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13 Educação, Batatais, v. 6, n. 2, p. 13-32, jul./dez. 2016 Estética para a Educação Musical: teoria, práxis e educação Sara Cecília CESCA 1 Resumo: A disciplina de Estética para a Educação Musical do curso de Licen- ciatura em Música do Claretiano – Centro Universitário vem sendo reconhecida entre os alunos que por ela passam como uma disciplina fundamental no que diz respeito à compreensão do campo da estética, bem como no tocante a contribui- ções para o campo da educação musical. Na contramão do que se espera de uma disciplina de Estética dos cursos de licenciatura – geralmente, inclinada para a história da estética – sua proposta consiste, especificamente, num encontro dialógico entre estética e práticas educativas em música. Sob a ótica dos pressu- postos filosóficos de Luigi Pareyson, os conteúdos da disciplina se concentram em diferentes questões que permeiam os fenômenos da atividade artística e na articulação dessas questões a partir do processo inventivo e realizativo em dife- rentes contextos educativos. Palavras-chave: Estética. Educação Musical. Formação Docente. 1 Sara Cecília Cesca. Doutoranda em Música pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestre em Música pela mesma instituição. Especialista em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciada em Música pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Graduada em Música Com Habilitação em Instrumento pela Universidade de São Paulo (USP). Tutora do Curso de Licenciatura em Música do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

Estética para a Educação Musical: teoria, práxis e educação Reflexões sobre Arte (1986) de Alfredo Bosi, Os problemas da Es-tética (1997) de Luigi Pareyson e Estética e Educação

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Educação, Batatais, v. 6, n. 2, p. 13-32, jul./dez. 2016

Estética para a Educação Musical: teoria, práxis e educação

Sara Cecília CESCA1

Resumo: A disciplina de Estética para a Educação Musical do curso de Licen-ciatura em Música do Claretiano – Centro Universitário vem sendo reconhecida entre os alunos que por ela passam como uma disciplina fundamental no que diz respeito à compreensão do campo da estética, bem como no tocante a contribui-ções para o campo da educação musical. Na contramão do que se espera de uma disciplina de Estética dos cursos de licenciatura – geralmente, inclinada para a história da estética – sua proposta consiste, especificamente, num encontro dialógico entre estética e práticas educativas em música. Sob a ótica dos pressu-postos filosóficos de Luigi Pareyson, os conteúdos da disciplina se concentram em diferentes questões que permeiam os fenômenos da atividade artística e na articulação dessas questões a partir do processo inventivo e realizativo em dife-rentes contextos educativos.

Palavras-chave: Estética. Educação Musical. Formação Docente.

1 Sara Cecília Cesca. Doutoranda em Música pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestre em Música pela mesma instituição. Especialista em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciada em Música pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Graduada em Música Com Habilitação em Instrumento pela Universidade de São Paulo (USP). Tutora do Curso de Licenciatura em Música do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

“Compor é um processo coletivo! Comprovamos tal afirmação quando, ao encerrarmos tal atividade, indagamo-nos qual será o nível de aceitação de nossa canção em meio ao ambiente em que vivemos! Não podemos negar que ficamos apreensivos e receosos quando pedimos a opinião de terceiros sobre a composição, se esta agradará os ouvidos daquele que a ouve. Pudemos notar também, enquanto escrevíamos, que a experiência é extasiante enquanto acontece, e demasiado gratificante quando temos em nossas mãos a canção composta! Estabelece-se, assim, uma relação de amor-admiração com a matéria criada” (N. T.).

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Aesthetics for Musical Education: theory, practice and education

Sara Cecília CESCA

Abstract: Students who attend the subject Aesthetics for Musical Education of the licentiate course in Music of Claretiano – Centro Universitário are widely recognizing it as a fundamental subject regarding the understanding of the field of Aesthetics, as well as its contributions for the field of Musical Education. Contrarily to the expected from Aesthetics subjects in licentiate courses – frequently focused on the history of Aesthetics –, its proposal consists, specifically, of a dialogic encounter between Aesthetics and educational practices in Music. Under the perspective of Luigi Pareyson’s philosophical assumptions, the contents of the subject are focused on different questions that permeate the phenomena of the artistic activity and on the articulation of such questions based on the inventive and performative process in different educational contexts.

Keywords: Esthetic. Musical Education. Teacher Training.

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1. INTRODUÇÃO

Os escritos que apresento neste dossiê de educação musical descrevem o nascimento da disciplina de Estética para a Educação Musical do Claretiano – Centro Universitário, seus objetivos e con-tribuições para a formação docente, como também a importância das questões estético-filosóficas que substanciam o processo artís-tico quando observadas pelo educador-esteta na prática do ensino de música.

Fundado em 1970, o Centro de Ensino Superior Claretiano deu seus primeiros passos com o funcionamento da Escola Supe-rior de Educação Física na cidade Batatais/SP, abrindo mais tarde as portas para o surgimento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “José Olympio”. Dirigida pelos Padres Missionários Cla-retianos, as Faculdades Claretianas contavam com campi nas ci-dades de Batatais, Rio Claro e São Paulo, o que resultou na União das Faculdades Claretianas (Uniclar). Posteriormente, a unidade de Batatais tornou-se Claretiano – Centro Universitário (Ceuclar), transformando-se em um Centro de Ensino Superior autônomo, tendo como princípio fundante a capacitação de professores e pro-fissionais com sólida formação humana para o exercício do ensino (CATÁLOGO INSTITUCIONAL CLARETIANO, 2016, p. 9). Em 2014, o Claretiano – Centro Universitário ampliou o panorama da área de humanas, com a abertura do curso de licenciatura em mú-sica na modalidade a distância. Atualmente, o curso de licenciatura em música conta com 31 polos institucionais, abrangendo todas as regiões do país.

A decisão de implantar uma disciplina de Estética que pudes-se dialogar com os estudos do campo de Educação Musical teve como ponto de partida a visão atenta e construtiva da equipe de coordenação.

Ao contrário de um estudo que pudesse apresentar um pano-rama histórico da estética ao longo dos séculos, a presente disci-plina, intitulada Estética para a Educação Musical, traz como pres-suposto teórico-filosófico de seus estudos a abordagem do esteta e filósofo Luigi Pareyson (1918-1991), dentre outras referências

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bibliográficas que dialogam com a proposta da disciplina. Como bibliografia básica da disciplina, destacam-se as seguintes obras: Reflexões sobre Arte (1986) de Alfredo Bosi, Os problemas da Es-tética (1997) de Luigi Pareyson e Estética e Educação (2009) de Gabriel Perissé. No que diz respeito à bibliografia complementar da disciplina, contemplamos as seguintes obras: Educação Estética para jovens e adultos (2010) de Sonia Carbonell Alvares, A defini-ção de Arte (1972) de Umberto Eco, A aula como acontecimento (2010) de João Wanderley Geraldi, Estética: Teoria da Formativi-dade (1993) de Luigi Pareyson e Arte, Estética e formação huma-na: possibilidades e críticas (2013), organizado pela autora Sílvia Rosa da Silva Zanolla.

O principal objetivo dessa linha de estudos consiste na pos-sibilidade dialógica entre teoria, praxis e educação, mediados por uma conduta especulativa, crítica e inventiva em torno do ensino de música, bem como de seus fenômenos artísticos.

2. UMA DISCIPLINA E MUITAS REGIONALIDADES

Baseado na pesquisa de mestrado em música que concluí em 2014 pela Universidade Estadual de Campinas na linha de “Teoria, Criação e Prática em Música”, fui convidada a construir o material digital da presente disciplina e mais tarde a atuar como docente.

Antes de iniciar o processo de construção do material digital da disciplina, julguei ser importante considerar a amplitude nacio-nal do curso na modalidade a distância. Com bases institucionais fincadas em inúmeros estados brasileiros, cada qual com suas diver-sidades culturais, foi preciso refletir sobre aspectos importantes de um trabalho dessa natureza: qual será o perfil desses alunos? Quem são? De onde vêm? Com quem partilharão esses escritos e refle-xões? De que forma a abordagem pareysoniana poderá contribuir para o trabalho docente de cada um desses alunos? A partir desses questionamentos e de maneira cautelosa, o trabalho foi ganhando forma, de modo que os relatos de experiências, ilustrações didáticas e contextos educativos apresentados segundo minhas experiências

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como educadora pudessem ser compreendidos apenas como peque-nos recortes para uma ampla abordagem estético-educativa.

Embora pautado por um olhar atento e cuidadoso, assumi a construção do material tendo como princípio reflexivo somente as perguntas. Ao demorar-me nesses questionamentos, pude notar que as reflexões dessa empreitada também poderiam ser compartilhadas com os alunos-leitores, afinal questões dessa natureza são também relevantes para a orientação do futuro educador e esteta em sala de aula. Diante desses cuidados e observações que se voltam para o leitor num processo de escrita, assim também prossegue o trabalho do educador musical frente ao processo formativo de seus alunos (CESCA, 2015). Para tanto, uma importante questão foi destacada aos leitores desse material:

Diante destas considerações, é importante esclarecer que as reflexões estéticas que serão lançadas a partir dos rela-tos que traremos, não possuem o intento de firmar-se obje-tivamente em propostas estanques ou em uma abordagem única de estética, mas, como mostra didática para facilitar a compreensão do uso dos conceitos filosóficos em dife-rentes situações do ensino de música (CESCA, 2015, p. 14).

Cada um dos exemplos que ilustram o material é fundamentado por diferentes conceitos filosóficos de Luigi Pareyson, incluindo também sua importante teoria da formatividade. Apresentados como um start ou mesmo um insight, os relatos cumprem uma fun-ção prática e ilustrativa para a realização de diferentes ações educa-tivas pautadas por uma abordagem estética. A práxis que circunda cada um dos relatos de experiência do material também nos ajuda a compreender o modo como estética e educação musical podem se relacionar. Outra importante concepção apresentada pela disciplina diz respeito à proposta de conscientização que legitima o educador musical como um esteta em sala de aula. Essa abordagem concei-tual consubstancia os estudos da presente disciplina, objetivando, para além das reflexões e experiências prático-musicais, uma per-cepção íntegra, respeitosa e humana do outro no processo inventivo e realizativo; uma ação educativa, transformadora e humana que nos ajuda a compreender o potencial inventivo que permeia a vida de cada um de nós.

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3. ESTÉTICA PAREYSONIANA: CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL

À luz da estética pareysoniana, o material institucional do Claretiano – Centro Universitário tem como principal objetivo proporcionar aos futuros educadores musicais reflexões em torno dos fenômenos estéticos que permeiam a atividade artística em diferentes momentos do seu constructo a partir de práticas educati-vas em música.

Diante das notas introdutórias, eis a seguinte questão: de que forma os conceitos pareysonianos, bem como sua teoria da formatividade, podem contribuir para o campo da educação musical? Vejamos: a realização de atividades artísticas em diferentes contextos educativos também pressupõe um fazer artisticamente reflexivo, consciente e valorativo em torno das questões que permeiam o processo inventivo, do seu nascimento – insight – até o complexo campo de recepção e leitura da obra. A conscientização dos obstáculos, descobertas, tentativas e transformações que permeiam o itinerário de invenção o qual os artistas (e também nossos alunos) percorrem contribui para um modus operandi mais criativo, humano e sintonizado com a obra que cada um realiza em seu existir, isto é, o próprio viver.

O viver é incerto e o processo artístico, enquanto dinâmica inventiva, traz-nos considerações significativas e palpáveis desse evento operantemente inconcluso. Assim sendo, é importante que o educador esteja ciente de que uma proposta educacional que tome como modelo estético-filosófico ferramentas especulativas como mecanismo investigativo do processo inventivo tem como princí-pio a impossibilidade de qualquer tipo de controle. Na citação a se-guir, Pareyson traz em destaque o pensamento de Platão e Schelling com o objetivo de ilustrar os riscos da prática filosófica – em suma, as agruras do ofício filosófico, e por que não do educador esteta em sala de aula?

Quando Platão exaltava a beleza do risco, aludia ao fato de que a filosofia requer audácia e coragem; e é quando, em tempos mais recentes, recorda Schelling: “Quem verdadei-ramente quer filosofar, deve renunciar a toda esperança, a

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todo desejo, a toda nostalgia, não deve querer nada nem sa-ber nada, sentir-se pobre e só, abandonar tudo para ganhar tudo” (PAREYSON, 2005, p. 6, grifo do autor).

Os meandros do campo da estética em diálogo com a edu-cação musical podem se tornar arriscados e perigosos quando não sustentados por uma orientação teórico-filosófica; é preciso ter cautela, de forma a não incorrer no risco de uma proposta vazia e a crédito, pois a maior contribuição desse encontro entre estética e educação musical reside num alcance transcendente à própria arte. Segundo Gabriel Perissé (2009, p. 36):

A arte educa na medida em que, atraindo nossa visão, en-cantando nossa audição, agindo sobre nossa imaginação, dialoga com a nossa consciência. Mais do que nos fazer reagir à melodia, à rima, à composição pictórica, às cenas do filme, esses estímulos que nos chegam pela arte criam um espaço de liberdade, de beleza, no qual nos sentimos convidados a agir criativamente.

Na medida em que os alunos reagem e dialogam com os fenômenos que delineiam o fazer artístico, na medida em que se deparam com as dificuldades advindas desse processo de criação, ou seja, dificuldades e fenômenos que não diferem – em essência – da experiência vivenciada pelos grandes artistas e inventores, a atividade pedagógica ganha fôlego, confiança e alcança a compreensão de que qualquer atividade humana se constrói somente baseada no labor, no fazer, no respeito e na referência mútua das experiências coletivas. Embora os escritos pareysonianos sejam discutidos no campo da arte e da filosofia, em diferentes trechos o autor relaciona o conceito formativo em arte com o processo formativo humano. Toda atividade humana é operosamente formativa, afirma Pareyson. Portanto, viver é um ato de criação e toda atividade humana requer práticas inventivas, realizativas e executivas.

De acordo com Pareyson (1993, p. 20), “[...] todos os aspectos da operosidade humana, desde os mais simples aos mais articula-dos, têm um caráter, não eliminável e essencial, de formatividade”. Assim sendo, é possível afirmar que vivemos em plena condição “formante”. Baseados nesse princípio filosófico, podemos compre-

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ender a relevância de sua teoria estética em diálogo com educação musical. Pareyson soube colher, a partir de seus amplos estudos realizados ao lado de artistas, críticos, intérpretes e apreciadores, importantes questões que permeiam o complexo itinerário da pro-dução artística, do seu nascimento até o campo da recepção, abar-cando também as questões da obra em face do desgaste do mate-rial, de suas múltiplas possibilidades reprodutivas e até mesmo do esquecimento do homem. Oriundo desse processo de observação e reflexão nasceu sua teoria da formatividade.

Assim sendo, é possível tomar as considerações pareysonia-nas como ferramentas filosóficas – prática e teórica – na formação do futuro educador musical; uma contribuição substancial para um olhar estético e humano que circunda o processo inventivo e reali-zativo da produção artística no campo da educação musical.

4. A ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS

As unidades de estudo do material de estética e educação musical foram divididas em quatro segmentos, contemplando ilus-trações didáticas em cada um deles segundo a abordagem pareyso-niana. Diante da diversidade e abrangência do curso de Licencia-tura em Música do Claretiano – Centro Universitário, é importante frisar que os relatos foram destacados como recortes específicos de determinados espaços educativos, apresentando-se como porta de entrada para a reflexão estética na prática do ensino de música; seu caráter fechado e ao mesmo tempo aberto não se esgota frente às inúmeras interpretações e influências que poderão suscitar ao serem lidos por cada um dos futuros docentes.

Em sua obra Os problemas da Estética (1997), Pareyson de-dica ampla reflexão às atribuições destinadas à arte ao longo da história. São elas: a arte como um fazer, um conhecer e um expri-mir. Embora uma ou outra dessas definições possam ter sido em-pregadas com maior vigor que as demais, em determinado período ou no próprio feitio e exame de qualquer obra específica, o filóso-fo ressalta que essas “[...] concepções ora se contrapõem e se ex-cluem umas às outras, ora, pelo contrário, aliam-se e se combinam

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de várias maneiras. Mas permanecem, em definitivo, as três prin-cipais definições da arte” (PAREYSON, 1997, p. 21). Para além dessas definições, Pareyson dedicará seus estudos e observações ao processo inventivo da atividade artística, agregando ao campo da Estética a ideia de arte como forma e o processo artístico como formatividade.

A partir dessa concepção triádica, o conteúdo da disciplina foi organizado de modo que fosse possível a apresentação de ques-tões que nutrem cada um desses campos conceituais, seguida da ex-planação dos conceitos de poética, estética e crítica. O conceito te-órico da formatividade também recebe destaque, englobando todo o percurso realizativo da atividade artística. Vejamos, no gráfico a seguir, a estrutura organizacional desses conceitos:

Figura 1. Conceitos pareysonianos.

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Os conceitos anteriores oferecem ao educador musical fer-ramentas investigativas e reflexivas voltadas para a compreensão do processo artístico. Como educadores musicais, é importante que saibamos transitar por esses atributos, de modo que nossa conduta como mediadores do processo artístico em diferentes situações do ensino não incorra numa prática dispersa das riquezas que com-põem o processo de inventivo e realizativo dos nossos alunos.

A apresentação dos conceitos pareysonianos recebe destaque na primeira unidade do material, em que também são esclarecidos os princípios que ligam cada um dos conceitos – afinal, no processo artístico, ora lidamos com ideias em que o fazer é sobressalente, ora o conhecer, ora o exprimir, sem esquecer-nos de que o seu desen-volvimento sempre ocorrerá de maneira imbricada e congruente.

Na segunda unidade do material, a abordagem de arte como um fazer ganha ênfase, conduzindo os estudos para os conceitos que englobam a teoria da formatividade: a obra como forma for-mante, forma formada (acabada) e execução.

Após os estudos que nos levam a compreender a complexa rede de caminhos e problemas que o artista (e também nossos alu-nos) percorre durante o processo de produção e invenção, a terceira unidade de estudos que compõe o material de estética adentra os problemas que circundam a atividade artística em seu estágio de in-terpretação, leitura da obra e recepção. Considerando as diferentes formas da leitura de cada intérprete ou leitor, cabe ao educador, em face da plural rede de interpretações geradas no contexto coletivo, adotar condutas que propiciem um trânsito respeitoso e legítimo entre as diferentes considerações compartilhadas. Nas palavras de Pareyson (1993, p. 180):

[...] na interpretação é sempre uma pessoa que vê e obser-va. E observa e vê do particular ponto de vista em que atualmente se acha ou se coloca e com o singular modo de ver que formou ao longo da vida [...] e na interpretação é sempre uma forma que se vê e observa.

Na quarta unidade de estudos, é abordado o conceito de edu-cador musical como um esteta em sala de aula, isto é, um profis-sional apto a mediar de forma hábil e reflexiva os processos cons-

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trutivos da atividade artística, considerando todas as suas etapas realizativas. Um educador esteta e também artista capaz de ponde-rar e transformar o árduo percurso desse processo em situações de crescimento, confiabilidade e amadurecimento para a vida como um todo. Um esteta em sala de aula é um profissional ciente de que o exercício docente também deve ser pautado no trabalho filosófi-co, concebendo seu ofício como veículo transformador e humano para além do próprio pensamento sobre arte, afinal:

[...] abrir caminhos, dedicar-se à arte de ensinar, é ativida-de repleta de incertezas quanto ao desenrolar dos aconte-cimentos, à reação dos alunos, aos resultados. Incertezas não assustam o artista. A vida é incerta, a despeito dos nossos esforços e conjecturas. O relacionamento humano é incerto. A arte nos ensina que a vida é uma obra de arte em andamento, repleta de surpresas (PERISSÉ, 2009, p. 88).

5. RELATO DE FUTUROS EDUCADORES

Neste breve tópico, destacarei uma das atividades realizadas na disciplina de Estética para a Educação Musical, bem como ex-certos extraídos da atividade escrita de alguns alunos. É importante frisar que os relatos a seguir ilustraram duas comunicações apre-sentadas no IV Congresso Brasileiro e I Congresso Interamericano de Educadores Claretianos. De acordo com a normativa do evento, farei uso apenas de uma letra para mencionar os autores.

A proposta da tarefa realizada pelos alunos trazia o seguinte enunciado: “Realize uma composição de tema livre, usando os re-cursos e materiais que julgar necessários, com duração mínima de um minuto. Registre como vídeo e publique no Portfólio. No de-correr da construção desta atividade, reflita sobre as questões a se-guir: a) as dificuldades técnicas encontradas; b) as influências mais marcantes; c) o diálogo implícito que ocorre entre autor e matéria; d) as tentativas e erros necessários para alcançar um resultado. Em seguida, redija um texto de, no máximo, duas páginas, descrevendo como experiências estéticas dessa natureza podem contribuir com o trabalho do futuro educador musical frente ao processo inventivo

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de seus alunos em diferentes contextos educativos”. Nas palavras de Guerson,

É relevante que o professor de Arte, em sua formação, compreenda as pertinências das áreas aqui explicitadas, adquirindo a capacidade de conferir ao fazer, à contextualização, à leitura da obra de Arte, o que de maneira diferencial for pertencente à Técnica, à Poética, à Crítica, à História, à Estética (GUERSON, 2010, p. 6).

Baseado em experiências diversas, cada um dos alunos vi-venciou o processo inventivo e realizativo de uma proposta artísti-ca. Após o processo de execução e gravação, relataram conforme as orientações da tarefa aspectos dessa atividade formativa. São essas observações que apreciaremos a seguir. Vejamos alguns casos:

Figura 2. Relato 1.

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Figura 3. Relato 2.

Figura 4. Relato 3.

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Figura 5. Relato 4.

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Figura 6. Relato 5.

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Figura 7. Relato 6.

Baseado nos excertos anteriores podemos identificar o modo particular que cada um dos alunos apresentou mediante a experi-ência artística. Os conceitos filosóficos que englobam o diálogo entre autor e matéria, insight, matéria formada, recepção, potencial criativo humano, o exercício, o tentar como condição construtiva, os limites técnicos do autor e a experiência de vivenciar os mesmos desafios de seus próprios alunos foram passíveis de serem percebi-dos no decorrer da atividade.

Posicionar-se como um educador-esteta é, portanto, acredi-tar que a atividade artística em seu estágio formante pode revelar, mediante um diálogo filosófico, o “mundo” do artista (do aluno) tal qual se apresenta no ato do formar, e um educador:

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[...] esteticamente mais bem formado cultivará (eis um pressuposto somado à esperança) um comportamento es-pecial no cotidiano escolar, porque olhará de modo espe-cial os seus alunos, verá neles artistas em potencial, respei-tando essa possibilidade, acreditando nela como realidade alcançável (PERISSÉ, 2009, p. 54).

Mediante a abordagem filosófica que a disciplina de Estética para a Educação Musical vem oferecendo aos futuros docentes a cada semestre, está sendo possível mapear a apropriação dos seus estudos no que diz respeito à formação docente, como um instru-mento investigativo em torno dos processos de invenção e produ-ção artística em diferentes contextos educativos, seja no estágio de criação, realização ou interpretação. Assim sendo, é possível con-cluir que os diálogos entre estética e educação musical podem con-tribuir significativamente para um olhar profundo e transcendente para além do próprio fazer artístico. Um encontro entre pessoas, que de forma íntegra e recíproca, se reconhecem nesse processo de formatividade artística e humana.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da proposta dialógica entre estética e educação mu-sical, bem como de seus resultados observados até o presente mo-mento, é possível afirmar que a reflexão dessas diferentes formas de compreender a arte em seu estágio construtivo são fundamen-tais à prática do educador musical. Em sua atuação como mediador frente aos processos artísticos de seus alunos, é imprescindível dis-por de reflexões dessa natureza, pois se trata de saber compreender e orientar de forma didática e construtiva as escolhas e os caminhos os quais cada um dos alunos desbravará em sala de aula na condi-ção de artistas, estetas, intérpretes, apreciadores, físicos, biólogos, matemáticos, contadores de estórias, cientistas, inventores, teóri-cos, e acima de tudo, humano.

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