pitbull não saiu do quarto. Ele estava há horas deitado no chão e não pretendia levantar tãocedo. As vozes de Matheus e de alguns parentes de Marcão ecoavam ao fundo, mas a casaestava morbidamente silenciosa.

Era como se ao partir Marcão tivesse levado consigo cada parte de um todo quetransformava aquele lugar em um lar. Matheus nem sequer procurou por Pitbull. A políciatratava o caso como crime passional, mas ele sabia exatamente o motivo do pai ter sidoassassinado e não queria ver o irmão de jeito nenhum.

Se não estivesse tão ocupado com o funeral, certamente confrontaria Pitbull, pois a raivaestava à flor da pele, mas naquele momento ele precisava ser forte por sua mãe, que estavadesolada, em estado de choque. O tempo do acerto de contas chegaria: “Além de matar meupai, esse imbecil é um covarde”, pensava ele.

O que Matheus não sabia era que o próprio Pitbull concordava com ele. O lutadortambém se achava um grande covarde, mas isso não o incomodava a ponto de reagir, tomaruma atitude e verdadeiramente se responsabilizar por suas ações.

Com lágrimas nos olhos e o coração em migalhas, Matheus separou as peças de roupapreferidas de seu pai e seguiu para a funerária. No caminho, ele só conseguia pensar que o painunca mais voltaria para casa e aquilo era a coisa mais dolorosa do mundo. Ele fez questão deajudar a preparar o corpo para o velório e pela primeira, e última vez, ajudou a vestir o pai.

Enquanto colocava a camisa, Matheus imaginava aqueles mesmos braços o segurandodesde menino. A cada tropeço, lá estava o pai o ancorando. E agora só o que restava era ovazio e a sensação de insegurança, de vulnerabilidade.

- Metade de mim foi embora - disse baixinho Matheus ao terminar de abotoar a camisa.Os olhos ardiam de tanto chorar. E apesar de parecer calmo, Matheus estava desesperado.

Sem saber o que fazer para consolar a mãe, sem saber o que fazer para se consolar. “Comoprosseguir depois disso? Como vamos viver sem você, pai?”, pensava. E não havia resposta.

***Já era quase meio dia quando o corpo de Marcão chegou ao Velório Municipal da

Saudade. Muitos familiares e amigos estavam no local para prestar as últimas homenagens.Claudia, que já estava com a mobilidade bastante comprometida por conta da doença, passou

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mal quando abriram o caixão.Era demais para ela ver seu companheiro morto. Matheus tentava ampará-la, mas a

verdade é que ele próprio estava prestes a ruir. O rosto de Marcão estava sereno, parecia atéque dormia. No entanto, cada vez que Matheus olhava para o pai imaginava as marcas dos tirosem seu peito. Em poucos minutos, o cheiro de vela e flores se tornou insuportável.

Aquela combinação de aromas certamente ficaria gravada para sempre na cabeça dele.Claudia estava debruçada no caixão e quando finalmente conseguiu falar, perguntou porPitbull. Ela ainda não tinha voltado para casa e também não tinha ideia de onde ele estava.

- Matheus, cadê o Pitbull? Ele não vai se despedir do seu pai? – questionou à mulher,enquanto o menino continuou em silêncio.

- Você falou com ele? - insistiu ela. O rosto de Claudia que até então era pura tristezacedeu espaço à preocupação.

- Ele simplesmente sumiu! - disse Matheus sem entrar em mais detalhes.Claudia ficou realmente preocupada. Ela conhecia Pitbull. Sabia o estrago que uma perda

como essa podia fazer. E por mais chateada que estivesse com a situação, ela consideravaPitbull um filho e ao contrário de Matheus, não o culpava pela morte de Marcos. Ela, quesempre foi muito espiritualizada, acreditava que tudo fazia parte de um plano maior.

Mesmo no momento em que soube da morte do marido ela não questionou os planos deDeus, nem o propósito disso tudo. Para Claudia, a morte era algo natural. Ela mesma estavamorrendo, aos poucos. Mas perder Marcos a fez enxergar que não era tão simples assim.Ninguém está preparado para essa dor. Ninguém está preparado para abrir mão daqueles queama. Ninguém quer ficar para trás, com as lembranças, as roupas, o perfume, a saudade.

As coroas de flores não paravam de chegar. Marcos era muito querido. Dezenas depessoas passaram no Velório Municipal para dar o último adeus. Claudia e Matheus ficaramsentados ao lado do corpo de Marcos o tempo todo. Na casa da família, Pitbull continuava noquarto. Imóvel. No meio do caos de objetos e vidros quebrados, o lutador parecia parte damobília. Depois de chorar por horas, ele simplesmente deixou o silêncio o absorver. E foiafastando cada pensamento sobre Marcão. Ele não queria sentir e não queria pensar, e nãoqueria viver.

O relógio no chão, ao lado de Pitbull, marcava dezessete horas. Ele não sabia, maschegara o momento do enterro. No velório, mãe e filho estavam aos prantos. O desesperotomou conta quando fecharam o caixão. Pensar em não ter mais o pai e marido por perto erainsuportável. Como se não bastasse a dor, os dois tiveram de lidar com os repórteres que

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chegaram bem nesse momento. O caso ganhou repercussão na imprensa sensacionalista.Diante de câmeras e pessoas estranhas, eles mais uma vez se viram impotentes.

- Vocês conheciam o suposto assassino? Sabem o que motivou o crime? A polícia disseque possivelmente trata-se de um crime passional. Vocês tinham conhecimento de algumrelacionamento extraconjugal? - perguntavam sem parar.

Matheus e Claudia nem conseguiram falar. Um dos familiares os afastou damovimentação e pediu respeito aos repórteres. O ataque da imprensa fez tudo piorar. A raivalatente de Matheus ganhou ainda mais força. Ele estava furioso com Pitbull por fazer suafamília passar por tanto sofrimento.

No cemitério ainda era possível ouvir o barulho dos flashes ao longe, mas o lamento eraainda mais alto. Quando posicionaram o caixão na estrutura metálica em cima da cova,Matheus apoiou a mão na madeira que guardaria para sempre o corpo do pai e chorou, e suamãe gentilmente depositou uma flor no caixão. E assim foi a despedida deles. Matheus então aabraçou e com cuidado a conduziu para longe. Nenhum deles conseguiria ver Marcos serenterrado.

***

O sol já estava quase se pondo quando Pitbull levantou. Ele olhou em volta, parecia queum tornado havia passado por ali. Bem devagar ele abriu a porta do quarto e saiu. Cada passoera doloroso. Cada canto daquela casa lembrava Marcão. Sem pensar, Pitbull saiu batendo aporta da entrada. Trancando lá dentro aquele pedaço de sua vida. A melhor e a pior parte dasua existência.

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Capítulo 23 O primo de Matheus, Tiago, levou os familiares de volta para casa. Claudia encarou o

batente da porta por alguns minutos antes de finalmente entrar. Ela também queria podertrancar aquele dia em algum lugar. Ela também queria fugir. Mas sabia que precisava encararaquilo de frente, como sempre fez.

- Me ajuda filho.Matheus pegou seu braço e jogou por cima de seu corpo. Ele sabia onde a mãe queria ir.

Devagar ela caminhou até o quarto de Pitbull. A porta estava escancarada. E ela ficou aindamais transtornada com o que viu dentro do cômodo. Chorando, mais uma vez, ela se agarrouao filho.

- Onde ele está? O que aconteceu? Será que alguém entrou aqui?- Eu disse, mãe. Ele sumiu! E fazer tudo isso – ele apontou as coisas reviradas – é bem a

cara dele!- Não. Ele não iria embora sem dizer nada. Sem falar comigo! - disse ela, enquanto as

lágrimas caíam sem parar.Vendo o estado da mãe, Matheus achou melhor não continuar com aquilo. Ele queria

dizer que Pitbull não voltaria e que isso era o que ele mais desejava. Mas, Claudia não mereciamais uma decepção e não aguentaria mais uma perda. “Merda, Pitbull, você fez ela sofrer denovo”, pensou.

- Mãe, a senhora precisa descansar. O dia foi duro para todos nós. Amanhã te ajudo aencontrar o Pitbull - disse Matheus.

E a promessa dele era verdadeira. Cedo ou tarde ele encontraria Pitbull, mas não pelasmesmas razões da mãe.

- Por favor, ligue para o pessoal da academia. Pergunte se alguém o viu. Eu só precisosaber se ele está bem.

- Tá bom, mãe. Mas vai descansar, você precisa comer alguma coisa e dormir um pouco.Claudia olhava fixamente para o rosto do filho. Parecia em transe. Parecia estar longe,

muito longe. Depois de uns minutos ela finalmente disse:- Sabe filho, eu nunca tinha percebido o quanto você é parecido com seu pai. Sem falar

mais nada ela então seguiu para o quarto que um dia dividiu com Marcão.Matheus foi para sala, repassando mentalmente o que a mãe acabara de lhe dizer. Aquilo

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foi triste e reconfortante. E ele se sentiu mais aliviado ao perceber que sempre carregaria umpouco de seu pai, em si mesmo.

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Capítulo 24 A garoa fez a temperatura cair bruscamente. Em alguma área residencial da cidade,

Pitbull caminhava por uma rua de paralelepípedos mal iluminada. Sem rumo. Sem nenhumdestino. As árvores balançavam com as rajadas de vento. Suas roupas já estavam molhadas, apele gelada, mas ele não sentia frio. Ele finalmente não sentia mais nada. A culpa estavadestruindo o lutador, mas ele desligou as emoções, como quando era apenas uma criançaabandonada, comendo o pão que o diabo amassou.

De repente, o som da sirene invadiu a escuridão. Os olhos de Pitbull se contraíram com aluz que vinha do giroflex da viatura. O policial que dirigia mandou o lutador encostar. Pitbullnão estava raciocinando direito e desobedeceu a ordem.

- Encosta, agora! - gritou o outro policial.- Esse cara está drogado.- Só pode estar mesmo!- Que merda, vou ter que correr atrás desse cara?! - reclamou o agente já saltando do

carro.Pitbull parou, mas não disse nada.- Mãos na cabeça! - ordenou o primeiro policial com a arma em punho.- Coloca logo as mãos na cabeça - repetiu o outro devagar.Ao perceber que o lutador não reagia, um dos agentes se aproximou com cautela. Pitbull

se moveu e os ânimos se alteraram. Ele mexeu os braços de repente e isso pegou os agentes desurpresa. O policial armado gritava, mandando Pitbull ficar parado. Ele olhou para a arma epensou que aquela seria uma boa maneira de acabar com tudo, ele só precisava...

Chão foi tudo o que ele viu em seguida. Seu rosto estava esmagado na calçada e um dospoliciais segurava seus braços para trás, montado em seu corpo. Mais uma vez Pitbull foi pararna delegacia.

***Gurilson e Testinha passaram a madrugada com Pitbull na delegacia. O próprio lutador

ligou para os amigos ao chegar ao departamento policial. Gurilson estava preocupado com asituação e ligou para Jairo, que veio para o enterro de Marcos e também precisava acertar osdetalhes da luta de Pitbull, antes da viagem para os Estados Unidos.

Os policiais militares já estavam arrependidos de ter levado Pitbull para delegacia, após

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saberem dos últimos acontecimentos envolvendo o menino, porém, o delegado fazia questãode registrar um Boletim de Ocorrência por desobediência, desacato e resistência.

- Pitbull, já resolvi tudo. Você só vai ter de assinar um termo circunstanciado pordesobediência e poderá deixar a delegacia. Vai para casa, toma um bom banho e esta semana teligo para acertarmos os detalhes da luta. A vida continua rapaz e este não é momento para ficarfazendo besteiras – explicou Jairo ao lutador.

***Uma semana após a morte de Marcos, toda a família ainda estava muito abalada. Claudia

e Pitbull trocavam poucas palavras. O lutador estava introspectivo. Já Matheus nem olharestrocava com o irmão, e a situação deixava a mãe angustiada.

Na cabeça de Claudia, era uma situação passageira, mas preocupante, até porque suascondições físicas não permitiam uma intervenção no caso, como antigamente. A doença estavaavançando rapidamente e ela praticamente já dependia de Matheus e Pitbull para pequenosafazeres.

No lutador, a tristeza o consumia. A morte de Marcos era seu único pensamento. Ele nãoqueria saber de treino, tampouco do seu combate contra Franklin Collins. Pitbull estava semenergia e interesse pela vida. Qualquer coisa o irritava e quando não estava dormindo, estavainquieto, andando por todos os cômodos da casa, carregando com ele um sentimento de culpa einutilidade, que dificultavam sua concentração e raciocínio. “Eu que deveria ter morrido”,pensava a todo instante.

Nos dias seguintes, enquanto Claudia e Matheus seguiam com a vida, enfrentando osdesafios diários, Pitbull mantinha o quadro de tristeza, chegando a um profundo estágio dedepressão. No lutador só existia espaço para pensamentos negativos, pessimistas, de culpa eautodesvalorização.

Dia sim, dia não ele sofria com a perda de sono e com a falta de apetite. No período danoite, o lutador também tinha que lidar com dores na cabeça insuportáveis. A pressão da suaequipe de treinamento e de Jairo, para que ele retornasse às atividades na academia, já que ocombate contra Franklin Collins estava próximo, enlouqueciam Pitbull, que queria apenassumir, deixar de existir.

E a cada dia o caso se agravava. Entre todos os pensamentos negativos, o suicidacomeçou a aparecer com mais frequência para Pitbull. A todo o momento ele pensava comoseria bom se não estivesse sobre a face da terra, como seria bom se existisse uma bateria quepudesse ser desligada e toda aquela dor e atormentação acabassem.

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Certa noite, trancando no quarto, meio sonolento, meio em transe, em total estado deperturbação mental, Pitbull começou a ver imagens distorcidas, entre elas a face de umamulher. O lutador também ouvia vozes e elas gritavam: “Desgraçado, maldito, infeliz”.

Delirando, Pitbull também conversava com a mulher. “Quem é você? O que quer demim?”, questionou. O lutador tinha a impressão de ter sido respondido e a mulher seidentificava como um anjo. “Ela veio me buscar. Ela quer me levar”, grita o rapaz, no quarto,assustando Claudia e Matheus.

- O que está acontecendo Pitbull? – perguntou Claudia, do lado de fora do quarto,observada por Matheus, em pânico.

- O anjo veio me buscar. Eu vou com ela. Ela é linda – delirava Pitbull, enquanto Claudiaorava do lado de fora e Matheus ficara estático, sem reação, apenas pedindo a Deus para quetudo terminasse bem.

***A crise de Pitbull passou e pela primeira vez, após muitos dias, ele resolveu se abrir com

Claudia.- Eu não estou bem. A pressão é muito forte e eu não estou suportando.- Pitbull, eu sei que o Marcos faz falta e a mesma barra que você está enfrentando eu

também estou, o Matheus também, mas a vida segue. É preciso coragem...- A questão não é esta Claudia. Eu não tenho mais vontade de viver. É simples. Porém,

ao mesmo tempo, me falta coragem para me matar.Claudia não acreditava no que estava ouvindo. Não reconhecia mais aquele menino que

apresentou uma evolução fantástica nos últimos anos. Pitbull agora parecia mais aquele garotomedroso, receoso e sem perspectivas que ela encontrou na unidade de internação. Matheus nãoentendia muito bem o que estava acontecendo e ainda estava com raiva do irmão, mas o medode também perder Pitbull o perturbava muito.

- Você precisará de um acompanhamento médico Pitbull. Eu vou levá-lo em algumespecialista, antes que você faça alguma besteira – definiu Claudia.

***Claudia passou a acompanhar Pitbull mais de perto. Evitava deixar o rapaz sozinho e

sempre que podia, mesmo com suas limitações, o acompanhava em atividades externas, comocaminhar no bairro, ir à padaria ou simplesmente ficar em uma praça, observando a vida ao

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redor.Pitbull passou a ir diariamente ao túmulo de Marcos e passava horas no local. Sempre em

silêncio, observado por Claudia, que ficava ali também, sentada na cadeira de rodas, como senada mais no mundo estivesse acontecendo.

Após alguns dias, Claudia conseguiu marcar uma consulta com um psicólogo paraPitbull. Gurilson e Testinha acompanharam o rapaz à clínica. No trajeto, o lutador não disseuma palavra. Por mais que os amigos insistissem, brincassem, lembrassem dos momentos dedescontração que os três passaram juntos, Pitbull continuava introspectivo, como se estivesseem outra dimensão.

Na clínica, o lutador teve de aguardar por trinta minutos, até ser recebido pela psicólogaGabriela, uma senhora de aproximadamente 50 anos, boa de conversa e que já estavaacostumada com quadros parecidos como no caso de Pitbull.

- Bom dia, tudo bem? – perguntou Gabriela. O lutador ficou apenas observando a mulher.- Pelo jeito não quer conversar – insistiu.E, o lutador não estava mesmo a fim de papo. Pitbull apresentava mudanças constantes

de humor. Um dia estava bem. No outro, só pensava na morte. Nos últimos dias tinha voltado aescutar vozes, no entanto, não tinha falado nada para Claudia.

Após mais de trinta minutos tentando manter um diálogo com Pitbull, Gabriela partiupara outra tática. Pediu que ele fizesse desenhos e o rapaz aceitou. O lutador colocou no papelsuas aflições, porém, um desenho chamou a atenção da psicóloga. Pitbull rabiscou um homemsendo empurrado para uma cova por um anjo.

- O que significa isto? – questionou Gabriela.- Sou eu e o anjo que me acompanha – respondeu Pitbull, pela primeira vez, após estar

mais de quarenta minutos na sala da psicóloga.- O anjo que te acompanha?- Isto. Ele insiste para eu tirar minha vida. Fala que eu sou um peso para minha família,

que desde o meu nascimento eu só tenho causado tristeza para as pessoas que me rodeiam.- E onde está este anjo agora?- Atrás de você – apontou Pitbull, causando calafrios e arrepios na psicóloga.- Ele disse que também vai te possuir – completou o lutador.- Antônio, você pensa em seguir as orientações deste anjo?- Eu preciso cumprir algumas etapas antes.- E quais seriam estas etapas?

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- Parar de lutar. Esquecer e me afastar de amigos e família. E por fim desaparecer destemundo!

- E como você pensa em desaparecer do mundo?- Tenho pensando nisto todos os dias. Se terei coragem. Mas planejo algo rápido, que eu

não consiga voltar atrás!As declarações de Pitbull impressionaram Gabriela. O caso dele era grave e precisava de

uma rápida intervenção.- Fica aqui na sala Antônio, que vou procurar seus amigos e já volto.Gabriela foi conversar com Gurilson e Testinha.- Vou ligar para a mãe dele. Preciso que vocês fiquem de olho no Antônio. Não deixem

ele sair da sala.Quando Gurilson e Testinha chegaram à sala Pitbull não estava mais no local. Enquanto

isso, Gabriela informava à Claudia, por telefone, que o lutador precisaria ser internado comurgência em uma clínica de saúde mental.

- Eu já consultei uma clínica que temos convênio e podemos encaminhá-lo para lá. Ficana cidade de Suzano, na grande São Paulo, a uma hora de carro. Posso ver com os meninos seeles podem levá-lo.

- E como funciona isto Gabriela? – perguntou Claudia.- Chegando lá ele vai passar por uma avaliação com o psiquiatra e certamente o

profissional vai pedir a internação e já iniciar um tratamento.- Que seja feito o melhor para ele. Confirma o endereço do local, pois quero esperá-lo lá

– encerrou a conversa Claudia. Gabriela acertou os detalhes com a mãe do lutador e correupara sala, para conversar com Pitbull sobre a internação.

Gurilson e Testinha estavam desesperados, correndo de um lado para o outro na clínica aprocura de Pitbull, quando encontraram Gabriela.

- Ele sumiu. Não estava na sala quando chegamos lá – explicou Gurilson para psicóloga.- Vamos procurar nas proximidades da clínica. Ele deve estar por perto – orientou

Gabriela.E realmente Pitbull estava por perto. Eles encontraram o lutador sentando no banco de

uma praça, no outro lado da rua.- Porra Pitbull, quer matar a gente de susto – gritou Testinha.- Estava aqui pensando no Marcos. Como ele estava empolgado com minha luta. Era o

sonho dele ser lutador profissional. Ele não conseguiu e agora apostava tudo em mim!

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- Você ainda pode realizar este sonho. Ele vai estar lá de cima vendo tudo – completouGurilson.

- Eu não tenho condições alguma de lutar. Eu não luto mais nem pela minha própria vida,quanto mais em um combate que não tem mais nenhum sentido – desabafou o lutador.

- Você não pode entregar os pontos deste jeito. Onde está aquele cara decidido, corajoso,que a gente conhece? – perguntou Testinha.

- Morreu com o Marcos – respondeu Pitbull, levantando do banco e seguindo em direçãoà clínica. Gabriela o observava da porta.

Pitbull tinha decidido como sumiria do mundo. “Me afasto completamente dos meusamigos e familiares e, sozinho, entregue à própria sorte, parto deste mundo miserável de dor esofrimento”, pensou.

- Oi.- Voltou? – indagou Gabriela.- É o que parece, não é mesmo?- Vou ter que te internar.- Imaginei isso. Porém, só posso ser internado caso concorde com isto. Então, só vou se

minha mãe não estiver lá.Gabriela não queria contrariar Pitbull e até estranhou a postura do lutador, porém,

concordou e ajeitou toda a papelada da internação e encaminhou o rapaz para clínica emSuzano. Claudia, aceitou, após muita insistência da psicóloga o fato de não poder acompanharo filho neste momento complicado, no entanto, no fundo, sabia que a internação era a melhorcoisa a ser feita.

- Quando acontecer a primeira visita você conversa com ele. Vamos dar este tempo paraele se recuperar mentalmente – aconselhou Gabriela.

Gurilson e Testinha seguiram com Pitbull para Suzano, enquanto Claudia ligava paraJairo para comunicar sobre o ocorrido. A cidade onde a clínica estava instalada ficava próximaà capital de São Paulo e apenas a vinte e cinco minutos do Aeroporto Internacional deGuarulhos e também fazia divisa com o ABC Paulista e era de fácil acesso por meio de trens,ônibus e automóveis.

A clínica escolhida por Gabriela contava com boas instalações e com profissionais nasáreas de Psiquiatria, Psicologia, Terapia Ocupacional, Enfermagem, Serviço Social,Fisioterapia, Nutrição, Musicoterapia e Educação Física, entre outros.

- O Pitbull vai ficar melhor que a gente Testinha – brincou Gurilson, impressionado com

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a estrutura da clínica. Até o lutador ficou surpreso com o local, imaginando o preço que seriapago para ele ficar hospedado ali.

- Ainda bem que o Jairo vai bancar tudo isto, porque senão a Claudia estava ferrada –completou Testinha. Pitbull, há alguns meses, estava recebendo investimentos de Jairo, quetambém era empresário de uma série de outros lutadores do UFC. Assim como Marcos, eletambém apostava no potencial de Pitbull e sabia que o lutador tinha um bom futuro pela frente.Jairo só não contava com os últimos acontecimentos. Decidiu que pagaria o tratamento, masnão estava disposto a esperar a recuperação do rapaz.

- Ainda não estou acreditando nisto Claudia. Era a oportunidade da vida dele. Voudesmarcar a luta e pagar o tratamento, em respeito ao Marcos, mas não posso esperar peloPitbull. Infelizmente o sonho do UFC acabou para ele.

***Pitbull, Gurilson e Testinha aguardavam na recepção da clínica. A ficha do lutador já fora

registrada e eles estavam esperando apenas o psiquiatra realizar a avaliação para enfim serformalizada a internação.

- Antônio Silva – gritou o médico doutor Henrique. Pitbull seguiu com tranquilidade parasala do especialista, acompanhado por Gurilson e Testinha.

- Quem é o Antônio? – perguntou o psiquiatra.- O negão – brinca Testinha, apontando para Pitbull. O médico não deu muita confiança e

liberdade para o amigo do lutador.- Vocês dois têm qual ligação com ele? – indagou Henrique.- Amigos. Irmãos para toda a vida – definiu Gurilson.- E o que acontece com ele?- Eu quero morrer doutor. Não vejo mais sentido na vida! Como é difícil as pessoas

entenderem isto – respondeu Pitbull, exaltado.Henrique ficou observando o lutador, em silêncio. Fez algumas anotações e continuou

com o questionário.- A vontade de morrer apareceu de uma hora para outra?- Na verdade não. Morrer sempre foi uma opção desde a infância.- E você já tentou se matar?- Algumas vezes esta semana. Mas sempre recuo na hora...- Recua?- Ainda falta coragem. Mas uma hora eu consigo.

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- Consegue?- Qual a sua doutor?- A minha agora é você. Você está doente e vamos cuidar disto. Pode sair.

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Capítulo 25 Gurilson e Testinha se despediram de Pitbull. O lutador ficaria uma semana na clínica

médica, em observação, para a equipe terapêutica fazer uma análise melhor do seu quadro.- Fica na paz – disse Testinha.- Eu volto para te buscar – se despediu Gurilson, com os olhos marejados.Os amigos receberam uma lista de orientações. Diversos itens, entre roupas e produtos de

primeira necessidade precisariam ser levados para Pitbull. Porém, Claudia levaria os itens nodia seguinte, já que o psiquiatra Henrique pediu uma reunião com a mãe de Antônio paraexplicar como seria o tratamento e quais procedimentos seriam empregados na clínica.

Claudia estava aflita com a situação de Pitbull e no dia seguinte à internação, às oitohoras, já estava na clínica, acompanhada de Matheus. Doutor Henrique atendeu a mãe adotivado lutador rápido, já que teria uma agenda cheia na unidade de saúde.

- Claudia, vamos logo ao ponto. Foi muito importante o rápido encaminhamento doAntônio à clínica. Na faixa etária entre 15 e 35 anos, o suicídio está entre as três maiorescausas de morte e ele é um potencial suicida – explicou o doutor, desestabilizando a mãe dePitbull totalmente e levando a mulher a crises de choro. Matheus estava ali, firme, sustentandoa mãe.

- Nas últimas horas, o Antônio ficou em observação e percebemos delírios; alucinações;discurso desorganizado. Vamos já iniciar o tratamento farmacológico e o concomitante, com aterapia ocupacional e a psicoterapia. Ele ficará aqui, no mínimo, por três meses. Você ou osamigos poderão visitá-lo após quinze dias, todas as quartas e sábados. É muito importante oapoio das pessoas mais próximas neste momento da recuperação.

***Pitbull já estava há vinte dias na clínica e ainda não havia registrado melhora no seu

quadro. Sentia-se triste, durante a maior parte do dia, quase todos os dias; não tinha prazer ou ointeresse em atividades rotineiras; não se relacionava com os outros internos e sempreapresentava crises de raiva e fúria.

Nas dinâmicas em grupo, o discurso sempre era o mesmo. Afirmava constantemente quese sentia inútil, culpado, um peso para os outros; estava sempre ansioso, com dificuldade emconcentrar-se, sem contar os pensamentos frequentes de morte e suicídio.

Porém, Claudia não deixara espaço para Pitbull desapegar dela. Todas as quartas e

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sábados ela estava lá. E sempre que conversava com doutor Henrique, voltava para casa maisdesestabilizada.

- Ele ainda está sob risco de suicídio. Ele quer alcançar a morte, mas também quer viver.O predomínio do desejo de vida sobre o desejo de morte é o fator que possibilita a prevençãodo suicídio. Então tem sido muito importante o seu apoio emocional, para que possamosestimular nele o aumento do desejo de viver – orientou doutor Henrique.

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Capítulo 26 O teto desgastado do quarto de Pitbull formava figuras estranhas e ele passava horas

decifrando aquelas imagens. Desde que ele iniciou o tratamento, as conversas com o anjoforam diminuindo. Todos os dias, logo cedo, Pitbull tomava diversos comprimidos, que odeixava letárgico. Ele só levantava da cama quando tinha atividades obrigatórias a cumprir. Oenfermeiro de sua ala, Wesley, bateu na porta e anunciou que estava na hora do almoço. Pitbullnão sentia fome, mas não queria enfrentar a chateação de uma conversa privada com o doutorHenrique.

- Já vou descer, Wesley! - resmungou.- Te espero em cinco minutos. Caso contrário... - respondeu Wesley, sorrindo. O

enfermeiro sabia o quanto Pitbull detestava as conversas com o médico e se aproveitava dissopara convencer o paciente a fazer certas atividades.

A clínica era enorme, um conjunto de prédios e outros equipamentos. Tinha o setoradministrativo e ao lado funcionava a cozinha e o refeitório. Havia também o bloco deinternação, com três andares. Pitbull achava aquilo, no mínimo, estranho. “Uma clínica parasuicidas não devia ter tantos andares. Isso só me dá mais ideias de como acabar com a minhavida”. Na verdade, ele já tinha pensado inúmeras vezes em subir até a área restrita no terraço esimplesmente se jogar. Ele chegou ao prédio administrativo e se aproximou de Wesley.

- Cheguei! Sentiu minha falta? Me atrasei para o nosso encontro? - disse Pitbull, em tomde ironia. Wesley não disse nada, apenas sorriu. Um sorriso meio sádico. Aquele era opassatempo dos dois. No fundo, Pitbull já estava se apegando ao enfermeiro.

- Em outra época eu acabaria com essa sua cara de deboche com um gancho de esquerda.E seu sorriso não seria mais tão bonito - completou o lutador.

- Eu sei disso. Mas aqui quem dá o mata leão sou eu! - respondeu Wesley, tirando umpotinho de comprimidos do bolso e sacudindo no ar. Pitbull revirou os olhos e seguiu para afila da comida.

Depois de comer, ele pegou duas gelatinas de morango na mesa de sobremesas e seguiupara o pátio, desviando de outros pacientes. Hora do banho de sol, pensou. Pitbull sentou nobanco do jardim lateral e colocou o potinho na boca. Enquanto esperava a gelatina se desfazer,ele observava o terraço. E dessa vez havia alguma coisa diferente lá. A porta que dava acessoao telhado estava aberta. Pitbull não pensou em mais nada. Ele levantou e deixou seus pés o

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guiarem.

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Capítulo 27 Depois de encarar alguns lances de escada ele finalmente viu a porta. O sol iluminava o

corredor e o pé de Pitbull, prestes a pisar no telhado. Ele caminhou devagar em direção aoparapeito, mas na metade do caminho percebeu que não estava sozinho.

- Gosta da vista? - perguntou uma mulher sentada nos blocos deixados na parte de trás doterraço desde a última reforma. Morena, olhos claros, cabelos ondulados e um corpo escultural.Ela estava de blusa e calça larga. O uniforme da clínica não era nada sensual.

- Pelo jeito você não fala. É comum aqui. Já estou acostumada. É até bom, assim esseepisódio fica em sigilo absoluto. Sabe o diretor não ia gostar de saber que eu ando subindoaqui para fumar. Na verdade estou parando. Juro. Esse é meu penúltimo cigarro, na vida.Prometo - continuou ela.

Nessa altura, Pitbull já estava achando que ela estava mais para paciente do que paraenfermeira ou seja lá o que for. Mas ele gostava do jeito como ela falava sem parar, semfiltros.

- Aproveita, hein! Daqui a pouco eu tenho de descer. E eu não vou te deixar aqui. Precisodesse emprego. Sério! - completou a mulher.

- Não vou contar nada! - disse ele finalmente.- Ah... Você fala! Que bom, eu acho! Mas sério, nem eu nem você temos acesso a este

lugar. Estamos entendidos, né?!- Eu só queria confirmar a altura – falou Pitbull.- Você também é suicida? Não dava só pra ser um maluco normal, com crise existencial,

medo de sapatos, sei lá! - resmungou ela.- Tecnicamente, ainda não sou um suicida. Nunca tive coragem de levar adiante -

respondeu.- Deixa eu te dizer uma coisa. No fundo suicidas são apenas pessoas egoístas e covardes

que pensam que somente elas sentem dor. Adivinha? Todo mundo sofre. Todo mundo temproblemas.

Pitbull estava desconfortável com aquela situação e não disse mais nada. A mulherestava quase gritando, descontrolada. “Quem ela pensa que é pra falar essas coisas? Ela nemme conhece!”, pensava ele. Por outro lado, tudo o que a mulher disse fazia sentido e era issoque o deixava tão irritado. Aquela estranha sabia mais sobre ele, que o seu psiquiatra.

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- Eu preciso descer - disse ela, por fim. Pitbull não respondeu. - Estou descendo. Se vocêquiser pode ficar aí, conferindo a altura quantas vezes desejar. Cansei de tentar salvar aspessoas, ainda mais as egoístas.

Ela entrou no prédio e sumiu no corredor. Pitbull ficou lá parado, tentando digerir o quetinha acabado de acontecer. “Aquela mulher é doida mesmo”, pensou ele. “Que tipo deenfermeira deixa um suicida sozinho em um telhado? Ela praticamente me mandou pular”.

Devagar ele seguiu até o parapeito. Não era tão alto, mas dava para o gasto. Olhando aoredor ele viu o monte de blocos e de repente a ideia de se jogar já não era tão atraente. “Aquelaidiota tirou todo o tesão da morte por queda livre”, disse baixinho, enquanto caminhava devolta até a porta.

***No dia seguinte, Pitbull saiu da cama bem cedo. Tomou seus medicamentos e foi dar uma

volta pela clínica. Na verdade, ele estava procurando a tal mulher. Mas parece que ela nãoexistia. Ele tentou lembrar se já tinha se encontrado com ela antes, mas os remédios deixavamsua cabeça meio lenta. Passando pela sala de música ele deu de cara com Wesley.

- Você me assustou! - gritou Wesley.- Nossa, eu precisava falar com você! - respondeu Pitbull.- Tá bom, eu te desculpo por quase me matar do coração - disse Wesley, com a mão no

peito, fingindo ter um ataque cardíaco.- Para de graça, é sério.- Fala logo, Antônio. O que você quer?- Você conhece uma enfermeira morena, baixinha, dos olhos claros?- Conheço, várias...- Ela tem cabelo longo, fuma e fala pra caramba...- Tereza. Só pode ser a Tereza. Ela fala muito mesmo.- Você sabe onde ela está?- A Tereza folga nas terças. Mas amanhã está de volta. Ela fica na farmácia.- Ah, tá! - disse Pitbull, um pouco desanimado com a notícia.- Deixa eu te falar uma coisa. Funcionários não podem se relacionar com pacientes. Por

isso, esquece! Não vai rolar!- Cala a boca!- Sério. Ano passado um enfermeiro foi demitido depois de se envolver com uma

paciente. Mas se você estiver mesmo apaixonado, pode dar uns pegas lá no quartinho da

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limpeza. Quase sempre está vazio.- Não está rolando nada. Não viaja! - reforçou Pitbull.- De nada, por todas essas preciosas informações - concluiu Wesley.

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Capítulo 28 Pitbull passou mais uma noite em claro. Mas desta vez o motivo era outro: Tereza. Ele

não parava de pensar nela. Queria confrontá-la e dizer que estava errada, ele não era egoísta, sócovarde. Estava amanhecendo e ele se revirava na cama. Quando deu o horário do remédio, elejá estava vestido e pronto para sair.

No corredor da sala da farmácia, ele ensaiou um pouco. Ficou andando de um lado prooutro, com a mão na cabeça, sem saber se estava fazendo a coisa certa. Depois de uns minutosele tomou coragem e foi em frente. A porta estava aberta. Tereza estava de costas, arrumandomedicamentos em uma prateleira. Ela tomou um susto quando viu Pitbull, com sua “cara depoucos amigos”, a encarando.

- Uau, você sobreviveu... A altura não era adequada? - disse ela, quebrando o silêncio.- Não sou egoísta, ok?- Pelo jeito não!- Você se acha, né? Fala o que quer para as pessoas e ainda fica aí com essa cara de

deboche! - Que foi? Ficou magoado? - provocou ela.Pitbull estava com muita raiva. Seu coração estava palpitando. Ela o tirava do sério; e ele,

que nunca foi de muitas palavras, nem sabia o que responder.- Os remédios não estão fazendo efeito? Está precisando de alguma coisa? Já aviso que só

posso te dar comprimido para dor de cabeça e de barriga - disse ela.- Você é sempre assim, Tereza?- Então você descobriu meu nome... - falou em tom provocativo e com cuidado foi dando

as costas para Pitbull. Virada para a prateleira, Tereza sorriu. Pitbull, por sua vez, estava semgraça. Levou alguns segundos até ele se recuperar e responder.

- Sim. Queria saber quem era a maluca que deixa um suicida sozinho no telhado. Minhaideia era deixar um bilhete te incriminando.

- Você sabe que a culpa não é minha. Não posso controlar sua vida. Se você pulasse, oazar seria só seu.

- Não deviam te deixar trabalhar aqui.- Por que não? Sou muito boa no que faço, afinal, você está aqui!- Ok. Você ganhou. Não vou ficar batendo boca com a farmacêutica neurótica.

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- Olha, me desculpa. Eu não devia dizer essas coisas.Tereza se virou novamente e encarou Pitbull. Ele a encarou de volta e percebeu que era

sincero. O lutador gostava do jeito como Tereza o olhava. Ele nunca tinha sentido aquilo.- Acho que está na hora do cigarro! - disse ela.- Você não ia parar?- Aquele foi o penúltimo... Você vem?Pitbull não respondeu, mas a seguiu até o terraço. Ela sentou nos blocos, como no dia em

que se encontraram e ele se debruçou no parapeito.- Sabe, você destruiu minha ideia de pular.- Que bom, né?! - respondeu ela, dando um longo trago no cigarro.- De qualquer forma, acho que não teria coragem...- Afinal, qual é a sua história?- Nada muito interessante. Acho que você não ia gostar...- Eu adoro histórias chatas. Pode começar!Em pouco mais de trinta minutos Pitbull já tinha contado tudo. Absolutamente tudo.

Tereza não o interrompeu. Ela ouviu cada palavra com bastante atenção e ficou pensativa aofinal.

- Não vai dizer nada? - questionou ele.- Não.- Como assim. Você sempre tem alguma coisa pra falar. Não é possível...- Sinto muito.- Por quê?- Pelo seus pais e pelo seu outro pai... Enfim...- Eu também sinto.- Sabe, me desculpe por ter te tratado daquele jeito no outro dia. Meu irmão se matou. Ele

tinha 22 anos, estava com depressão e se enforcou no ano passado. Ainda não superei. Achoque nunca vou superar isso. Eu já trabalhava aqui e não quis abandonar o emprego, mas averdade é que ficar nesse lugar me deixa meio maluca. Eu vejo meu irmão em cada pacienteaqui. Eu vi ele em você, naquele dia. Para mim, vocês todos são egoístas, bombas relógio que aqualquer minuto podem explodir.

Desta vez, quem ficou sem fala foi Pitbull. Ele não sabia o que dizer. Tereza estavachorando. A tristeza e a dor eram quase palpáveis. Naquele momento seu coração partiu. Elecaminhou até ela e colocou a mão em seu ombro. Pitbull queria abraçá-la, mas não sabia como

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ela reagiria. Ele a admirava por sua força e coragem, e se sentia mal por ter feito ela sofrer,mesmo sem saber.

***Depois da troca de confidências no terraço, Pitbull e Tereza passaram a se encontrar

todos os dias. Sempre no mesmo local. A recuperação de Pitbull evoluía. O médico achava queo tratamento estava fazendo efeito. Mas a verdade era que o lutador estava melhor graças àTereza. Ela era a única terapia que Pitbull gostava de fazer. Até o anjo parou de aparecer. Eleainda se sentia culpado em relação a Marcão, mas os pensamentos suicidas diminuíam a cadadia.

***Era quarta-feira e Pitbull estava louco para encontrar com Tereza. Ficar um dia sem falar

com ela era um pesadelo para o lutador. Ele ficava olhando para o relógio, na sala de estar, decinco em cinco minutos e quando finalmente chegou a hora do cigarro, Pitbull correu para oterraço. Tereza já estava lá e não estava fumando. Ela estava realmente tentando parar defumar, além disso, o terraço ficou mais interessante nas últimas semanas.

- Oi, estranho! Sentiu minha falta? - disse ela.- Oi, estranha. Claro que não! Mas aposto que você contou os segundos pra me ver de

novo - respondeu Pitbull.- Até parece! Pode continuar sonhando...Como sempre, Pitbull caminhou até o parapeito. Tereza estava em pé do outro lado.- Deixa eu te mostrar uma coisa. Vem aqui - falou Pitbull.- Acho melhor não. Não sou muito fã de altura.- Não se preocupe, eu te seguro - replicou ele, sorrindo.- Para de ser babaca! - respondeu Tereza. - Tá bom, mas se você me assustar...- Vem logo!Tereza se aproximou, mas não chegou à beirada. Pitbull pegou sua mão e a puxou. O

coração do lutador disparou. Ele queria aquela mulher. Queria ela para sempre. Tereza tambémestava envolvida e se deixou levar. Pitbull colocou as mãos em sua cintura e a abraçou. Parasua surpresa o coração de Tereza também estava a mil. Dava para sentir. A respiração dos dois,ofegante, entrecortada. Ele contornou o rosto dela com os dedos e se aproximou lentamente edeixou que suas bocas se encontrassem. Naquele instante tudo estava completo. A vida faziasentido para os dois.

***

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O tempo passou voando. Pitbull e Tereza nunca foram flagrados. Wesley era o único quesabia, mas ele acabou se tornando um grande amigo de Pitbull. Com a cabeça e os nervos sobcontrole, o lutador foi conquistando sua liberdade. Doutor Henrique dizia à Claudia que Pitbullestava se recuperando rapidamente e logo teria alta.

A mãe ficou muito feliz. Ela não suportava ver o filho naquela situação. Até Matheusficou aliviado. Ele ainda tinha raiva, mas sentia falta de Pitbull, ainda mais sem a presença deMarcão. Nos meses que passou com Tereza, Pitbull fez muitos planos. Eles estavamcompletamente apaixonados e queriam ficar juntos quando tudo aquilo acabasse.

Tereza morava em Suzano e ele na Capital. Mas isso não era o fim do mundo e elesdariam um jeito. Pitbull teve uma grande ideia para passar mais tempo com sua garota e aindarealizar um sonho antigo, dar aulas de karatê para crianças carentes no bairro onde Terezamorava. Eles precisariam buscar patrocínios e contar com a ajuda de algumas pessoas, mas elesabia que isso era uma possibilidade real.

***No dia da alta, Claudia, Matheus, Gurilson e Testinha estavam esperando por Pitbull no

hall de entrada da clínica. Ela chorou e fez o lutador chorar também.- Você é a melhor mãe do mundo. A melhor que eu podia ter. Obrigado por me escolher!

- disse ele, enquanto a abraçava.Matheus não queria ceder, mas também estava com os olhos marejados. Ele queria odiar

Pitbull, mas não conseguia. Eles se encararam, como nas pesagens do UFC, e depois deram asmãos. Pitbull pediu perdão ao irmão e aquilo pareceu ter sido a grande reconciliação dos dois.Pitbull estava recomeçando, de novo.

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Capítulo 29 Pitbull acordou cedo, mesmo sendo sábado. Tomou um café reforçado e ajudou Matheus

a dar banho em Claudia. A mãe dos meninos já não tinha equilíbrio, ficava sentada a maiorparte do tempo e precisava de ajuda em tarefas básicas, porém, mesmo com dificuldade,conseguia se alimentar sozinha e se comunicar.

Já era perto das oito horas quando dona Dirce chegou para ficar com Claudia e Pitbull eMatheus seguiram para o Jardim São Paulo, no distrito de Palmeiras, em Suzano. Elesmantinham no local uma escolinha de karatê para crianças carentes e durante todo o sábadodesenvolviam atividades com a molecada da comunidade.

Do Sacomã a Suzano, os dois percorriam aproximadamente sessenta e cinco quilômetrosde carro. Uma viagem de uma hora e vinte minutos. Tereza morava no Jardim São Paulo esempre teve o desejo de realizar alguma atividade social com os meninos da redondeza. Poramor, Pitbull encarou o desafio e posteriormente, Matheus também se viu envolvido noprojeto.

Para desenvolver a atividade, Tereza, Pitbull e Matheus improvisaram um tatame em umaescola estadual do bairro. Rapidamente a iniciativa envolveu todos os meninos e meninas dacomunidade.

- Aqui vocês aprenderão a lutar para conseguir fugir dos perigos da rua, e certamente, nofuturo golpearão as oportunidades da vida, colocando elas aos seus pés e conquistando osmelhores prêmios ou medalhas que o mundo pode oferecer, que são o respeito e a dignidade –adorava dizer Pitbull para molecada, entre um golpe e outro.

O projeto do trio era educativo, com crianças e adolescentes de 7 a 18 anos. Muito alémde se ensinar as defesas e os ataques do karatê, a iniciativa buscava sedimentar valores como orespeito, a disciplina e a busca constante pela retidão de caráter.

Matheus, que completara 18 anos, estava cursando o segundo semestre de Jornalismo erecentemente havia conseguido um estágio na produção de um telejornal. Sua atividade nofinal de semana era conhecida nos corredores da empresa e outro produtor, chamado Ruan, deum programa vespertino, que ia ao ar aos sábados, precisava de uma história comovente eperguntou ao jovem se ele poderia dar mais detalhes sobre o projeto desenvolvido em Suzano.

E Matheus contou tudo, abriu o coração. O relato da trajetória de Pitbull, da morte do pai,da doença da mãe, convenceu o produtor que aquela família era uma pauta e tanto para o seu

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programa.- Vou levar para o diretor e qualquer coisa nos falamos – explicou Ruan a Matheus.Meses passaram e Ruan nunca mais tocou no assunto. Matheus já tinha se esquecido da

conversa, quando em um sábado, no meio das atividades com as crianças, uma movimentaçãoestranha teve início na rua da escola no Jardim São Paulo.

Uma van da emissora de TV parou em frente à escola. Ruan, dois cinegrafistas, outrosdois produtores e mais uma porção de gente desceram do carro. Pitbull aplicava as aulas dekaratê e Tereza estava preparando o lanche da molecada. Matheus foi conferir o que estavaacontecendo e ficou surpreso com a situação.

- Fala Matheus – cumprimentou Ruan. – Viemos pegar alguns depoimentos. Vamos falarcom alguns pais, alunos do projeto, com o seu irmão e também com sua mãe, posteriormente, elevar este material para direção, para ver se eles aprovam. Estamos procurando uma família,para um quadro de final de ano – explicou o produtor.

- Nossa, que bacana. Fica a vontade Ruan. Vou ajudar no que for necessário.A equipe da TV desceu todo o equipamento, posicionou a estrutura de iluminação,

selecionou as pessoas que iriam gravar os depoimentos. Enquanto isso Matheus explicou paraPitbull o que estava acontecendo e o professor de karatê achou tudo um “grande barato”.

O apresentador do programa, chamado Luciano, era conhecido por fazer surpresas. Eraum cara de coração grande, ativista social e sempre estava em busca de bons personagens.Após gravar com diversas pessoas, só restava Pitbull para conversar com a equipe. Então oprofessor foi para frente da câmera e não se fez de tímido.

Enquanto explicava como funcionava o projeto, Luciano chegou em outro carro, entrousem ser percebido pelo professor de karatê e se posicionou atrás de Pitbull. O frisson já eragrande. Todos estavam agitados e o professor, que ainda não tinha visto o apresentador, nãoentendia nada.

- Você acha que este projeto tem mudado a vida destes jovens? – questionou Ruan.- Completamente, tem sido... – Pitbull é interrompido com a frase: “Também acho”,

comentada por Luciano.O professor olha para trás, fica alguns segundos em silêncio e só consegue esticar a mão

para cumprimentar o apresentador.- Prazer!- Você é o Pitbull?- Me chamam assim!

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- Por quê? Você é bravo?- Fui um pouco na minha infância.- Você é um empreendedor social?Pitbull acena com a cabeça, em silêncio, com os olhos cheios de lágrimas.- Você é um agente transformador?- Me transformaram quando eu ainda era um adolescente perdido. Me tiraram da

escuridão e me mostraram a luz. Agora eu tento apenas dar também a minha contribuição emostrar o caminho para outros jovens.

- Vou contar o que acontece de verdade. Meu pessoal está há um mês em São Paulo,rodando diversas regiões, atrás de boas histórias. E de comunidade em comunidade chegamosao Jardim São Paulo, em Suzano, que eu não conhecia e estou gostando. E ouvimos falar deum cara chamado Pitbull, que desenvolve um projeto social com crianças e esta atividade temajudado diversas pessoas da comunidade. Você está aqui há quanto tempo?

- Tenho feito este trabalho voluntário desde que saí de uma clínica de saúde mental aquiem Suzano.

- Saúde mental? Qual o tratamento?- Eu pensava em me matar. Queria muito o suicídio!- Então estou falando com uma pessoa que não via mais sentido na vida e hoje ajuda

crianças a lutar por dias melhores?- Cheguei aos 20 anos em uma tremenda confusão acerca do que fazer da vida, frustrado,

estressado e ainda por cima digerindo situações dramáticas vividas pela minha família, como aperda do meu pai em um assassinato. Estava em uma fase totalmente depressiva. Enquanto osamigos curtiam a vida, eu amargava crises profundas, que me deixavam apático, sem ânimopara nada. Me alimentava daquilo e cheguei realmente a pensar em suicídio algumas vezes.Após o tratamento e a ajuda de amigos e familiares, pude perceber o quanto nossa mente époderosa, tanto para ampliar o sentido de nossa existência, quanto para nos colocar em estadosde ideia fixa que, não raro, desencadeiam processos inconscientes de autosabotagem. Foi umperíodo muito complicado e perdi uma grande oportunidade.

- Já que está falando em oportunidade, chegamos ao ponto que eu queria – explicouLuciano, enquanto era observado por Pitbull.

- O programa fechou uma parceria com o UFC, que está buscando lutadores no Brasil, jáque as lutas de artes marciais mistas estão atraindo cada vez mais atenção e interesse. Aproposta é identificar uma pessoa, com potencial, que vai treinar com uma equipe de ponta por

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quinze dias. Você é esse cara?Pitbull ficou em silêncio. Não acreditava no que estava ouvindo. Novamente surgia a

oportunidade de se tornar lutador profissional. Novamente surgia a lembrança de Marcos e detodo o perrengue que tinha enfrentado nos últimos meses.

- Luciano, há algum tempo eu competia profissionalmente, mas não cheguei a lutar noUFC. Com a morte do meu pai, passei por dias complicados. Mas, se for selecionado,certamente aceito o desafio.

- Me contaram que a morte do seu pai realmente te deixou muito abalado e você acabousaindo completamente de um cenário totalmente positivo.

- Perdi meu pai prematuramente e as experiências posteriores a esta fatalidade mefizeram descobrir o real sentido da vida. Quando aconteceu o assassinato, desisti da minhacarreira de lutador, da minha vida. Hoje sou muito grato aos meus amigos e familiares que naocasião foram meu esteio, meu porto seguro e o eixo necessário para que eu pudesse dar avirada na minha vida!

- Mas passado este período da sua vida, como se definiria hoje?Pitbull respira fundo, escolhendo bem as palavras:- Hoje eu sou uma pessoa muito mais tranquila. As urgências vão se modificando com o

amadurecimento. Mas isso não significa que sou um cara sem metas. Apenas passei a definironde estão os focos mais importantes e não desperdiço o tempo com bobagens – disse Pitbull,relembrando uma frase marcante de Marcos.

Luciano estava empolgado com a conversa, chamou Pitbull para caminhar pela escola,para que o professor demonstrasse onde eram realizadas as atividades do seu projeto. Oapresentador contou que tinha diversas referências, pessoas em que se “espelhava” quandopensava em sucesso e queria saber a opinião de Pitbull sobre o assunto.

- Hoje acredito muito mais em um caminho pessoal e próprio do que em um modelo a sercopiado. Acho que cada um tem suas particularidades e oportunidades especiais – explicou oprofessor ao apresentador.

- Você tem personalidade forte. Isto é perceptível em poucos minutos de conversa.- Luciano, meu principal desafio hoje é ser fiel ao que eu realmente quero e acredito.

Sempre surgem atalhos, caminhos tentadores que podem te trazer recompensas, mas que nãonecessariamente estão alinhados aos verdadeiros objetivos.

- Você parece decepcionado com as decisões tomadas no passado ou é apenas umaimpressão?

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- Decepções acontecem quando a gente cria expectativas e determinadas coisas nãoacontecem como esperado. Hoje entendo que isso faz parte da vida e é bom porque deixa agente mais maduro, com o pé no chão. Por um tempo, prejudiquei muito a minha vida e deoutras pessoas tentando suprir carências emocionais. Isso foi um grande erro, porque chegueiao limite da loucura.

Luciano continuou a conversa ressaltando a importância de pessoas que realizamtrabalhos sociais e que são transformadoras de realidades.

- Pitbull, qual a mensagem principal que você passa para estes jovens. O que tenta passarpara estas crianças que observam você como referência?

- Eu digo sempre que elas devem buscar encontrar a verdade dentro de si. Quando vocêfaz algo verdadeiro e com o coração não tem como dar errado. Meu pai me ensinou isso e tentopassar para elas.

O apresentador, ao lado de Pitbull, caminhou por algumas ruas do Jardim São Paulo,conversou com populares e depois quis saber do professor quais eram as alegrias e decepçõesdo seu trabalho no bairro.

- A alegria de fazer aquilo que você ama é que o trabalho pode varar a noite, durar horase horas e mesmo assim, no final tudo é extremamente prazeroso. As decepções são no sentidode que nada é mágico, de que o trabalho é duro, com uma série de limitações e dificuldades eque não é possível agradar a gregos e troianos.

- Quando olha a pobreza deste local, as condições que muitas famílias vivem, o que vemà sua cabeça? – questiona Luciano.

- Não é apenas este local. O Brasil é o país das belezas naturais e das injustiças. Não hácomo não se revoltar com uma realidade dessas. Não há como não se sentir lesado diante detanta corrupção, violência, impunidade, desigualdade, desonestidade, comodismo alheio.Espero como professor, lutador, cidadão, poder contribuir de forma a mudar essa realidade,tendo mais voz ativa.

Luciano contou a Pitbull, que antes de chegar à escola, viu alguns jovens se drogando naentrada do bairro e perguntou o que o professor achava daquela situação.

- É muito difícil ver jovens trocando momentos de prazer por momentos de dependência.Creio que se tivéssemos mais projetos sociais que abraçassem os dependentes, poderíamossalvar não só esse grupo, mas a comunidade em geral. Alguns projetos sociais que envolvamarte, música, esporte e teatro, que provocassem transformação em um aspecto geral.

- Hoje você é uma pessoa otimista?

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- Luciano, hoje sempre procuro pensar que tudo vai dar certo, não importa o momentoque eu esteja vivendo. A vida me deu régua e compasso, Deus me abençoou com um dom, queé lutar, e a partir disso, o resto depende só de mim. Sou perseverante, bem humorado, corajoso,amigo dos amigos. Também tenho alguns defeitos que, na medida da minha evolução,pretendo transformá-los em virtudes.

Após o bate-papo e as gravações, a produção explicou a Pitbull como funcionaria suaparticipação no programa. Ele ficaria cinco dias treinando com uma equipe profissional deartes marciais, liderada por João Forte, uma das estrelas brasileiras no UFC.

O Team Fortaleza contava com uma rede de academias de artes marciais espalhadas pelomundo, especializada no treinamento de atletas que buscavam lutar no UFC. Após o períodode treinamento, que seria registrado pela equipe de Luciano, Pitbull teria de fazer umaapresentação de qualquer modalidade de luta com os meninos e meninas do seu projeto socialno palco do programa.

***Na segunda-feira, às sete horas, a equipe do programa pegou Pitbull em casa e levou o

professor e lutador até a academia Team Fortaleza, estruturada nas proximidades da AvenidaPaulista, um dos principais centros financeiros de São Paulo.

Enquanto isto, outra equipe do programa de TV, seguiu para escola no Jardim São Paulo,para levar equipamentos de treinamento e para adaptar e melhorar a estrutura da academiamontada para o projeto social de Pitbull, Tereza e Matheus.

Quando chegou às dependências do Centro de Treinamento do Team Fortaleza, Pitbullfoi recebido pelo próprio João Forte, que tinha fama de difícil, “marrento” e arrogante. Porém,o homem era uma máquina de “pancada”. Estava invicto há seis lutas, era o terceiro melhorpeso pesado do ranking e há meses brigava com os diretores do UFC para ter umaoportunidade de lutar pelo cinturão de campeão.

- Você vai treinar com caras durões. Não vamos aliviar para você – disse João Forte aPitbull, fazendo cena para as câmeras.

- Estou pronto. Manda ver – rebateu Pitbull, arrancando gargalhadas de todos ospresentes.

João Forte havia separado seus melhores lutadores para participar das gravações edurante toda semana Pitbull realizou treinos de técnica pela manhã nas modalidades de luta dekaratê, boxe, muay thai e jiu-jitsu e trabalho de força e condicionamento físico na parte datarde.

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Nos depoimentos gravados para o programa, Pitbull explicou que conheceu novosmétodos de treinamento.

- Hoje o dia foi duro, teve treino de simulação de absorção de golpes, em que apanheibastante, principalmente na cabeça, porém, depois rolou uma crioterapia pós-treino, combastante água e gelo, que auxiliou muito na minha recuperação.

Frente às câmeras, João Forte também foi só elogios a Pitbull.- É um bom lutador. Tem um bom boxe, um ótimo karatê e é especialista no jiu-jitsu e no

muay thai, com socos, cotoveladas, joelhadas e chutes poderosos, que podem derrubarqualquer oponente. Realmente tem um futuro grande no universo das lutas este rapaz.

No entanto, nos bastidores, João Forte comentou com amigos e até empresários do UFCque Pitbull era um delinquente, um rapaz perigoso, que já tinha cometido um assassinato e queapós o programa ir ao ar, iria dispensá-lo.

***Um mês após as gravações, finalmente iria ao ar o quadro gravado com Pitbull. O lutador

ainda estava treinando com o Team Fortaleza, porém, nunca mais tinha visto João Forte e seusprincipais lutadores.

Luciano chamou o quadro com um texto emocionante.- Gente, vamos falar sério agora. Continuando as comemorações de aniversário do

programa, tenho uma história especial para contar para vocês, que envolve superação, emoçãoe certamente servirá de exemplo para muitas pessoas. É a história de Antônio Silva, maisconhecido como Pitbull. Ele não conheceu a mãe, que morreu no parto. O pai foi assassinado eaí ele foi abandonado pelos avós maternos, sendo criado por um tio por um tempo. Este tiotambém faleceu e ele foi encaminhado para um abrigo de crianças. Ou seja, este rapazenfrentou uma barra durante a infância e a adolescência, porém, deu a volta por cima e hojecomanda um projeto social muito bacana, que envolve karatê. Enfim, é uma história que euquero que você acompanhe comigo a partir de agora.

E o drama da vida de Pitbull foi ao ar, emocionando milhares de pessoas pelo País. Nofinal do quadro, ao lado de vinte crianças, o professor e lutador simulou uma aula de karatê nopalco do programa, arrancando aplausos de todos os presentes. Luciano ainda entregou umcheque de dez mil reais para Pitbull investir no projeto social em Suzano e mostrou comoficaram as adaptações realizadas na escola para as futuras aulas de karatê no local.

Era dezembro, Pitbull havia completado 23 anos e a pedido de Luciano, João Fortepermitiu que o rapaz ficasse mais alguns dias treinando com o Team Fortaleza. Porém, o dono

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da rede de academias queria se livrar o mais rápido possível de Pitbull.Já em janeiro, numa sexta-feira, por volta das doze horas, após os treinos da parte da

manhã, Pitbull ligou para Matheus para saber como estava o estado de saúde de Claudia, já quequando saiu de casa, por volta das seis horas, sua mãe estava com muita febre.

Matheus já estava no hospital quando atendeu o telefone e explicou para Pitbull quedepois que ele saiu, Claudia tossiu muito, relatou que estava com dor no tórax e sentia queestava com alterações da pressão arterial. “Ela também estava com falta de ar e fraqueza. Aícorri para o hospital”, contou o estudante de jornalismo ao irmão.

Pitbull desligou a chamada e conversou com seu treinador sobre a situação. Quandoterminava de arrumar suas coisas para seguir para o hospital, percebeu que o celular tocavanovamente. “João Forte? O que será que ele quer comigo?”, se questionava o rapaz.

Os dois nunca tiveram um bom relacionamento e Pitbull sabia que o lutador apenas osuportava por causa do programa da TV.

- Alô!- Pitbull, é o João. Vou direto ao ponto. Você é um cara bacana, domina diversas

modalidades de luta, mas não serve para ser lutador profissional. Sua área é ensinar mesmo, serprofessor. Não posso ficar investindo em algo que não tem futuro. E certamente nãoconseguiremos encaixar você no UFC e por isso não precisa mais vir para a academia.

Todas as pancadas que recebeu nos últimos dias não doeram tanto como a ligação deJoão Forte. Pitbull ficou em silêncio no telefone e disse apenas “ok” antes de desligar. Nocaminho até a estação do Metrô, o professor foi pensando em tudo o que aconteceu nos últimosdias, como a vida parecia mágica e de repente tudo acabou. “Falo para os meus alunos teremcoragem e seguir em frente. Eu mesmo não conheço o significado destas palavras agora”,pensou Pitbull.

Já no hospital, ainda chateado, o professor receberia de Matheus outra informaçãotemerária.

- A mãe não está bem. Foi realizado um exame clínico, auscultação dos pulmões eradiografias de tórax e foi confirmado o diagnóstico de pneumonia. O médico explicou que porcausa da doença genética a situação é muito delicada. Ela corre um grande risco de morte.

Pitbull estava em estado de choque. A possibilidade de perder Claudia e a dispensa daacademia, tudo no mesmo dia, fizeram o rapaz sentir sensações que ele não experimentavadesde que tinha saído da clínica de saúde mental.

- O que foi Pitbull? Está passando mal? Fala comigo? – indagou Matheus preocupado

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com o irmão.- Preciso tomar ar. Que horas vou poder ver a mãe?- O tratamento da pneumonia requer o uso de antibióticos, e a melhora costuma ocorrer

em três ou quatro dias. Porém, só vão liberar visita se ela apresentar melhora.- Bom, vou esperar um pouco lá fora. Depois nos falamos – respondeu Pitbull, seguindo

por um corredor, totalmente desorientado.O rapaz andou por dez minutos dentro do hospital, cruzando portas e corredores, ser ter o

mínimo controle do que estava fazendo. Acabou saindo em um espaço de convivência, umaárea exclusiva, humanizada, destinada aos funcionários da unidade de saúde.

O espaço era utilizado para o descanso e o entretenimento dos trabalhadores do hospital eera equipado com aparelho de som, bancos, mesas e ventiladores. Pitbull sentou em um dosbancos do local, olhou para cima, abriu os braços e pela primeira vez na vida questionou Deus.

- Qual o seu problema comigo? Até quando? Até quando tanto sofrimento? Eu nãoaguento mais! Eu não suporto mais! – gritou o rapaz.

- Não tenho problema nenhum com você! – respondeu Gilberto, um senhor de 70 anos,diretor do hospital, assustando Pitbull. O homem estava todo de branco, com um semblantesereno, sentado ao lado do lutador.

- Você é Deus? – questionou Pitbull com os olhos arregalados. Gilberto gargalhou alto equase ficou sem ar de tanto rir.

- Qual a graça? – insistiu Pitbull.- Filho, eu sou um pobre coitado, que estava aqui tranquilo, com meu fone de ouvido,

meu celular, ouvindo uma música, quando chegou você e começou a gritar, acabando com meusossego – respondeu Gilberto.

- E como surgiu aí, do meu lado, de uma hora para outra?- Você que veio em transe, sentou ao meu lado e nem percebeu que eu estava aqui.

Parece meio abalado filho. O que acontece?- A vida me abala desde que nasci. Parece até que vim ao mundo apenas para sofrer.- A vida abala cem por cento das pessoas. Viver é um desafio. Nos meus 70 anos de vida

nunca conheci alguém que não tivesse um problema, algo a ser solucionado. No entanto, aspessoas encaram os problemas da vida de formas diferentes. Tem as que escolhem lutar e asque vivem se lamentando por tudo.

- Você fala isto porque não está no meu lugar.Gilberto tirou o fone do ouvido, colocou em Pitbull e pediu para o rapaz ouvir um trecho

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da música que ele estava escutando:

ImbatívelÉ quem faz de cada luta

um degrau pras fortalezas alcançarInvencível

E que nem pensa em desistirFaz dos espinhos trampolins pra chegar lá

Diga pra vida eu sou mais euDiga pro alvo aí vou eu

Flecha veloz nas mãos de DeusVai em frente o mundo é seu

A música “A Fé faz o Herói”, interpretada pela cantora Jamily, arrepiou todo o corpo de

Pitbull.- Gostou? – perguntou Gilberto a Pitbull.- O senhor é religioso?- Sim. Um servo de Deus.- Deus não vai muito com minha cara, eu acho.- Deus tem um plano para cada um. No momento certo, o seu vai se revelar. Porém, não

podemos desistir a cada obstáculo. Não sei qual o seu problema filho, mas joga tudo nas costasdo Pai e confia, porque ele quer apenas o seu bem.

Pitbull desabou em lágrimas e foi consolado por Gilberto. Após quase uma hora deconversa, o rapaz estava melhor, mais animado.

- Toda vez que a vida te derrubar, procure algo que te motiva e siga em frente. Eu semprebusco apoio em músicas e tem funcionado. Pode ser gospel ou não. Conhece “Enquantohouver sol” dos Titãs? – questionou Gilberto.

- Sim.- Vamos cantar juntos então.- Não, sem condições disto acontecer. O que pensarão se verem nós dois aqui cantando

Titãs?- Eu não devo nada para ninguém e você?- Você é engraçado senhor!

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- Comigo. Um, dois, três, vai...

Quando não houver saídaQuando não houver mais solução

Ainda há de haver saídaNenhuma ideia vale uma vida

Gilberto reclamou que Pitbull estava muito tímido e pediu mais entrega. E o rapaz foi se

soltado:

Quando não houver esperançaQuando não restar nem ilusãoAinda há de haver esperança

Em cada um de nósAlgo de uma criança

No refrão, Gilberto pediu empenho total e Pitbull não economizou o gogó.

Enquanto houver solEnquanto houver sol

Ainda haveráEnquanto houver solEnquanto houver sol

A empolgação dos dois era tão grande, que chamou a atenção de outras pessoas, que

observavam a cena impressionados com aqueles dois homens abraçados, cantando “Enquantohouver sol” dos Titãs.

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Capítulo 30 Após dois dias de internação, Claudia apresentou melhora no seu quadro clínico e o

diretor do hospital, Gilberto, realizava visitas diariamente. Pitbull e Matheus também nãosaíam da unidade de saúde.

Após ficar internada por sete dias e completamente restabelecida, Claudia teve alta e foipara casa. Do hospital, Pitbull ganhou um novo amigo, Gilberto. E este motivou tanto o rapaz,que no mesmo dia em que a mãe retornou ao lar, ele saiu em busca de academias para treinar.

Pitbull não encontrou nada parecido com o Team Fortaleza e isto o frustrou em umprimeiro momento. Porém, convocou Testinha, Gurilson e Matheus e montou o TeamSuperação. Com o sucesso da sua participação no programa de Luciano, conseguiu fechar umaparceria com o dono de uma academia próxima à sua casa.

No início, os treinos eram apenas noturnos e Pitbull aceitava qualquer um que tinhainteresse em lutar em competições de MMA. Então, de segunda a sexta ele treinava com oTeam Superação e aos sábados, dava continuidade as aulas do projeto social em Suzano.Sempre que podia, Tereza acompanhava tudo de perto, e também era um porto seguro para olutador.

Após dois meses de treinos, o Team Superação já contava com mais de trinta pessoas, deidades variadas, estilos variados, porém, o amor à luta motivava a todos, mesmo com aslimitações da academia.

Pitbull passou a levar seus lutadores e a participar de pequenas competições de MMA. Àsvezes, a maioria lutava até duas vezes por mês. Porém, Pitbull era sempre a grande atração. Erauma verdadeira máquina de bater. Derrubava quem ficasse na sua frente.

Quando emendou dez vitórias seguidas, após participar de um torneio amador em SãoCaetano, na região do ABC, em São Paulo, foi convidado por um empresário a disputar umaluta no Jungle Fight, considerado o maior evento de MMA da América Latina. O sonho dePitbull era chegar ao UFC e sabia que um bom desempenho nesta organização poderia aceleraro processo.

O Jungle Fight foi idealizado pelo ex-lutador Wallid Ismail e seu ex-manager, o japonêsAntônio Inoki. A primeira edição do torneio aconteceu em 2003, em Manaus (AM) e as regrasda disputa eram as mesmas do UFC, com lutas em três rounds de cinco minutos cada.

Pitbull lutaria na edição de setembro, um mês antes de completar 24 anos. Matheus

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praticamente tinha assumido a função do seu pai Marcos, cuidando de todos os detalhes antesdos combates. Tereza era a companheira fiel, que seguia o namorado para onde ele ia. Testinhae Gurilson eram os amigos inseparáveis, que não abandonaram o lutador na pior fase da vidadele. Claudia era a motivação para chegar ao UFC. E Gilberto, o conselheiro nas horas defraqueza.

Agora Pitbull tinha tudo. Estava completo. E ele despejava todo o seu potencial nos seusadversários. Atropelava tudo e todos, como um “trator sem freio”. A próxima vítima seriaArnaldo Brandão. Na competição realizada na cidade de Itu, no interior do Estado de SãoPaulo, ele estreou no Jungle Fight com show.

Pitbull aplicou diversas quedas no oponente e ainda desferiu socos e chutes, machucandoo rosto de Brandão. Ainda no primeiro round, aplicou um mata-leão, finalizando a luta elevando a torcida à loucura.

- O que você achou desta estreia? – perguntou o locutor do evento a Pitbull.- Eu vim para derrubar todos. Quero o cinturão dos pesados – respondeu prontamente,

tirando suspiros de Tereza e levando Matheus ao êxtase: “É meu herói! É um gigante!”, pensouo irmão do lutador.

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Capítulo 31 Duas semanas após a vitória em Itu, Pitbull recebeu o convite dos diretores do Jungle

Fight para lutar no início de 2009, em Maceió (AL), contra Carlos Porrete, do Team Fortaleza.Porrete era uma aposta de João Forte para o UFC, porém, queria primeiro testá-lo em

organizações menores. Quando negociou a luta, com a direção do Jungle Fight, nem se deuconta que Pitbull seria o oponente do seu protegido.

Porém, depois da confirmação do combate, começou a denegrir a imagem de Pitbull naimprensa local, o que aumentou a vontade do lutador de vencer Porrete e convencer Forte doseu valor.

Porrete era especialista em kickboxing e jiu-jitsu, já tinha vencido duas lutas por nocaute,e gostava de lutar em pé, apostando na trocação.

- Sou imprevisível. Tento sempre dominar meu adversário e fazer coisas malucas para osfãs. Eu não luto, eu dou show. Vou brincar com ele. Vou fazer dele minha mulher no octógono– afirmou Porrete em entrevistas à imprensa antes da luta.

- Quem tem boca fala o que quer. Ele não vai aguentar o primeiro round – rebateu Pitbullquando questionado sobre a luta.

Quinze dias antes do combate, Pitbull, Tereza, Matheus, Claudia, Gurilson, Testinha eGilberto seguiram para Maceió, para terminar o treinamento antes da luta na capital deAlagoas. Todos ficaram hospedados na casa de um amigo de Gilberto, próxima à praia deParipueira.

Enquanto Pitbull e seus auxiliares focavam na preparação para luta, o restante do grupocurtia as piscinas naturais formadas entre bancos de corais da praia de Paripueira.

No dia da luta, Claudia ficou na casa do amigo de Gilberto, enquanto o restante do grupoacompanhou Pitbull. O lutador estava confiante na vitória. Quando chegou ao local docombate, só a presença de João Forte o tirava do controle. “Vai chegar sua vez Forte”, pensavaa todo instante.

Além de João Forte, diversos outros lutadores do UFC estavam presentes no evento, quecontava com um público de aproximadamente dez mil pessoas. A animosidade entre Pitbull ePorrete também era um grande chamariz para o combate. E os dois foram com tudo para a lutapara resolver logo a situação.

E mais uma vez Pitbull não tomou conhecimento do seu adversário. O lutador conseguiu

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um nocaute incrível ao acertar um chute alto perfeito no rosto de Porrete. Após uma troca desocos, Pitbull encaixou um golpe potente, levando o seu oponente à lona imediatamente, commenos de um minuto de luta.

O chute foi tão forte, que Porrete saiu carregado do octógono. No seu discurso da vitória,Pitbull desafiou João Forte.

- Temos hoje aqui o lutador do UFC, João Forte, e gostaria de mandar um recado paraele. Não tenho medo de você. Luto com você onde quiser, na hora que quiser. Você nãoaguenta um round comigo.

As declarações levaram a torcida à loucura. Fora do octógono, João Forte encarouPitbull, que apontava para o desafeto prometendo que ele seria o próximo. Fãs de MMAdivulgaram o vídeo do nocaute em Porrete e as provocações a Forte. A repercussão foi grandee novamente, após alguns anos, o lutador chamou a atenção dos empresários do UFC.

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Capítulo 32 João Forte buscava há anos uma oportunidade para disputar o cinturão de campeão da

categoria peso pesado e tinha combate agendado para julho, no “UFC 100: Fazendo História”,que estava sendo considerado um dos eventos mais importantes da trajetória da organização, jáque era uma comemoração por ser o evento de número 100 em pay-per-view.

O UFC 100 seria realizado no Mandalay Bay Events Center, em Paradise, Nevada,Estados Unidos, um moderno complexo de esportes e entretenimento de doze mil lugares. Oevento era de tamanha importância, que contara com duas lutas valendo cinturão: uma pelosmeio médios entre Georges St. Pierre e Thiago Alves e outra pelos pesados entre Brock Lesnare Frank Mir.

João Forte pegaria o americano Nick Phillips, e o ganhador deste combate se credenciariapara futuramente disputar o cinturão dos pesos pesados contra o vencedor do confronto Lesnar- Mir.

Forte tinha história no MMA. Natural de América Dourada, uma pequena cidade daBahia, teve uma infância muito pobre, porém, ainda na adolescência, veio para São Paulo coma família. E foi na capital paulista que conheceu o mundo das artes marciais.

Por muitos anos, o pai de Forte trabalhou como porteiro em uma academia e o meninotreinava no local de graça. Com muita dedicação chegou à faixa preta em judô, depois jiu-jitsu,inclusive sendo duas vezes campeão mundial da modalidade.

O lutador teve êxito e fez sucesso em todas as organizações de MMA que passou.Ganhou muito dinheiro na Jungle Fight, na PRIDE, Strikeforce e UFC. João Forte tinha umcartel impressionante: eram vinte e seis lutas, vinte e quatro vitórias, dez por nocaute, treze porfinalização, uma por desistência e apenas duas derrotas (uma na PRIDE e outra no UFC). Paracompletar, Forte vinha de sete vitórias seguidas e era considerado um dos melhores lutadoresda atualidade.

Pitbull sabia que seria praticamente impossível enfrentar João Forte um dia, porém, ovídeo dele desafiando uma das lendas do MMA brasileiro era um verdadeiro sucesso, commilhares de visualizações. O ego de Forte estava ferido e o homem não perdia a oportunidadede falar mal de Pitbull quando podia.

- Não passa de um moleque arrogante. Quando ele tiver uma história parecida com aminha no MMA, quem sabe eu aceite dar uma surra nele. Hoje ele não serve nem para ficar na

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mesma sala que eu, quanto mais no octógono. Não vou ficar mais perdendo tempo com esteassunto. Hoje minha preocupação chama Nick Phillips – disse Forte a um dos principais sitessobre lutas do Brasil.

Com a ajuda de Matheus, Pitbull usou uma rede social chamada Twitter para responderJoão Forte. A ferramenta, criada em 2006, era como uma espécie de "SMS da Internet" com alimitação de duzentos e quarenta caracteres para uma mensagem. Em 2009, o microblog eraconsiderado um dos mais populares do mundo, utilizado por muitas celebridades. “#arregao#ufc - @joaoforte, a hora que quiser. Onde quiser. Não aguenta um round comigo”, postouPitbull no seu perfil, movimentando a rede e causando uma grande repercussão.

Por mais que tentasse, João Forte não conseguia esquecer Pitbull e as provocações dorapaz. Vivia irritado com a situação, no limite, e não podia ouvir o nome do lutador. No mês demarço, um programa de TV por assinatura, ao vivo, com foco em MMA, resolveu colocarlenha na fogueira.

Convidou João Forte para falar sobre os preparativos de sua luta e Pitbull para comentarsobre seus planos futuros no MMA, já que estava em evidência no Jungle Fight. Os doislutadores só se encontraram quando já estavam no estúdio, prontos para começar a gravação.

Quando João Forte viu Pitbull, fechou a cara e foi ao ar com semblante de “poucosamigos”. Pitbull estava achando tudo muito divertido, era uma oportunidade de tirar do sério ohomem que há algum tempo o descartou como “lixo”.

- Pitbull, como avalia o seu momento no MMA? – questionou o apresentador doprograma, observado por Forte, que estava sentado ao lado de Pitbull.

- Estou no meu melhor momento, apesar de certas pessoas terem duvidado do meupotencial – respondeu o lutador.

Foi o que bastou para João Forte levantar e voar no pescoço de Pitbull. A confusão estavaarmada e demorou para turma do “deixa disso” separar os dois. As imagens da briga correramo mundo e até o adversário de Forte no UFC 100, Nick Phillips, comentou o episódio,condenando a posição dos dois lutadores.

Porém, dias depois, Phillips teria outra situação para se preocupar. Após sofrer umafratura em uma das costelas durante um treino, o próprio Forte anunciou nas redes sociais oadiamento do seu confronto, e pouco tempo depois, a direção do UFC, confirmou ocancelamento da luta.

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Capítulo 33 Era domingo, Pitbull e Matheus tinham acordado cedo para correr. Há dias o lutador

esperava o contado da Jungle Fight, para marcar a data do seu novo combate na organização.Porém, quem ligou foi outra entidade.

Matheus estava abrindo o portão de casa, quando o celular tocou.- Oi Matheus, é o Jairo.- Fala Jairo, quanto tempo.- A vida é engraçada né? A gente roda, roda, e no final, acaba saindo no mesmo lugar.- Está falando em códigos agora Jairo ou ainda é o efeito do uísque?- Uísque quem vai tomar é você e seu irmão! Como vocês sabem, o Phillips machucou, e

o Forte precisa lutar de qualquer jeito no UFC 100, para não perder posições no ranking. Adireção queria colocar alguém mais experiente, mas no Brasil, todo mundo quer ver oconfronto entre ele e o Pitbull. Como estamos pensando em venda de pay-per-view, essa seriauma luta lucrativa. Porém, seu irmão teria poucos meses para se preparar e a chance dele levaruma surra e nunca mais voltar ao UFC é grande.

- Preciso falar com ele e também com a equipe. Por mais que seja uma luta atrativa para oPitbull, não sei se é o momento. Ele não teria condições de vencer o Forte, mesmo eleprovocando o cara a todo o momento.

- Pensei que fosse o desejo dele lutar com o Forte?- Ele tem um futuro no MMA. Estrear no UFC levando uma surra, em um dos principais

eventos da história, não seria algo muito agradável, concorda?- Amanhã você me liga. Não temos muito tempo para acertar este confronto. Fico no

aguardo da resposta – desligou Jairo, com voz de insatisfação.Pitbull estava ouvindo o diálogo entre Matheus e Jairo, mas não tinha ideia do que se

passava. Quando o irmão revelou o assunto da conversa, pela primeira vez o lutador com famade durão sentiu medo de entrar no octógono. No fundo, sabia que não contava com estruturapara realizar uma preparação apropriada para um combate de tamanha importância. E mesmoprovocando Forte há meses, tinha certeza que não poderia vencer um lutador tão experiente econsiderado um dos melhores do mundo na atualidade.

Na segunda pela manhã, quando Pitbull juntamente com a equipe de treinamento, Terezae Matheus, já tinha decidido não lutar com Forte, ele foi visitar Gilberto no hospital.

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- Está meio abatido hoje. O que aconteceu? – perguntou o diretor da unidade de saúde eamigo de Pitbull.

- Sinto que estou novamente perdendo uma grande oportunidade – respondeu o lutador,explicando o que aconteceu nas últimas horas. Gilberto ouviu tudo atentamente, ficoupensando por alguns segundos e disse o que achava sobre a situação.

- Vou te contar uma história rapaz. Ouça com atenção. Quando eu tinha 18 anos, queriamuito ser músico. Porém, meu pai me forçou a fazer medicina, porque na cabeça dele eumorreria de fome caso seguisse uma carreira artística. Hoje, comando este hospital, tenho umaboa vida, mas sou um velho frustrado. Talvez eu realmente fosse passar fome. Talvez nãofizesse sucesso mas, certamente, agora seria uma pessoa mais feliz. A alegria está na luta, natentativa, no sofrimento envolvido e não na vitória propriamente dita, já dizia MahatmaGandhi.

Pitbull caiu na gargalhada e quase ficou sem ar de tanto rir.- Você é demais Gilberto. Você me disse há algum tempo que seu sonho sempre foi ser

médico. Que história é essa agora de músico? E motivação, usando Mahatma Gandhi comigonão ajuda muito. Nem de briga o cara gostava.

- Eu precisava falar alguma coisa. Meu pai me ensinou a nunca deixar as pessoas semrespostas.

E Pitbull e Gilberto passaram toda a tarde conversando. O lutador não sabia o que era,mas aquele senhor sempre deixava o seu dia melhor e ele ficou tão motivado com o diálogo,que voltou para casa decidido a lutar com João Forte.

- Liga para o Jairo e marca a luta Matheus. Se eu perder, começo do zero novamente. Navida, a gente precisa saber cair, levantar e seguir em frente. Essa não será minha primeirabarreira e nem a última.

A empolgação de Pitbull também contagiou Matheus. Posteriormente, toda a equipeestava motivada. Porém, a falta de tempo de preparação para o combate preocupava a todos. Olutador teria menos de cem dias para treino e contara com uma estrutura limitada, enquantoJoão Forte tinha à disposição os melhores treinadores e equipamentos.

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Capítulo 34 Todos os detalhes estavam acertados para o confronto entre Pitbull e João Forte, em

julho, no UFC 100, no Mandalay Bay Events Center, nos Estados Unidos. Todos os sitesesportivos e com foco em MMA buscavam detalhes sobre a preparação dos lutadores.

Porém, a direção do UFC pediu para Pitbull e Forte não se exporem e não prejudicarem aimagem de um dos eventos mais importantes da história da organização. O que estava em jogoagora era o dinheiro que poderia ser arrecado com as lutas do UFC 100, venda de pay-per-view. A animosidade e os desentendimentos entre os lutadores deveriam ficar em segundoplano.

Com pouco tempo para preparação, Pitbull focou nos treinos. Praticamente não tinha vidasocial. Por alguns dias, Tereza, projeto social, Claudia, entre outras atividades, teriam deesperar. Matheus também era pura adrenalina. O rapaz trancou a faculdade e estavaconcentrado apenas em assessorar o irmão, acertando tudo o que fosse necessário antes docombate.

Enquanto Pitbull chutava, socava, corria, Matheus acertava o Visto Americano, aspassagens de avião, a hospedagem e locais para treino nos Estados Unidos, além das comissõesfinanceiras que seu irmão receberia em caso de derrota ou vitória no UFC 100.

João Forte, dois meses antes do combate, viajou para os Estados Unidos para treinar comElvis Montanha, responsável pela formação de dois campeões do UFC, nas categorias pena egalo. Forte procurou o treinador em busca de se tornar um lutador mais completo e estratégico.Mesmo com uma trajetória positiva no MMA e uma grande experiência, não queria correr orisco de perder para Pitbull. O lutador tinha a promessa dos executivos do UFC que em caso devitória seria o próximo a disputar o cinturão da categoria.

***Faltando um mês para o combate, o estado de saúde de Claudia mais uma vez assustou

Pitbull e Matheus. Numa manhã de segunda-feira, dona Dirce ligou para os meninos correrempara casa, já que a mãe estava vomitando muito, com falta de ar, tontura e palpitações.

Os dois chegaram rapidamente ao imóvel, colocaram Claudia no carro e correram para ohospital de Gilberto. O médico já os aguardava. Minutos após a internação, Gilberto explicouaos rapazes o quadro de saúde da mãe.

- Foi uma síndrome coronária aguda, que evoluiu para infarto do miocárdio – contou

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Gilberto, desestabilizando Pitbull e Matheus. – Ela será submetida a uma intervençãocoronária, em que serão realizadas algumas medidas para melhorar o fluxo sanguíneo.

Novamente, antes de uma luta importante, Pitbull teria de enfrentar outro drama familiar.E a situação de Claudia derrubou o lutador. Ele não tinha mais cabeça para treinos, mascontinuava com os trabalhos, apoiado por Tereza. Matheus dividia o seu tempo no hospital eacertando os detalhes do combate, já que por insistência de Gilberto, eles não deveriam desistirda luta.

- Ela está evoluindo bem, com parâmetros clínicos estáveis. Dará tudo certo meninos.Deus sabe de tudo – repetia sempre o médico e amigo de Pitbull e Matheus.

Faltando uma semana para o combate e a minutos da viagem para os Estados Unidos,Pitbull se sentia sozinho, já que não contaria no Mandalay Bay Events Center com o apoio daspessoas mais importantes da sua vida. Tereza não poderia viajar, já que não conseguiuliberação no trabalho. Matheus e Gilberto ficariam no Brasil, cuidando de Claudia. O lutadorteria de encarar o maior desafio da sua vida contando apenas com o auxílio dos amigosinseparáveis Gurilson e Testinha e de uma equipe contratada nos EUA, que ajudaria os trêsquanto ao transporte, hospedagem, comunicação e treinamento.

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Capítulo 35 O UFC 100 ofereceu diversas atrações além das lutas. A principal foi a UFC Fan Expo,

que reuniu diversas atividades espalhadas na sexta-feira e no sábado, no Mandalay BayConvention Center. Foram programadas sessões de autógrafos durante os dois dias de evento,que contaram com a presença de lendas e lutadores do primeiro escalão do MMA.

Durante o Fan Expo, o UFC anunciou também integrantes do Hall da Fama daorganização, realizou palestras, concurso de octagon girl, sessões de treinos e demonstraçõesde MMA com grandes nomes do esporte, levando a torcida no local à loucura. Aindaaconteceu no Mandalay Bay Convention Center um Torneio de Grappling, divulgado como omaior evento de jiu-jitsu e submission da história. Foram inscritos mil e quinhentoscompetidores em todas as faixas de peso e idade, tanto no masculino quanto no feminino. Osparticipantes disputaram prêmios em dinheiro.

Gurilson e Testinha estavam maravilhados com tudo o que viam. Já Pitbull só pensava nocombate com Forte, programado para o final da noite de sábado. Do Brasil, Matheus ligava dehora em hora para saber se tudo estava bem e se o irmão estava encontrando algumadificuldade. Também aproveitava as conversas para motivar o lutador e para informar o estadode saúde de Claudia.

- A mãe continua se recuperando muito bem. Ela está evoluindo de maneira satisfatória,está sem sequelas da intervenção coronária, mas ainda não tem previsão de alta. Vamos ver sualuta aqui do quarto – brincou Matheus.

- A Tereza me disse que já está indo para o hospital. Daqui a pouco sigo para o local daluta, para fechar a preparação. Torce por mim meu irmão – respondeu Pitbull.

Já no Mandalay Bay Convention Center, na área de combate, Gurilson e Testinhainiciaram uma longa série de aquecimento e alongamentos com Pitbull. Depois partiram parauma série de movimentos condicionados, com simulações de golpes.

Na pausa para descanso e enquanto fazia a bandagem das mãos, Pitbull começou arelembrar sua trajetória até ali: a passagem pelo abrigo de crianças, a primeira vez em umadelegacia, a fuga para Cracolândia, o assassinato de seus amigos e a internação em umaunidade de recuperação para jovens. Lembrou do amor de Marcos e Claudia, e pela primeiravez, desde que chegou aos Estados Unidos, chorou como uma criança.

Gurilson e Testinha estavam ali apoiando ele, mas o lutador não conseguia falar nada.

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“Sem Deus nunca teria chegado até aqui. Um menino pobre, um moleque de rua, transformadopelo amor e hoje em um dos principais eventos esportivos do mundo”, pensou, enquantocolocava pra fora todas as suas emoções.

Faltando quinze minutos para entrar ao octógono, ligou para Matheus e os dois choraramao telefone. Tereza, muito emocionada, também desejou sorte ao amado. Gilberto pediu“força, foco e fé”. E Claudia, com um pouco de dificuldade, afirmou que Pitbull foi a melhorsurpresa na vida dela. “Te amo muito. Faz seu melhor. O Marcos deve estar muito orgulhosode você”, disse ao telefone, deixando o lutador ainda mais emocionado.

Após desligar o celular e pronto para o combate, Pitbull anda de um lado para o outro novestiário. Gurilson, Testinha e diversas outras pessoas que o acompanharam nos EstadosUnidos nos últimos dias o incentivam com palavras de motivação.

A equipe é avisada que a luta começará em minutos. As luzes do octógono se apagam.Pitbull e os assistentes já estão posicionados no corredor, quando as primeiras imagens dele naTV aparecem, levando Claudia, Matheus, Tereza e Gilberto à loucura. Gurilson e Testinhaestão atrás do lutador, como dois anjos da guarda.

A música de entrada “Cedo ou Tarde”, da banda de rock NX Zero, começa a tocar. Éuma homenagem de Pitbull para o pai Marcos.

Quando perco a féFico sem controle

E me sinto mal, sem esperançaE ao meu redor, a inveja vai

Fazendo as pessoas se odiarem mais Enquanto rola a canção, o lutador chora. No Brasil, todos no quarto do hospital também

não conseguem segurar a emoção. Claudia está abraçada com Tereza, enquanto Matheus gritaem frente à televisão: “Eu quero o seu melhor. Eu quero o seu melhor”. A música continua ePitbull entra, tendo o primeiro contato com a torcida.

Me sinto só

Mas sei que não estouPois levo você no pensamento

Meu medo se vai

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Recupero a féE sinto que algum dia

ainda vou te verCedo ou Tarde

Enquanto o refrão da música rola solto, emocionando até Gurilson e Testinha, Pitbull vai

cumprimentando fãs no trajeto até o octógono. O lutador usa uma fita azul em torno de suasluvas. O árbitro está fora da “gaiola”, para inspecionar o corpo de Pitbull. Antes de o lutadorentrar no ringue, o cutman aplica vaselina para as sobrancelhas e bochechas, áreas sujeitas acortes.

Já no octógono, Pitbull anda de um lado para o outro, se posicionando posteriormente àesquerda. Gurilson e Testinha continuam atrás dele. Juízes e comentaristas também já estãopreparados. Executivos do UFC assistem ao evento de assentos próximos à gaiola. Jairo é umdeles, e terá a missão de auxiliar na decisão da escolha de quem ganhará o bônus no final danoite por Melhor Luta, Melhor Nocaute e Melhor Finalização.

João Forte é chamado e usa uma fita vermelha em torno de suas luvas. A torcida vai àloucura. Ele é o favorito do combate. A vitória dele no primeiro round lidera as apostas. Olutador entra ao som de “I feel good”, de James Brown. Sereno, confiante, Forte segue como senada pudesse o abalar. O árbitro também faz a inspeção no lutador, que posteriormente recebevaselina para as sobrancelhas e bochechas.

No octógono, o apresentador oficial do UFC inicia as apresentações. Primeiro o árbitro,depois os lutadores. A torcida grita sem parar. O barulho é ensurdecedor. Forte e Pitbull seencaram o tempo todo e são chamados ao centro da “gaiola”.

O árbitro explica as regras do combate e pede que os lutadores se cumprimentem. Cadaum segue para o seu lado do octógono, aguardando o início da luta.

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Capítulo 36 O árbitro autoriza o começo da luta. Pitbull não perde tempo e inicia o combate chutando

a perna esquerda do oponente. Forte responde com uma joelhada, porém, sem conseguiracertar o alvo.

O primeiro round segue com os dois investindo na trocação. Tanto Pitbull quanto Fortetentam acertar golpes de contundência. Porém, Forte consegue acertar bons socos, chutes ecotoveladas. Com uma sequência impressionante, machuca Pitbull, abrindo o supercílio doolho esquerdo do lutador.

Em seguida, Forte consegue aplicar um ground and pound (tática de luta de chão),derrubando Pitbull e conseguindo uma posição dominante desferindo socos e cotoveladas nooponente.

O público está empolgado com o estilo agressivo de Forte, enquanto Testinha e Gurilson,do lado de fora, gritavam para Pitbull segurar, já que o round estava acabando. No Brasil,Claudia estava de olhos fechados. Não aguentava ver o filho ser massacrado. Gilberto e Terezaestavam apreensivos com o andamento da luta e Matheus preocupado com a situação do irmão,já que nunca tinha visto o lutador ser dominado com tamanha facilidade.

A surra que Pitbull estava levando começava a irritar alguns executivos do UFC, jáinsatisfeitos com a escolha do lutador para um combate de tamanha importância. No entanto,Pitbull mesmo dominado e apanhando muito de Forte, consegue segurar o combate até o soardo gongo.

Pitbull fica deitado por alguns segundos, atordoado, exausto e quando levanta para ir parao seu corner, quase não consegue sentar no banco para descansar, receber instruções e recebercurativos médicos. Testinha e Gurilson tentam motivá-lo, levá-lo em melhor condições para osegundo round.

No outro corner, Forte está satisfeito com seu desempenho. Seu técnico percebendo odesgaste de Pitbull pede para ele jogar novamente o lutador no chão e finalizar a luta. Porém,ele não ouvia nada. Seu desejo era humilhar seu oponente e esse foi um grande erro.

***Pitbull era um guerreiro. Até o combate com Forte, ainda não conhecera a derrota. E o

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lutador voltou ao confronto com a cabeça em Marcos. Parece que podia ouvir o pai e treinadordizendo: “Tenha calma, ele vai errar. Ninguém é perfeito. É nesse momento que você vira aluta”. E ele teve calma.

No início do segundo round, Forte tentou encurralar Pitbull na grade, acertandonovamente uma sequência de socos e ainda uma tentativa de guilhotina que não foi encaixada.

Pitbull seguiu tentando conter as entradas de Forte, cadenciando a luta e esperando omomento certo para atacar. Vendo que não conseguiria nocautear Pitbull, Forte tenta aplicar, jáno final do round, um single-leg, uma técnica de queda em que um lutador faz um ataque depernas e agarra uma delas com as duas mãos, tentando derrubar o oponente.

Forte consegue segurar a perna direita de Pitbull, que joga a esquerda para trás,pressionando o corpo do oponente. Rapidamente, Pitbull junta as mãos em volta do pescoço deForte, o empurrando e o derrubando para esquerda.

Pitbull cai por cima de Forte, levando os torcedores e os executivos do UFC à loucura.No Brasil, Matheus não acreditava no golpe surpreendente que o irmão acabava de aplicar.

Forte sabia que estava enrascado e utilizava de todo o seu jiu-jitsu, em posição de guarda,mantendo Pitbull entre suas pernas, tentando controlá-lo com as mesmas. Porém, não escapoudos potentes socos do seu oponente. Pitbull bateu o quanto pode, machucando o olho direito deForte, que ao final do round, estava inchado e praticamente fechado.

O desempenho de Pitbull surpreendeu até os mais otimistas. Após ser massacrado nocomeço da luta, conseguiu se recuperar no combate, levando o confronto para o terceiroassalto, em uma disputa que prometia e empolgava todos os presentes no Mandalay BayConvention Center.

***Claudia pedia a Deus pela vitória de Pitbull. Matheus estava orgulhoso do irmão. Tereza

queria estar ali, no octógono, mas agora só podia enviar vibrações positivas. Gilberto era omais apreensivo, sabia que o terceiro round seria complicado para os dois lutadores, queestavam no limite.

Pitbull estava com o supercílio do olho esquerdo aberto, sangrando muito. Forte com oolho direito inchado, praticamente fechado. Porém, no terceiro round, o decisivo, os doisprecisariam “mostrar serviço”, ir para o tudo ou nada. E assim aconteceu.

O assalto começou com uma trocação franca, com Pitbull e Forte encaixando bonsgolpes. Porém, com quarenta segundos de combate, Forte conseguiu uma sequênciadevastadora de socos, acertando o rosto do oponente e praticamente forçando o árbitro a

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paralisar o combate por alguns segundos, para o médico avaliar o sangramento no supercílio dePitbull, que aumentava muito.

No retorno da luta, mesmo sendo duramente castigado, Pitbull resistiu e conseguiuderrubar Forte. Ele buscou a finalização, colocando o braço do oponente entre as coxas, porém,não conseguiu esticá-lo, aplicando assim a famosa chave de braço. Os lutadores ficaram nochão, sem ação, e o árbitro parou a luta, para colocar os dois novamente em pé.

Pitbull e Forte lutavam com o coração. Estavam dando o máximo. A torcida nãoacreditara no que estava vendo, estava sendo contemplada com um grande show por parte dosdois lutadores. O combate, inclusive, já era o favorito para ganhar o prêmio de Melhor Luta danoite.

E os “gladiadores” voltaram à trocação. Pitbull acertou um soco fortíssimo, quasederrubando Forte, que resistiu e contra golpeou com sucesso. Os lutadores estavam muitocansados, mas Pitbull estava em pior condição, chegando a baixar os braços em algunsmomentos. Forte então achou a distância e foi mais efetivo nos golpes, apesar do seu oponentenão deixar de atacar em nenhum momento.

A garra de Pitbull conquistou parte da torcida, que via disposição e muita técnica naquelenovato no UFC. Porém, Forte tinha uma história no MMA e no final do combate, isso pesou nadecisão dos juízes.

Após o soar do gongo, colocando fim ao terceiro round, o octógono é invadido. Os doislutadores estão com os braços levantados, comemorando a luta e esperando a confirmação dasnotas dos juízes. O árbitro coloca os dois lado a lado. Testinha e Gurilson estão ali, comPitbull, apoiando o amigo. No Brasil, Claudia, Tereza, Matheus e Gilberto estão orgulhosos dorapaz. “Ele deu o melhor. Ele deu o que tinha de melhor”, pensou Matheus.

E após uma luta tão parelha, o locutor anuncia o resultado do combate. Vitória por pontosde João Forte, em decisão unânime dos juízes, por 48-47, 48-47 e 48-47. O vencedor, aindacom o braço levantado, chama Pitbull que se aproxima e os dois se abraçam.

Forte pega o microfone, diz à torcida ter enfrentado um guerreiro e afirma que Pitbull nofuturo será o dono do cinturão na categoria.

- Eu cometi um erro com este rapaz. Fui um completo idiota. Mas devo reconhecer meuerro. Ele está apenas no começo da sua carreira no MMA, mas certamente no futuro será umcampeão desta organização.

Pitbull estava emocionado, satisfeito com seu desempenho. Agradeceu o apoio dafamília, dos amigos e disse que tinha cumprido um sonho do pai.

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- Superei todos os meus limites. Essa luta foi para você meu pai. Desculpe não poder terfeito melhor.

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Capítulo 37 Matheus e a namorada Mônica estavam prontos para visitar a nova mansão de Pitbull, em

Palos Verdes Estates, na Califórnia, nos Estados Unidos. O lutador estava morando no local háquatro meses, com Tereza e Claudia. A mãe dos rapazes iniciou um tratamento revolucionárionos EUA, melhorando muito a sua qualidade de vida.

No entanto, antes de visitar Pitbull, Matheus queria curtir com a namorada o Réveillon2015 em Miami. Há meses o rapaz estava concentrado na administração dos negócios do irmãoe também na condução do projeto social em Suzano, que cresceu imensamente, com aimplantação de diversas unidades na cidade, com mais de cinco mil crianças matriculadas nasaulas de karatê.

O descanso era merecido e o casal iria curtir um programinha light em Miami. Os planoseram comer cedo em algum restaurante de South Beach e, posteriormente, curtir os fogos naorla da Ocean Drive. Porém, o trabalho não deixava Matheus sossegado e o celular do rapaznão parava de tocar. A maioria das ligações era de jornalistas, interessados em entrevistarPitbull, que estava negociando com o UFC uma nova luta.

- Oi Matheus, é o Pedro novamente. Eu sei que é véspera de Réveillon, mas meu editorestá cobrando a entrevista com o Pitbull. Ele é o lutador do momento e precisamos muito falarcom ele.

- Entendo Pedro, mais o campeão só vai falar em fevereiro. Ele quer um tempo paradescansar. A última defesa do título o consumiu muito e agora ele que dar atenção à mulher, aofilho e principalmente a minha mãe. Me liga novamente daqui uns dias e vemos como agendaristo.

Desde o combate com Forte, Pitbull não conheceu mais a derrota. Após sete vitóriasseguidas, subiu ao octógono em 2012 contra o também brasileiro Carlos Braço de Aço, paraconquistar o cinturão da categoria dos pesos pesados. E nos últimos dois anos já haviadefendido o primeiro lugar no ranking do UFC em quatro combates e em todos saiu vitoriosocom nocautes.

Após curtir em Miami, Matheus e Mônica seguiram para Palos Verdes Estates.Encontraram Pitbull no Farol Point Vincente. Depois seguiram para uma praia próxima, ondeestavam Tereza, Claudia e o filho do lutador, Marcos, de apenas três anos.

Claudia, mesmo na cadeira de rodas, adorava ir à praia todas as manhãs para ouvir as

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ondas quebrando no mar. A família, que por muitos anos enfrentou diversos desafios, maisuma vez se reunia. Mas agora, apenas para comemorar as vitórias de uma grande trajetória decoragem, amor e principalmente perseverança.

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Anderson Fernandes e Débora Kaoru

NOCAUTE

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