5
13 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 18, NOVEMBRO 2003 Ensino do conceito de equilíbrio químico Recebido em 17/7/01, aceito em 27/11/02 ESPAÇO ABERTO A seção “Espaço aberto” visa abordar questões sobre Educação, de um modo geral, que sejam de interesse dos professores de Química. O desenvolvimento de estra- tégias modernas e simples, utilizando laboratórios, siste- mas multimídia e outros recursos didáticos diversos, é recomendado para dinamizar o processo de apren- dizagem em Química. A importância do uso da experimentação no ensino de Ciências já foi destacada por Giordan (1999). No caso do ensino de Química, conceitos microscópicos e abstratos a tornam uma “vilã” do Ensino Médio há muito tempo. São bem-vindos exemplos e experiências simples, que estabeleçam uma relação entre os níveis microscópico e macroscópico e, sempre que possível, relacionados com o cotidiano dos alunos (MEC, 1999). O uso de jogos didáticos já foi pro- posto no ensino de Química. Vários autores têm apresentado trabalhos com jogos e destacado sua eficiência ao despertar interesse nos alunos. Tal interesse advém da diversão propor- cionada pelos jogos e tem efeito positivo no aspecto disciplinar. Exemplos dessas propostas são Márlon Herbert Flora Barbosa Soares, Fabiano Okumura e Éder Tadeu Gomes Cavalheiro Este trabalho propõe um jogo didático que utiliza materiais de fácil aquisição, tais como bolas de isopor e caixas de papelão, para facilitar o entendimento do conceito de equilíbrio químico. Tal proposta se vale de um experimento executável em sala de aula com o objetivo de transportar, por analogia, os resultados obtidos no jogo para o conceito pretendido. O jogo pode ser desenvolvido em, no máximo, 30 minutos, podendo-se trabalhar com grupos de até 5 alunos. A aplicação de tais atividades em escolas do Ensino Médio tem sido bem sucedida tanto no aspecto conceitual como no disciplinar, conforme relatos de professores da rede pública do Estado de São Paulo. equilíbrio químico, jogo didático, experimento alternativo o livro de Cunha (2000) e os artigos de Crute (2000), Russel (1999), Granath e Russel (1999), Helser (1999) e Castro-Acuña et al. (1999). Todos esses autores destacam os jo- gos como elementos facilitadores do processo de ensino e ressaltam suas vantagens e aplica- ções em analogias com os conceitos envolvidos. As principais analogias presentes em livros-texto de Química para o Ensi- no Médio foram clas- sificadas por Thiele e Treagust (1994a, 1994b), chamando a atenção para os problemas que o uso das mesmas pode causar no ensino de Ciências. Atualmente, temos nos preocupa- do com o desenvolvimento de facili- tadores do processo ensino/aprendi- zagem em escolas de Ensino Funda- mental, Médio e Superior (Couto et al., 1998; Soares et al., 2001). Dentro dessa linha, considera-se o desenvol- vimento de atividades lúdicas envol- vendo materiais concretos e manipu- láveis para associação com conceitos abstratos do conteúdo de Química (Okumura et al., 2000 e 2001). Neste trabalho, propõe-se o uso de bolas de isopor dispostas em con- juntos que trocam elementos entre si, para trabalhar com o conceito de equilíbrio químico. Inicialmente, o conceito de equilíbrio é construído a partir de um modelo de tro- ca de elementos, controlado pelo tem- po, que define a quantidade de ele- mentos ao final de cada troca. O resultado da atividade é uma tabela que reúne o número de elementos em cada conjunto A e B e a relação entre esses números em função do tempo. Ao final da atividade, essa tabela pode ser usada para a obtenção de gráficos de número de elementos em cada conjunto em função do tempo. Deve-se salientar que os melhores resultados foram obtidos quando os alunos não foram informados de que a atividade se associa ao equilíbrio químico, até o momento da transpo- sição conceitual. A aplicação de tais atividades em O uso de jogos didáticos já foi proposto no ensino de Química. Vários autores têm apresentado trabalhos com jogos e destacado sua eficiência ao despertar interesse nos alunos

estrategias jogos

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: estrategias jogos

13

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 18, NOVEMBRO 2003Ensino do conceito de equilíbrio químico

Recebido em 17/7/01, aceito em 27/11/02

ESPAÇO ABERTO

A seção “Espaço aberto” visa abordar questões sobre Educação, de um modo geral, que sejam de interesse dosprofessores de Química.

Odesenvolvimento de estra-tégias modernas e simples,utilizando laboratórios, siste-

mas multimídia e outros recursosdidáticos diversos, é recomendadopara dinamizar o processo de apren-dizagem em Química. A importânciado uso da experimentação no ensinode Ciências já foi destacada porGiordan (1999).

No caso do ensino de Química,conceitos microscópicos e abstratosa tornam uma “vilã” do Ensino Médiohá muito tempo. São bem-vindosexemplos e experiências simples, queestabeleçam uma relação entre osníveis microscópico e macroscópicoe, sempre que possível, relacionadoscom o cotidiano dos alunos (MEC,1999).

O uso de jogos didáticos já foi pro-posto no ensino de Química. Váriosautores têm apresentado trabalhoscom jogos e destacado sua eficiênciaao despertar interesse nos alunos. Talinteresse advém da diversão propor-cionada pelos jogos e tem efeitopositivo no aspecto disciplinar.

Exemplos dessas propostas são

Márlon Herbert Flora Barbosa Soares, Fabiano Okumura e Éder Tadeu Gomes Cavalheiro

Este trabalho propõe um jogo didático que utiliza materiais de fácil aquisição, tais como bolas de isopor e caixas depapelão, para facilitar o entendimento do conceito de equilíbrio químico. Tal proposta se vale de um experimentoexecutável em sala de aula com o objetivo de transportar, por analogia, os resultados obtidos no jogo para o conceitopretendido. O jogo pode ser desenvolvido em, no máximo, 30 minutos, podendo-se trabalhar com grupos de até 5alunos. A aplicação de tais atividades em escolas do Ensino Médio tem sido bem sucedida tanto no aspecto conceitualcomo no disciplinar, conforme relatos de professores da rede pública do Estado de São Paulo.

equilíbrio químico, jogo didático, experimento alternativo

o livro de Cunha (2000) e os artigosde Crute (2000), Russel (1999),Granath e Russel (1999), Helser(1999) e Castro-Acuña et al. (1999).Todos esses autores destacam os jo-gos como elementos facilitadores doprocesso de ensino e ressaltam suasvantagens e aplica-ções em analogiascom os conceitosenvolvidos.

As principaisanalogias presentesem livros-texto deQuímica para o Ensi-no Médio foram clas-sificadas por Thiele e Treagust (1994a,1994b), chamando a atenção para osproblemas que o uso das mesmaspode causar no ensino de Ciências.

Atualmente, temos nos preocupa-do com o desenvolvimento de facili-tadores do processo ensino/aprendi-zagem em escolas de Ensino Funda-mental, Médio e Superior (Couto et al.,1998; Soares et al., 2001). Dentrodessa linha, considera-se o desenvol-vimento de atividades lúdicas envol-vendo materiais concretos e manipu-

láveis para associação com conceitosabstratos do conteúdo de Química(Okumura et al., 2000 e 2001).

Neste trabalho, propõe-se o usode bolas de isopor dispostas em con-juntos que trocam elementos entre si,para trabalhar com o conceito de

equilíbrio químico.Inicialmente, o

conceito de equilíbrioé construído a partirde um modelo de tro-ca de elementos,controlado pelo tem-po, que define aquantidade de ele-

mentos ao final de cada troca. Oresultado da atividade é uma tabelaque reúne o número de elementos emcada conjunto A e B e a relação entreesses números em função do tempo.

Ao final da atividade, essa tabelapode ser usada para a obtenção degráficos de número de elementos emcada conjunto em função do tempo.Deve-se salientar que os melhoresresultados foram obtidos quando osalunos não foram informados de quea atividade se associa ao equilíbrioquímico, até o momento da transpo-sição conceitual.

A aplicação de tais atividades em

O uso de jogos didáticos jáfoi proposto no ensino de

Química. Vários autores têmapresentado trabalhos com

jogos e destacado suaeficiência ao despertar

interesse nos alunos

Page 2: estrategias jogos

14

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 18, NOVEMBRO 2003Ensino do conceito de equilíbrio químico

escolas do Ensino Médio tem sidobem aceita tanto no aspecto concei-tual, como no aspecto disciplinar,conforme relatos de professores darede pública do Estado de São Paulo,que trabalharam com a proposta for-mulada para o conceito de equilíbrioquímico.

Em dois projetos desenvolvidosno Departamento de Química da Uni-versidade Federal de São Carlos(UFSCar) com professores do EnsinoMédio da região de São Carlos - SP,no âmbito do Programa Pró-Ciências,foram levantados os tópicos de maiordificuldade de ensino dos conteúdosde Química. Nas duas oportunidades,o equilíbrio químico foi citado comgrande freqüência e, por isso, adota-do como tema desta proposta (Rodri-gues et al., 2001).

Além disso, o tema equilíbrio quí-mico foi escolhido porque não só osalunos encontram dificuldade de assi-milação desse tópico, mas também osprofessores têm dificuldades emensiná-lo, dado que ele envolve umconjunto comple-xo de relações en-tre quantidadesde espécies quí-micas presentes(Pereira, 1989).Por outro lado, osalunos eviden-ciam uma defici-ência na compre-ensão de aspec-tos importantes do conceito, tais comoa dinamicidade do equilíbrio químicoe o significado da constante de equilí-brio, bem como a diferença entre ofenômeno e suas representações (Ma-chado e Aragão, 1996).

Deve-se destacar que a dinamici-dade do sistema químico em equilí-brio não foi enfatizada em nenhumlivro didático, como detectado por Mi-lagres e Justi (2001). É provável queisto ocorra porque não é fácil fazê-lo,principalmente em uma abordagemexperimental.

Hackerman (1946) alerta para o fa-to de que uma das dificuldades rela-cionadas ao ensino de equilíbrio quí-mico é que ele é visto, muitas vezes,como tendo dois compartimentos,

num dos quais encontra-se oreagente e no outro o produ-to. Tal constatação também édetectada por Machado eAragão (1996), sendo que es-se aspecto será discutidoposteriormente.

Este trabalho trata daapresentação de um conceitopor meio de um modelo ma-croscópico que, associado auma analogia, tem o propó-sito de ajudar os alunos aentenderem o modelo teóricovigente (microscópico).

A elaboração de um mo-delo didático é um processocomplexo, pois ele devepreservar a estrutura do mo-delo teórico vigente e aindalidar com o conhecimentoprévio dos alunos, para queeles construam sua própriacompreensão (Milagres eJusti, 2001).

Na tentativa de abordaresses aspectos, o objetivo

deste trabalho é facilitaro entendimento do con-ceito de equilíbrio quí-mico, com uma ativida-de lúdica que pode serrealizada na própria salade aula. Os experimen-tos laboratoriais corri-queiramente propostosnem sempre ilustramtodas as características

do equilíbrio químico ou envolvem ouso de reagentes de custo elevado ede difícil aquisição.

O trabalho conjunto com outrasdisciplinas, como Educação Artísticana preparação do material (caixas,pintura das bolas etc.) e Matemáticana elaboração dos gráficos, é plena-mente possível no que concerne àprópria diversificação da atividadelúdica desta proposta.

MaterialO material sugerido para cada

grupo de trabalho compreende:• 10 bolas de isopor com diâmetro

de 3 cm, que podem ser pinta-das com cores vivas;

• Duas caixas montadas em papel

cartão (sugere-se o modelo daFigura 1 para as caixas, cujasdimensões foram otimizadaspara acomodar as bolas e ma-nuseá-las). Alternativamente po-dem ser utilizadas caixas demadeira, de sapato ou de bom-bons;

• Um relógio comum ou cronôme-tro;

• Papel e caneta.O custo máximo do material, ex-

ceto o relógio, é de R$ 5,00 por con-junto.

MétodosO jogo baseia-se em dois conjun-

tos que trocam elementos entre si, emintervalos de tempo pré-determi-nados. Inicialmente, prepara-se oconjunto A, com 10 elementos e oconjunto B vazio. Transporta-se umelemento de A para B a cada 5 s.

A partir de um tempo pré-esta-belecido, continua-se transferindo umelemento de A para B, mas simulta-neamente transfere-se um elementode B para A, a cada 5 s. Sugere-seum tempo total de 60 s, ou seja, 12transferências.

Figura 1: Modelo proposto para montagem dascaixas em papel cartão, com dimensões otimizadaspara acomodar 10 bolas de isopor e manuseio con-fortável das mesmas. Recortar nas linhas cheias edobrar nas pontilhadas.

O jogo didático propostopermite que se desenvolva

trabalho conjunto comoutras disciplinas, como

Educação Artística napreparação do material

(caixas, pintura das bolasetc.) e Matemática na

elaboração dos gráficos

Page 3: estrategias jogos

15

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 18, NOVEMBRO 2003Ensino do conceito de equilíbrio químico

O grupo deve definir um aluno res-ponsável pelo controle de tempo e umpara realizar as transferências, en-quanto os demais anotam os resul-tados.

Para conjuntos de 10 bolas, os trêstempos pré-determinados, a partirdos quais se iniciam as transferênciassimultâneas, devem ser 15 s, 25 s e35 s, para se obter resultados satisfa-tórios na associação com as constan-tes de equilíbrio menor, igual e maiorque a unidade, respectivamente.

Cada grupo deve repetir o proce-dimento nos três tempos de transfe-rência das bolas de isopor propostos.

Resultados e discussãoO principal objetivo da proposta é

obter as três tabelas de número deelementos nos conjuntos A (NA) e B(NB), em função do tempo. Deve-setambém solicitar aos grupos quecalculem a relação NB/NA, ao final dostrabalhos. Finalmente, os gruposdevem lançar em gráfico os resul-tados obtidos para NA e NB, em funçãodo tempo para cada caso.

Neste ponto, o aluno já terá tido aoportunidade de construir uma tabelaa partir de resultados experimentais,assim como de trabalhar com a ela-boração de gráficos a partir de dadosnuméricos.

Exemplos dos resultados obtidospara os diferentes tempos de retorno(de B para A) são apresentados nasFiguras 2 (NB/NA = 1), 3 (NB/NA < 1) e4 (NB/NA > 1).

Obtidos esses resultados, pode-se fazer a transposição conceitual,associando-se a transferência de bo-las com os conceitos de reação quí-mica e os elementos presentes nosconjuntos A e B com reagentes e pro-dutos dessa reação e sua quantidadecom a concentração.

Decorrem naturalmente as princi-pais características do equilíbrio quí-mico, enumeradas a seguir:

1) é dinâmico (associação com omovimento constante das bolas);

2) velocidades de reação direta ereversa são iguais, depois de atingidoo equilíbrio (transferência de 1 bola acada 5 s, de ambas as caixas);

3) concentrações não se alteramdepois de atingido o equilíbrio (núme-

Tempo/s NA NB NB/NA

0 10 0 05 9 1 0,1110 8 2 0,2515 7 3 0,4320 6 4 0,6725 5 5 130 5 5 135 5 5 140 5 5 145 5 5 150 5 5 155 5 5 160 5 5 1

Tempo/s NA NB NB/NA

0 10 0 05 9 1 0,1110 8 2 0,2515 7 3 0,4320 7 3 0,4325 7 3 0,4330 7 3 0,4335 7 3 0,4340 7 3 0,4345 7 3 0.4350 7 3 0.4355 7 3 0,4360 7 3 0,43

Tempo/s NA NB NB/NA

0 10 0 05 9 1 0,1110 8 2 0,2515 7 3 0,4320 6 4 0,6725 5 5 1,030 4 6 1,535 3 7 2,340 3 7 2,345 3 7 2,350 3 7 2,355 3 7 2,360 3 7 2,3

Figura 2: Resultados numéricos e gráficos obtidos no jogo, para K = 1. Tempo de re-torno igual a 25 s.

Figura 4: Resultados numéricos e gráficos obtidos no jogo, para K > 1. Tempo de re-torno igual a 35 s.

Figura 3: Resultados numéricos e gráficos obtidos no jogo, para K < 1. Tempo de re-torno igual a 15 s.

ro de elementos em cada conjuntonão se altera).

Pode-se também buscar o concei-to de quociente de reação e aconstante de equilíbrio. Nas tabelasconstruídas com os resultados experi-mentais, o valor NB/NA varia com o

tempo até um valor constante e cadavalor pode ser relacionado ao quo-ciente de reação em cada tempo. Jáos valores constantes permitem ana-logia com a constante de equilíbrio(Russel, 1994).

Também é possível apresentar a

Page 4: estrategias jogos

16

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 18, NOVEMBRO 2003

Lei da Ação das Massas e, devido àpresença de resultados numéricos,discutir aspectos quantitativos dosequilíbrios químicos, pois as razõesNB/NA podem ser relacionadas comas razões entre concentrações.

Aplicação da proposta em sala deaula

A proposta foi utilizada volunta-riamente por alguns professores darede pública de ensino do Estado deSão Paulo, da região de São Carlos,atingindo-se um universo de cerca de100 alunos.

As principais constatações des-critas por esses professores, com-parando os resultados didáticosobtidos usando o método de aulaexpositiva com a presente propostapara ministrar o mesmo conteúdo,foram:

• houve melhora significativa noentendimento do conceito deequilíbrio químico;

• verificou-se maior facilidade noentendimento do conceito deconstante de equilíbrio;

• o aspecto matemático relaciona-do a gráficos e aquisição dedados numéricos foi conside-rado muito positivo;

• o fato das bolas de isopor ireme virem de uma caixa para aoutra também foi consideradopositivo, pois, quando o profes-sor transportava a analogia parao conceito químico, a dinami-cidade do equilíbrio foi maisfacilmente explorada, aflorandonaturalmente;

• um dos principais méritos destaproposta reside no aspecto dechamar a atenção dos alunospara a aula, com conseqüênciasmuito favoráveis no aspectodisciplinar (opinião unânime en-tre os professores que apli-caram a proposta).

A proposta foi também aplicada aalunos dos cursos de licenciatura emQuímica da UFSCar e da FAFIG(Guaxupé - MG), com resultados bas-tante satisfatórios em termos deaprendizado e clareza de conceitostransmitidos, na opinião dos alunos,aos quais o conceito de equilíbrio

químico já havia sido apresentado, noEnsino Médio.

Nesses casos, todo o cuidado foitomado com relação à transposiçãoconceitual, considerando-se as limi-tações do modelo, conforme discu-tido a seguir.

Limitações do modelo e cuidados aserem observados na transposiçãoconceitual

O modelo proposto apresenta al-gumas limitações e diferenças emrelação ao sistema químico real. Éfunção do professor estar atento aessas limitações quando da transpo-sição conceitual e aouso correto da analo-gia. Deve ficar clarotanto para alunoscomo para professo-res que se trata de ummodelo explicativo,no qual caixas e bo-las são parte de umarepresentação pal-pável e macroscópica de um conceitomicroscópico e abstrato.

Uma dessas limitações relaciona-se ao fato de que a reação químicanão ocorre em intervalos de tempo,como os que estão definidos nestetrabalho; no caso presente, essesintervalos foram utilizados para orga-nizar as transferências. Deve-se tam-bém observar que a reação reversaocorre desde o início do processo, oque não é observado quando semanipula as bolas de uma caixa paraoutra. Uma outra limitação relaciona-se à forma da curva obtida, que apre-senta um perfil linear com uma quebraquando o “equilíbrio” é atingido.

Por outro lado, entende-se que

essas mesmas limitações podem serdiscutidas e aproveitadas para a intro-dução do conceito de modelo emCiências e sua constante evolução,em uma comparação com a evoluçãodos modelos atômicos, por exemplo.Nesse caso, o modelo pode ser apre-sentado como uma representação deum sistema físico real, que é obtidapor meio de resultados experimentaise pode evoluir com o avanço da expe-rimentação. Por exemplo, adaptando-se o número de elementos trocadospelos conjuntos A e B, é possívelobter um perfil como o representadona Figura 5. Neste exemplo, transfe-

rem-se inicialmente8-n elementos de Apara B, com n ini-ciando em zero eaumetando umaunidade a cada 5 s,até que n se igualea 4. Simultanea-mente, retornam-sen+1 elementos de

B para A, com n iniciando em 0, atéque se atinja um valor igual a 4. Apartir de então, o mesmo número debolas transferidas para B são tambémretornadas para A.

Salienta-se que este é umexemplo modificado para o caso noqual a razão NB/NA tende para umvalor igual a 1. Já as outras razões,NB/NA > 1 e NB/NA < 1, podem serobtidas, definindo-se um valor final den maior ou menor que 4. Esta adapta-ção adequa-se ao fato da reaçãoquímica reversa ocorrer desde o iníciodo fenômeno químico e à forma curvapara os pontos de concentração.

Finalmente, é importante discutiro fato deste modelo tratar os ele-

Figura 5: Exemplo de adaptação do modelo inicial, usando-se transferência de númerode elementos variável. Resultados típicos obtidos para K = 1.

Tempo/s NA NB

0 40 05 32 810 26 1415 22 1820 20 2025 20 2030 20 20

Ensino do conceito de equilíbrio químico

Um dos principais méritosdesta proposta reside no

aspecto de chamar aatenção dos alunos para aaula, com conseqüências

muito favoráveis noaspecto disciplinar

Page 5: estrategias jogos

17

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 18, NOVEMBRO 2003

mentos dos conjuntos como estandoem recipientes diferentes. Não sepretende reforçar a idéia de equilíbrioexistente em dois compartimentosdistintos, mas sim propor uma formade facilitar o entendimento de tópicoscomo a dinamicidade do equilíbrio ede representações matemáticas naforma de gráficos e tabelas, algunsaspectos do conceito de difícil com-preensão para o aluno. Isto deve ficarclaro no momento da transposição.

Optou-se por iniciar o trabalhocom compartimentos distintos, consi-derando que grande parte dos alunosjá concebem o equilíbrio como tendodois compartimentos. Este exemplopode evoluir para um modelo em queas bolas de isopor de cores e tama-

nhos diferentes estejam em um reci-piente único, obtendo-se os mesmosresultados apresentados neste tra-balho.

Cabe ressaltar que é de funda-mental importância que o professordiscuta com os alunos as limitaçõesnão só deste, mas de outros modelose analogias, comparando as idéiascontidas em um modelo e as contidasno modelo desenvolvido a partir doprimeiro, como forma de compreen-der e debater os conceitos no queconcerne a todo o conhecimentoenvolvido.

Acredita-se também que os bene-fícios obtidos com o uso da proposta,principalmente na visualização dofenômeno de forma macroscópica, e

os ganhos no aspecto disciplinar eno interesse dos alunos justificamplenamente sua utilização.

Finalmente, note-se que simula-ções em computador foram desen-volvidas e podem ser fornecidasmediante contato com os autores.

Márlon Herbert Flora Barbosa Soares ([email protected]), licenciado em Química pela Univer-sidade Federal de Uberlândia (UFU), mestre em Quí-mica e doutorando em Ciências (Química) pelaUniversidade Federal de São Carlos (UFSCar), édocente no Instituto de Química da UniversidadeFederal de Goiás. Fabiano Okumura, bacharel emQuímica pela UFSCar, ex-bolsista PIBIC/CNPq/UFSCar, é mestrando no Instituto de Química de SãoCarlos da USP (IQSC/USP). Éder Tadeu GomesCavalheiro ([email protected]), licenciadoe bacharel em Química pela Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP, mestreem Química Analítica e doutor em Ciências (QuímicaAnalítica) pela USP, é docente no IQSC/USP.

Abstract: Proposal of a Didactic Game for Teaching the Concept of Chemical Equilibrium – In this paper a didactic game that uses easily acquired materials, such as expanded-polystyrene ballsand corrugated-paper boxes, is proposed to facilitate the understanding of the concept of chemical equilibrium. This proposal is based on an experiment carried out in class with the goal of, byanalogy, transposing to the intended concept the results obtained in the game. The game can be played out in, at most, 30 minutes, with groups of up to 5 students. The application of such activitiesin high schools has been successful from both conceptual and disciplinary aspects, as reported by teachers from public schools of the São Paulo State system.Keywords: chemical equilibrium, didactic game, alternative experiment

Referências bibliográficasCASTRO-ACUÑA, C.M.; DOMIN-

GUEZ-DANACHE, R.E.; KELTER, P.B. eGRUNDMAN, J. Puzzles in chemistryand logic. J. Chem. Educ., v. 76, p. 496-498, 1999.

COUTO, A.B.; RAMOS, L.A. e CAVA-LHEIRO, E.T.G. Aplicação de pigmentosde flores no ensino de química. QuímicaNova, v. 21, p. 221-227, 1998.

CRUTE, T.D. Classroom nomenclaturegames – BINGO. J. Chem. Educ., v. 77,p. 481-482, 2000.

CUNHA, M.B. Jogos didáticos de Quí-mica. Santa Maria: M.B. Cunha, 2000.

GIORDAN, M. O papel da experimen-tação no ensino de ciências. QuímicaNova na Escola, n. 10, p. 43-49, 1999.

GRANATH, P.L. e RUSSEL, J.V. Usinggames to teach chemistry. 1. The old profcard game. J. Chem. Educ., v. 76, p. 485-486, 1999.

HACKERMAN, N. The equilibrium con-cept in beginning college chemistry. J.Chem. Educ., v. 23, p. 45-46, 1946.

HELSER, T.L. Safety wordsearch. J.Chem. Educ., v. 76, p. 495, 1999.

MACHADO, A.H. e ARAGÃO, R.M.R.Como os estudantes concebem o esta-do de equilíbrio químico. Química Novana Escola, n. 4, p. 18-20, 1996.

MEC - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.Parâmetros curriculares nacionais: Ensi-no Médio. Brasília: Ministério da Edu-

cação (Secretaria de Educação Média eTecnológica), 1999.

MILAGRES, V.S.O. e JUSTI, R.S. Mo-delos de ensino de equilíbrio químico –algumas considerações sobre o que temsido apresentado em livros didáticos noEnsino Médio. Química Nova na Escola,n. 13, p. 41-46, 2001.

OKUMURA, F.; SOARES, M.H.F.B. eCAVALHEIRO, E.T.G. Simulação didáticado equilíbrio químico. Livro de Resumosdo II Encontro Latino Americano de Ensinode Química. Porto Alegre, 2000. ResumoRP-032.

OKUMURA, F.; SOARES, M.H.F.B. eCAVALHEIRO, E.T.G. Simulação didáticada lei de Lavoisier. Livro de Resumos da24ª Reunião Anual da SBQ. Poços de Cal-das, Sociedade Brasileira de Química,2001. Resumo ED-082.

PEREIRA, M.P.B.A. Equilíbrio químico –dificuldades de aprendizagem. I – Revisãode opiniões não apoiadas por pesquisa.Química Nova, v. 12, p. 76-81, 1989.

RODRIGUES, R.M.B.; YONASHIRO, M.;CAVALHEIRO, E.T.G. e JAVARONI, R.C.A.Utilização da técnica de mapeamento ovalna detecção de problemas de ensino deQuímica. Livro de Resumos da 24ª Reu-nião Anual da SBQ. Poços de Caldas,Sociedade Brasileira de Química, 2001.Resumo ED-107.

RUSSEL, J.B. Química Geral. Trad. M.Guekezian et al. Rio de Janeiro: MakronBooks, 1994. v. 2.

RUSSEL, J.V. Using games to teachchemistry. J. Chem. Educ., v. 76, p. 481-484, 1999.

SOARES, M.H.F.B.; ANTUNES, P.A. eCAVALHEIRO, E.T.G. Aplicação de extra-tos brutos de quaresmeira e azaléia eda casca do feijão preto em volumetriaácido-base. Um experimento de análisequantitativa. Química Nova, v. 24, p. 408-411, 2001.

THIELE, R.B. e TREAGUST, D.F. An in-terpretative examination of high-schoolchemistry teachers analogical explana-tions. J. Res. Sci. Teaching, v. 31, p. 227-242, 1994a.

THIELE, R.B. e TREAGUST, D.F. Thenature and extent of analogies in sec-ondary chemistry textbooks. Inst. Sci., v.22, p. 61-74, 1994b.

Para saber maisANTUNES, C. Jogos para estimulação

das múltiplas inteligências. Rio de Janei-ro: Vozes, 1998.

LEIF, J. e BRUNELLE, L. O jogo pelojogo. A atividade lúdica na educação decrianças e adolescentes. Trad. T.A. Pen-na. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

MORAES, R. (Ed.) Construtivismo eensino de ciências - reflexões epistemo-lógicas e metodológicas. Porto Alegre:Edipucrs, 2000.

WINNICOTT, D.W. O brincar e a reali-dade. Trad. A. Araújo. Rio de Janeiro:Imago, 1975.

Ensino do conceito de equilíbrio químico