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1 ESTRATÉGIAS PARA A FORMAÇÃO LEITORA Flávia Mussato Aguiar Marcomini Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Profa. Maria Alice Junqueira de Almeida Orientadora RESUMO O presente artigo consiste numa pesquisa realizada na EMEF Amorim Lima e pretende analisar as estratégias utilizadas por essa instituição de ensino e sua comunidade, para formar leitores competentes. Essas estratégias, selecionadas a partir de uma entrevista realizada com uma professora do primeiro ano do ensino fundamental, envolvem a leitura compartilhada, a roda de leitura e as práticas de leitura. Com base na entrevista e na observação de situações educativas, analisamos a concordância dessas práticas com as pesquisas realizadas por estudiosos da área e com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental da Língua Portuguesa (1997). Também analisamos essas estratégias por meio de alguns critérios que, segundo Coll (2003), influenciam na prática educativa como: a seleção dos recursos didáticos, a organização do tempo e o preparo do espaço. Palavras-chave: Formação leitora, Leitura compartilhada, Roda de Leitura, Práticas de Leitura. 1 INTRODUÇÃO O homem se organiza em sociedade e cada membro que compõe esse grupo compartilha com os demais suas formas de agir e de pensar sobre si e sobre o mundo. A memória coletiva desses conhecimentos adquiridos por uma sociedade ao longo de sua história constitui sua cultura que, num universo mais amplo, compõe a diversidade cultural. As linguagens oral e escrita possibilitaram que esses conhecimentos fossem transmitidos de geração em geração. O domínio da língua e a competência leitora

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ESTRATÉGIAS PARA A FORMAÇÃO LEITORA

Flávia Mussato Aguiar Marcomini Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Profa. Maria Alice Junqueira de Almeida Orientadora

RESUMO

O presente artigo consiste numa pesquisa realizada na EMEF Amorim Lima e pretende analisar as estratégias utilizadas por essa instituição de ensino e sua comunidade, para formar leitores competentes. Essas estratégias, selecionadas a partir de uma entrevista realizada com uma professora do primeiro ano do ensino fundamental, envolvem a leitura compartilhada, a roda de leitura e as práticas de leitura. Com base na entrevista e na observação de situações educativas, analisamos a concordância dessas práticas com as pesquisas realizadas por estudiosos da área e com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental da Língua Portuguesa (1997). Também analisamos essas estratégias por meio de alguns critérios que, segundo Coll (2003), influenciam na prática educativa como: a seleção dos recursos didáticos, a organização do tempo e o preparo do espaço.

Palavras-chave: Formação leitora, Leitura compartilhada, Roda de Leitura, Práticas de Leitura.

1 INTRODUÇÃO

O homem se organiza em sociedade e cada membro que compõe esse grupo

compartilha com os demais suas formas de agir e de pensar sobre si e sobre o mundo. A

memória coletiva desses conhecimentos adquiridos por uma sociedade ao longo de sua

história constitui sua cultura que, num universo mais amplo, compõe a diversidade

cultural.

As linguagens oral e escrita possibilitaram que esses conhecimentos fossem

transmitidos de geração em geração. O domínio da língua e a competência leitora

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criaram condições para o ser humano buscar conhecimentos, refletir e se posicionar

criticamente frente a sua realidade.

Na formação pedagógica nos deparamos, por meio do estudo da Didática da

Língua e da observação das práticas educativas das instituições de ensino, com a

questão da formação de leitores competentes e sua importância para uma plena

participação social e política. Observamos ainda que, embora a legislação nacional

vigente e as teorias da Didática da Língua enfatizem a importância dessa formação, os

resultados obtidos nas pesquisas referentes à qualidade do sistema de ensino apontam

que os educadores enfrentam dificuldades para atingir tais objetivos.

Considerando que o domínio da língua possui uma estreita relação com a plena

participação social, pretendemos pesquisar quais as estratégias utilizadas por uma

instituição de ensino e sua comunidade, para formar leitores competentes. A partir desse

levantamento analisaremos se essas estratégias estão em concordância com os

Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental da Língua Portuguesa

(1997) e com os critérios sugeridos por estudiosos da área. Para tanto, pautaremos

nossas análises no planejamento do tempo, na organização do espaço, na seleção dos

recursos didáticos e nas intervenções das educadoras.

O objeto de estudo dessa pesquisa consiste nas práticas pedagógicas de uma

professora do primeiro ano do ensino fundamental, do período da manhã, da EMEF

Desembargador Amorim Lima. Escolhemos esta instituição de ensino devido a sua

proposta de realizar uma mudança em seu currículo escolar com o intuito de tornar-se

mais democrática e preparar seus educandos para o exercício da cidadania.

Ao longo do artigo, apresentamos inicialmente uma breve caracterização da

escola que foi nosso objeto de estudo e a metodologia empregada nesta pesquisa.

Depois, contextualizamos a questão da formação leitora, seguida por alguns conceitos

relacionados ao comportamento leitor e à relação entre a competência leitora e o

exercício da cidadania. A partir de então, apresentamos as estratégias para a formação

leitora que compõem o planejamento dessa professora, juntamente as observações e

análises realizadas. Por fim, expomos nossas considerações finais acerca da relação

entre essas práticas e a teoria.

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2 CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima

adquiriu posição de destaque frente às demais instituições de ensino, tanto públicas

quanto particulares, devido às práticas pedagógicas e a uma gestão democrática e

participativa.

Para compreender como essa escola construiu sua identidade, compreender o

contexto no qual se encontra inserida atualmente e como se relaciona com seu entorno e

com a comunidade que atende, descreveremos um breve histórico de sua origem.

Situada no bairro do Butantã, na grande São Paulo, essa instituição iniciou suas

atividades em 1956, como primeira Escola Isolada da Vila Indiana. Com a promulgação

da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, recebeu a denominação atual.

Quando a atual diretoria assumiu, em 1996, a escola apresentava um alto índice

de evasão. Visando manter os alunos na instituição o maior tempo possível, ela propôs à

comunidade uma transformação na escola, que somente seria viável com o apoio e

participação de todos os envolvidos. Foi o tempo de derrubar os alambrados que cerceavam a circulação no pátio, num voto de respeito e confiança, de abrir a escola nos finais de semana, de melhorar os espaços tornando-os agradáveis e voltados à convivência. De abrir, enfim, a escola à comunidade. (Projeto Político Pedagógico EMEF Desembargador Amorim Lima)

Com o intuito de avaliar a situação em que se encontravam e buscar uma

melhoria da aprendizagem e da convivência escolar instituiu-se, em 2002, uma

Comissão de pais e professores que elaboraram o Projeto Político Pedagógico.

Ao observar uma discrepância entre os objetivos contidos no Projeto Político

Pedagógico e as práticas adotadas, a Comissão de pais e professores, juntamente com o

Conselho Escolar, solicitaram a consultoria da psicóloga Rosely Sayão. Esta apresentou

à escola as práticas implantadas pela Escola da Ponte - uma instituição pública de

ensino, localizada no Distrito do Porto, Portugal, que se destacou por sua educação

democrática e práticas pedagógicas que respeitam a individualidade do aluno (ALVES,

2001).

Entusiasmados com a proposta da Escola da Ponte, de educação voltada para a

cidadania, a comunidade Amorim Lima, por meio da Direção e do Conselho Escolar,

solicitou à Secretaria Municipal da Educação a aprovação de uma assessoria externa

para a adaptação dessa proposta à realidade da escola.

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Atualmente a EMEF Desembargador Amorim Lima atende aproximadamente

720 alunos do ensino fundamental que, segundo a instituição, fazem parte de uma

comunidade socioeconômica heterogênea.

De acordo com o conteúdo previsto em seu Projeto Político Pedagógico, a escola

busca, acima de tudo, uma maior participação e comprometimento de toda a

comunidade escolar, na definição de estratégias, soluções e dispositivos que atendam

suas necessidades.

Ascendemos todos – alunos, educadores, pais e comunidade- a graus cada vez mais elevados de elaboração cultural e a níveis cada vez mais elevados de autonomia moral e intelectual, num ambiente de respeito e solidariedade, é o objetivo que fundamenta o Projeto EMEF Desembargador Amorim Lima. (Projeto Político Pedagógico EMEF Desembargador Amorim Lima)

Quanto ao aluno, ela estimula seu desenvolvimento como cidadão participante,

oferecendo-lhe caminhos e maneiras de colocar em prática suas ideias de cidadania.

Busca ainda a construção de sua autonomia intelectual, por meio do domínio processo

de aprendizagem.

No que concerne à atividade docente, a escola considera que deve dispor de:

prática compartilhada e solidária; formação diversificada e múltipla dos professores;

aulas que incentivem a pesquisa e o caráter investigativo do aluno; professor

colaborador na construção do saber; e formação continuada de qualidade para os

professores. Os educadores também devem respeitar a individualidade, a identidade e o

ritmo de aprendizagem de cada aluno.

Autonomia, solidariedade, participação democrática e responsabilidade são

valores que fundamentam o projeto dessa escola. Esses Valores orientam o

funcionamento organizacional e relacional da prática diária da instituição, levando em

consideração o grau de compromisso e os conhecimentos compartilhados pelos

integrantes da comunidade escolar.

3 METODOLOGIA

Durante dois anos acompanhamos as práticas pedagógicas de algumas

professoras do primeiro, terceiro e quarto ano do ciclo I do Ensino Fundamental da

EMEF Desembargador Amorim Lima. Essas observações fizeram parte das Práticas

Curriculares de algumas disciplinas do curso de Pedagogia – Didática da Língua,

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Currículo Escolar, Políticas Públicas, Projeto Supervisionado, dentre outras. Dessas

observações chamaram atenção as dificuldades enfrentadas pelas educadoras, instituição

escolar e comunidade na formação de leitores competentes.

O trabalho com a leitura tem início na Educação Infantil e se estende ao longo de

todo o processo educativo. No Ensino Fundamental, esse trabalho se inicia no primeiro

ano, que marca o ingresso do aluno numa nova etapa desse processo. Observar o início

desse trabalho e sua continuidade é de extrema importância, uma vez que o

desenvolvimento dessa competência influencia na sequência do processo de

aprendizagem do aluno, na construção de sua identidade e em sua participação social e

política.

Com esta pesquisa pretendemos compreender e analisar as estratégias utilizadas

por essa escola e sua comunidade no início da formação leitora de seus alunos. Para

tanto, acompanharemos as práticas pedagógicas relacionadas ao primeiro ano do ensino

fundamental.

Embora tenhamos optado por esse recorte, gostaríamos de enfatizar a

necessidade dos objetivos referentes ao ensino da leitura serem estabelecidos por ciclos

- ao invés de graus – contribuindo para a redução do risco de fracasso na aprendizagem.

Essa ampliação do tempo didático permite uma redução da fragmentação do

conhecimento, uma abordagem complexa do objeto de ensino e, consequentemente, um

pleno domínio da língua escrita. (LERNER, 2002)

A metodologia mais indicada para a realização desta análise consistiu na

pesquisa qualitativa, que apresenta como principais características: o ambiente natural -

espaços educativos e sua comunidade - como fonte de coleta dos fenômenos e o

pesquisador como principal instrumento de investigação; dados predominantemente

descritivos; e discussão dos resultados obtidos pautada em autores e obras que tratam

dos mesmos temas ou temas próximos.

A pesquisa qualitativa é uma atividade sistemática orientada à compreensão em profundidade de fenômenos educativos e sociais, à transformação de práticas e cenários socioeducativos, à tomada de decisões e também ao descobrimento e desenvolvimento de um corpo organizado de conhecimentos. (SADÍN ESTEBAN, 2010, p.127)

A escolha de uma situação educativa como objeto de estudo, a busca pela

compreensão e análise dos fenômenos a partir de observações realizadas no ambiente

escolar remeteram, dentro da pesquisa qualitativa, ao estudo de campo. Entretanto,

considerando que o processo de formação se relaciona com o currículo da instituição

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escolar, coletamos alguns dados por intermédio da pesquisa documental – Projeto

Político Pedagógico -, em complementação ao estudo de campo.

Triviños (2009) define o estudo de caso como uma categoria de pesquisa que

visa uma análise profunda de uma unidade. O trabalho investigador e a análise da

natureza e abrangência dessa unidade devem ser realizados a partir de suportes teóricos.

Já a pesquisa documental utiliza-se de documentos como objetos de

investigação. “Esses documentos são utilizados como fontes de informações, indicações

e esclarecimentos que trazem seu conteúdo para elucidar determinadas questões e servir

de prova para outras, de acordo com o interesse do pesquisador” (FIGUEIREDO, 2007).

Alinhada com a ideia de cidadania ativa na escola, defendemos que os

profissionais da educação devem participar da elaboração do Projeto Político

Pedagógico e adotar práticas pedagógicas comprometidas com a construção do saber.

Consideramos ainda que a comunidade escolar deva acompanhar e avaliar a qualidade

da educação oferecida, assim como exigir a adaptação do currículo escolar às suas

características regionais e históricas.

Esperamos que o resultado deste trabalho de observação e análise das estratégias

utilizadas para o desenvolvimento da competência leitora contribua para a formação

continuada dos educadores e para uma reflexão por parte da instituição escolar e

comunidade.

4 CONTEXTUALIZAÇÃO

Ler é entrar em outros mundos possíveis. É indagar a realidade para compreendê-la

melhor, é se distanciar do texto e assumir uma postura crítica frente ao que se quer dizer, é

tirar carta de cidadania no mundo da cultura escrita...

Délia Lerner

A Constituição Federal Brasileira (1988) defende que a educação escolar precisa

estar vinculada à prática social e preparar o educando para o exercício da cidadania. No

entanto, para que esse objetivo seja atingido, o Estado deve garantir que o ensino tenha

um padrão de qualidade (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996).

Com o intuito de avaliar a qualidade do ensino oferecido e auxiliar na definição

de propostas que visassem à melhoria do processo de aprendizagem dos alunos,

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surgiram, por volta de 1988, as avaliações dos sistemas de ensino. Essas pesquisas

apontaram um alto índice de fracasso escolar e desencadearam discussões sobre a

necessidade de melhorar a qualidade da educação no país.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (1997) foram

elaborados com o intuito de contribuir para a melhoria da qualidade do ensino. Seu

objetivo consiste em orientar as práticas pedagógicas dos educadores, visando à

preparação dos alunos para enfrentar o mundo atual como cidadão participativo,

reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa, no

Ensino Fundamental a discussão acerca do fracasso escolar se voltou para a questão da

leitura e da escrita.

Sabe-se que os índices brasileiros de repetência nas séries iniciais — inaceitáveis mesmo em países muito mais pobres — estão diretamente ligados à dificuldade que a escola tem de ensinar a ler e a escrever. Essa dificuldade se expressa com clareza nos dois gargalos em que se concentra a maior parte da repetência: no fim da primeira série (ou mesmo das duas primeiras) e na quinta série. No primeiro, por dificuldade em alfabetizar; no segundo, por não conseguir garantir o uso eficaz da linguagem, condição para que os alunos possam continuar a progredir até, pelo menos, o fim da oitava série (PCN Língua Portuguesa, 1997, p.19).

Segundo Lerner (2002) o grande desafio da escola de hoje consiste em conseguir

que seus alunos sejam membros plenos da comunidade de leitores e escritores. A

educadora aponta a necessidade de a escola abordar a leitura e a escrita como práticas

sociais, possibilitando que essas tenham um sentido para seus alunos.

É necessário fazer da escola um âmbito onde a leitura e a escrita sejam práticas vivas e vitais, onde ler e escrever sejam instrumentos poderosos que permitam repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento, onde interpretar e produzir textos sejam direitos que é legitimo exercer e responsabilidades que é necessário assumir (LERNER, 2002, p.18).

Assim como Lerner, os Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua

Portuguesa defendem que a leitura não seja compreendida apenas como objeto de

ensino, mas sim como um objeto de aprendizagem, que implica num trabalho ativo de

construção do significado do texto.

Um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequadas para abordá-los de forma a atender a essa necessidade (PCN Língua Portuguesa, 1997, p.41).

Na medida em que adquirem o gosto pela leitura e se tornam leitores mais

hábeis, os alunos passam a ter mais autonomia para buscar os livros como fontes de

conhecimento e prazer. “Em nossa cultura, quanto mais abrangente a concepção de

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mundo e de vida, mais intensamente se lê, numa espiral quase sem fim, que pode e deve

começar na escola, mas não pode (nem costuma) encerrar-se nela” (Lajolo, 2006, p.7).

5 FORMAÇÃO LEITORA

Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram

dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a história.

Rubem Alves

Ao longo do seu desenvolvimento, a criança anseia por conhecer e participar do

mundo que a rodeia. A leitura de diferentes gêneros literários a auxilia a interpretar e

dar significado à vida e ao mundo. A literatura, assim como a arte em geral – pintura,

teatro, cinema, dança, música etc.–, ao abordar o contraditório e a ambiguidade,

contribui para o reconhecimento da complexidade da existência humana (AZEVEDO,

2004).

No entanto, não basta transmitir informações para as crianças, é preciso

despertar sua curiosidade e anseio por aprender. A formação leitora implica numa

relação subjetiva, muitas vezes relacionada a um sentimento de prazer, que se estabelece

entre a pessoa que lê e o texto.

Koch e Elias (2006) complementam que a atividade da leitura consiste num

diálogo que se estabelece entre o autor e o leitor através do texto. O sentido do texto não

é algo pré-definido, mas sim algo que se constrói a partir dessa interação e dos

conhecimentos sociocognitivos de cada leitor.

5.1 Comportamento Leitor

No ambiente escolar, a formação leitora das crianças tem inicio antes mesmo

delas aprenderem a ler e escrever convencionalmente. A observação do comportamento

leitor dos adultos desperta o encantamento pela leitura por parte das crianças e contribui

para que elas passem a construir comportamentos leitores também.

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Lerner (2000) ressalta que o comportamento leitor compreende tanto a relação

do leitor com o texto quanto à interação entre leitores. A relação do leitor com o texto

abrange:

(...) antecipar o que segue no texto, reler um fragmento anterior para verificar o que se compreendeu, saltar o que não se entende ou não interessa e avançar para compreender melhor, identificar-se com o autor ou distanciar-se dele assumindo uma posição crítica, adequar à modalidade de leitura - exploratória ou exaustiva, pausada ou rápida, cuidadosa ou descompromissada - aos propósitos que se perseguem e ao texto que se está lendo... (LERNER, 2002, p.62)

Com relação à interação entre leitores, Lerner destaca alguns comportamentos

como: “(...) comentar ou recomendar o que se leu, compartilhar a leitura, confrontar

com outros leitores as interpretações geradas por um livro ou uma notícia, discutir sobre

as intenções implícitas nas manchetes de certo jornal...” (LERNER, 2002, p.62).

5.2 Competência leitora e exercício da cidadania

Para além de compreender o funcionamento do sistema alfabético de escrita –

alfabetização -, a competência leitora consiste em fazer o uso competente da leitura e da

escrita – letramento -, ou seja, na capacidade de ler, refletir e se posicionar criticamente

frente a sua realidade sociocultural. De acordo com os PCN da Língua Portuguesa:

O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento (PCN Língua Portuguesa, 1997, p.21).

A sociedade democrática a qual pertencemos solicita uma educação para a

cidadania, ou seja, a formação e a instrução das pessoas para sua capacitação à

participação motivada e competente na vida política e pública da sociedade. Essa

formação visa o desenvolvimento de competências para lidar com a diversidade e o

conflito de ideias, com as influências da cultura e com os sentimentos presentes nas

relações do sujeito consigo mesmo e com o mundo (ULISSES, 2002).

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6 ESTRATÉGIAS PARA A FORMAÇÃO LEITORA

É importante que se tenha claro que somente aquele que lê e que ama os livros é capaz de

formar outros leitores.

Vitória Líbia Barreto de Faria

A fala desta educadora sintetiza o conceito fundamental da formação leitora,

uma vez que o desenvolvimento da prática e o gosto pela leitura somente serão

significativos para o aluno se o forem igualmente para o educador.

Considerando que a prática educativa envolve processos de ensino e

aprendizagem complexos, a concepção construtivista sugere ao educador elementos que

auxiliem na análise e reflexão a respeito da pertinência dessa prática e critérios para o

planejamento, concretização e avaliação do ensino (COLL, 2003). As variáveis que

compõem a aula, como o tempo, os recursos didáticos e os espaços são alguns dos

critérios que influenciam numa prática educativa comprometida com o processo de

aprendizagem dos alunos.

Nesta pesquisa optamos por focar nossas observações, dos critérios sugeridos

acima, nas situações formais da prática da leitura. No entanto gostaríamos de ressaltar

que temos plena consciência de que essa prática permeie diversas situações didáticas.

No que se refere à distribuição do tempo, Lerner (2002) enfatiza a necessidade

de uma utilização qualitativa do tempo didático. Para tanto, sugere uma flexibilidade

com relação à duração das situações didáticas e a articulação de diferentes modalidades

organizativas, visando preservar o tempo e o sentido da aprendizagem. Essa condição

permite que os alunos façam inúmeras aproximações do objeto de ensino, contribuindo

para o processo de significação e ressignificação do conhecimento adquirido.

Quanto aos recursos didáticos, focamos nossas observações em sua seleção,

apresentação e disponibilização. Partiremos do principio de que é fundamental criar

espaços onde as crianças tenham acesso fácil a bons textos em diversos gêneros

discursivos e que possam interagir individual ou coletivamente com a leitura e a escrita.

(Faria, 2004).

Considerando que comumente, os recursos materiais se relacionam com o

espaço, observamos ainda a organização do ambiente. Forneiro (1998) defende o espaço

como um componente curricular, uma vez que muitos elementos que compõem o

ambiente consistem em si mesmos conteúdo de aprendizagem.

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De acordo com Pol e Morales:

O espaço jamais é neutro. A sua estruturação, os elementos que o formam, comunicam ao indivíduo uma mensagem, que pode ser coerente ou contraditória com aquilo que o educador(a) quer fazer chegar a criança. O educador(a) não pode conformar-se com o meio tal como ele é, deve incidir, transformar, personalizar o espaço onde desenvolve a sua tarefa, torná-lo seu, projetar-se fazendo deste espaço um lugar onde a criança encontre o ambiente necessário para desenvolver-se (POL; MORALES, 1982, p.5).

Enfim, consideramos que a distribuição do tempo, a seleção e apresentação dos

recursos materiais e o preparo e organização do ambiente consistem em condições

didáticas que devem ser planejadas cuidadosamente, uma vez que refletem a

importância atribuída ao ensino.

As estratégias relacionadas à formação leitora abordadas neste artigo foram

selecionadas tendo como base uma entrevista realizada com a professora, fragmentos de

conversa e registros de observação da prática pedagógica. Os dados coletados (Anexos

I, II, III, IV, V e VI) foram analisados de acordo com as orientações dos Parâmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental da Língua Portuguesa (1997) e com os

critérios sugeridos por estudiosos da área.

Ao longo da semana, a professora proporciona três situações didáticas

direcionadas à formação leitora: a leitura compartilhada, a roda de leitura e as práticas

de leitura. A seguir abordaremos cada uma dessas estratégias.

6.1 Leitura Compartilhada

A leitura compartilhada consiste numa atividade na qual a leitura é mediada pelo

professor.

Ao dar voz a um determinado texto, o professor garante que os alunos tenham acesso ao conteúdo e a forma como foi construído, além de propiciar uma experiência de construção compartilhada de significado: como o professor lê para a turma, a experiência de leitura pode ser compartilhada, formando assim uma bagagem comum de vivências suscitadas pela leitura (Ler e Escrever. Guia de Orientações didáticas. Professor Alfabetizador. 1º ano. p.71).

Essa prática auxilia na inserção do aluno na cultura letrada e na ampliação de

sua visão de mundo. Possibilita ainda a vivência de emoções, o exercício da fantasia e

da imaginação, contribuindo para estimular o desejo por outras leituras (PCN Língua

Portuguesa, 1997).

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Na entrevista, a professora comenta que realiza atividades de leitura

compartilhada uma vez por semana e que ao longo do ano pretende apresentar aos

alunos vários gêneros como: contos, fábulas e poesias, dentre outros. Explica que essa

proposta visa que os alunos se apropriem de alguns termos desses gêneros, por meio de

atividades de leitura, reconto e discussões.

No que se refere aos gêneros do discurso, Bräkling (2001-2002) explica que no

decorrer da história o homem, em função de diferentes objetivos sociais ou em

decorrência do aparecimento de novos meios de comunicação, criou diferentes maneiras

de organizar textos orais e escritos, que foram se estabilizando e constituíram os gêneros

do discurso.

Na escola, os gêneros do discurso constituíram ao mesmo tempo num

instrumento de comunicação e num objeto de ensino e aprendizagem. (SCHNEUWLY,

2004). Nesse contexto, a leitura compartilhada consiste numa atividade na qual o aluno,

a partir da leitura feita pelo professor, constrói o sentido do texto, reconhece as

características dos diferentes gêneros do discurso e busca conhecer a si mesmo e ao

mundo que o rodeia.

O planejamento dessa atividade envolve inicialmente a seleção dos recursos

didáticos a serem utilizados na proposta. Fonseca (2012) sugere alguns critérios para

nortear a escolha dos livros como: selecionar boa qualidade de texto; autores de

reconhecido valor; qualidade da ilustração e do projeto gráfico; boas obras adaptadas.

Após selecionar esse material, é preciso que o professor conheça os textos que pretende

apresentar e prepare sua leitura com antecedência, prevendo as curiosidades dos alunos

(RANA; AUGUSTO, 2011).

Na escola observada, a professora mostrou-se criteriosa com relação à escolha e

diversidade dos gêneros a serem apresentados às crianças, evidenciando uma

consciência acerca da importância da leitura de textos de qualidade e elaborados por

autores reconhecidos. Para apresentar os Contos de Grimm, por exemplo, ela optou por

textos de Maria Heloisa Penteado e Tatiana Belinky, autoras reconhecidas pela

fidelidade de suas traduções.

Percebemos ainda que, quando possível, a professora possibilitou que cada aluno

tivesse um exemplar do texto para acompanhar a leitura. Esse material permitiu que as

crianças localizassem o título da história e acompanhassem a leitura, marcando com o

dedo os trechos lidos. Essa proposta também possibilitou que a leitura feita pela

professora fosse entremeada pela leitura dos alunos, que liam os trechos que se repetiam

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- destacados em negrito, auxiliando sua identificação. A repetição presente no texto

contribuía para que as crianças ainda não alfabetizadas acompanhassem a leitura.

Além da seleção dos recursos didáticos, a atividade de leitura compartilhada

solicita uma conscientização de que o espaço e sua dinâmica definem o cenário da

aprendizagem. Para tanto, sua organização e preparo torna-se parte integrante do

planejamento dessa atividade.

Forneiro (1998) ressalta que ambientes que buscam garantir a aprendizagem

envolvem a organização do espaço, do tempo, das interações sociais e dos materiais.

Para tanto, ela sugere que a organização do espaço solicita do educador uma atenção

acerca das seguintes tarefas: concretizar as intenções educativas e método de trabalho

(refletir acerca da ação educativa e de um ambiente condizente com esta), planejar e

organizar o espaço (espaço físico, mobiliários e materiais), observar e avaliar seu

funcionamento (estabelecer critérios para avaliar a influência dessa organização na

aprendizagem dos alunos) e, finalmente, introduzir as modificações necessárias.

Na instituição pesquisada, as leituras compartilhadas são realizadas na sala de

aula, que possui um espaço amplo e bem iluminado, porém com bastante mobiliário.

Visando a participação de todos e uma melhor atenção às crianças, a professora realiza

essa atividade com metade do grupo – total de 52 alunos –, encaminhando os demais

para a aula de um professor especialista. Em seguida ela realiza a atividade com a outra

metade do grupo.

Para preparar o ambiente, a professora apenas move o mobiliário para acomodar

os alunos numa grande roda. Durante a leitura, as crianças sentam diretamente no chão

da sala, que possui piso cerâmico, e a professora numa cadeira, visando que todos

possam observá-la. Normalmente a sala é prepara dessa forma, porém eventualmente

essa organização assume outras configurações.

Nas atividades de leitura compartilhada que acompanhamos, percebemos que a

organização do espaço, por parte da professora, se limitou aos aspectos objetivos

relacionados ao preparo do ambiente.

Conforme apontado por Junqueira (2011), professora de Didática da Língua II

do Instituto Superior de educação Vera Cruz, o planejamento dessa proposta também

envolve aspectos subjetivos do ambiente, que pode ser desafiador, lúdico e acolhedor.

Esse preparo consiste numa condição didática que favorece a formação leitora e o

prazer pela leitura. Nesse sentido, a educadora sugere que ao organizar o ambiente, o

professor disponibilize almofadas e um tapete para os alunos sentarem e crie um ritual

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que marque o início da atividade - uma música, uma cerimônia do chá ou acender uma

vela -, possibilitando que os alunos se envolvam na proposta também por conta de um

ambiente aconchegante que convida a entrar no mundo simbólico e imaginativo das

histórias.

Para além do planejamento e do preparo do ambiente, Forneiro ressalta a

importância de uma reflexão e avaliação acerca da adequação dessa organização com a

aprendizagem das crianças.

Os aspectos que levantamos acerca da seleção do material, da organização do

ambiente e do preparo antecipado da leitura, consistem em condições didáticas que o

professor deve garantir antes de iniciar uma atividade de leitura compartilhada (RANA;

AUGUSTO, 2011).

Dando continuidade à proposta, no início da atividade o professor precisa:

explicitar os motivos que nortearam a escolha do livro; informar o contexto de produção

desse material – autor, título, gênero, editora etc. -; fornecer informações

complementares - ilustrador, prêmios etc. -; apresentar a história por meio de

comentários iniciais - do texto e ilustrações, visando despertar o interesse das crianças

(RANA; AUGUSTO, 2011).

Durante a leitura, o professor deve estar atento ao seu papel de mediador da

leitura das crianças, uma vez que seu comportamento como leitor consiste num modelo

a ser imitado por elas. A prática e o gosto pela leitura comumente se originam do

convívio com esse leitor mais experiente que apresenta o fascinante mundo da leitura

(PCN Língua Portuguesa, 1997).

Nas atividades que acompanhamos, a professora se mostrou atenta à sua

entonação e expressividade, assim como em explicar o motivo de sua escolha;

evidenciando uma consciência de seu papel como modelo de leitor e,

consequentemente, contribuindo para a formação leitora das crianças.

Com relação às intervenções educativas, os Parâmetros Curriculares Nacionais

da Língua Portuguesa (1997) sugerem que, ao longo dessa atividade, o professor

explore as seguintes estratégias de leitura: seleção, inferência, antecipação e verificação.

O uso dessas estratégias contribui para que o leitor tenha autonomia para:

(...) compreender o que lê; aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos; estabelecer relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; saber que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; constituir justificar e validar a sua leitura a partir da localização de elementos discursivos (PCN Língua Portuguesa, 1997, p.41).

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Nas atividades observadas, a professora explorou as estratégias de leitura, porém

percebemos que nem sempre ela dispunha de um tempo que possibilitasse que as

crianças interagissem e externassem suas estratégias. Nesse contexto, notamos ainda

que ela consumia bastante tempo com questões relacionadas ao comportamento

atitudinal dos alunos, ou seja, com o sentar-se direito, o silencio e a atenção voltada para

a leitora.

Finalizada a leitura Rana e Augusto (2011) recomendam ao professor os

seguintes encaminhamentos: tecer comentários sobre o que leu, colocando seus pontos

de vista; instigar as crianças a fazer o mesmo; auxiliar na construção coletiva de um

sentido para o texto; reler alguns trechos do livro para possibilitar maior prazer na

interação dos alunos com o texto ou para confirmar as interpretações.

Em consonância com as práticas sugeridas acima, a professora comentou que

apesar dela ser a leitora e os alunos os ouvintes, após a leitura compartilhada ela

proporciona um ambiente de troca a respeito do sentido do texto lido. Essa participação,

espontânea ou por meio de um convite, visa à inclusão de todos e o acompanhamento

do desenvolvimento de cada aluno individualmente.

Observamos que embora a professora tenha consciência acerca da importância

da participação das crianças nas discussões realizadas no final da leitura, a

disponibilidade de tempo para a realização dessas propostas dificulta um pouco essa

prática. Nesse sentido, garantir essa participação solicitaria um planejamento mais

flexível que permitisse um aumento do tempo de duração a atividade, visando atender a

aprendizagem dos alunos.

Com relação ao planejamento do tempo, Barbosa (2006) ressalta que a

temporalização da vida das crianças auxilia na estruturação do tempo coletivo. No

entanto, considerando que o tempo envolvido no processo de aprendizagem de cada

aluno é único, Zabala (2003) complementa que professor deve se conscientizar da

importância de um trabalho que envolva, concomitantemente, a individualidade e a

diversidade, criando oportunidades para que todos avancem em seus conhecimentos.

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6.2 Roda de Leitura

A criança está inserida na sociedade, numa determinada cultura, num momento

histórico e é influenciada e influencia o meio em que vive (Referenciais Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil, 1998). A infância marca essa apropriação por parte

da criança, que se dá por meio de várias linguagens. A leitura consiste num instrumento

utilizado por elas para entrar em contato com diferentes linguagens.

A roda de leitura consiste numa atividade que busca estimular o aluno a

estabelecer critérios para nortear suas escolhas, apreciar um texto e desenvolver um

posicionamento crítico frente a sua leitura.

Durante a entrevista, a professora comentou que organiza essa proposta em dois

momentos: o empréstimo e a apreciação. No momento do empréstimo, cada aluno

escolhe um livro do acervo, leva-o para ler em casa - com o auxílio da família – e

preenche uma ficha com informações do livro. Na apreciação, cada aluno compartilha

com o grupo suas impressões, comenta o que gostou – com base nas características da

obra - e indica ou não a leitura do livro.

Observamos que a proposta da professora, de criar condições para que os alunos

tenham autonomia para escolher suas leituras e se posicionem criticamente, evidencia

sua consciência da importância das crianças como protagonistas na construção do

conhecimento. No entanto, em oposição a essa prática, percebemos que os livros que

compõem o acervo da sala ficam guardados numa caixa plástica e somente são

disponibilizados às crianças na hora da atividade, além de não haver uma biblioteca de

sala que possibilite o livre acesso aos livros. Quando questionamos a professora acerca

dessa prática, ela comentou:

Essa escola é pública e nós estamos com um problema de pessoas entrando indiscriminadamente na sala de aula. Atualmente estamos perdendo materiais importantes. São muitas crianças manuseando esses livros. Acredito que para manusear os livros eles precisam ainda estar com um educador junto, orientando.

Ainda com relação a essa questão, notamos que a professora está buscando

soluções alternativas que favoreçam a exploração dos livros como, por exemplo, o

cantinho da leitura que é oferecido quando a estagiária organizada a sala em cantos.

No que se refere ao empréstimo de livros, percebemos que essa prática consiste

numa estratégia utilizada pela professora para que a prática e o prazer da leitura

ultrapassem os muros da escola. Lerner (2002) ressalta que a participação da família na

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formação leitora das crianças torna essa prática mais significativa para ambos. Em

consonância com os conceitos defendidos por Lerner, a professora enfatiza que:

A ideia é de que eles dialoguem. Muitas famílias da escola pública em geral não são leitoras, não são letradas e não tem o habito da leitura em sua casa. A ideia é trazer a família junto e torná-los leitores também.

A professora complementou que o envolvimento da família e o desenvolvimento

de um compromisso de cuidar e preservar o acervo da escola também fazem parte do

comportamento leitor e cidadão. Segundo ela:

(...) cuidar de um livro que não é seu exige uma responsabilidade enquanto cidadão. O livro é um patrimônio público, é de todos nós e não podemos trata-lo de qualquer jeito. Considero que esse cuidado também faz parte da formação leitora.

Observamos que a professora externou uma consciência acerca da leitura como

uma prática social que rompe com os limites do ambiente escolar. Além de mediar à

formação leitora de seus alunos, ela solicita a participação da família no processo de

aprendizagem, tornando-a significativa, e desenvolve um trabalho de postura cidadã

com a comunidade.

De acordo com Machado (2002) a cidadania se refere aos deveres que cada

cidadão tem com a organização de sua pátria e os direitos que possui de participar

ativamente da vida social e politica da sociedade a qual pertence. Contudo, para que isso

seja possível é preciso preparar esses cidadãos para o pleno exercício da cidadania.

Com relação ao preenchimento de fichas de leitura notamos que, com essa

propostas, a professora visa o acompanhamento da leitura realizada pelas crianças,

juntamente com seus pais, e a sistematização das informações do texto.

Lerner (2002) adverte que, visando deter o controle sobre a aprendizagem da

leitura, a escola acaba por priorizar questões mensuráveis como, por exemplo: a

compreensão e a fluência da leitura em voz alta. Esse controle e a falta de distribuição

de direitos e deveres entre o professor e os alunos compromete ainda a autonomia dos

alunos, imprescindível para sua formação.

Os PCNs da Língua Portuguesa (1997) orientam que:

A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a ler, não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra por palavra, não se responde a perguntas de verificação do entendimento preenchendo fichas exaustivas, não se faz desenho sobre o que mais gostou e raramente se lê em voz alta. Isso não significa que na escola não se possa eventualmente responder a perguntas sobre a leitura, de vez em quando desenhar o que o texto lido sugere, ou ler em voz alta quando necessário. No entanto, uma prática constante de leitura não significa a repetição infindável dessas atividades escolares. (PCN Língua Portuguesa, 1997, p.43)

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A partir das situações observadas, notamos que o preenchimento eventual dessas

fichas auxilia na sistematização dos conhecimentos. Contudo, ao se tornar uma

atividade permanente essa prática acaba por vir de encontro com o prazer da leitura.

Considerando a literatura com uma arte feita de palavras que faz parte da nossa

vida, Lois (2010) sugere que o professor reflita acerca de sua postura frente ao texto

literário, analisando se a encara e transmite para os alunos como arte ou conteúdo

escolar.

Quanto aos recursos materiais, a professora comenta que utiliza livros fornecidos

anualmente pelo MEC (Ministério da Educação e da Cultura). No entanto explica que

faz dois anos que a escola não recebe esse material e que, apesar de cuidar e reformar os

livros, seu acervo não se encontra em bom estado. De acordo com ela:

Num grupo de estudo da escola, eu levantei a questão do uso do patrimônio público, da relação do estudante com o patrimônio público. Seja com a carteira escolar – que eles rabiscam – ou com o livro e material de uso comum – que são destruídos. Essa cultura de que tudo é descartável ainda está implícita, infelizmente. A mudança é um processo longo. Futuramente, talvez possamos ver algo mudar. Então, nós temos que ter um cuidado para que o livro possa ser compartilhado e usado por todos.

No que se refere ao preparo do ambiente para a realização dessa proposta,

percebemos que sua organização é idêntica à da leitura compartilhada. Sendo assim,

consideramos que se aplicam as mesmas questões levantadas anteriormente.

Nos momentos de apreciação da leitura, a professora reúne os alunos em roda,

com os livros que emprestaram para ler em casa. Em cada encontro, dois ou três alunos

apresentam os livros que leram aos colegas. Essa escolha é definida pela professora que

destaca um aspecto diferente da leitura para eles analisarem. Segundo ela:

Essa atividade trabalha também com a apreciação do livro, pois os alunos tem a liberdade de se posicionar positiva ou negativamente frente ao que leram. Consideramos que é um direito do leitor gostar ou não do livro e consequentemente indicá-lo ou não. Nas rodas de leitura, nós vamos trabalhando esse olhar. A cada semana eu vou destacando um aspecto diferente da leitura realizada para eles analisarem. Em nossa caixa de empréstimos possuímos livros de vários tipos de gêneros: científicos, aventuras e para diversão – adivinhas e “o que é o que é”. Mostrar aos alunos que existem gêneros variados e discutir essas diferenças com eles é também um dos objetivos dessa roda.

De acordo com o PCNs Língua Portuguesa (1997), o trabalho com diferentes

gêneros contribui para que os alunos construam seus conhecimentos acerca das

características de cada gênero, assim como estabeleçam comparações entre eles.

Essa atividade proposta pela professora auxilia a formação leitora de seus alunos

por meio da apreciação, reconto e discussão acerca das características de cada gênero.

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Ao possibilitar inúmeras aproximações do objeto de estudo ela contribui para a

significação e ressignificação do conhecimento adquirido.

6.3 Práticas de Leitura

Essa proposta apresenta às crianças a leitura como uma prática social

significativa e contextualizada. Por meio do contato com diferentes portadores textuais

os alunos ampliam seu repertorio cultural e exploram os diversos propósitos e

procedimentos que dão sentido a leitura (Lerner, 2002).

Durante a entrevista, a professora comentou que atualmente está desenvolvendo

com seus alunos um trabalho de exploração das características de algumas revistas

infantis. Complementou ainda que, ao longo do ano, pretende possibilitar a exploração

de diversos suportes textuais.

Acompanhamos uma atividade de leitura da Revista Recreio que, assim como as

propostas de leitura abordadas anteriormente, é realizada com a metade do grupo e de

forma escalonada.

De acordo com a professora, essa proposta procura propiciar aos alunos

momentos de exploração, livre e orientada, das características de diferentes suportes

textuais - capa, sumário, seção dentre outras – e a busca de informações de acordo com

seus objetivos. A escolha do tema a ser pesquisado e a definição dos procedimentos de

leitura são definidos pelos alunos. Quanto à leitura do texto ela comenta que:

Os alunos estão desenvolvendo recursos próprios, ou não, para ler o que está escrito. Quando não conseguem, pedem ajuda ao colega. Costumo fazer essas atividades em duplas ou trios, porém tento variar esses agrupamentos e também proponho atividades individuais. A maioria do grupo ainda não é um leitor convencional, mas alguns alunos já estão iniciando o processo de leitura – quatro ou cinco alunos. Muitas vezes esses alunos que incentivam e trazem o grupo junto com eles, pois são referência, de estudantes mais experientes na leitura. Esse momento é muito rico, pois, além de conhecer os gêneros, os alunos aprendem com seus pares.

Lerner (2002) enfatiza que os propósitos leitores orientam a escolha do texto e a

definição dos procedimentos de leitura. Nesse sentido, uma prática de leitura

significativa solicita um propósito conhecido e valorizado pelo leitor.

A professora mostra ter consciência de que uma prática de leitura significativa

requer o envolvimento dos alunos. Um bom exemplo dessa intervenção consiste no fato

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dela selecionar uma revista que aborda temas que interessam as crianças e possibilitar

que elas escolham um tema que mais lhes agrada.

Segundo Chartier (1996) a exploração de diversos suportes textuais desperta o

interesse e a curiosidade das crianças pela leitura, instigando-as a realizar investigações

dentro e fora do ambiente escolar.

Partindo desse envolvimento, ela explicita o propósito da leitura e cria condições

para que eles definam os procedimentos para atingir esse objetivo. Notamos que para a

realização dessa investigação, ela organiza agrupamentos produtivos, que possibilitam

que cada criança construa conhecimentos a partir de suas vivências e na relação de troca

que estabelecem com o outro.

Castedo (1997) explica que essas situações possibilitam que os alunos aprendam

acerca das sessões da revista, sua relação com o índice e a função das ilustrações ou dos

subtítulos.

Finalizada a leitura, a professora comenta que:

Há situações nas quais os alunos vão manusear esses suportes e trazer para a roda aquilo que leram e da forma que leram – imagens, títulos, subtítulos, etc. Enfim, consideramos os recursos usados por cada aluno e vamos dialogando e construindo coletivamente a formação leitora.

Nas situações que acompanhamos, observamos que durante as apresentações, a

professora pergunta os alunos se eles querem ler ou se querem que ela leia. Nesse

momento percebemos ainda que as duplas se envolveram na atividade, assim como

algumas crianças do grupo que compartilhavam seus conhecimentos acerca do tema

abordado.

Com relação à duração da proposta, percebemos que as crianças necessitavam de

um prazo maior para explorar livremente as revistas, uma vez que durante a

apresentação dos amigos, várias delas não se mostravam interessadas na pesquisa dos

colegas, mas sim em continuar explorando suas respectivas revistas.

No que se refere à escolha do espaço, a professora comentou que essas propostas

são comumente realizadas no saguão de entrada da escola, uma vez que nesse momento

a sala de aula é utilizada pela outra metade do grupo.

Observamos que esse ambiente possui muito ruído, uma vez que consiste no

principal acesso de entrada e saída da escola e num espaço de passagem para a área

administrativa.

Ao abordar a questão da escolha do espaço, Barbosa (2006) ressalta que cada

vez que se muda o cenário, que se trabalha em um novo contexto, surgem novas

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respostas, novas alternativas de ação. Sendo assim, a educadora sugere a exploração dos

diferentes espaços que compõem o ambiente escolar.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em consonância com a Constituição Federal Brasileira (1988) e com a Lei de

Diretrizes Básicas da Educação Nacional (1996), a educação tem por finalidade o

preparo do educando para o exercício da cidadania. Nesse sentido, a formação de

leitores competentes consiste em possibilitar que o aluno tenha autonomia para

selecionar os portadores textuais e gêneros do discurso que melhor atendam seus

propósitos, faça uso de estratégias e procedimentos adequados para compreender o

sentido do texto e utilize os conhecimentos adquiridos para refletir e se posicionar

criticamente frente a sua realidade sociocultural.

Neste estudo de caso apresentamos uma pesquisa acerca das estratégias

utilizadas por uma instituição de ensino e sua comunidade para formar leitores

competentes. A partir de uma entrevista realizada com a professora do primeiro ano do

ensino fundamental da EMEF Desembargador Amorim Lima, selecionamos as

estratégias e analisamos se elas estavam em consonância com as pesquisas realizadas

por estudiosos da área e de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino

Fundamental da Língua Portuguesa (1997). Com base na entrevista e na observação de

situações educativas também analisamos essas práticas de acordo com alguns critérios

que, segundo Coll (2003), influenciam na prática educativa como: a seleção dos

recursos didáticos, a organização do tempo e o preparo do espaço.

Em seu planejamento, a professora aborda a formação leitora por meio da leitura

compartilhada, da roda de leitura e das práticas de leitura. Durante a entrevista, ela

externou uma clareza quanto à seleção dessas estratégias, ao domínio dos conceitos

envolvidos em cada uma delas e à relação entre a competência leitora e o exercício da

cidadania. Dessa forma, as estratégias selecionadas por ela evidenciaram sua intenção

de criar condições para que os alunos compreendessem a leitura como uma pratica

social significativa e contextualizada.

Os recursos didáticos selecionados pela professora correspondem aos critérios

sugeridos por estudiosos da área e estão alinhados com cada uma das propostas. Esse

material é diversificado, possibilitando que os alunos tenham contanto com diferentes

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suportes textuais e gêneros do discurso que circulam socialmente. Durante a exploração

desse material a professora enfatiza ainda o exercício da cidadania, por meio do cuidado

com o patrimônio público.

Com relação ao planejamento e preparo do espaço, notamos uma carência no

que se refere à dimensão subjetiva do ambiente – desafiador, lúdico e acolhedor -, assim

como uma exploração dos diferentes espaços - internos e externos - que compõem o

ambiente escolar para a realização dessas propostas. Considerando que o preparo do

ambiente consiste numa condição didática que contribui para o processo de

aprendizagem dos alunos e o prazer pela leitura, Forneiro (1998) sugere uma reflexão e

avaliação acerca da adequação dessa organização e Barbosa (2006) ressalta a

importância da diversidade dos cenários.

Quanto à organização do tempo, observamos que as estratégias para a formação

leitora abordadas nesse artigo consistem em atividades permanentes, enfatizando o

comprometimento da professora com a aprendizagem e participação sociopolítica dos

alunos. Para além da formação leitora, seu planejamento envolve uma série de outras

propostas. Observamos que apesar do empenho da professora, por conciliar todas essas

propostas, eventualmente algumas atividades solicitariam um tempo maior de duração.

No entanto, em algumas das situações que observamos, ao focalizar no

comportamento atitudinal das crianças, a professora acaba por reduzir o tempo para

compartilhar as impressões acerca da leitura. Notamos que essas situações prejudicam o

envolvimento de algumas crianças e podem comprometer a construção do sentido do

texto e o prazer da leitura, que consistem em aspectos importantes da formação leitora.

Segundo Lois, (2010), a aprendizagem vem acompanhada do prazer e da alegria. Sem a

motivação do prazer, as crianças perdem o interesse e a curiosidade.

Por fim, ao observarmos e analisarmos as situações didáticas propostas pela

professora, suas intervenções educativas e o envolvimento da comunidade, constatamos

que estas se encontram alinhadas com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino

Fundamental da Língua Portuguesa (1997) e com os critérios sugeridos por estudiosos

da área. No entanto, ao analisarmos essas práticas com base nos critérios segundo Coll

(2003), verificamos a necessidade de uma reflexão, por parte da professora, acerca da

organização do tempo e do preparo do espaço.

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9 ANEXOS

ANEXO I - Entrevista com professora do primeiro ano do ensino fundamental, do

período da manhã, da EMEF Desembargador Amorim Lima.

Entrevistadora: Em seu planejamento, quais as estratégias que você considera que

visam à formação da competência leitora dos alunos?

Educadora: Dentro da rotina da semana, possuímos três momentos específicos para a

formação leitora. Temos um momento de leitura compartilhada, no qual eu trago um

gênero específico. Atualmente vamos trabalhar com os contos narrativos, contos do

mundo, contos tradicionais. Eu vou apresentar vários autores, como os Irmãos Grimm,

Perrault e outros. Esses contos serão trabalhados por um ou dois meses. Ao longo desse

trabalho irei ler os contos, comentá-los, fazer uma atividade de reconto - adaptada a

faixa etária – retomando a história, o enredo, a apropriação de alguns termos do gênero.

Esse momento os trará para a questão da leitura. Eu e a outra professora seremos as

leitoras e eles ouvintes, mas ao final haverá um diálogo a respeito da leitura.

Pretendemos ainda apresentar várias versões de um mesmo conto e propor uma

discussão.

Ao longo do ano, apresentarei outros gêneros literários como poesia e fábulas.

Como o tema deste ano da Festa da Cultura da escola será América Latina, estou

pensando em trabalhar com os textos de alguns dos escritores infantis da América. A

proposta é mudar o gênero literário a cada dois meses.

Outro momento é a roda leitura que é realizada toda quinta-feira. Nessa proposta

os alunos apreciam o livro que irão levar para casa. A escolha dos livros obedece a

critérios variados como: a capa do livro, a ilustração, o autor, etc. O intuito de eles

levarem esses livros para casa é de que a família participe e acompanhe a leitura. A

ideia é de que essa leitura seja feita por um adulto ou irmão mais velho e seguida por

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um diálogo. Depois o aluno preencherá uma ficha de leitura com os dados do livro –

título, personagens e ilustrador – e faz um desenho que é uma síntese ou um recorte da

parte que mais gostou.

Essa atividade trabalha também com a apreciação do livro, pois os alunos tem a

liberdade de se posicionar positiva ou negativamente frente ao que leram. Consideramos

que é um direito do leitor gostar ou não do livro e consequentemente indicá-lo ou não.

Nas rodas de leitura, nós vamos trabalhando esse olhar. A cada semana eu vou

destacando um aspecto diferente da leitura realizada para eles analisarem. Em nossa

caixa de empréstimos possuímos livros de vários tipos de gêneros: científicos, aventuras

e para diversão – adivinhas e “o que é o que é”. Mostrar aos alunos que existem gêneros

variados e discutir essas diferenças com eles é também um dos objetivos dessa roda.

Entrevistadora: No momento da roda de leitura eles apresentam o livro que

leram?

Educadora: Sim, mas a ideia é que não se torne um momento burocrático, no qual

todos devem participar. Usamos um critério diferente de escolha a cada semana,

possibilitando que todos apresentem. Existem alguns alunos que sempre querem se

apresentar, mas precisamos dar oportunidade para todos.

No que diz respeito à formação leitora, a roda de leitura auxilia o aluno a se

posicionar frente ao que leu. Esses elementos de análise elaborados nesse momento

ainda são primários, mas nosso trabalho é de auxiliá-los na construção de novas

considerações. No entanto, a ideia é de que esse trabalho tenha uma continuidade ao

longo de todos os anos do ciclo. Atualmente essa continuidade é feita nas tutorias. Não

se trata de um trabalho específico de leitura, mas os tutores leem para os estudantes, eles

fazem empréstimos de livros na biblioteca e trabalham com diferentes gêneros literários.

Entrevistadora: Nas rodas de leitura você também disponibiliza revistas?

Educadora: Não. Somente livros. Esses livros são fornecidos pelo MEC – Ministério

da Educação e da Cultura - que deveria enviar esse material anualmente. Com o tempo

alguns livros ficam em mal estado, mesmo sendo reformados. No ano passado e esse

ano não recebi esse material. Os livros que possuímos são os que foram enviados de

2006 a 2010. Então nós trabalhamos com os livros que temos e continuamos

reformando esses exemplares. Outro trabalho que desenvolvemos com os alunos é a

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responsabilidade de cuidar do livro, que faz parte do comportamento leitor, assim como

ter cuidado ao manusear o livro. Explicamos ainda que é preciso guardar o livro, não

deixa-lo em qualquer lugar, e trazê-lo de volta para a escola. Parece obvio, mas algumas

famílias não se organizam e perdem os livros. Com relação a perdas, nós falamos para

os alunos que, caso isso ocorra, o livro deverá ser reposto. Isso não necessariamente

acontecerá, mas usamos essa fala para que eles se conscientizem que nas bibliotecas

normalmente é conduzido dessa forma. Além disso, cuidar de um livro que não é seu

exige uma responsabilidade enquanto cidadão. O livro é um patrimônio público, é de

todos nós e não podemos trata-lo de qualquer jeito. Considero que esse cuidado também

faz parte da formação leitora.

Toda sexta-feira nós temos outra roda de leitura, que eu chamo de práticas de

leitura. Nesse momento eu proporciono o contato dos alunos com diferentes portadores

textuais como revistas infantis, jornais, dentre outros. Atualmente estamos trabalhando a

Revista Recreio. Já exploramos a capa da revista e a matéria principal, fizemos

inferências dos conteúdos abordados. Trabalhamos ainda com o índice e sua relação

com as páginas da revista.

A Revista Recreio possibilita também trabalhar as seções, que auxilia os alunos

procurarem mais facilmente o tema que mais lhes agrada. Quanto à leitura, os alunos

estão desenvolvendo recursos próprios, ou não, para ler o que está escrito. Quando não

conseguem, pedem ajuda ao colega. Costumo fazer essas atividades em duplas ou trios,

porém tento variar esses agrupamentos e também proponho atividades individuais.

Tento evitar uma proposta burocrática e monótona. Acho importante estar mudando os

desafios. Há propostas que tem um objetivo definido, mas também proporciono

momentos de livre exploração do material. Numa semana eu propus que todos

procurassem a seção bichos. Os alunos recorreram ao índice para procurar a seção

bichos, olharam o número da página – eles também estão aprendendo os números -,

folhearam a revista para encontrar a página e tentaram ler o artigo, cada aluno do seu

modo. A partir de imagens e leitura do título, elaborando hipóteses a respeito do assunto

abordado. Acredito que essa leitura prévia, a partir das imagens, é muito importante na

construção da competência leitora.

A maioria do grupo ainda não é um leitor convencional, mas alguns alunos já

estão iniciando o processo de leitura – quatro ou cinco alunos. Muitas vezes esses

alunos que incentivam e trazem o grupo junto com eles, pois são referência, de

estudantes mais experientes na leitura. Esse momento é muito rico, pois, além de

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conhecer os gêneros, os alunos aprendem com seus pares. Há situações nas quais os

alunos vão manusear esses suportes e trazer para a roda aquilo que leram e da forma que

leram – imagens, títulos, subtítulos, etc. Enfim, consideramos os recursos usados por

cada aluno e vamos dialogando e construindo coletivamente a formação leitora.

Entrevistadora: Quem fornece a Revista Recreio para a escola?

Educadora: A Prefeitura fornece para a escola pelo Projeto do TOF – Toda força do

1ºano. Nós recebemos a Revista Recreio semanalmente e a Revista Ciência Hoje

Infantil, se eu não me engano, mensalmente. Recebemos também um jornal, que não

vem especialmente para o 1ºano, mas para a escola. Eu pretendo ainda esse ano

apresentar para os alunos o jornal, explorando suas seções.

Entrevistadora: Além dos livros fornecidos pelo MEC e das revistas fornecidas

pela Prefeitura, a escola disponibiliza algum outro material de leitura?

Educadora: Nós temos um parceiro coadjuvante nesse processo que é a biblioteca da

escola. A formação leitora implica num movimento dos estudantes irem para a

biblioteca da escola, com sua carteirinha, para fazer empréstimo de livros

autonomamente. Os alunos costumam ir à biblioteca no horário do recreio. Esse

movimento eu não oriento.

Entrevistadora: Em algum momento da rotina semanal, você vai com os alunos à

biblioteca da escola?

Educadora: Não. Eu não vou com eles porque em nossa rotina nós ainda não temos

esse tempo. Eu adoraria leva-los ainda esse ano para eles começarem a estar dentro de

um espaço que é o lugar da leitura. Nós temos ainda uma questão do uso da biblioteca

por outros grupos de estudantes. Eu precisaria saber se a biblioteca está disponível no

horário que eu trabalho a leitura... [ficou pensativa] Acho que não é impossível. Acho

que dá para fazer. Talvez não durante a rotina semanal, mas uma vez ou outra. Acho

que também faz parte da formação leitora o educador estar junto com seus alunos

naquele espaço. Seria bastante significativo para eles. Independente disso, muitos deles

– a maioria - vai à biblioteca fazer empréstimos de livros.

Entrevistadora: Os alunos possuem uma carteirinha para fazer empréstimo de

livros na biblioteca?

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Educadora: Os alunos tem a carteirinha de estudante que é válida para o cinema e para

o teatro. É a mesma carteirinha que eles fazem empréstimo de livros.

Entrevistadora: Como é trabalhada a questão do empréstimo de livros com os

pais?

Educadora: Muito bem colocado. Nós começamos hoje o empréstimo de livros. A

reunião de pais foi no final do mês passado. Nossa ideia era começar os empréstimos no

início do mês de abril, mas a greve dos professores nos desorganizou.

Uma das questões em pauta na reunião de pais foi a importância da formação

leitora dos alunos. Falamos ainda do intuito do empréstimo de livros e de como as

famílias devem se aproximar dessa leitura junto com seus filhos. Explicamos que os

pais devem ler para os filhos e dialogar sobre essa leitura. Não é só ler o livro e

preencher a ficha, assim a seco, tornando esse momento burocrático. A ideia é de que

eles dialoguem. Muitas famílias da escola pública em geral não são leitoras, não são

letradas e não tem o habito da leitura em sua casa. A ideia é trazer a família junto e

torná-los leitores também.

Essa semana nós vamos enviar um bilhete, para os pais e alunos, com as

orientações sobre a leitura em casa. Nele nós explicamos que no momento da leitura a

televisão deve estar desligada, pois é preciso um ambiente tranquilo para essa leitura.

Enfim, são uma série de orientações que foram dadas na reunião de pais e que serão

reforçadas. Além disso, estamos sempre aberas para conversar e orientar os pais no que

for preciso.

Entrevistadora: Com relação aos títulos, além do material que a escola recebe do

MEC, as educadoras possuem uma verba para adquirir um livro específico a ser

trabalhado com os alunos?

Educadora: Tem o PTRF - Programa de Transferência de Recursos Financeiros -, que

é bimensal e pode e pode ser utilizado na compra de materiais de uso da escola. Eu já

utilizei desse recurso para comprar livros que iria trabalhar com os alunos na Festa da

Cultura. Talvez eu solicite alguns livros para a Festa da Cultura deste ano.

Entrevistadora: Na roda de leitura, você utiliza algum título que todos os alunos

tenham um exemplar para acompanhar a leitura?

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Educadora: Não tive essa situação ainda... [ficou pensativa], mas acho que pode ser uma

situação bem interessante.

Entrevistadora: Gostaria de saber um pouco sobre sua formação inicial e sua

formação continuada?

Educadora: A escola deveria ter dois coordenadores, porém até este ano ela contava

somente com uma coordenadora para atender os educadores dos ciclos I e II. Por não

conseguir atender a todos, ela acabou priorizando o acompanhamento da elaboração dos

roteiros de pesquisa, elaborados a partir do 3ºano do ciclo I. Este ano um dos

educadores da escola assumiu o outro cargo de coordenador. A ideia é de que agora eles

consigam acompanhar o trabalho de todos os educadores da escola.

Fora isso, em 2003 e 2004 eu fiz um curso que me abriu as portas para esse olhar

que eu tenho hoje. Foi um curso oferecido pela Prefeitura de formação de professores

alfabetizadores do PROFA - Programa de Formação de Professores Alfabetizadores –

de aproximadamente dois meses. O curso abordava a questão da alfabetização. Nossas

discussões eram pautadas em situações práticas. Tudo o que era estudado tinha um

desdobramento na prática. Esse curso me deu a oportunidade de crescer como

professora alfabetizadora e me deu uma condição que eu não tinha antes para trabalhar

com os alunos do 1ºano.

Antes do curso minha referência de educação era a da escola tradicional, na qual

predomina a silabação, o “ba-be-bi-bo-bu” e os textos mais simplificados. Eu tinha essa

referência no meu percurso como estudante e depois na minha formação.

Na Faculdade, foram pinceladas algumas concepções pedagógicas, que não

foram aprofundadas. Na época havia o predomínio de questões ideológicas. Me formei

na PUC e lá discutíamos muito Paulo Freire e questões Políticas, que marcaram muito

minha formação enquanto educadora. No entanto, acredito que na minha formação

faltou a questão da metodologia e da didática, que foram supridas nesse curso do

PROFA. Foi quando me especializei na alfabetização.

A partir desse curso, pesquisei os estudos de Délia Lerner. Esse caminho eu

trilhei por mim mesma. Para além do curso pesquisei ainda os teóricos que beberam na

fonte da Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Tem ainda a Telma Weiss que é uma grande

referência para os educadores no Brasil. É ela quem organiza os materiais do PROFA.

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As práticas de leitura que faço aqui na escola eu não aprendi nesse curso, pois

ele era voltado para a alfabetização. No entanto, ele me auxiliou na conscientização da

importância da leitura.

A bibliografia referente à formação leitura eu fui pesquisando sozinha. Eu

embasei algumas de minhas práticas num material fornecido pela Prefeitura chamado

PIC – Projeto Intensivo no Ciclo I – que é voltado para os alunos do 4ºano que não

estão alfabetizados. Esses material tem um conteúdo muito bom de formação leitora.

Quando li esse material fiquei pensando que não era preciso esperar os alunos chegarem

ao 4ºano para usufruir desse material. O ideal seria usá-lo com os alunos do 1ºano, pois

o quanto antes nós qualificarmos esses momentos de roda de leitura, melhor. Todos

vamos sair ganhando.

O material do PIC começou a ser fornecido no governo da Erundina, que trousse

a concepção construtivista para as escolas da Prefeitura de São Paulo. Ao longo das

gestões essa concepção foi apresentada para os educadores da rede. Na gestão da Marta

Suplicy, os professores tiveram uma formação mais constante. Foi nessa época que fiz

meu curso. De uns anos para cá, nas últimas gestões, esse curso de especialização

oferecido pela Prefeitura, deixou de ter duração de dois anos e passou ser fracionado,

não permitindo que os educadores tivessem a noção do todo. A meu ver, isso fez com

que o curso ficasse menos consistente.

Entrevistadora: Como é feita a divulgação desses cursos?

Educadora: Pelo Diário Oficial e os coordenadores da escola recebem e-mail da DRE –

Diretoria Regional de Ensino.

Entrevistadora: Há uma continuidade desse trabalho de formação leitura nos

próximos anos do ciclo I? Você acompanha esse trabalho?

Educadora: No ano passado eu elaborei um roteiro de gêneros literários para ser

trabalhado com os alunos do 2ºano. Na verdade eu saí um pouco da ideia de roteiro de

pesquisa e elaborei um roteiro de estudo, com sequências didáticas. Para apresentar o

gênero de fábulas, por exemplo, sugiro que o professor faça uma roda com os alunos

para levantar os conhecimentos prévios.

As sequências foram preparadas com base no próprio livro didático, que é muito

bom – livro LER: Leitura, Escrita e Reflexão. Esse livro é o que está mais em

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consonância com o trabalho que acreditamos de construção do conhecimento. Ainda

não é o ideal, pois o material ideal é aquele que você produz, dentro do que voc~e

acredita, da concepção que você estuda.

Entrevistadora: Por que os livros e revistas que compõem a biblioteca da sala

ficam guardados em caixas e não acessíveis às crianças?

Educadora: Essa escola é pública e nós estamos com um problema de pessoas entrando

indiscriminadamente na sala de aula. Atualmente estamos perdendo materiais

importantes indiscriminadamente.

São muitas crianças manuseando esses livros. Acredito que para manusear os

livros eles precisam ainda estar com um educador junto, orientando. Nós queremos

muito poder deixar os livros a vista para os alunos. Mesmo ficando na caixa, esse

material não está em boas condições. As Revistas Recreio, que eu constantemente

reconstituo, muitas vezes perdem suas capas e conteúdos. Tem criança que abre a caixa,

pega a revista e rasga. Mudar esses hábitos é uma missão nossa, como educadores.

Num grupo de estudo da escola, eu levantei a questão do uso do patrimônio

público, da relação do estudante com o patrimônio público. Seja com a carteira escolar –

que eles rabiscam – ou com o livro e material de uso comum – que são destruídos. Essa

cultura de que tudo é descartável ainda está implícita, infelizmente. A mudança é um

processo longo. Futuramente, talvez possamos ver algo mudar. Então, nós temos que ter

um cuidado para que o livro possa ser compartilhado e usado por todos.

Tem ainda um momento diário leitura que não citei anteriormente. Nesse

momento a estagiária organiza a sala em cantinhos de atividades. Muitas vezes ela

oferece os livros da caixa no cantinho da leitura. No entanto, nós observamos que nesse

momento, é preciso uma orientação constante por parte do educador, pois alguns alunos

rasgam os livros. Acredito que seja preciso uma coesão de atitudes por parte dos

educadores nesses encaminhamentos. Isso nós ainda não conseguimos resolver.

Nas conversas diárias, realizadas com as crianças, nós também pontuamos a

importância de cuidar da escola e uma postura de estudante. Precisamos unir forças para

nos respeitar aqui na escola e usar isso para a vida. Uma formação cidadã.

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ANEXO II – Registro de Fragmentos de conversa

Perguntamos à professora se ela já havia escolhido alguns dos livros que

pretendia utilizar nas atividades de leitura compartilhada. Ela comentou que para

trabalhar com os contos de Grimm, havia selecionado textos traduzidos por Maria

Heloisa Penteado e Tatiana Belinky.

ANEXO III – Registro de Observação de atividade de Leitura Compartilhada 1

Acompanhamos uma atividade de leitura compartilhada do livro Porque a zebra

é listrada, de Carla Baredes e Ileana Lotersztain. A seguir, apresentamos um relato

dessa atividade:

A professora reuniu os alunos sentados em roda e pediu que ficassem em silêncio para que todos pudessem ouvir. Inicialmente ela mostrou a capa do livro e explicou que aquele livro falava sobre animais. Em seguida, leu o título do livro e perguntou aos alunos: ”Por que vocês acham que a zebra é listrada?”. Os alunos nada responderam. Ela explicou que esse livro não falava só sobre a zebra, mas também a respeito de vários animais. Complementou que era um livro de curiosidades. Dando continuidade à atividade, a professora selecionou um trecho do livro intitulado “A zebra listrada” e começou a lê-lo. Logo no início da leitura, alguns alunos se mostraram um pouco inquietos e desatentos. Nesse momento, ela interrompeu a leitura, retomou com eles a necessidade da atenção e mudou alguns deles de lugar. Em seguida, ela retomou o que havia lido e continuou a leitura. Ao longo da leitura, a maioria das crianças se mostrou desatenta e desinteressada com relação ao texto lido. No final da leitura, várias crianças externaram não ter compreendido o que havia sido lido.

ANEXO IV – Registro de Observação de atividade de Leitura Compartilhada 2

Acompanhamos uma atividade de leitura compartilhada do texto A Galinha

Ruiva. A seguir, apresentamos um relato dessa atividade:

A professora pediu para as crianças pegarem o livro de Língua Portuguesa e abrir na página número 67. Em seguida explicou que eles iriam ler o texto desta página. Antes de iniciar a leitura ela perguntou se eles sabiam que tipo de texto era aquele. A maioria dos alunos respondeu que era o “texto da galinha”. A professora perguntou qual seria o título do texto. Uma aluna

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respondeu que era A galinha ruiva. A professora perguntou onde ela havia a aluna havia lido A galinha ruiva. A aluna explicou que estava em vermelho. Em seguida a professora pediu que todos lessem o título do texto acompanhando com o dedo. A professora perguntou novamente se eles sabiam que tipo de texto era aquele, questionando se era uma receita, a instrução de um jogo... Um aluno disse que era uma receita de pão, outro comentou que achava que era uma música. Uma menina falou que era uma história, pois estava escrito “um dia uma galinha ruiva encontrou alguns grão de...”. A professora comentou que iria ler o texto para os alunos e pediu que os alunos acompanhassem a leitura com o dedo. Antes de iniciar a leitura ela falou que nesse momento não daria para chupar o dedo e brincar com o estojo, pois era preciso focar na leitura. Ela pediu que eles sentassem direitinho na cadeira e posicionassem o dedinho no título, lembrando que ele estava escrito em vermelho. A professora iniciou a leitura enfatizando sua entonação. Quando ela leu a fala do cachorro, do gato, do porco e do peru, os alunos acompanharam sua leitura em voz alta. Nesse momento a professora interrompeu a leitura para enfatizar que a fala dos animais se repetia ao longo do texto e estava em negrito. Ao final da leitura a professora comentou que esse texto possuía um ensinamento. Em seguida ela perguntou se foi difícil acompanhar, se eles prestaram atenção, e repreendeu um aluno que fechou o livro no meio da leitura. Ela comentou que era mesmo ele já estar lendo convencionalmente, era preciso acompanhar a leitura junto com o grupo. Depois a professora pediu que eles observassem as ilustrações do texto e perguntou o que elas mostravam. Junto com os alunos ela foi comentando que esses desenhos mostravam os personagens e ilustravam diferentes momentos da história.

ANEXO V – Registro de Observação de atividade de Leitura Compartilhada 3

Acompanhamos uma atividade de leitura compartilhada do livro Era uma vez um

gato xadrez, de Bia Villela. A seguir, apresentamos uma descrição dessa leitura:

Professora: Eu fui até a nossa caixa de livros e escolhi um livro muito interessante. Aluna 1: Caixa mágica! Professora: Qual o título desse livro (mostrando a capa) Os alunos tentam ler. Professora: O que tem ilustrado nessa capa? Alunos: Um gato xadrez. Professora: Exatamente. Esse texto tem ritmo, movimento e as palavras combinam. Elas têm rimas. Aluno 1: Igual aos poemas! Aluna 2: Quem é o ilustrador do livro? Aluno 2: É quem faz os desenhos do livro. A professora iniciou a leitura do livro e ao longo da leitura deixava que as crianças completassem as rimas. Professora: Quem gostou? Os alunos externaram que gostaram. Professora: Agora vou ler a respeito da autora do livro. Ela se chama Bia Villela. Quando vocês forem à Biblioteca, poderão pegar outros livros dela. Aluna 2: Eu gostei muito dessa autora e gostaria de marcar o nome dela. Aluna 3: Hoje vamos levar livros para casa? Professora: Não, só iremos fazer empréstimos a partir do mês de abril.

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A professora organizou os livros de empréstimos no centro da roda e comentou que esses eram os livros que eles iram levar para ler em casa futuramente. Em seguida pediu que cada aluno escolhesse um livro. Nesse momento ela deu um tempo para que eles pudessem apreciá-los antes de escolher. Enquanto os alunos exploravam os livros a professora sugeriu que eles observassem a capa e o título. Por fim, ela pediu que todos voltassem para a roda para compartilhar com os amigos suas impressões dos livros selecionados. Professora: Quem gostaria de mostrar o livro que escolheu? Aluna 2: Eu escolhi um livro de poemas. Nesse livro tem um poema do cavalinho que eu gosto. Professora: Então vou ler esse poema para todos. Ao final da leitura o aluno 3 disse: Eu tenho um livro de poemas em casa que tem esse poema.

ANEXO VI – Registro de Observação de atividade de Prática de Leitura

Acompanhamos uma atividade de leitura da Revista Recreio que, assim como as

propostas de leitura abordadas anteriormente, é realizada com a metade do grupo e de

forma escalonada. De acordo com o a professora, essa atividade é comumente realizada

no saguão de entrada da escola, uma vez que nesse momento a sala de aula é utilizada

pela outra metade do grupo. A seguir apresentamos uma breve descrição dessa

atividade:

Inicialmente, a professora convida os alunos para sentarem, em roda, no chão do saguão e coloca no centro dessa roda um tecido com diferentes exemplares da revista. Em seguida, ela explica que eles irão, em duplas, selecionar um desses exemplares, pesquisar uma sessão, ler e apresentá-la ao grupo. Após definir as duplas, ela as chama, uma de cada vez, para selecionarem uma revista, ressaltando que essa escolha deve ser de comum acordo. Com a revista em mãos, a professora solicita que cada dupla defina a sessão que pretender pesquisar, localize o número de sua página no índice da revista e iniciem sua leitura. Nesse momento, cada dupla se reúne num canto do saguão, buscando a melhor forma de se acomodar. Finalizada a leitura, a professora reúne novamente todos os alunos em roda e pede que cada dupla compartilhe com o grupo o que leu e como realizou essa leitura. Durante essas apresentações, a professora pergunta se os alunos querem ler ou se eles querem que ela leia. Nesse momento alguns alunos levantam a mão para compartilhar seus conhecimentos sobre o assunto abordado.