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ESTRANGEIRO NO LABIRINTO Esta é uma amostra do romance. Adquira o livro pelo site: www.wellingtondemelo.com.br

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ESTRANGEIRO NO LABIRINTO

Esta é uma amostra do romance. Adquira o livro pelo site: www.wellingtondemelo.com.br

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ESTRANGEIRO NO LABIRINTO

CONFRARIA DO VENTO

Wellington de Melo

Rio de Janeiro2013

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© 2013 Wellington de Melo

Coleção Os Contemporâneos

Coordenação editorialKarla MeloMajela ColaresMárcio-André Ronaldo FerritoVictor Paes

Projeto gráico e capa Alemterra Graphic Designs

Imagem da capa AP Photo, Lindlar

RevisãoAntonio Portela e Victor Paes

Gerência comercialIrlim Corrêa

CONFRARIA DO VENTO

Av. Treze de Maio, 13/2010

Cinelândia - Rio de Janeiro/RJ 20031-007

Telefax: (21) 2533-3587/3936-3940

www.confrariadovento.comImpresso no Brasil / Printed in Brazil

Melo, Wellington de Estrangeiro no labirinto / Wellington de Melo Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2013. 356 p.: 120 x 180 mm Coleção Os Contemporâneos ISBN 978-85-60676-78-1 1. Ficção brasileira. I. Título. CDD: 869.93 CDU: 869.0(81)-3

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SUMÁRIO

Reino

13

Fundamento

83

esplendoR

161

VitóRia

293

ÉteR

349

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Para Aleph, caçador de mariposas.

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Onde você está: aí estão todos os mundos.

Ditado cabalístico

Deixo aos vários futuros (não a todos) meu jardim das veredas que se bifurcam.

Jorge Luis Borges

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Este livro é uma prisão.

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REINO

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salão 22

O livro em minhas mãos, agora não mais. Do alto da igreja o anjo me observa sob a luz leitosa do poste. O anjo levava um cacho de uvas em uma das mãos. Dio-nísio sorrindo através da face desse anjo. O cordeiro de Deus aprisionado na pedra sobre a porta central. Quero chorar, não há tempo. Falta pouco, eu sei. O vento quase arranha a pele, carícia às avessas; a garra de um pássaro, cascos de algum animal desconheci-do em meu pescoço; o asfalto morno do centro da cidade; a terra e o fogo enim uniicados: caminho nessa tarde esquecida por um tapete de pelos macios que desaparece a cada passo.

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poRta 22-21, CRonista 2349

uma luz.farois nos olhos do moço, amarraram ele com iu

de prastico, as mãoes dele, maãoes inas e sujas, um corte, na testa, acho que é um corte na testa, sangue iscorrendo pelo rosto, é ele, o mesmo daquela noite, o homem do livro que chegou e feiz de minha vida un inferno, está ajoelhado e o cascalho do chão deve doer atravez da calsa, acho que deram nele também, as voses vozes me dizem e eu vejo, homens discutindo, três deles balançando os braços, todos maquinados, está escuro aqui agora e só vejo o que a luiz dos faroes dexam, e tem o vento, acho que a gente está na serra, ele se meche, deve estar ardendo a testa porque feiz uma careta, senti a cabeça latejar também, é como si eu foce ele ou se tivesse sido um dia, os homens vão na direção do que está de joelhos, vão matar ele eu sei, daqui a ums minutos, um pouco antes, o de joelhos olhou pro matagal, o de joelhos é o que eu acho que talves eu tivesse sido, uma poeira pesada dançando lenta entre as luses dos faroes da van, êle tem um olhar

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perdido, cravado no matagal, aquele olhar inscurecido, tudo muito seco, tudo roçando a noite, cortando o breu da noite, a voz dos homens desaparecendo, eu disvanescendo com o de joelhos.

eu vi ele antes, três veses, depois vim parar aqui. o homem fechou os olhos, eu não via mais nada,

a noite breu, noite, aquela poeira pesada amaciando eternamente o matagal e as memorias, depois, sol. eu, ele, agora correndo pelo matagal, as mãoes assim, livres, o vemto, folhas inas, iletes verdes tocando a ponta dos dedos, uma solidão, eu toda triste, eu toda ele.

ele não estava mais ali, naquela escuridão, eu também não.

eu sentada, ele sentado, numa pedra, o chão de barro, furmigas em ila, carregano folhas, pedassos de pão, cuticulas, carcaças de baratas, o mundo todo, piza em algumas, a ila se desfaz, folhinhas nas cabeças das furmigas, os pés descalços, cinzentos, pega um galho e faiz desenhos no chão, come uma goiaba, as mãoes pequenas e duras, as unhas sujas, o quintal duma casa, terra vermelha é o chão, eu não conhessia a casa, ele sim.

uma mulher varria o chão dentro da casa, era a mãe dele? as paredes, um barro marron velho, com cheiro de café e gurdura, rachaduras, ele lembrava de desenhos nas paredes, iscondidos nas veias da casa, um urso, um indio com cachimbo, uma velha sem um

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dente, as vezes uma lagartixa saia das frestas, ele eu não sabia como entravam, mais eu não tinha como saber disso a não ser que foce ele, mas eu não era ele, era só as vozes que me contavam isso e eu via.

ele comia a goiaba sentado numa pedra.os lenssois no varau. vento batendo, os lensois dançando devagar, a

agua pingando dos panos, gotas no chão, um verme-lho mais iscuro no lugar das gotas, ele olha as gotas, cataporas do mundo, o mundo com uma doensa, era? lenssois dançando mais rápido, lenssois secos, não salpicam, batem com o vento, esmurram o ar, galinhas bicando restos de arroiz e cuscus pelo chão, galinhas com uma fome de comer o mundo, atrás dele de mim uma ribanseira.

vertige. umas madeiras tortas e meio podres colocadas em

ila, arames quebradissos forma uma cama aeria, uma cama verde, um teto verde descendo ladeira abaixo, chuchus, chuchús pendurados, lembro dele debaixo desse teto verde que fazia sombras no chão preto e gur-durozo, deitavasse no canteiro e icava olhando pro céu com um olho fechado, depois o outro, depois o outro, e via o sol atravessando os espaços azul entre as folhas e tentava adivinhar a proxima forma da nuven, os canos ia ribanceira abaixo até um riacho, prasticos fechando os furos dos canos, chuviscos que ele bebia, mel que saia da terra, lá embaixo, um lageiro, a bomba dagua, um tanque.

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o pai. imagem do pai trazendo peixe num inal de tarde,

o vento zumbindo enquanto subiam a ribanceira, o rosto do pai uma mancha, sem sorrizo sem olho, sem nada, mancha, imagem do pai entregando os peixes para a mãe, o pai pegando uma caneca e afundando na jarra do quintal, uma jarra de barro, barriguda, cheia de lodo no fundo, cheia de água antiga, gosto antigo, um mundo perdido.

onde o sorriso do pai? a caneca saindo da jarra e despejando agua na

cabeça do pai, gotas no chão avermelhado, lenssois brancos voando, o vento zumbindo, as furmigas no chão, os lensois dançando.

a cansela. um som distante, pancada, eu sabia que era a

cansela, por que? um rangido longo e preguiçozo, de cancela enferrujada, de cansela envelhecida, a panca-da, sempre assim, rangido lento, pancada, um rangido que parecia o mundo se cortando todo, se abrindo no juízo do menino, no meu, a pancada, rangido, pancada, rangido.

joão de binha! eu ele conhecia a voz, o nome do pai naquela

boca tinha gosto estranho, raiva na voz, sangue na boca do homem, sangue na voz dele, a cabeça mo-lhada do pai, o vento zumbindo, a goiaba na mão do menino, o homem de joelhos que ia morre, o

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homem do livro que me vizitou naquela noite, tudo ao mesmo tempo, prego cravado em minha testa, eu diante de tudo, testemunha mudando com meu olho a rota das coisas.

imagem dos peixes mortos sobre a mesa, o vento zumbindo e os lenssois dançando no im da tarde, um silencio, o pai entrando na iscuridão da casa, gotas no chão, caindo do lensol no quintal, da cabeça do pai, gotas na iscuridão da casa, a mãe cuchicha algo, o menino dá mordida na goiaba, onde as furmigas? silencio. a voz da vizita.

diga.um estrondo, era tiro, um tiro sêco que se ispa-

lhava para todos os lados, o mundo se rasgando, outro estrondo, o mundo é um tiro na cabeça dele, um tiro na cabeça do pai, ele paralizado, na pedra, a goiaba na mão, a mãe aparece na porta do quintal.

corre menino. outro estrondo, o mundo se acabando, ele diz

. o rosto da mãe é um carnegão, um borrão de tinta vermelha se ispalhando no quintal, a mãe no chão.

o vento. passos, ele sabe que tenque correr, sei que tenho,

goiaba no chão, ele corre, a plantação de chuchú mor-rabaixo, ele eu correndo entre as estacas, a casa icando pra traz, a casa pequenininha, os homens vinham atraz de mim dele, correr, correr, a plantação de chuchú

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ribansseira abaixo, os pés descalços, a terra amoleci-da, os pés na terra preta, o violeta do céu, o laranja, o violeta atravessando o teto verde da plantação de chuchú, violeta, verde, laranja, maracujás pendurados, maracujás apodrecidos, murchos, pendurados, toda vida jogada no chão, pontos amarelos, violeta, verde, laranja, amarelo, fugir, fugir, tantas cores, tantas cores, a casa desaparecia, a tarde caindo, a casa branca na cabeça dele, um futuro que se disvanecia, e no im, antes de tudo escurecer, cores, cores, o vermelho brilhante que pintava os lensóis no varal, a dança dos lensóis ao vento.

um balé.o balé dos lensois salpicando de sangue o chão

de barro da casa dos pais.

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poRta 22-10, CRonista 2233

Este livro é uma prisão. Mas só percebi isso muito tempo depois. Diante de mim o Vácuo, paredes que não existem, ou existem só em mim, placas de lingua-gem que reverberam minha história enquanto caminho por esse grande saguão vazio. Contar tudo. De novo e de novo. Eu me olho: espelho quebrado. Vinte e dois salões. Cada porta, um número. Pela fresta de cada fechadura, partes da história, das dez vidas que deixei passar. Dez vidas não vividas. Todas minhas. Eu dez vezes eu, dez vezes nada. Cenas embaçadas nesses salões que percorro antes de unir-me ao ininito, antes de mergulhar no inferno de letras que é este livro.

Lembrar é difícil. Agora sou outro: sombra. Relexo turvo da minha linguagem. Lembrar quem sou é talvez impossível. Posso, no máximo, tentar recompor a sucessão de eventos ineludíveis que me trouxe até aqui.

Dionísio Maranhão. Seu rosto agora me foge. Minha memória, ini-

migo que me atiça, me provoca até o cansaço, luta

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de facas cegas. Talvez o afaste, agora. Quantos anos tinha quando morreu? Nosso primeiro encontro: em minha cela tento agora recordá-lo. Dionísio não é mais do que essa massa pastosa de linguagem. O rosto de Dionísio: uma abstração que pouco a pouco recupero com essas letras. Mas agora já não posso falar, agora é outro que me cala. É outro que agora fala.

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poRta 22-15, CRonista 1257

Você já ouviu isso e sei que é verdade. Estou condena-do a icar aqui, repetindo a minha história. A mesma história. A que quero esquecer e que você me força a contar toda vez que abre este artefato. Às vezes penso que tudo poderia ser diferente, que tudo teria um im. Mas como sair daqui? É o que penso nos momentos de ócio, que não são poucos.

Certa noite, no escuro de minha cela, veio-me uma ideia absurda: contaria com a boa vontade do leitor. Pediria a você, que agora se esgueira com seus olhos miúdos por estas linhas, você que insiste em buscar algo aqui, pediria que fosse embora, que me deixasse em paz. Você, essa sombra sobre mim, apagando quem fui com seu olhar, você insistindo em fazer sua a minha história cada vez que faz esse trajeto, pediria a você o silêncio, só isso. As palavras ecoando em sua cabeça são o que me enlouquece, embora você não saiba, embora creia que tudo já é silêncio. Mas meu pedido não faria você abandonar este livro. E se eu calasse? Assim:

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vê? Não adiantaria.Não há nada de importante a ser dito aqui, acredite.Uma noite me ocorreu um disparate: o desejo

mais profundo de que algum dia inalmente deixassem de existir leitores. O silêncio deste livro, de todos, a redenção, o Nada primordial antes da palavra. Uma profusão de imagens e desejos sucessivos, a liberdade de um cão. Calar a palavra, sepultar toda possibilidade de um olho humano percorrer estas ou quaisquer letras. Eis a ideia deinitiva de Deus.

Quando penso nessa possibilidade, normalmente adormeço e tenho um sonho recorrente: você desiste de ler e abandona minha prisão em alguma estante. Durante uma arrumação de verão, você a trocaria por um livro num sebo qualquer. No silêncio empoeira-do e escuro de outra estante anônima, sozinho com minhas culpas, minha história morreria devorada pela umidade, pelo mofo, pelas traças. Nessa parte do so-nho eu era feliz. Então viria o dia em que o dono do sebo, um fracassado barrigudo com contas a pagar, descobriria um tumor no rim que o mataria seis meses depois. Seus ilhos, um estudante medíocre de Cênicas e uma jovem casada com um comerciante próspero, venderiam todo o acervo a um livreiro concorrente, que perderia um terço dos livros por conta de uma amarração malfeita pelo fretista, que teria bebido tal-vez um pouco mais que o aceitável na noite em que tivesse pegado o serviço. Entre os livros extraviados,

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esta prisão. Mas aí outro você – um dos dez que você é – encontraria este livro num sábado qualquer, num lixo do centro, num im de tarde regado a cerveja e mijo. O outro-você leria as primeiras páginas, já gastas e amareladas, na viagem de quarenta minutos de ôni-bus para casa. O outro-você passaria por estas linhas pela segunda vez e nem saberia disso. Tudo de novo.

Mas sempre no sonho acreditava em outro inal: o outro-você não passaria pela rua do centro em que esta prisão teria sido esquecida pelo fretista do con-corrente do livreiro balofo e canceroso. Ao cair da noite, eles viriam: sombras sobre os entulhos, mãos ensebadas e esguias tateando supernovas. Um deles, com dedos ásperos, mas delicados, colocaria este ar-tefato junto com outros papéis dentro de uma carroça alugada. A noite do centro e seus odores passeariam por mim. Chegaria até um grande galpão. Entulhos e mais entulhos. Eu e meus confrades – outras vo-zes engolfadas por estas páginas – arranhados pela proximidade de outras coisas abandonadas: cartas de amor de um casal separado; duplicatas vencidas que nunca seriam pagas; fragmentos de memorandos xerocados de uma empresa que sofreu um desfalque durante um plano econômico qualquer e que avisavam sobre “a m dança estrutur dora que se aproxim”; um manual de instruções de um ventilador novo de um casal recém-casado que se separaria anos depois de o marido ter um caso com uma antiga namorada;

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apostilas para o vestibular cheias de anotações de um menino de dezessete anos que morrera atingido por uma bala perdida enquanto se masturbava no banheiro da escola pensando na menina vesga da quarta ila. Todos esses papéis violentados pelo cotidiano seriam pasta de reciclagem. Todas as lembranças seriam nada, inalmente. Dali em diante, o esquecimento.

Nesse momento do sonho eu acordava e me descobria em outro: sabia-me multiplicado em cada um dos exemplares deste livro. Os solitários. Eu, mil vezes nestas prisões de letras, destinado a me perpe-tuar, sombra de um leitor anônimo.

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poRta 22-9, CRonista 2233

Fui um homem da lei. Um juiz, creio. A memória, sempre ela. Agora apenas vozes que me forçam a contar histórias de desconhecidos enquanto a minha própria se esvai.

Dionísio Maranhão. Conheço esse nome. Recontar seus passos man-

tém minha sanidade entre estas paredes. Ao contar a história de outro, conto a minha? Repeti-la até que cada palavra, posta exatamente na mesma ordem, me soe estranha, uma mentira. Mas a memória, a memória. Apenas luzes da cidade piscando na noite em que desapareci.

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poRta 22-2 , CRonista 27

Lembro-me agora de uma citação de Ángel María Garibay, sacerdote mexicano que dedicou boa parte da vida ao estudo da cultura asteca e da língua náhuatle. Ao fazer menção à passagem da escrita hieroglíica dos mexicas para a escrita fonética baseada em nossos pobres caracteres latinos, disse que estavam então submetidos à “luminosa prisão do alfabeto”.

A sublime antítese é bastante adequada à na-tureza deste artefato que tem nas mãos. Acaso não seria essa a perfeita deinição para nosso cárcere? Se, por um lado, nos vemos imersos em uma angústia sem im, passeando por corredores mal iluminados cujas paredes ancestrais por vezes nos confessam algum segredo inefável, é entre estas letras que nos perpetuamos, metamorfoseados em signos mágicos que penetram pelas retinas dos encantados, nossos futuros companheiros, enquanto revelamos segredos guardados no pó.

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poRta 22-12, CRonista 2349

tinha uma gruta debaixo de um lagero, ele eu corria pra chegar até lá, tinha que chegar, painho, tinha, era um riachinho lá embaixo, depois da plantação, lá embaixo, lá embaixo, eu sei que naquela gruta ele se escondia, quando não queria ver ninguem ia prali, o mundo lá fora, o mundo dele ali dentro, um mundo miniatura dele.

entrou na gruta, começou a chover, chiado de chuva, vutos descendo pela ribanceira, ele via por uma fresta, gotas da chuva, escuridão, eles agora na outra margen do riachinho, encolhia o corpo na terra fofa, molhado, a chuva caindo, iscorrendo pelas folhas.

mainha, painho.não estava chorando, era agua no rosto, nunca

mais mainha, os vutos se aproximando, se mechen-do no meio da plantação escurecida, painho, nunca, encolheu-se ainda mais, a terra roçando a pele, a chu-va lá fora, uma chuva que não parava, uma lagrima, não, uma gota, uma gota, a noite chegando, o choro querendo sair.

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silencio. painho, imagem da cabeça da mãe, um carnegão

espalhado no terrero, o choro, engole o choro, meni-no, engole o choro, mainha, o estrondo, o estrondo, não era trovões, era o tiro.

era trovões.os vutos se afastando, comidos pelas sombras

da plantação de chuchú, a noite avançando sobre a serra, engole o choro, engole o choro, silêncio, os olhos fechados, os sons lá fora, quando ele fechou os olhos eu também não conseguia ver nada, eu cega, assim, feito ele.

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poRta 22-19, CRonista 792

Aqui me interponho à fala da confreira. É que descre-ver um sonho requer o abandono da vontade: fazê-lo pressupõe escolhas e o descritor do sonho não deve escolher, pelo menos conscientemente, sob prejuízo de transformar o sonho do outro em sua própria quimera. À descrição.

Era adulto e estava no quintal de casa com uma irmã que nunca teve. Não posso dizer se a irmã era a confreira, já que seu rosto é apenas uma insinuação para mim. Uma jovem morena, tinha laços brancos na cabeça e a roupa manchada de sangue, fato que ela e todos os presentes ignoravam. Tive a impressão de que havia muitos desconhecidos ao redor. Ele tentava limpar o sangue com um lenço que trazia no bolso da camisa, mas também estava manchado. Quanto mais limpava o vestido da irmã, mais icava sujo. Alguém que não reconhecia, mas que deveria saber quem era, gritava-lhe que não sujasse a roupa da noiva. Agora ela era uma mulher feita, ia vestida de branco. Um véu encobria seu sorriso (?) enquanto carregava uma